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com os recursos, estimulando a criatividade e a autonomia diante da dinâmica da aprendizagem. Acredita-se que a pesquisa contribui com a conhecimentos sobre os conhecimentos para uma prática pedagógica inclusiva efetiva dos docentes, a partir da discussão do acesso de todos à leitura, independentemente de suas limitações.

1 LETRANDO COM LIBRARIA: POSSIBILIDADES DA TECNOLOGIA ASSISTIVA DIGITAL PARA O ENSINO DE ESTUDANTES SURDOS LETTERING WITH LIBRARIA POSSIBILITIES OF DIGITAL ASSISTIVE TECHNOLOGY FOR TEACHING DEAF STUDENTS Larissa Christine Pinheiro Nunes Mestra em Educação Universidade Estadual do Maranhão Sannya Fernanda Nunes Rodrigues Professora Adjunta do Departamento de Educação Universidade Estadual do Maranhão Resumo O presente estudo versa sobre a compreensão de como a implementação de Tecnologias Assistivas Digitais – TAD na prática docente pode favorecer o processo de letramento dos alunos surdos. Objetivou compreender o uso e as possibilidades das TADs na promoção efetiva dos multiletramentos de alunos surdos, por meio do desenvolvimento de um aplicativo com interface de leitura acessível. A pesquisa se caracteriza como um estudo de abordagem qualitativa de caráter exploratório, com inspiração metodológica no materialismo histórico-dialético de Hegel. Trata-se de uma pesquisa de desenvolvimento. Os pressupostos teóricos e analíticos que fundamentam este estudo estão desenhados a partir das contribuições de autores como Bersch (2017), Cazden (2012), Cope; Kalantzis (2012), Mantoan (2014), Quadros (2007), Soares (2003), Skliar (1998), entre outros. A pesquisa exploratória foi realizada em sites especializados no atendimento educacional de surdos e plataformas de aplicativos como Apple Store, Play Store e Microsoft Store. As análises levantadas indicaram que o uso pedagógico das TADs proporciona a compreensão e aprendizagem de seus usuários, pois definem uma metodologia em substituição a um ensino descritivo e memorístico. Incide sobre a necessidade dos professores terem domínio das TAD, de modo a instaurar as diferenças qualitativas nas práticas pedagógicas. Desta forma, é possível a integração das atividades pedagógicas Cadernos de Pesquisa em Educação - PPGE/UFES Vitória-ES. Número 57, jun./dez 2023 - ISSN 2317-742X 2 com os recursos, estimulando a criatividade e a autonomia diante da dinâmica da aprendizagem. Acredita-se que a pesquisa contribui com a conhecimentos sobre os conhecimentos para uma prática pedagógica inclusiva efetiva dos docentes, a partir da discussão do acesso de todos à leitura, independentemente de suas limitações. Palavras-chave: Aplicativo. Surdez. Multiletramentos. Tecnologia Assistiva Digital. Abstract: This study focuses on understanding how the implementation of Digital Assistive Technologies – TAD in teaching practice can favor the literacy process of deaf students. The objective was to understand the use and possibilities of TADs in effectively promoting multiliteracies among deaf students, through the development of an application with an accessible reading interface. The research is characterized as a study with a qualitative approach of an exploratory nature, with methodological inspiration in Hegel's historical-dialectical materialism. This is development research. The theoretical and analytical assumptions that underpin this study are drawn from the contributions of authors such as Bersch (2017), Cazden (2012), Cope; Kalantzis (2012), Mantoan (2014), Quadros (2007), Soares (2003), Skliar (1998), among others. The exploratory research was conducted on websites specialized in educational services for deaf people and application platforms such as the Apple Store, Play Store and Microsoft Store. The analyzes collected indicated that the pedagogical use of TADs provides understanding and learning for its users, as they define a methodology to replace descriptive and memoristic teaching. It focuses on the need for teachers to master TAD, to establish qualitative differences in pedagogical practices. In this way, it is possible to integrate pedagogical activities with resources, stimulating creativity and autonomy in the face of learning dynamics. It is believed that the research contributes to knowledge about knowledge for an effective inclusive pedagogical practice of teachers, based on the discussion of everyone's access to reading, regardless of their limitations. Keywords: Application. Deafness. Multiliteracies. Digital Assistive Technology. Cadernos de Pesquisa em Educação - PPGE/UFES Vitória-ES. Número 57, jun./dez 2023 - ISSN 2317-742X 3 1 Introdução A inclusão escolar e o processo de Letramento da pessoa com surdez são debates históricos, que ainda permanecem latentes hodiernamente. Demandam a adoção de metodologias e estratégias pedagógicas diferenciadas, pelas especificidades inerentes à pessoa humana e pelas diversas barreiras existentes no contexto social. Segundo Soares (1998), Letramento é o estado daquele que não só sabe ler e escrever, mas que também faz uso competente e frequente da leitura e da escrita, e que, ao tornar-se letrado, muda seu lugar social, seu modo de viver e sua inserção na cultura. Tangente a isso, no que se refere ao surdo, o método visuoespacial é o mais adequado à aquisição e utilização da linguagem, assim, “seu processo de Letramento somente faz sentido se significado por meio da Língua Brasileira de Sinais – Libras” (Santana, 2007, p.28) Os princípios da inclusão e acessibilidade comunicacional para a pessoa com surdez se fortalece por meio da promulgação de leis que asseguram os direitos dessa parcela da população. Seguindo essa prerrogativa, a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), em consonância com diversos países, incluindo o Brasil, estabelece os princípios da dignidade humana inerente a todos, por meio de direitos iguais e inalienáveis, onde os estados comprometeram-se a promover e respeitá-los. Nessa conjuntura, a Constituição Federal de 1988 apregoa que “[...] a educação é direito de todos e dever do estado e da família”, devendo ser “[...] promovida e incentivada com a colaboração da sociedade” (art. 205, 1988, s/p). Todavia, situando a Língua Portuguesa como segunda língua para o surdo no âmbito de políticas de idioma e da legislação vigente, em face de suas necessidades colocadas pelas características de sua produção escrita, é imprescindível que este também adquira competências linguísticas em Língua Portuguesa na modalidade escrita. Nesse contexto, as Tecnologias Assistivas Digitais – TADs apresentam-se como alternativa de recurso pedagógico acessível capaz de melhorar as habilidades comunicacionais e contribuir com tal feito, considerando que tais recursos agregam elementos visuais intensivos, Cadernos de Pesquisa em Educação - PPGE/UFES Vitória-ES. Número 57, jun./dez 2023 - ISSN 2317-742X 4 lúdicos e interativos, capaz de melhorar as habilidades comunicacionais e contribuir com uma aprendizagem mais significativa. Por fim, ressaltamos que propostas educacionais como esta devem ser pautadas para a inclusão efetiva, eficiente e de qualidade, evitando ações que representem desrespeito às individualidades. E todas as possibilidades de acesso ao ambiente escolar devem ser consideradas quando se projeta ou se oferta uma educação inclusiva, pautada na qualidade e no atendimento a todos. 2 Caminhos para a materialização do estudo A referida pesquisa possui caráter qualitativo, centrando-se na compreensão de como a implementação de TADs na prática docente pode favorecer os processos de multiletramentos dos surdos. Com efeito, de acordo com Godoy (1995), a pesquisa de abordagem qualitativa: [...] não procura enumerar e/ou medir os processos estudados, envolve a obtenção de dados descritivos, onde é possível fazer uso de instrumentos para a investigação de um estudo que envolve pessoas e processos interativos que constituem a temática abordada com ênfase para os fenômenos educativos e sociais (GODOY, 1995, p.58). Sendo assim, por ser uma pesquisa de desenvolvimento de aplicativo, ela também possui natureza descritiva e exploratória, com “[...] análise de conteúdo a fim de descobrir seus efeitos potenciais” (Lakatos; Marconi, 2003, p.188). Diante disso, ao buscar analisar as aplicações existentes, destacamos as possibilidades delas no ensino dos surdos. Tais informações foram levadas em consideração durante o planejamento e produção do aplicativo desenvolvido, garantindo, assim, um recurso de acessibilidade eficaz e que contribui para eliminar as barreiras que impedem a implementação dos processos de inclusão. No que concerne ao método de pesquisa, adotou-se o método epistemológico dialético idealista fundamentado por Hegel, que consiste na análise do fenômeno social, situando-o dentro do seu contexto, para então estabelecer as bases de transformação da prática. Corroborando com Lakatos e Marconi (2003, p. 78), “[...] o método dialético penetra o mundo dos fenômenos através de sua ação sistêmica e holística inerente ao fenômeno, que ocorre na Cadernos de Pesquisa em Educação - PPGE/UFES Vitória-ES. Número 57, jun./dez 2023 - ISSN 2317-742X 5 sociedade”. Seguindo com a explanação referente às etapas concretizadas, para a fase inicial, foram realizadas leituras do arcabouço teórico existente acerca do objeto de estudo em bibliografias e sites especializados no atendimento educacional ao surdo e de natureza científica, como o Google Acadêmico, o Rcaa.pt e Scielo. A segunda fase deu-se por meio da pesquisa exploratória de TAD específicas para a surdez, em repositórios digitais como Apple Store e Play Store, considerando critérios de qualidade e usabilidade seguindo os padrões do Modelo de Acessibilidade em Governo Eletrônico – eMAG e o Desenho Universal, considerando os seguintes aspectos: descrição, relevância do conteúdo ao público-alvo, usabilidade no contexto educacional; e aspectos visuais desses ambientes. A terceira etapa foi constituída pelo planejamento do layout e das configurações do aplicativo Libraria: Literatura Acessível, disponível para download na Google Play Store. 3 Possibilidades da Tecnologia Assistiva Digital para o ensino de estudantes surdos Vem despontando no cenário hodierno um movimento proposto por pesquisadores americanos, no início do século XXI, que considera os efeitos culturais, sociais e cognitivos decorrentes das variadas culturas e contexto: a Pedagogia dos Multiletramentos. Nele estuda-se as implicações da linguagem na vida escolar, social, pessoal, cultural etc. dos alunos, apregoando que a escola, como uma das agências mediadoras das práticas letradas entre o discente e o meio social, “[...] instaure novas funções, que visem à autonomia de seus alunos, através de seus discursos e enunciações, ampliando, dessa forma, suas potencialidades de aprendizagem.” (Kalantzis; Cope, 2012, p. 06) A Pedagogia dos Multiletramentos apresenta uma conjuntura (multi)interativa e multitextual, que parte de quatro conceitos chamados de processos do conhecimento: experienciar (o novo e o conhecido), conceitualizar (nomear; teorizar), analisar (criticamente, funcionalmente) e aplicar (criativamente e apropriadamente); (Cazden et al, 2021, p. 48), oportunizando que os modos escritos de significação possam ser complementados ou Cadernos de Pesquisa em Educação - PPGE/UFES Vitória-ES. Número 57, jun./dez 2023 - ISSN 2317-742X 6 substituídos por novas formas de linguagem, tais como gravações e transmissões do oral, visual, gestual e outros padrões de significado. Isto implica na necessidade de ampliar o alcance da Pedagogia de Letramento para além da comunicação alfabética, especialmente no contexto dos surdos. A prática é desenvolvida de forma dar ao educando “[...]um instrumento linguístico que o torne capaz de comunicar-se de diferentes maneiras, a exemplo do desenho, sistematização escrita, jogo simbólico, sinalização, etc.” (Skliar, 2010, p. 04). Os esquemas surgem com o advento de funções simbólicas através das operações mentais, da intuição, da simbolização, da seriação e da abstração. Essas atividades viabilizam a interiorização da experiência e sua conceituação. Para que a criança surda possa aprender a Língua Portuguesa, o professor deve desenvolver, entre outras: a percepção, identificação dos ritmos e imagens em estrita correlação com o letramento linguístico. No contexto da aprendizagem, as práticas de multiletramentos pressupõem o uso de língua minimamente referenciada. Desde criança, somos sujeitos da comunicação, quer sejam fônicas ou manuais. E é por meio de nossas interações que adquirimos saberes sobre a construção do léxico, sobre a gramática e sobre os usos de uma língua. (Albano, 2021). Concerne que Soares (1998) concebe a aquisição da língua de sinais como única possibilidade de acesso ao surdo a uma outra língua estruturada. Nesse sentido, a proposta da educação de surdos para os multiletramentos converge da educação bilíngue apresentada por Mantoan (2014, p. 28), que defende que a participação efetiva do aluno surdo é viabilizada pela inserção da Libras em sala de aula, sendo vista como sua língua materna (L1). Assim sendo, sua língua de instrução, a língua portuguesa teria espaço na formação do alunado surdo com status de segunda língua (L2) e segunda modalidade (M2). As atividades de leitura e de produção de texto simplificam-se mutuamente no ensino de uma língua. Se na pedagogia de uma língua materna, o ato de produzir perpassa necessariamente pelo ato de receber informações de natureza diversa, por meio da leitura, no ensino de L2, tal processo é de fundamental importância. Acrescenta-se que, nesse caso, os recursos gráficos e visuais constituem instrumentos auxiliares de excelência. A contemporaneidade é uma contingência histórica caracterizada por grandes mudanças. Algumas marcas desse período estão relacionadas ao Cadernos de Pesquisa em Educação - PPGE/UFES Vitória-ES. Número 57, jun./dez 2023 - ISSN 2317-742X 7 desenvolvimento tecnológico, que vem avançando de um modo bastante expressivo, e seus efeitos incidem cada vez mais sobre nossas vidas. Para Vygostsky (1987, p.112), “[...] é extremamente relevante para o desenvolvimento humano o processo de apropriação, por parte do indivíduo, das experiências presentes em sua cultura”, destacando que “[...] o acesso aos recursos oferecidos pela sociedade, escola, tecnologias, etc., influenciam determinantemente nos processos de aprendizagem do indivíduo” (Ibid, p. 115). Por sua vez, considerando o contexto tecnológico como algo imanente e, portanto, pertencente à sociedade, no que diz respeito à população surda, as Tecnologias Assistivas Digitais – TADs desenvolveram-se como suporte que minimiza as suas limitações e complementa as suas habilidades. Podendo ser vistas como recursos que possibilitem melhorias quantitativas e qualitativas de estratégias para desempenhar uma dada atividade, além de aprimoramento das capacidades intelectuais e físicas dos sujeitos, como afirma Santarosa: [...] as dificuldades de muitas pessoas com necessidades educacionais especiais no seu processo de desenvolvimento e aprendizagem têm encontrado uma ajuda eficaz na utilização das TADs como ferramenta ou ambiente de aprendizagem. (Santarosa, 1997, p. 115). Corroborando com a autora, diversos estudos1 evidenciam que o uso das TADs é sumamente essencial ao ensino do surdo, pois ao melhorar suas habilidades comunicativas, proporciona acessibilidade e exercício da cidadania para que este participe ativamente do processo escolar, tendo em vista que: [...] articular o uso pedagógico das tecnologias digitais por meio do PPP favorece o acesso e a permanência do educando na escola potencializando o desenvolvimento das novas práticas, qualifica os profissionais, favorece o desenvolvimento da autonomia do aluno, novas concepções de aprendizagem, proporciona melhores oportunidades e estimula a colaboração entre alunos e docentes (Vosgerau; Rossari, 2017, p. 135). Entre os benefícios do uso pedagógico das TADs, constata-se que estas proporcionam sobremaneira a compreensão e aprendizagem de seus usuários, pois definem uma metodologia que, em substituição a um ensino descritivo e memorístico, contemplam estudantes e professores com aprendizagem e ensino 1 Oliveira e Cardoso (2011), Malvezzi (2016), Coneglian (2018), Paiva et al (2020), Pahin (2020), entre outros. Cadernos de Pesquisa em Educação - PPGE/UFES Vitória-ES. Número 57, jun./dez 2023 - ISSN 2317-742X 8 significativos como ratifica o comentário abaixo de um usuário de TAD, que evidencia que: [...] O auxílio dos apps oportunizaram N’s benefícios na sala de aula: uma memorização mais eficiente, compreensão mais fácil, aprendizagem mais rápida, eficaz e duradoura, além da aquisição de novos conhecimentos e habilidades tanto para surdos como para ouvintes (GOOGLE PLAY STORE, informação informal, 2018). Cabe ressaltar que o uso das TAD pode ser utilizado tanto a favor da inclusão, quanto em seu sentido inverso. Tais métodos só serão exitosos se houver condições de acessibilidade, de como serão criados e aplicados no cotidiano dos sujeitos, e considerando a faixa-etária e contexto de desenvolvimento, posto que as experiências humanas podem ser diversas, embora todos os sujeitos sejam surdos. As mudanças nas interações sociais provocam mudanças cognitivas, e a discussão sobre aprendizagem, cognição e linguagem, por sua vez, não pode basear-se em um cérebro universal, homogêneo e a-histórico. Há transformações cognitivas que ocorrem em função de como significamos e compartilhamos o mundo, das escolhas que fazemos e de como construímos nossa subjetividade. Tal questão, portanto, exige um conjunto de estratégias e procedimentos de ensino diferentes e adequados à demanda, um ensino que atenda as diferenças individuais, ampliando recursos e práticas educativas. Por esse motivo, quando voltamos o uso das TADs para o contexto educacional, existe o apelo quanto a qualificação de profissionais adequada para intermediar o processo de ensino e aprendizagem do alunado surdo. As escolas, mais do que oportunizar o acesso à essas tecnologias, devem garantir também que professores estejam preparados para manusear os recursos de TA para enriquecer suas aulas. Corroborando com Conforto (2015), a abundância de recursos físicos e digitais, aliada a uma ampliação dos serviços de conexão móvel com a Internet, de armazenamento em nuvem e a evolução da telefonia celular, promoveram o surgimento de uma nova modalidade de educação, a Aprendizagem Móvel, ou mobile learning (m-learning), que têm crescido exponencialmente, tendo em vista que: Cadernos de Pesquisa em Educação - PPGE/UFES Vitória-ES. Número 57, jun./dez 2023 - ISSN 2317-742X 9 [...] diversas são as tecnologias móveis que podem ser utilizadas como ferramenta para auxiliar no processo de ensino aprendizagem, como o E-Readers, Tablet, Notebook e Smartphone. Cada uma dessas tecnologias traz um benefício e uma usabilidade diferente, sendo aplicada em diversas situações cotidianas dentro do cenário educacional. (Conforto, 2015, p.08). Segundo Branson (1990, p.62), a escrita “[...] é uma ferramenta tecnológica criada pelo homem” e de igual modo as tecnologias móveis a exemplo dos Softwares e Apps, por meio de dispositivos como tablets e smartphones é, outrossim, mais uma das criações difundidas no tempo histórico em que vivemos, implicando em uma relação estabelecida da invenção da escrita com o início da alfabetização. Por conseguinte, Branson (1990) apresenta o seguinte desenvolvimento histórico dos paradigmas educacionais: Figura 1 – Modelos de ensino do passado, presente e futuro Experiência TRADIÇÃO ORAL Conhecimento Professor Aluno Conhecimento Experiência PARADIGMA ATUAL Professor Aluno BASEADO EM TECNOLOGIAS Professor Base de conhecimento Fonte: Branson (1990, p.9). Aluno Aluno Sistemas especialistas Aluno O autor considera que o paradigma do passado é o da tradição oral, centrado no professor, e que concerne à “Educação Bancária”, criticada por Cadernos de Pesquisa em Educação - PPGE/UFES Vitória-ES. Número 57, jun./dez 2023 - ISSN 2317-742X 10 Paulo Freire (1995). O atual paradigma ainda é centrado no professor, mas com ocorrência de interações professor-estudante e estudante-estudante. Afirma, porém, a necessidade de um novo paradigma para o grande desafio educacional do futuro, o paradigma baseado em tecnologia, que representa um processo interativo centrado no estudante. Este tipo de metodologia será facilitado na medida em que o professor dominar o saber relativo às tecnologias, tanto em termos de valoração e conscientização de sua utilização (porque e para que utilizá-las), quanto em termos de conhecimentos técnicos (como utilizá-las de acordo com as suas características) e de conhecimento pedagógico (como integrá-las ao processo educativo). As TADs específicas para auxiliar os surdos, por sua vez, podem ser classificadas entre produtos low-tech, que exigem baixa tecnologia para fabricação e funcionamento, e high-tech, que exigem alta tecnologia. No contexto da pesquisa, destacam-se os softwares de aplicação específicos ao público surdo, inclusos no grupo low-tech, e mais comumente conhecidos: aplicativos de tradução automática de texto para Libras; ferramentas de conversão de áudio em texto para celulares e computadores; aplicativo com vocabulário em Libras; jogos digitais feitos especialmente para ajudar na aprendizagem da Língua Portuguesa a partir de imagens e figuras, entre outros. As configurações do Aplicativo Libraria, abaixo descritas, foram elaboradas a partir do estudo da arte de pesquisas anteriores 2 das autoras, realizado no período compreendido de Julho a Novembro de 2019, de analisar os aplicativos que se refletem como TADs destinadas à comunidade surda, identificando 33 aplicativos. Acrescidos mais 6 novos aplicativos, após estudos recentes, que surgiram entre 2020 e 2022, totalizando 39 softwares estudados com diversas funcionalidades de acordo com a sua finalidade: aplicações de comunicação, lúdicos, educativos, de apresentação de conteúdo, de exercícios, de auxílio para a vida prática, entre outros. Tomando por base a análise dos softwares e o embasamento teórico que norteou a pesquisa, escolheu-se as seguintes funcionalidades para compor o produto técnico-tecnológico desta pesquisa: 2 Op.cit Cadernos de Pesquisa em Educação - PPGE/UFES Vitória-ES. Número 57, jun./dez 2023 - ISSN 2317-742X 11 Figura 2: Funções do PTT TRADUTOR: as histórias serão traduzidas para a Lingua Brasileira de Sinais. LIVROS ILUSTRADOS: Facilita o entendimento, associação signo/significado, desperta a curiosidade e os sentidos. PÁGINA QUE VIRA: Apresenta maior familiaridade com livro físico MINHA BIBLIOTECA: Opção de favoritar a história, marcar como lido, escolher o conto para baixar e funcionar posteriomente sem precisar de internet. ZOOM NAS PÁGINAS DO LIVRO: Possibilita melhor compreensão das palavras. GLOSSÁRIO: consulta de inúmeras palavras em um dicionário com sinais Relação entre palavras em português, imagem e signo em libras Fonte: Dados da Pesquisa (2023). A arquitetura da informação e conteúdo foi planejada de modo a funcionar como facilitador de aprendizagem ao melhorar a fixação, estimular a interpretação, reconhecimento dos elementos textuais, sequência lógica, entre outros. Planejada com o objetivo de ser intuitiva e facilitar o manuseio, contendo as seguintes informações: Figura 3: Arquitetura da informação e conteúdo do PTT Aplicativo Libraria Cadernos de Pesquisa em Educação - PPGE/UFES Vitória-ES. Número 57, jun./dez 2023 - ISSN 2317-742X 12 Biblioteca composta por contos, fábulas e lendas infantis. Histórias favoritadas do leitor. Facilita a assimilação signo/significado e palavra/sinal. Quiz sobre as histórias, com feedback. Biblioteca com indicações e referências que instrumentalizem o professor no atendimento ao aluno surdo Informações sobre objetivos, equipe de desenvolvimento, entre outros. Fonte: Dados da Pesquisa (2023). Optou-se por disponibilizar no acervo, inicialmente, livros infantis de contos, fábulas e lendas, tendo em vista a aderência ao público-alvo, bem como, à viabilidade de interpretação devido ao tamanho dos textos. As obras disponibilizadas serão de arquivos da Política Nacional de Alfabetização – PNA/MEC, que possuem domínio e reprodução pública e licença gratuita. A acessibilidade do aplicativo dá-se por via de vídeos com tradução para a Libras. Inicialmente, a proposta era que fossem utilizados softwares de interpretação, no entanto, estes foram inviabilizados devido aos altos custos de aquisição. Assim, a aplicação foi projetada considerando o contexto bilíngue da criança surda e podem ser utilizadas desde o início do processo de aquisição da leitura e escrita, ou seja, com aquelas crianças que ainda não tiveram nenhum contato com a Língua Portuguesa, até o final das séries iniciais, em que a criança já se encontra alfabetizada. A diferença vai estar no nível de profundidade abordada, de acordo com a sua realidade. 4 Algumas considerações em forma de fechamento O conceito de Educação Inclusiva encontra-se em um limbo. Se por um lado avançamos no que se refere ao caráter de exceção presente na Educação “Especial”, sustentando que em respeito a uma condição Cadernos de Pesquisa em Educação - PPGE/UFES Vitória-ES. Número 57, jun./dez 2023 - ISSN 2317-742X especial, 13 extraordinária, seus usuários apreendem melhor em separado de uma classe comum, por outro lado, seu uso nos mostra que ainda nos distanciamos da educação democrática, pois o foco no “incluso” dá tanta luz a ele que denuncia uma inclusão ainda pela metade. Assim, qualquer debate sobre Educação Inclusiva corre o risco de fetichização se não abarcar a reflexão sobre a política educacional mais ampla. A Educação Inclusiva parte das questões levantadas pela deficiência, mas não se limita a elas, porque é a própria escola que precisa ser repensada como uma escola para todos, independentemente das diversidades. Essas perspectivas citadas no parágrafo anterior, sustentam a prevalência de atender às necessidades educacionais específicas de discentes que possuem características diferenciadas da maioria dos educandos, colocando-os para dentro das instituições de ensino e visando a sua inclusão e participação social. Ressalta-se que mudanças políticas, educacionais e sociais são necessárias na operacionalização desse princípio. Em termos governamentais, isso implica a reformulação das políticas financeiras e educacionais, além das implementações de projetos que tenham a ideia da inclusão, bem como, a preocupação com a adequada formação de professores. Por outro lado, as mudanças tecnológicas contribuíram para a disseminação do conhecimento e para a transformação da sociedade no que se refere à inclusão social, pois as tecnologias, com os diferentes recursos desenvolvidos, possibilitaram inúmeras melhorias na vida das pessoas com e sem deficiência. Tendo em vista que a efetivação do direito à autonomia e à independência decorre do direito à acessibilidade, nesta investigação, enfatizouse o uso pedagógico dos recursos de TAD como estratégia para a promoção da aprendizagem, que no caso dos surdos, trata-se de diversas soluções tecnológicas com funcionalidades que atendam requisitos de comunicação que, cada vez mais, se demostram aliadas indispensáveis à inclusão educacional desse público. Acredita-se que as TADs utilizadas no ensino de surdos propiciarão uma aprendizagem mais rápida, efetiva e duradoura, pois favorecem o processo de assimilação, a criatividade, o desenvolvimento cognitivo, adaptando-o ao meio e à sua própria realidade, reiterando que o uso das TADs deve ser previsto no planejamento docente, para que façam parte da prática pedagógica e Cadernos de Pesquisa em Educação - PPGE/UFES Vitória-ES. Número 57, jun./dez 2023 - ISSN 2317-742X 14 possibilitem ações inclusivas propiciando ao estudante uma maior interação com o outro, o acesso à informação, a construção colaborativa e cooperativa e o aprendizado. Dito isto, conclui-se que a pesquisa cumpriu com o que se propôs, denotando novas possibilidades aos docentes no sentido de instrumentalizá-los para uma prática pedagógica inclusiva efetiva, e que o processo de inclusão social, educacional e profissional dos surdos, em um futuro próximo, encontrarse-á em transição a sua real efetivação, em que não seja mais preciso ficar enfatizando os direitos de cidadão dessas pessoas, mas sim, possibilitá-los a vivência digna em todos os espaços concebíveis ao ser humano. Referências ALBANO, Fernanda. Inclusão: construindo uma sociedade para todos. Rio de Janeiro: WVA, 2021 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: Art. 205, 1998. Disponível em: <ww.planalto.gov.br/ >Acesso em 21 nov. 2023 BRANSON, Roman. 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