REFLEXÕES
CANCRO DO PÂNCREAS
PANCREATIC CANCER
HELDER MANSINHO
Director do Serviço de Hemato-Oncologia do Hospital Garcia de Orta
O adenocarcinoma do pâncreas constitui a 7.ª
causa de morte por cancro no Mundo. Na Europa em
2020 o número de novos casos estimado e publicado
pelo Globocan foi de 140.116 com 132.134 mortos.1
A incidência e mortalidade é discrepante entre
ao vários continentes e países, provavelmente
consequente a factores genéticos e hábitos diversos
entre os diferentes povos, assim como a capacidade
diagnóstica de cada país.1,2
Nos dados publicados pelo Globocan para 2020,
em Portugal, foram estimados 1792 novos casos,
e esperadas 1770 mortes, reflectem a incidência
e mortalidade das mais baixas da Europa,
contabilizando apenas mais casos que a Albânia
e com mortalidade estimada apenas superior à
Albânia e a Islândia. O País com maior incidência e
mortalidade da Europa é a Hungria.1
A gravidade do problema é tanto maior e na
proporcionalidade direta da mortalidade cujo rácio
é de 98% da incidência. Na Europa a sobrevivência
mediana ao ano é de 10 a 23% e aos 5 anos de 3%.3
Acresce que com o envelhecimento da população a
mortalidade por cancro do pâncreas irá aumentar,
nos USA, contabiliza-se na incidência e mortalidade
um acréscimo anual de 1% e 0,3% respectivamente.
Projecta-se que o cancro do pâncreas possa
representar já a 2.ª causa de morte por cancro nos
USA em 2020.4
Os factores de risco mais importantes conhecidos
são a obesidade e o sedentarismo, tabaco,
diabetes, consume de álcool e outros factores não
modificáveis como, a idade, a pancreatite crónica e
factores genéticos e familiares, salientando destas as
mutações BRCA 1 e 2 que são actualmente um alvo
terapêutico.5-15
A grande maioria de tumores pancreáticos são
classificados como adenocarcinomas ductais e
representam as neoplasias do pâncreas exócrino,
alguns com origem em lesões quísticas como os
IPMN (intraductal papillary mucinous neoplasms)
e a minoria serão os tumores neuroendócrinos.16
Entre as várias lesões percursoras dos adenocarcinomas as lesões neoplásicas intraepiteliais, PanIN
(pancreatic intraepitelial neoplasia), são lesões
microscópicas que surgem nos ductos pancreáticos
com menos de 5 mm e que evoluem de PanIN 1 a 3.
Enquanto que PanIN 1 representa a diferenciação
mucinosa das células ductais com atipia mínima,
PanIN 3 corresponde ao carcinoma “in situ”, esta
transformação é consequência de um processo
de atipia progressiva a que corresponde a uma
acumulação de alterações genéticas em determinados genes (KRAS, CDKN2,TP53 e SMAD4) e
tem uma evolução temporal que pode ir aos 11,7
anos.17,18
O único tratamento potencialmente curativo é
a cirurgia R0, no entanto ao diagnóstico 30% dos
tumores são localmente avançados e considerados
irressecáveis e 50% dos doentes apresentam doença
metastizada desde o diagnóstico.16
https://doi.org/11.34635/rpc.814
Revista Portuguesa de Cirurgia (2121) (49):113-117
113
mas melhor controlo local da doença. O ensaio de
fase II SCALOP e o estudo rectrospectivo AGEOFRENCH vão no mesmo sentido.27-29
Metade dos doentes diagnosticados apresentam
desde o inicio metastização à distância, e o objectivo
do tratamento, uma vez que a cura não é possível,
será o aumento da sobrevivência e o controlo
de sintomas. Os cuidados paliativos deverão ser
envolvidos precocemente no plano terapêutico
que será norteado pelo ECOG do doente,
comorbilidades, perfil nutricional, carga tumoral,
sintomas e preferências do doente.
Em 1997 ficou demonstrado no ensaio concretizado
por Burris que o tratamento com Gemcitabina
era superior ao fluorouracilo no controlo de
sintomas, sobrevivência e qualidade de vida.30
O regime FOLFIRINOX foi comparado com a
Gemcitabina no estudo ACCORD com beneficio e
aumento da sobrevivência mediana dos doentes de 6,8
para 11,1 meses, nos doentes com bom estado geral.31
Em 2013 foi publicado o estudo de fase III,
MPACT que comparou o NABpaclitaxel associado
à gemcitabina em comparação com a gemcitabina
em monoterapia e que demonstrou também ganhos
de sobrevivência com medianas de 8,5 meses e 6,7
meses respectivamente.32
Apenas existe evidência comparativa entre os
dois regimes com a análise de dados rectrospectivos,
e estudos de metanálise, que mostram dados
consistentes com os resultados dos ensaios de
fase III, sem diferenças significativas entre si na
sobrevivência global e sobrevivência livres de
progressão, mas com toxicidades e tolerâncias
diferentes entre os dos dois regimes. A escolha
do folfirinox recae usualmente nos doentes mais
jovens, com melhor estado geral – ECOG 0/1 – e
com menos comorbilidades.33,34,35
Dentro das alterações mutacionais encontradas
no cancro do pâncreas as mutações germinais
do BRCA1 e 2 representam um factor de risco, e
actualmente um alvo terapêutico. A sua prevalência
varia entre os 4 e 7% nas diferentes populações e
conferem a estes tumores uma maior sensibilidade
Só 20% dos tumores têm a possibilidade de uma
abordagem cirúrgica. A estratégia terapêutica destes
doentes deverá obrigatoriamente ser discutida em
sede de grupo multidisciplinar.
Nos doentes ressecáveis, a validade da terapêutica
adjuvante têm vindo a ser sucessivamente afirmada
com os ensaios do European Study Group for
Pancreatic Cancer ESPAC-1, que comparou
inicialmente a administração de fluorouracil e
acido folinico versus ausência de tratamento após
a cirurgia com ganhos de sobrevivência global19.O
ESPAC-3 conformou o beneficio da gemcitabina
versus a terapêutica “standart” com fluorouracilo
e acido folinico. O ESPAC-4 publicado em 2017
afirmou como melhor terapêutica adjuvante com
ganhos de sobrevivência a associação de gemcitabina
e Capecitabina nos doentes com ressecção R0.20,21
Em 2018 foi publicado o ensaio PRODIGE-24
que comparou em adjuvante FOLFIRINOX
modificado (fluorouracil, acido folínico, oxalplatina
e Irinotecano) versus gemcitabina com beneficio da
sobrevivência livre de progressão e na sobrevivência
global com HR de 0,58 e 0,64 respectivamente nos
doentes com bom estado geral.22
A utilização da quimioterapia associada ou não à
radioterapia nos tumores “border line”ressecáveis
e nos tumores ressecáveis são uma estratégia em
investigação e com evidência em crescendo, são disso
exemplo estudos rectrospectivos23 e o ensaio de fase
III PREOPANC.24assim como a evidência dos estudos
prospectivos como o ESPAC-525 e SWOG 1505.26
Os tumores localmente avançados com invasão
dos grandes vasos justa pancreáticos não está
optimizada, e aplicam-se os esquemas utilizados
em doença metastática que são FOLFIRINOX e
Gemcitabina associada ao Nabpaclitaxel.
O papel da radioterapia em associação à
quimioterapia neste grupo de doentes não está
estabelecida e é controversa. O estudo de fase III
LAPO7 que avaliou a associação de radioterapia com
capecitabina versus Gem ou Gem e erlotinib após 4
meses de indução com gemcitabina ou gemcitabina
e erlotinib não mostrou ganhos de sobrevivência,
Helder Mansinho
114
aos platíneos e aos inibidores da PARP (Poly
adenosine diphosphate ribose polymerase).36,37
Na sequência deste conhecimento, foi realizado o
ensaio POLO, estudo de fase III que randomizou 154
doentes com cancro do pâncreas metastizado e com
mutações germinais BRCA1 e 2, para receberam,
após pelo menos 16 semanas de quimioterapia à base
de platina sem progressão da doença OLAPARIB ou
placebo. O objectivo principal foi conseguido com
aumento significativo da sobrevivência livre de
progressão com 7,4 vs 3,8 meses no braço controlo
HR-0,53. O ganho em sobrevivência não foi atingido
–dados ainda imaturos – no entanto verificaram-se
respostas em 23% dos doentes. duas delas completas
e prolongadas mais de 24,9 meses.38
Esta estratégia representa a primeira opção
como terapêutica individualizada e de precisão.
Perfilam-se outras opções no caso de se verificar
Instabilidade de microssatélites e a presença de
genes de fusão NTRK.39,43
As linhas de investigação mais promissoras
exploram os dados descobertos no estudo das
multi-omicas como alvos terapêuticos, assim
como o potencial da imunoterapia, o potencial dos
exosomas na terapêutica e diagnóstico precoce,
assim como as biopsias liquidas.44,48
O cancro do pâncreas representa actualmente
um problema importante no universo da oncologia,
não só porque a sua incidência e – ao contrário
dos restantes tumores – a sua mortalidade estão a
aumentar. Dentro das opções terapêuticas disponíveis os resultados são modestos e o prognóstico
permanece pobre. A investigação e novos caminhos
terapêuticos são uma necessidade urgente, e, da
mesma maneira como se verificou noutros tipos
de tumores mais prevalentes, mas com taxas de
mortalidade inferiores, o aumento das verbas para
a investigação levaram a resultados positivos com
impacto na sobrevivência dos doentes, o que constitui nesta patologia uma necessidade premente.
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Correspondência:
HELDER MANSINHO
e-mail:
[email protected]
Data de recepção do artigo:
06-12-2020
Data de aceitação do artigo:
08-12-2020
Cancro do Pâncreas
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