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Sementes Recalcitrantes: Um Apanhado

Visão Acadêmica

A percepção de que as sementes apresentavam diferenças em seus teores de água quando desligadas da planta-mãe, e consequentemente, variações no período de manutenção da viabilidade retoma ao início da agricultura, quando povos ao redor do mundo passaram a ter que produzir alimento em decorrência do crescimento populacional, deixando de ser exclusivamente extrativistas. No entanto, somente na década de 70 do século XX é que tais sementes passaram a receber diferentes designações. Denominou-se sementes ortodoxas aquelas liberadas da planta-mãe com baixos teores de água, tolerando a dessecação, podendo assim, manter a viabilidade por períodos mais longos de armazenamento, e recalcitrantes aquelas liberadas da planta-mãe com altos teores de água, não suportando desidratações significativas, ou seja, tendo sua viabilidade abreviada com a redução do teor de água, restringindo o período de armazenamento. Na década de 80 criou-se a categoria das intermediárias, e na de 90 estabeleceu-se um ...

14 SEMENTES RECALCITRANTES: UM APANHADO RECALCITRANT SEEDS: AN OVERVIEW Silvana Ohse1* 1 - Docente do Departamento de Fitotecnia e Fitossanidade, Curso de Agronomia - Universidade Estadual de Ponta Grossa, Ponta Grossa/PR. E-mail: [email protected] RESUMO: A percepção de que as sementes apresentavam diferenças em seus teores de água quando desligadas da planta-mãe, e consequentemente, variações no período de manutenção da viabilidade retoma ao início da agricultura, quando povos ao redor do mundo passaram a ter que produzir alimento em decorrência do crescimento populacional, deixando de ser exclusivamente extrativistas. No entanto, somente na década de 70 do século XX é que tais sementes passaram a receber diferentes designações. Denominou-se sementes ortodoxas aquelas liberadas da planta-mãe com baixos teores de água, tolerando a dessecação, podendo assim, manter a viabilidade por períodos mais longos de armazenamento, e recalcitrantes aquelas liberadas da planta-mãe com altos teores de água, não suportando desidratações significativas, ou seja, tendo sua viabilidade abreviada com a redução do teor de água, restringindo o período de armazenamento. Na década de 80 criou-se a categoria das intermediárias, e na de 90 estabeleceu-se um gradiente entre as categorias ortodoxas e recalcitrantes. A partir de então, o número de pesquisas sobre o tema foi crescente, bem como a preocupação com a manutenção de germoplasma. No século 21, alguns especialistas da área consideraram que as sementes recalcitrantes poderiam ser simplismente chamadas de “sementes imaturas dispersas”, e que o ideal para ampliar o período de armazenamento, mantendo a viabilidade, seria que essas sementes pudessem completar a maturação enquanto ligadas à planta-mãe. Sem embargo, na atualidade, acredita-se que a única opção viável para a conservação a longo prazo de germoplasma de espécies produtoras de sementes recalcitrantes, além da conservação in situ, é a criopreservação, não de sementes intactas, mas de embriões e eixos embrionários excisados. Palavras-chave: sementes recalcitrantes, sementes ortodoxas, tolerância à dessecação, longevidade, viabilidade, armazenamento. ABSTRACT: The perception that the seeds had differences in their water content when disconnected from the mother plant, and consequently, variations in the period of maintenance of viability returns to the beginning of agriculture, when folk around the world started to produce food as a result of population growth, ceasing to be exclusively extractive. However, it was only in the 70s of the last century that such seeds began to receive different designations. At that time, those released from the mother plant with low water contents were called orthodox seeds, tolerating desiccation, thus being able to maintain viability for longer periods of storage, and recalcitrant those released from the mother plant with high water contents, notwithstanding dehydration significant, that is, having its viability abbreviated with the reduction of the water content, restricting the storage period. In the 1980s the category of intermediaries was created, and in the 1990s a gradient was established between the orthodox and recalcitrant categories. Since then, the number of researches on the subject Visão Acadêmica, Curitiba, v.23, n.2, Abr. - Jun. /2022 - ISSN 1518-8361 15 has increased, as has the concern with the maintenance of germplasm. In the 21st century, some experts on the subject considered that recalcitrant seeds could simply be called "dispersed immature seeds", and that the ideal for extending the storage period, while maintaining viability, would be that these seeds could complete maturation while linked to mother plant. Notwithstanding, it is currently believed that the only viable option for the longterm conservation of germplasm of recalcitrant seed-producing species, in addition to in situ conservation, is cryopreservation, not intact seeds, but of the embryos and embryonic axes excised. Key-words: recalcitrant seeds, orthodox seeds, desiccation tolerance, longevity, viability, storage seeds. 1. INTRODUÇÃO Como estratégia de colonização da biosfera terrestre, sementes de certas gimnospermas e angiospermas desenvolveram habilidade de suportar a dessecação estabelecida no final da fase de maturação e após a maturidade fisiológica, permitindo ampliar sua longevidade por meio de armazenamento em ambientes com baixas temperaturas e umidade relativa do ar (UR). Tais sementes foram denominadas ortodoxas (ROBERTS, 1973; MARCOS-FILHO, 2015), incluindo muitas sementes de plantas cultivadas e de arbóreas tropicais (MARCOS-FILHO, 2015; AZARKOVICH, 2020), podendo ser somada a outras aptidões que auxiliaram a distribuição da vida no espaço e no tempo, como por exemplo a dormência (TAIZ et al., 2017; MARQUES et al., 2018). Por outro lado, nem todas as sementes desenvolveram a habilidade de suportar a dessecação durante e após a fase de maturação, mantendo seus teores de água altos até a germinação, sendo então, denominadas recalcitrantes (ROBERTS, 1973; FERREIRA & BORGHETTI, 2004; BERJAK et al., 2007; AZARKOVICH, 2020). A tolerância à dessecação geralmente é descrita como um limite de teor de água para a sobrevivência da semente, estabelecida durante a fase maturação da semente (BARBEDO et al., 2013; XIA et al., 2014; WALTERS, 2015), destacando-se como a principal característica adaptativa dos seres fotoautotróficos à sobrevivência em habitats terrestres (SMOLIKOVA et al., 2021). Tal convenção distingue eficientemente sementes ortodoxas de recalcitrantes, visto que apresentam limiares menores que 0,07 e maiores 0,2 g H2O g MS-1, respectivamente. Em termos tecnológocos, sementes recalcitrantes não suportam armazenamento por longos períodos de tempo após seu desligamento da planta-mãe, dado que, à medida que sofrem dessecação sua vitalidade é proporcionalmente reduzida (FERREIRA & BORGHETTI, 2004; WALTERS, 2015; AZARKOVICH, 2020). Tal característica dificulta o armazenamento de sementes de muitas culturas perenes importantes economicamente, como o chá (Camellia sinensis L.), as frutífera do gênero Citrus sp. (laranjas, limas, limões Visão Acadêmica, Curitiba, v.23 n.2, Abr. - Jun. /2022 - ISSN 1518-8361 16 e pomelos), o cacau (Theobroma cacao), a manga (Mangifera indica) e a jaca (Artocarpus heterophyllus), espécies nobres de madeira como o cedro (Cedrela odorata) e o carvalho (Quercus sp.), e três das maiores culturas industriais: a seringueira (Hevea brasiliensis), o coco (Cocos nucifera) e dendê (Elaeis sp.), do qual é produzido o óleo de dendê (CHANDEL et al., 1995; HONG & ELLIS, 1996). A maioria das recalcitrantes se adapta a climas tropicais, porém há arbóreas bem adaptadas a zonas temperadas, como o Quercus robur (FINCH-SAVAGE et al., 1994; 1996). De acordo com a revisão realizada por Barbedo et al. (2013), sementes recalcitrantes poderiam ser chamadas de “sementes imaturas dispersas”. Todavia, as denominações sementes ortodoxas e recalcitrantes surgiram na década de 70 (ROBERTS, 1973), e a partir de então, muitos estudos sobre o tema foram desenvolvidos, resultando no consenso de que, estes termos não seriam os mais adequados para estudos científicos, mas sim, para fins tecnológicos (BARBEDO et al., 2013). Na década de 80 criou-se a categoria das intermediárias, sementes maduras capazes de suportar desidratações leves (FARRANT et al., 1988; CHIN et al., 1989a; WALTERS, 2015; AZARKOVICH, 2020), e após 1990 estabeleceu-se um gradiente entre as categorias ortodoxas e recalcitrantes (BERJAK et al., 1990; COSTA et al., 2017; WALTERS, 2015; AZARKOVICH, 2020; YULIANTI et al., 2020; BALLESTEROS et al., 2021). Desta forma, a compreensão passa a ser a de que as sementes recalcitrantes apenas se desprendem da planta-mãe em um estádio de maturação menos avançado que as ortodoxas, e quanto mais imaturas maior o nível de recalcitrância (BARBEDO, 2018), limitando a ampliação do tempo de armazenamento, mesmo com a aplicação de qualquer tratamento pós-colheita, inferindo-se que o recurso mais plausível seria que essas sementes pudessem completar sua maturação enquanto ligadas à planta-mãe (BARBEDO et al., 2013). O armazenamento de sementes geralmente oferece o mais seguro, eficiente e barato método de conservação, entretanto, para espécies que produzem sementes com alta recalcitrância o processo não é fácil e, muito menos simples (CORNIBEAU & CÔME, 1988). Razão pela qual houve, nas últimas décadas, forte incentivo à procura de métodos que ampliassem o período de armazenamento de tais sementes, e os menores avanços em técnicas de armazenamento, tão difíceis de se conseguir para essas espécies, foram e são de grande valia para os bancos de germoplasmas (BÖRNER & KHLESTKINA, 2019; BHARUTH & NAIDOO, 2020; O’BRIEN et al., 2020). Ainda assim, os resultados de muitas e aprofundadas pesquisas demonstram que, a única opção viável para a conservação a longo prazo de germoplasma de espécies produtoras de sementes recalcitrantes é a Visão Acadêmica, Curitiba, v.23, n.2, Abr. - Jun. /2022 - ISSN 1518-8361 17 criopreservação (GONZALES-BENITO & PEREZ-RUIZ, 1992; HOR et al., 2005; WALTERS et al., 2013; BERJAK & PAMMENTER, 2013; PAMMENTER & BERJAK, 2014; DAVIES et al., 2018; STRECZYNSKI et al., 2019; BHARUTH & NAIDOO, 2020; O'BRIEN et al., 2020; BALLESTEROS et al., 2021). A produção de sementes transformou-se num segmento industrial de suma importância, sofisticado e imprescindível, principalmente para as culturas da borracha, dendê (óleo), cacau, citros entre outras, bem como da crescente demanda por sementes florestais nativas, não só pelos programas de conservação, mas para a produção de mudas de qualidade para plantios florestais, visando o reflorestamento, a recuperação de áreas abandonadas e/ou degradadas (GARCIA et al., 2015). Somado a esse contexto, os crescentes e intensivos programas de melhoramento exigem, geralmente, que essas sementes sejam manuseadas durante longos períodos de tempo. Não obstante, poucas são as espécies nativas com testes laboratoriais protocolados nas Regras para Análise de Sementes (RAS), havendo somente uma referência às sementes recalcitrantes (não anidrobióticas) e intermediárias, no item “teste de tetrazólio” (BRASIL, 2009), demonstrando que o mercado de sementes de espécies nativas ainda é incipiente e muito informal (RIBEIRO-OLIVEIRA & RANAL, 2014). Ante o exposto, coletar e conservar reservas genéticas de plantas, principalmente de nativas suscetíveis à extinsão, devido ao desmatamento excessivo e crescente do globo terrestre torna-se imprescindível, principalmente as das florestas tropicais, onde a perda média alcançou o número de 3,9 árvores por pessoa por ano no século XXI, decorrente da acentuada demanda global por commodities (HOANG & KANEMOTO, 2021), e especial atenção deve ser dada às espécies recalcitrantes e intermediárias em razão do curto período de viabilidade apresentado por suas sementes. Dessa forma, o objetivo dessa revisão foi fazer um apanhado sobre alguns aspectos tecnológicos e estratégicos adotados na conservação de sementes recalcitrantes e intermediárias, com ênfase em espécies tropicais mais importantes economicamente, ecologicamente e socialmente à humanidade. 2. REVISÃO DE LITERATURA 2.1 Longevidade e viabilidade de sementes A produção de sementes teve início com o processo de domesticação de plantas, entretanto, não há respostas exatas sobre datas e localização de como o processo Visão Acadêmica, Curitiba, v.23 n.2, Abr. - Jun. /2022 - ISSN 1518-8361 18 aconteceu. Assim, a domesticação e origens agrícolas devem ser compreendidas por meio de escalas regionais (ZEDER et al., 2006), pressupondo que a domesticação de plantas, e com isso a produção de sementes visando o reestabelecimento de novos cultivos, tenha ocorrido muito antes da domesticação de animais (ZEDER et al., 2008). Com a produção de sementes surge a preocupação em manter os cultivos, garantindo a alimentação dos mais diferentes povos ao redor do mundo, e consequentemente, com o armazenamento de sementes, mantendo-as viáveis, no mínimo, até o cultivo subsequente. A conservação dos recursos genéticos visando futuras utilizações pode se dar por muitos métodos, entretanto, os melhores resultados são frequentemente alcançados com os tradicionais (conservação in situ e ex situ) e modernos (conservação in vitro e criopreservação), ou até mesmo pela combinação de métodos (WALTERS, 2015; STRECZYNSKI et al., 2019), sendo a conservação ex situ de sementes cerca de 100 vezes mais barata que a preservação in situ de árvores individuais (LI & PRITCHARD, 2009). A longevidade de sementes é o período em que as mesmas se mantêm vivas, isto é, capaz de germinar quando colocada em condições favoráveis, e na ausência de dormência, ou seja, determinada geneticamente (MARCOS-FILHO, 2015). Contudo, o verdadeiro período de longevidade das sementes só seria determinado se fosse possível colocá-las em condições ideais de armazenamento, o que na prática é difícil. É possível, porém, determinar a viabilidade, que é o efetivo período de vida da semente em determinada condição ambiental (CARVALHO & NAKAGAWA, 2012). A perda da viabilidade leva a falhas na germinação, mesmo em condições favoráveis e ausência de dormência, visto que é uma alteração degenerativa irreversível, causando a morte da semente (ROBERTS, 1972a; CARVALHO & NAKAGAWA, 2012; CARVALHO & NAKAGAWA, 2012; MARCOS-FILHO, 2015). Em 1908, Ewart classificou as sementes em: a) microbióticas (longevidade inferior a 3 anos), pertencendo ecologicamente às árvores e arbustos de florestas tropicais úmidas, florestas temperadas e plantas crescidas em ambientes aquáticos; b) mesobióticas (longevidade entre 3 e 15 anos), espécies ortodoxas com sementes permeáveis revestidas, incluindo algumas árvores de florestas clímax de regiões temperadas, plantas cultivadas e plantas ditas "daninhas ou invasoras", e c) espécies macrobióticas (longevidade maior que 15 anos) as quais não mostraram relação especial com a ecologia ou com a distribuição (HONG & ELLIS, 1996). No entanto, Harrington (1972) classificou as sementes com longevidade inferior a 10 anos como de vida curta, e as com longevidade maior que 10 anos como longevas. Desta forma, as sementes recalcitrantes, que apresentam longevidade Visão Acadêmica, Curitiba, v.23, n.2, Abr. - Jun. /2022 - ISSN 1518-8361 19 relativamente pequena, variando de dias a poucos meses, encontrar-se-íam nos grupos microbióticas e de vida curta, destacando-se que as sementes recalcitrantes são geralmente grandes e as sementes ortodoxas possuem um largo espectro de tamanho (HONG & ELLIS, 1996). As condições de armazenamento, as especificidades da espécie e a composição química das reservas irão influenciar o período de conservação da qualidade fisiológica das sementes, ou seja, a velocidade de deterioração. Esta é influenciada pelo teor de água das sementes e ocorrência de pragas e doenças, além da umidade relativa (URar) e temperatura do ar, tipos de embalagens e teor de O2 no local de armazenamento (ABREU et al., 2013). Entretanto, por mais acuidasa que seja o manejo durante o armazenamento de sementes, o processo de deterioração sempre é verificado, podendo ser evidenciado durante a germinação e o desenvolvimento inicial das plântulas (CARVALHO & NAKAGAWA, 2012; MARCOS-FILHO, 2015; BONJOVANI & BARBEDO, 2019). Adicionalmente, o trabalho de Bonjovani & Barbedo (2019) com Inga vera ssp. affinis demonstrou que nem sempre a aplicação das mesmas técnicas de conservação produz os mesmos resultados, e que estudos sobre a conservação de sementes recalcitrantes são, ainda, inconclusivos. Considera-se que o método mais eficiente para ampliar, mesmo que por curto espaço de tempo, a conservação de sementes recalcitrantes ainda seja a redução da temperatura no local de armazenamento (BONJOVANI & BARBEDO, 2008), não se aplicando o processo de secagem para sementes recalcitrantes sensíveis à dessecação (BONJOVANI & BARBEDO, 2014). A deterioração é um processo complexo e progressivo que envolve mudanças de natureza metabólica, bioquímica, citológica, genética e fisiológica. A atividade metabólica é acelerada principalmente quando o teor de água das sementes é alto e as temperaturas ambientais também, elevando as taxas respiratórias, e consequentemente, o consumo das reservas (CARVALHO & NAKAGAWA, 2012; BARBEDO et al., 2013; CACCERE et al., 2013; MARCOS-FILHO, 2015; ARAÚJO & BARBEDO, 2017). Altos teores de água favorecem o desenvolvimento de microrganismos, pondedo também, acelerar o processo de deterioração (CARVALHO & NAKAGAWA, 2012; MARCOS-FILHO, 2015; FRANÇOSO & BARBEDO, 2016; PARISI et al., 2016). O aumento da atividade respiratória, mesmo na ausência de germinação, pode aumentar a produção de espécies reativas de oxigêncio (EROs), tais como O2-, H2O2 e OH-, atuando na degradação de membranas (WALTERS et al., 2013; TAIZ et al., 2017), o que corrobora com Heydecker (1972), o qual atribui o processo de deterioração à sequência de eventos que atuam na degradação de Visão Acadêmica, Curitiba, v.23 n.2, Abr. - Jun. /2022 - ISSN 1518-8361 20 membranas celulares com consequente perda da permeabilidade, redução dos mecanismos produtores de energia e biossintéticos, da velocidade de germinação e do crescimento da plântula, do potencial de armazenamento, da uniformidade de crescimento numa população de plantas e do estande, aumentando a suscetibilidade a estresses ambientais (inclusive a microrganismos) e a porcentagem de plântulas morfologicamente anormais, e, finalmente, a perda do poder germinativo. A redução do poder germinativo é um dos critérios mais amplamente aceitos para avaliar a deterioração das sementes. O atraso na germinação é o sinal precoce da perda de qualidade e tem sido usado para determinar o vigor, principalmente quando o lote de sementes tem seu histórico conhecido (CARVALHO & NAKAGAWA, 2012; MARCOS-FILHO, 2015). A tolerância à dessecação é a característica adaptativa dos organimos fotoautotróficos que mais influencia a sobrevivência em ambientes terrestres (FARRANT & MOORE, 2011; GAFF & OLIVER,2013; SMOLIKOVA et al., 2021), todavia, com a evolução, os genes que codificam essa característica adaptativa em plantas terrestres mudaram (SMOLIKOVA et al., 2021). O estabelecimento dessa característica possibilitou o armazenamento (conservação) por períodos maiores de tempo de sementes ortodoxas, as quais podem suportar perdas de água de até 95% mantendo sua viabilidade em condições ambientais instáveis (MARCOS-FILHO, 2015; CARVALHO & NAKAGAWA, 2012; SMOLIKOVA et al., 2021). Todavia, mesmo em condições otimizadas durante o armazenamento, utilizando temperaturas negativas, baixa URar e baixo teor de água (PAMMENTER & BERJAK, 2014), as sementes ortodoxas não se tornam imortais, apresentando expectativas de vida caracterizadas como curta, intermediária e longa (MARCOS-FILHO, 2015), estando na dependência da paralização do metabolismo e da interrupção da diferenciação intracelular (BERJAK & PAMMENTER, 2013). As sementes denominadas ortodoxas suportam o processo de dessecação durante sua maturação no interior do fruto, sendo liberadas pela planta-mãe ou colhidas com menos de 20% de água (ROBERTS, 1973; CARVALHO & NAKAGAWA, 2012; MARCOS-FILHO, 2015). Para a maioria das espécies de clima temperado, o período de viabilidade aumenta à medida que decresce a temperatura e a UR no ambiente de armazenamento (ROBERTS, 1972c; MARCOS-FILHO, 2015). Posteriormente, podem ainda suportar secagem artificial até 5 a 7% de água, aumentando, desta forma, o período de viabilidade, condição em que a semente pode resistir às adversidades do ambiente, e, não existindo dormência, reassumirá sua atividade metabólica e germinará quando em condições favoráveis (MARCOS-FILHO, 2015). A redução da temperatura nestas condições aumentará ainda Visão Acadêmica, Curitiba, v.23, n.2, Abr. - Jun. /2022 - ISSN 1518-8361 21 mais o período de viabilidade. Segundo Harrington (1963), a viabilidade de sementes pode duplicar com a redução de 1% no teor de água e 5,6% na temperatura. Este tipo de semente foi classificado por Harrington (1972) como de grande longevidade (mais de 10 anos), e, por MARCOS-FILHO (2015) como macrobióticas (mais de 15 anos) e mesobióticas (de 3 a 15 anos), ao que Roberts (1973) denominou de comportamento ortodoxo, visto que ocorre na maioria das espécies de clima temperado e subtropical. Em conformidade com Roberts & King (1980), as sementes de todas as espécies agrícolas e hortículas anuais e bianuais são ortodoxas. O "Internatinal Board for Plant Genetic Resources - IBPGR" recomenda para armazenamento a longo prazo, recipientes herméticos mantidos a temperaturas de -18*C ou até menos e o teores de água entre 5 a 7%, esperando-se que sob estas condições a maioria das espécies ortodoxas não apresente declínio significativo na viabilidade de suas sementes por um século ou talvez mais (BLACK et al., 1998). Além disso, para maximizar a longevidade das sementes ortodoxas em bancos de germoplasma, onde a refrigeração a -18 ° C não pode ser fornecida, as sementes devem primeiro ser secas a 20°C para teores de água de aproximadamente 11% e, em seguida, armazenadas hermeticamente em temperatura ambiente ou, quando possível, em temperaturas menores, denominado de armazenamento de sementes “ultra-seco” (ELLIS et al., 1989). O mecanismo de tolerância à dessecação é adquirido no final da da maturação em sementes ortodoxas, é descrita como o limite menor de teor de água para a sobrevivência, estabelecido por meio da síntese de proteínas abundantes na embriogenese tardia (Late Embryogenesis Abundant - LEA), denominadas também de hidrofilinas (DURE et al., 1981; BATTAGLIA et al., 2008; BIES-ETHÈVE et al., 2008; AMARA et al., 2014; AZARKOVICH, 2020). Além destas, há participação das proteínas de choque térmico (Heat Shock Proteins - HST), de oligossacarídeos não redutores e de antioxidantes (SMOLIKOVA et al., 2021), e quando atingem a maturidade fisiológica (máximo acúmulo de massa seca), inativam os feixes vasculares que as conectam ao fruto, entrando na fase de dessecação. As proteínas LEA e as de HST protegem o embrião dos possíveis danos que esta fase pode causar (BATTAGLIA et al., 2008; KERBAUY, 2008), uma vez que a dessecação é necessária para que a germinação não seja retomada de imediato na ausência de dormência. As proteínas LEA atuam na estabilização estrutural de outras proteínas desnaturadas e, consequentemente das membranas celulares pelas inúmeras ligações de hidrogênio realizadas durante a dessecação. Adicionalmente sequestram íons, acumulando-os durante a desidratação celular, protegendo as proteínas de membrana e enzimas dos Visão Acadêmica, Curitiba, v.23 n.2, Abr. - Jun. /2022 - ISSN 1518-8361 22 efeitos deletérios, encontrando-se predominantemente no citoplasma (AMARA et al., 2014). Da mesma forma, as HSP são sintetizadas no final da maturação da semente, promovendo o dobramento de proteínas recém-sintetizadas, proteção antioxidante, redobramento de polipeptídeos com estrutura terciária danificada, apresentando capacidade de formar grandes complexos oligoméricos em situações de estresse, sendo que, os oligômeros maiores possuem alta atividade chaperona, ou seja, interagem com proteínas danificadas ou mal dobradas, estabilizando suas estruturas (KALEMBA & PUKACKA, 2007). Tais mecanismos reguladores permitem que as sementes ortodoxas mantenham a tolerância à dessecação até a protrusão da radícula durante o processo de germinação (CARVALHO & NAKAGAWA, 2012; MARCOS-FILHO, 2015; SMOLIKOVA et al., 2021). A tolerância não é uma medida direta da intensidade do estresse hídrico tolerado por sementes, nem uma medida de resposta celular ao estresse hídrico (WALTERS, 2015). Para explicar a variação da tolerância à dessecação e longevidade em sementes de diversas origens genéticas e condições de crescimento, Walters (2015) sugere que as mudanças de volume celular deveriam ser consideradas, mensurando diretamente as respostas ao estresse ou potencial hídrico (DAWS et al., 2006) e à atividade da água (FARIA et al., 2004), avaliando os danos, à medida que os constituintes celulares se comprimem, e como a proteção se estabelece, visto que, durante a dessecação, o citoplasma fluido se solidifica e as relações espaciais recém formadas entre as moléculas determinam se e por quanto tempo a viabilidade será mantida, como descrito no parágrafo anterior. Por outro lado, as sementes recalcitrantes são eliminadas da planta-mãe com alto teor de água, não apresentando os mecanismos descritos para sementes ortodoxas, o que aumenta sua sensibilidade à dessecação. Em virtude disso, seu período de armazenamento é limitado, uma vez que, o alto teor de água propicia a proliferação de fungos associados à semente, bem como sua germinação pode ser iniciada sem fornecimento adicional de água (BATTAGLIA et al., 2008), podendo ocorrer, inclusive, enquanto ligadas a planta-mãe, fenômeno descrito como viviparidade, comuns ao gênero Inga sp. e Artocarpus heterophyllus (jaca) (CHIN et al., 1989b). A viviparidade é associada ao alto teor de água das sementes, mas também à ausência ou teores muito baixos de substâncias inibidoras, tanto na semente como nos frutos (ácido abscísico, cumarina etc.) (CHIN et al., 1989b). A viabilidade das sementes resulta de fatores como características genéticas da espécie ou cultivar, vigor das plantas progenitoras, condições climáticas predominantes Visão Acadêmica, Curitiba, v.23, n.2, Abr. - Jun. /2022 - ISSN 1518-8361 23 durante a maturação das sementes, grau de dano mecânico e condições ambientais de armazenamento (CARVALHO & NAKAGAWA, 2012). Para Marcos-Filho (2015), este último fator é o mais importante, e dentro deste, a temperatura, a UR e o teor de O2 durante o armazenamento são os principais fatores determinantes da longevidade (ROBERTS, 1972c; CARVALHO & NAKAGAWA, 2012; MARCOS-FILHO, 2015). Não obstante, vale ressalta que a perda de espécies é um processo evolutivo normal, e que sem dúvida, muitas variedades tradicionais de culturas desapareceram antes do advento do moderno melhoramento científico de plantas, todavia, segundo Harlan (1975) o ritmo da erosão genética devido à adoção de variedades modernas, mudanças para monocultura, desmatamento e sobrepastoreio tornou-se maiormente pronunciado desde a Segunda Guerra Mundial. 2.2 Sementes recalcitrantes As sementes classificadas como de curta longevidade, recalcitrantes ou microbióticas são aquelas para as quais a regra geral de redução da temperatura e do teor de água para o armazenamento não se aplica (sementes ortodoxas), resultando em baixa viabilidade (HARRINGTON, 1972; ROBERTS 1973; TOLEDO & MARCOS-FILHO, 1977). No entanto, o termo "recalcitrante" tem sido usado pela falta de um nome mais apropriado, pois de certa forma passa uma ideia negativa, pressupondo o confronto entre um comportamento correto ("ortodoxo") e um incorreto ou teimoso ("recalcitrante"). Hanson (1984) sugeriu o termo "sensível à dessecação", e Berjak et al. (1990) as denominações "poikilohydrous" e "homoiohydrous" para as ortodoxas e recalcitrantes, com base no fato de que as primeiras possuem a capacidade de tolerar a desidratação, recuperando-se sem danos fisiológicos, e as últimas não apresentam redução no teor de água durante a maturação, apresentando danos irreversíveis quando dessecadas (BERJAK et al., 1992; BERJAK; PAMMENTER, 2000; BERJAK; PAMMENTER, 2008). Não obstante, o termo “recalcitrante” é também utilizado para caracterizar sementes que apresentam dormência profunda ou mecanismo de liberação da dormência desconhecido (WALTERS et al., 2008). As sementes recalcitrantes não sofrem secagem natural na planta-mãe, sendo liberadas com alto teor de água, e mesmo quando armazenadas em condições controladas, sua longevidade é relativamente curta, visto que a redução do teor de água abaixo de um nível crítico (geralmente alto), acarreta sua morte (KING & ROBERTS, 1979; KING & ROBERTS, 1980a; PAMMENTER & BERJAK, 2014). Tal fato é decorrente de seus Visão Acadêmica, Curitiba, v.23 n.2, Abr. - Jun. /2022 - ISSN 1518-8361 24 embriões permanecerem metabolicamente ativos, o que permite seu armazenamento apenas até o início da germinação, podendo variar de alguns dias a vários meses, a depender da espécie, sem precisar de água adicional (PAMMENTER & BERJAK, 2014). As sementes recalcitrantes são produzidas tanto por plantas que crescem em ambientes aquáticos, onde não se espera que ocorra secagem natural das sementes, como por plantas perenes, que adotaram na sua evolução uma estratégia de reprodução na qual as sementes, geralmente de tamanho grande, são liberadas a intervalos regulares em ambientes relativamente úmidos, mantendo a sobrevivência da espécie ao longo do tempo, ou seja, mais do hábito de crescimento perene da planta adulta do que do período de vida das unidades de propagação (ROBERTS & KING, 1980). Assim, as características tecnológicas (germinação, dormência e armazenamento) das sementes de espécies tropicais possuem relação com os mecanismos da regeneração natural de florestas, que ocorre através da sucessão de espécies. As espécies são divididas de acordo com a época em que ocorrem na regeneração em: pioneiras, oportunistas de clareiras, tolerantes de sombra e reprodutivas à sombra. As sementes das espécies pioneiras possuem alta longevidade e podem permanecer no solo sob o dossel da floresta até que uma clareira grande possibilite a germinação. As espécies do grupo das oportunistas ou de clareiras pequenas apresentam sementes com curta longevidade, são muitas vezes aladas e necessitam períodos secos para sua dispersão; germinam a sombra, mas precisam de clareiras para o posterior desenvolvimento. O grupo das espécies tolerantes germina, cresce e se desenvolve à sombra, necessitando da luz direta apenas na fase reprodutiva, e suas sementes, quando não possuem dormência, germinam quase imediatamente, ao redor da planta-mãe, apresentando, quase invariavelmente, sementes de curta longevidade. As espécies recalcitrantes que possuem os menores períodos de viabilidade são originárias de regiões tropicais úmidas, onde o ambiente adequado para a germinação é mais ou menos constante ao longo do ano, geralmente não apresentam dormência. As espécies recalcitrantes originárias de regiões de clima temperado, frequentemente possuem algum tipo de dormência, comumente relacionada à exigência de baixas temperaturas, característica que lhes permite manter a viabilidade até que as condições adversas do inverno tenham passado (ROBERTS & KING, 1980). Diante dessas considerações, torna-se clara a razão pela qual as espécies recalcitrantes de importância econômica são, na maioria, frutíferas, tropicais, perenes e/ou florestais de clima tropical ou temperado. Harrington (1972) criou uma lista de espécies com comportamento recalcitrante (Tabela 1), registrando que algumas espécies necessitariam Visão Acadêmica, Curitiba, v.23, n.2, Abr. - Jun. /2022 - ISSN 1518-8361 25 de estudos mais conclusivos, citando a cerejeira-das-antilhas (Malpighia glabra L.), jabuticabeira (Myrciaria cauliflora L.), carambola (Averhoa carambola L.), sapoti (Aachras zapota L.), sapota (Calocarpum sapota L.) e caimito (Chrysophylum cainito L.), além da pitanga (Eugenia uniflora L.) (BÜLOW et al., 1994). King & Roberts (1980a) apresentaram um levantamento com maior número de espécies, e o trabalho de Umarani et al. (2015) vem complementar (Tabela 1). TABELA 1. Espécies recalcitrantes e intermediária com seus respectivos nomes científicos, família e autores. Nome vulgar Nome científico Família Autores Mangueira Mangifera indica Anacardiaceae Simão (1959); Chacko & Singh, (1971) Abacateiro Persea americana Lauraceae Aroeira (1962); Neves (1991) Eryobotrya japonica Rosaceae Zink & Ojima (1965) Mangostão Garcinia mangostona Clusiaceae Winter & Rodriguez-Colon (1953) Macadâmia Macadamia ternifolia Proteaceae Ojima et al. (1976.) Cacau Theobroma cacao Sterculiaceae Zink & Rochele (1964) Seringueira Hevea brasiliensis Euphorbiaceae Cicero et al. (1986). Tabebuia sp. Bignoniaceae Kageyama & Márquez (1981) Carapa guianensis Meliaceae - Inga edulis Fabaceae Bacchi (1961) Araucaria angustifolia Araucariaceae Bianchetti & Ramoss (1981) Acer spp. Aceraceae Bonner (1978) Carvalho Quercus spp. Fabaceae Bonner (1978) Nogueira Juglans sp. Juglandaceae Bonner (1978) Aveleira Corylus sp. Betulaceae Bonner (1978) Cedrela odorata Meliaceae Wang (1975) Costanea spp. Fagaceae Wang (1975) Faia Fagus spp. Fagaceae Wang (1975) * Citrus spp. Rutaceae Barton (1965); Umarani et al. (2015) Myristrica fragrans Myristicaceae Umarani et al. (2015) Jaqueira Artocarpus heterophyllus Moraceae Umarani et al. (2015) Jamelão Syzygium cuminii Myrtaceae Umarani et al. (2015) Nêspera Ipê Andiroba Inga Pinheiro do Paraná Bôrdo Cedro Castanheira Citros Noz-moscada Visão Acadêmica, Curitiba, v.23 n.2, Abr. - Jun. /2022 - ISSN 1518-8361 26 Lichia Litchi chinensis Sapindaceae Umarani et al. (2015) Durião Durio zibethinus Malvaceae Umarani et al. (2015) Nephelium lappaceum Sapincaceae Umarani et al. (2015) Murraya koenigii Rutaceae Umarani et al. (2015) Palmeira Areca catechu Arecaceae Umarani et al. (2015) Coqueiro Cocos nucifera Arecaceae Umarani et al. (2015) * Cafeeiro Coffea spp. Rubiaceae Huxley (1964); Umarani et al. (2015) * Nim Azadirachta indica Meliaceae Sacandé (1997) Chá-da-Índia Camellia sinensis Theaceae Umarani et al. (2015) Cravo-da-Índia Eugenia aromatica; Syzygium aromaticum Myrtaceae Umarani et al. (2015) Pimenta preta Piper nigrum Piperaceae Umarani et al. (2015) Cinnamomum verum Lauraceae Umarani et al. (2015) Cinnamomum aromaticum Lauraceae Umarani et al. (2015) Cinnamomum canphora Lauraceae Roberts (1972) Avicennia spp. Avicenniaceae Umarani et al. (2015) Dipterocarpus spp. Dipterocarpaceae Umarani et al. (2015) Hopea spp. Dipterocarpaceae Umarani et al. (2015) Shorea robusta Dipterocarpaceae Umarani et al. (2015) Michelia champaca Magnoliaceae Umarani et al. (2015) Eugenia spp. Myristicaceae Umarani et al. (2015) Manguesal Rhizophora spp. Rhizoohoraceae Umarani et al. (2015) Cipó Landolphia kirkii Apocynaceae Berjak et al. (1990) Mafurreira Trichilia emetica Meliaceae Sershen et al. (2014) Populus nigra Salicaceae Michalak et al. (2015) Rambutã Árvore-do-caril Caneleira verdadeira Canela-chinesa ou Cássia Cânfora Avicennia Gurjan Giam Árvore de sal Champaca Pitangas, uvaias etc. * Álamo Fonte: Harrington (1972), King & Roberts (1980a) e Umarani et al. (2015). *Intermediárias. 2.3 Sementes recalcitrantes versus ortodoxas e sua conservação De acordo com Bonner (1990) as sementes podem ser agrupadas em quatro classes quanto às características de armazenamento: i- sementes "verdadeiramente ortodoxas" podem ser armazenadas por longos períodos com teores de água de 5 a 10% e temperaturas abaixo de zero; ii- sementes “subortodoxas” podem ser armazenadas nas mesmas condições, mas por períodos mais curtos devido ao alto teor de lipídios ou tegumentos finas de sementes; iii- sementes “temperadas recalcitrantes” não podem ser Visão Acadêmica, Curitiba, v.23, n.2, Abr. - Jun. /2022 - ISSN 1518-8361 27 secas, mas podem ser armazenadas por 3-5 anos em temperaturas próximas de zero, e sementes “tropicais recalcitrantes” não podem ser secas e morrem em temperaturas abaixo de 10-15°C. Entretanto, as sementes recalcitrantes podem também, serem separadas em três tipos: a) de recalcitrância mínima, as que possuem maior tolerância à perda de água, apresentando lenta germinação em ausência de água adicional, e maior tolerância às baixas temperaturas. Geralmente são as espécies de distribuição subtropical e temperada, como o Quercus spp (carvalhos) e a Araucaria angustifolia (pinheiro do Paraná); b) de recalcitrância moderada, as que apresentam moderada tolerância à desidratação, velocidade média de germinação em ausência de água adicional, sendo a maioria das espécies é sensível às baixas temperaturas. Distribuição tropical, como as espécies Theobroma cacao (cacau), Azadiracta indica (nim) e Hevea brasiliensis (seringueira), e c) de recalcitrância alta, as que apresentam baixa tolerância à dessecação, germinando rapidamente na ausência de água adicional, altamente sensíveis a baixas temperaturas e distribuídas em floresta e terras úmidas e, exemplo a espécie Avicennia marina (FARRANT et al., 1988; CHIN et al., 1989a; FERREIRA & BORGHETTI, 2004). As sementes recalcitrantes são produzidas por dois tipos de plantas: plantas aquáticas, as quais normalmente não podem ser desidratadas fora da planta, e plantas perenes com produção de sementes em intervalos regulares, cujas sementes caindo em ambiente relativamente úmido persistem por certo período, sendo o tempo dependente mais do hábito de crescimento, do que do estádio de desenvolvimento da unidade de dispersão (HONG & ELLIS, 1996). Sementes de regiões temperadas como Acer saccharinum, Quercuss spp. e Aesculus hippocastanum são sensíveis à dessecação, mas podem ser armazenadas em temperaturas próximas ao congelamento. As sementes podem dessecar até teores relativamente altos de água, variando de 35-50% e armazenadas com segurança em temperaturas entre 3 e -3*C (BONNER, 1990; TYLKOWSKI, 1990). As sementes deste grupo mantêm a longevidade por 12 a 30 meses se mantidas em alta UR, e se a troca de gases for possível. Sementes tropicais são usualmente de tamanho grande, podendo ser: a) de origem arbórea de florestas úmidas, pertencendo às famílias Dipterocarpaceae e Araucariaceae; b) plantações de importância tropical como a seringueira, cacau e coco, e; frutas tropicais cultivadas como a manga, jaca, mangosten. Sementes deste grupo são sensíveis à dessecação e ao frio, sendo intolerantes às temperaturas congelantes (ex.: Hevea brasiliensis e Nephelium lappaceum). Algumas não toleram temperaturas de 4*C (Shorea roxburghii) ou igual a 15*C (Theobroma cacao) (CHIN, 1988). Em vista dos efeitos Visão Acadêmica, Curitiba, v.23 n.2, Abr. - Jun. /2022 - ISSN 1518-8361 28 deletérios do alto teor de água no armazenamento, as sementes recalcitrantes são de vida curta. Já sementes ortodoxas mantidas com alto teores de água, sofrem um severo decréscimo na longevidade. Alguns gêneros anteriormente classificados como recalcitrantes, tais como Citrus spp. (BARTON, 1965) e café (Coffea spp.) (HUXLEY, 1964), em estudos posteriores revelaram-se mais próximas do comportamento ortodoxo, sendo classificadas como intermediárias, uma vez que mantêm a vabilidade em torno de 10 a 13% de água (KING et al., 1981; FARRANT et al., 1988; CHIN et al., 1989a). A falha na germinação e morte de sementes, nos trabalhos mais antigos, passou a ser atribuída ao processo de secagem, e não mais, ao baixo teor de água das sementes. Entretanto, Umarani et al. (2015) ainda trás estes gêneros como exemplo de produtoras de sementes recalcitrantes (TABELA 1). Farrant et al. (1988) observaram que existem diferenças entre as espécies recalcitrantes no que se refere à tolerância à perda de água e a baixas temperaturas durante o armazenamento. Os autores afirmam que parece existir uma escala contínua que as divide em altamente, moderadamente, e pouco recalcitrantes. O enquadramento das espécies em uma destas categorias deve-se, em parte, a sua região de origem (BONNER, 1990). As sementes pouco recalcitrantes podem suportar maior perda de água antes perderem a viabilidade, uma vez que, os processos bioquímicos durante a germinação são muito lentos, razão pela qual permanecem viáveis por períodos relativamente mais longos, desde que não sejam desidratadas a níveis extremos. Estas espécies possuem uma distribuição tropical e/ou temperada, onde as condições ambientais não são sempre favoráveis para o desenvolvimento das plântulas. Conseguem tolerar temperaturas relativamente baixas, embora nunca zero ou abaixo de zero, devido ao alto teor de água. As espécies medianamente recalcitrantes são originárias dos trópicos, conservando-se por várias semanas se o teor de água for mantido alto, germinando mais rapidamente que a categoria anterior. Nas sementes altamente recalcitrantes, a germinação é iniciada imediatamente após a liberação pela planta-mãe, e é muito rápida, visto que, não necessita de água adicional. Geralmente são espécies de florestas tropicais ou ambientes aquáticos, onde a umidade é alta durante todo o ano. A tolerância à desidratação é muito pequena, bem como o período em que suportam no armazenamento (FARRANT et al., 1988). As causas do comportamento recalcitrante têm sido objeto de estudo utilizando sementes de Avicennia marina, uma espécie originária de mangue, e com o auxílio da microscopia eletrônica identificaram características diferenciadas das organelas celulares da radícula (BERJAK et al., 1984; JAK et al., 1984; FARRANT et al., 1986; FARRANT et Visão Acadêmica, Curitiba, v.23, n.2, Abr. - Jun. /2022 - ISSN 1518-8361 29 al., 1988; PAMMENTER & BERJAK, 2014). Avaliações realizadas em diferentes fases da vida de sementes de Avicennia marina desde a liberação pela planta-mãe, e periodicamente durante o armazenamento com sílica gel demonstram redução de ±45% na germinação aos 12 dias e perda total da viabilidade aos 14 dias, apresentando teor de água inicial de 63% (U.b.u), 59% (U.b.u) aos 7 dias e 55% (U.b.u) aos 12 dias de armazenamento (BERJAK et al., 1984). No entanto, quando do armazenamento com sílica gel e fluxo de ar, o teor de água nos primeiros 10 dias sofre pouca alteração, caindo rapidamente a partir desse ponto (PAMMENTER et al., 1984). Em condições de ambiente seco, favorecendo a desidratação de Avicennia marina, Berjak et al. (1984) observaram aumento na atividade celular durante os primeiros 4 a 5 dias, assim como células radiculares recém-formadas compactas, com poucos e pequenos vacúolos; plastídios com pouco material de reserva; mitocôndrias com matriz mitocondrial transparente e cristas bem definidas e predominância de polissomas. Semelhantemente, o trabalho de Pammenter et al. (1984) revelou aumento da atividade celular, caracterizado pelo início de formação de vacúolos, matriz mitocondrial mais densa, agregação de polissomos, aumento da atividade do complexo de golgi e nucléolo bem organizado, contendo granulosidades em torno de 4 dias de armazenamento na mesma espécie. No entanto, o aumento na atividade celular foi considerado semelhante ao ocorrido em sementes colocadas em condições propícias à germinação (PAMMENTER et al., 1984). Berjak et al. (1984) constataram aos 12 dias de armazenamento plastídios densos, vacúolos grandes e numerosos, mitocôndrias menos organizadas, predominância de monossomas e desorganização do nucléolo, com subsequente redução no teor de água, desordem crescente em organelas, progredindo, até a fase final de deterioração celular com a degeneração do protoplasma (±23% U.b.u) e colapso na parede celular (±18% U.b.u), o que se deu aos 30 dias de armazenamento em sementes de Avicennia marina. As sementes ortodoxas mantêm sua tolerância à dessecação no armazenamento e durante os estádios iniciais da germinação até a protusão da radícula (FERREIRA & BORGHETTI, 2004; KERBAUY, 2008). Nas etapas iniciais da germinação dessas sementes, embebição e processos bioquímicos preparatórios, somente pequena vacuolação ocorre, permitindo nova desidratação, durante a qual as sementes apresentaram redução na definição de mitocôndrias e plastídios, decréscimo de polissomas, mudanças essas, semelhantes a da dessecação sofrida enquanto ligadas à planta-mãe (FERREIRA & BORGHETTI, 2004; KERBAUY, 2008; TAIZ et al., 2017). A reidratação induz a germinação em sementes ortodoxas não dormentes, no entanto, uma vez iniciada a fase de divisão celular e a formação de vacúolos, tornam-se Visão Acadêmica, Curitiba, v.23 n.2, Abr. - Jun. /2022 - ISSN 1518-8361 30 intolerantes à desidratação (FERREIRA & BORGHETTI, 2004; KERBAUY, 2008). A perda da tolerância pode estar correlacionada com a vacuolação, visto que, a maioria dos tecidos tolerantes à desidratação, incluindo os do embrião das sementes ortodoxas, possui vacúolos muito pequenos. Ao contrário, as sementes recalcitrantes, quando liberadas pela planta-mãe possuem água suficiente iniciar o processo germinativo, apresentando aumento da atividade celular (BERJAK et al., 1984). No entanto, para que a germinação prossiga é necessário suprimento adicional de água a partir do início da divisão celular, assimilação e formação de novos tecidos (FARRANT et al., 1988; KERBAUY, 2008). À medida que a germinação prossegue além da protusão da radícula e assimilação e formação de novos tecidos, as sementes se tornam sensíveis à dessecação, sendo a quantidade tolerada de perda de água decrescente até se torna limitante, levando à perda da viabilidade da semente. Em razão dessa sensibilidade crescente, a velocidade com que as sementes perdem água pode afetar sua viabilidade, assim, se a secagem for rápida e efetuada antes da protusão da radícula, as sementes podem tolerar maior perda de água e sobreviver com menores teores de água. Sementes dessecadas mais lentamente acabam por atingir um estádio mais avançado no processo germinativo, aumentando a sensibilidade à desidratação, perdendo a viabilidade mesmo com teor de água mais elevado (FARRANT et al., 1986; MARCOS-FILHO, 2015). Estudando as estruturas subcelulares e a viabilidade de sementes intactas secas em sílica gel e de eixos embrionários isolados que receberam secagem rápida (com fluxo de ar) de Landolphia kirkii (Apocynaceae), Berjak et al. (1990) detectaram que as sementes intactas inicialmente possuíam 66% de água, e viabilidade de 95%. Com 15 dias, apresentavam 54% de água e 50% de viabilidade, e aos 20 dias, 32% de água e 7% de viabilidade. Constaram também que embriões isolados inicialmente apresentaram 69% de água e 89% de viabilidade, e a secagem rápida em 10 e 20 minutos, levou-os a apresentarem 13 e 4% de àgua e viabilidade (observada in vitro) de 81 e 0%, indicando que, embora o conteúdo das células dos embriões estivesse compacto, a integridade ultraestrutural foi mantida até 13% de água, ao contrário dos embriões das sementes secas, mais lentamente (20 min.), que tiveram consideráveis danos subcelulares mesmo com 54% de água, apresentando muitas células do hipocótilo deterioradas. Os autores sugerem que a secagem rápida (10 min.) dos embriões permitiu a manutenção da integridade das membranas intracelulares (BERJAK et al., 1990). Vale ressaltar que, o grupo de espécies que produzem sementes recalcitrantes, a redução do teor de água abaixo de alguns valores críticos, os quais geralmente são altos, pode levá-las à morte (ROBERTS, 1973; BERJAK Visão Acadêmica, Curitiba, v.23, n.2, Abr. - Jun. /2022 - ISSN 1518-8361 31 et al., 1990). Ademais, mesmo mantendo as sementes recalcitrantes com alto teor de água, sua longevidade é relativamente curta, variando de algumas semanas para alguns meses, dependendo da espécie. A utilização de ácido abscísico (ABA) como inibidor da germinação foi testado em sementes de Melicoccus bijugatus, Eugenia brasiliensis (GOLDBACH, 1979) e em Ingá uruguensis (BARBEDO, 1997), método que visa à paralisar ou limitar o crescimento do eixo embrionário, visando ampliar o período de conservação das sementes recalcitrantes quando mantidas em meio suficientemente hidratado para evitar sua desidratação abaixo do teor crítico de água (CHIN et al., 1989a). Barbedo (1997) conseguiu aumentar em 40 dias a viabilidade de sementes de Ingá uruguensis tratadas com 10-4 M de ABA, quando armazenadas hidratadas e em câmara fria. Goldbach (1979) embebeu sementes de Eugenia brasiliensis e de Melicocus bijugatus em solução 4 e 10 M de AB), e conseguiu mantê-las viáveis por 4 e 6 meses, porém observou ocorrência de dormência secundária, visto que as sementes não germinaram mesmo após a retirada da solução. Para contornar o problema, usaram na sequência uma solução de ácido giberélico (AG), e a germinação ocorreu normalmente. Aplicações exógenas de 10-4 M e 10 M de ABA em sementes de Sesbania marginata retardaram e inibiram a germinação (FINCHER, 1989). A utilização de eficiente método de identificação da qualidade fisiológica das sementes, combinado com o uso de baixa temperatura e correta concentração de ABA, possibilita conservar sementes de Inga uruguensis por aproximadamente dois meses (BARBEDO & CÍCERO, 2000). Uma das primeiras classificações de longevidade em sementes foi aquela proposta por Ewart em 1908, que agrupou as sementes em microbióticas, mesobióticas e macrobióticas, em função dos curtos, médios e longos períodos de viabilidade (HONG & ELLIS, 1996). O problema com essa classificação é que ela enfatiza o componente genético de longevidade, enquanto ignora o fato de que a longevidade é também muito mais uma função do ambiente, o qual pode mais significativo do que diferenças genotípicas, e também ignora o fato de que o grupo ortodoxo responde ao ambiente de um modo bem diferente do grupo recalcitrante. A classificação de Ewart foi significativamente reconsiderada, sendo as sementes microbióticas consideradas equivalentes as recalcitrantes, as mesobióticas aplicadas a maioria das sementes ortodoxas e a categoria macrobiótica as sementes ortodoxas que possuem tegumentos impermeáveis à água como algumas fabáceas e malváceas, sendo portanto, capazes de controlar seu próprio teor de água, independentemente da umidade externa. Desta forma, segundo Barbedo (2018) ainda estamos muito distantes de entender as diferenças e semelhanças entre todos os tipos de Visão Acadêmica, Curitiba, v.23 n.2, Abr. - Jun. /2022 - ISSN 1518-8361 32 sementes, e tal fato tem sido um entrave para o desenvolvimento de tecnologias de conservação de plantas. Segundo Barbedo et al. (2013) a conservação de sementes recalcitrantes ainda é uma incognita, não havendo distinção clara entre sementes ortodoxas e recalcitrantes, e quanto maior o número de espécies estudadas, mais difícil tem se tornado sua inclusão em uma categoria (ortodoxa, recalcitrante ou intermediária). Sugerem também que as sementes recalcitrantes são, na verdade, sementes ortodoxas que não completaram sua maturação enquanto ligadas a planta-mãe, o que pode ser atribuído à viviparidade ou à dispersão em um estádio imaturo, denominando-as de “sementes imaturas dispersas”, e que os estudos deveriam ser centralizados no processo de término da maturação das sementes ditas recalcitrantes, por meio da compreensão desta fase em sementes ditas ortodoxas, o que propiciaria o desenvolvimento de técnicas para amapliar a maturação até sua conclusão, e consequentemente seu período de armazenamento (DELGADO & BARBEDO, 2012). Fato que foi relatado por Daws et al. (2004) em sementes de Aesculus hippocastanum L., Daws et al. (2006) em Acer pseudoplatanus L., cujas sementes demonstraram dependência das somas de calor durante a maturação, Lamarca et al. (2013) observaram que variações hídricas e térmicas ambientais durante o desenvolvimento influenciam na maturação de Eugenia pyriformis. Para que as sementes recalcitrantes não se deterioram tão prontamente, cuidados especiais devem ser tomados quanto aos métodos adotados para a colheita, armazenamento a curto prazo de tempo, embalagem, distribuição e germinação. As informações sobre esses tópicos têm sido debatidas em uma grande variedade de revistas científicas, publicações de procedimentos, relatórios, teses e dissertações entre outros (BHARUTH & NAIDOO, 2020; O’BRIEN et al., 2020). Entretanto, atualmente, acredita-se que o único meio viável de armazenamento a longo prazo de germoplasma recalcitrante seja a criopreservação, tecnologia que demanda elevado nível tecnológico e alto custo (GONZALES-BENITO & PEREZ-RUIZ, 1992; HOR et al., 2005; WALTERS et al., 2013; BERJAK & PAMMENTER, 2013; PAMMENTER & BERJAK, 2014; BONJOVANI & BARBEDO, 2014; DAVIES et al., 2018; STRECZYNSKI et al., 2019; BHARUTH & NAIDOO, 2020; O'BRIEN et al., 2020; BALLESTEROS et al., 2021). Conservar reservas genéticas por meio de sementes, quando viável, é usualmente mais seguro, mais barato e mais conveniente método de preservação. Como visto, não há problemas fundamentais no caso de sementes ortodoxas, contudo, ainda não há metodologia satisfatória para armazenar sementes recalcitrantes Visão Acadêmica, Curitiba, v.23, n.2, Abr. - Jun. /2022 - ISSN 1518-8361 por períodos 33 suficientemente longos visando à conservação genética por meio de banco de germoplasmas. Diante da natureza recalcitrante, que não permite armazenamento por períodos muito longos, aponta-se para a conservação de germoplasma de espécies alógamas em bancos de germoplasma a campo (in situ ou ex situ) como uma coleção viva (MOTILAL et al., 2013) ou por meio de criopreservação ex situ e in vitro (ADU-GYAMFI & WETTEN, 2012; MACHALAK et al., 2015; N-GYAMFI et al., 2016). Diferentes métodos de armazenamento de sementes recalcitrantes têm sido estudados. Em geral, os que têm apresentado melhores resultados são os que levam em consideração os fatores limitantes, evitando a perda de água, realizando tratamento preventivo contra microrganismos, evitando a germinação durante o armazenamento, e mantendo um suprimento adequado de oxigênio (KING & ROBERTS, 1980b). Estes mesmos autores realizaram um levantamento bibliográfico sobre teste de conservação de sementes de cerca de setenta espécies de recalcitrantes. Os métodos mais empregados foram: sacos de polietileno, recipientes selados, carvão, areia e turfa. São citados o armazenamento em água, pó de serra, latas, frascos de vidro e esfagno. Para Bonner (1978), as sementes recalcitrantes se conservam melhor em sacos de polietileno, pois as perdas de água são evitadas. O mesmo autor, porém, não recomenda o uso de recipientes herméticos. Alguma troca gasosa deve ocorrer entre as sementes e a atmosfera, pois com altos teores de umidade, a respiração das sementes ocorre em altas taxas, e o bloqueio destas trocas pode causar a morte das sementes. Para evitar este fato, recomenda-se sacos de polietileno com 0,1 mm de espessura, que permitem uma troca de gases suficiente mas evitam a perda de vapor de água. O uso de baixas temperaturas, que poderiam inibir estes dois últimos problemas, fica também limitado, pois as sementes recalcitrantes sofrem danos por temperaturas próximas ou abaixo de zero. Algumas espécies mais suscetíveis são danificadas mesmo com temperaturas um pouco abaixo da temperatura ambiente (1015*C), como as sementes de cacau (KING & ROBERTS, 1982). Além dos métodos tradicionais já citados, o uso de soluções para conservar as sementes em estado de embebição e reguladores de crescimento para inibir a germinação têm sido testados. Corbineu & Côme (1988) armazenaram sementes de quatro espécies arbóreas embebidas em soluções aquosa com fungicidas a 1%, em diferentes temperaturas. Com 5 e 10*C houve morte das sementes ou plântulas germinadas; com 12*C, apenas uma espécie teve morte pelo frio, e com 15*C todas sobreviveram por pelo menos três meses. Segundo os autores, a dificuldade deste tipo de armazenamento é que a temperatura tem que ser baixa o suficiente para evitar a germinação ou reduzir a taxa de Visão Acadêmica, Curitiba, v.23 n.2, Abr. - Jun. /2022 - ISSN 1518-8361 34 crescimento da plântula, mas isto traz um risco de dano por frio, que pode levar a morte. Em temperaturas mais altas que evitem esse dano, o crescimento é rápido demais, impedindo um armazenamento mais prolongado. Com o objetivo de retardar a germinação de sementes de cacau, King & Roberts (1982), testaram o uso de diferentes concentrações aquosas de Polietileno glicol 6000 e 8000 (PEG), uma substância de potencial osmótico determinado, o qual controla a entrada de água nos tecidos, influenciando, desta forma, a taxa de embebição (BRADFORD, 1986). Secaram as sementes previamente até um ponto em que, a umidade não era tão alta para provocar a germinação, nem tão baixa para matar a semente, acrescentaram fungicida à solução de PEG, mas mesmo assim, observaram contaminação microbiana, mantendo a viabilidade das sementes por apenas um mês. Os autores sugeriram que provavelmente o ponto crítico de tolerância à dessecação e o ponto de perda de viabilidade sejam muito próximos. Por outro lado, devemos lembrar que as sementes não apresentam as mesmas características genéticas da planta-mãe, uma vez que a polinização cruzada é dominante em florestas úmidas, assim a conservação de sementes não serve ao propósito de preservação de germoplasma. Razão pela qual, pode-se criopreservar brotos (ápices ou gemas axilares) para garantir a fidelidade clonal do germoplasma. Entretanto, a utilização de brotos de espécies tropicais recalcitrantes apresentam variação no estágio ideal de desenvolvimento do broto para o sucesso da criopreservação, os agentes crioprotetores podem ser tóxicos à integridade estrutural, e pode ocorrer estresse oxidativo associado à lesão por excisão, levando à necrose, desencadeando a morte celular e impedindo a regeneração dos meristemas apicai em meio de cultura a posteriori (O’BRIEN et al., 2020). A criopreservação por meio de nitrogênio líquido (NL), utilizando temperaturas de aproximadamente -196*C, apresenta como o principal problema a sensibilidade à dessecação, visto que temperaturas tão baixas em tecidos com elevado teor de água pode causar danos. Tal fato pode ser contornado com o uso de crioprotetores (KING & ROBERTS, 1980b). Embriões e eixos embrionários quando desidratados muito rapidamente, podem ter seu teor de água reduzido até níveis semelhantes aos das sementes ortodoxas maduras, mas seu armazenamento em NL ainda precisa ser estudado para cada espécie em particular. Chin et al. (1989a) informaram que embriões de algumas espécies recalcitrantes (Artocarpus heterophyllus, Nephelium lappaceum, Coco nucifera, Drybalanops aromatica e Hevea brasiliensis) sobrevivem a este tipo de armazenamento. Por outro lado, sementes maiores, como abacate (Persea americana Mill.), manga Visão Acadêmica, Curitiba, v.23, n.2, Abr. - Jun. /2022 - ISSN 1518-8361 35 (Mangifera indica) e durian (Durio zibethinus L.) são sensíveis à dessecação, estresse de frio e congelamento, características que as tornam inadequadas para banco de sementes ou criopreservação (WALTERS et al., 2008). O trabalho de Walters et al. (2008) demonstrou que a taxa de resfriamento em função do tamanho da amostra e do conteúdo de água impossibilitou que sementes grandes e hidratadas recalcitrantes sobrevivessem à criopreservação, demonstrando que sementes recalcitrantes intactas não podem ser criopreservadas, devendo-se utilizar então, embriões excisados ou eixos embrionários como explantes. Além disso, a desidratação é um procedimento necessário antes da exposição a temperaturas criogênicas, podendo, no entanto, causar lesões associadas ao metabolismo, mediadas pela geração não controlada de espécies reativas de oxigênio (ERO) e falha de sistemas antioxidantes (BHARUTH & NAIDOO, 2020). Embora a extensão em que isso ocorre possa ser reduzida maximizando a taxa de secagem (secagem instantânea), não pode ser porém, completamente evitada. O resfriamento do explante e o reaquecimento após o crioarmazenamento devem ser necessariamente rápidos, para evitar a cristalização do gelo e efeitos deletéios (BHARUTH & NAIDOO, 2020; O'BRIEN et al., 2020; BALLESTEROS et al., 2021). O dano às membranas durante a dessecação de sementes recalcitrantes pode ser avaliado pelo indicador vazamento de soluto. Entretanto, Chappell et al. (2015) concluiram que em Spartina alterniflora o vazamento de soluto funcionou mais como artefato da excisão do embrião do que indicador preciso do dano por dessecação em sementes recalcitrantes. Para que um método de armazenamento seja relevante para a conservação genética, é necessário que mantenha a viabilidade das sementes por um período maior do que aquele desde a semeadura até a produção de sementes, por exemplo, maior do que, intervalo mínimo de regeneração sexual da planta, pois, do contrário a conservação teria ainda que se ater na manutenção das plantas em crescimento ou no desenvolvimento de alguma outra técnica mais complexa e que ainda não foi testada na maioria das espécies, como cultura de tecidos ou meristemas. Como as espécies recalcitrantes mais importantes são perenes, sempre apresentando uma considerável fase juvenil de crescimento vegetativo, o período útil mínimo para conservação genética seria o de pelo menos alguns anos e no caso de muitas espécies arbóreas seria de vinte anos ou mais. Neste caso, o armazenamento satisfatório de sementes recalcitrantes ainda não foi atingido. Os métodos de armazenamento convencionais devem ser melhorados para sementes recalcitrantes, atentando para temperaturas ambientes e subambientes, incluindo controle de microrganismos, controle da germinação com o uso de inibidores e Visão Acadêmica, Curitiba, v.23 n.2, Abr. - Jun. /2022 - ISSN 1518-8361 36 suprimento da necessidade de oxigênio, em vista do alto custo envolvido para operar bancos de germoplasmas refrigerados (problema relevante em países subdesenvolvidos). Estratégias alternativas para manter germoplasma recalcitrante devem ser investigadas, tais como estabelecimento de bancos de plântulas, estandes de conservação ex situ e viveiros. Ante ao exposto, torna-se inquestionável a importância e a necessidade de maiores estudos acerca da conservação de sementes recalcitrantes, natadamente as de interesse econômico. Além dos problemas com o armazenamento apontados, as espécies recalcitrantes enfrentam dificuldade adicional, por serem pouco estudadas, e por não serem contempladas nas regras de análise de sementes nacionais (BRASIL, 2009) e internacionais. Este problema é objeto de preocupação por parte da "International Seed Testing Association", que possui uma comissão encarregada de estudar o assunto. A inclusão de espécies recalcitrantes nas referidas regras poderia facilitar os trabalhos de pesquisa e testes de qualidade, conferindo maior confiabilidade aos resultados por operar como um parâmetro para comparação. O armazenamento a longo prazo de germoplasma de espécies produtoras de sementes recalcitrantes é inconclusivo e não pode ser generalizado, devendo-se atentar para cada espécies de forma isolada. A criopreservação pode vir a se tornar uma opção para algumas espécies recalcitrantes, no entanto, requer secagem parcial para evitar danos devido à formação cristais de gelo, todavia, sementes recalcitrantes são geralmente grandes demais para permitir secagem e resfriamento necessárias à vitrificação e, portanto, embriões intactos e eixos embrionários excisados são geralmente os explantes eleitos. 5. REFERÊNCIAS ABREU, L.A.S.; CARVALHO, M.L.M. de; PINTO, C.A.G.; KATAOKA, V.Y. SILVA, T.T. de A. Deterioration of sunflower seeds during storage. Journal of Seed Science, v.35, n.2, p.240-247, 2013. ADU-GYAMFI, R.; WETTEN, A. Cryopreservation of cocoa (Theobroma cacao L.) somatic embryos by vitrification. Cryo Letters, v.33, p.494–505, 2012. ADU-GYAMFI, R.; WETTEN, A.; LÓPEZ, C.M.R. Effect of cryopreservation and postcryopreservation somatic embryogenesis on the epigenetic fidelity of cocoa (Theobroma Visão Acadêmica, Curitiba, v.23, n.2, Abr. - Jun. /2022 - ISSN 1518-8361 37 cacao L.). 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