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Comunicação Midiática

2022, Comunicação Midiática

Based on Couldry's (2008) and Silverstone's (2002) perspective for the study of mediations in digital narratives, this paper outlines reflections on a case of digital mobilization, considering its possible contributions to the debate on democracy and freedom of expression in Brazil. The episode in question concerns the protests triggered on digital social networks in response to the censorship attempt against the Brazilian cartoonist Renato Aroeira, who, in June 2020, published a cartoon associating former president Jair Bolsonaro with the Nazi swastika. Proposing the idea of a "boomerang effect" of censorship, we try to show how the movement known as Charge Continuada contributed to the emergence of debates of public interest, the circulation of discourses in defense of democracy and the construction of spaces for the exercise of citizenship.

Revista Comunicação Midiática ISSN: 2236-8000 v.17, n.1, p. 43-60, jan-jun, 2022 “Rindo, você castiga muito mais”: mobilização digital e efeito bumerangue no caso Charge Continuada1 “Reírse castiga mucho más”: movilización digital y efecto bumerang en el caso Charge Continuada “By laughing, you punish a lot more”: digital mobilization and boomerang effect in the case Charge Continuada Nara Lya Cabral Scabin Doutora em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo, com pós-doutorado em Comunicação e Práticas de Consumo pela Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM/SP). Professora do Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Anhembi Morumbi. Líder do Grupo de Pesquisa RisoMídia – Representações, Mediações e Humor na Cultura Audiovisual (UAM/CNPq) e coordenadora do GP Comunicação, Mídias e Liberdade de Expressão da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (INTERCOM). [email protected] Ana Lucia Pinto da Silva Nabeiro Mestranda pelo Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Anhembi Morumbi, com bolsa CAPES, sob orientação da Profa. Dra. Nara Lya Cabral Scabin. Especialista em Assessoria de Comunicação e Mídias Sociais pela Universidade Anhembi Morumbi e jornalista formada pela mesma instituição. Integrante do Grupo de Pesquisa RisoMídia – Representações, Mediações e Humor na Cultura Audiovisual (UAM/CNPq). [email protected] SCABIN; NABEIRO • Rindo, você castiga... Comunicação Midiática v.17, n.1, jan-jun, 2022 RESUMO Neste artigo, vamos descrever por meio de uma pesquisa de campo empírica fatores de influência percebida pelos jornalistas dentro da cultura jornalística da Espanha. Para chegar a uma maior compreensão do contexto profissional, usamos o conceito de cultura jornalística que é baseado na linha fina entre culturas nacionais e do conceito universal da cultura como um estilo de vida. Nosso estudo empírico baseia-se no projeto Worlds of Journalism (WoJ), de caráter quantitativo dirigido por Hanitzsch (2009). O objetivo é conhecer a percepção que os jornalistas têm dos fatores de influência cultural. Os resultados mostram que os jornalistas espanhóis percebem as influências dos fatores mais próximos a eles com mais intensidade. Nossa análise mostra maior interferência destes fatores na rotina profissional dos jornalistas. Palavras-chave: mobilização digital; Renato Aroeira; Charge Continuada; censura; liberdade de expressão. RESUMEN Partiendo de la perspectiva de Couldry (2008) y Silverstone (2002) para el estudio de las mediaciones en narrativas digitales, este artículo esboza reflexiones sobre un caso de movilización digital, considerando sus posibles contribuciones al debate sobre democracia y libertad de expresión en Brasil. El episodio en cuestión se refiere a las protestas desencadenadas en redes sociales digitales en respuesta al intento de censura contra el dibujante brasileño Renato Aroeira, quien, en junio de 2020, publicó una caricatura que asociaba al expresidente Jair Bolsonaro con la esvástica nazi. Proponiendo la idea de un “efecto boomerang” de la censura, tratamos de mostrar cómo el movimiento conocido como Charge Continuada contribuyó al surgimiento de debates de interés público, la circulación de discursos en defensa de la democracia y la construcción de espacios para el ejercicio de la ciudadanía. Palabras clave: movilización digital; Renato Aroeira; Charge Continuada; censura; libertad de expresión. ABSTRACT Based on Couldry’s (2008) and Silverstone’s (2002) perspective for the study of mediations in digital narratives, this paper outlines reflections on a case of digital mobilization, considering its possible contributions to the debate on democracy and freedom of expression in Brazil. The episode in question concerns the protests triggered on digital social networks in response to the censorship attempt against the Brazilian cartoonist Renato Aroeira, who, in June 2020, published a cartoon associating former president Jair Bolsonaro with the Nazi swastika. Proposing the idea of a “boomerang effect” of censorship, we try to show how the movement known as Charge Continuada contributed to the emergence of debates of public interest, the circulation of discourses in defense of democracy and the construction of spaces for the exercise of citizenship. Keywords: digital mobilization; Renato Aroeira; Charge Continuada; censorship; freedom of speech. 44 SCABIN; NABEIRO • Rindo, você castiga... Comunicação Midiática v.17, n.1, jan-jun, 2022 Introdução Figurando entre os direitos humanos fundamentais, a liberdade de expressão é postulada pela Declaração Universal dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), de 1948. Também figura como um importante pilar na democracia brasileira, assim como em outras democracias liberais ao redor do mundo, sendo assegurada, entre nós, pela Constituição Federal de 1988. A Constituição de 1988, ao garantir o direito de o cidadão expressar-se manifestando sua opinião, estabelece princípios e garantias essenciais à democracia. Ressalta-se, ainda, o papel dos meios de comunicação, que, segundo a CF, devem estar compromissados com a prestação de serviço de interesse público. Desse modo, evidencia-se que os pilares da liberdade de expressão e de imprensa se assentam na Constituição Federal, constituindo-se em direitos fundamentais e essenciais de uma sociedade democrática (Ribeiro; Mainieri, 2021, p. 240). Nas sociedades modernas, os meios de comunicação de massa possuem papel fundamental à proteção das garantias democráticas, encontrando na liberdade de expressão – e, particularmente, em sua vertente como liberdade imprensa – elemento fundamental para servir a seus públicos em seu direito de serem informados. É através das emissoras de rádio, jornais impressos, televisão etc., que a informação, necessária à tomada de decisões na esfera pública (HABERMAS, 1984), chega aos cidadãos. É nestes termos que não se pode falar em liberdade de imprensa sem se considerar o direito à informação, do qual todos os cidadãos são titulares, já que o acesso à informação qualificada é condição sine qua non para a participação na vida pública e, por conseguinte, para a garantia de cidadania plena. A liberdade de expressão, enquanto princípio democrático, constitui um dos pressupostos de ação da imprensa, sua “bandeira” maior. De fato, já no nascimento da esfera pública, fazia-se presente o princípio da liberdade. O debate racional e livre, a ruptura com o Estado, o propósito de crítica – todos esses elementos evidenciam a busca de independência no espaço público. Também a gênese da imprensa está ligada ao advento da modernidade, vinculando-se a conquistas como o surgimento do Estado de direito, da democracia e o estabelecimento dos direitos civis. É assim que a liberdade de expressão, como o jornalismo, emerge no bojo dessas transformações – de dimensões políticas, sociais, econômicas, filosóficas (Cabral, 2015). Não obstante, para além dos meios de comunicação de massa tradicionais, é tarefa urgente considerar o papel, cada vez mais decisivo, que a comunicação digital desempenha no sentido de favorecer novos modos de participação cidadã e produção de conhecimento. Evidentemente, o contexto político vivenciado no Brasil ao longo dos últimos anos trouxe para o centro dos holofotes e da crítica acadêmica a problemática da desordem informacional (Wardle; Derakshan, 2017), possibilitada decisivamente pelos fluxos de conteúdos em redes sociais digitais. Sem deixar de reconhecer a complexidade e gravidade da problemática da desinformação, que requer medidas de enfrentamento conjunto pela comunidade acadêmica, o Estado e a sociedade civil, o presente trabalho pretende lançar um olhar para possibilidades de mobilização em rede que, atuando nas brechas da lógica algorítmica que privilegia a disseminação de conteúdos de forte apelo emotivo, como postagens fraudulentas e discurso 45 SCABIN; NABEIRO • Rindo, você castiga... Comunicação Midiática v.17, n.1, jan-jun, 2022 de ódio (Risso, 2022), propiciam, por meio de processos múltiplos e dialéticos de mediação (Silverstone, 2002; Couldry, 2008), a emergência de debates de interesse público, a circulação de discursos em defesa da democracia e a construção de espaços de exercício de cidadania. Nessas mobilizações em rede, a liberdade de expressão pode ser pensada tanto como precondição quanto como demanda do que Butler (2017) define como levante, isto é, manifestações que emergem com o objetivo de dar a voz e o espaço necessário para que a sociedade seja crítica e possa reagir diante de injustiças, seja por meio de obras de arte, em processos midiáticos ou ocupando a praça pública. Isso porque, na perspectiva butleriana, os levantes democráticos colocam em cena demandas voltadas “para a liberdade, a justiça, a autodeterminação e a igualdade” (Mendes, 2017, p. 225). Noutro sentido, se adotarmos os termos propostos por Couldry (2008), tais mobilizações em defesa da liberdade de expressão podem ser pensadas como práticas narrativas digitais, cuja circulação e recirculação em diferentes espaços midiáticos e institucionais constituem objeto de interesse. Defendendo a contribuição da emergência de narrativas digitais para o fortalecimento da democracia, Couldry (2008) aponta que: [...] precisamos seguir de perto, por meio de um trabalho empírico amplo, não apenas as formas e estilos de narrativas digitais e quais tipos de pessoas em quais locais estão envolvidas nessas narrativas, mas em que contextos mais amplos e sob quais condições as narrativas digitais são trocadas, referidas, tratadas como um recurso e recebem reconhecimento e autoridade (Couldry, 2008, p. 388)2 Considerando a liberdade de expressão como pilar democrático fundamental e partindo da perspectiva de Couldry (2008) para o estudo da produção de narrativas digitais, o presente trabalho busca compreender as condições que levaram à emergência e conferiram visibilidade a um episódio específico de mobilização digital, bem como sua potencial contribuição ao debate sobre democracia e liberdade de expressão no Brasil. O episódio em questão diz respeito à tentativa de censura impetrada com base na Lei de Segurança Nacional (LSN) contra o cartunista brasileiro Renato Aroeira, que, em junho de 2020, publicou uma charge que associava o ex-presidente Jair Bolsonaro ao nazismo no contexto da pandemia de Covid-193. Por meio de uma recuperação não sistemática de publicações em redes sociais digitais indexadas por meio da hashtag #somostodosaroeira, interessa-nos compreender como se deram a repercussão e a circulação midiática da tentativa de censura contra Aroeira, marcadas por ampla mobilização de cartunistas em redes sociais digitais, que buscaram manifestar apoio ao colega cerceado. Nesse sentido, este trabalho busca refletir sobre o potencial das redes sociais digitais em visibilizar – portanto, desmobilizar – ações de caráter censório, tornando-as objeto de crítica na esfera pública. O caso Aroeira Como antecipou Marconi (1980), escrevendo no momento de abertura política encabeçada por Geisel, o fim da censura prévia a veículos de imprensa não significaria o fim dos mecanismos censórios no Brasil. Se, por toda a história brasileira, a censura persiste como herança da colonização (Costa, 2006), temos vivenciado, nos últimos anos, um 46 SCABIN; NABEIRO • Rindo, você castiga... Comunicação Midiática v.17, n.1, jan-jun, 2022 acirramento de formas de censura do debate público a partir do avanço de discursos e pautas conservadoras, os quais ganharam força no governo de Jair Bolsonaro. Como aponta Cristina Costa (2021), estes são sinais de uma cultura censória e de um autoritarismo que humilham e infantilizam os meios de comunicação. Um conservadorismo resistente surge nos discursos censórios atacando as demandas inovadoras da sociedade, radicalizando posições e fazendo subir a temperatura do termômetro que mede a gravidade dos conflitos. Mas, se os órgãos de censura não mais existem e os processos censórios regulares não mais ocorrem, onde esse conflito se estabelece? Nos espaços da comunicação (Costa, 2021, p. 16). Dentre os modos pelos quais vozes dissonantes, particularmente durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, têm sido silenciadas, é possível citar formas de intimidação a jornalistas, a propagação deliberada de desinformação, o negacionismo e as teorias da conspiração incentivadas por apoiadores do governo, a produção de discursos contrários às instituições democráticas etc. Nesse cenário, dispositivos legais têm sido utilizados para calar artistas e comunicadores – como o caso da Lei de Segurança Nacional (LSN), criada durante a ditadura civil-militar e utilizada diversas vezes para calar críticos do atual governo federal, expediente que ameaça frontalmente a liberdade de expressão e a democracia no Brasil (Ribeiro; Mainieri, 2021). Segundo a LSN, é considerado crime o ato de “caluniar ou difamar o Presidente da República, o do Senado Federal, o da Câmara dos Deputados ou o do Supremo Tribunal Federal, imputando-lhes fato definido como crime ou fato ofensivo à reputação. Pena: reclusão, de 1 a 4 anos” (Brasil, 1983, online). Segundo estudo de Ribeiro e Mainieri (2021), a LSN já foi usada como motivo para colocar sob investigação, devido a críticas ao governo Bolsonaro, figuras públicas como o escritor Ruy Castro; os jornalistas Ricardo Noblat e Hélio Schwartsman; o youtuber Felipe Neto; e o político Guilherme Boulos. Além disso, pessoas desconhecidas do grande público também já foram acusadas de violar a Lei de Segurança Nacional, como um professor de história do município de Trindade, no estado de Goiás, que foi conduzido por policiais à delegacia ao se recusar a retirar de seu veículo uma faixa com os dizerem “Fora Bolsonaro Genocida”; e o professor e ex-reitor da Universidade Federal de Pelotas Pedro Hallal, que fez críticas a Bolsonaro durante uma live (Ribeiro; Mainieri, 2021). Nesse contexto, é possível situar também o caso de tentativa de censura contra o cartunista Renato Aroeira. Em junho de 2020, o ex-presidente Jair Bolsonaro incitou seus seguidores em redes sociais digitais a invadirem hospitais públicos e de campanha para filmar o que acontecia em seu interior (Uribe, 2020). A justificativa: verificar se os leitos de emergência se encontravam livres ou ocupados e descobrir possíveis “irregularidades” nas instituições de saúde no contexto de combate à crise gerada pelo coronavírus causador da Covid-19. Ainda segundo o ex-chefe do Executivo nacional, as imagens poderiam ser enviadas para investigação da Polícia Federal ou da Agência Brasileira de Inteligência (Abin). Além de a entrada em unidades de saúde sem autorização não ser permitida, o ato poderia colocar pacientes e invasores em risco de contaminação, como destacado em reportagem da Folha de S. Paulo (Uribe, 2020). Mas isso não impediu que o ex-presidente afirmasse, em live transmitida via Facebook para apoiadores no dia 11 de junho daquele ano: 47 SCABIN; NABEIRO • Rindo, você castiga... Comunicação Midiática v.17, n.1, jan-jun, 2022 “[Se] Tem hospital de campanha perto de você, hospital público, arranja uma maneira de entrar e filmar. Muita gente está fazendo isso e mais gente tem que fazer para mostrar se os leitos estão ocupados ou não. Se os gastos são compatíveis ou não. Isso nos ajuda” (Jair Bolsonaro apud Uribe, 2020, online). Além disso, Bolsonaro disse que estariam chegando ao governo federal informações de que o número de mortes em decorrência da pandemia estaria sendo inflado pelas unidades de saúde e governos estaduais, com o objetivo de prejudicá-lo politicamente, como destaca matéria da Folha: “Tem um ganho político dos caras. Só pode ser isso. Aproveitando as pessoas que falecem para ter um ganho político. E para culpar o governo federal”, disse. “Pode ser que eu esteja equivocado, mas, na totalidade ou em grande parte, ninguém perdeu a vida por falta de respirador ou de UTI”, acrescentou [Bolsonaro] (Uribe, 2020, online). Entre a repercussão gerada pelas declarações de Bolsonaro em espaços midiáticos, alcançou grande destaque uma charge assinada pelo cartunista Renato Aroeira, publicada originalmente no site Brasil 247, em 14 de junho de 2020 (Figura 1, a seguir). A charge mostra uma cruz vermelha (símbolo de unidades de saúde), com as pontas pretas em formato que remete à suástica nazista, sendo pintada por Bolsonaro; ao lado, lê-se, como que em uma pichação sobre um muro, a inscrição “bora invadir outro?” – alusão à incitação feita pelo presidente para que seus apoiadores invadissem hospitais. No mesmo dia, a charge viralizou a partir de uma publicação no blog do jornalista Ricardo Noblat. No dia seguinte, a Secretaria de Comunicação, chefiada por Fábio Wajngarten, ameaçou, em publicação no Twitter, processar o jornalista Ricardo Noblat e o chargista Renato Aroeira pela associação de Bolsonaro ao nazismo. Noblat repercutiu novamente a postagem da Secom4, que dizia: “Falsa imputação de crime é crime. O senhor Ricardo Noblat e o chargista estão imputando ao presidente da República o gravíssimo crime de nazismo; a não ser que provem sua acusação, o que é impossível, incorrem em falsa imputação de crime e responderão por esse crime” (Secretaria de Comunicação da Presidência da República apud Carvalho, 2020, online). 48 SCABIN; NABEIRO • Rindo, você castiga... Comunicação Midiática v.17, n.1, jan-jun, 2022 Figura 1: Charge Crime Continuado, 2020, Renato Aroeira (Fonte: Brasil 247). Segundo matéria da Folha de S. Paulo, o governo Jair Bolsonaro solicitou que o jornalista Ricardo Noblat, colunista da Veja, fosse investigado com base na Lei de Segurança Nacional; dessa forma, ele e o cartunista Aroeira tornaram-se alvo de pedido de investigação protocolado na Procuradoria-Geral da República pelo então ministro da Justiça, André Mendonça, no dia 15 de junho de 2020 (Carvalho, 2020, online). Conforme publicação de Mendonça reproduzida por Bolsonaro: “Solicitei à Polícia Federal e à PGR (Procuradoria-Geral da República) abertura de inquérito para investigar publicação reproduzida no Twitter Blog do Noblat, com alusão da suástica nazista ao presidente Jair Bolsonaro. O pedido de investigação considera a lei que trata dos crimes contra a segurança nacional, a ordem política e social, em especial seu art. 26” (André Mendonça apud Carvalho, 2020, online). Menos de um ano depois, a procuradora Marina Selos Ferreira, de Brasília, pediu o arquivamento do caso, determinado em maio de 2021 pela Justiça Federal. Segundo a juíza Pollyanna Kelly Alves, da 12ª Vara Federal de Brasília, responsável pelo arquivamento do inquérito aberto contra Noblat e Aroeira com base na LSN, as condutas investigadas se deram dentro do direito à livre expressão e manifestação do pensamento (Rocha, 2021). Assim, mesmo considerando a produção da charge e sua repostagem como ações de “lamentável mau gosto” e “moralmente repulsivas”, a juíza não as considerou criminosas (Vital, 2021, online). A magistrada disse que não há indícios mínimos de que as condutas de Aroeira e Noblat poderiam provocar lesão real ou potencial à integridade territorial, à soberania nacional ou ao regime democrático. A charge e sua repostagem, disse ainda a juíza federal, “não são condutas idôneas para atingir a figura do chefe da nação, de modo a atingir a segurança e a integridade do Estado brasileiro”. Ela lembrou que a figura do presidente da República é símbolo da unidade e da existência nacional, mas que nem toda expressão injuriosa contra ele significa lesão real ou ameaça potencial apta à aplicação da LSN (Rocha, 2021, online). Muito antes do arquivamento do inquérito, porém, a tentativa de censura por parte do governo Bolsonaro foi amplamente contestada em espaços midiáticos. No dia 17 de junho de 2020, a associação internacional Cartooning for Peace, que defende a liberdade de expressão em todo o mundo, denunciou as intimidações contra cinco profissionais brasileiros, lista que incluía, além de Renato Aroeira, os cartunistas Montanaro, Laerte, Alberto Benett e Claudio Mor. A associação também se uniu a uma petição online criada em apoio a Aroeira, que colheu mais de 75 mil assinaturas em apenas quatro dias de existência. O texto de apresentação do abaixo-assinado, conforme reproduzido em reportagem do UOL, afirmava: “Ao dizer que um desenho de humor leva perigo à integridade do Estado, o ministro [André Mendonça] expressa um delírio fanático e alimenta fantasias totalitárias dos criminosos que promovem ataques crescentes contra a democracia no Brasil” (apud Uol, 2020, online). Mas foi a partir de manifestações de chargistas e cartunistas em redes sociais digitais que a corrente em apoio a Aroeira ganhou dimensões singulares, como passaremos a discutir a seguir. 49 SCABIN; NABEIRO • Rindo, você castiga... Comunicação Midiática v.17, n.1, jan-jun, 2022 O movimento Charge Continuada Segundo Aroeira, em entrevista ao jornal Brasil de Fato, logo após ele e Noblat tornarem-se alvos de pedido de investigação protocolado na Procuradoria-Geral da República pelo Ministério da Justiça, teve início uma rede de apoio em grupos de WhatsApp formados por chargistas e escritores de todo o Brasil: Hoje em dia a gente já está compreendendo melhor as redes, e por isso as articulações são muito facilitadas. E aí a iniciativa nasceu da cabeça do Duke. Eu fiz a charge chamada “Crime continuado” e ele propôs nesses grupos a ideia da charge continuada, todo mundo topou na mesma hora! E aí foi uma solidariedade monumental (Renato Aroeira apud Gomes, 2020, online). Na perspectiva de Aroeira, a mobilização em torno do movimento Charge Continuada é percebida como articulação de uma forma de resistência contra os ataques do governo Bolsonaro a artistas e intelectuais. Em outros termos, o movimento representaria a tomada e subversão, por atores sociais ligados ao campo progressista, de uma estratégia já utilizada por forças políticas de extrema direita, propondo a construção de uma narrativa digital em defesa de valores democráticos. O Steve Bannon [marqueteiro de Trump] usou isso contra nós em vários lugares do mundo e agora é hora da gente dar o troco. Conseguir utilizar essas redes. Não com fake news, mas com verdade, criatividade, humor, superioridade ética e moral porque os oprimidos têm superioridade moral em relação a esses cabras, esses canalhas fascistas. A gente está certo e nós somos maioria. Então a importância é compreender, saber usar a articulação que já temos (Renato Aroeira apud Gomes, 2020, online). Novas versões da charge rapidamente começaram a ser publicadas em redes sociais digitais, com diversos artistas, profissionais e amadores, divulgando suas próprias releituras da imagem original, que foram indexadas pela hashtag #somostodosaroeira. A Figura 2, a seguir, mostra a recriação da arte de Aroeira publicada nas primeiras horas do dia 16 de junho de 2020 pelo cartunista Eduardo dos Reis Evangelista, conhecido como Duke, possivelmente o idealizador do movimento Charge Continuada (Gomes, 2020). Figura 2: Releitura da charge Crime Continuado, 2020, Duke (Fonte: Twitter/ @dukechargista). 50 SCABIN; NABEIRO • Rindo, você castiga... Comunicação Midiática v.17, n.1, jan-jun, 2022 Poucas horas após postagens em apoio a Aroeira começarem a surgir em redes sociais, veículos jornalísticos já repercutiam o movimento Charge Continuada. A título de ilustração, as figuras 3 e 4 reúnem imagens publicizadas em matéria publicada pela Folha de S. Paulo no dia 16 de junho de 20205. Trata-se de exemplos interessantes de releituras da charge de Aroeira: embora fiéis à concepção e tema da imagem original, elas mostram como muitos artistas procuraram imprimir marcas autorais por meio das cores e tipos de traços utilizados. Figura 3: Releitura da charge Crime Continuado, 2020, Janete Chargista (Fonte: Instagram/@janetechargista). Figura 4: Releitura da charge Crime Continuado, 2020, Claudio Mor (Fonte: Twitter/@mortoonoficial). Também no dia 16 de junho de 2020, já era possível encontrar uma conta no Instagram intitulada @somostodosaroeira6. O post mais antigo da página, descrita como um espaço que reúne “chargistas contra o fascismo”, é a versão de Duke, para a arte de Aroeira 51 SCABIN; NABEIRO • Rindo, você castiga... Comunicação Midiática v.17, n.1, jan-jun, 2022 representada na Figura 2. Até o dia 7 de janeiro de 2023, a página contava com mais de 4,2 mil seguidores e 474 postagens – todas apresentando criações de cartunistas em adesão ao movimento Charge Continuada. Embora a publicação mais recente da página seja datada do dia 17 de outubro de 2020, é possível observar que o perfil continuou a ser citado em postagens críticas a Bolsonaro de outras contas no Instagram até o dia 20 de dezembro de 2021. Nessa data, inclusive, a página @somostodosaroeira foi marcada em uma postagem no perfil da Revista Pirralha (@revistapirralha), descrita como “publicação de humor progressista”, que fazia menção ao movimento Charge Continuada mais de um ano e meio após seu surgimento. Embora fuja às nossas possibilidades na dimensão deste artigo realizar uma análise exaustiva das publicações reunidas na página @somostodosaroeira, é possível traçar algumas observações gerais sobre o conjunto de imagens disponíveis no perfil. Em primeiro lugar, chama a atenção o fato de a maioria dos cartunistas do movimento Charge Continuada terem mantido os elementos principais da arte de Aroeira (a cruz/suástica, a inscrição sobre o fundo, a figura de Bolsonaro), relendo-os a partir de suas singularidades estilísticas. Esse dado sugere a adoção de uma estratégia de citação e reiteração deliberadas da charge Crime Continuado em resposta à tentativa de silenciamento da crítica nela proposta. Trata-se, também, de característica típica dos memes, na medida em que se baseia na replicação de uma estrutura discursiva geral, com o deslocamento e/ou adição de elementos semânticos e/ou sintáticos pontuais, o que confere a essas imagens um potencial de serem passadas adiante em comunidades online (Shifman, 2014). Ao mesmo tempo, nas imagens reunidas no perfil @somostodosaroeira, é frequente e particularmente explícita a aproximação entre as figuras de Bolsonaro e Hitler, traço que parece constituir a principal articulação discursiva da narrativa engendrada pelo movimento Charge Continuada. Mesmo nos casos de imagens que propõem alterações mais substanciais da composição texto/imagem presente na charge original de Aroeira, mantém-se a associação entre Bolsonaro e a suástica (Figura 5). 52 SCABIN; NABEIRO • Rindo, você castiga... Comunicação Midiática v.17, n.1, jan-jun, 2022 Figura 5: Releitura da charge Crime Continuado, 2020, @oateuatoa (Fonte: Instagram/@somostodosaroeira). Destaca-se também a recorrência de representações de Bolsonaro por meio de traços grotescos, por vezes escatológicos (Figura 6). Além disso, chama a atenção a presença de charges em que a figura de Bolsonaro é substituída ou fundida à de figuras históricas reconhecidamente responsáveis por atos monstruosos: além da associação à imagem do próprio Hitler, é possível encontrar referências à Ku Klux Klan, por exemplo (Figura 7). Entre as imagens que fazem releituras menos fiéis à charge original, há casos de montagens elaboradas a partir de fotos de Bolsonaro, em clara alusão ao estilo dos memes (não por acaso, o exemplo destacado na Figura 8 não tem autoria identificada), e casos em que a frase que aparece escrita sobre o muro é modificada (Figura 9). Figura 6: Releitura da charge Crime Continuado, 2020, @paulothume (Fonte: Instagram/@somostodosaroeira). Figura 7: Releitura da charge Crime Continuado, 2020, @felipewes (Fonte: Instagram/@somostodosaroeira). 53 SCABIN; NABEIRO • Rindo, você castiga... Comunicação Midiática v.17, n.1, jan-jun, 2022 Figura 8: Releitura da charge Crime Continuado, 2020, sem autoria (Fonte: Instagram/@somostodosaroeira). Figura 9: Releitura da charge Crime Continuado, 2020, @andreift (Instagram/@somostodosaroeira) Para além de sua repercussão na cobertura de meios jornalísticos, a visibilidade e relevância do movimento Charge Continuada ficam evidentes pelo fato de a edição de 2020 do prêmio Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos, concedido anualmente a profissionais e veículos de imprensa que se destacam na defesa da democracia, ter contado com uma seção especial em referência à mobilização dos cartunistas. A seção, intitulada “Prêmio Destaque Vladimir Herzog Continuado”, foi criada para homenagear Aroeira e o movimento Charge Continuada e permitiu o reconhecimento de todas as 109 charges peças inscritas por artistas do traço que fizeram parte do movimento Charge Continuada (Portal Imprensa, 2020). Mobilização digital, censura e efeito bumerangue A exemplo do movimento Charge Continuada, outros casos de mobilizações em defesa da democracia, de direitos de minorias e/ou contra investidas autoritárias têm ganhado visibilidade em redes sociais digitais nos últimos anos. Do movimento #MeToo ao 54 SCABIN; NABEIRO • Rindo, você castiga... Comunicação Midiática v.17, n.1, jan-jun, 2022 caso #belarecatadaedolar, passando pelas mobilizações contrárias à candidatura de Bolsonaro em 2018 conhecidas pelo mote #EleNão, tais movimentações remetem ao engendramento de narrativas digitais como instância de mediação crítica de discursos conservadores (Scabin; Guilherme, 2017). O conceito de mediação é aqui entendido, conforme Couldry (2008) e Silverstone (2002), enquanto sinônimo de negociações discursivas estabelecidas em um processo contínuo de transformações múltiplas – perspectiva que contraria a tese central da teoria da midiatização, por exemplo, segundo a qual haveria apenas fluxos midiáticos unilaterais que atuariam “de cima para baixo”. Dessa forma, o caso Charge Continuada remete a elementos transformativos e dialéticos próprios da mediação, enquanto mostra a “heterogeneidade das relações e das transformações emergentes da relação midiática” (Couldry, 2008) – heterogeneidade esta que, devemos sublinhar, parece não ter sido prevista pelos autores da tentativa de censura da charge. De fato, a charge de Aroeira não apenas foi divulgada logo após live em que o expresidente incentivava seus apoiadores a invadirem hospitais para filmar leitos vazios em meio à pandemia de Covid-19, como se tornou viral com a repostagem feita por Ricardo Noblat e, diante da tentativa de censura impetrada pelo Ministério da Justiça, multiplicou-se, ressignificando-se nos traços de diferentes cartunistas do movimento Charge Continuada. O caso remete, nesse sentido, ao chamado “efeito Streisand”, denominação criada em alusão às tentativas frustradas da atriz e cantora Barbra Streisand de remover, de um banco de imagens online da costa da Califórnia, fotos de sua mansão em Malibu. Nesse fenômeno, “tentativas de controle da rede acabam por sofrer um revés indesejado por parte dos que tentam ocultar publicações indesejadas, atraindo ainda mais atenção sobre o que se procura bloquear” (Paganotti, 2013, p. 130). Considerando as especificidades do caso Aroeira e do movimento Charge Continuada, consideramos pertinente falar em uma espécie de “efeito bumerangue” da censura: ao tentar silenciar um conteúdo crítico ao governo (“enviá-lo” para uma zona de invisibilidade), a abertura de investigação contra Aroeira e Noblat acabou ampliando sua visibilidade (atraindo a atenção pública conforme “trazia-o para perto”). Em outros termos, a tentativa de censura impulsionou a circulação da obra – como na imagem do bumerangue, que não apenas retorna para o ponto de partida, mas circula ao longo do trajeto que desempenha. Dessa forma, a charge de Aroeira e a crítica a Bolsonaro nela contida não apenas se mantêm visíveis na esfera pública, como também, com a amplificação de sua circulação, têm seu alcance redimensionado pela produção de novas mediações – isto é, negociações e transformações de sentido (Silverstone, 2002) – desencadeadas pela própria investida censória – e pela criação de múltiplos novos “textos secundários” que, aderindo à obra, a ressignificam. De fato, para Silverstone (2002), o estudo das mediações requer que se considerem não somente os produtos midiáticos “primários”, mas também os “textos secundários” que se depositam em torno de discursos anteriores como “cracas” que se fixam aos cascos dos navios. Embora não seja possível, neste breve artigo, realizar uma análise sistemática de todos os fluxos pelos quais a charge de Aroeira circulou em diferentes espaços midiáticos, alguns aspectos marcantes dessa movimentação discursiva podem ser assinalados. Em primeiro lugar, o caso despertou comoção entre jornalistas, associações, cartunistas e defensores da liberdade de expressão, que destacaram o excesso de autoritarismo no uso de leis antiquadas 55 SCABIN; NABEIRO • Rindo, você castiga... Comunicação Midiática v.17, n.1, jan-jun, 2022 para silenciar críticos do então presidente. Tais manifestações repercutiram em reportagens e artigos publicados em diversos veículos jornalísticos, de jornais alternativos à imprensa de referência, que, em linhas gerais, destacaram que, embora o processo tenha sido arquivado em 2021, o caso lançou luz sobre o autoritarismo do governo Bolsonaro, sem precedentes desde a redemocratização. Em sentido mais amplo, a repercussão crítica da tentativa de censura parece ter contribuído para a concessão de maior visibilidade não apenas para o ato de intimidação contra um jornalista e um cartunista, mas também para uma série de malfeitos do governo Bolsonaro na gestão da pandemia – de fato, foi exatamente na época do caso Aroeira que a associação entre a gestão bolsonarista da pandemia e o crime de genocídio ganhou visibilidade midiática. Considerações finais Longe de constituir um caso isolado, a tentativa de censura contra Renato Aroeira e Ricardo Noblat pela crítica feita a Bolsonaro na charge Crime continuado, publicada no site Brasil 247 em junho de 2020, fez parte de um contexto mais amplo de retrocessos democráticos em que a Lei de Segurança Nacional (LSN) foi utilizada pelo governo Bolsonaro para silenciar críticos e opositores. Como outros pesquisadores já apontaram (Ribeiro; Mainieri, 2021), essa herança da ditadura civil-militar foi vastamente utilizada pelo governo Bolsonaro para cercear a liberdade de expressão, pilar fundamental do regime democrático. Segundo levantamento publicado pelo jornal Folha de São Paulo por ocasião da revisão da LSN, em 2021, dezenas de inquéritos foram abertos nos últimos anos para apurar crimes definidos pela Lei de Segurança Nacional, tendo como alvo adversários – e mesmo apoiadores – de Jair Bolsonaro (Balthazar, 2021). Considerando esse contexto como pano de fundo e elegendo o caso do movimento Charge Continuada como foco de atenção, o presente artigo buscou levantar alguns aspectos que integraram a circulação midiática do episódio em questão, recorrendo, para tanto, às perspectivas de Silverstone (2002) e Couldry (2008). Dessa forma, observamos que a reverberação da tentativa de censura ao cartunista Renato Aroeira passou por diferentes espaços midiáticos e ganhou notoriedade entre públicos distintos. Em um primeiro fluxo de movimentações, observamos a circulação de discursos de um veículo jornalístico online (onde a charge Crime Continuado, de Aroeira, foi publicada originalmente) a redes sociais (nas quais a charge ganhou notoriedade) e, em seguida, a veículos de imprensa tradicionais (que noticiaram a tentativa de censura pelo governo). Em um segundo momento, o caso retornou amplificado para as redes (que repercutiram criticamente a intimidação ao cartunista com o movimento Charge Continuada) e retornou, finalmente, para veículos jornalísticos tradicionais, que repercutiram os protestos digitais7. Nesse percurso, comportando-se como o que Jenkins, Green e Ford (2014) descrevem como “mídia propagável”, a charge que o governo Bolsonaro quis ver censurada contribuiu para fomentar a emergência de debates de interesse público, a circulação de discursos em defesa da democracia e a construção de espaços de exercício de cidadania. Ao mesmo tempo, o caso evidencia, a exemplo de outras tentativas recentes de silenciamento de conteúdos midiáticos (Paganotti, 2019), a tendência segundo a qual, no contexto da comunicação digital, investidas censórias acabam tendo como efeito “colateral” a ampliação da visibilidade conferida aos conteúdos que, na perspectiva dos censores de plantão, devem 56 SCABIN; NABEIRO • Rindo, você castiga... Comunicação Midiática v.17, n.1, jan-jun, 2022 ser retirados de circulação. Ainda, diante das especificidades do caso Aroeira e do movimento Charge Continuada, consideramos pertinente falar em uma espécie de “efeito bumerangue” da censura. Em suma, a título de exemplo da visibilidade alcançada pela mobilização digital em resposta à tentativa de silenciamento de Aroeira, gostaríamos de citar uma entrevista com o cartunista exibida pelo Jornal da Cultura8 quatro dias após o compartilhamento da charge Crime Continuado pelo jornalista Ricardo Noblat. Durante a entrevista, Aroeira afirma que já havia sido processado por pessoas, mas aquela era a primeira vez em que, por meio de seu trabalho, ele seria considerado um inimigo do Estado. Segundo ele, o medo despertado pela charge estaria associado ao medo do ridículo. “Rindo, você castiga muito mais”, declarou o artista. Se Aroeira “castigou” Bolsonaro com a charge Crime Continuado, o movimento Charge Continuada parece ter castigado muito mais ao favorecer apropriações criativas da imagem original como forma de afirmar o direito à liberdade de expressão e contestar de forma crítica – e bem-humorada – o autoritarismo do governo. Recebido em: 08 jan. 2023 Aceito em: 23 fev. 2023 1 Este texto é uma versão ampliada e revista de trabalho apresentado no 45º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, realizado de 5 a 9 de setembro de 2022 na Universidade Federal da Paraíba. Tradução nossa. No original: “[…] we need to follow closely through extended empirical work not just the forms and styles of digital storytelling and what types of people in what locations are involved in digital storytelling, but in what wider contexts and under what conditions digital stories are exchanged, referred to, treated as a resource and given recognition and authority”. 2 3 Disponível em: https://www.brasil247.com/charges/crime-continuado. Acesso em: 07 jan. 2023. 4 Disponível em: https://twitter.com/BlogdoNoblat/status/1272549050982645760?ref_src=twsrc%5Etfw%7Ctwcamp%5Et weetembed%7Ctwterm%5E1272549050982645760%7Ctwgr%5E%7Ctwcon%5Es1_&ref_url=https%3A%2 F%2Fnoticias.uol.com.br%2Fcolunas%2Fchico-alves%2F2020%2F06%2F16%2Faroeira-sobre-charge-debolsonaro-e-suastica-deram-mais-visibilidade.htm. Acesso em: 07 jan. 2023. 5 Disponível em: https://fotografia.folha.uol.com.br/galerias/1669693209706573-cartuns-em-defesa-dearoeira-contra-o-governo-bolsonaro. Acesso em: 16 jul. 2022. 6 Disponível em: https://www.instagram.com/somostodosaroeira/. Acesso em: 07 jan. 2023. 7 Nesse sentido, o caso Aroeira pode ser comparado à repercussão da tentativa de silenciamento do influenciador digital, Felipe Neto, também com base na LSN, quando este chamou o atual presidente em exercício, Jair Bolsonaro de genocida. Assim como Aroeira, o caso do influenciador ganhou rapidamente as redes sociais e veículos jornalísticos (MENDES, 2021). 8 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Zj3H35yx8ts. Acesso em 07 jan. 2022. 57 SCABIN; NABEIRO • Rindo, você castiga... Comunicação Midiática v.17, n.1, jan-jun, 2022 Referências Associação internacional de cartunistas denuncia intimidações a Aroeira, Laerte e outros brasileiros. Uol, 17 jun. 2020. Disponível em: <https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/rfi/2020/06/17/associacaointernacional-de-cartunistas-denuncia-intimidacoes-a-aroeira-laerte-e-outrosbrasileiros.htm?cmpid=copiaecola>. Acesso em: 07 jan. 2023. BALTHAZAR, Ricardo. Conheça 20 atingidos por investigações de crimes da Lei de Segurança Nacional e críticas a Bolsonaro. Folha de S. Paulo, 02 mai. 2021. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/poder/2021/05/conheca-20atingidos-por-investigacoes-de-crimes-da-lei-de-seguranca-nacional-e-opositoresde-bolsonaro.shtml>. 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