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FIA T VOLUNTA S TUA ! VíCIO E PECADO NA ÉTICA DE
A B ELAR D O ·
José Carlos ESTEV ÃO ··
RESUMO : Abelardo, na sua ética, desqualifica a noção de "vício" em favor da noção de
"pecado" . Esta passagem não é apenas um pressuposto do autor, mas decorre TU!cessariamente
tanto de sua posição enquanto lógico quanto de sua crítica dos filósofos estóicos que pôde
conhecer.
UNITERMOS: Abelardo; ética; vício, pecado; indivíduo; universal; intenção; estoicismo.
Ao iniciar sua Ethica Abelardo estabelece como ponto de partida os "costumes"
(mores), constituídos por vÍCios e virtudes do espírito (animus) que inclinam a vontade às
más e às boas ações. Está fora do âmbito da ética tudo aquilo que, igualmente repartido
entre bons e maus, não torna a vida humana digna de louvor ou censura. Sejam vícios e
virtudes do corpo, como ser cego ou ser forte; sejam do espírito
e, neste caso, o
exemplo é amplamente significativo -, como "o espírito obtuso ou a rapidez da
inteligência, ter ou não boa memória, a ignorância ou a ciência" (Cf. 3, p. 2, grifo meu).
,
-
Indica, desta forma, um duplo afastamento. Toma distância da noção de vício como
"hábito", preferindo entendê-lo como "disposição natural", e exclui da apreciação ética a
ignorantia veZ sciencia, marcando a possibilidade de oposição aos estóicos.
•
••
Este artigo é uma v ersão modificada, pelo autor, de uma passagem do capítulo IV da
dissertação de mestrado: O Indivíduo na Ética de Abelardo. S ão Paulo, 1 989.
Departamento de Filosofia - Faculdade de Filosofia e Ciências - UNESP - 1 7500 Marília - SP.
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A definição de vício tem como função, na economia do texto, distingui-lo do pecado.
O vício é uma inclinação da vontade. Encontra-se na alma (anima) e, quando existe, está
sempre presente, mesmo sem que se manifeste como ação. Além disso, a fonte do vício
seria, em muitos, "a própria natureza ou compleição corporal", que os toma inclinados,
por exemplo, à luxúria ou à ira. Ou seja. o vício pode não ser adquirido. E, diz Abelardo,
não há como censurar estes luxuriosos ou iracundos "pelo fato mesmo de serem como
são" (Cf. 3, p. 4), quer dizer, seria possível encontrar homens com tal "temperamento"
tanto entre os bons como entre os maus. Com a diferença de que os primeiros resistem
ao vício, os outros, não.
Este tipo de vício, assim como de virtude, escapa aos limites da ética, já não seriam
de fato vício ou virtude, a não ser, lembra Dal Pra, na medida em que tal vício indicaria
"a possibil idade de uma função ética indireta", por estabelecer o lugar e o momento de
uma luta em que o homem pode vencer-se (Cf. 10, p. 6-7) . "O homem paciente Abelardo cita Salomão - é melhor que o homem forte e quem domina o próprio espírito
é melhor que quem toma uma cidade" (Cf. 3, p. 4). Como se, propriamente falando, o
víc io enquanto qualidade, pudesse ser tomado de duas maneriae, como diria Abelardo
(Nota A), e a virtude, de apenas uma. Esta só pode ser hábito, isto é, adquirida: a
caslidade nascida da frigidez, por exemplo, não poderia ser chamada de virtude (Cf. 2,
p . 1 1 6) .
,
Deixando de lado, aqui, toda a dificuldade que a noção de "natureza" apresenta neste
momento da obra de Abelardo - assim como as precisas distinções entre "vontade",
"consentimento" e "intenção" que passam a ser estabelecidas na seqüência -, é possível
assinalar que se aquilo que é comum a bons e maus escapa à apreciação ética e se o vício
- entend ido como inclinação da vontade - é também "natural", não voluntário, não
apenas "hábito", então a oposição virtude/vício já não é suficiente para estabelecer o
espaço da moral. Abelardo pode passar para outra instância. a do pecado.
"O vício é, portanto, aquilo pelo qual somos inclinados a pecar, isto é, somos incli
nados a consentir em coisas ilícitas, seja por ação ou omissão. Ora. a este consentimento
chamamos propriamente pecado, isto é, a culpa da alma pela qual esta merece a danação
ou torna-se ré de Deus. O que é este consentimento senão o desprezo de Deus ( Dei
contemptus) e a ofensa a ele? ( . . . ). Nosso pecado é desprezo do Criador, e pecar é
desprezar o Criador, isto é, não fazermos por ele aquilo que cremos que devemos fazer, ou
não deixarmos de fazer aquilo que cremos que não devemos fazer" (Cf. 3, p. 4-6).
O pecado não é o, vício: pecar é consentir o mal. E o mal é desprezar Deus.
No entanto, embora possa, Aberlardo não precisaria chegar ao pecado. Bastaria tomar
o consentimento ao vício como referido à vida humana. ao que a toma "digna de louvor
ou censura". Ou seja, poderia ter-se mantido colado ao estoicismo, tal como o conheceu.
Por que não o faz?
. Trata-se apenas de um parti-pris, como se imagina que deveríamos esperar de um
autor medieval? Neste caso, seria suficiente tão só indicá-lo: "A Ethica de Abelardo é
uma monografia teológica sobre aspectos morais da religião cristã" (Cf. 24, p. XXXI).
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Dal Pra entende que a questão é mais complexa. "Que Abelardo seja ligado a uma
concepção 'religiosa' da moral resulta do fato que o problema do pecado assume a
importância de ponto focal da moral. Enquanto, do ponto de vista do sujeito, o pecado
comporta essencialmente o consensus, do ponto de vista objetivo configura-se como
'ofensa a Deus' ou 'desprezo de Deus' . Isto confinna o caráter 'religioso' da interrogação
moral abelardiana, a qual, embora reivindicando o aporte da interioridade e da iniciativa do
sujeito, não pode prescindir de Deus como supremo legislador moral" (Cf. l O, p. 1 0
n. 1 7). Correto, se m dúvida, mas quais raz ões para o "fato" de, e m Abelardo, pecado vir
a ser "o ponto focal da moral" e não ser possível "prescindir de Deus como supremo
legislador moral"? Parece-me que podemos esclarecer o problema considerando alguns
aspectos da "disputa" de Abelardo com seus mestres estóicos.
Abelardo cita constantemente Cícero e Sêneca e os tem em alta conta: Cícero é "o
maior dos filósofos latinos" (Cf. 5, p. 1087) e Sêneca "o maior defensor da pobreza e da
continência, o supremo edificador moral entre os filósofos" (Cf. I, p. 277). Além do que,
nosso autor está seguro da autenticidade da correspondência entre São Paulo e o ftlósofo
romano, o que faz deste um dos "pagãos" mais próximos da Fé Católica (Cf. 7,
p. 1 29; 1 7 , p. 42-3).
Na Ethica, contudo, Cícero só é citado nominalmente uma única vez (Cf. 3 , p. 72);
Sêneca, nenhuma. O que não impede que estejam presentes como inte/ocutores
privilegiados - em especial, Cícero.
Algumas passagens do texto de Abelardo são de sabor inequivocamente estóico, como
o elogio da liberdade de espírito com que termina o "capítulo 11". "Se os homens nos
dominam o corpo, mas o espírito permanece livre, a nossa verdadeira liberdade não corre
nenhum perigo, não incorremos em nenhuma humilhante (obscenae) servidão" (Cf. 3,
p. 4).
É em Cícero que Abelardo apreende, por exemplo, a distinção entre "lei natural" e "lei
positiva" (Nota B), relevante, em particular, no Dia/ogus. Ou reencontra a noção de
intenção, categoria basilar sobre a qual funda sua ética. Genericamente, pode-se dizer que
aquilo que Abelardo entende por "ética" é a do P6!lÍco.
Ainda assim, o estoicismo, enquanto interlocutor, é sobretudo a doutrina que deve ser
ultrapassada. Como apontamos acima, neutralizar a importância moral da "ignorância ou
ciência" tem endereço certo. É conhecido o intelectualismo da ética estóica. Como diz
Voelke, "aos olhos de Sêneca, o bem não é di stinto do verdadeiro: à questão 'O que é O
bem? ' , chega mesmo a responder: 'a ciência' (Ep. 31 , 6) ( . . . ). Segundo a exposição mais
técnica da Ep. 95 (57-58), a vontade reta que preside a ação reta deriva ela própria de uma
disposição reta da alma. Esta disposição é um habitus durável fundado sobre o
conhecimento do verdadeiro. O conhecimento sólido dos princípios fundamentais da
filosofia (decreta) é indispensável, pois sua verdade dispõe a alma a desenvolver uma
vontade reta, condição necessária da ação reta" (Cf. 27, p. 1 74-5). Ora, este exemplo
sobre Sêneca é particularmente instrutivo porque Abelardo conheceu e citou as Cartas a
Lucílio (Cf. 4, p. 77), muito embora não encontremos em sua obra qualquer referência
. Tra n s/Forml A ç i o , São Paulo , 1 2 : 8 5 -96, 1 9 8 9 .
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mais explícita a esta divergência com os estóicos, enquanto outras, no entanto, são
claramente tematizadas. Em especial, para a quest1io que nos ocupa, é necessário recorrer
ao Dialogus inter Philosophum. Judaeum et Christianum .
O "Filósofo" do Dialogus. um "filho de Ismael" (Cf. 2, p. 68) sem outra lei que a
razão, a lei natural (Cf. 2, p. 4 1 -3), exprime-se como estóico - mais especificamente,
como disCípulo de Cícero (Nota C).
De acordo com os modos do gênero, o "Filósofo" e o "Crist1io" tendem a concordar
mais do que, em geral, esperaríamos. O "Filósofo" demonstra um extraordinário
conhecimento das fontes cristãs, inclusive escriturísticas (o próprio "Cristão" o admite:
"vejo que não é tua ignorância de nossa fé que te condena, mas antes a obstinação da tua
incredulidade" (Cf. 2, p. 88», e concede de bom grado que a Lex cristã, sendo mais
recente, possivelmente seria também mais "racional" (Cf. 2, p. 85). O "Cristão", do seu
lado, concorda com a ácida crítica do "Filósofo" ao respeito cego pelas "autoridades"
(Cf. 2, p. 97) (Nota D).
A postura do "Filósofo" é de quem busca a verdade. A do "Cristão", que já a tem, é de
combate (Cf. 2, p. 4 1 e 86). Mestre Pedro. ou melhor, o "Cristão", uma vez que
Abelardo reserva para si , enquanto personagem, o papel de árbitro, recusa muito
especialmente - trata-se da própria razão de ser do Dialogus - o "concordismo" proposto
pelo "Filósofo": "para Epicuro, esta felicidade (beatitudo) é prazer, vosso Cristo a chama
de reino dos céus. Que importam os nomes se as coisas são as mesmas? Trata-se da
mesma beatitude e os filósofos que vivem justamente não são diferentes dos cristãos pela
intenção que os guia. Vós e nós nos dispomos a viver aqui de uma forma justa para
sermos glorificados no além, combatemos aqui os vícios para receber no além os méritos
de nossas virtudes, que é o preço deste bem supremo.
"Cristão: ao contrário, que eu entenda, nossas intenções diferem aqui tanto quanto
nossos méritos e quanto ao que seja o sumo bem, nosso dissenso não é menor" (Cf. 2,
.
p. 1 06).
A razão humana tem seus limites e é insuficiente para dar conta do Sumo Bem, do
qual só se pode dar rationes honestas (distintas das rationes necessariae do dialético),
sendo acessível apenas pela Revelação. Mas a Revelação não é privilégio cristão. Os
filósofos pagãos absolutamente não estão excluídos dela. Muito pelo contrário, para
Abelardo, fazem mesmo parte da economia da salvação e são canal da revelação divina
praticamente a mesmo título que os profetas de Israel (Cf. 7, p. 1 30) (Nota E).
Como lembra Gandillac: "a 'justificação pelo sangue de Cristo' é menos visada aqui
como dívida paga ou como sacrifício expiatório do que como 'palavra' e 'exemplo'
vindos de uma natureza humana divinamente assumida" (Cf. 1 3 , p. 606). Embora
vacilando, Abelardo não vê razões para excluir do Reino dos Céus seus filósofos, mesmo
porque, ele o crê, não há como ser fJ1ósofo sem levar uma vida virtuosa - ainda que seja
difícil perseverar nela - e, se são mestres da verdade, o são pela graça de Deus (Nota F).
Assim, se há discordância quanto à natureza do Sumo Bem entre Abelardo e, digamos,
Cícero e Sêneca, isto se deve mais a carências te6ricas da parte dos autores criticados,
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nesta questão particular, do que a qualquer impossibilidade teológica. Não vem ao caso,
em nenhum momento, condenar "pagãos". Trata-se de, como sempre o desejou Abelardo,
ultrapassar o conhecimento dos antigos, no interior de uma tradição que, para ele, embora
"reformada" (Nota G), não sofre solução de continuidade.
O "Filósofo" pensa apenas "o sumo bem dos homens", não o S umo Bem (em
absoluto): "Non hoc loco absolute summum bonum se summum hominis bonun
intendimus (Cf. 2, p. 106). Mesmo depois de demarcado este ponto central de
divergência, é o "Filósofo" que continua com a palavra, expondo, rente à perspectiva da
moral estóica, a lista das virtudes. Virtudes que Abelardo acolhe e reconhece. Tanto
quanto o "Filósofo" aceita, como "o que dizem e no qual crêem todos os bons filósofos",
que o Sumo Bem é Deus. Mas sendo então levado a distinguir este "sumo bem absoluto"
do "sumo bem dos homens", que se constituiria no repouso na vida futura, da mesma
forma que o "sumo mal dos homens" seria o castigo eterno (Cf. 2, p. 1 27-8).
"
Mas, para Abelardo, não basta pô-los lado a lado. Seja porque o "sumo mal dos
homens", a pena, tal como a define o "filósofo", ainda que não seja um bem, é boa, pois
é justa (Cf. 2, p. 1 28-9). Seja porque a culpa, enquanto causa da pena, é um mal maior
do que esta (Cf. 2, p. 1 32). O "sumo bem" e o "sumo mal" dos homens não encontra seu
limite sem a referência ao Sumo Bem. O que o "Filósofo" desconhece é "o ódio e o amor
de Deus" (Cf. 2, p. 1 32-3).
No entanto, se o "Cristão" não está melhor aquinhoado a respeito do Sumo Bem por
uma "revelação especial" - conceito que Abelardo ignora (Cf. 12, p. 1 9) -, de onde vem
este desconhecimento do "Filósofo"?
Do vilissimum sophisma que postula a inexistência de graus de virtude ou vício e que
"induziu o filósofo (Cícero, nomeadamente) ao paradoxo que afrrma que virtudes e vícios
são iguais em todos os bons e todos os maus" (Cf. 2, p. 1 10). Trata-se de um "erro" que
Abelardo não gostaria de atribuir a Cícero, mas cujo fundamento está acostumado a
encontrar nas "autoridades". Dizer que ninguém é, por exemplo, "melhor do que um
homem bom", isto é, melhor do que pode ser um "homem bom" enquanto tal, na medida
em que é homem (assim como Deus está acima da bondade possível dos homens
justamente porque não é homem), é confundir "homem bom em geral" com "tal homem
bom" (Cf. 2, p. 1 1 0- 1). Ou seja, confundir o universal e o particular.
Nos seus trabalhos de lógica, Abelardo já se deparou com o mesmo tema inúmeras
vezes. "Alguns - diz a Logica Ingredientibus - tomam a coisa universal da seguinte
maneira: colocam uma substância essencialmente a mesma em coisas que diferem umas
das outras pelas formas: essa é a essência material das coisas singulares nas quais existe,
e é uma só em si mesma, sendo diferente apenas pelas formas dos seus inferiores" (Cf. 6,
p. 1 0). Mas tal tese implica negar a oposição dos contrários: "se aquilo que é a mesma
essência, embora ocupada por diversas formas, subsiste simultaneamente em coisas
individuais, é necessário que a coisa afetada por essas formas seja ocupada por outras
formas" (Cf. 6, p. 1 1). Ou seja, o gênero seria afetado tanto pela forma da racionalidade
quanto pela da irracionalidade. Estes contrários deveriam subsistir nele ao mesmo tempo.
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Teríamos apenas dez essências de todas as coisas, os gêneros supremos, distintos
somente pelas formas dos inferiores - isto é, das espécies, dos indivíduos -, "por
conseguinte, assim como todas as substâncias são absolutamente a mesma substância,
assim todas as qualidades são a mesma qualidade e todas as quantidades são a mesma
quantidade etc". Como Sócrates e Platão, deste modo, "não são mais diferentes por causa
da natureza das qualidades do que por causa da natureza da substância é uma SÓ, tal como
é, igualmente, a das qualidades" (Cf. 6, p. 12).
Abelardo refuta também posições "realistas" - para usarmos a designação usual - que
admitem apenas a existência de indivíduos, mas, de uma forma ou outra, restabelecem a
possibilidade de subsistência do universal: a "doutrina" da collectio e a da convementia.
De acordo com a primeira, "a coisa universal consiste apenas numa coleção de vários":
todos os homens tomados ao mesmo tempo seriam a espécie "homem", todos os
animais, o gênero "animal", etc. Conforme a segunda, denomina-se "espécie não apenas
os homens reunidos mas também cada um deles enquanto são homens" na medida em que
cada indivíduo "combina (convenit)" com outros na humanidade. Assim, "todos os
homens considerados em si mesmo são muitos, por força da diferença pessoal, e uma só
coisa, devido à semelhança da humanidade" (Cf. 6, p. 14).
Ora, argumenta Abelardo, é preciso não confundir a relação que há entre a parte e o
todo e a que há entre o universal e o singular. O universal é afirmado de cada indivíduo de
que é predicável; o mesmo não pode ser dito da coleção, que não pode ser predicada de
cada um dos indivíduos que a compõem (Cf. 6, 14).
Já a tese da convenientia incorre em outra forma de confusão, agora entre o universal
e o singular, pois, como distingui-los se tanto "homem" combina com muitos quanto
Sócrates também? Além disso, desconsidera a unidade do indivíduo, uma vez que não
haveria diferença entre o universal que está no indivíduo e o próprio indivíduo e, no
entanto, "nenhuma coisa é diversa de si própria ao mesmo tempo" (Cf. 6, p. 1 5). E, aqui
também - trata-se do pecado capital do "realismo" -, inviabiliza-se a distinção entre os
indivíduos: "de fato, se Sócrates combina com Platão na coisa que é homem, mas
nenhuma coisa é homem a não ser o próprio Sócrates ou um outro, é necessário que ele
combine com Platão ou em si mesmo ou em outro. Em si mesmo, porém, ele é antes
diferente dele; quanto a um outro, é também coisa assente, pois ele também não é um
outro" (Cf. 6, p. 16).
Em suma, a crítica de Abelardo aos "realistas", seguindo a sínlese de Carlos Arthur
Nascimento, é que negam a oposição dos contrários, a diversidade dos seres e a multipli
cidade das coisas, desconhecem a definição do universal e o confundem com o singular,
esquecendo tanto a diferença radical entre os indivíduos quanto a unidade de cada um em si
(Cf. 25, p. 40-1). O que importa - é uma constante na obra de Abelardo - é determinar as
relações entre "o mesmo e o diverso", tendo em vista a necessidade de reafirmar sempre a
distinção implicada na individualidade que, .no entanto, é dada como um pressuposto: se
u,ma coisa universal não pode existir, então existem coisas individuais.
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Abelardo discute longamente o universal, m as não lhe parece necessário alongar-se
sobre a defmição de indivíduo: indivíduo é o que se predica de um e "consiste somente na
separação (discretio) pessoal" (Cf. 6, p. 64). Ser "indivíduo" é ser "separado". Ao mesmo
tempo, esta separação é característica da existência: "tudo o que é, é um" (Cf. 6, p. 124).
E, muito ao contrário de uma hipotética "particil'ação" no "Um", temos tão somente um
numeral: "em si naturalmente um" (Cf. 6, p. 166). Note-se ainda que tais teses são por
ele atribuídas aos "autores" (Cf. 6, p. 1 24), muito embora estes estejam longe de
absolutizá-las como ele o faz no âmbito de sua crítica aos "realistas". Para Abelardo.
como diz Jolivet, "a existência, absolutamente recusada aos termos genéricos, reflui
sobre o individual" (Cf. 2 1 , p. 103).
O autor do Dialogus entende que, para Cícero, a virtude, enquanto qualidade, é
hipostasiada numa Virtude universal na qual participariam cada um dos indivíduos, por
isso trata de opor-lhe a "grande diferença entre os indivíduos" (Cf. 2, p. 1 1 0).
Pode-se ainda acrescentar que a virtude como tal, assim como a "racionalidade", por
exemplo, ou qualquer das "formas intrínsecas que não chegam aos sentidos", engendra tão
só "opinião" (Cf. 6, p. 23), isto é, o conhecimento confuso que proporciona o universal,
fruto de uma abstração "isolada, nua e pura" (Cf. 6, p. 27). Gêneros e espécies se dão na
mente de Deus e não são acessíveis aos homens senão confusamente, pois estes
conhecem apenas através das sensações, não se elevam a uma inteligência "simples": "o
caráter sensível exterior dos acidentes impede-os de conceber puramente as naturezas das
coisas" (Cf. 6, p. 23). Desta forma, não há lugar para um saber que pudesse oferecer-se
como fundamento ético.
Para o estoicismo, do seu lado, a unidade da virtude encontra-se exatamente onde en
trecruzam-se a possibilidade da ação moral, reta, e da superação das "pré-noções" (noções
comuns ou naturais), adquiridas por todos os homens, sábios ou não, tais como a idéia de
bem ou da existência dos deuses, que - comenta Goldschmidt - contém já em si o con
junto da moral e da física. O sábio subtrai-se ao senso comum pela análise e organização
destas "noções naturais", ou, mais precisamente, "analisa, organizando-as em sistema",
condição para aplicá-las. Ora, "este movimento da definição ao sistema, depois à
aplicação, implica as idéias de totalidade e de atualização". É a Verdade que se manifesta,
atualiza-se, na proposição verdadeira particular, assim como "é o todo da virtude que está
presente no 'dever perfeito''', como potência em ato de todos os atos possíveis. É neste
sentido que - ainda segundo Goldschmidt - não se pode tomar o estoicismo como um
nominalismo, uma vez que a .. virtude total", assim como "o ' sistema' dos indivíduos",
vem a ser "um universal concreto" (Cf. 1 8 , p. 1 59-68). Daí se entende que é na Virtude
que se reencontram os sábios, dissolvendo-se justamente sua individualidade subjetiva: "o
consentimento ao Destino não é outra coisa que a união consciente e voluntária da alma
individual com o todo" (Cf. 27, p. 105) (Nota H).
Para Abelardo, ao contrário, aquele que se limita à o�servância da "lei natural", ainda
que entendida, como pretende o "Filósofo", como caritas (Cf. 2, p. 1 1 0), portanto no
mais alto grau de generalidade, mas à qual não se pode atribuir um pretendido estatuto
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universal, pennanece - diz Gandillac - "sobre o plano de um affectus que, diferente do
assentimento estóico, comporta sempre graus. E é considerado o limite superior da escala
(como firos bom) que o cristão pode ordenar seu esforço a um Itelos desconhecido pelos
pagãos" (Cf. 1 3 , p. 606) (Nota I).
Tanto é assim que, segundo Abelardo, os autores antigos não puderam definir o que
são as coisas boas, as más e as indiferentes, limitando-se a exemplificá-las ou então a
referi-las à utilidade (Cf. 2, p. 1 59�).
Ora, do ponto de vista moral, só é boa ou má a intenção. A mesma espada que serve
ao príncipe para fazer justiça, serve à violência do tirano (Cf. 2, p. 1 63). E, no limite,
não há qualquer diferença entre a ação mesma de Judas e a de Deus: ambos entregam o
Cristo à morte, embora com intenções opostas (Cf. 2, p. 164) (Nota J). Mas, na medida
em que Abelardo aceita a intenção como eixo central da ética e recusa como parâmetro o
"sumo bem dos homens", já não há como distinguir o que pode ser o bem (em absoluto)
nas ações humanas: aquilo que parece, que se crê bom pode revelar-se mal e vice-versa.
Da virtude pode nascer o vício, como o orgulho vem dos louvores recebidos pelas boas
ações, ou, ao contrário, dos muitos pecados, nascer o arrependimento (Cf. 2, p. 1 62).
É preciso distinguir entre "fazer o bem" (bonum facere) e "fazer bem" (bene facere),
isto é, no segundo caso, fazer com boa intenção. Pode-se mesmo, paradoxalmente,
desejar com boa intenção que outro faça o mal. Do mesmo modo, desejando o mal, pode
se bonum facere (como Judas ao trair ou o Diabo ao tentar Jó). "Bons e maus, todos os
homens - diz Abelardo - causam coisas boas ou más e podem ser instrumentos do bem
ou do mal" (Cf. 2, p. 163).
Só postulando uma certa, digamos, "astúcia" divina, pela qual até mesmo o Demô
nio, intencionando fazer mal, "faz o bem", é possível reencontrar alguma inteligibilidade
moral. Tudo o que Deus faz é racional; tudo o que permite tem um propósito racional,
ainda que esta racionalidade esteja além do discernimento humano. Daí, quando passamos
da consideração do que é uma coisa boa aos eventos, objetos de proposição, a tese de
Abelardo é "tudo remeter às excelentes disposições divinas e considerá-las como
necessárias, ainda que tais disposições nos escapem inteiramente. Mesmo querendo fazer
o bom, não se faz bem se for contrariada qualquer ordenação divina, pois é impossível
que uma ordenação divina não tenha uma causa racional" (Cf. 2, p. 1 70).
Ora, também no estoicismo só se chega à liberdade pelo assentimento à vontade
divina Para Sêneca, "a liberdade é obedecer a Deus" (Deo parere libertas est) (Cf. 26,
p. 738). Mas é bem verdade que o bom Júpiter não se deu ao trabalho de revelar sua lei
e muito menos de encarnar-se -, de forma que a racionalidade da escolha reta recai sobre o
sábio, para o qual "a escolha - diz Voelke - valida as condições de sua própria validade"
(Cf. 27, p. 80- 1). E se o extremo intelectualismo desta moral pode ser mitigado pela
noção de uma "moral média" (Cf. 1 8 , p. 1 39) ("provisória", por assim dizer), acessível
ao não-sábio, onde mantém-se a "personalidade" do sábio, é porque "há, além de todas as
diferenças individuais, uma natureza humana comum a todos e que traduz-se integral
mente pelo sentimento de nossa dignidade de homem e por nossa vocação de ser social. A
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exigência moral introduz-se, pois, pelo recurso à idéia da comunidade social e política"
(Cf. 19, p. 493). Possibilidades vetadas a Abelardo, pois afIrmam uma "ciência" do sábio
- que ele reputa impossível - e, em ambos os casos, negam ou limitam a "diferença
entre os indivíduos" (Nota K).
Vê-se que, se a moral de Abelardo é religiosa, não o é por princípio, mas porque a
própria racionalidade de sua ética exige que se diga: Fiat voluntas tua!
As conseqüências desta passagem da questão do vício para a do pecado são as mais
pesadas. A vontade de Deus é a instância necessária - e externa - que permite fundar a
objetividade moral; por outro lado, frente a ela já não há senão indivíduos; estão partidos
os elos que, talvez desde sempre, ligavam os homens ao gênero: "não há pecado senão
contra a consciência" (Cf. 3, p. 54).
NOTAS
A . Segundo Jolivet (Cf. 22, p . 1 25-8), Abelardo usa o termo maneria - uma inov ação
vocabular dos 16gicos do século XII - em várias acepções: como sinônimo de gênero e
espécie, de categoria e, especificamente, quando se trata de discutir a "qualidade", para
distinguir "tipos", "modos" de "espécies" (uma vez que não se pode, a rigor, falar em
"espécie de espécie"). Justamente porque maneria é menos preciso, vem a ser preferível em
certas situações, adquirindo um caráter de tecnicidade: "Cum autem Aristoteles hoc loco
speciem vel genus nominat, nil aliud nisi maneriam intelligit" (Cf. 6, p. 226).
- siecle qui ait exploité Cicéron (. .. ) marquant la
distinction entre justice naturelle et justice positive (Cf. 23, p. 284).
B . Abélard est le premier théologien du XII
C . "La morale du Philosophe est stoicienne; son long discours sur les vertus contient aussi
beaucoup de traits de cette doctrine, qu'on pouvait connaitre au temps d'Abélard par la
lecture de Cicéron et de Séneque" (Cf. 26, p. 1 9 1 ). É difícil precisar as fontes de Abelardo
mesmo quando ele as nomeia expressamente. Crocco (Cf. 1 1 , p. 1 32-3, n. 7) entende que
se tem subestimado a influência de Cícero sobre Abelardo e que diversas pass agens da
Ethica e do Dialogus "sono tolte letteralmente dai De in ventio n e di Cicerone" ( O
grifo é meu). Mas basta ler o De lnventione para verificar que o "letteralmente" é, pelo
menos, exagerado. Gandillac, por seu lado, às vezes referindo-se à mesma passagem que
Crocco, dá como fontes Apuleio e Macr6bio (Cf. 1 5 , p. 14). Dal Pra cita Agostinho e S .
Jerônimo (Cf. 1 2, p . 74-5). S em falar n a penetração difusa das idéias est6icas n a tradição
patrística (Cf., a respeito, 1 9) . No entanto, a questão não se põe aqui, uma vez que
podemos nos ater apenas ao Cícero "lido" por Abelardo, tal como transparece em suas
obras. Por isso também não vem ao caso tematizar a subsunção do "ecletismo" ciceroniano
num certo "estoicismo". Sobre a figura do "Fil6sofo", Cf. 22; sobre a do "Judeu", Cf. 20.
D. PHIWSOPHUS: ( . . . ). Sed prout quisque propria ratione deliberat, singuli, quas sectantur
autoritates, eligunt. Alioquin indifferenter omnium scripturarum sententie essent
suscipiende, nisi ratio, que naturaliter prior est, de ipsis prius haberet iudicare. ( . . .)
Que in omni philosophica disputalione ita novissimun aul nullum obtinere censetur
locum, ut ea, que a rei iudicio, id est ab auctoritate, ducuntur argumenta, eos omnino
inducere pudeat, qui de propriis viribus confidentes aliene opis refugium dedignantur. Unde
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bene philosophi talium argumentorum locos, cum and eos orator mlJgis qumn philosophl4S
confugere cogitur, ( . . . )" (Cf. 2, p. 94, grifo meu). E: "CHlST1ANUS: (. . . ). Neque enim ali
fidem astruendam refert, quid sit in rei veritaJe, sed quid in opinionem possit venire, et de
ipsius autoritaJis verbis plereque questiones emergunt, ut de ipsis pril4S quam per ipsa
iudicandum sito Post raJionem vero redditam etiam, si raJio non sit, sed videaJur, nu/la
questio remane t, quia nulla dubitatio superest" (Cf. 2, p. 97). Tal passagem parece
esclarecer bastante bem o alcance e o sentido do pretendido "racionalismo" do autor do Sic
et Non.
E. Abelardo trata muitíssimas vezes este conjunto de questões (todo o "Livro n" da Theologia
Christiana, por exemplo, é dedicado a discutir a utilização do "testemunho" dos filósofos)
e não podemos, aqui, detalhá-lo. Limitamo-nos a acompanhar, em linhas gerais, as leituras
de Jolivet (Cf. 22, p. 1 85 -202) e de Gandillac (Cf. 13, p. 585-6 1 0). Ambas, no entanto,
ainda deixam em aberto um v asto número de interrogações. Por exemplo, enquanto
Gandillac procura distinguir ratio e divina inspiratio, afmnando que "à toute sagesse
naJurelle il mlJnque
une
dimension qui dépasse la plus haute idée qu'un simple philosophe
se puisse faire du bien suprême, et pll4S encore les moyens d'y accéder" (Cf. 13, p. 605);
para Jolivet, "il ne semble pas toutefois que cette 'revélaJion' consiste en une intervention
divine spéciale: il s'agit simplesment du don de la raison" (Cf. 22, p. 190). Cottiaux
devolve a questão ao próprio Abelardo: "cette connaissance (dos mistérios da fé)
s'explique-t-elle naJurellement ou par le fait d'une revélaJion? Abélard ne sait prendre un
parti" (Cf. 8. p. 821 ) .
F . Cf. 22, p . 1 9 1 s s . Surpreendentemente, o exemplo de "filósofo decaído", que n ão consegue
resistir ao vício, é Salomão. Na Theologia Christiana, Abelardo defende a possibilidade de
salvação dos filósofos pagãos virtuosos (Cf. 7, p. 141). Na Ethica, recua desta posição
(Cf. 3, p. 64).
G. Sobre o caráter complexo da posição de Abelardo, tomando o cristianismo como
"reformatio (sic) legis naJuralis" , Cf. 13, p. 604 sS.
H . Cf. 27, p. 1 05 . Note-se que Voelke insiste justamente sobre o "principe d'individuaJion"
do estoicismo, graças ao qual a individualidade recebe
"un caractere positif et peut-être
mime une dignité ontologique plus haute que dans l'aristotélisme" (Cf. 27, p. 1 3 ); no
entanto, reafmna o tema da união da vontade do sábio com o Destino, contra a leitura de
Gilles Deleuze (Cf. l I , p. 145 ss.) que, embora aceitando que o sábio estóico "participa" da
visão divina (Cf. l I , p. 146) e '' 'se identifica' à quase-causa" do acontecimento incorporal
(Cf. l I , p. 149), prefere ainda entender que tal sábio apenas "dobra " , "duplica" a
causalidade física.
I.
Cf. 13, p. 606. É interessante acompanhar as sucessivas aproximações de Gandillac desta
passagem do Dialogus. Ao traduzi-lo, em 1945, Gandillac nota que a refutação da opinião
do "Filósofo" por Abelardo é tão mais vigorosa quanto mais "on pourrait être tenté
davantage de la déduire de sa théorie de l'assentiment" (Cf. 14, p. 276, n. 1 ). Na
comunicação apresentada no Colóquio de Cluny, em 1972, este momento do texto adquire
toda sua importância: "nol4S touchons ici à l'un des points ou, malgré le primIJt de
l'intention, l'étique d'Abélard s'oppose à celle des stoiciens" (Cf. 13, p. 599). Mas é só
após a intervenção de Jolivet sobre a necessidade se de levar em conta a lógica de Abelardo
na leitura de suas obras de ética (Cf. 1 3 , p. 609-10) que Gandillac, no Colóquio de
Neuchâtel, em 1979, aceita, não sem relutar, que o que está em jogo é, como diz ele, ''um
T ra n s/Forml A ç ã o , S ã o Pau l o , 1 2 : 8 5 -9 6 , 1 9 8 9 .
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erro lógico-gramatical": "A u lieu de répondre en précisant que la caritas, autre nom de la
grâce, s'identifie malaisémente à une vertu acquise par l'exercice naturel du voulouir, le
chrétien insiste der echef sur la variété - qualitative te quantitative - des vocations et des
mérites, dénonçant (avec une sévérité inattendue) la v ilissimum sophisma qui repose,
pense-t- il, sur une erreur logico-grammaticale: du fait - incontestable - que tout humain est
également homme, on ne peut correctment conclure que tout homme serait, au même degré
'humain' " (Cf. 1 2, p. 14). Gandillac não esconde seu desagrado com o caminho tomado por
Abelardo, tanto que o parágrafo seguinte inicia-se com uma desqualificação retórica: "De
ces pages scolaires, souvant oiseuses, retenons et . . . " . No entanto, é de fato o que está em
jogo no D ialogus, como diz lapidarmente R. Thomas : "Die Quaestio des D ialogus ist das
summum hominis bonum" (Cf. 2, p. 13).
J.
Abelardo repete este exemplo outras vezes, como por exemplo na Ethica (Cf. 3 , p. 28).
Toca-se, aqui, uma das questões mais espinhosas de uma "ética da intenção", especialmente
para autores cristãos. É possível, como o faz Nils Runeberg, na segunda de suas "três
versões de Judas", admitir a boa intenção desta traição . Abelardo não o faz, mas, para
grande escândalo do s contemporâneos, discute se cometeram pecado os homens que
crucificaram o Cristo (Cf. 3 , p. 62).
K . Note-se que mesmo "o recurso à idéia da comunidade social e política" não seria impossível
a Abelado, ao menos teoricamente, por qualquer suposta "inviabilidade histórica": basta
lembrar o esforço de Arnaldo de Bréscia (um contemporâneo muito próximo, se n ão
quisermos admitir· nenhuma outra rel ação entre eles) em propagar as antigas v irtudes
cívicas romanas em sua luta contra os poderes da hierarquia católica.
ESTEV Ã O , J. C. - Fiat Volu ntas Tua! Vice Et Péché D ans l' É tique D 'Abélard . ,
T r ans/Form /Aç ã o . , S ão Paulo, 1 2 : 8 5 -96, 1 9 8 9 .
RÉSUMÉ : Abélard, à son éthique, préfere, à l a notion d e "vice" , celie d e "péché" . Ce
mouvement n'est pas um préssupposé de l'auteur, mais se suit, nécessairement, à sa position de
logicien et, aussi bien, à sa critique aux philosophes stoiciens qu'il a pu connaítre.
UNITERMES: Abélard; éthique; vice; péché; individu; universel; intention; stoicisme.
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