Revista Comunicação Midiática
ISSN: 2236-8000
v.17, n.1, p. 43-60, jan-jun, 2022
“Rindo, você castiga muito mais”: mobilização digital e efeito
bumerangue no caso Charge Continuada1
“Reírse castiga mucho más”: movilización digital y efecto bumerang en el
caso Charge Continuada
“By laughing, you punish a lot more”: digital mobilization and
boomerang effect in the case Charge Continuada
Nara Lya Cabral Scabin
Doutora em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo, com pós-doutorado
em Comunicação e Práticas de Consumo pela Escola Superior de Propaganda e Marketing
(ESPM/SP). Professora do Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade
Anhembi Morumbi. Líder do Grupo de Pesquisa RisoMídia – Representações, Mediações e
Humor na Cultura Audiovisual (UAM/CNPq) e coordenadora do GP Comunicação, Mídias e
Liberdade de Expressão da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da
Comunicação (INTERCOM).
[email protected]
Ana Lucia Pinto da Silva Nabeiro
Mestranda pelo Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Anhembi
Morumbi, com bolsa CAPES, sob orientação da Profa. Dra. Nara Lya Cabral Scabin.
Especialista em Assessoria de Comunicação e Mídias Sociais pela Universidade Anhembi
Morumbi e jornalista formada pela mesma instituição. Integrante do Grupo de Pesquisa
RisoMídia – Representações, Mediações e Humor na Cultura Audiovisual (UAM/CNPq).
[email protected]
SCABIN; NABEIRO • Rindo, você castiga...
Comunicação Midiática v.17, n.1, jan-jun, 2022
RESUMO
Neste artigo, vamos descrever por meio de uma pesquisa de campo empírica fatores de
influência percebida pelos jornalistas dentro da cultura jornalística da Espanha. Para chegar a
uma maior compreensão do contexto profissional, usamos o conceito de cultura jornalística que
é baseado na linha fina entre culturas nacionais e do conceito universal da cultura como um
estilo de vida. Nosso estudo empírico baseia-se no projeto Worlds of Journalism (WoJ), de
caráter quantitativo dirigido por Hanitzsch (2009). O objetivo é conhecer a percepção que os
jornalistas têm dos fatores de influência cultural. Os resultados mostram que os jornalistas
espanhóis percebem as influências dos fatores mais próximos a eles com mais intensidade.
Nossa análise mostra maior interferência destes fatores na rotina profissional dos jornalistas.
Palavras-chave: mobilização digital; Renato Aroeira; Charge Continuada; censura; liberdade de
expressão.
RESUMEN
Partiendo de la perspectiva de Couldry (2008) y Silverstone (2002) para el estudio de las
mediaciones en narrativas digitales, este artículo esboza reflexiones sobre un caso de
movilización digital, considerando sus posibles contribuciones al debate sobre democracia y
libertad de expresión en Brasil. El episodio en cuestión se refiere a las protestas desencadenadas
en redes sociales digitales en respuesta al intento de censura contra el dibujante brasileño
Renato Aroeira, quien, en junio de 2020, publicó una caricatura que asociaba al expresidente
Jair Bolsonaro con la esvástica nazi. Proponiendo la idea de un “efecto boomerang” de la
censura, tratamos de mostrar cómo el movimiento conocido como Charge Continuada
contribuyó al surgimiento de debates de interés público, la circulación de discursos en defensa
de la democracia y la construcción de espacios para el ejercicio de la ciudadanía.
Palabras clave: movilización digital; Renato Aroeira; Charge Continuada; censura; libertad de
expresión.
ABSTRACT
Based on Couldry’s (2008) and Silverstone’s (2002) perspective for the study of mediations in
digital narratives, this paper outlines reflections on a case of digital mobilization, considering its
possible contributions to the debate on democracy and freedom of expression in Brazil. The
episode in question concerns the protests triggered on digital social networks in response to the
censorship attempt against the Brazilian cartoonist Renato Aroeira, who, in June 2020, published
a cartoon associating former president Jair Bolsonaro with the Nazi swastika. Proposing the idea
of a “boomerang effect” of censorship, we try to show how the movement known as Charge
Continuada contributed to the emergence of debates of public interest, the circulation of
discourses in defense of democracy and the construction of spaces for the exercise of
citizenship.
Keywords: digital mobilization; Renato Aroeira; Charge Continuada; censorship; freedom of speech.
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Introdução
Figurando entre os direitos humanos fundamentais, a liberdade de expressão é
postulada pela Declaração Universal dos Direitos Humanos da Organização das Nações
Unidas (ONU), de 1948. Também figura como um importante pilar na democracia brasileira,
assim como em outras democracias liberais ao redor do mundo, sendo assegurada, entre nós,
pela Constituição Federal de 1988.
A Constituição de 1988, ao garantir o direito de o cidadão expressar-se
manifestando sua opinião, estabelece princípios e garantias essenciais à
democracia. Ressalta-se, ainda, o papel dos meios de comunicação, que,
segundo a CF, devem estar compromissados com a prestação de serviço
de interesse público. Desse modo, evidencia-se que os pilares da liberdade
de expressão e de imprensa se assentam na Constituição Federal,
constituindo-se em direitos fundamentais e essenciais de uma sociedade
democrática (Ribeiro; Mainieri, 2021, p. 240).
Nas sociedades modernas, os meios de comunicação de massa possuem papel
fundamental à proteção das garantias democráticas, encontrando na liberdade de expressão
– e, particularmente, em sua vertente como liberdade imprensa – elemento fundamental para
servir a seus públicos em seu direito de serem informados. É através das emissoras de rádio,
jornais impressos, televisão etc., que a informação, necessária à tomada de decisões na esfera
pública (HABERMAS, 1984), chega aos cidadãos. É nestes termos que não se pode falar em
liberdade de imprensa sem se considerar o direito à informação, do qual todos os cidadãos são
titulares, já que o acesso à informação qualificada é condição sine qua non para a participação
na vida pública e, por conseguinte, para a garantia de cidadania plena.
A liberdade de expressão, enquanto princípio democrático, constitui um
dos pressupostos de ação da imprensa, sua “bandeira” maior. De fato, já
no nascimento da esfera pública, fazia-se presente o princípio da liberdade.
O debate racional e livre, a ruptura com o Estado, o propósito de crítica
– todos esses elementos evidenciam a busca de independência no espaço
público. Também a gênese da imprensa está ligada ao advento da
modernidade, vinculando-se a conquistas como o surgimento do Estado
de direito, da democracia e o estabelecimento dos direitos civis. É assim
que a liberdade de expressão, como o jornalismo, emerge no bojo dessas
transformações – de dimensões políticas, sociais, econômicas, filosóficas
(Cabral, 2015).
Não obstante, para além dos meios de comunicação de massa tradicionais, é tarefa
urgente considerar o papel, cada vez mais decisivo, que a comunicação digital desempenha
no sentido de favorecer novos modos de participação cidadã e produção de conhecimento.
Evidentemente, o contexto político vivenciado no Brasil ao longo dos últimos anos trouxe
para o centro dos holofotes e da crítica acadêmica a problemática da desordem informacional
(Wardle; Derakshan, 2017), possibilitada decisivamente pelos fluxos de conteúdos em redes
sociais digitais. Sem deixar de reconhecer a complexidade e gravidade da problemática da
desinformação, que requer medidas de enfrentamento conjunto pela comunidade acadêmica,
o Estado e a sociedade civil, o presente trabalho pretende lançar um olhar para possibilidades
de mobilização em rede que, atuando nas brechas da lógica algorítmica que privilegia a
disseminação de conteúdos de forte apelo emotivo, como postagens fraudulentas e discurso
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de ódio (Risso, 2022), propiciam, por meio de processos múltiplos e dialéticos de mediação
(Silverstone, 2002; Couldry, 2008), a emergência de debates de interesse público, a circulação
de discursos em defesa da democracia e a construção de espaços de exercício de cidadania.
Nessas mobilizações em rede, a liberdade de expressão pode ser pensada tanto como
precondição quanto como demanda do que Butler (2017) define como levante, isto é,
manifestações que emergem com o objetivo de dar a voz e o espaço necessário para que a
sociedade seja crítica e possa reagir diante de injustiças, seja por meio de obras de arte, em
processos midiáticos ou ocupando a praça pública. Isso porque, na perspectiva butleriana,
os levantes democráticos colocam em cena demandas voltadas “para a liberdade, a justiça, a
autodeterminação e a igualdade” (Mendes, 2017, p. 225). Noutro sentido, se adotarmos os
termos propostos por Couldry (2008), tais mobilizações em defesa da liberdade de expressão
podem ser pensadas como práticas narrativas digitais, cuja circulação e recirculação em
diferentes espaços midiáticos e institucionais constituem objeto de interesse.
Defendendo a contribuição da emergência de narrativas digitais para o fortalecimento
da democracia, Couldry (2008) aponta que:
[...] precisamos seguir de perto, por meio de um trabalho empírico amplo,
não apenas as formas e estilos de narrativas digitais e quais tipos de pessoas
em quais locais estão envolvidas nessas narrativas, mas em que contextos
mais amplos e sob quais condições as narrativas digitais são trocadas,
referidas, tratadas como um recurso e recebem reconhecimento e
autoridade (Couldry, 2008, p. 388)2
Considerando a liberdade de expressão como pilar democrático fundamental e
partindo da perspectiva de Couldry (2008) para o estudo da produção de narrativas digitais,
o presente trabalho busca compreender as condições que levaram à emergência e conferiram
visibilidade a um episódio específico de mobilização digital, bem como sua potencial
contribuição ao debate sobre democracia e liberdade de expressão no Brasil. O episódio em
questão diz respeito à tentativa de censura impetrada com base na Lei de Segurança Nacional
(LSN) contra o cartunista brasileiro Renato Aroeira, que, em junho de 2020, publicou uma
charge que associava o ex-presidente Jair Bolsonaro ao nazismo no contexto da pandemia
de Covid-193.
Por meio de uma recuperação não sistemática de publicações em redes sociais digitais
indexadas por meio da hashtag #somostodosaroeira, interessa-nos compreender como se
deram a repercussão e a circulação midiática da tentativa de censura contra Aroeira, marcadas
por ampla mobilização de cartunistas em redes sociais digitais, que buscaram manifestar
apoio ao colega cerceado. Nesse sentido, este trabalho busca refletir sobre o potencial das
redes sociais digitais em visibilizar – portanto, desmobilizar – ações de caráter censório,
tornando-as objeto de crítica na esfera pública.
O caso Aroeira
Como antecipou Marconi (1980), escrevendo no momento de abertura política
encabeçada por Geisel, o fim da censura prévia a veículos de imprensa não significaria o fim
dos mecanismos censórios no Brasil. Se, por toda a história brasileira, a censura persiste
como herança da colonização (Costa, 2006), temos vivenciado, nos últimos anos, um
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acirramento de formas de censura do debate público a partir do avanço de discursos e pautas
conservadoras, os quais ganharam força no governo de Jair Bolsonaro. Como aponta Cristina
Costa (2021), estes são sinais de uma cultura censória e de um autoritarismo que humilham
e infantilizam os meios de comunicação.
Um conservadorismo resistente surge nos discursos censórios atacando as
demandas inovadoras da sociedade, radicalizando posições e fazendo
subir a temperatura do termômetro que mede a gravidade dos conflitos.
Mas, se os órgãos de censura não mais existem e os processos censórios
regulares não mais ocorrem, onde esse conflito se estabelece? Nos espaços
da comunicação (Costa, 2021, p. 16).
Dentre os modos pelos quais vozes dissonantes, particularmente durante o governo
do ex-presidente Jair Bolsonaro, têm sido silenciadas, é possível citar formas de intimidação
a jornalistas, a propagação deliberada de desinformação, o negacionismo e as teorias da
conspiração incentivadas por apoiadores do governo, a produção de discursos contrários às
instituições democráticas etc. Nesse cenário, dispositivos legais têm sido utilizados para calar
artistas e comunicadores – como o caso da Lei de Segurança Nacional (LSN), criada durante
a ditadura civil-militar e utilizada diversas vezes para calar críticos do atual governo federal,
expediente que ameaça frontalmente a liberdade de expressão e a democracia no Brasil
(Ribeiro; Mainieri, 2021).
Segundo a LSN, é considerado crime o ato de “caluniar ou difamar o Presidente da
República, o do Senado Federal, o da Câmara dos Deputados ou o do Supremo Tribunal
Federal, imputando-lhes fato definido como crime ou fato ofensivo à reputação. Pena:
reclusão, de 1 a 4 anos” (Brasil, 1983, online). Segundo estudo de Ribeiro e Mainieri (2021), a
LSN já foi usada como motivo para colocar sob investigação, devido a críticas ao governo
Bolsonaro, figuras públicas como o escritor Ruy Castro; os jornalistas Ricardo Noblat e Hélio
Schwartsman; o youtuber Felipe Neto; e o político Guilherme Boulos. Além disso, pessoas
desconhecidas do grande público também já foram acusadas de violar a Lei de Segurança
Nacional, como um professor de história do município de Trindade, no estado de Goiás, que
foi conduzido por policiais à delegacia ao se recusar a retirar de seu veículo uma faixa com
os dizerem “Fora Bolsonaro Genocida”; e o professor e ex-reitor da Universidade Federal
de Pelotas Pedro Hallal, que fez críticas a Bolsonaro durante uma live (Ribeiro; Mainieri,
2021).
Nesse contexto, é possível situar também o caso de tentativa de censura contra o
cartunista Renato Aroeira. Em junho de 2020, o ex-presidente Jair Bolsonaro incitou seus
seguidores em redes sociais digitais a invadirem hospitais públicos e de campanha para filmar
o que acontecia em seu interior (Uribe, 2020). A justificativa: verificar se os leitos de
emergência se encontravam livres ou ocupados e descobrir possíveis “irregularidades” nas
instituições de saúde no contexto de combate à crise gerada pelo coronavírus causador da
Covid-19. Ainda segundo o ex-chefe do Executivo nacional, as imagens poderiam ser
enviadas para investigação da Polícia Federal ou da Agência Brasileira de Inteligência (Abin).
Além de a entrada em unidades de saúde sem autorização não ser permitida, o ato
poderia colocar pacientes e invasores em risco de contaminação, como destacado em
reportagem da Folha de S. Paulo (Uribe, 2020). Mas isso não impediu que o ex-presidente
afirmasse, em live transmitida via Facebook para apoiadores no dia 11 de junho daquele ano:
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“[Se] Tem hospital de campanha perto de você, hospital público, arranja uma maneira de
entrar e filmar. Muita gente está fazendo isso e mais gente tem que fazer para mostrar se os
leitos estão ocupados ou não. Se os gastos são compatíveis ou não. Isso nos ajuda” (Jair
Bolsonaro apud Uribe, 2020, online).
Além disso, Bolsonaro disse que estariam chegando ao governo federal informações
de que o número de mortes em decorrência da pandemia estaria sendo inflado pelas unidades
de saúde e governos estaduais, com o objetivo de prejudicá-lo politicamente, como destaca
matéria da Folha:
“Tem um ganho político dos caras. Só pode ser isso. Aproveitando as
pessoas que falecem para ter um ganho político. E para culpar o governo
federal”, disse. “Pode ser que eu esteja equivocado, mas, na totalidade ou
em grande parte, ninguém perdeu a vida por falta de respirador ou de
UTI”, acrescentou [Bolsonaro] (Uribe, 2020, online).
Entre a repercussão gerada pelas declarações de Bolsonaro em espaços midiáticos,
alcançou grande destaque uma charge assinada pelo cartunista Renato Aroeira, publicada
originalmente no site Brasil 247, em 14 de junho de 2020 (Figura 1, a seguir). A charge mostra
uma cruz vermelha (símbolo de unidades de saúde), com as pontas pretas em formato que
remete à suástica nazista, sendo pintada por Bolsonaro; ao lado, lê-se, como que em uma
pichação sobre um muro, a inscrição “bora invadir outro?” – alusão à incitação feita pelo
presidente para que seus apoiadores invadissem hospitais.
No mesmo dia, a charge viralizou a partir de uma publicação no blog do jornalista
Ricardo Noblat. No dia seguinte, a Secretaria de Comunicação, chefiada por Fábio
Wajngarten, ameaçou, em publicação no Twitter, processar o jornalista Ricardo Noblat e o
chargista Renato Aroeira pela associação de Bolsonaro ao nazismo. Noblat repercutiu
novamente a postagem da Secom4, que dizia:
“Falsa imputação de crime é crime. O senhor Ricardo Noblat e o chargista
estão imputando ao presidente da República o gravíssimo crime de
nazismo; a não ser que provem sua acusação, o que é impossível, incorrem
em falsa imputação de crime e responderão por esse crime” (Secretaria de
Comunicação da Presidência da República apud Carvalho, 2020, online).
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Figura 1: Charge Crime Continuado, 2020, Renato Aroeira (Fonte: Brasil 247).
Segundo matéria da Folha de S. Paulo, o governo Jair Bolsonaro solicitou que o
jornalista Ricardo Noblat, colunista da Veja, fosse investigado com base na Lei de Segurança
Nacional; dessa forma, ele e o cartunista Aroeira tornaram-se alvo de pedido de investigação
protocolado na Procuradoria-Geral da República pelo então ministro da Justiça, André
Mendonça, no dia 15 de junho de 2020 (Carvalho, 2020, online). Conforme publicação de
Mendonça reproduzida por Bolsonaro:
“Solicitei à Polícia Federal e à PGR (Procuradoria-Geral da República) abertura de
inquérito para investigar publicação reproduzida no Twitter Blog do Noblat, com alusão da
suástica nazista ao presidente Jair Bolsonaro. O pedido de investigação considera a lei que
trata dos crimes contra a segurança nacional, a ordem política e social, em especial seu art.
26” (André Mendonça apud Carvalho, 2020, online).
Menos de um ano depois, a procuradora Marina Selos Ferreira, de Brasília, pediu o
arquivamento do caso, determinado em maio de 2021 pela Justiça Federal. Segundo a juíza
Pollyanna Kelly Alves, da 12ª Vara Federal de Brasília, responsável pelo arquivamento do
inquérito aberto contra Noblat e Aroeira com base na LSN, as condutas investigadas se
deram dentro do direito à livre expressão e manifestação do pensamento (Rocha, 2021).
Assim, mesmo considerando a produção da charge e sua repostagem como ações de
“lamentável mau gosto” e “moralmente repulsivas”, a juíza não as considerou criminosas
(Vital, 2021, online).
A magistrada disse que não há indícios mínimos de que as condutas de Aroeira e
Noblat poderiam provocar lesão real ou potencial à integridade territorial, à soberania
nacional ou ao regime democrático. A charge e sua repostagem, disse ainda a juíza federal,
“não são condutas idôneas para atingir a figura do chefe da nação, de modo a atingir a
segurança e a integridade do Estado brasileiro”. Ela lembrou que a figura do presidente da
República é símbolo da unidade e da existência nacional, mas que nem toda expressão
injuriosa contra ele significa lesão real ou ameaça potencial apta à aplicação da LSN (Rocha,
2021, online).
Muito antes do arquivamento do inquérito, porém, a tentativa de censura por parte
do governo Bolsonaro foi amplamente contestada em espaços midiáticos. No dia 17 de junho
de 2020, a associação internacional Cartooning for Peace, que defende a liberdade de
expressão em todo o mundo, denunciou as intimidações contra cinco profissionais
brasileiros, lista que incluía, além de Renato Aroeira, os cartunistas Montanaro, Laerte,
Alberto Benett e Claudio Mor. A associação também se uniu a uma petição online criada em
apoio a Aroeira, que colheu mais de 75 mil assinaturas em apenas quatro dias de existência.
O texto de apresentação do abaixo-assinado, conforme reproduzido em reportagem do
UOL, afirmava: “Ao dizer que um desenho de humor leva perigo à integridade do Estado, o
ministro [André Mendonça] expressa um delírio fanático e alimenta fantasias totalitárias dos
criminosos que promovem ataques crescentes contra a democracia no Brasil” (apud Uol,
2020, online).
Mas foi a partir de manifestações de chargistas e cartunistas em redes sociais digitais
que a corrente em apoio a Aroeira ganhou dimensões singulares, como passaremos a discutir
a seguir.
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O movimento Charge Continuada
Segundo Aroeira, em entrevista ao jornal Brasil de Fato, logo após ele e Noblat
tornarem-se alvos de pedido de investigação protocolado na Procuradoria-Geral da
República pelo Ministério da Justiça, teve início uma rede de apoio em grupos de WhatsApp
formados por chargistas e escritores de todo o Brasil:
Hoje em dia a gente já está compreendendo melhor as redes, e por isso as
articulações são muito facilitadas. E aí a iniciativa nasceu da cabeça do
Duke. Eu fiz a charge chamada “Crime continuado” e ele propôs nesses
grupos a ideia da charge continuada, todo mundo topou na mesma hora!
E aí foi uma solidariedade monumental (Renato Aroeira apud Gomes,
2020, online).
Na perspectiva de Aroeira, a mobilização em torno do movimento Charge
Continuada é percebida como articulação de uma forma de resistência contra os ataques do
governo Bolsonaro a artistas e intelectuais. Em outros termos, o movimento representaria a
tomada e subversão, por atores sociais ligados ao campo progressista, de uma estratégia já
utilizada por forças políticas de extrema direita, propondo a construção de uma narrativa
digital em defesa de valores democráticos.
O Steve Bannon [marqueteiro de Trump] usou isso contra nós em vários
lugares do mundo e agora é hora da gente dar o troco. Conseguir utilizar
essas redes. Não com fake news, mas com verdade, criatividade, humor,
superioridade ética e moral porque os oprimidos têm superioridade moral
em relação a esses cabras, esses canalhas fascistas. A gente está certo e nós
somos maioria. Então a importância é compreender, saber usar a
articulação que já temos (Renato Aroeira apud Gomes, 2020, online).
Novas versões da charge rapidamente começaram a ser publicadas em redes sociais
digitais, com diversos artistas, profissionais e amadores, divulgando suas próprias releituras
da imagem original, que foram indexadas pela hashtag #somostodosaroeira. A Figura 2, a
seguir, mostra a recriação da arte de Aroeira publicada nas primeiras horas do dia 16 de junho
de 2020 pelo cartunista Eduardo dos Reis Evangelista, conhecido como Duke, possivelmente
o idealizador do movimento Charge Continuada (Gomes, 2020).
Figura 2: Releitura da charge Crime Continuado, 2020, Duke (Fonte: Twitter/ @dukechargista).
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Poucas horas após postagens em apoio a Aroeira começarem a surgir em redes
sociais, veículos jornalísticos já repercutiam o movimento Charge Continuada. A título de
ilustração, as figuras 3 e 4 reúnem imagens publicizadas em matéria publicada pela Folha de
S. Paulo no dia 16 de junho de 20205. Trata-se de exemplos interessantes de releituras da
charge de Aroeira: embora fiéis à concepção e tema da imagem original, elas mostram como
muitos artistas procuraram imprimir marcas autorais por meio das cores e tipos de traços
utilizados.
Figura 3: Releitura da charge Crime Continuado, 2020, Janete Chargista (Fonte:
Instagram/@janetechargista).
Figura 4: Releitura da charge Crime Continuado, 2020, Claudio Mor (Fonte:
Twitter/@mortoonoficial).
Também no dia 16 de junho de 2020, já era possível encontrar uma conta no
Instagram intitulada @somostodosaroeira6. O post mais antigo da página, descrita como um
espaço que reúne “chargistas contra o fascismo”, é a versão de Duke, para a arte de Aroeira
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representada na Figura 2. Até o dia 7 de janeiro de 2023, a página contava com mais de 4,2
mil seguidores e 474 postagens – todas apresentando criações de cartunistas em adesão ao
movimento Charge Continuada. Embora a publicação mais recente da página seja datada do
dia 17 de outubro de 2020, é possível observar que o perfil continuou a ser citado em
postagens críticas a Bolsonaro de outras contas no Instagram até o dia 20 de dezembro de
2021. Nessa data, inclusive, a página @somostodosaroeira foi marcada em uma postagem no
perfil da Revista Pirralha (@revistapirralha), descrita como “publicação de humor
progressista”, que fazia menção ao movimento Charge Continuada mais de um ano e meio
após seu surgimento.
Embora fuja às nossas possibilidades na dimensão deste artigo realizar uma análise
exaustiva das publicações reunidas na página @somostodosaroeira, é possível traçar algumas
observações gerais sobre o conjunto de imagens disponíveis no perfil. Em primeiro lugar,
chama a atenção o fato de a maioria dos cartunistas do movimento Charge Continuada terem
mantido os elementos principais da arte de Aroeira (a cruz/suástica, a inscrição sobre o
fundo, a figura de Bolsonaro), relendo-os a partir de suas singularidades estilísticas. Esse
dado sugere a adoção de uma estratégia de citação e reiteração deliberadas da charge Crime
Continuado em resposta à tentativa de silenciamento da crítica nela proposta. Trata-se,
também, de característica típica dos memes, na medida em que se baseia na replicação de uma
estrutura discursiva geral, com o deslocamento e/ou adição de elementos semânticos e/ou
sintáticos pontuais, o que confere a essas imagens um potencial de serem passadas adiante
em comunidades online (Shifman, 2014).
Ao mesmo tempo, nas imagens reunidas no perfil @somostodosaroeira, é frequente
e particularmente explícita a aproximação entre as figuras de Bolsonaro e Hitler, traço que
parece constituir a principal articulação discursiva da narrativa engendrada pelo movimento
Charge Continuada. Mesmo nos casos de imagens que propõem alterações mais substanciais
da composição texto/imagem presente na charge original de Aroeira, mantém-se a
associação entre Bolsonaro e a suástica (Figura 5).
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SCABIN; NABEIRO • Rindo, você castiga...
Comunicação Midiática v.17, n.1, jan-jun, 2022
Figura 5: Releitura da charge Crime Continuado, 2020, @oateuatoa (Fonte:
Instagram/@somostodosaroeira).
Destaca-se também a recorrência de representações de Bolsonaro por meio de traços
grotescos, por vezes escatológicos (Figura 6). Além disso, chama a atenção a presença de
charges em que a figura de Bolsonaro é substituída ou fundida à de figuras históricas
reconhecidamente responsáveis por atos monstruosos: além da associação à imagem do
próprio Hitler, é possível encontrar referências à Ku Klux Klan, por exemplo (Figura 7).
Entre as imagens que fazem releituras menos fiéis à charge original, há casos de montagens
elaboradas a partir de fotos de Bolsonaro, em clara alusão ao estilo dos memes (não por acaso,
o exemplo destacado na Figura 8 não tem autoria identificada), e casos em que a frase que
aparece escrita sobre o muro é modificada (Figura 9).
Figura 6: Releitura da charge Crime Continuado, 2020, @paulothume (Fonte:
Instagram/@somostodosaroeira).
Figura 7: Releitura da charge Crime Continuado, 2020, @felipewes (Fonte:
Instagram/@somostodosaroeira).
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Figura 8: Releitura da charge Crime Continuado, 2020, sem autoria (Fonte:
Instagram/@somostodosaroeira).
Figura 9: Releitura da charge Crime Continuado, 2020, @andreift (Instagram/@somostodosaroeira)
Para além de sua repercussão na cobertura de meios jornalísticos, a visibilidade e
relevância do movimento Charge Continuada ficam evidentes pelo fato de a edição de 2020
do prêmio Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos, concedido anualmente a
profissionais e veículos de imprensa que se destacam na defesa da democracia, ter contado
com uma seção especial em referência à mobilização dos cartunistas. A seção, intitulada
“Prêmio Destaque Vladimir Herzog Continuado”, foi criada para homenagear Aroeira e o
movimento Charge Continuada e permitiu o reconhecimento de todas as 109 charges peças
inscritas por artistas do traço que fizeram parte do movimento Charge Continuada (Portal
Imprensa, 2020).
Mobilização digital, censura e efeito bumerangue
A exemplo do movimento Charge Continuada, outros casos de mobilizações em
defesa da democracia, de direitos de minorias e/ou contra investidas autoritárias têm
ganhado visibilidade em redes sociais digitais nos últimos anos. Do movimento #MeToo ao
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caso #belarecatadaedolar, passando pelas mobilizações contrárias à candidatura de
Bolsonaro em 2018 conhecidas pelo mote #EleNão, tais movimentações remetem ao
engendramento de narrativas digitais como instância de mediação crítica de discursos
conservadores (Scabin; Guilherme, 2017).
O conceito de mediação é aqui entendido, conforme Couldry (2008) e Silverstone
(2002), enquanto sinônimo de negociações discursivas estabelecidas em um processo
contínuo de transformações múltiplas – perspectiva que contraria a tese central da teoria da
midiatização, por exemplo, segundo a qual haveria apenas fluxos midiáticos unilaterais que
atuariam “de cima para baixo”. Dessa forma, o caso Charge Continuada remete a elementos
transformativos e dialéticos próprios da mediação, enquanto mostra a “heterogeneidade das
relações e das transformações emergentes da relação midiática” (Couldry, 2008) –
heterogeneidade esta que, devemos sublinhar, parece não ter sido prevista pelos autores da
tentativa de censura da charge.
De fato, a charge de Aroeira não apenas foi divulgada logo após live em que o expresidente incentivava seus apoiadores a invadirem hospitais para filmar leitos vazios em
meio à pandemia de Covid-19, como se tornou viral com a repostagem feita por Ricardo
Noblat e, diante da tentativa de censura impetrada pelo Ministério da Justiça, multiplicou-se,
ressignificando-se nos traços de diferentes cartunistas do movimento Charge Continuada. O
caso remete, nesse sentido, ao chamado “efeito Streisand”, denominação criada em alusão às
tentativas frustradas da atriz e cantora Barbra Streisand de remover, de um banco de imagens
online da costa da Califórnia, fotos de sua mansão em Malibu. Nesse fenômeno, “tentativas
de controle da rede acabam por sofrer um revés indesejado por parte dos que tentam ocultar
publicações indesejadas, atraindo ainda mais atenção sobre o que se procura bloquear”
(Paganotti, 2013, p. 130).
Considerando as especificidades do caso Aroeira e do movimento Charge
Continuada, consideramos pertinente falar em uma espécie de “efeito bumerangue” da
censura: ao tentar silenciar um conteúdo crítico ao governo (“enviá-lo” para uma zona de
invisibilidade), a abertura de investigação contra Aroeira e Noblat acabou ampliando sua
visibilidade (atraindo a atenção pública conforme “trazia-o para perto”). Em outros termos,
a tentativa de censura impulsionou a circulação da obra – como na imagem do bumerangue,
que não apenas retorna para o ponto de partida, mas circula ao longo do trajeto que
desempenha. Dessa forma, a charge de Aroeira e a crítica a Bolsonaro nela contida não
apenas se mantêm visíveis na esfera pública, como também, com a amplificação de sua
circulação, têm seu alcance redimensionado pela produção de novas mediações – isto é,
negociações e transformações de sentido (Silverstone, 2002) – desencadeadas pela própria
investida censória – e pela criação de múltiplos novos “textos secundários” que, aderindo à
obra, a ressignificam.
De fato, para Silverstone (2002), o estudo das mediações requer que se considerem
não somente os produtos midiáticos “primários”, mas também os “textos secundários” que
se depositam em torno de discursos anteriores como “cracas” que se fixam aos cascos dos
navios. Embora não seja possível, neste breve artigo, realizar uma análise sistemática de todos
os fluxos pelos quais a charge de Aroeira circulou em diferentes espaços midiáticos, alguns
aspectos marcantes dessa movimentação discursiva podem ser assinalados. Em primeiro
lugar, o caso despertou comoção entre jornalistas, associações, cartunistas e defensores da
liberdade de expressão, que destacaram o excesso de autoritarismo no uso de leis antiquadas
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Comunicação Midiática v.17, n.1, jan-jun, 2022
para silenciar críticos do então presidente. Tais manifestações repercutiram em reportagens
e artigos publicados em diversos veículos jornalísticos, de jornais alternativos à imprensa de
referência, que, em linhas gerais, destacaram que, embora o processo tenha sido arquivado
em 2021, o caso lançou luz sobre o autoritarismo do governo Bolsonaro, sem precedentes
desde a redemocratização. Em sentido mais amplo, a repercussão crítica da tentativa de
censura parece ter contribuído para a concessão de maior visibilidade não apenas para o ato
de intimidação contra um jornalista e um cartunista, mas também para uma série de malfeitos
do governo Bolsonaro na gestão da pandemia – de fato, foi exatamente na época do caso
Aroeira que a associação entre a gestão bolsonarista da pandemia e o crime de genocídio
ganhou visibilidade midiática.
Considerações finais
Longe de constituir um caso isolado, a tentativa de censura contra Renato Aroeira e
Ricardo Noblat pela crítica feita a Bolsonaro na charge Crime continuado, publicada no site
Brasil 247 em junho de 2020, fez parte de um contexto mais amplo de retrocessos
democráticos em que a Lei de Segurança Nacional (LSN) foi utilizada pelo governo
Bolsonaro para silenciar críticos e opositores. Como outros pesquisadores já apontaram
(Ribeiro; Mainieri, 2021), essa herança da ditadura civil-militar foi vastamente utilizada pelo
governo Bolsonaro para cercear a liberdade de expressão, pilar fundamental do regime
democrático. Segundo levantamento publicado pelo jornal Folha de São Paulo por ocasião da
revisão da LSN, em 2021, dezenas de inquéritos foram abertos nos últimos anos para apurar
crimes definidos pela Lei de Segurança Nacional, tendo como alvo adversários – e mesmo
apoiadores – de Jair Bolsonaro (Balthazar, 2021).
Considerando esse contexto como pano de fundo e elegendo o caso do movimento
Charge Continuada como foco de atenção, o presente artigo buscou levantar alguns aspectos
que integraram a circulação midiática do episódio em questão, recorrendo, para tanto, às
perspectivas de Silverstone (2002) e Couldry (2008). Dessa forma, observamos que a
reverberação da tentativa de censura ao cartunista Renato Aroeira passou por diferentes
espaços midiáticos e ganhou notoriedade entre públicos distintos. Em um primeiro fluxo de
movimentações, observamos a circulação de discursos de um veículo jornalístico online (onde
a charge Crime Continuado, de Aroeira, foi publicada originalmente) a redes sociais (nas quais
a charge ganhou notoriedade) e, em seguida, a veículos de imprensa tradicionais (que
noticiaram a tentativa de censura pelo governo). Em um segundo momento, o caso retornou
amplificado para as redes (que repercutiram criticamente a intimidação ao cartunista com o
movimento Charge Continuada) e retornou, finalmente, para veículos jornalísticos
tradicionais, que repercutiram os protestos digitais7.
Nesse percurso, comportando-se como o que Jenkins, Green e Ford (2014)
descrevem como “mídia propagável”, a charge que o governo Bolsonaro quis ver censurada
contribuiu para fomentar a emergência de debates de interesse público, a circulação de
discursos em defesa da democracia e a construção de espaços de exercício de cidadania. Ao
mesmo tempo, o caso evidencia, a exemplo de outras tentativas recentes de silenciamento de
conteúdos midiáticos (Paganotti, 2019), a tendência segundo a qual, no contexto da
comunicação digital, investidas censórias acabam tendo como efeito “colateral” a ampliação
da visibilidade conferida aos conteúdos que, na perspectiva dos censores de plantão, devem
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ser retirados de circulação. Ainda, diante das especificidades do caso Aroeira e do movimento
Charge Continuada, consideramos pertinente falar em uma espécie de “efeito bumerangue”
da censura.
Em suma, a título de exemplo da visibilidade alcançada pela mobilização digital em
resposta à tentativa de silenciamento de Aroeira, gostaríamos de citar uma entrevista com o
cartunista exibida pelo Jornal da Cultura8 quatro dias após o compartilhamento da charge Crime
Continuado pelo jornalista Ricardo Noblat. Durante a entrevista, Aroeira afirma que já havia
sido processado por pessoas, mas aquela era a primeira vez em que, por meio de seu trabalho,
ele seria considerado um inimigo do Estado. Segundo ele, o medo despertado pela charge
estaria associado ao medo do ridículo. “Rindo, você castiga muito mais”, declarou o artista.
Se Aroeira “castigou” Bolsonaro com a charge Crime Continuado, o movimento Charge
Continuada parece ter castigado muito mais ao favorecer apropriações criativas da imagem
original como forma de afirmar o direito à liberdade de expressão e contestar de forma crítica
– e bem-humorada – o autoritarismo do governo.
Recebido em: 08 jan. 2023
Aceito em: 23 fev. 2023
1
Este texto é uma versão ampliada e revista de trabalho apresentado no 45º Congresso Brasileiro de Ciências
da Comunicação, realizado de 5 a 9 de setembro de 2022 na Universidade Federal da Paraíba.
Tradução nossa. No original: “[…] we need to follow closely through extended empirical work not just the
forms and styles of digital storytelling and what types of people in what locations are involved in digital
storytelling, but in what wider contexts and under what conditions digital stories are exchanged, referred to,
treated as a resource and given recognition and authority”.
2
3
Disponível em: https://www.brasil247.com/charges/crime-continuado. Acesso em: 07 jan. 2023.
4
Disponível
em:
https://twitter.com/BlogdoNoblat/status/1272549050982645760?ref_src=twsrc%5Etfw%7Ctwcamp%5Et
weetembed%7Ctwterm%5E1272549050982645760%7Ctwgr%5E%7Ctwcon%5Es1_&ref_url=https%3A%2
F%2Fnoticias.uol.com.br%2Fcolunas%2Fchico-alves%2F2020%2F06%2F16%2Faroeira-sobre-charge-debolsonaro-e-suastica-deram-mais-visibilidade.htm. Acesso em: 07 jan. 2023.
5
Disponível em: https://fotografia.folha.uol.com.br/galerias/1669693209706573-cartuns-em-defesa-dearoeira-contra-o-governo-bolsonaro. Acesso em: 16 jul. 2022.
6
Disponível em: https://www.instagram.com/somostodosaroeira/. Acesso em: 07 jan. 2023.
7
Nesse sentido, o caso Aroeira pode ser comparado à repercussão da tentativa de silenciamento do
influenciador digital, Felipe Neto, também com base na LSN, quando este chamou o atual presidente em
exercício, Jair Bolsonaro de genocida. Assim como Aroeira, o caso do influenciador ganhou rapidamente as
redes sociais e veículos jornalísticos (MENDES, 2021).
8
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Zj3H35yx8ts. Acesso em 07 jan. 2022.
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