Linguagens
Vicente Gosciola
Carolina Falandes
Matheus Tagé
(Orgs.)
Ria Editorial - Comité Científico
Abel Suing (UTPL, Equador)
Alfredo Caminos (Universidad Nacional de Córdoba, Argentina)
Andrea Versuti (Universidade de Brasília - UnB, Brasil)
Angelo Sottovia Aranha (Universidade Estadual Paulista - UNESP, Brasil)
Anton Szomolányi (Pan-European University, Eslováquia)
Carlos Arcila (Universidad de Salamanca, Espanha)
Catalina Mier (UTPL, Equador)
Denis Porto Renó (Universidade Estadual Paulista - UNESP, Brasil)
Diana Rivera (UTPL, Equador)
Fatima Martínez (Universidad do Rosário, Colômbia)
Fernando Gutierrez (ITESM, México)
Fernando Irigaray (Universidad Nacional de Rosario, Argentina)
Fernando Ramos (Universidade de Aveiro, Portugal)
Gabriela Coronel (UTPL, Equador)
Gerson Martins (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul - UFMS, Brasil)
Hernán Yaguana (UTPL, Equador)
Jenny Yaguache (UTPL, Equador)
Jerónimo Rivera (Universidad La Sabana, Colombia)
Jesús Flores Vivar (Universidad Complutense de Madrid, Espanha)
João Canavilhas (Universidade da Beira Interior, Portugal)
John Pavlik (Rutgers University, Estados Unidos)
Joseph Straubhaar (Universidade do Texas - Austin, Estados Unidos)
Juliana Colussi (Universidad do Rosario, Colombia)
Koldo Meso (Universidad del País Vasco, Espanha)
Lionel Brossi (Universidad de Chile, Chile)
Lorenzo Vilches (UniversitatAutònoma de Barcelona, Espanha)
Manuela Penafria (Universidade da Beira Interior, Portugal)
Marcos Pereira dos Santos (Univ. Tec. Federal do Paraná - UTFPR e
Fac. Rachel de Queiroz (FAQ), Brasil)
Maria Cristina Gobbi (Universidade Estadual Paulista - UNESP, Brasil)
Maria Eugenia Porém (Universidade Estadual Paulista - UNESP, Brasil)
Mauro Ventura (Universidade Estadual Paulista - UNESP, Brasil)
Octavio Islas (Pontificia Universidad Católica, Equador)
Oksana Tymoshchuk (Universidade de Aveiro, Portugal)
Osvando José de Morais (Universidade Estadual Paulista – UNESP, Brasil)
Paul Levinson (Fordham University, Estados Unidos)
Pedro Nunes (Universidade Federal da Paraíba - UFPB, Brasil)
Raquel Longhi (Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC, Brasil)
Ricardo Alexino Ferreira (Universidade de São Paulo - USP, Brasil)
Sergio Gadini (Universidade Estadual de Ponta Grossa - UEPG, Brasil)
Thom Gencarelli (Manhattan College, Estados Unidos)
Vicente Gosciola (Universidade Anhembi Morumbi, Brasil)
FICHA TÉCNICA
Copyright 2022 ©Ria Editorial. Todos os direitos reservados
Foto de capa e design: ©Denis Renó
Diagramação: Luciana Renó
1.a edição, Aveiro, dezembro, 2022
ISBN 978-989-8971-76-0
Título: Linguagens
Organizadores: Vicente Gosciola, Carolina Falandes e Matheus Tagé
Esta obra tem licença Creative Commons Attribution-NonCommercial-NoDerivatives. Você tem o direito de compartilhar,
copiar e redistribuir o material em qualquer suporte ou formato sempre que seja feito o reconhecimento de seus autores,
não utilizá-la para fins comerciais e não modificar a obra de nenhuma forma.
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©Ria Editorial
Aveiro, Portugal
[email protected]
http://www.riaeditorial.com
ESSA OBRA FOI AVALIADA INTERNAMENTE E
EXTERNAMENTE POR PARECERISTAS
Todos os textos foram avaliados e seleccionados pelos organizadores da obra.
Os comentários dos organizadores foram enviados aos autores, que, mediante
a aprovação, receberam tempo hábil para eventuais correcções.
O livro foi posteriormente avaliado e aprovado pelo avaliador externo
Dra. Liliane de Lucena Ito, que informou parecer positivo à publicação da
seguinte forma:
“Linguagens”, obra fruto de pesquisas teórico-empíricas sobre distintos
temas relacionados às narrativas contemporâneas, oferece análises
consistentes e pertinentes ao campo da Comunicação e Informação.
A divisão em duas searas - narrativas e estratégias - mostra-se acertada
por aglutinar estudos ora focados na análise da transmidialidade típica
das histórias contemporâneas (sejam ficcionais ou não), contendo
então a participação inerente à linguagem transmídia (explicitada
na ação de fandoms e afins); ora por desenvolver reflexões sobre as
motivações e intencionalidades por trás de produções de entretenimento
e de informação inseridas no complexo ecossistema midiático atual.
Todos os conteúdos mais relevantes em termos de linguagens estão
presentes, de alguma forma, nesta obra: TV por streaming, games,
newsgames, lives, redes sociais, webseries e podcasts. Assim, o livro
“Linguagens” proporciona discussões variadas, ricas e atualizadas
sobre fenômenos midiáticos recentes ou ainda em andamento, o que
em si já é um importantíssimo contributo às pesquisas sobre mídia
e narrativas.
O parecer foi enviado previamente ao lançamento.
Autores
Ana Carolina Campos
Antonio Hélio da Cunha Filho
Carlos Pernisa Júnior
Eduarda Afecto Vilanova
Eduardo Fernando Uliana Barboza
Ingrid Schmidt
João Paulo Hergesel
José L. Vulcano
Larissa Nascimento Lopes de Oliveira
Leandro Maciel
Letícia Forti Bonatelli
Letícia Passos Affini
Leony Lima
Lorenna Aracelly Cabral de Oliveira
Raquel Assunção Oliveira
Susana Azevedo Reis
Valquíria Aparecida Passos Kneipp
Vicente Gosciola
SUMÁRIO
Apresentação.................................................................................................................................................................................................................... 11
Parte 1 - Narrativas
Narrativa transmídia provocativa: as séries que planejam suas tramas
objetivando as “teorias” dos fãs .................................................................................................................................. 14
Ingrid Schmidt
Vicente Gosciola
Competência midiática na social TV: análise do perfil da protagonista
de Samantha! no Instagram ................................................................................................................................................ 43
Larissa Oliveira
Leony Lima
Ana Carolina Campos
Literacia transmídia e a produção de conteúdos colaborativos no
Covet Fashion .............................................................................................................................................................................................. 70
Susana Azevedo Reis
Larissa Nascimento Lopes De Oliveira
Análisis de “Barnacas: un proyecto en evolución” .................................................................................... 96
José L. Vulcano
“Meteu essa?”: Cooperação de Empresas Midiáticas e a Live do
Casimiro ..............................................................................................................................................................................................................115
Antonio Hélio da Cunha Filho
Raquel Assunção Oliveira
Parte 2 - estratégias
Tá na revista, tá no fone: Podcast como estratégia editorial da
Elle Brasil ........................................................................................................................................................................................................ 135
Lorenna Aracelly Cabral de Oliveira
Valquíria Aparecida Passos Kneipp
Imersão e interatividade em narrativas “pervasivas” transmídia .................................. 163
Carlos Pernisa Júnior
Expandindo a narrativa transmídia com os jogos noticiosos................................................ 186
Eduardo Fernando Uliana Barboza
Estruturas narrativas correspondentes entre Cinema e
RPG (Role-Playing Game)............................................................................................................................................... 209
Eduarda Afecto Vilanova
Vicente Gosciola
O roteiro algorítmico: hackeando a Netflix.......................................................................................................... 234
Leandro Maciel
Vicente Gosciola
Novas estratégias de distribuição da Netflix e a narrativa seriada
em Arcane........................................................................................................................................................................................................ 260
Letícia Forti Bonatelli
Letícia Passos Affini
Concepts of web series: how have brazilian researchers been understanding
them? ........................................................................................................................................................................................................................ 286
João Paulo Hergesel
Índice Remissivo................................................................................................................................................................................................................311
LiNguageNs
APRESENTAÇÃO
Há mais de dois anos, o mundo enfrenta o desafio de reaprender
a viver, num processo de adaptação à virtualidade. Uma transformação
que, para diversos cientistas da comunicação, acelerou o processo de
virtualização dos seres humanos e de suas relações para com o outro e,
obviamente, com os meios de comunicação. Sem dúvida, testemunhamos
uma reconfiguração do ecossistema midiático. Com esse tema norteador às conferências, realizamos o 5º Congresso Internacional Media
Ecology and Image Studies – MEISTUDIES, que contou com o tema
“A virtualização do novo ecossistema midiático”. O evento também
foi marcado pela realização paralela do VI Seminário Internacional
Red ITC, evento que nos acompanha pelo terceiro ano consecutivo.
Já em sua quinta edição, o MEISTUDIES repetiu a sua programação e formato de participação totalmente assíncrono, colaborando
com a preservação da saúde cognitiva dos participantes. Acreditamos
que o conteúdo assíncrono facilita a disseminação do conhecimento,
e está é a nossa missão como evento científico. Para tanto, contamos
com a parceria dos 15 conferencistas e das coordenações das 13 mesas
de trabalho, um staff que reuniu mentes representantes de nove países.
O evento continuou a ser organizado pelo GENEM – Grupo de
Estudos sobre a Nova Ecologia dos Meios (Universidade Estadual Paulista
– UNESP, Brasil) e pelo Departamento de Ciências da Comunicação da
Universidade Técnica Particular de Loja - UTPL (Equador). Também
contou com apoio da Cátedra Latino-americana de Narrativas Transmídia
(sediada na Universidade Nacional de Rosario, Argentina), do Programa
de Pós-Graduação Stricto Sensu em Comunicação (Universidade Estadual
Paulista – UNESP, Brasil), do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em
Comunicação – menção em Investigação e Cultura Digital (Universidade
Técnica Particular de Loja – UTPL, Equador), do Programa de Pós-Graduação em Jornalismo (Universidade Estadual de Ponta Grossa - UEPG,
Brasil), da Red ITC - Internet, Tecnologia e Comunicação (Espanha),
da Red INAV – Rede Ibero-americana sobre Narrativas Audiovisuais,
Observatorio de Comunicación UTPL e da Ria Editorial.
E de uma de nossas entidades apoiadoras, a portuguesa
Ria Editorial, surge esta obra científica. Nela, são publicados textos
resultantes dos resumos expandidos apresentados no MEISTUDIES,
aprovados às cegas por pares acadêmicos. Finalmente, e após avaliação
da obra como um todo, apresentamos mais uma ação do congresso,
juntamente com a Ria Editorial e a Universidade Técnica Particular de
Loja, no sentido de democratizar o conhecimento. Com este livro, a
ciência não fica limitada a fronteiras e distâncias. Como se trata de um
livro de acesso grátis e em formato digital, materializa-se apenas uma
coisa: o conhecimento. Boa leitura.
Andrea Versuti
Denis Renó
Diana Rivera
Jesús Flores
Vicente Gosciola
Diretores Acadêmicos
Luciana Renó
Diretora Geral
Parte 1 - Narrativas
NARRATIVA TRANSMÍDIA PROVOCATIVA:
AS SÉRIES QUE PLANEJAM SUAS TRAMAS
OBJETIVANDO AS “TEORIAS” DOS FÃS
Ingrid Schmidt1
Vicente Gosciola2
Os séculos XIX e XX foram extensivamente marcados pelo
surgimento de novos meios de comunicação que remodelaram o comportamento da sociedade, como o cinema, a televisão e a internet.
Esses meios rapidamente ultrapassaram sua função básica enquanto
transmissores de informações, vindo a ser considerados formas de
entretenimento. Partindo de suas peculiaridades constitutivas, formam
hoje aquilo que entendemos por “indústria midiática” - um modelo
1.
2.
Mestre em Comunicação Audiovisual pela Universidade Anhembi Morumbi.
[email protected].
Projeto desenvolvido com apoio do PROSUP/INSTITUCIONAL - CAPES,
EDITAL 001/2020.
Pós-doutor pela Univ. do Algarve, Portugal, Doutor em Com.pela PUC-SP., Prof.
Titular do Prog. de Pós-Grad. em Com. da Univ. Anhembi Morumbi e Líder do
Grupo de Pesquisa CNPq Narrativas Tecnológicas.
[email protected]
14
de produção e negócio baseado em comunicação, informação, arte e
entretenimento para a grande audiência.
As mudanças tecnológicas observadas nas últimas décadas
trouxeram para o meio televisual um cenário no qual o engajamento
da audiência se tornou essencial para o sucesso de uma obra. Os espectadores – se é que podemos continuar a chamá-los assim - não mais
simplesmente assistem um conteúdo. Eles precisam comentá-lo com
outras pessoas, discutir a trama e agir como propagadores.
Por mais que as tecnologias não tenham sido o único fator que
provocou essas mudanças, elas foram responsáveis por elevar o papel
dos espectadores, ampliando as possibilidades de se tornarem fãs ativos e engajados que não só discutem e interpretam as narrativas, mas
também produzem conteúdos relacionados a elas. Felizmente, a internet
e o ambiente digital, com seus fóruns de discussão, facilitam esse processo. Os criadores de conteúdo devem, então, elaborar narrativas que
fomentem essas discussões online, a fim de provocar o processo de
reexibição dos episódios e manter a obra como um assunto de interesse
não mais apenas durante a semana, mas também entre os meses que
separam as temporadas.
Jason Mittell (2012) acredita que o momento que vivemos hoje
pode ser denominado como a “era da complexidade narrativa”. Em 2006,
o autor introduziu esse conceito, definindo como “uma redefinição nas
formas episódicas da narração em série (...) recusando a necessidade
de fechamento da trama em cada episódio, que caracteriza o formato
episódico convencional” (p. 36). Para ele, a complexidade narrativa
“privilegia estórias com continuidade e passando por diversos gêneros.”
(Mittell, 2012, p. 36).
15
Warren Buckland (2009) acredita que essa complexificação seria
um reflexo das mudanças na própria sociedade. “na cultura de hoje,
dominada pelas novas mídias, as experiências estão se tornando cada
vez mais ambíguas e fragmentadas; da mesma forma, as estórias que
buscam representar essas experiências se tornaram opacas e complexas” (p. 1). Buckland propõe então o conceito de “puzzle films” (filmes
quebra-cabeça), um modelo narrativo no qual “o arranjo de eventos
não é apenas complexo, mas complicado e perplexo; os eventos não
estão apenas entrelaçados, mas sim emaranhados” (p. 3). Apesar de
divergências no que diz respeito as especificações de cada conceito,
ambos os autores concordam que as narrativas se complexificaram nos
últimos anos e que, portanto, não podem mais ser tratadas e divulgadas
como narrativas simples.
Mittell acredita que “A televisão narrativamente complexa encoraja e às vezes até mesmo precisa de um novo modelo de engajamento
do público” (Mittell, 2012, p. 48). Ou seja, as narrativas complexas não
podem se limitar ao meio televisual e devem se expandir para outros
meios a fim de alimentar esses fãs engajados e curiosos e, dessa forma,
se manterem “vivas”. Para ele, um dos poucos modelos que consegue
abarcar a vastidão das séries televisuais é a narrativa transmídia.
Os anos 2000 viram o crescimento de formas inovadoras de
extensão de narrativa, agrupadas sob o termo “narrativa transmídia”
(transmídia storytelling), que expandiram significantemente o
escopo de uma série de televisão para um arranjo de outras
mídias como jogos de quebra-cabeça a livros e blogs. (Mittell,
2014, p. 253)
16
Narrativa Transmídia e suas Ferramentas
Jenkins (2007) define a narrativa transmídia como: “o processo
em que elementos integrais de uma ficção se dispersam sistematicamente
por múltiplos canais com o propósito de criar uma experiência coordenada de entretenimento”. Não se trata de ter a mesma estória contada
em diferentes meios (como uma adaptação em filme de um livro, por
exemplo), mas sim de ter partes de uma mesma estória em diversos
meios que se complementam, e que também podem ser consumidas
isoladamente. E é intrínseca ao modelo transmidiático a existência de
um conteúdo central em um meio principal que norteie todos os outros,
enquanto os conteúdos complementares levam a audiência de volta para
o principal. “Para criadores, a narrativa transmídia deve sempre apoiar e
fortalecer a experiência da narrativa televisual” (Mittell, 2014, p. 255).
A narrativa transmídia se encaixa perfeitamente num modelo
de convergência no qual os fãs deixam de ser apenas consumidores de
conteúdo para serem também produtores e colaboradores. Uma vez que
as estórias estão espalhadas nos diversos meios, cabe aos fãs encontrá-las,
conectá-las e dividir suas experiências com outros fãs, em um modelo
que se assemelha a um jogo virtual. Ainda assim, as obras televisuais
demoraram a adotar esse estilo de narrativa, devido, em grande parte, “às
demandas industriais de um sistema televisual comercial que depende
da receita de ‘vender globos oculares’ para anunciantes” (Mittell, 2014,
p. 258). Nesse sistema, a narrativa transmídia poderia ser vista como
algo prejudicial, uma vez que leva a audiência para outros meios além
da televisão. É por isso que, para que esse modelo seja economicamente
viável quando aplicado a obras televisuais, é necessário que a televisão
seja o meio principal, no qual a narrativa se inicia, e atue como principal
17
fonte de receita para os produtores. Todos os outros meios devem,
portanto, operar de forma a levar os fãs de volta ao conteúdo original.
Para a indústria, extensões transmidiáticas podem promover
uma fonte extra de receita, mas sua principal função é levar
os espectadores de volta à série de televisão; para criadores, a
narrativa transmídia deve sempre apoiar e fortalecer a experiência
narrativa televisual. (Mittell, 2014, p. 255).
Posto isso, a narrativa transmídia coloca-se como uma possibilidade para os criadores de conteúdo televisual na atualidade - visto que
contempla as necessidades de provocar discussões entre grupos de fãs,
fomentando uma cultura participativa - e de convidar os espectadores
a assistirem de novo aos conteúdos, elevando assim os números de
audiência. Todavia, para que um conteúdo televisual possa utilizar uma
narrativa transmídia de um modo que faça a audiência sempre retornar
ao conteúdo central, é preciso que os conceitos que McKee (2006) denomina de “elementos da estória” (estrutura, ambiente, gênero, personagem
e significado) tenham como objetivo engajar os fãs com o universo
ficcional para além da televisão e reflitam esse aspecto transmidiático
por meio de ferramentas específicas que intensifiquem a experiência e
o envolvimento da audiência.
Um exemplo destas ferramentas é o easter-egg, um termo originado da área da programação, em que “partes não essenciais de códigos
eram incluídas em programas para nada além de marcar o trabalho de
seu autor, mas que logo passou a ser aplicado a outros tipos de mídia
para se referir a qualquer elemento que esteja mais ou menos em segredo
sob a superfície” (Clarke, 2012, p. 145). No meio cinematográfico,
esse termo geralmente se refere a elementos extra-diegéticos que são
18
incluídos em algumas obras de forma a dialogar com o espectador
e convidá-lo para uma investigação com informações para além das
fornecidas aos personagens.
Por mais que o termo easter-egg tenha sido “emprestado” da
programação na atualidade, a ideia de se colocar elementos extra-diegéticos em filmes a fim de que o espectador os procurasse enquanto assiste
a obra é quase tão antiga quanto o cinema em si. No início dos anos
1910, quando se dizia que o então chamado “cinema de atrações” daria
lugar ao “cinema de integração narrativa”, um diretor alemão, Joe May,
iniciou uma moda de sucesso, apesar de curta, do que se chamava de
“Preisrätselfilme”, ou “filmes-desafio-prêmio” como um subgênero do
filme de investigação (de inspiração dinamarquesa), onde pistas eram
plantadas sem serem reveladas até o final e prêmios eram oferecidos
aos espectadores que os identificavam (Elsaesser, 2009, p. 16).
Os easter-eggs, na atualidade, podem ir desde coisas simples –
como o personagem Geninho, do desenho animado She-Ra: A Princesa do
Poder (Wetzler, 1985) que era escondido em uma cena de cada episódio
e o espectador era convidado a encontrá-lo – até elementos complexos,
como é o caso da série Lost (Abrams, Lindelof & Lieber, 2004-2010),
que ficou conhecida por seus easter-eggs. M. J. Clarke (2010) cita um
episódio de Lost em que uma placa presente no cenário fornecia um
anagrama a ser desvendado pelos espectadores – a informação presente
na placa não teria nenhum significado para os personagens e, portanto,
tratava-se de um elemento colocado na cena com o único objetivo de
conversar diretamente com a audiência e engajar os fãs mais atentos.
O easter-egg, como vem sendo utilizado até então, é uma
ferramenta que estabelece um diálogo unicamente entre o criador de
19
um determinado conteúdo e sua audiência, não implicando em qualquer interação com os personagens ou o universo diegético da obra,
e não configurando um elemento necessário para o entendimento ou
andamento da trama. Entretanto, o modelo de narrativa transmídia e
as tecnologias contemporâneas reconfiguraram esse conceito. Não se
trata mais apenas de uma “caça ao tesouro” com um possível prêmio,
mas sim de um mistério a ser desvendado que impacta diretamente na
resolução da trama. O espectador é convidado a resolver o mistério junto
ou mesmo antes que o protagonista. As comunidades de fãs na internet
se transformam em verdadeiras agências de detetives, combinando as
diferentes pistas e informações que identificaram para chegarem a uma
solução conjunta antes que a revelação se dê em tela.
Elsaesser acredita que esse tipo de narrativa com easter-eggs
que envolvem o espectador numa espécie de jogo podem ser classificadas como “Filmes de Jogo Mental e não meras narrativas complexas.”
(Elsaesser 2009, p. 40) e que a narrativa complexa, de Mittell, seria
apenas uma ferramenta utilizada pelos roteiristas e produtores para
“brincar” com as mentes dos espectadores. Ele define os Filmes de
Jogo Mental como:
filmes que estão “brincando” em dois níveis: há filmes em que
um personagem é feito de brinquedo, sem saber disso ou sem
saber quem está brincando com ele (...) Então, há os filmes em
que é a audiência que está sendo feita de brinquedo, porque
informações cruciais são omitidas ou apresentadas de forma
ambígua. (Elsaesser, 2009, p. 14)
Para Elsaesser, ao assistir esse tipo de série, os espectadores não
se importariam em “serem feitos de brinquedo” (being played games
20
with), mas na verdade gostariam da sensação, mesmo quando há reviravoltas que eles não conseguem prever. De fato, quando se trata de
uma narrativa ficcional que busca engajar os espectadores de maneira
transmidiática, faz sentido que o processo deva ser entendido como um
jogo, e que os espectadores entendam e aceitem que estão participando
de um desafio. Para isso, é preciso que eles levem a estória e o mundo
fictício da obra a sério e não a tratem totalmente como uma ficção.
Frank Zipfel (2009) compara a relação de um espectador com uma obra
de ficção a um jogo de “caubóis e índios” de um grupo de crianças, em
que seria necessário “fazer de conta” que aquilo é real para se ter um
verdadeiro engajamento.
Uma característica dos jogos que é especialmente importante nas
teorias de ficção é a “atitude dupla”. Por um lado, eles precisam
que as pessoas se engajem no jogo – ou seja, levem o mundo
do jogo a sério e se comportem de acordo com suas regras –
e, por outro, as pessoas precisam manter uma noção de que o
mundo do jogo é um mundo imaginário e não o mundo real ou
verdadeiro. (Zipfel, 2009, p. 106)
Umberto Eco (1989) já trazia um pensamento semelhante, defendendo que as séries de suspense trazem uma sensação de recompensa
para a audiência:
A série consola o leitor porque premia a sua capacidade de
prever; ele fica feliz porque se descobre capaz de adivinhar
o que acontecerá, e por que saboreia o retomo do esperado.
Satisfazemo-nos porque encontramos o que esperávamos, mas
não atribuímos este “encontro” à estrutura da narrativa, e sim à
nossa astúcia divinatória. Não pensamos “o autor do romance
policial escreveu de modo a me deixar adivinhar”, mas sim “eu
21
adivinhei o que o autor do romance policial procurava esconder
de mim”. (Eco, 1989, p. 124)
Isso não significa, contudo, que os fãs são incapazes de se decepcionar com a resolução do enigma de uma obra. Mittell (2014) ressalta
a insatisfação dos fãs de Lost para com o final da série televisual:
De forma isolada, eu considerei as entregas emocionais e
os vastos arcos de personagens suficientemente engajantes e
interessantes; entretanto, seu uso da transmídia e o cultivo de
um fã-clube forense nos encorajou a esperar mais, fazendo com
que muitos fãs se revoltassem contra o final do programa, em
suas últimas horas, por não entregar as respostas em um pacote
claramente marcado. (Mittell, 2014, p. 268)
Ainda assim, Mittell reconhece que a dicotomia que surgiu entre
os fãs que admiravam a série por seu aspecto investigativo e os que o
faziam por seu aspecto espiritual refletiu a dicotomia da própria série:
“o contraste entre o racional e o ambiente sobrenatural representado
pela batalha entre ‘o homem da ciência’ Jack Shephard e ‘o homem
da fé’ John Locke.” Para Mittell, a série teria, na verdade, transposto o
universo diegético e refutado os fãs que, na vida real, seguiam a linha
de pensamento de Jack. Dessa forma, mesmo com a revolta de parte
dos fãs em relação ao final, a série teria cumprido seu propósito de
engajá-los e fazê-los sentir-se parte daquele universo fictício.
Conclui-se, portanto, que para que uma narrativa transmidiática se
expanda e engaje seus fãs por uma estratégia de Filmes de Jogo Mental,
é necessário fazer com que eles se sintam parte daquele mundo. Uma
vez motivados a resolver o mistério por conta própria, os fãs buscarão,
22
pistas e informações nos conteúdos disponibilizados pelo estúdio em
outros meios de comunicação.
Os easter-eggs e os Filmes de Jogo Mental são apenas alguns
exemplos de ferramentas que séries com narrativas transmidiáticas
utilizam para engajar seus fãs e levá-los para os conteúdos derivados.
Ainda assim, as abordagens utilizadas por algumas obras não apenas
estabelecem um diálogo entre o autor e a audiência ou garantem o
retorno para o conteúdo central, mas também contribuem para que o
espectador se sinta parte do universo diegético e vivencie aquilo como
se o engajamento com a obra tivesse algum desdobramento real em sua
vida – e, por muitas vezes, esse desdobramento acontece, mesmo que seja
apenas um reconhecimento entre outros fãs daquele mesmo conteúdo.
Tratam-se de narrativas que foram pensadas e elaboradas desde
a concepção levando em conta estratégias específicas e tendo como
objetivo as discussões online e o engajamento dos fãs a fim de perpetuar o a relevância do conteúdo por mais tempo e trazer um maior
retorno para a obra. Em minha pesquisa, estudei três dessas obras a fim
de entender e nomear esse modelo: as séries Westworld (Nolan & Joy,
2016-presente), e Dark (bo Odar & Friese, 2017-2020), e o desenho
animado Gravity Falls (Hirsch, 2012-2016).
Westworld e a Sincronia
Westworld é uma série de ficção-científica com uma narrativa
que dialoga com o conceito de “narrativa complexificada” de Jason
Mittell (2012), promovendo diversos debates e especulações entre os fãs.
Com arcos que se passam em diferentes linhas do tempo embaralhadas
e personagens que podem trocar de corpo ou esconder sua verdadeira
23
essência, a série apresenta informações nos diálogos e nos cenários
que são captadas por fãs atentos e levadas a fóruns de discussão sobre
o futuro da trama.
Desde sua concepção, a série vem utilizando a narrativa transmídia para contar sua estória, disponibilizando uma série de conteúdos
extras que não só complementam a trama original e levam os fãs de volta
a ela, mas também contribuem para criar uma experiência imersiva no
universo fictício por meio de mistérios a serem desvendados e códigos a
serem encontrados. A terceira temporada da série intensificou essa experiência, mostrando um ano de 2058 fictício que se aproximava muito da
realidade que a sociedade já está vivendo e convidando os espectadores
a interagirem com seus conteúdos de forma a tomar decisões parecidas
com as que os personagens tomariam. Nesse sentido, pode-se dizer que
a utilização da narrativa transmídia nas duas primeiras temporadas teria
servido como uma preparação dessa base de fãs para que ela vivesse a
real experiência imersiva na terceira temporada.
Os questionamentos enfrentados pelos personagens na terceira
temporada (Até que ponto o livre arbítrio é real? Quanto acesso as
empresas realmente têm aos meus dados e o que estão fazendo com
isso? Minhas escolhas são realmente minhas, ou foram premeditadas
e influenciadas por algoritmos?) dialogam com as angústias da sociedade pós-moderna e fazem com que o espectador de fato “questione a
natureza de sua realidade”, como propõe uma das frases mais famosas
da série. Por meio de uma narrativa transmídia que sincronizava o universo diegético e a realidade, a série colocou os espectadores na mesma
posição que os personagens e fez com que eles se identificassem ainda
mais com as angústias apresentadas na estória.
24
O que Westworld fez, ao aproximar o mundo diegético do mundo
real, foi criar uma Sincronia entre esses dois universos, que permitiu com
que as pessoas sentissem como estivessem de fato vivendo a realidade
da série e, portanto, se engajassem com os conteúdos distribuídos nas
diversas plataformas como se os mesmos fossem ter algum impacto real
em suas vidas. Essa estratégia se destaca dentro do conceito de narrativa
transmídia de Jenkins (2001), uma vez que não se trata simplesmente
de distribuir conteúdos complementares em diversas plataformas a
fim de aumentar a audiência do conteúdo central, mas sim de criar um
emaranhado de conteúdos imersivos e participativos que fazem com
que a série assuma uma relevância fora do usual na vida dos fãs. Isso,
aliado a um roteiro complexo e com muitas reviravoltas, incentiva que
os fãs sintam-se impelidos a adivinhar o andamento da trama e, portanto,
discutam entre si nos fóruns online, seja para chegarem juntos a alguma
conclusão ou para se provarem uns aos outros.
Nota-se também que as ferramentas utilizadas para tal se diferem
de um easter-egg como definido anteriormente, pois não se trata apenas
de um diálogo entre autor e audiência, mas sim uma tentativa de imersão
da audiência no universo diegético. O roteiro e a produção da série, com
suas diferentes linhas do tempo emaranhadas e personagens se passando
por outros, podem até enquadrar a obra no conceito de Filme de Jogo
Mental, de Elsaesser (2009), mas o mesmo não dá conta de abarcar a
profundidade da imersão possibilitada pelos conteúdos adicionais que
buscam engajar os fãs, provocando o processo de reexibição da obra
central em buscas de pistas e informações, e assim aumentando sua
relevância no longo prazo.
25
Ao observar as menções da série desde que foi anunciada, nota-se
que, apesar de uma queda de menções com o passar das temporadas, ela
foi capaz de se manter como um assunto de interesse durante os longos
hiatos de dois anos entre o lançamento de cada temporada. Além disso,
é possível observar que, em todas as temporadas, o pico de interações
aconteceu durante os episódios finais, o que aponta para uma possível
relação com as especulações dos fãs que cresciam conforme mais
informações eram reveladas a cada episódio.
Figura 1
Menções da série Westworld entre 1 de julho de 2016 e
31 de janeiro de 2022
Westworld (2016/julho 1 - 2022, janeiro 31).
Como notado anteriormente, os criadores da série possuíam,
desde a concepção da mesma, uma clara intenção de esconder detalhes
em materiais extras e fomentar uma cultura participativa por parte dos
fãs. Para isso, criaram essa narrativa imersiva, acrescentando um elemento de sincronia ao já estabelecido conceito de narrativa transmídia
e intensificando o engajamento dos fãs.
26
Gravity Falls e a Codificação
Gravity Falls começou como um desenho animado exibido pelo
canal Disney Channel de 2012 a 2016, e se destaca pela utilização de
códigos e mensagens criptografadas que apareciam para os fãs, mas não
para os personagens. Com isso, adicionou-se uma nova camada de mistério à trama, uma vez que os fãs estavam sendo diretamente convidados
a resolver um enigma à parte do que era apresentado aos personagens.
Essa codificação se tornou cada vez mais complexa, e as interações em
fóruns de discussão foram essenciais para que fãs do mundo todo se
unissem para desvendar os mistérios juntos. Após o encerramento do
desenho animado, a estória se estendeu para outros meios, como livros,
quadrinhos e websites. Houve, inclusive, uma caça-ao-tesouro física,
conduzida pela equipe responsável pelo desenho nos Estados Unidos.
Mesmo seis anos após o fim de Gravity Falls, o Disney Channel continua
fomentando a comunidade de fãs com códigos e pistas espalhados em
diferentes meios, em uma verdadeira “caça ao tesouro transmidiática”.
Quando se analisa as menções de Gravity Falls desde seu lançamento até o momento atual, nota-se que a relevância da série cresceu
com o tempo, atingindo seu ápice durante o período de lançamento dos
episódios finais. Ainda assim, o termo se mantém relevante e estável
até hoje, seis anos após o término da série animada, recebendo até mais
menções do que na época de seu lançamento. Esse fato mostra que as
estratégias utilizadas por Gravity Falls tiveram sucesso em fazer com
que a estória mantivesse sua relevância após o encerramento da trama
central, e também que a intensificação do uso de códigos secretos e
mensagens escondidas teve um papel importante no aumento do engajamento com a série.
27
Figura 2
Menções à série Gravity Falls entre 1 de junho de 2012 e
31 de janeiro de 2022
Gravity Falls (2012, junho 1 - 2022, janeiro 31).
Elsaesser (2009) acreditava que a narrativa complexa de Mittell
(2012) era capaz de atingir apenas um público nichado, mesmo que
mais engajado. Entretanto, Gravity Falls provou que é possível ter uma
narrativa extremamente complexa e ainda assim envolver uma grande
audiência, tendo se mantido presente em diversos meios anos após o
encerramento da série televisual, e tendo sido nomeada como uma das
melhores séries da década por veículos relevantes do meio. Gravity
Falls não só reformulou completamente o conceito de easter-egg, mas
também traçou um novo caminho para uma categoria de desenhos animados com narrativas transmidiáticas e jogos mentais, que já começa
a ser observado nas produções mais recentes.
Assim como Westworld, Gravity Falls utilizou-se de uma narrativa transmídia para engajar seus fãs, mas trouxe, através da Codificação
que fez parte da obra desde sua concepção, uma proposta de imersão
muito além da narrativa transmídia comum. A transposição de objetos do
28
universo diegético para o não diegético, assim como uma caça-ao-tesouro
no mundo real, contribuíram para que os fãs se sentissem parte da estória
e se envolvessem de maneira ativa nas investigações e decodificações a
ponto de resolverem um enigma espalhado por várias partes do mundo.
O sucesso de Gravity Falls contribuiu para estender o tempo de vida
útil da propriedade, que continua tendo conteúdos oficiais lançados pelo
Disney Channel mesmo seis anos após seu encerramento – situação até
então não observada em nenhum outro desenho do canal, ou mesmo em
concorrentes como Cartoon Network e Nickelodeon. Por conta disso, a
série se destaca frente a todas outras que utilizaram a narrativa transmídia
como estratégia de divulgação e relevância a longo prazo.
Dark e a Antecipação Visual
Dark é uma série alemã de ficção científica e mistério do serviço
de streaming Netflix. Com suas diferentes linhas do tempo, a trama
convidou o público a investigar, junto aos personagens, uma série de
desaparecimentos que se relacionavam de alguma forma com o apocalipse. Como parte de um modelo de binge-publishing, as estratégias
de captação e manutenção de público se diferem das utilizadas por
séries com episódios semanais. Aqui, era mais importante fomentar as
discussões entre as temporadas do que entre os episódios, e o processo
de binge-watching tem papel determinante para o desenvolvimento da
narrativa. Ademais, a plataforma tem acesso direto aos números reais
de exibições dos episódios e os têm como base para definir a renovação
ou o cancelamento de cada série. Dessa forma, o processo de rever episódios passa a ter uma importância ainda maior, uma vez que impacta
diretamente no sucesso da série.
29
A fim de preencher o período entre a segunda e a terceira temporada, um dos criadores da série, Baran bo Odar, passou a publicar
imagens de bastidores em seu Instagram pessoal. Essas imagens continham pistas dos acontecimentos da temporada final, e motivaram os fãs
não só a ficar atentos e dialogarem sobre cada nova foto, mas também
a rever os episódios – e, futuramente, os trailers da terceira temporada
– para tentarem desvendar a trama por conta própria antes mesmo que
os personagens da série. Essa Antecipação Visual logo foi utilizada pela
própria Netflix, que passou a divulgar imagens com pistas para os fãs, e
tal estratégia aumentou consideravelmente a quantidade de discussões
e menções sobre a série.
Num primeiro momento, poderíamos entender a decisão de
Baran bo Odar como uma tentativa pessoal do showrunner de criar
uma narrativa transmídia com as ferramentas que estavam a seu
alcance. Mas conforme a terceira temporada se aproximou, a Netflix,
como empresa, passou a utilizar esse modelo na divulgação, postando,
no site oficial da série (https://dark.netflix.io/), uma imagem alterada
do quadro “A Queda dos Condenados”, de Peter Paul Rubens (1620).
O quadro estava presente no escritório do suposto vilão da série, Adam,
e a versão disponibilizada no site da Netflix contava com pistas sobre
o futuro de alguns personagens. Os fãs, que já vinha discutindo com
base nos trailers e nas imagens de bastidores, agora tinham uma peça
de divulgação verdadeiramente feita com a intenção de ajudá-los em
suas investigações e especulações. Como esperado, não tardou para que
a obra também viesse a ser discutida pelos fãs engajados (AManWellSoonForget, 2020).
30
Essa estratégia dialoga diretamente com a narrativa que já vinha
sendo apresentada pela série. Com uma estória contada através de uma
linha do tempo embaralhada, muitas vezes era mostrado ao espectador
um acontecimento que ainda viria a acontecer, e o mesmo era instigado
a especular sobre o que levaria àquele acontecimento. Além disso, a
série apresenta uma variedade de imagens que apontam para revelações
futuras. As páginas do diário do personagem Noah, que traziam datas
de acontecimentos ainda desconhecidos e anotações com mensagens
a serem decifradas. O monólogo que a personagem Martha performa
numa peça da escola trazia pistas sobre o desenrolar da trama. O livro
que a personagem Elisabeth encontra no início da terceira temporada
contém imagens que, ao serem decifradas, apontavam para a forma
como se daria o encerramento da trama.
A terceira temporada de Dark estreou no dia 27 de junho de 2020
– data em que o Apocalipse ocorre na série -, confirmando as especulações
dos fãs por conta do diálogo extra-diegético entre as datas do universo da
série e as datas do mundo real. Já antecipando um movimento que vinha
sido observado nas temporadas anteriores, a própria Netflix disponibilizou, no site de Dark, a árvore genealógica completa dos personagens,
assim como uma imagem que explica o funcionamento das diferentes
linhas do tempo e dimensões da série (https://dark.netflix.io).
Quando observamos a curva de menções da série Dark desde
seu lançamento até o momento atual, é possível perceber que o período
em torno do lançamento da terceira temporada gerou uma repercussão
três vezes maior do que as temporadas anteriores – crescimento, esse,
que se acentua após a data de lançamento do trailer (14 de junho) e se
estende até a estreia da temporada (27 de junho). Nota-se também que,
31
no período entre a segunda e a terceira temporada – no qual o criador
Baran bo Odar utilizou uma estratégia de Antecipação Visual em seu
perfil no Instagram – o tópico teve mais relevância do que durante o
hiato entre a primeira e a segunda temporada.
Figura 3
Menções da série Dark entre 1 de outubro de 2017 e
31 de janeiro de 2022
Dark (2017, outubro 1 - 2022, janeiro 31).
E, para a surpresa dos fãs, muitas de suas perguntas foram
deixadas sem resposta. Isso, num primeiro momento, poderia ser visto
como um movimento arriscado que poderia causar um descontentamento
por parte daqueles que passaram meses investigando a série para tentar
decifrar os segredos da trama. Entretanto, a receptividade foi, em geral,
positiva. A terceira temporada recebeu 95% de aprovação da audiência
no site Rotten Tomatoes (DARK (2017 - PRESENT)”, s.d.) e a série
encerrou recebendo o título de melhor produção da história da Netflix
até o ano de 2020. No Reddit foram mais de 10 mil posts comentando a
temporada final (https://bit.ly/3z7Ne8o), entrando pela primeira vez para
32
a lista de séries de sci-fi mais comentadas ao longo do ano na plataforma
(https://bit.ly/3gasDaU). Isso reforça o argumento de Thomas Elsaesser
(2009) de que, nesse tipo de obra, “há um deleite em desorientar ou
enganar o espectador”, mas que a audiência não se importaria em “ser
feita de brinquedo”, mas na verdade gostariam da sensação, mesmo
quando há reviravoltas que eles não conseguem prever.
A maior parte dos fãs não reclamou das perguntas não respondidas, mas sim se esforçou para respondê-las por conta própria (https://bit.
ly/3zbNGCs), ainda que uma confirmação nunca viesse. Quase um ano
após o fim da série, ainda é possível ver criadores de conteúdo falando
sobre ela e trazendo curiosidades sobre a trama (https://bit.ly/3g053ik)
A nova série dos criadores Baran bo Odar e Jantje Friese, intitulada 1899,
já foi anunciada pela Netflix e a própria plataforma optou por divulgá-la
como “A nova série dos criadores de Dark” (https://bit.ly/34TZ5ZS),
mostrando que a obra mantém sua relevância até hoje.
Conclusões
Essas três produções, apesar de suas diferenças narrativas e
formais, evidenciam um esforço por parte dos criadores em inserir
elementos nas tramas que fomentem discussões online entre os fãs,
além de um aspecto transmidiático que dialoga com a audiência nos
mais diversos meios. Ademais, elas trazem, desde sua concepção, uma
provocação previamente planejada de discussões online entre os fãs,
permitindo conduzir a narrativa da série e a divulgação da mesma de
forma a aumentar o engajamento e a duração da relevância do conteúdo. Essa singularidade as diferencia de outras narrativas transmídia
33
cujo foco é apenas distribuir partes de uma mesma história em meios
diferentes que se complementam.
Por mais que essas séries também tenham essa preocupação, o
que elas trazem de singular é a forma como são criadas: tanto o roteiro
quanto as estratégias de divulgação têm como objetivo central fomentar discussões online entre os fãs. A própria trama é elaborada tendo
em vista o engajamento e o surgimento daquilo que os fãs chamam de
“teorias” sobre o universo diegético e o futuro da estória em questão, e
esse processo gera fãs mais engajados e que consomem os conteúdos
de forma mais intensa e ativa, promovendo, assim, um maior retorno
financeiro para a obra e sua perpetuação ao longo dos anos.
O fandom começou a formar um modelo dedicado e fiel de
consumo que é, de fato, atrativa (...) Fãs-consumidores não são
mais vistos como irritantes excêntricos, mas como consumidores
fiéis a serem criados, onde for possível, ou então serem conduzidos
através das práticas de organização”. (Hills, 2002, p. 11)
As três obras possuem, também, particularidades no que diz respeito às interações online dos fãs ao longo do tempo. Dark se destaca por
possuir um crescimento de interações entre as duas primeiras e a terceira
temporada, proporcionado pela utilização da antecipação visual nos meses
que antecederam a temporada final. Westworld, por outro lado, teve uma
queda de sua audiência a cada temporada, mas manteve-se como um tópico
relevante durante os períodos de hiato, e atinge o ápice de engajamento
de cada temporada nos episódios finais, o que denota uma relação com
o surgimento de mais especulações por parte dos fãs com base nas novas
informações disponibilizadas a cada episódio. Gravity Falls não atingiu
picos de engajamento tão altos quanto as outras duas – algo que muito
34
provavelmente está relacionado com o fato de se tratar de um desenho
animado e não de uma série live-action -, mas apresenta uma curva de
crescimento muito mais estável, que se mantém por muito mais tempo.
Hoje, de acordo com o Google Trends, Gravity Falls é um tópico mais
comentado no mundo todo do que Westworld, mesmo que o desenho tenha
acabado há seis anos e a série esteja em hiato há apenas dois.
Figura 4
Comparativo de menções das série Gravity
Falls, Westworld e Dark, de 1 de junho de 2012 a
31 de janeiro de 2022
Gravity Falls et al. (2012, junho 1 - 2022, janeiro 31).
Posto isso, é possível afirmar que essas três obras possuem aspectos singulares e relevantes que as destacam em meio a outras narrativas
transmídia no que diz respeito ao engajamento do público. Portanto,
há uma necessidade de se pensar num termo, sob a superestrutura da
narrativa transmídia, que evidencie essa particularidade observada.
Ainda assim, seria possível categorizar todas as três sob um mesmo
termo, ou seria necessário classificar cada uma separadamente?
35
Num primeiro momento, pode parecer que estas três obras são
tão diferentes em suas particularidades que não poderiam ser agrupadas
em uma mesma categoria. Entretanto, por mais que cada uma tenha se
destacado por conta de uma das ferramentas narrativas apontadas (sincronia, codificação e antecipação visual), nota-se que as três também
trazem elementos das outras ferramentas, ainda que em menor evidência.
O quadro abaixo traz alguns exemplos de como cada uma das três obras
apresenta as três ferramentas:
Tabela 1
Distribuição das ferramentas narrativas em Westworld,
Gravity Falls e Dark
Westworld
Sincronia
Codificação
Antecipação visual
Ao aproximar os
acontecimentos da
série a eventos reais
e reproduzir websites
e aplicativos fictícios
no mundo real, a
série estabeleceu uma
sincronia entre os dois
universos e trouxe uma
possibilidade real de
que a estória venha
a se concretizar nos
próximos anos.
Os diversos materiais
complementares de
Westworld, desde a
extensão diegética
dos sites até os
teasers e trailers da
série contavam com
códigos complexos
escondidos que foram,
posteriormente,
encontrados pelos
fãs mais atentos e
desvendados pelos mais
dedicados. Além disso,
a primeira temporada
da série contava com
anagramas e com seu
próprio código secreto:
a figura do labirinto,
que proporcionava
um mistério a ser
desvendado tanto pelos
personagens quanto
pelos fãs.
A série Westworld traz
uma variedade de
elementos visuais
que apontavam para
uma futura revelação
de que a estória se
passava em diferentes
linhas do tempo, e não
seguia uma narrativa
totalmente linear como
fez os espectadores
acreditarem no início.
Dentre esses elementos,
podemos citar o logo
do parque Westworld,
que se apresenta em
designs diferentes
nas cenas do passado
e nas do presente,
e as semelhanças
visuais entre os
personagens William e
Homem de Preto que
contribuíram para que
os fãs identificassem
previamente que se
tratavam da mesma
pessoa.
36
Gravity
Falls
Dark
Por meio da extensão
diegética (com o
lançamento do Diário
3) e da caça-aotesouro pela estátua
de Bill Cipher, os fãs
do desenho puderam
vivenciar uma imersão
na obra e sentir-se parte
do universo criado por
Alex Hirsch.
Toda a narrativa de Gravity
Falls se construiu
com base nos códigos
secretos espalhados
não só pelos episódios,
mas também em
todos os materiais
complementares
lançados.
A, a antecipação visual
se deu principalmente
por meio da figura da
roda de Bill Cipher,
que trazia símbolos
referentes a personagens
que teriam que se unir
para vencer o grande
vilão do desenho,
fazendo com que os
fãs passassem meses
tentando descobrir que
personagens aqueles
símbolos viriam a
representar no episódio
final.
A sincronia aparece em
A codificação se apresenta
Dark por meio do
de três formas: primeiro,
alinhamento das datas
nas páginas do diário
dos eventos da série com
do personagem Noah,
as datas de lançamento
que traziam anotações
das temporadas, que
com mensagens a serem
contribuíram com uma
decifradas. Segundo,
imersão na estória e
no monólogo que a
na sensação de que
personagem Martha
o apocalipse de fato
performa numa peça
chegaria em 27 de junho
da escola, que trazia
de 2020.
pistas sobre o desenrolar
da trama. Terceiro: no
livro que a personagem
Elisabeth encontra, com
imagens que, ao serem
decifradas, apontavam
para a forma como se
daria o encerramento da
trama.
A antecipação visual
de Dark se dá tanto
pela própria narrativa
com linhas do tempo
embaralhadas que traz
o futuro de alguns
personagens antes
de mostrar como os
mesmos chegaram
até lá, quanto pelas
estratégias utilizadas
pelo criador Baran bo
Odar e pela Netflix para
alimentar as discussões
dos fãs entre a segunda
e a terceira temporada,
por meio do lançamento
de fotos de bastidores e
imagens promocionais
com pistas escondidas.
Elaborada pela autora
É importante, então, ressaltar que o que essas séries têm de particular não é o uso de uma ferramenta ou outra, mas sim a combinação
de um conjunto de ferramentas que está presente desde sua concepção,
e que colabora com o objetivo de provocar discussões e especulações
nos fãs. Por mais que cada uma tenha se destacado mais pelo uso de
uma ou outra, todas as ferramentas observadas estão presentes nas três
séries desde sua concepção e dialogam com esse objetivo. Dessa forma,
37
é possível afirmar que as três – e, possivelmente, outras obras também
– podem ser classificadas sob uma mesma categoria.
Uma vez que o que essas obras possuem de singular é um planejamento narrativo que tem como objetivo provocar especulações dos
fãs, optei, junto ao meu orientador, por nomear esse modelo identificado
de Narrativa Transmídia Provocativa. Trata-se de uma estrutura que se
encontra sob o guarda-chuva da narrativa transmídia de Jenkins (2001)
e engloba obras de narrativas complexas e transmídia que tenham como
objetivo, desde sua concepção, engajar os fãs por meio de uma imersão
no universo diegético e, para isso, planejem os roteiros dos episódios e
as estratégias de divulgação de forma a provocar discussões e especulações entre os fãs, especialmente no ambiente digital.
As três ferramentas observadas fariam, então, parte dessa estrutura
da Narrativa Transmídia Provocativa e seriam usadas para cumprir o
objetivo final de provocar especulações. A sincronia diz respeito a uma
aproximação do universo diegético com o mundo real, intensificando a
sensação de pertencimento dos fãs e colaborando para um aumento de
engajamento. A codificação trata da inserção de códigos e mensagens
secretas não somente na trama, mas em materiais derivados e peças
promocionais. Essa ferramenta oferece uma espécie de jogo colaborativo aos fãs, se trocam informações e descobertas a fim de desvendar
as mensagens criptografadas e solucionar o mistério da trama antes que
os próprios personagens. Por fim, a antecipação visual fornece pistas e
revelações de acontecimentos futuros, que funcionam como partes de
um quebra-cabeça que os fãs devem terminar de preencher, provocando,
mais uma vez, o aumento das interações e do engajamento entre eles.
38
Observa-se também que essa provocação planejada e a utilização dessas ferramentas tiveram um impacto positivo na perpetuação da
relevância das obras, tanto durante os hiatos entre temporadas quanto
após o fim das séries televisuais. Além disso, nota-se um crescimento
de engajamento – seja ao longo dos episódios de cada temporada ou
a cada temporada – que é um reflexo direto da provação e do uso das
ferramentas mencionadas acima. Dessa forma, é possível afirmar que
a utilização da Narrativa Transmídia Provocativa é benéfica para obras
televisuais e é possível que ela se torne ainda mais presente nos próximos anos.
Acredito que a identificação desse modelo de concepção narrativa
vem a contribuir para as discussões já existentes no âmbito acadêmico
do meio audiovisual, uma vez que se trata de um fenômeno que pode
estar presente em muitas outras obras, tanto existentes quanto que ainda
estão por vir. Todavia, tal conceito certamente deve englobar outras
ferramentas além das três apontadas aqui e, portanto, é necessário
analisar outras obras para definir de maneira mais ampla o conceito
identificado por este estudo.
Referências
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Nebraska.
42
COMPETÊNCIA MIDIÁTICA NA SOCIAL TV:
ANÁLISE DO PERFIL DA PROTAGONISTA DE
SAMANTHA! NO INSTAGRAM
Larissa Oliveira1
Leony Lima2
Ana Carolina Campos3
A partir de uma análise do perfil do Instagram da personagem
Samantha (@samantharealoficial), da comédia seriada Samantha!
(Netflix, 2018-2020), este texto discute conceitos de social TV e literacia
midiática no contexto da convergência e cultura participativa. As formas
de narrar histórias passaram por uma série de mudanças ao longo dos
anos, seja através da criação de novos estilos de narração ou de adaptações das produções aos cenários contemporâneos, principalmente no
que diz respeito ao avanço tecnológico e ao surgimento de novas mídias.
Neste cenário, estratégias narrativas foram desenvolvidas transpassando
1.
2.
3.
Doutoranda no PPGCOM/UFJF, bolsista CAPES.
[email protected]
Mestrando no PPGCOM/UFJF, bolsista FAPEMIG.
[email protected]
Mestranda no PPGCOM/UFJF, bolsista FAPEMIG.
[email protected]
43
por diversas plataformas a partir da expansão de universos narrativos,
o que Jenkins (2009) denomina narrativa transmídia.
O encontro entre a televisão e as relações sociais dos consumidores, que se dão, principalmente, a partir das redes digitais, é chamado de social TV, um conceito que diz respeito ao compartilhamento
de conteúdo por espectadores através de dispositivos midiáticos em
sincronia com o que é transmitido por todas as modalidades de tevê
(Borges & Sigiliano, 2017). Essa prática estabelece a social TV como
um suporte para os universos ficcionais, auxiliando na compreensão e
no aprofundamento da trama, além da fidelização e do envolvimento
do público com a produção. Desta maneira, o objetivo deste trabalho é
observar as dimensões de competência midiática que a série Samantha!
estabelece sua narrativa transmídia a partir das estratégias de social TV
presentes no perfil do Instagram criado para a protagonista.
A literacia midiática é definida por Livingstone (2003, p.5) como
“a capacidade de acessar, analisar, avaliar e criar mensagens através de
uma variedade de contextos diferentes”. Em complemento a esta visão,
o conceito de competência midiática, segundo Ferrés e Piscitelli (2015,
p.3), é entendida “como uma combinação de conhecimentos, habilidades
e atitudes consideradas necessárias para um contexto determinado”.
No ambiente digital e no contexto das séries contemporâneas, competências midiáticas possibilitam o indivíduo transitar entre consumidor
e produtor de conteúdo em âmbitos como a análise e expressão. O fã
que avalia a obra como elemento estético (mise en scène, construção
de personagens, sons, intertextualidade, etc), mas precisa entender o
contexto total da ficção para poder compreendê-la e, muitas vezes, as
ações transmidiáticas auxiliam no percurso.
44
A análise observa um recorte de 61 publicações realizadas de
maio a julho de 2018 até 06 de maio de 2019, período de produção e
veiculação da ficção, a partir do fenômeno da social TV e das dimensões
tecnológicas, estéticas e de linguagem da competência midiática, tanto
nos âmbitos de análise quanto de expressão.
Narrativa Transmídia e Social TV
As formas de narrar histórias sofreram uma série de mudanças ao
longo dos anos, seja através da criação de novos estilos de storytelling
ou de adaptações das produções aos cenários contemporâneos, principalmente no que diz respeito ao avanço tecnológico e ao surgimento de
novas mídias. As novas telas, como tablets, smartphones, computadores
e as possibilidades que vieram com a internet e os meios digitais, não
só alteraram as formas de consumo, a partir de diferentes dispositivos
e das novas perspectivas de recepção on demand e das plataformas de
streaming, como também o comportamento do público, principalmente
com a chegada e a popularização das redes sociais. Para Jost,
Se os meios usados para acessar os conteúdos audiovisuais
são inegavelmente novos, resta saber se eles são sintoma de
comportamentos radicalmente novos, e qual será o impacto
desses novos usos. [...] Certamente, as visitas aos sites de
compartilhamento de vídeos são cada vez mais frequentes e se
pode pensar que elas ocuparão um lugar crescente nas práticas
culturais, em particular entre os jovens. Isso significa que os
internautas têm práticas muito diferentes dos telespectadores?
Eles têm, por exemplo, mais autonomia, liberdade, livre arbítrio
diante dos conteúdos que eles escolhem ver?” (Jost, 2011,
pp. 100-101)
45
Essa possibilidade da fragmentação na forma como a audiência
escolhe consumir produtos televisivos (ou audiovisuais) acaba por dar
origem ao que o autor chama de “telespectador nômade”, que navega por
uma quantidade enorme de sites e conteúdos, e escolhe transitar entre a
TV e a internet. Como consequência desse cenário, uma série de novas
estratégias de storytelling foram sendo desenvolvidas, dando origem a
uma “complexidade narrativa”, modelo que surge principalmente atrelado à televisão contemporânea e a produção seriada norte-americana.
(Massarolo, 2013).
Algumas transformações na indústria midiática, nas tecnologias
e no comportamento do público coincidiram com o surgimento
da complexidade narrativa sem, contudo, operarem como razão
principal de tal evolução formal. Mas certamente possibilitaram
o florescimento de suas estratégias criativas. (Mittel, 2012, p.33)
Para além da tela da televisão, as narrativas passaram, então,
a transbordar por diversas plataformas, criando universos narrativos
expandidos, no que Jenkins (2009, p. 138) chamou de narrativa transmídia, como aquela que “desenrola-se através de múltiplas plataformas de
mídia, com cada novo texto contribuindo de maneira distinta e valiosa
para o todo”.
Na forma ideal de narrativa transmídia, cada meio faz o que
faz de melhor – a fim de que uma história possa ser introduzida num
filme, expandida pela televisão, romances e quadrinhos; seu universo
possa ser explorado em games ou experimentado como atração de um
parque de diversões (Jenkins, 2009, p. 138).
Esse processo, contudo, não representa somente o movimento ou
a adaptação de um produto para diversos meios. Segundo Scolari (2015),
46
as narrativas transmídias se configuram como estruturas particulares
que se expandem em diversas linguagens e mídias. Um mesmo produto, ao se expandir por diferentes redes, pode recriar uma série de
novas significações e possibilidades, como histórias paralelas, micro
histórias e histórias periféricas. Nas narrativas transmídia, as estratégias
desenvolvem-se em diferentes meios, linguagens e mundos narrativos
multimodais, transformando não somente o conteúdo, mas também os
processos de produção e consumo, o que Scolari denomina de expansão do universo narrativo. Essa forma de narrar oferece ao mercado de
entretenimento um novo modelo de negócios que deve se atentar ao
que o autor chama de “consumidores implícitos”, ou seja, o público
que será capaz de estabelecer conexões com as diferentes possibilidades presentes nesse universo expandido, em um “contrato de leitura”.
Dessa forma, a produção televisiva é capaz de estabelecer estratégias
capazes de alcançar públicos maiores.
Scolari aponta quatro principais estratégias para a expansão do
universo narrativo: 1) a criação de micro-histórias intersticiais, como
videogames e quadrinhos, que estabelecem uma relação próxima com
a macro-história; 2) a criação de histórias paralelas, com o desenvolvimento de novas histórias que acontecem em um tempo simultâneo
ao da macro-história e podem se tornar spin-offs; 3) a criação de histórias periféricas, que podem ter muita ou pouca proximidade com a
macro-história e também se desenvolver como spin-off; e 4) a criação
de conteúdos produzidos por consumidores (fãs) em plataformas como
blogs, abrindo espaço para o enriquecimento do universo ficcional através da criação de novas histórias, que têm como base a macro-história,
se apoiando, por exemplo, nos personagens fictícios, como as fanfics.
47
Esse novo modelo, baseado no compartilhamento e na interatividade entre as produções e os consumidores e fãs das obras, ou seja,
com foco na chamada cultura participativa, faz com que a audiência
mergulhe no universo ficcional a partir da conversação que se estabelece,
principalmente, nas redes (Massarolo, 2013). Fechine (2017) aponta
que, se em um primeiro momento a televisão temia a internet enquanto
concorrência, agora existe um esforço pelos canais de TV para que os
programas tenham repercussões nas redes sociais, porque reconhecem
nelas o potencial de, “ao contrário do que se imaginava, aumentar a
audiência, engajando ou atraindo os espectadores” (Fechine, 2017, p. 86).
Essa relação cada vez mais presente entre televisão e internet lança
luz ao conceito de Social TV, ou TV Social, que segundo Fechine (2017,
p. 87), em um primeiro momento era designado por um segmento “de
pesquisas e desenvolvimento de aplicativos para a TV digital interativa
(iTV)”, mas logo passa a um significado mais amplo, em que a premissa
é que usuários experienciem o compartilhamento de conteúdos que
envolvem a televisão, independente de estar vinculado com o televisor.
Todavia, esse não é um fenômeno pensado apenas no contemporâneo da expansão da internet e da popularização das redes sociais.
Wohn (2013) traça o percurso histórico do que pode ser compreendido
como as primeiras formas dos aspectos sociais da televisão, evidenciando
que diversas tentativas de estabelecer a interatividade entre a TV e o
público já podiam ser observadas desde a década de 1970. Em 1977,
nos Estados Unidos, a Time Warner experimentou um sistema a cabo
chamado Qube, um “sistema de hardware e software interativo usando
tecnologia de televisão a cabo bidirecional como sua rede de distribuição
de vídeo e dados”; já em 1980, a empresa norte-americana Zenith lançou
48
a Spacephone, um modelo de televisão que permitia aos usuários fazerem
ligações telefônicas utilizando o controle remoto enquanto assistiam à
televisão (“A Televisão que também é telefone!”). As duas iniciativas,
contudo, segundo a autora, não tiveram sucesso e foram interrompidas
após alguns anos de atuação.
Foi no início dos anos 2000, já com a internet, que as primeiras
formas de interação mais próximas do que conhecemos hoje surgiram.
No início do novo século, a empresa norte-americana America On–Line
lançou a AOLTV, que permitia aos usuários usar a internet, ler e-mails
e conversar enquanto assistiam à televisão. A iniciativa, no entanto, se
manteve apenas até 2002, sendo encerrada por falta de consumidores.
Wohn (2013) traz ainda o exemplo da iniciativa da ABC.com, em 2006,
como o primeiro site que passou a disponibilizar o conteúdo dos programas de televisão online (uma tendência seguida por diversas outras
empresas), que permitia que os usuários comentassem os programas na
mesma página enquanto assistiam ao conteúdo. Três anos depois, em
2009, a possibilidade da transmissão ao vivo de conteúdo simultaneamente a mensagens síncronas também se tornou realidade e, em 2009,
a TV.com introduziu bate-papos para que a audiência pudesse interagir,
com mensagens, em tempo real enquanto assistiam a programação. É a
partir da década de 2010 que esse processo de interação com a televisão
ganha destaque e impulsionamento com a popularização das redes sociais,
que rompem com os modelos anteriores de interatividade - em sistemas
fechados - e possibilitam que o público interaja de maneira autônoma
e em outras plataformas, como o Twitter, entre comentários e debates
(e até na criação de novos conteúdos), com a programação televisiva.
49
O encontro entre televisão e as relações sociais entre os fãs,
que se dão principalmente a partir das redes sociais, é a concepção
atual do que chama-se de “social TV”, um conceito que, segundo as
autoras Sigiliano e Borges (2017, p. 69), atualmente diz respeito “[a]o
fenômeno se refere ao compartilhamento de conteúdos (comentários,
memes, vídeos, montagens, fotos etc.) através das redes sociais (Twitter,
Facebook, Snapchat, Instagram etc.) e dos aplicativos de segunda tela
(TV Showtime, TV Tag, Viggle etc.) de maneira síncrona ao fluxo
televisivo”. Dessa forma, a produção televisiva passa também a estabelecer diferentes conexões nas redes sociais, a partir da participação
e da interação entre os fãs.
Segundo Fechine (2017), as próprias empresas de comunicação
exploram as estratégias de Social TV visando a conversação em rede
do público. A exemplo, a autora cita a criação de perfis das emissoras
em redes sociais e a criação de conteúdos que dialoguem com o produto ou a programação televisiva, que estimulem as interações como
comentários, compartilhamentos e, até mesmo, a produção da própria
audiência de novos materiais (como vídeos e memes); a criação de
diferentes hashtags, de acordo com o desenrolar do enredo de determinado produto televisivo, servindo como um indexador do assunto e
também da temporalidade estabelecida na conversação em rede, além
de incentivar o envolvimento para com o produto e também entre os
interagentes. Essa prática acaba por estabelecer a Social TV como um
suporte para os universos ficcionais, como apontado por Sigiliano e
Borges, auxiliando na compreensão e no aprofundamento da trama,
além da fidelização e do envolvimento do público com a produção. Em
consonância com esse pensamento, Fechine afirma que “a observação
50
continuada das reconfigurações da televisão nos permite assumir aqui
como hipótese que a TV social pode ser considerada como uma das
manifestações recorrentes nas estratégias transmídias da televisão brasileira.” (Fechine, 2017, p.89).
A autora, no entanto, chama a atenção na definição de Social
TV para a importância do tipo de conversação a ser considerado na
conceituação do fenômeno, argumentando que se deve levar em conta
uma conversação em rede, “deflagrada por estratégias de produção de
empresas de comunicação [...] ou de tecnologia [...], geralmente, com
fins comerciais e articuladas com a programação da televisão” (Fechine,
2017, p. 89).
Essas estratégias buscam, de modo geral, produzir entre
telespectadores em localizações distintas o efeito de “assistir
junto” a conteúdos televisivos de modo remoto, a partir do
acompanhamento de determinados programas e da troca de
mensagens em tempo real, numa espécie de “sofá expandido” e
virtual que estimula seu engajamento com os conteúdos ofertados.
(Fechine, 2017, p. 89)
A conversação em rede, a interação em ato, simultaneamente ao
conteúdo transmitido na televisão ou na temporalidade demarcada pelas
empresas de comunicação e as tecnologias interativas, configuram a co
presença, que Jost (2011) chama de “impressão de formar um grupo”
em função do critério de visualização e da aparição de comentários em
tempo real, que resulta em um efeito de contato (assistir com). Essas
são condições configuradoras da Social TV.
Hoje em dia, os sites de redes sociais é que permitem a garantia
de que vemos a mesma coisa, numa época em que, por causa da
51
multiplicidade de canais, não se pode dizer isso naturalmente.
Durante a emissão de uma grande partida de futebol ou de um
reality show popular, os tweets todos são sobre esses programas
e os comentários feitos. Finalmente, as redes sociais contribuem
a elaborar essas comunidades imaginárias às quais a televisão
nos tinha habituado e que estavam em vias de desaparecer. (Jost,
2011, p. 102)
Dentre diferentes formas de narrativas transmídia e estratégias
de Social TV utilizadas pelas empresas de entretenimento, destacamos,
no presente trabalho, a criação de perfis dos personagens presentes nas
obras ficcionais nas redes sociais. Essa prática já era comum entre os
fãs, que criavam páginas dos seus personagens favoritos, estabelecendo
novas conexões e criando, inclusive, novos caminhos possíveis para
a história original, em uma narrativa paralela. Atualmente, a própria
indústria do entretenimento vem tentando explorar as narrativas transmídia a partir das redes sociais, criando novas estratégias de Social TV.
Literacia Midiática
A participação da audiência na construção, interação e ressignificação das séries contemporâneas se deu pela popularização do acesso às
tecnologias de produção e consumo, sobretudo dos dispositivos móveis,
e a presença cada vez mais abrangente dos meios de comunicação,
exige que tenhamos uma participação mais efetiva em uma sociedade
imagética, tendo estes meios como mediadores.
A experiência do telespectador passa a abarcar uma série de
outras linguagens e elementos para além do áudio e do vídeo, tais
como interfaces gráficas, navegação hipermidiática, movimentos
táteis, dentre outros, o que exige habilidades e competências
52
intelectuais, cognitivas e sociais específicas. (Almeida, 2018,
p. 20)
Esta experiência, desdobrada nas interações entre produtores e
audiência de Samantha!, é carregada pelo humor, por pistas nostálgicas
e pela literacia midiática de ambos os lados, já que compartilham de um
mesmo repertório sobre a indústria cultural nacional e seus processos.
Jenkins (2015) define o fã de narrativas ficcionais televisivas
como aquele telespectador ávido que conhece e explora profundamente
o universo ficcional. Grande entusiasta do texto original, ele tem o poder
de, a partir da sua interpretação, transformar a experiência de se assistir
uma ficção em algo mais rico e complexo, construindo uma identidade
individual e coletiva na cultura participativa.
No cenário da cultura da convergência, como citado anteriormente, esta construção e circulação são potencializadas. Jenkins (2009,
p. 28) afirma que “ao invés de falar de produtores e consumidores
midiáticos em papéis separados, agora podemos vê-los como participantes que interagem uns com os outros de acordo com novas regras
que nenhum de nós entende por completo”. Em resumo, “os fãs deixam
de ser meramente audiência desses textos; ao invés disso, tornam-se
partícipes da construção e circulação de significados textuais (Jenkins,
2015, p. 42). Ao consumir um conteúdo, o fã avalia a obra como um
produto estético, analisando cada elemento como a caracterização dos
personagens, desdobramentos, intertextualidades e coerência (Sigiliano
& Borges, 2019, p. 258).
Neste caso, podemos relacionar esta ação do fã com o conceito
de literacia midiática, definido por Livingstone (2003, p. 5) como “a
53
capacidade de acessar, analisar, avaliar e criar mensagens através de
uma variedade de contextos diferentes”. Em complemento a esta visão,
podemos associar o conceito da competência midiática de Ferrés e
Piscitelli (2015, p. 3), geralmente entendido “como uma combinação
de conhecimentos, habilidades e atitudes consideradas necessárias
para um contexto determinado”. No ambiente digital e no contexto das
séries contemporâneas, literacia e competências midiáticas possibilitam
o indivíduo transitar entre consumidor e produtor de conteúdo. Sendo
assim, Ferrés e Piscitelli agregam a visão de dois âmbitos da competência midiática: da análise e expressão. Segundo eles, a competência
midiática:
Envolve o domínio de conhecimentos, habilidades e atitudes
relacionadas a seis dimensões básicas, a partir das quais são
elaborados os indicadores. Estes indicadores estão relacionados,
em cada caso, com o âmbito de participação das pessoas que
recebem mensagens e interagem com elas (âmbito de análise) e
das pessoas que produzem as mensagens (âmbito de expressão).
(Ferrés & Piscitelli, 2015, p. 8).
As seis dimensões propostas pelos autores englobam os âmbitos
de análise e de expressão de: (1) linguagem, (2) tecnologia, (3) processos de interação, (4) processos de produção e difusão, (5) ideologia e
valores e (6) estética.
Neste estudo de caso, trabalharemos com três destas dimensões
em seu âmbito da expressão, o que diz respeito ao processo produtivo
das ações aqui analisadas. Dessa forma, nosso foco será na Linguagem,
Tecnologia e Estética.
54
Os indicadores que serão utilizados na dimensão da Tecnologia
são:
Capacidade de manusear com correção ferramentas em um
ambiente multimidiático e multimodal; capacidade de adaptar as
ferramentas tecnológicas aos objetivos comunicativos almejados
e; capacidade de elaborar e manipular imagens e sons a partir
do conhecimento de como se constroem as representações da
realidade. (Ferrés & Piscitelli, 2015, p. 10)
Na dimensão da Linguagem, temos:
Capacidade de se expressar mediante uma ampla gama de
sistemas de representação e significados; capacidade de escolher
entre diferentes sistemas de representação e estilos em razão da
situação comunicativa, do tipo de conteúdo a ser transmitido
e do tipo de interlocutor e; capacidade de modificar produtos
existentes, dando a eles um novo significado e valor. (Ferrés &
Piscitelli, 2015, p. 9)
Por fim, na dimensão Estética, os seguintes indicadores são
levados em conta nesta análise:
Capacidade de produzir mensagens elementares que sejam
compreensíveis e que contribuam para incrementar os níveis
pessoais ou coletivos de criatividade, originalidade e sensibilidade;
capacidade de se apropriar e de transformar produções artísticas,
potencializando a criatividade, a inovação, a experimentação e
a sensibilidade estética. (Ferrés & Piscitelli, 2015, pp. 14-15)
Samantha!
Samantha! (Netflix, 2018–2020) é uma série criada por Felipe
Braga na produtora Los Bragas, produzida em parceria com a Netflix
55
e distribuída em sua plataforma de streaming. A primeira comédia brasileira assinada pela Netflix possui duas temporadas veiculadas entre
2018 e 2020, cada temporada tem sete episódios, cada um com cerca
de trinta minutos. A série é classificada como comédia de situação
(sitcom) pela própria distribuidora, e, de fato, cada episódio possui um
acontecimento a ser tratado ou problema a ser solucionado, entretanto,
a comédia é guiada por um arco folhetinesco que aponta sobre o retorno
à fama da protagonista.
A história é narrada a partir de 2018 e utiliza-se do recurso
de volta no tempo para referenciar os famosos programas infantis da
televisão brasileira na década de 1980, em que se tinha uma plateia de
crianças ansiosas para brincar e cantar junto com os apresentadores,
mascotes no palco para ajudar nas brincadeiras, brinquedos, convidados e, algumas vezes, bailarinos com apresentações. A protagonista
Samantha, interpretada por Emanuelle Araújo e Duda Gonçalves, chega
ao final da década de 2010 na casa dos quarenta anos, com dois filhos,
e se sentindo perdida sobre a carreira. Seu sonho e objetivo tangível é
voltar a ser famosa na televisão aberta, o que ela ainda acredita ser o
que significa “ter sucesso”. Na primeira temporada, o objetivo é percorrido com maior avidez, já na segunda temporada, Samantha busca
o objetivo incluindo o dilema sobre ser fútil, logo, quer mostrar a todos
que cresceu intelectualmente. Na década de 1980, foi vocalista de um
grupo musical chamado Turminha Plimplom junto com dois garotos,
Alfonso (interpretado por Maurício Xavier e Sidney Alexandre) e
Tico (interpretado por Rodrigo Pandolfo e Enzo Oviedo), e estrelou
também um programa de auditório com o mesmo nome. Os conflitos
estão centrados no ambiente familiar, remetendo ao clássico do drama
56
burguês, e ao ambiente de trabalho, revelando a personalidade colérica
de Samantha, que é difícil de conviver, egoísta e gosta de ser o centro
das atenções.
De acordo com Oliveira (2022), a construção fisiológica de
Samantha é de uma mulher bonita midiaticamente, de altura média,
magra, pele morena, olhos castanhos, postura ereta e com roupas que
marcam o corpo. Já sociologicamente, apresenta perfil de classe média,
afinal, é uma subcelebridade. Em ambiente de trabalho, é competitiva,
exigente, persistente e egocêntrica. É órfã e foi deixada na porta de uma
emissora quando criança. Em 2018, mora com os dois filhos, Cindy
e Brandon (interpretados por Sabrina Nonato e Cauã Gonçalves), e é
casada (em processo de divórcio) com o ex-jogador de futebol Dodói
(interpretado por Douglas Silva), que acaba de ser liberado da prisão.
Na trama, ainda temos o agente da protagonista, Marcinho (interpretado por Daniel Furlan) e o melhor amigo de Samantha, Zé Cigarrinho
(interpretado por Ary França), um homem na faixa de 60 anos que foi
o mascote da Turminha Plimplom e a figura de pai mais próxima que
Samantha tem.
A ficção carrega um imaginário nostálgico dos programas infantis
brasileiros da década de 1980, em que até as pessoas que não viveram
na época possuem uma memória, que é coletiva e midiática. Com isso,
existe uma instrumentalização ou operacionalização nostálgica que
serve como mote da ficção. Engana-se achar que tal processo é apenas
romântico sobre o passado, ele é de gestos, ou seja, ações, que no caso
de Samantha! ocorrem de maneira satírica, romântica, meta imagética,
auto referencial, a partir de identidades coletivas e do estilo cultural
(Oliveira, 2022).
57
Perfil do Instagram @samantharealoficial
Como forma de expansão do universo ficcional, a produção de
Samantha! utilizou o recurso de narrativa transmídia a partir das redes
sociais, criando estratégias de social TV que evocam competências
midiáticas dos espectadores. Focaremos nas dimensões de competências: tecnologia, linguagem e estética, tentando entender suas relações
com a social TV. Nossa análise tem como objeto o perfil do Instagram
da personagem Samantha, que mesmo com o cancelamento da série
em 2020, continua ativo. @Samantharealoficial é o nome do perfil, que
remete ao fato da protagonista sempre achar que alguém a está copiando.
São 22,9 mil seguidores no perfil, com 61 publicações no feed e quatro blocos de destaques nos stories. Em sua biografia, a protagonista
se autodenomina como Samantha!, com exclamação, pois na ficção
seriada proclamou que seu nome artístico não seria apenas Samantha,
ela era mais que uma pessoa comum e estava na hora de uma renovação. Ainda na biografia, temos a descrição: “Eternamente Plimplom;
Mãe da Cindy e do Brandon; O importante é não deixar de acreditar!;
Brazilian Star; Protagonista de uma série da Netflix”. Na ficção, o
maior orgulho da protagonista é ter sido a vocalista e apresentadora da
Turminha Plimplom, momento de sua vida em que todos a idolatravam
e ela lembra com romântica nostalgia.
Os seguidores do perfil no Instagram reconhecem facilmente
a frase que inicia o hit da Turminha Plimplom: “O importante é não
deixar de acreditar!”, sabem que ela é uma mãe dedicada, que considera
elegante nomes em inglês, como os próprios nomes dos filhos, e por isso
a utilização do “brazilian star”, e entendem que ela é uma protagonista
58
de uma série da Netflix. O link da biografia envia para a página da série
no catálogo do serviço de vídeo sob demanda.
Figura 01
Print do perfil @samantharealoficial
Nota. Captura de tela feita pelos autores (Samantha!, s.d.-a).
São quatro títulos ou blocos de stories em destaque: intimidade, gratidão, viagens e carinho. Neles, Samantha se mostra como
um elo entre a época de ouro da televisão aberta no Brasil e a ascensão
de tecnologias digitais individuais. É uma mulher que está querendo
mostrar jovialidade, mas acaba tendo um comportamento vergonhoso.
Em alguns stories, Samantha fala o que fala na série quando está
gravando, principalmente no Episódio 04 da Primeira Temporada,
em que busca se tornar uma influenciadora digital para se sentir mais
importante que a nova namorada de seu ex-esposo. Ainda nos stories,
temos o lançamento da série em evento da Netflix, em que o agente
de Samantha aparece dizendo que ia dar tudo certo, pois ele é um bom
agente, e várias celebridades recebem um kit da Turminha Plimplom e
agradecem à protagonista.
59
Figura 02
Stories de @samantharealoficial
Nota. Captura de tela feita pelos autores (Samantha!, s.d.-b).
As postagens do perfil acompanham Samantha nas duas temporadas. Na primeira, a protagonista busca fama acima de tudo, e na
segunda, mesmo buscando fama, tenta se recompor para mostrar que
cresceu e agora é uma mulher madura. Percebe-se essa linguagem no
lançamento das temporadas e, concomitantemente, nas postagens do
perfil.
A dimensão de competência midiática referente a tecnologia
está presente na espectatorialização quando entendemos que os fãs
possuem habilidades para interagir significativamente com o Instagram
da personagem ficcional, expandindo o conhecimento sobre o universo
da série. Estes espectadores tornam possível uma comunicação multimodal e multimídia, tendo capacidade de manusear as ferramentas
necessárias para dialogar com o perfil criado pela Netflix para Samantha.
60
Nos comentários das fotos e vídeos, os fãs interagem com a personagem, embarcando em suas legendas, como na postagem publicitária do
Ketchup Berenice, marca do universo ficcional, em que uma seguidora
comenta: “Quem te chamou de ex estrela mirim de 150 anos atrás, tá
é maluca da cabeça!!! Vc é mais que o sol, é uma estrela”, mostrando
apoio a personagem e aos comentários raivosos que ela recebe de outras
celebridades na ficção.
Figura 03
Feed de @samantharealoficial
Nota. Captura de tela feita pelos autores (Samantha!, s.d.-a)
Percebemos também que a Netflix busca vender sua própria imagem a qualquer oportunidade, como exemplo a postagem em boomerang
de lançamento da segunda temporada, em que a protagonista aparece de
vermelho e no texto de legenda está escrito “E sim estou de vermelho
61
para você não esquecer que É NA NETFLIX!!!!”. Nesta postagem, os
fãs interagem com a página da personagem, perguntam se Samantha
participará do programa A Fazenda (RecordTV, 2011-Presente), mandam
mensagens de amor, dizem que já fizeram binge-watching da série, etc.
É interessante observar que além de compreender do universo ficcional
e comentar sobre ele, os usuários relacionam com os programas de tevê
contemporâneos, introduzindo o real no contexto, ressignificando a ficção. O que nos leva ao entendimento de outra dimensão, a linguagem.
No que se refere à linguagem usada em Samantha!, os usuários
conseguem entender os códigos das mensagens e o que eles representam.
Também assimilam que o perfil de Samantha é uma forma de comunicação expansiva da Netflix e interagem com ele a partir da linguagem
mais recorrente da série: a sátira. Tais usuários estabelecem ligação da
série com outras narrativas e signos comumente presentes na memória
coletiva brasileira, como o jogador famoso de que faz um “futebol
diferente” ou a fama que as assistentes de palco da apresentadora Xuxa
Meneghel, as Paquitas, possuíam na década de 1980. A própria Netflix
trabalha com a abordagem próxima da Xuxa e Chacrinha e os fãs interagem denominando de “universo paralelo”. Em um vídeo publicado
no Instagram, existe uma entrevista realizada pelo ator Pedro Bosnich
com a personagem Samantha, o diálogo é o seguinte:
Pedro Bosnich: Vamos fazer uma brincadeira, rapidinho.
Chacrinha ou Luciano Hulk?
Samantha: Chacrinha.
Pedro Bosnich: Atari ou Playstation?
Samantha: Atari, com certeza.
Pedro Bosnich: Paquitas ou as Kardashians?
Samantha: Paquitas, claro. Se eu não fosse da Turminha Plimplom
eu queria muito ser uma. A Xuxa sabe, eu até falei isso pra ela
62
quando eu era criança. Mas eu já tinha um show só meu, né,
não tinha sentido ser paquita.
(Instagram @samantharealoficial).
Com esse diálogo, vemos que é da própria produtora e distribuidora evocar uma linguagem intertextual com apropriação e ressignificação do contexto nostálgico.
No que se refere a dimensão da estética, os fãs compreendem as referências aos programas brasileiros infantis da década de
1980 que estão na série: Bozo (Rede Record [1980–1981]; TVS/SBT
[1981–1991/2013]), Turma do Balão Mágico (Rede Globo, 1983–1986),
Xou da Xuxa (Rede Globo, 1986–1992), Clube da Criança (Rede
Manchete, 1983–1998), Show Maravilha (SBT, 1987–1998), entre
outros. Isto é perceptível na postagem de Dia dos Namorados, em
que Samantha celebra o amor próprio. Na foto, ela está com roupa de
ginástica. Na legenda, está escrito “Nesse Dia dos Namorados vou me
dedicar a quem realmente importa: eu mesma! Lembrem-se, Plimplons,
antes de amar alguém, é preciso amar a si mesmos!!!!!!! #LoveYourself
#TrueLove #WorkOut #WorkHard #MeuCorpoMeuTemplo”.
Nos comentários, os fãs entenderam a referência ao primeiro disco
do Xou da Xuxa (Som Livre, 1986). Uma usuária escreveu “Estilo Xuxa
só para baixinhos”, outro apontou “Muito SHOW DA XUXA SIM”, e
ainda outra propôs “Essa pose daquela capa de disco horrenda com a
Xuxa de blusa transparente sem sutiã! Kkkkkkkkkkkkkk”. Para além
disto, as cores, os cenários, figurinos, coreografias, escolhas gráficas
e textuais evocam uma compreensão estética nostálgica sobre os anos
1980 e os fãs demonstram capacidade para relacionar a tais elementos
com outras manifestações artísticas, percebendo influências mútuas.
63
Figura 04
Postagem de @samantharealoficial
Nota. Captura de tela feita pelos autores (Samantha!, 2018)
Figura 05
Capa do Disco Xou da Xuxa (Som Livre, 1986)
Nota. Captura de tela feita pelos autores do site Amazon.com.br. (“Xou Da Xuxa 1
[CD]”, s.d.).
64
Unidas a essas três dimensões, é perceptível que a o engajamento que se forma a partir da interação com o perfil do Instagram se
congratula como uma estratégia de social TV, iniciada pela Netflix e
reverberada pelos fãs. Este suporte auxilia a compreensão e expansão
do rico universo ficcional da série, que os fãs desenvolvem a partir da
realidade que a televisão brasileira viveu na década de 1980. Aqui,
a prática de social TV definida anteriormente por Sigiliano e Borges
(2017), Almeida (2018) e Fechine (2017) se mostra interessante para
pensar o encontro de espectadores de Samantha! nas redes sociais, em
que eles não só interagem entre si como também conversam com uma
amplificação da construção da personagem.
Em suma, pudemos perceber que a Netflix se assegura na ideia
de um perfil que compartilhe uma expansão transmidiática do universo
ficcional de Samantha!, em que os fãs podem interagir com as publicações e a protagonista, criando um ambiente de social TV. No que
tange à literacia midiática, no âmbito da tecnologia, existe a utilização
de redes sociais de maneira coordenada, gerando engajamento com a
audiência; no âmbito da linguagem, a ficção mostra um contrato com
gestos nostálgicos dos anos 1980 e o público que viveu ou que consumiu produtos midiáticos da época, o que é possível verificar a partir
dos comentários nas postagens; já em quesitos de estética, é perceptível
uso de escolhas gráficas, textuais e elementais para solicitação de um
consumidor que desvende aqueles signos.
Considerações Finais
Diante do panorama apresentado a partir da análise, entendemos que a produção da série, através do perfil da personagem ficcional
65
Samantha, busca o retorno do público em suas interações na social
TV. Neste caso, o conteúdo na internet atua, de forma transmidiática,
a expandir os episódios disponíveis no streaming e engajar o público,
numa experiência estética e televisiva mais aprofundada. Segundo
Sigiliano e Borges (2019, p. 257), esse tipo de uso estratégico de outras
mídias, contribui para a “perpetuação e verossimilhança do universo
ficcional das narrativas seriadas televisivas”. A competência midiática
é exercida pelos produtores da série e pelos fãs, que são compelidos a
acionar seu arcabouço midiático para interagir com as publicações de
Samantha! no Instagram.
Apesar de restrita aos comentários e sem possibilidade de criação
que não sejam textos e emojis, a produção criativa não fica limitada
por parte dos fãs. Além de entender as referências nostálgicas como
a pose da Xuxa na capa do disco Xou da Xuxa, os fãs realizam novas
intertextualidades como ironizar a roupa colada em uma apresentadora
infantil relacionado ao projeto pré-escolar Xuxa Só Para Baixinhos.
O que demonstra que existe, ainda, um caráter crítico no consumo
daquele produto audiovisual.
Ainda, as ações de social TV de Samantha! contribuem diretamente para a expansão do universo narrativo que envolve a trama,
personificando a protagonista de forma verossímil e ressignificando
acontecimentos dos episódios, fazendo relações com o momento
midiático televisivo, criando memes que ironizavam alguns hábitos de
pessoas não-nativas digitais. A partir da análise das estratégias de social
TV, percebe-se que a intenção dos produtores foi ir além do simples
anúncio da série e seus episódios. Cada postagem tem intencionalidade
66
no que tange a compreensão e ressignificação dos arcos da série e a
fidelização do público.
Apostar neste tipo de interação, principalmente nas séries nacionais, demonstra a importância do impacto que a segunda tela pode ter
na perpetuação de um conteúdo e no desenvolvimento de competência
midiática no público, levando em conta o ambiente de convergência
midiática e da cultura participativa que vivemos.
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69
LITERACIA TRANSMÍDIA E A PRODUÇÃO
DE CONTEÚDOS COLABORATIVOS NO
COVET FASHION
Susana Azevedo Reis1
Larissa Nascimento Lopes De Oliveira2
Muitos jogos mobile possuem um potencial de incentivar a interação entre os jogadores e a criar comunidades. Um desses games é o
Covet Fashion. Lançado em 2013, o seu download pode ser realizado
em aparelhos com sistema Android ou IOS. O objetivo dos “coveteiros”, como se denominam os jogadores, é criar o “estilo” de um avatar
do sexo feminino, denominado de “doll”, escolhendo o modelo e a
cor do cabelo, a cor da pele, a maquiagem, as roupas da boneca, criar
casas e realizar desafios em conjunto. Entretanto, existe uma criação
de conteúdo que extrapola o aplicativo, gerando produções em outras
redes sociais e plataformas.
1.
2.
Doutoranda no PPGCOM/UFJF, bolsista CAPES.
[email protected]
Doutoranda no PPGCOM/UFJF, bolsista CAPES.
[email protected]
70
No Facebook, por exemplo, encontram-se diversos grupos privados, cujo objetivo é, coletivamente, criar “tendências” e “clones”.
Um desses grupos é o CVD3. A cada desafio que é lançado no jogo, os
administradores criam uma postagem para que os integrantes publiquem
nos comentários como irão “montar” seus avatares. Depois, observam
quais as peças de roupa e outros detalhes são necessários, criando uma
nova postagem com as “tendências” daquele desafio.
Assim, percebemos que os participantes do Covet Fashion
acabam criando comunidades de fãs, que se inserem em um universo
transmídia, um ambiente explorado por diferentes mídias e meios e
que necessita da participação ativa do usuário. Em uma esfera transmidiática, existe uma certa lógica de produção e recepção do processo
comunicacional, provocada a partir da criação e compartilhamento de
conteúdos em diversas plataformas com a participação do público. É um
processo colaborativo, que Jenkins et al. (2015) chamam de cultura da
participação.
Acreditamos que esses jogadores e jogadoras desenvolvem
habilidades críticas e produtivas acerca deste jogo. Por isso, recorremos
ao conceito de literacia midiática, ou seja, a capacidade dos indivíduos
em compreender a linguagem das mídias, interpretá-las e produzir
reflexões e conteúdos a partir delas, e o conceito de literacia transmídia,
que analisa como os indivíduos estão utilizando as mídias, levando em
conta que eles são prosumers, capazes de criar e compartilhar conteúdos em vários níveis de complexidade. Dessa forma, nosso problema
de pesquisa é: quais são as principais competências adquiridas por
3.
Por ser um grupo formado de forma privada, as autoras preferiram preservar o
nome do grupo.
71
esses jogadores do Covet Fashion ao criarem uma comunidade em um
ambiente transmidiático?
Para respondê-la, iremos realizar o recorte do desafio do jogo
denominado “Heroínas Literárias” e, como metodologia, optamos em
utilizar a análise de competências transmidiáticas, sobretudo no âmbito
da: gestão de conteúdos; mídia e tecnologia; e, narrativa e estética. Nisto,
as estratégias informais de aprendizagem propostas por Scolari (2018)
se fazem presentes. Acreditamos que as comunidades criadas em redes
sociais, como o Facebook, possibilitam que os participantes desenvolvam seu senso crítico relativo a diversos aspectos do jogo e também
da sociedade.
Narrativas Transmídia, Comunidades Online e Cultura da
Participação
A narrativa transmídia cresce na cultura da convergência a partir
dos dispositivos conectados à internet, sendo uma forma de narração
multiplataforma que se personifica a partir da cultura da participação,
ou, existem diversas narrativas complementares sobre um mesmo universo ficcional em mídias variadas que se tecem a partir da interação.
Diferente de modelos narrativos habituais, os universos transmidiáticos
tendem a ter um alto grau de complexidade devido a quantidade de
plataformas e multiplicidade de abordagem das temáticas, personagens
e mundo ficcional (Gosciola, 2014; Massarolo, 2013).
Na perspectiva de Massarolo (2013), o fenômeno possui duas
apropriações chaves, a ressignificação de narrativas matrizes a partir de
fãs e a expansão de um universo como principais táticas de empresas
que trabalham com narrativas, seja com filmes, séries de televisão ou
72
jogos. A perspectiva de transmidiação que temos como objeto, os grupos
de Facebook formados por fãs do Covet Fashion, nasce nos consumidores e essa expansão de universo ficcional a partir dos fãs não é uma
grande novidade nos estudos de transmidiação, todavia, o que vemos
são reconfigurações do fenômeno.
O modelo transmídia de contar histórias emergiu com a tevê
contemporânea estadunidense, sobretudo no início dos anos 2000, com
o desenvolvimento das tecnologias de reprodução e armazenamento de
dados, aliado aos dispositivos conectados à internet com programas de
edição de texto, imagem e vídeo. Com cenas gravadas, os espectadores
tinham como repetir o que era veiculado e conduzir u0m olhar atento
para as tramas, o que fez roteiristas conseguirem inovar no que diz
respeito a complexidade narrativa dos conteúdos (Massarolo, 2013;
Mittell, 2012), dando mais espaços para fãs fabularem sobre o que
assistiam. Essas especulações eram compartilhadas em comunidades
e fóruns virtuais.
Após gravar uma cena de uma ficção seriada e poder revê-la,
o fã alcançava um potencial para criar novas histórias a partir de uma
narrativa matriz (Massarolo, 2013). Escrever uma fan fiction (ou: ficção
de fã, fanfic, fic) é um fenômeno comum na cultura da participação.
Ou seja, a partir do produto audiovisual, eram escritos roteiros amadores
de como aquela história poderia ser continuada, ou até de como os atores
interagiam em bastidores e na vida comum (Doneda, 2016). O shipp
é uma marca nesse universo, em que além de combinar os nomes dos
personagens ou atores, eram criadas relações amorosas entre os casais,
para fora do universo ficcional, proposto inicialmente pela trama base.
73
O conceito de transmedia storytelling, traduzido para o português
como “narrativa transmídia”, foi cunhado por Jenkins (2008) e resumidamente se refere a ação de contar histórias através de vários tipos
de mídias. Dois caminhos comuns são galgados na transmidialidade: o
desdobramento da história base em outras mídias e a criação de franquias
de conteúdo. O fenômeno pertencente à cultura da convergência, outro
conceito de Jenkins, é específico de um contexto multiplaforma e supõe
a interatividade e compartilhamento de histórias. Contar histórias é um
ato milenar da cultura humana, afinal, narrar fatos cotidianos e embates
da vida para alcançar sentido ao lado de outras pessoas não é algo novo
pois a presença do grupo está desde os primórdios. O que acontece no
contemporâneo é que, com as plataformas midiáticas, as histórias têm
potencial de chegar a um grupo maior de pessoas que interagem. Desta
maneira, o ato de contar histórias, comum da convivência em grupos,
se reconfigura na cultura da convergência para um ato de narração
específico de plataformas midiáticas que supõem a interatividade.
Assim, a arte milenar de contar histórias é submetida a uma série
de choques e tensões que reconfiguram e atualizam o modelo
narrativo tradicional, fazendo dessa nova forma narrativa uma
ferramenta de inovação e de mudanças, capaz de estimular o
crescimento e a expansão das sociedades em rede, além de exercer
uma influência decisiva para o surgimento e a consolidação da
cultura participativa. (Massarolo, 2013, pp. 338-339)
Existe uma relação diferente entre produtores e consumidores de
conteúdos, ou, um estreitamento de laços por parte da audiência, devido
às trocas nas comunidades de fãs, grupos de conversa de aplicativos,
74
fóruns, sites específicos sobre o tema, etc. A transmidialidade é, antes
de mais nada, fruto de uma cultura da participação.
O hábito de compartilhar opiniões e inquietações em fóruns e
comunidades online ganharam proporções maiores com a presença da
internet nos lares, permitindo o acesso de fãs à computadores, desktops
e depois em dispositivos móveis de uso individual. A imersão profunda
nas obras matrizes impulsiona o consumidor para além de uma prática
solitária de significações. Grandes arcos e núcleos narrativos exigem
atenção e competência e, hoje, essa cognição está entranhada em nosso
modo de ver (Massarolo, 2013). Mas, quando as narrativas complexas
surgiram, ou até narrativas folhetinescas estavam em alta no período,
os consumidores compartilhavam suas impressões e ouviam as de
outras pessoas. A imersão das audiências oferece uma nova perspectiva
para a história, sobretudo às tramas abertas, em que os profissionais de
comunicação social ficam atentos às redes de compartilhamento para
entender como os fãs querem que o enredo caminhe. Sendo assim, a
cultura participativa é fundamental em um contexto de transmidialidade.
Lost (ABC, 2004-2010) foi um marco nos estudos de transmidialidade na cultura estadunidense, visto que existiam lacunas no roteiro a
serem preenchidas pelos espectadores. Segundo Johnson (2009a), Lost
trabalha com pistas e lacunas para que os consumidores fabulem o que
está acontecendo no programa, tanto sobre os personagens, quanto sobre
o mundo ficcional. Também abrem espaços para discussões sobre as
diretrizes que aquele gênero está sendo levado, ou, se é possível prever
algo seguindo a lógica de regras de um gênero audiovisual anteriormente
conhecido. Na rede social Orkut, que não está mais no ar, ou nos sites
de fãs, pessoas se reuniam para discutir essa e outras ficções.
75
Ativos e curiosos, os espectadores participam de um dilema de
estratégia transmídia a partir da imersão e dispersão textual. A imersão
transporta o espectador para uma dimensão lúdica do universo ficcional
e a dispersão é o motor que aproxima os consumidores da expansão
do universo em outras plataformas. Lost é uma espécie de ficção que
solicita do espectador uma cognição para resolução de problemas em
formato de quebra-cabeça, em que o auxílio e as trocas são bem vindas.
As lacunas incentivam os usuários a buscar entendimento. Especular
o universo ficcional por parte dos consumidores dá às obras maior
abrangência, sendo uma ficção transmídia estendida e melhor compreendida em grupos. Neste percurso de trocas e criação de enredos a
partir da matriz, existem ambiguidades a serem percebidas em conjunto.
Lembrando que não é necessária uma narrativa complexa ou um mundo
ficcional enigmático para existir transmidiação, apesar de ser comum
que isso aconteça nesses contextos. Os integrantes das comunidades
trabalham em conjunto para resolver enigmas, acumulam informações
e desenvolvem competências específicas para análise das obras.
Literacia Transmídia e suas Competências
Atos educativos tendo as plataformas midiáticas como base é
uma premissa eficaz, sobretudo se há envolvimento de interatividade,
o que promove maior cognição sobre um assunto por parte dos estudantes. De acordo com Scolari (2018), a abordagem inicial da literacia
midiática, em meados da década de 1960, influenciada pelos estudos da
teoria crítica, apontava que as mídias traziam efeitos apenas negativos
nas crianças e adolescentes e estes precisavam defender-se. Com o
passar do tempo e as novas mídias surgindo, percebeu-se que seria
76
inviável afastar as plataformas desses jovens, além de que, se bem trabalhadas, elas poderiam incentivar e aumentar o nível de aprendizado.
Sendo assim, a educação midiática que os pais receberam foi dosar o uso
das plataformas e aplicativos de mídia, prevenindo riscos e motivando
o lado positivo que tais usos poderiam trazer. Com o tempo, os jovens
e adultos adquirem competências para acessar e produzir dentro dessas
mídias. Entretanto, nem sempre as competências adquiridas empiricamente são suficientes para se posicionar e fazer uso completo das
ferramentas. Os estudos em literacia midiática auxiliam nesse quesito.
Neste contexto, a literacia midiática pode ser definida como
“uma combinação de conhecimentos, habilidades e atitudes consideradas
necessárias para um contexto determinado” (Ferrés & Piscitelli, 2015,
p. 3), ou, “a capacidade de acessar, analisar, avaliar e criar mensagens
através de uma variedade de contextos diferentes” (Livingstone, 2004,
p. 5). Sendo assim, ter competências com uma mídia significa que o
usuário é capaz de acessá-la através do dispositivo que prefere, entender o conteúdo que está sendo proposto, ter uma visão crítica sobre o
assunto e, se quiser, responder ou criar novos conteúdos para a mesma
plataforma. As formas de literacia midiática do contexto contemporâneo
já receberam vários nomes, como literacia digital, literacia da internet e
até nova literacia midiática. A dimensão da literacia midiática que nos
é cara e que utilizaremos na análise do objeto é a literacia transmídia.
Segundo Scolari (2018), a literacia transmídia vai um pouco além
das competências midiáticas regulares, pois se desenvolve no contexto
da cultura colaborativa, que está dentro do nosso recorte de pesquisa.
Não é uma questão de rejeição do conceito que veio anteriormente, e
sim de expandir e complementar as metodologias e abordagens a partir
77
do cenário midiático colaborativo. Nas palavras de Scolari (2018, p. 4),
“a Literacia Transmedia é entendida como um conjunto de capacidades, práticas, valores, sensibilidades e estratégias de aprendizagem e
intercâmbio desenvolvidas e aplicadas no contexto das novas culturas
colaborativas”. Tal ponto de vista considera prioritariamente o que as
pessoas fazem com as mídias, os entendendo como prosumers que criam
conteúdos de diferentes níveis de complexidade. É sobre educar pessoas
em relação ao agir com as mídias, mas, para além disso, entender como
as mídias são usadas fora da sala de aula e como estes aprendizados
podem ser incorporados no ensino.
Desta maneira, enquanto a literacia midiática lida com a imprensa,
o audiovisual e o digital, a literacia transmídia aborda redes digitais,
mídias interativas e processos transmidiáticos. Além disso, enquanto
a literacia trabalha com leitores e escritores críticos e a literacia midiática com o ato de desenvolver consumidores e produtores críticos, a
literacia transmídia se preocupa com consumidores que também sejam
produtores críticos. No ensino, existem direcionamentos das ações em
sala de aula: na literacia, é do professor (topo) para os alunos (base);
na literacia midiática, é do topo para base, e depois, da base para o
topo; e por fim, na literacia transmídia, o primeiro episódio de troca
entre aluno e professor é da base para o topo, depois é que acontece o
processo do topo para a base. Isso ocorre porque o interesse da literacia transmídia está em primeiro lugar para o que acontece fora da sala
de aula, em um contexto de aprendizagem que vai do informal para o
formal, onde o professor não é nem uma autoridade no conhecimento,
nem um mediador que cria experiências de aprendizagem com e através
78
das mídias, mas sim um facilitador de conhecimentos, ou um tradutor
cultural (Scolari, 2018).
Na pesquisa de Scolari existe uma investigação que busca
responder o que os jovens estão fazendo com as mídias disponíveis e
como eles aprendem a usar e criar para elas. A pesquisa envolveu mais
de 50 investigadores de 10 instituições em 8 países entre os anos 2015
e 2018. Os participantes eram jovens entre 12 e 18 anos, que estudavam
em variadas escolas, pública/privada, urbana/rural, escolas high tech/
escolas e possuíam rasos recursos tecnológicos, dentre outros aspectos..
Foram preenchidos 1.633 questionários, realizadas 311 entrevistas e
58 workshops sobre videogames e cultura da participação. Os resultados apontam que, com o acesso à internet, os jovens utilizam as mídias
para jogar, escrever e ler fanfictions, compartilhar e visualizar fotos
e vídeos no YouTube ou em plataformas de mídias sociais como o
Instagram e Facebook, e até marcar encontros em eventos relacionados
com seus personagens e mundos ficcionais preferidos. Estes quesitos
foram definidos como competências ou capacidades transmidiáticas.
Nas palavras do autor,
As capacidades transmediáticas são uma série de competências
relacionadas com a produção, partilha e consumo de media digitais
interativos, que vão desde processos de resolução de problemas em
videojogos até à produção e partilha de conteúdo em plataformas
web e redes sociais. A criação, produção, partilha e consumo
crítico de narrativas (fanfiction, fanvids, etc.) por adolescentes
também fazem parte deste universo (Scolari, 2018, p. 8).
As competências variam de níveis dependendo da pessoa.
Um indivíduo pode ter alta capacidade criativa para escrever a extensão
79
do universo ficcional, enquanto que outro é bom em analisar criticamente
as mensagens que estão expostas, e ainda outro pode ter facilidade em
editar vídeos com curiosidades sobre o mundo, etc. O nível de competência crítica desenvolvida pelo público da pesquisa nas redes sociais é
menor do que o nível de produção, sendo assim, é mais fácil encontrar
em sala de aula alunos que produzem bem do que estudantes com alta
capacidade crítica ideológica e ética. De toda forma, existe uma grande
gama de práticas, conflitos e colaboração no meio transmídia.
As competências transmidiáticas são divididas em 9 dimensões:
Produção; Prevenção de risco; Performance; Gestão individual, Gestão
social; Gestão de conteúdos; Mídia e tecnologia; Ideologia e ética; e
Narrativa e estética, incluindo cada uma delas 44 competências principais
e 190 específicas. Neste cenário, as estratégias informais de aprendizagem são 6: aprender fazendo, resolver problemas, imitar/simular, jogar,
avaliar e ensinar. O ambiente de aprendizagem informal em diferentes
contextos tem ganhado espaço na vida dos jovens, seja individualmente
ou em grupo. O que queremos aqui é identificar quais configurações de
aprendizagem informal têm sido utilizadas nas comunidades de fãs do
Covet Fashion. Reconhecemos que práticas como jogar videogames,
escrever fanfictions, fazer cosplay ou partilhar memes é parte de uma
cultura complexa e com muitas facetas. Nisto, as estratégias informais de
aprendizagem propostas por Scolari se fazem presentes. Dos parâmetros
propostos pelo autor, optamos por utilizar três dimensões: Gestão de
conteúdos, Mídia e tecnologia e Narrativa e estética. Tais parâmetros
foram escolhidos por causa do objeto a ser analisado. Acreditamos que
seja o suficiente para compreensão de como as comunidades online do
Covet Fashion têm se configurado.
80
Covet Fashion: produzindo moda de forma colaborativa
O Covet Fashion é um jogo mobile que permite aos usuários
criarem o estilo de uma doll, escolhendo suas características físicas e
roupas. Em cada desafio, existem algumas peças obrigatórias e outras
que são de escolhas livre dos jogadores, sendo que as roupas, acessórios
e outros itens podem ser adquiridos com as moedas de troca do jogo,
o dinheiro cover (ou cash) e os diamantes. Atualmente, o jogo está no
nível 113 e, a cada nível conquistado, premia-se os participantes com
novos tipos de cabelo e maquiagem, além de 500 diamantes.
Mais do que jogar individualmente, os jogadores podem ingressar em “Casas da Moda”, onde disputam o “Rali das Passarelas”. Ali,
realizam um número estipulado de desafios para ganhar mais prêmios.
Muitas vezes, acabam criando comunidades em outras plataformas e
redes sociais, como Whatsapp e Facebook, onde traçam estratégias
para finalizarem o rali. Assim, os coveteiros4 produzem conteúdos
que extrapolam o aplicativo de celular, gerando assuntos em outros
ambientes. Essa produção coletiva ajuda os participantes a crescerem
no jogo e subirem de nível. Essas comunidades são criadas não só para
a constituição de grupos de rali, mas também para a troca de conteúdos
entre todos os participantes do jogo.
Percebemos que na rede social Facebook a interação entre os
indivíduos é ainda maior. Ao buscarmos grupos com o termo “Covet
Fashion” nessa rede, encontramos 2545 grupos nacionais e internacio-
4.
5.
Utilizaremos os termos “coveteiros”, “usuários” e “jogadores”, para respeitar
a norma culta, porém gostaríamos de ressaltar que a maioria desse público é
feminino.
Levantamento realizado no dia 27 de setembro de 2022
81
nais, que podem chegar a até 74 mil membros. Nessas comunidades,
os jogadores e jogadoras criam conteúdos coletivos e, principalmente,
tendências e clones. As tendências seriam as peças de roupa, cabelo
e maquiagem que estão sendo mais utilizadas pelos jogadores e que,
provavelmente, irão proporcionar uma boa nota no desafio. Já os clones
são cópias fiéis dessas tendências. Assim, em um clube de clones, por
exemplo, os participantes devem criar no jogo bonecas idênticas às que
são compartilhadas no grupo. Contudo, nem sempre as “tendências”
para alcançar uma boa nota no desafio são seguidas. Alguns trazem
problemáticas ideológicas e sociais que despertam certa discordância entre usuários, desencadeando tendências denominadas de trolls.
Esses seriam avatares que fogem da descrição do desafio, feitos como
forma de protesto dentro do jogo.
Para otimizar as tendências dos jogos, os grupos colaborativos
desenvolveram um método. O grupo que aqui denominamos CF6, com
21 mil membros, funciona da seguinte forma: a cada desafio que é
lançado no Covet Fashion, as administradoras criam uma postagem
para que todos os integrantes publiquem nos comentários como irão
“montar” seus avatares. Depois, elas observam quais são as peças de
roupa, acessórios, cabelos, maquiagem e tons de pele mais recorrentes,
produzindo uma nova postagem com as tendências daquele desafio.
Assim, todos os jogadores desempenham um papel neste grupo.
Jenkins, Green e Ford (2015) destacam que os sinais da cultura da
participação sempre esteve presente na sociedade, mas as tecnologias
6.
Por se tratar de um grupo privado, as autoras preferiram não preservar seu nome
oficial. Assim, em todas as imagens aqui compartilhadas, o logotipo do grupo e
o nome dos participantes foram ocultados.
82
atuais contribuíram para intensificar esse processo, já que o público
hoje possui maior acesso às ferramentas de produção e consumo, além
da maior circulação de informações. Segundo os autores, os conteúdos
produzidos por uma empresa, ou por um jogo, como o Covet Fashion,
incentivam a produção de conteúdo pelos usuários, podendo sofrer
também alterações. Existiria, assim, uma cultura de trabalho coletivo,
mesmo que nem todos produzissem os conteúdos. Afinal, quem executa
necessita de um público alvo. Desta forma, mesmo aqueles que apenas
consomem o conteúdo no grupo desempenham um papel importante.
Todos são essenciais para o resultado final.
Percebemos que o grupo CF é uma comunidade de jogadores
prosumers, pois ao mesmo tempo em que realizam ações no jogo, elaboram produtos, gerando conteúdos no Facebook. Dessa forma, nos
interessa neste trabalho compreender as capacidades transmidiáticas
desses prosumers. Para isso, iremos analisar o desafio “Heroínas Literárias” buscando observar como os integrantes do grupo consumiram
e produziram a partir dele.
Análise do Desafio “Heróinas Literárias”
Foi em abril de 2022 que o jogo Covet Fashion lançou a série
de desafios “Heróinas Literárias”. Foram sete desafios divulgados entre
os dias 12 e 18 de abril, na estação primavera e, em cada um deles, os
jogadores construíram uma doll que seria a personagem protagonista
de livros. Na figura 1, você encontra a chamada da série de desafios
compartilhada no aplicativo do jogo.
83
Figura 1
Chamada da Série “Heroínas Literárias” no
Covet Fashion
Aplicativo Covet Fashion (https://www.covetfashion.com)
Após essa divulgação, integrantes do grupo CF já criaram uma
postagem sobre a série, destacando os prêmios, buscando o diálogo com
outros participantes do grupo e convidando todos a acompanharem as
tendências dos desafios e a dividirem sua opinião sobre os mesmos:
A nossa tão esperada série literária chegou!!!!
A série
“Heroínas Literárias” está entre nós e, como de costume, trouxe
uma peça CC junto! Tá passada? Eu tô é babando na lindeza
desse chapéu, bem no estilo Jane Austen.
[...] Então não
vai dar mole, né? Corre aqui no Dreams para ver as tendências e
vamos conquistar esse pódio! Conta pra gente, o que acharam
das novidades? Estão animados? [sic] (D.C, 2022)
84
A arte elaborada para essa postagem foi uma união da chamada
da série no aplicativo, os prêmios para quem a finalizasse, além de
uma peça nova e que estava em destaque no jogo, que é denominada
de C.C. (Foto 2).
Figura 2
Primeira publicação sobre a série “Heroínas Literárias”
no grupo CF
Nota. Por se tratar de um grupo privado, as autoras preferiram preservar o nome e
o endereço eletrônico do grupo CF. (Grupo CF, 12 de abril de 2022, https://www.
facebook.com/).
O primeiro desafio da série foi denominado de “O chamado do
Amor”, que referenciava a personagem Jane Eyre, do livro de mesmo
nome, escrito por Charlotte Brontë . No grupo CF, foi publicado um
convite para que os usuários compartilhassem suas criações dessas dolls
(Figura 3). Foram 54 comentários no total, incluindo os prints de bonecas
feitas no aplicativo, dúvidas de alguns integrantes e o selo “Você virou
tendência” compartilhado pelas mediadoras do grupo.
85
Figura 3
Publicação do convite para o desafio “O chamado do
Amor” no grupo CF
Nota. Por se tratar de um grupo privado, as autoras preferiram preservar o nome e
o endereço eletrônico do grupo CF. Fonte: Grupo CF, 12 de abril de 2022. (https://
www.facebook.com/).
Todos os visuais que foram tendência foram publicados em um
segundo momento (Figura 4). São destacados os “looks mais vistos” e
as peças em alta. Além disso, nessas tendências, normalmente existem
sugestões de peças de roupas CC OOS, que são peças de estações antigas.
Nos comentários das tendências, as administradoras também destacam
os tipos de maquiagens e cabelos mais indicados para o desafio, de
acordo com cada nível do jogo.
Esse mesmo processo seguiu-se para cada um dos desafios:
“Um amanhã”, destacou a personagem Sethe, do livro “Amada” (Toni
Morrison), “Reescrevendo as regras”, referenciou Katniss Everdeen,
da saga “Jogos Vorazes” (Suzanne Collins); “Longe de Casa”, trouxe a
personagem Dorothy, de O “Mágico de Oz” (L. Frank Baum); “Dinheiro
e Matrimônio” destacou uma personagem não identificada; “Histórias
sentimentais” se referiu a Jo March, personagem do livro “Mulherzinhas”
86
(Louisa May Alcott); e “Doce e Amargo” trouxe Arwen, personagem
do livro “O Senhor dos Anéis” (J. R. R. Tolkien). Todas as personagens
foram identificadas pelos próprios membros do grupo, pois o jogo não
deixou claro quem era cada uma delas.
Figura 4
Publicação das tendências para o desafio “O chamado
do Amor” no grupo CF
Nota. Por se tratar de um grupo privado, as autoras preferiram preservar o nome e
o endereço eletrônico do grupo CF. Fonte: Grupo CF, 12 de abril de 2022. (https://
www.facebook.com/).
Além disso, houve uma publicação que buscava explicar um
pouco mais sobre as personagens e os livros dos desafios. Essa é
uma prática recorrente do grupo. Porém, nessa série em específico,
foram elaborados conteúdos apenas do primeiro e do segundo desafio.
P.C., autora do post, destacou que ele foi criado a partir da solicitação
de uma das integrantes.
Dessa forma, percebemos que os integrantes do grupo CF adquiriram competências transmidiáticas relacionadas à produção, o consumo
e a pós-produção de mídia. Assim, como já foi comentado, iremos agora
87
analisar essas competências a partir de 3 das 9 dimensões propostas por
Scolari: Gestão de conteúdo, Mídia e Tecnologia e Narrativa e Estética.
Figura 5
Publicação sobre os desafios 1 e 2 no grupo CF
Nota. Por se tratar de um grupo privado, as autoras preferiram preservar o nome e
o endereço eletrônico do grupo CF. Fonte: Grupo CF, 12 de abril de 2022. (https://
www.facebook.com/).
A dimensão Gestão de conteúdo é subdividida em três capacidades principais: Pesquisar, selecionar e descarregar; Gerir arquivos de
conteúdos; e Gerir a partilha e a disseminação de conteúdos. Devemos
observar como os integrantes do grupo administram o conteúdo ali
compartilhado, individualmente e em grupo.
O que percebemos é que as administradoras e moderadoras,
pois são todas mulheres, possuem um papel fundamental e desenvolvem essa capacidade de uma forma contínua. Primeiramente, em
todos os desafios, elas olham cada uma das dolls compartilhadas pelos
integrantes e decidem quais delas são as que mais se aproximam de ser
uma “tendência”. A partir disso, selecionam as bonecas escolhidas e
88
as compartilham com os usuários, através da construção de uma nova
imagem gráfica, fechando um ciclo.
Observamos que é necessário que as administradoras tenham
um olhar crítico sobre qual visual se aproxima mais do ideal desejado
pelo jogo. Já os outros integrantes copiam ou se inspiram nesses visuais
para criar suas dolls, necessitando também de uma consciência crítica
sobre o que é necessário ou não seguir. Como todas as peças do jogo
são compradas por cash ou diamante, às vezes é necessário adaptar o
visual da doll para uma versão mais simples e diferenciada. Nesse processo ocorre não só uma pesquisa e seleção de conteúdo, como também
a necessidade desses prosumers gerirem arquivos e utilizarem, no
mínimo, duas plataformas (o aplicativo Covet Fashion e o Facebook)
para se comunicarem. Eles necessitam capturar a tela do celular, em
que está a imagem da doll, e colar nos comentários da postagem, no
Facebook. Já as administradoras e moderadoras, 10 no total, irão utilizar
uma terceira ferramenta para construir a imagem gráfica das tendências
(Figura 4). Elas compartilham a função, sendo os designs construídos
por diferentes membros.
Além disso, na publicação sobre os desafios 1 e 2 (Figura 5) fica
claro que existe uma busca da comunidade por conteúdos mais completos e aprofundados sobre as personagens principais. Ali, P.C. (2022)
disserta mais sobre os livros, destaca curiosidades e ainda convida os
integrantes do grupo a compartilharem suas opiniões nos comentários:
Uma nova série está entre nós, trazendo à luz livros e personagens
icônicos da literatura. A sonhadora D.A deu a ideia e a gente não
resistiu de falar um pouquinho mais sobre essas inspirações. Vem
com a gente! Jane Eyre é, junto de Orgulho e Preconceito, de Jane
Austen, um dos romances mais famosos do mundo. Você já leu
89
algum deles? Gosta desse estilo de leitura? [...] E ai, sonhadores,
o que acharam das escolhas da Dona Covet? Confesso que estou
impactada e já aumentando a minha lista de livros para ler. Conta
aqui para gente que livros você gostaria de ver homenageados
na série, se já leu Jane Eyre e Beloved... vem bater um papo!
Vemos assim como, primeiramente, é destacado que a ideia
de criar o conteúdo foi de outra integrante do grupo. Além disso, P.C.
convida os outros usuários a compartilharem suas opiniões acerca do
jogo e, principalmente, dos livros. Dessarte, a comunidade administra
a partilha e a disseminação dos conteúdos. Porém, como a maior parte
fica nas mãos das administradoras e moderadoras, são elas que possuem
a função de liderar e coordenar, chamando os outros integrantes para a
ação: comentar e compartilhar, principalmente.
A segunda dimensão que iremos analisar é Mídia e Tecnologia,
com as capacidades: Reconhecer e descrever; Comparar; Avaliar e
refletir; e Tomar decisões e aplicá-las. Aqui, devemos perceber como os
integrantes da comunidade Covet interagem com as tecnologias e com as
mídias que entram em contato. Percebemos que os integrantes do grupo
CF possuem uma capacidade crítica ao reconhecer que o jogo Covet
Fashion é um game tendencioso, necessitando, assim, que os jogadores
criem dolls específicas para ter uma boa pontuação. Assim, através
de estratégias informais, foram capazes de criar um sistema próprio,
utilizando diferentes aparatos tecnológicos, para desenvolver as dolls
que são tendências e compartilhá-las. Os indivíduos souberam, desta
maneira, desenvolver um sistema próprio, avaliando e refletindo sobre
as regras do jogo, e aplicá-lo. Todavia, para isso, necessitam da participação de todos. Inclusive, em outros desafios, percebemos a utilização
90
das dolls trolls. Quando os jogadores não se sentem confortáveis com
determinadas regras do jogo, elas elaboram bonecas com tom de chacota
e zombaria (Reis, 2021).
Já dentro do jogo, os usuários devem ser capazes de compreender
qual as necessidades de cada desafio e, no grupo do Facebook, compartilham suas decisões com os demais. Percebemos que os participantes
conseguem reconhecer quais são os objetivos do jogo e descrever para
os demais integrantes quais devem ser os passos a se seguir, tendo como
o celular o principal meio para isso, já que o jogo de desenrola ali.
Interessante ressaltar que não percebemos nenhum tipo de comparação
entre esse e outros jogos.
Um ponto importante também é como as administradoras e
mediadoras são capazes de utilizar programas de edição para desenvolver
as artes gráficas compartilhadas. Se na primeira publicação sobre cada
desafio (Figura 3) é elaborada apenas uma captura de tela do celular,
na segunda publicação (Figura 4), existe a construção de uma imagem
formada a partir das bonecas escolhidas. Na Figura 5, também percebemos como programas de edição são utilizados para a construção das
imagens. É desenvolvida assim uma capacidade no âmbito técnico.
A terceira dimensão é “Narrativa e estética”, com as competências: Interpretar; Reconhecer e Descrever; Comparar; Avaliar e
Refletir; e Tomar decisões e aplicá-las. Nesse quesito, percebemos que
os jogadores possuem a capacidade de interpretar as necessidades do
jogo, no quesito peças de roupa, acessórios e opções estéticas de pele,
cabelo e maquiagem. Inclusive, na arte que desenvolvem, descrevem
detalhes que podem ajudar os outros usuários, como as peças mais utilizadas pela comunidade. Também fica nítido como, dentro do grupo,
91
a comparação é requisito fundamental para que sejam escolhidas quais
dolls são as tendências e quais não são. Essa análise vem das próprias
administradoras. A avaliação e a reflexão sobre as dolls ficam a cargo
delas, que possuem o poder de tomar a decisão de quais bonecas devem
ser escolhidas e montam a imagem para o compartilhamento.
Destaca-se aqui que, durante o desafio “Heroínas Literárias”, o
jogo Covet Fashion não divulgou quais eram as personagens de cada
desafio. As jogadoras tiveram que reconhecer a identidade dessas protagonistas, discutindo durante as postagens que eram compartilhadas
pelas administradoras. Assim, a partir da sinopse criada pelo jogo, elas
chegaram a uma conclusão. No primeiro desafio, por exemplo, tivemos
a seguinte sinopse:
Ela não conseguia explicar, mas ao ouvir a voz dele chamando
seu nome de longe, teve que voltar para a mansão. Não era a
primeira vez que tinha corrido para ajudar seu mestre melancólico,
mesmo depois que sua proposta desastrosa a fez querer buscar
uma vida melhor em outro lugar, e o amor em seu coração lhe
dizia que seria a última. Produza um visual vitoriano para uma
jovem seguindo seus sentimentos. (Crowdstar Inc, 2022)
Foi a partir dela e das peças de roupa solicitadas pelo jogo que
os integrantes chegaram à conclusão de que se tratava de Jane Eyre.
Assim, a narrativa se iniciou no game, mas foi ampliada no grupo, com
discussões dos livros nos comentários. De todos os 7 desafios, apenas
um, “Dinheiro e Matrimônio”, não teve a personagem identificada.
Importante ressaltar também que existiu apenas um post aprofundando
os conteúdos. Os desafios de 3 a 7 não tiveram posts específicos para
aprofundar na temática dos livros.
92
Considerações Finais
O Covet Fashion é um jogo que exige que seus participantes
criem comunidades, discutam e produzam colaborativamente dentro do
jogo. Porém, percebemos que os jogadores extrapolam esse ambiente
e se fazem presentes em outras plataformas. Mais do que isso, eles são
capazes de refletir e criar conjuntamente estratégias para evoluir no game.
Observamos durante nossa análise que os jogadores desenvolveram um método próprio para que pudessem compartilhar experiências
e vivências no jogo. No grupo CF, eles podem expressar todos os seus
sentimentos, ansiedades e frustrações com o jogo. Assim, fica evidente
quais são suas estratégias informais de aprendizagem;
Eles aprendem fazendo, pois experimentam dentro do jogo e,
a cada nível que alcançam, compreendem mais sobre as exigências
dos desafios. Além disso, no grupo CF no Facebook, aprendem a se
relacionar com outros jogadores, a utilizar técnicas de design e a buscar informações mais profundas sobre o conteúdo do Covet Fashion.
Com isso, são capazes de resolver os problemas estipulados pelo jogo.
Ressaltamos que a estratégia de “imitar/simular” é a mais
importante para esses jogadores, afinal, a comunidade toda se envolve
em um processo de copiar ou se inspirar em outras bonecas. E o mais
interessante é que toda a movimentação ocorre a partir do desejo e
vontade dos participantes, que querem compartilhar suas experiências,
e oferecem seu tempo e suas habilidades para fortalecer a comunidade.
Observamos também táticas de avaliação e ensino, onde são as
moderadoras que desempenham o papel de definir as melhores dolls e
ensinarem as outras jogadoras quais seriam os melhores visuais. Assim,
verificamos que são diversas habilidades desenvolvidas pelos jogadores
93
para simplesmente jogar o Covet Fashion. Uma comunidade é criada
e desempenha papel central para que as jogadoras possam continuar a
utilizar o game.
Referências
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https://play.google.com/store/apps/details?id=com.crowdstar.
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Grande do Sul]. https://bit.ly/3Cuj5nu
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articulada de dimensões e indicadores. Lumina, 9(1). https://
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valor e significado por meio da mídia propagável. Editora Aleph.
94
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Scolari, C. A. (2018). Literacia transmedia na nova ecologia mediática
— Livro branco. Projeto Transmedia Literacy: European Comission.
Reis, S. A. (2021). Moda, Política e Cultura de Participação: o 7
de Setembro no Covet Fashion. COMUNICAR: Popularizando
a Literacia Midiática. https://medium.com/cultura-digitalcompet%C3%AAncia-midi%C3%A1tica/moda-pol%C3%ADticae-cultura-de-participa%C3%A7%C3%A3o-o-7-de-setembro-nocovet-fashion-1d0f46b19fc5
95
ANÁLISIS DE “BARNACAS:
UN PROYECTO EN EVOLUCIÓN”
José L. Vulcano1
El objeto de análisis de éste trabajo es, en palabras de su autor
el realizador Oscar Dhooge, “un proyecto documental en progreso que
intenta visualizar y reflexionar acerca de la Barcelona preolímpica, una
época de postguerra, hambre, represión política y migración” (Moreno,
2018), buceando en la historia de miles de españoles (en su mayoría
aragoneses, gallegos y andaluces) que llegaron en esa época a Barcelona,
mientras dejaban atrás miserias y persecución política para comenzar
una vida dura con la esperanza de construirse un futuro mejor.
El proyecto, cuyo nombre surge de la fusión de las palabras
Barcelona y Barracas, está en su tercera etapa de realización. La primera
“Huellas en la memoria y paisajes editados”, es un audiovisual donde
1.
Licenciado en Comunicación Social, Maestrando en Maestría en Comunicación
Digital Interactiva (UNR), Profesor Facultad de Ciencias Sociales UNICEN
(Arg.).
[email protected]
96
Dhooge recopila el testimonio de tres mujeres barraquistas de la primera
época que accedieron a narrar su historia en el lugar.
La segunda etapa “Barnacas II: Francisco Alegre” suma al equipo
de trabajo al periodista Jesús Martínez y hace foco en los hijos de los
barraquistas, quienes crecieron en ese lugar, vivieron la transición política y la democracia española y asistieron al derribo de ese barrio previo
a los Juegos Olímpicos del ’92. Según Dhooge esta parte del proyecto
generó un “formato mucho más expansivo e inmersivo” (Moreno, 2018).
La tercera etapa que está en desarrollo intentará establecer un
paralelismo entre la Guerra Civil Española y la actual Guerra de Siria
para contraponer las experiencias de dos generaciones de migrantes
que dejaron su hogar tras la destrucción de una guerra y arriban a
Barcelona para forjar un nuevo futuro, con una diferencia entre ellas
de ochenta años.
Figura 1
Imágenes del webdoc Barnacas II: Francisco Alegre
Dhooge (2017).
97
Ser o No Ser Transmedia
Henry Jenkins (2009) define a la narrativa transmedia como
aquella que se desarrolla mediante múltiples soportes mediáticos, donde
en cada uno de ellos, a partir de su propia especificidad, genera un texto
diferente que colabora en la construcción del todo.
Si nos ceñimos a esta definición, el proyecto Barnacas aparece
a priori como un proyecto transmedia, ya que al primer documental
audiovisual sobre la historia de los primeros barraquistas, sobrevinieron
un libro impreso, con algunas historias narradas mediantes textos escritos
y fotografías en blanco y negro, un webdoc definido como “una herramienta para navegar y sumergirse de forma interactiva en la memoria
barraquista” (“Documental Interactivo”, s.f.) que incluye un Fórum
participativo con canales en Facebook, You Tube, Instagram y Vimeo,
e instancias de actividades presenciales como charlas, exposiciones
y recorridos explicativos en el sitio donde se levantaban las barracas.
La realización del proyecto en etapas que se van nutriendo de
personajes que dan su punto de vista sobre las historias vividas en las
diferentes épocas se corresponde con una de las características distintivas de la narración transmedia señalada por C. Scolari (2013), la
expansión del relato a través de la incorporación de “nuevos personajes
y situaciones” (Scolari, 2013, p. 25).
D. Reno y J. Flores (2012), observan que para desarrollar una
narrativa transmedia es fundamental la difusión del contenido del
proyecto por redes sociales para abrir la puerta a la interactividad que
permite la participación del público en la producción de ese contenido.
Multiplicidad de plataformas, expansión del relato, interactividad,
participación del público a través de redes sociales y otras formas de
98
interactividad, son algunas de las características que definen entonces
a la narrativa transmedia, que le permiten como señalan D. Reno y
S. Ruiz (2012) la:
posibilidad de ir más allá de la simple reconstrucción de los
acontecimientos, teniendo en cuenta que evidencia el proceso mismo
del acontecer de la realidad y sus transformaciones; o sea, ella misma
al producirse va cambiando, moviéndose y transformándose por sus
múltiples autores, desde múltiples momentos y múltiples plataformas.
Así pues, un mensaje transmedia no termina como tal: se transforma y
se mantiene en potencia de continuar transformándose. (Renó & Ruiz,
2012, p. 56)
A partir del análisis del Proyecto Barnacas y su identificación
previa como transmedia, este trabajo indaga en sus características para
tratar de precisar si esa definición previa se ajusta a las características
de un concepto tan abierto como es el de narrativas transmedia.
El Proyecto
La Barcelona actual, pujante y cosmopolita, tiene historias relativamente recientes que se han ido perdiendo en la memoria colectiva.
Una de ellas es la que este proyecto se propone rescatar, la historia de
quienes llegaron en un tiempo de pobreza y opresión política desde otros
lugares de España, a construir con su esfuerzo y trabajo la Barcelona
actual, que, entre otras características, es uno de los principales destinos
turísticos de Europa.
Precisamente, en alguno de los lugares donde los turistas pasean
con sus instrumentos tecnológicos registrando su estadía en el lugar con
unas vistas desde miradores que dan cuenta de la extensión de la ciudad,
99
fueron ocupados por esos trabajadores migrantes que desarrollaron allí
sus sueños y familias durante unas tres décadas, hasta que sus pugnas
por obtener viviendas dignas dieron como resultado su traslado a edificaciones que dieron nueva formas a la ciudad en el marco de lo que
serían los Juegos Olímpicos del año’92. Algunas de esas familias, se
calcula que vivieron allí unas 3000 personas, se trasladaron a edificios
construidos en las cercanías de las barracas y otras se fueron a diferentes
barrios dejando atrás definitivamente esa etapa de sus vidas. En tanto
las viviendas que habían levantado sobre las laderas del monte fueron
arrasadas por las máquinas que dejaron el espacio como un parque de
paseo, el Parc de Guinardó.
El autor del proyecto se plantea recuperar esa historia perdida
en los vericuetos que hoy transita la moderna Barcelona mediante una
realización transmedial que propone una inmersión a través de diferentes
plataformas complementarias:
-
Audiovisual: “Huellas en la memoria y paisajes editados”.
-
Libro: “Hijos de la Barracas” publicado por Ediciones Carena.
-
-
-
-
Webdoc: página web interactiva que incluye apps para celular
y Tablet e incluye un Forum participativo.
Exposiciones: en un formato de instalación contemporánea
que incluyen fotografía, proyecciones de video, inmersiones
con multimedia.
Actividades: visitas guiadas a Francisco Alegre, charlas en
Facultades de Sociología, presentaciones en bibliotecas y
centros cívicos, talleres de fotografía participativa y cápsulas de aprendizaje y servicio para escuelas, centros cívicos.
Redes Sociales: cuentas de Facebook, Instagram, You Tube
y Tweeter donde los usuarios pueden participar activamente
100
en el proceso de construcción del proyecto mediante comentarios y aportes de nuevos contenidos.
Esta multiplicidad de plataformas convergen en el sentido que
señala Jenkins (2009), no en el reemplazo de unos medios por otros,
sino en la complementariedad e interacción entre “viejos” y “nuevos”
medios, así el uso de fotografías, videos, libro coexiste con el desarrollo
de web, apps, utilización de redes sociales.
Scolari (2013) plantea que al hablar de narrativas transmedia
hay que considerar que “cada medio hace un aporte a la construcción
del mundo narrativo; evidentemente, las aportaciones de cada medio o
plataforma de comunicación difieren entre sí. Tal como explica Jenkins,
en las NT cada medio «hace lo que mejor sabe hacer: una historia puede
ser introducida en un largometraje, expandirse en la televisión, novelas
y cómics, y este mundo puede ser explorado y vivido a través de un
videojuego” (Scolari, 2013, p. 24).
El proyecto Barnacas pensado como proyecto transmedia, sigue
esta premisa. El primer producto del proyecto es el audiovisual “Huellas
en la memoria y paisajes editados” donde se recobran los testimonios
de la primera generación de barraquistas, aquellos inmigrantes que
llegaron en busca de forjarse un futuro que no visualizaban en su lugar
de origen. El formato de audiovisual con imágenes fijas y audios en off
permite rescatar y reproducir el testimonio de estas personas quienes
según el autor Oscar Dhooge, al ser de una de edad avanzada, algunas
desconfiadas acerca del proyecto y otras que “ya no querían reabrir
el capítulo de aquella época, era demasiado duro” (Moreno, 2018).
La segunda etapa continúa con el libro “Hijos de la Barracas” y con los
101
videos de corta duración y complementarios entre sí, en donde aparecen
los relatos de quienes vivieron su niñez y adolescencia en las Barracas.
Esta generación tiene una mirada diferente a la de sus padres, el lugar
les remite a una época en donde forjaron su identidad se complementan
y enriquecen, aportando a la reconstrucción de lo que fue la vida en
ese lugar.
Estos videos son volcados en el webdoc que amplía los testimonios y los georeferencia en el territorio actual donde dan cuenta de
cada sector en que se desarrollaron las historias contadas.
La continuidad del proyecto se garantiza a través de las interacciones que se logran mediante las exposiciones, actividades presenciales y las redes sociales, aportando cada una de estas instancias a la
construcción del relato desde su propia especificidad.
Aquí podemos observar, también lo que Scolari (2013) señala
como uno de los rasgos distintivos de las Narrativas Transmedias: la
expansión del relato a través de la incorporación de nuevos personajes
y situaciones.
Por último la tercera etapa de producción está en marcha con
Barnacas III que nos vuelve a sumergir en historias fragmentadas
ensambladas por un nodo que las unifica. Dooghe señala que en esta
nueva etapa se procura “establecer un paralelismo entre dos guerras;
por un lado, la Guerra Civil española, y por el otro, la actual guerra de
Siria, que comenzó en el 2011. En ambos casos, migrantes que dejaron
su tierra como consecuencia de una (pos) guerra desoladora y llegaron
a Barcelona en busca de un futuro mejor, con una diferencia entre ellas
de ochenta años” (Moreno, 2018).
102
El trabajo en esta tercera parte consiste en una primera publicación en formato de crónica en papel de próxima aparición en la versión
digital en el Diari de Tarragona. Allí Jesús Martínez desarrolla “Historia
de un frigorífico, las guerras que se heredan” donde da cuenta la historia
de cuatro generaciones.
Figura 2
Imagen tapa del libro “Hijos de las Barracas”
(“Javier Valenzuela, Montse Morillas’, s.f.).
Un documental, “Invisibles, la peor crisis humana en Europa
desde la Segunda Guerra Mundial”, en el que Mohamad, Bakri, y Mireille
explican los diferentes puntos de vista de la guerra en Siria, y el radical
cambio de sus vidas que los lleva a Barcelona, y el Premio Nobel de la
Paz 2015 Ahmed Galai, describe la situación de la primavera Árabe y
los Derechos Humanos y la crisis humanitaria en Europa por el conflicto
en Siria. Invisibles se ha transformado en un “proyecto educativo de
innovación y transformación social para sensibilizar a la ciudadanía
sobre la peor crisis humanitaria desde la 2ª Guerra Mundial. Personas
103
refugiadas, asiladas, expatriadas, deportadas o inmigradas, y especialistas que trabajan para favorecer su llegada e integración en la sociedad
catalana, cuentan sus experiencias desde Barcelona en la sociedad
catalana, cuentan sus experiencias desde Barcelona” (Invisibles, s.f.).
Este documental tendrá una segunda etapa “con rodaje en Francia y
Alemania que se encuentra en fase de pre-producción y captación de
fondos” (Moreno, 2018).
De Multimedia a Transmedia
El nodo central de la propuesta de Barnacas se encuentra en el
webdoc, donde asistimos a la construcción de una narración que se va
configurando mediante videos de corta duración y da forma a diversas
historias pasadas, presentes y futuras. Allí se incluyen también, hipertextos, imágenes fijas, voces en off, mapeo de la zona, referencias
históricas y geográficas, que permiten acceder a otras instancias del
relato, aunque sin ningún orden preestablecido.
Lovato al respecto precisa que:
hipertextualidad y montaje multicapas son, entonces, condiciones
particulares de los Documentales Multimedia Interactivos
(DMI), donde es preciso, además, focalizar la producción en
usabilidad de las piezas. La navegación hipertextual permite
una composición abierta, que no acaba en el producto puesto
en línea, sino que se reinicia en cada nuevo recorrido, en cada
nueva lectura, en cada nueva interacción. (Lovato 2014, p. 55)
En un Documental Multimedial Interactivo mediante una narración donde la hipertextualidad y los montajes multicapas van dando
forma a diversos recorridos donde las memorias de los antiguos niños
104
de las barracas se encuentran con la actualidad de la zona, Dhooge propone la generación de lecturas y recorridos propios de quienes acceden
al mundo de Barnacas.
Como señala Lovato (2014) a partir de que los Documentales
Multimediales Interactivos permiten a sus consumidores recorrer el espacio narrativo creado por el autor, este debe preguntarse “qué elementos
vamos a acercarle a nuestros usuarios para explorar, de qué modo construiremos y haremos visible el contexto de nuestras historias”(Lovato,
2014, pp. 55-56). Lo que lleva a que el momento de la producción se
convierta en la instancia donde se definen que medios se van a utilizar
para cada instancia de la narración para permitir que el usuario pueda
tener una experiencia inmersiva.
En este sentido Ruiz (2014) pone de relieve que el paso del
sistema analógico al digital permite romper con secuenciación lineal
donde las partes se ubican una detrás de otra siguiendo un orden espacial
o temporal, multiplicando “a gran escala las formas de presentación,
representación y expresión” (Ruiz, 2014, p. 100), donde cada segmento
se vuelve autónomo y tiene la posibilidad de combinarse de variadas
formas y numerosas veces
Justamente esta naturaleza de lo digital es lo que ha permitido
el desarrollo de diferentes narrativas que mudan de unas a otras,
de unos formatos a otros, de unas plataformas a otras de manera
rápida y sencilla. Si antes teníamos un catalejo para mirar una
sola realidad al fondo, ahora tenemos un caleidoscopio de muchos
espejos. (Ruiz, 2014, p. 100)
Espejos que son construidos mediante lo hipertextual y lo hipermedial, entendiendo “hipertexto como un ambiente de lectura no lineal
105
que ofrece al usuario la posibilidad de crear sus caminos de arquitectura
de lectura” (Renó & Flores, 2012, p. 46) e hipermedia como un espacio
donde lo hipertextual “reúne una diversidad de informaciones multimediáticas (foto, audio, video, animación, infográfico, etc.) además del
texto, proporcionando al receptor/usuario la posibilidad de escoger sus
propios caminos narrativos) (Renó & Flores, 2012, p. 46).
Así quienes acceden a Barnacas pueden mediante estos dos
procesos interactivos, hipertexto e hipermedia, escoger “sus caminos
para obtener sus nuevas experiencias de acuerdo con sus necesidades
de información” (Renó & Flores, 2012, p. 46). Y esos caminos se
multiplican por ejemplo reuniendo a quienes vivieron su niñez en el
lugar y luego de separarse al salir de las Barracas volver a retomar la
relación perdida; conocer la historia de un espacio y tiempo olvidado
para las nuevas generaciones; vincular historias de guerra pasadas y
actuales. Todas expansiones del relato que permite la construcción de
nuevas historias.
De esta manera la propuesta adquiere las características clásicas
del documental audiovisual que narra “sobre acontecimientos reales,
desde una perspectiva social, a veces de denuncia, pero siempre intentando conocer de cerca los personajes y la realidad que los circunda”
(Lovato, 2014, p. 54).
Dooghe acepta el desafío de no preocuparse por perder la condición de dueño de la obra y de dar cabida a la conformación de un
relato polifónico donde “pueden hacer sonar varias voces en simultáneo,
mostrar diferentes aristas de los hechos y expandir las posibilidades del
sentido” (Lovato, 2014, p. 55).
106
A partir de una construcción narrativa donde convergen diversos medios donde los relatos son capturados por audiencias que dan su
propio sentido a lo narrado, generando a su vez nuevas propuestas en
la trama, haciendo que los contenidos se “expandan, retroalimenten y
circulen en múltiples plataformas” (Irigaray, 2014, p. 115) señala que
la narrativa se convierte en transmedial.
La transmedialidad finalmente se concreta mediante la interactividad al expandir la narración con las miradas del público rediseñando,
como plantea Gifreu (2011), “las experiencias documentales fuera del
contexto de la película tradicional” (Gifreu, 2011, pár. 4).
Gosciola, caracteriza a la narrativa transmedia como aquella
que tiene forma de estructura narrativa y contiene una gran historia
comunicada en fragmentos que llegan en diversas plataformas mediáticas que permiten su expansión y circulación por redes sociales y por
ende su viralización a través de dispositivos móviles (Renó & Flores,
2012, p. 64).
Para Irigaray (2014), además, lo transmedial permite que más allá
de lo virtual, lo territorial puede dar paso a una construcción narrativa
donde los espacios urbanos ocupen un espacio en este montaje: “Pensar
a la ciudad como una plataforma narrativa transversal implica construir
la historia en una territorialidad expandida. Múltiples lenguajes, soportes, dispositivos y géneros son puestos al servicio de un ecosistema de
relatos convergentes” (Irigaray, 2014, p. 116).
En este formato el relato se desarrolla retroalimentándose a través
de la circulación en diversas plataformas que le dan a la narrativa su
carácter transmedial en la que se “asume lo territorial como instancia
posible para narrar, más allá de los entornos virtuales. Los espacios
107
urbanos pueden ofrecerse como parte de una gran plataforma narrativa”
(Irigaray. 2014, p. 115)
En este sentido se analiza como el proyecto Barnacas permite
al usuario realizar su recorrido desde lo territorial, lo imagético, lo
audiovisual y lo participativo atravesando las diversas dimensiones que
Irigaray (2014, p. 116) identifica como coexistentes en el ecosistema
de medios:
-
-
-
-
-
-
-
Hipertextualidad, “entendida como la capacidad de hacer
conexiones entre nodos de información a través de enlaces”;
Multimedialidad, “como la posibilidad de que esos nodos
de información sean de características diferentes”;
Interactividad, “como la capacidad del usuario para interactuar con el contenido”;
Audiovisualidad, “característica creciente de contenidos que
integran e interrelacionan plenamente lo auditivo y lo visual
para producir un relato”;
Documentalidad, “como contribución sustantiva en la aportación de información como fuente”;
Georeferenciabilidad, “como posibilidad de posicionamiento
con el que se define la localización de un objeto o un sujeto
en la representación cartográfica”;
Adicionalidad, “como dimensión que sobreimprime capas
de información virtual a la información física ya existente
(Realidad Aumentada) y la adaptabilidad como la capacidad
de adecuación a un entorno”.
Estas características como señala Renó aparecen con mayor
penetración en el desarrollo de contenidos publicitarios y ficcionales
“pero son pocos los ejemplos de documentales sobre eso, aunque existan
108
intentos académicos y de mercado para desarrollar algunos productos”
(Renó, 2014, p. 135).
Figura 3
Imágen del webdoc Barnacas II: Francisco Alegre
Dhooge (2007).
El aporte de Dooghe es entonces un aporte a la consolidación
del género de documental transmedia, “una forma de orientar a nuevos
estudios y producciones para que tengamos, en algún tiempo, nuevos
formatos transmedia para obtener una narrativa documental” (Renó,
2014, p. 144).
Un género que permite en este nuevo ecosistema a D. Reno
y J. Flores (2012) identificar a un nuevo actor que surge a partir de
quienes dejan de ser sólo fuentes para el periodismo y, producto de
su publicaciones en redes sociales realizan con sus propias reglas la
circulación de la información que producen, dejando a los periodistas
“la posibilidad de hacer los reportajes, con más profundidad en el tema,
109
con más técnica y tiempo para hacer mejor lo que históricamente ha
hecho siempre: contar historias” (Renó & Flores, p. 68).
Precisamente es este el singular logro de Dogghe, recuperar
una historia que estaba olvidada, profundizarla y darle nueva vida a
través de la propuesta de expandir el relato mediante la participación
de quienes se sienten involucrados en ella por haber sido parte ayer, o
por su relación actual.
Siguiendo lo que plantea Lovato (2014, p. 54), Dogghe da cuenta
en su trabajo de un suceso real al que recrea desde una perspectiva
social poniendo en escena un recorte de la realidad y los personajes
que la integran.
En este sentido Gifreu (2011) plantea que:
Se puede afirmar que estas experiencias son documentales
en el sentido que proporcionan información y conocimiento
sobre temas y sujetos de la vida real, pero, a diferencia de los
documentales tradicionales, estos nuevos documentales permiten
a los usuarios tener una experiencia única, ofreciéndoles opciones
y control sobre el mismo. (Gifreu, 2011, pár. 4)
Conclusiones
Recuperar la memoria de los pioneros que construyeron el lugar
y sus luchas para salir de él en busca de una mejor calidad de vida;
recobrar la historia de quienes crecieron allí con privaciones, pero con
el recuerdo de una infancia y adolescencia feliz; Barnacas posiblita
viajar a través de diferentes capas narrativas que se suceden en diversas
plataformas, formatos y lenguajes en un relato donde el pasado vuelve
a ocupar un espacio en el presente.
110
Un presente que recupera para la memoria colectiva un espacio que había sido olvidado y que en la expansión de su construcción
transmedial comienza a ser recuperado por sus habitantes originales,
pero también por los actuales vecinos de la zona, los turistas y, fundamentalmente las nuevas generaciones de barceloneses que incorporan
a su bajage identitario una historia que se había perdido.
Como señala Giffreu (2011), “La narración no lineal (equiparable para un autor a la pérdida del control discursivo), es vista como un
problema en el mundo del documental tradicional, pero en este nuevo
género se considera una gran oportunidad”. Oportunidad que O. Dogghe
aprovecha para la concreción de un proyecto que, si se narrara sólo bajo
la mirada del autor, perdería la profundidad que las diversas miradas
que van sucediendo dan a la historia.
La propuesta de Barnacas atiende el reto que para los productores de documentales plantea el nuevo ecosistema mediático: “juntar
en un único plot narrativo, además de diversas posibilidades narrativas,
innumerables historias reales, independientes entre sí, en plataformas
distintas (geográficas o de lenguaje, como defiende Jenkins) y producidas también por y para dispositivos móviles.” (Renó, 2014, p. 135)
En este sentido se puede destacar “la expansión del relato a través
de la incorporación de nuevos personajes y situaciones” (Scolari, 2013,
p. 25) como característica central del relato multimedial. Esta expansión está prevista en la tercera etapa en desarrollo tiene como premisa
recuperar las experiencias de los migrantes que llegaron en los últimos
años a Barcelona dejando atrás sus vidas anteriores destruidas por la
Guerra Siria para trazar un paralelismo con los orígenes de las Barracas
pobladas por desplazados de la Guerra Civil Española. La concreción
111
de esta nueva capa supondrá un salto cualitativo en la construcción
transmedial pues disparará el nodo inicial a una nueva narración que
dará cuenta de un hecho que está en desarrollo.
Referencias
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Francisco Alegre, 41°25’ 03.6”N 2°09’54.5 [Cortometraje]. https://
oscardhooge.com/webdoc/
Documental Interactivo. (s.f.). Recueprado de http://oscardhooge.com/
webdoc/
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de los medios de comunicación. Paidós Ibérica.
Gifreu, A. (2011). El documental multimedia interactivo como discurso
de la no ficción interactiva. Por una propuesta de definición y
categorización del nuevo género emergente. Hipertext.net, 9. http://
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proyectos/transmedia
112
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oscardhooge.com/barnacas-transmedia-proyecto/hijos-de-lasbarracas/
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reinventar el periodismo digital. En. F. Irigaray & A. Lovato (Eds.),
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barnacas-un-proyecto-en-evolucion/
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Comunicación Transmedia. UNR Editora. Editorial de la Universidad
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y narrativa transmedia. Narrativas transmedia: Entre teorias y
prácticas.
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En. F. Irigaray & A. Lovato (Eds.), Hacia una Comunicación
Transmedia. UNR Editora. Editorial de la Universidad Nacional
de Rosario.
113
Scolari, C. (2013). Narrativa transmedia – donde todos los medios
cuentan. Deusdo.
114
“METEU ESSA?”: COOPERAÇÃO DE EMPRESAS
MIDIÁTICAS E A LIVE DO CASIMIRO
Antonio Hélio da Cunha Filho1
Raquel Assunção Oliveira2
O desenvolvimento das tecnologias permite a constante complexificação dos modelos de transmissão da informação. Por isso, fica
cada vez mais difícil investigar os meandros da circulação do conteúdo, especialmente com a imersão da sociedade no espectro digital.
Neste cenário, as interações no ecossistema midiático são sintomáticas
do recorte espaço-temporal no qual estão estabelecidas. Aliada a uma
experiência multiplataforma, essa relação começa a delimitar uma
interdependência comunicacional, permitindo a retroalimentação de
1.
2.
Mestrando no Programa de Pós-graduação em Estudos da Mídia (PPgEM) da
UFRN.
[email protected]
Mestre pelo Programa de Pós-graduação em Comunicação da UFPE. Doutoranda
no Programa de Pós-graduação em Estudos da Mídia (PPgEM) da UFRN.
[email protected]
115
conteúdos e linguagens. Nesse sentido, a refutação é vista como um
ruído que possibilita câmaras de ecos (Jamieson & Cappella, 2010).
Esses fatores transitam entre as várias faces da comunicação
digital, permitindo a criação de uma teia densa que ajuda a suportar as
estruturas midiático-capitalistas. Além de deflagrar um novo ecossistema, o cenário de capitalismo de plataformas (Figaro & Silva, 2020)
demonstra uma nova estratégia que o alinha ao mercado financeiro.
Além da interdependência midiática, há também uma relação íntima
entre o controle do capital econômico e o acionamento cotidiano das
tecnologias. Então, existe um tripé dominante: mídia, capitalismo e
desenvolvimento tecnológico (Morozov, 2018). A circulação do conteúdo
é posicionada entres essas unidades como um elemento central para a
manutenção do status quo, hierarquias e posições de poder. Logo, é
ilustrativo desse cenário a consolidação da relação entre os conglomerados tecno-midiáticos e a dependência do aparato digital.
Se em algum momento os conteúdos e as personalidades, que
estavam ligados a alguma empresa de mídia, eram restritos em sua
circulação midiática, atualmente o oposto acontece. A passagem por
diversas plataformas permite uma ampliação dos ganhos digitais, e
consequentemente o acúmulo de big data, aqui entendido como o grande
volume de dados coletados pelas empresas de tecnologia que sustentam
a dinâmica midiática e capitalista no ambiente digital (Oracle, 2022).
As empresas que dominam essa dinâmica são híbridos de mídia e
tecnologia, e globalmente esse controle se estabelece entre: Google,
Apple, Facebook (Meta), Amazon e Microsoft. Elas são as chamadas
Big Techs, grandes oligopólios digitais cujos modelos de negócios são
116
baseados na análise intensiva de dados fornecidos pelos usuários de
seus serviços (Morozov, 2018).
A expansão do big data é entendida por Manovich (2019) como
long data e/ou wide data, que representaria a vastidão a qual se espalha
os conteúdos e dados produzidos no ambiente digital. Para o autor, as
análises feitas sobre esses dados, seja em âmbito acadêmico ou em
alguma outra instância empresarial/mercadológica, não consegue abarcar
a capacidade massiva e constante de produção de dados nessas esferas.
O long data deflagra que o número de casos é muito maior do que os
analisados, já o wide data é a certeza da infinidade de possibilidades.
O objetivo da análise de wide data não será apenas descobrir
novas semelhanças, afinidades e clusters no universo dos artefatos
culturais, mas, antes de tudo, nos ajuda a questionar o nosso
senso comum das coisas, onde certas dimensões são dadas como
certas. (Manovich, 2019, p. 80)
A presente análise tenta, dentro dessa vastidão de casos, selecionar uma dentre essas várias possibilidades. A escolha de um caso
é entendida como um exemplo dessa relação que possa ser ilustrativo
para observar e fazer apontamentos a respeito de um comportamento
que se desdobra em momentos semelhantes. Com essa observação,
será possível buscar entender o que esbarra no cultural e no humano
nesses conteúdos digitais, e o que disso pode ser um espelho de práticas
sociais; construções de sentido e narrativas midiáticas. Além de uma
perspectiva tecnocentrada há ações coletivas orquestrada, influenciadas
(ou não) pelas demandas capitalistas e que posicionam um caminho
de circulação de conteúdo que difere dos estabelecidos pelas mídias
117
mais tradicionais e que são mutáveis, pois são fruto do seu ambiente
de origem, o digital.
É importante destacar que esse controle do big data – e consequentemente, o ordenamento do long data - ainda está sob o poder dessas
grandes empresas (big techs), mostrando um capitalismo multifacetado,
que é entendido por Zuboff (2018, p. 34) como o momento no qual “as
populações são as fontes das quais a extração de dados procede e os alvos
finais das ações que esses dados produzem”. Nesse espaço, algumas
linguagens têm se tornado mais adaptáveis ao ambiente, especialmente
as mais imediatistas, como as lives, que desmembram-se para outras
redes em vídeos mais curtos, sob o nome de “cortes”. Srnicek (2018)
posiciona essas linguagens, como são os cortes e lives, dentro do contexto
das Plataformas de Nuvens e de Serviços, por ele entendido enquanto
um tipo de repositório, um instrumento de armazenamento de conteúdos
de qualidade bibliotecária.
Todas essas empresas, além de uma relação íntima com o
desenvolvimento tecnológico, criaram (ou compraram) suas plataformas de mídias e serviços de comunicação (redes sociais, streamings,
plataformas de áudio, entre outros suportes). Pensando nisso, é possível
fazer um paralelo entre o crescimento e a consolidação das big techs
com as regras do capitalismo neoliberal (Pinheiro Kosteczka, 2021).
Além disso, foi estabelecida uma nova noção industrial na produção de
conteúdo que, massificada no contexto da comunicação digital, criou
tanto uma dependência no que toca à vida prática (desde um menu de
restaurante ao cadastro de um auxílio governamental), como também uma
dependência simbólica pelas redes sociais e plataformas de conteúdo.
118
Com esse panorama, é notável que esses grandes conglomerados
tecnológicos, armados de seus veículos de comunicação, disputam esse
espaço digital na perspectiva da manutenção de um status de poder.
A utilização de mídias próprias permite que a narrativa seja constatada
pela versão dessas empresas.
Este trabalho investiga como se estabelece a dinâmica entre essas
big techs, percebendo os fluxos de retroalimentação. Como hipótese, é
possível observar que elas fazem concessões de negócios entre si para
uma divisão controlada de poder no digital. Para tanto, a pesquisa,
explorando o Estudo de Caso (Yin, 2001) enquanto método, irá analisar
o caso da live do influenciador Casimiro Miguel, mais especificamente,
sua transmissão do primeiro capítulo da minissérie documental Neymar:
o caos perfeito da Netflix.
Centralidade no Comum: formatos comunicacionais e produtores
de conteúdo
Pensando na circulação de conteúdos comunicativos no espectro digital, em que a informação é colocada através de suas inúmeras
possibilidades dialógicas, é possível perceber essa dinâmica do modo
como entende o Fausto Neto (2010). A circulação de conteúdo, bem
como os posicionamentos das mídias, configuram-se em zonas pouco
delimitáveis entre a emissão e a recepção. Neste espaço, a informação
será reconfigurada, ampliada, recortada e, especialmente na hipermídia,
seu controle é parcialmente manipulado pelos algoritmos digitais, porém,
existem escapes em todos os processos comunicacionais, inclusive no
digital.
119
Tal cenário cria uma sensação de proximidade, tendo em vista
o deslocamento veloz dos papéis de consumidor e produtor de conteúdo. A circulação é feita em larga escala e, ao passo que é pensando
em números na casa dos milhões, seja de views, likes ou de inscritos,
também individualiza essa cultura da participação. Isso é primordial para
o novo processo de consumo e circulação dos conteúdos. Esse contexto
é pensado por Han (2018) como um enxame, um movimento agrupado,
mas não necessariamente coletivo, que atomiza os indivíduos, permitindo
uma maior facilidade no controle das suas produções, especialmente
pelos conglomerados tecno-midiáticos. Para o autor, “o enxame digital
não é nenhuma massa porque, nele, não habita nenhuma alma [Seele],
nenhum espírito [Geist]” (Han, 2018, p. 12). Pensando no objeto de
estudo, uma live online, fica clara a movimentação agrupada desses
espectadores, que através do capital da identificação, movem capitais
de outras natureza, como o financeiro, simbólico, cultural e estético.
Pensando quantitativamente, quando esses números são analisados, fica cada vez mais evidente esse afogamento em conteúdo
digital. Tomemos como exemplo o YouTube e a Twitch, esta última a
plataforma através da qual a live foi veiculada e a primeira (YouTube)
a rede na qual os cortes da live foram disponibilizados. Segundo a
pesquisa realizada pela Globo Media Insight (2022), a plataforma de
vídeos do Google tem 2,6 bilhões de usuários – equivalente a um quarto
da população mundial – com uma estimativa de mais de 1 bilhão de
horas assistidas diariamente por todo o mundo. Já a Twitch, plataforma
de lives da Amazon, conta com mais de 230 bilhões de horas assistidas
entre janeiro e fevereiro de 2022, segundo Artimos (2022), em análise
da pesquisa Betway Insiders.
120
Pensando sob a ótica dos ganhos para o espectro financeiro
e econômico observamos, a partir dos dados fornecidos pela própria
Amazon, que sua plataforma de lives lucrou, apenas em 2019, mais de
330 milhões de dólares (San, 2020). Já as informações fornecidas pela
Oxford Economic (Farias, 2021) mostram que o YouTube injetou no
PIB brasileiro mais de 3,4 bilhões de reais derivados de ações diretas
e indiretas da plataforma, gerando 122 mil empregos.
Ambas plataformas passam por um processo de retroalimentação,
sendo indissociáveis nas produções digitais de alguns nichos, como:
entretenimento, esportes, games e música. Essa relação de criação de
conteúdo e consumo massivo no ciberespaço desperta os modelos de
negócios das plataformas baseados no extrativismo de dados, monopolizando a atenção midiática e criando reconfigurações para uma imersão
que não possibilita a análise das relações concretas da realidade material
(Morozov, 2018).
Para Sibilia (2008), essas novas plataformas, bem como a possibilidade da espetacularização dos sujeitos produtores/consumidores,
permitem uma dinâmica por meio da qual o privado torna-se público,
facilitando um maior engajamento com o público através da identificação. A autora comenta que:
É preciso espetacularizar a própria personalidade com
estratégias performáticas e adereços técnicos, recorrendo a
métodos compatíveis aos de uma grife pessoal que deve ser
bem posicionada no mercado. Pois a imagem de cada um é
a sua própria marca, um capital tão valioso que é necessário
cuidá-lo e cultivá-lo a fim de encarnar um personagem atraente
no competitivo mercado dos olhares. (Sibilia, 2008, p. 255)
121
Sibilia (2008) aponta que a internet tornou-se um campo de
experimentação de diversos formatos e possibilidades, uma espécie de
laboratório que modifica e expande formatos comunicacionais, além de
permitir um espaço (relativamente) mais democrático e plural. Existe aí
um processo também de adesão através da identificação – essa última
uma palavra primordial para a projeção e a continuação dos/as usuários/as nesses espaços digitais. Ao passo que pode trazer uma projeção
importante de subjetividades, até como um processo de validação de
grupos, em muitos momentos marginalizados, o digital pode tender
também para uma dinâmica que reduz alguns discursos e permite, sem
muito controle, visões distorcidas e que podem ferir, por exemplo,
relações de direitos humanos e o espírito democrático. Apesar dessa
possível dualidade, esse cenário de evolução do digital é pensado como
esse momento de palco para o comum (Sodé, 2014).
Nessa projeção do “comum” é interessante pensar nas diferentes
abordagens acerca do termo, já que sua utilização pode gerar múltiplas
interpretações. Muitas vezes o comum é entendido como o que é banal
e sem importância ou é tido como os bens de consumo (água, ar, etc.),
ou até mesmo a linguagem e os espaços cotidianos de convívio coletivo.
Mas a palavra pode ser expandida a uma ação, ou uma interação entre
os indivíduos, uma espécie de resultado do processo de comunicação
em coletividade. Ainda de acordo com Muniz Sodré (2014, p. 197):
O comum cotidiano é um universal, não no sentido filosófico e
forte de uma prescrição racional e abstrata, mas de uma concreção
(assim como a diversidade humana é um universal concreto)
inerente ao ser-com, ao estar-junto: o comum induz universalmente
ao diálogo e à ação, que são momentos estruturais, espontâneos
e necessários da “arte” humana e diversa de comunicar-se, isto
122
é, de realizar a linguagem, pondo em comum as diferenças e
abrindo-se para a transcendência – a ação recíproca entre o
particular e um fundamento externo, capaz de legitimar em
termos universais o grupo humano específico.
Tal noção do comum como algo que tem um papel de validação
nas relações é primordial para o cenário hipermediado. A conexão pela
linguagem é um dos elementos que possibilita uma maior percepção
do outro, como também o aprofundamento no processo de identificação. Porém, o comum permite que outras questões sejam acionadas,
especialmente ao investigarmos estéticas e formatos de conteúdo
comunicacionais. Afinal, não são todas as possibilidades de se expor no
ambiente digital que terão essa presença do amador nas relações, mas esse
contexto que expõe o íntimo automaticamente coloca em protagonismo
o “ordinário”, modificando assim os formatos tradicionais. Inclusive,
na busca de copiá-los, é criado o protótipo de formato que tem fontes
na mistura do tradicional com o digital (Leite, 2019). Entretanto, essa
estética, apesar de pouca complexificação da sua produção, facilita a
continuidade desses processos, e é precisamente pela continuidade de
suas transmissões que será possível desdobrar e continuar esse modo
de produção, solidificando-o como um tipo de comunicação possível
e efetiva.
Outro acionamento, além do estético, é a relevância do que
se pensa sobre o termo influenciadores digitais. Karhawi (2021, p. 5)
entende esses indivíduos no espaço digital como “sujeitos que constroem
relações de confiança que resultam de vínculos construídos na rede por
meio de estratégias de relacionamento”. Essas estratégias são muitas
não são inteligíveis, acontecendo muito pela manutenção de um modo
123
de produção que baseia o comum como arcabouço de engajamento do
que estratégias programáticas de criar esse cenário. O comum, nesses
aspectos, tem um valor de organicidade e espontaneidade, características
fundantes dos conteúdos oriundos dos ambientes da internet, e que se
tornam um paradigma também de identificação.
Pela potência da identificação, e pelos inúmeros acionamentos
permitidos com a transmissão desses conteúdos criados pelos influenciadores digitais, neste trabalho posicionamos a live do Casimiro como
objeto central a live, pois entende que ele é um desses formatos através dos quais são operadas mudanças culturais (projeção do eu e do
comum), estéticas (o amador como central) e econômicas (big techs e
seus ganhos financeiros).
“Meteu Essa?”: cooperação de empresas midiáticas e a live do
Casimiro
Um dos usuários que utiliza essas lives para a hibridização de
processos comunicacionais é o youtuber e streamer Casimiro Miguel,
de modo que é válido realizarmos uma breve contextualização da sua
figura, que entendemos como uma das mais significativas ao refletirmos acerca da relação entre plataformas e distribuição de informação.
Apesar de começar como jornalista e comentarista esportivo, seu conteúdo
abrange diversas propostas, do entretenimento à culinária. Além disso,
o streamer também nutre relações estreitas com os veículos tradicionais e suas produções. Atualmente ele tem 3,6 milhões de inscritos no
YouTube e 2,7 milhões na Twitch3.
3.
Números extraídos no dia 09/10/2022.
124
No dia 20 de janeiro de 2022, Casimiro bateu o recorde nacional
de público simultâneo numa live da plataforma, chegando a 515 mil
(Lopes, 2022). Na ocasião, assistia ao primeiro episódio da minissérie
documental Neymar: o caos perfeito. Esse acontecimento é ilustrativo
das dinâmicas midiáticas atuais, por isso, propomos um estudo de caso
(Yin, 2001) para investigar as maneiras através das quais o streamer
Casimiro performa enquanto uma peça central para a manutenção das
empresas midiáticas.
O estudo de caso, enquanto procedimento metodológico, é
entendido por Sousa (2006) como um método que se debruça em um
exemplo específico, por um determinado tempo, buscando entender
padrões e dinâmicas. Para Yin (2001) esse método representa um aprofundamento específico em um evento contemporâneo, entendendo suas
relações a partir das dinâmicas estabelecidas no real.
Em outras palavras, você poderia usar a pesquisa de estudo de
caso por e desejar entender um fenômeno do mundo real e assumir
que esse entendimento provavelmente englobe importantes
condições contextuais pertinente ao seu caso. (Yin, 2001, p. 17)
Nessa perspectiva, consideramos que o estudo de caso pode
contribuir para, a partir da análise de uma amostra/caso, extrair possíveis
reflexões sobre as relações estabelecidas na live anteriormente citada.
Esse exemplo é emblemático, pois Casimiro é contratado da Warner
Media, faz as suas lives na Twitch (Amazon), e na ocasião assistia a uma
obra da Netflix sobre um contratado do Facebook (Meta), produzindo
conteúdo para o YouTube (Google). É perceptível que uma única ação
beneficiou diversas empresas midiáticas.
125
Figura 1
PrintScreen da live do Casimiro durante a exibição
do primeiro capítulo da Minissérie, Neymar: o
Caos Perfeito (Netflix)
CSGo (“Histórico! Assistindo o documentário de Neymar, Casimiro bate recorde e
alcança mais de 545 mil espectadores em live”’, 2022)
O sintoma do capitalismo mostra as grandes corporações se
ajudando, estabelecendo o crescimento de poucos por muitos (dados,
força de trabalho, pessoas), pois “é a estrutura que engendra os vícios
e defeitos, e enquanto a estrutura permanecer, os vícios serão reproduzidos.” (Fisher, 2020, p. 114). Essa relação é o que se pode entender
como sendo as novas dinâmicas midiático-capitalistas, uma espécie
de cooperação entre essas empresas que estrutura um comportamento
mais fluido na circulação dos conteúdos. Porém, condiciona as novas
transmissões a espaços específicos e, muitas vezes, essas especificidades
estão relacionadas a ambientes controlados pelas big techs. Ou seja,
a reapresentação dos conteúdos não é totalmente livre, mas se dá em
espaços estratégicos no elo entre os conglomerados midiáticos.
126
Há nessa live do Casimiro dois pontos relativos à estética que
são importantes analisarmos. Primeiro, a questão da performance e da
imagem nesses acionamentos – inclusive, o título do trabalho faz menção
a uma das expressões performáticas mais famosas do influenciador, o
“Meteu Essa?”. Rancière (2009) comenta que os campos (especialmente
os espaços políticos e midiáticos) estão em disputa, tensionados não
unicamente pela dimensão da performance, mas pelo espectro mais
prático, estratégico e que pode ser tanto orquestrado a partir dessas
performatividades. Para o autor isso deve ser utilizado por movimentos contra-hegemônicos no intuito de infiltrar a corrente do discurso
totalizador e tradicional. Porém, o que se pode pensar nesse contexto é
a utilização contrária a isso. É o uso do formato cênico disruptivo pelo
próprio poder hegemônico, utilizando o potencial galvanizador de atenção que tem os influenciadores digitais, no caso o Casimiro. O segundo
ponto diz respeito à construção de uma atmosfera “amadora”, trabalhada
imageticamente pelo Casimiro como um outro acionamento estético
que disfarça a ação midiática hegemônica e camufla as engenharias
que estão além do visível. Nesse contexto há um poder de engajamento
social pelo que há de cênico.
Tal poder de identificação está inserido em uma posição central
nessa dinâmica. Casimiro chama seus seguidores de “nerdolas” – que, nesse
espaço, constelam uma identidade marginal de anti-fã, e que “surge como
forma política de resistência à cultura hegemônica midiática, por meio da
cultura participativa” (Cunha Filho et al., 2022). Para esse pertencimento,
a noção de consumo é primordial na construção das identidades. É a
imposição capitalista que engendra essa noção de inadequação constante,
gerando a busca incessante por um consumo (Campbell, 2006). A ação
127
de consumir – seja o que for – é uma lógica da sociedade de produção
industrial, na qual o alto fluxo de informação desperta nos indivíduos
uma sensação contínua de urgência - o que, consequentemente, restringe
os espaços de reflexão acerca do que foi consumido.
A junção de toda a live soma mais de três horas de duração, um
conteúdo que, pelo seu tamanho, contribui para que os atores e símbolos, bem como o desdobramento em outros subconteúdos após a sua
divulgação, fiquem por mais tempo em evidência. Além do momento
ao vivo, a ação promovida pelo Casimiro gerou mais dois “cortes”
contendo, unidos, quase 800 mil visualizações nos vídeos (Cortes
do Casimito, 2022a, 2022b). Ou seja, esses formatos permitem uma
manutenção da atenção e do engajamento durante um período maior
de tempo, mesmo não havendo esforço de produzir algo “novo”, e sim
apenas uma reformulação do que já foi transmitido.
Importante ainda destacar a relação entre as lives e o horário, que
geralmente acontecem durante a madrugada. Por isso, é possível pensar
que elas refletem um “trabalho ininterrupto”, fruto de uma sociedade
baseada na produtividade. Se não estão dando sua força de trabalho, os
sujeitos consomem e agora disponibilizam dados durante a madrugada.
Crary (2016) comenta sobre essa dinâmica: para ele, o ato de dormir é
um dos únicos momentos em que o indivíduo faz algo que somente o
beneficia. Talvez os estímulos dados pelas lives sejam uma espécie de
“último roubo” do tempo ainda não vendido.
Apontamentos Finais
Os modelos de circulação da informação são reflexo da união das
possibilidades técnicas de produzir e dos espaços midiáticos possíveis.
128
Por isso, as possibilidades de ser e estar em um ambiente como o
digital dependerão sempre de acionamentos econômicos e técnicos.
A popularização dos aparelhos eletrônicos e da internet permitiu essa
dinâmica para sujeitos comuns, momento no qual a espetacularização
e a organização do comum criaram uma demanda de audiência por
identificação. Pensando nisso, apesar de criarem formatos que fogem
de tendências hegemônicas, os influenciadores digitais e criadores de
conteúdo podem ser utilizados como ferramentas estratégicas para
grandes empresas tecnológicas e midiáticas.
Apesar da liberdade de produção, os espaços de distribuição
ainda possuem controle hegemônico, agora dominados pelas big techs.
Manter esse domínio entre poucos permite que novas concessões dos
direitos sobre esses conteúdos comecem a ser dadas, desde que feitas
para as empresas que já possuem parte do controle. Ou seja, na dinâmica
midiático-capitalista é possível dividir o capital simbólico e econômico
extraído dos conteúdos, contato que seja com as empresas que já se
estabeleceram em posições de poder.
Além disso, esses novos formatos também reverberam outras
questões de uma dinâmica midiático-capitalista, permitindo mudanças
estéticas e nas formas de produção e otimização dos conteúdos criados.
Ao passo que populariza as relações, pode acabar distribuindo responsabilidades que deveriam ser desses grupos midiáticos. Há também
modificações no consumo, saindo dos horários convencionais e enredando-se de modo 24/7 na vida cotidiana, numa dinâmica que permite
extrair por mais tempo a atenção da audiência.
Portanto, em um novo ecossistema midiático, as relações dos
conglomerados de mídia podem começar a migrar para um híbrido
129
de competição e cooperação, visando a manutenção do sistema capitalista e de seus líderes. O uso de atores midiáticos que transitam em
diferentes linguagens são artifícios utilizados para serem ferramentas
de engajamento e, consequentemente, crescimento de seus marcadores
econômicos e simbólicos.
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133
Parte 2 - estratégias
TÁ NA REVISTA, TÁ NO FONE:
PODCAST COMO ESTRATÉGIA EDITORIAL
DA ELLE BRASIL
Lorenna Aracelly Cabral de Oliveira1
Valquíria Aparecida Passos Kneipp2
Considera-se, neste trabalho, que entre as múltiplas potencialidades que o jornalismo de revista apresenta, a narrativa transmídia é
utilizada como uma ferramenta capaz de aumentar a participação do
público e, consequentemente, aumentar a sua audiência.
A revista Elle Brasil, depois do hiato de dois anos sem estar em
circulação, retorna ao mercado editorial brasileiro em maio de 2020,
com uma visão ainda mais positiva a respeito dos usos das tecnologias
digitais e da internet na produção e distribuição do conteúdo. À frente
1.
2.
Mestranda no Prog. de Pós-Graduação em Estudos da Mídia (PPgEM) da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Integrante do Grupo de GeminiCNPq.
[email protected]
Doutora em Comunicação pela USP, professora do Prog. de Pós-Grad. em Estudos
da Mídia pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Pesq. do Grupo
de Estudos sobre GENEM.
[email protected]
135
desses acontecimentos, podemos perceber que o gênero revista tem
atravessado um momento de grandes transformações.
Diante deste novo cenário, é imprescindível destacar que o
relançamento da publicação tem foco na produção de conteúdo digital, maior presença nas redes sociais, além de transformar a revista
impressa em um produto diferenciado e de alta qualidade. O estudo
aqui apresentado investiga o processo e os formatos utilizados pela Elle
Brasil para promover a produção de conteúdo em diversas plataformas,
como também examina como são exploradas pela revista as múltiplas
potencialidades que a narrativa transmídia (Jenkins, 2009) apresenta.
Compreendemos que o novo modelo da Elle é uma mídia que
traz consigo uma grande variedade de produtos. A partir deste contexto
foi definido como objetivo desta pesquisa: analisar o uso do áudio
como recurso transmidiático, especificamente o Pivô podcast3, vinculado à Elle Brasil. A escolha desta revista se deu pela sua relevância
no setor, pois em meio à pandemia apostou em uma iniciativa pioneira
que une formato digital e impresso e, graças à sua rápida evolução e
originalidade na comunicação, lançou conteúdo em cinco plataformas
diferentes, alcançando cerca de 20 milhões de impactos no digital
(Propmark, 2020), com apoio de grandes anunciantes. O Pivô Podcast,
como o próprio nome indica, é um dos primeiros produtos lançados em
maio, juntamente com o site da revista, e seu formato é imprescindível
para sua audiência.
3.
O podcast da Elle Brasil passou a utilizar a nomenclatura Elle News, a partir do
episódio #31, em fevereiro de 2021, que corresponde ao início da sua segunda
temporada.
136
Para cumprir os objetivos deste trabalho, optou-se por utilizar
o estudo de caso de caráter exploratório e descritivo. Com o objetivo
de familiarizar-se com as estratégias transmidiáticas utilizadas pela
revista Elle, a pesquisa caracteriza-se como exploratória, pois buscou
conhecer com maior profundidade o assunto (Gil, 2008). Descritiva,
porque terá como objetivo primordial a descrição das características e
dos processos adotados nos episódios da primeira temporada do podcast
criado pela revista Elle.
Trabalharemos com uma amostragem referente à primeira
temporada do podcast, totalizando 30 episódios, veiculados no ano
de 2020. O problema da pesquisa buscou responder como a revista
Elle transborda para além da edição impressa. Pretendemos, com este
estudo, confirmar a hipótese de que a Elle Brasil utiliza o recurso do
áudio como uma ferramenta que potencializa as narrativas para além
da sua mídia regente, com o uso do formato podcast.
As Transformações do Jornalismo de Revista
Conhecidas como veículo de comunicação que mistura jornalismo e entretenimento (Scalzo, 2011), as revistas são periódicos que,
com seu conteúdo apurado e suas informações complexas, resultam em
uma compilação de textos e fotografias. Segundo Scalzo (2011, p. 19),
a missão da revista é “destinar-se a públicos específicos e aprofundar
assuntos - mais que os jornais, menos que os livros”.
As revistas comunicam com eficácia, constroem marcas, conversam com seus leitores e os influenciam. Com seu texto mais criativo,
conseguem captar a atenção e envolver os leitores emocionalmente.
137
Com essas características a revista “pratica um jornalismo de maior
profundidade. Mais interpretativo e documental” (Vilas Boas, 1996, p. 9).
Um dos maiores desafios do meio revista para garantir a sua viabilidade editorial, financeira e operacional é desenvolver estratégias de
serviços e mecanismos que fortaleçam os vínculos de interação com seus
leitores e estabeleçam com eles relações duradouras de confiabilidade,
credibilidade e fidelidade. Atualmente, as estratégias de transmidiação
vêm sendo uma ferramenta para isso.
Cohn (2011, p. 241) ressalta dois aspectos relacionados ao formato
análogo das revistas, “as que mantiveram a estrutura das revistas impressas, apenas as adequando ao suporte digital, e as que buscaram utilizar as
ferramentas tecnológicas e sociais disponibilizadas por esse novo meio”,
confirmando o uso de novas possibilidades de interação com os leitores.
A acessibilidade às informações em plataformas online é um dos
principais problemas enfrentados hoje nas editoras. Entretanto, com as
mudanças ocorridas na economia, muitas revistas decidiram encarar os
desafios das mudanças nos hábitos adaptando-se às novas possibilidades que a tecnologia oferece. Este é o caso do objeto de estudo desta
pesquisa - a revista Elle Brasil.
Revistas apresentam potencialidades que unidas à estratégia da
convergência viabilizam a combinação de vários formatos em um único
meio, criando uma nova capacidade de informar, de maneira mais dinâmica. Segundo Santaella (2010, p. 76), “fala-se em convergência como
um momento decisivo da revolução tecnológica atual, como a principal
característica dos mercados futuros e das infraestruturas tecnológicas,
como estratégia para a inovação”.
138
Na atualidade, diversos aspectos contribuem para uma melhor
comunicação midiática nas revistas, que variou desde a propagação
dos smartphones e a consequente melhoria na qualidade da internet
móvel ao aumento da presença online das revistas em redes sociais.
Houve um investimento no digital e no tratamento das marcas como
negócios multiplataformas, com veiculação de conteúdos exclusivos
para diversos canais.
O relançamento da revista Elle, em maio de 2020, tem seu foco
voltado para o mercado digital e para a exploração dos potenciais da
narrativa transmídia (Jenkis, 2009) com ênfase nas produções audiovisuais como vídeos, documentários e podcast. Compreendemos que
o novo modelo da Elle é uma mídia que tem agregada consigo uma
grande variedade de produtos. É neste ponto que reside a nossa investigação, pois entendemos que o conteúdo sonoro através do podcast
Pivô é utilizado, nesta publicação, como uma estratégia de amplificação
do conteúdo, bem como de proximidade e envolvimento com o leitor.
A Revista Impressa e sua Transição para o Meio Digital
Desde a Prensa de Gutenberg com tipos móveis na Alemanha
em 1438, os panfletos esporádicos e documentos com informações
tornaram-se cada vez mais frequentes. Esta técnica de impressão
foi utilizada sem grandes alterações até o século XX para imprimir
jornais, livros e revistas (Jeanneney, 2003). Assim, 200 anos depois,
funcionando como um intermediário entre o jornal e o livro, surgem
as revistas. As revistas souberam adaptar-se à evolução da procura e
“tiraram partido do declínio dos jornais” (Jeanneney, 2003, p. 165), em
um momento de mudança.
139
Para Scalzo (2011), as características mais importantes do jornalismo de revista são a periodicidade, o formato e o público. Os formatos
mais comuns têm seus nomes de acordo com o tamanho de suas páginas,
conforme demonstra Dourado (2013, p.10): “sabe-se que elas mudam
os formatos (o magazine tem 20 x 26,5cm -, o americano 17 x 26 cm-,
francês 12 x 19 cm, até a 26,5 x 34,8 cm)”. Com jornalismo mais analítico e menos factual, as revistas apresentam periodicidade maior que os
jornais diários, podendo variar em semanal, quinzenal, mensal ou outra.
Atualmente, são produzidas para públicos cada vez mais específicos,
sendo uma alternativa que pode ocorrer por gênero, idade, temas etc.
(Freire, 2016). De acordo com Vilas Boas, elas podem ser separadas
em três grupos estilísticos: ilustradas, especializadas e de informação
geral. Para ele “a especialização de uma revista pode ser temática ou
segundo a segmentação dos leitores” (1996, p. 68).
Tavares e Berger (2009, p. 310) ressaltam que “os sentidos de
revista, embora despercebidos no cotidiano, marcam pragmaticamente
(mesmo que de forma inconsciente) a produção que a envolve como um
produto da comunicação e do jornalismo”. É perceptível que estamos
inseridos no contexto da cultura da convergência, sendo necessário nos
adaptarmos às diferentes plataformas digitais e suas mídias integradas.
Por “plataforma” entendemos que seja a combinação de uso de uma
determinada mídia com certo tipo de tecnologia (Pratten, 2011, p. 28).
Dessa maneira, Fechine et al. (2013) complementa que é possível
identificar diversas plataformas de distribuição de conteúdo em um
mesmo meio.
Por conseguinte, surge, com a emergência das novas tecnologias, uma nova forma de se consumir notícias. As informações que
140
até então eram disponibilizadas apenas por uma única mídia passaram
a ser distribuídas entre diversos produtos midiáticos para atender às
necessidades do público-alvo.
Dourado (2013) cita as diversas etapas pelas quais o meio
revista passou até chegar aos suportes digitais. Além do impresso, a
revista passou pela fase dos CD-ROMs, que abrigavam o próprio produto ou os suplementos da edição; também passou pelos websites, que
dependem da internet e possuem navegação multilinear. Em paralelo
aos sites, a tecnologia começa a ser transferida para os celulares, que
são dispositivos com maior mobilidade que os anteriores, por meio dos
smartphones (Dourado, 2013).
Na atualidade observamos que o segmento do jornalismo de
revista vivencia uma crescente demanda por conteúdo multiplataforma
para se ater às novidades disponíveis no mundo online. Segundo o livro
História Revista, publicado pela Associação Nacional de Editores de
Revistas ([ANER], 2011, p. 11), “esse fenômeno aumenta ainda mais a
responsabilidade dos editores e a influência que o meio traz à sociedade.
Tal revolução no conceito de revista serve como elemento para uma
análise da real influência do meio no universo dos leitores”.
Verifica-se, portanto, que o objetivo das revistas é encontrar uma
forma de transportar todo o potencial comunicacional e informativo das
versões em papel para seus conteúdos multiplataforma, que funcionam
como um complemento do seu conteúdo editorial.
Devemos considerar a importância da convergência e das novas
formas de comunicação como meio fundamental para entender os atuais
processos socioculturais de nossa sociedade, suas relações com os meios
de comunicação, bem como para compreender o poder de expansão de
141
conteúdo e da experiência com o leitor que essas ferramentas de mídia
possuem. Jenkins (2009, pp. 43-44) afirma que “a convergência de
mídias é mais do que apenas uma mudança tecnológica. A convergência altera a relação entre tecnologias existentes, indústrias, mercados,
gêneros e públicos”.
Buscando acompanhar essa mudança, novas estratégias de
distribuição multiplataforma foram pensadas para levar em conta as
características de cada produto ou serviço para as diversas mídias, a
fim de gerar interação e envolvimento e impactar o maior número de
pessoas das mais variadas formas - algo que ficou conhecido como
“narrativa transmídia” que, segundo Jenkins (2009), é:
Uma história transmídia desenrola-se através de múltiplas
plataformas de mídia, com cada novo texto contribuindo de
maneira distinta e valiosa para o todo. Na forma ideal de narrativa
transmídia, cada meio faz o que faz de melhor – a fim de que
uma história possa ser introduzida num filme, ser expandida
pela televisão, romances e quadrinhos; seu universo possa ser
explorado em games ou experimentado como atração de um
parque de diversões .(Jenkins, 2009, p. 138)
Essa experiência transmídia torna-se possível nas revistas em
forma de uma reportagem de capa, suplementos especiais sobre variados
temas, entre outros. Compreendemos que diversos elementos podem
compor uma narrativa transmidiática nas revistas impressas como:
vídeos, áudios, fotos, infográficos interativos, mapas, games, tudo isso
aliado às potencialidades das redes sociais e da internet.
Esses mecanismos podem ser executados a partir da construção
de uma proposta nova que conta com a preparação de material exclusivo
e tratamento diferenciado nos conteúdos para as diferentes plataformas.
142
O editor jornalístico da revista deve perceber quais histórias podem e
devem ser contadas através da narrativa transmídia, bem como deve
identificar quais são as melhores formas de usar o potencial de cada
meio para contar as diferentes partes da história. Entendemos que
esses elementos apresentam grandes possibilidades de contribuir para a
criação de narrativas transmídias no jornalismo de revista, pois o leitor
está cada vez mais interessado em interagir com o conteúdo e com seus
elementos, escolhendo seu próprio roteiro de leitura.
Dessa maneira, entendemos que o conteúdo terá vários desdobramentos, atendendo às especificidades dos dispositivos, não apenas
repetindo e adaptando o conteúdo mas, sim, mudando a narrativa
para o ambiente no qual a mensagem será usada. Como reforçam
Gambarato et al. (2016, p. 1448), “a cobertura de mídia envolve planejamento editorial específico em cada instituição de mídia”4.
Trajetória da Revista Elle
A revista Elle surgiu na França, em 1945. Idealizada por Hélène
Gordon-Lazareff, a publicação era voltada para a jovem mulher de classe
média e tratava, principalmente, de assuntos relacionados à moda (Scalzo,
2011). A partir da década 1980, após ser comprada pelo grupo francês
Largardère, torna-se uma marca internacional incorporando edições em
diversos outros países (Carmo, 2016) - o título atualmente está presente
em mais de 60 países com 46 edições. Sua versão brasileira foi lançada
em maio de 1988 e foi publicada pela Editora Abril. A revista oferecia
4.
No original: “Media coverage involves specific editorial planning in each media
institution”.
143
uma proposta mais traduzida, para uma classe média alta e menos conceitual do que a já consolidada pela revista Vogue, frequentadora das
casas das elites brasileiras desde 1975 (Elman, 2016).
Em agosto de 2018, oriundo de um grande processo de restruturação e alegando queda expressiva das receitas de publicidade, nas
vendas de assinaturas e em bancas, o grupo Abril informou que estava
reformulando o seu portfólio de marcas da editora e, embora líder no segmento, a revista Elle foi descontinuada juntamente com outros 11 títulos,
encerrando-se assim uma parceria de 30 anos (Rosa & Matos, 2018).
Em meio à pandemia do novo Coronavírus, quando diversas
revistas tiveram suspensão de suas versões impressas e circulação alterada em consequência do impacto sofrido pela crise sanitária, que teve
início em março de 2020, a Elle Brasil foi relançada por uma empresa
de audiovisual, o Grupo Papaki.
A nova versão brasileira de Elle volta repaginada para o universo virtual sob o comando da diretora editorial Susana Barbosa, da
publisher Paula Mageste e da diretora comercial Virginia Any, todas
com passagem pela primeira fase da publicação pela Editora Abril.
O licenciamento da marca está previsto para durar cinco anos com foco
no digital, na produção audiovisual, novos modelos de conteúdo e negócios. De acordo com a publisher da revista, Paula Mageste, “a edição
brasileira sempre foi uma das mais relevantes da rede mundial da Elle.
Os franceses buscavam novos parceiros e apostaram na nossa visão
para o futuro da marca” (T. Monteiro, 2020).
Nesse novo contexto, o impresso passou a ser tratado como
um produto de luxo, distribuído em livrarias e com vendas pelo site.
Com tiragem de quinze mil exemplares e periocidade trimestral, dispõe
144
de quatro edições ao longo do ano (março, maio, setembro e dezembro).
Os volumes colecionáveis têm o cuidado de oferecer um conteúdo que
realça o caráter analítico e atemporal. Publicado em um tamanho diferenciado, com papel especial com origem de reflorestamento e acabamento
de livro, tornou-se um coffee table book5 em outubro de 2020. Em sua
estreia, a revista contou com quatro opções de capas: com o cantor e
compositor Gilberto Gil, a filósofa Djamila Ribeiro, a cantora Iza e a
rapper Katú Mirim (Figura 01).
Figura 01
As quatros opções de capa da revista impressa
Elle Brasil – Setembro 2020
Nota. Captura de tela do site https://elle.com.br
De acordo com seu perfil no Linkedin, a Elle Brasil tem como
missão “inspirar as mulheres a explorar e celebrar seu próprio estilo em
todos os aspectos de suas vidas”. A marca está nas redes sociais Instagram
(ELLE Brasil, s.d.-a), Facebook (ELLE Brasil, s.d.-b), Twitter (ELLE
Brasil, s.d.-c) e YouTube (ELLE Brasil, s.d.-d). Existe ainda um grupo
5.
É um livro de mesa de centro de grandes dimensões, geralmente de capa dura,
cujo propósito é ser exibido em uma mesa destinada a ser usada em uma área
na qual servirá para entreter os convidados e da qual pode servir para inspirar
uma conversa ou passar o tempo.
145
privado na rede social Facebook (Elle, o grupo) que funciona como um
espaço de aproximação entre a leitora e o título, servindo para compartilhar informações e trocar experiências. Possui também uma newsletter
semanal que antecipa as matérias em seu site, o https://elle.com.br, que
reúne o conteúdo digital com acesso a vídeos, podcasts, bem como sua
versão digital mensal chamada “Elle View”, que estreou em julho de
2020 com uma reflexão sobre o contato, em suas várias formas e significados, e conta com conteúdo exclusivo somente para assinantes. Sua
presença virtual também é marcada pela difusão da hashtag #OlhaElle.
As Estratégias de Transmidiação da Revista Elle
Haja vista a crise no mercado editorial de publicações, o impresso
não deve ser tratado como única opção pela empresa, já que sua receita
oriunda de publicidade e assinatura não será suficiente para manter a
revista em funcionamento.
Por isso, o novo projeto de Elle Brasil caracteriza-se como um
conteúdo multiplataforma com propriedades de uma narrativa transmídia que possui a revista impressa e demais canais digitais (podcast,
site, redes sociais, newsletter) nos quais os conteúdos são associados
entre si e estão ancorados nas práticas de convergência e participação
propiciadas pelos meios digitais em que cada canal contém um processo
próprio de exposição.
Tais plataformas conversam entre si a partir do recurso transmídia,
de modo que há estratégias e práticas específicas para cada meio, sendo
o conteúdo apresentado de maneira diferente em cada plataforma. São
histórias abordadas em mídias distintas, mas que estão interligadas por
um enfoque integrado. Isso ocorre, à medida que o leitor é estimulado
146
a pesquisar novas informações e a conectar os conteúdos que estão
aparentemente dispersos.
Expansão e participação (Scolari, 2013) são características
fundamentais da narrativa transmídia, assim, a Elle Brasil criou o Pivô
Podcast, como mais uma forma de expandir seu conteúdo e estimular a
participação de seus leitores, de modo que o título mantém o fascínio pela
marca, mas não necessariamente será sua principal fonte de informação.
No atual cenário, a Elle Brasil resolveu associar sua marca, que
é reconhecida como sucesso pelo mercado, apostando em negócios
multiplataformas que oferecem inúmeras possibilidades, aliando o nome
da revista, tanto no online quanto no offline, em eventos e cursos, em
parceria com os anunciantes. Em menos de um ano de relançamento,
a Elle viabilizou formatos arrojados (em vídeo, áudio e texto - como
o “Podcast Money Stories”), cocriados com o Banco de Investimento
Brasileiro, o BTG Pactual; uma série de mini-docs sobre a relação
das mulheres com o poder, em parceria com a joalheria Tiffany e uma
plataforma de cursos online para os empreendedores de moda, com o
Banco Santander, a “Santander + ELLE Consulting”.
Agregados sob o mesmo guarda-chuva da marca Elle, tanto a
publicação impressa como a digital, o podcast, o site, as redes sociais e
a newsletter investem em conteúdos autônomos que se complementam
e proporcionam a facilidade de acesso a assuntos em múltiplas plataformas simultaneamente.
A união da informação com o formato áudio constituem a fórmula para a criação do Podcast Pivô. Lopez e Catanni (2013, p. 174)
propõem que “através do som é possível informar, construir um cenário,
atribuir ritmo ao conteúdo, determinar o fluxo da informação, envolver”.
147
Entendemos que as revistas se configuram como um bom cenário para
a exploração desses recursos sonoros, que podem ser utilizados como
uma estratégia para aprofundar o conteúdo ou para aproximar e envolver
o leitor, como faz o rádio.
Segundo Primo (2005, p. 6), o podcast é “uma nova forma de
produção e escuta de informações sonoras” que busca utilizar todos
os recursos da linguagem sonora e radiofônica. Essa mídia, de modo
genérico, também pode ser compreendida como programa de rádio
tradicional, disponível na internet, sem ondas (Kischinhevsky, 2007).
Os podcasts tornaram-se populares e têm como característica
sua facilidade de produção e distribuição atingindo, assim, um grande
público no mundo inteiro. Paz (2007, p. 6) define o podcast como
“todo o processo de produção de material digital (áudio, vídeo, texto
ou imagem), com publicação e distribuição na Internet, e possibilidade
de download para os subscritos”.
O termo Podcasting é a junção das palavras iPod e broadcast
(transmissão via rádio) e surgiu em 2004, por meio de artigo do jornalista
britânico Ben Hammersley para o diário The Guardian (Bonini, 2020).
Segundo o relatório State of the Podcast Universe, publicado
pela Voxnest, o Brasil lidera o ranking de países onde a produção de
podcasts mais cresceu desde o início de 2020, sendo os podcasts de
língua portuguesa os que apresentaram maior índice de crescimento
(“Produção de podcasts no Brasil cresce durante a pandemia”, 2020).
Esses dados reafirmam que o podcast tem ganhado muito espaço, especialmente como um negócio rentável entre publicações especializadas
em moda e marcas de luxo nos últimos anos. Atento ao crescimento do
mercado, a Elle Brasil criou um canal de comunicação digital - importante
148
instrumento para garantir mais proximidade e conexão com os leitores,
o Pivô Podcast.
O Podcast Pivô como Estratégia de Transmidiação na Revista Elle
Com intuito de proporcionar diversas experiências para seu
público, como a interação com o ambiente sonoro, a revista Elle produz semanalmente o Podcast Pivô, que é disponibilizado gratuitamente
nas principais plataformas de streaming como Spotify, Apple Podcast,
Google Podcast, Overcast, Deezer e também pelo feed RSS. Lançado
em 24 de maio de 2020 pela editora da Elle Brasil, Susana Barbosa, o
episódio (#01 Bem-vindo ao Pivô, o podcast da Elle Brasil) (Redação
ELLE, 2020) dá boas-vindas aos leitores e os convida a tornarem-se
ouvintes e a acompanhar os mais relevantes fatos da moda em formato
de podcast.
Atualizado sempre às segundas-feiras, o Podcast Pivô tem em
média entre vinte e trinta minutos de duração e lançou trinta edições
durante o ano de 20206. Segue abaixo, o quadro com as características
detalhadas sobre a primeira temporada do podcast Pivô.
A proposta do Podcast Pivô é fazer um resumo das principais
notícias de moda da semana e entrevistas com nomes expressivos do
mercado. O podcast apresenta características de um radiojornal, que
Chantler e Harris (1998) definem como:
6.
O Podcast apresentou um episódio retrospectiva em 14 de dezembro de 2020
e logo após entrou em um período de recesso. Nesta pesquisa adotaremos a
nomenclatura da primeira temporada para definir este conjunto de 30 episódios
lançados no ano de 2020.
149
Nele as notícias mais antigas podem ser aproveitadas e outras,
mais aprofundadas. A apresentação desses radiojornais também
é bem diferente. Eles podem ser menos formais e podem ser
apresentados por duas pessoas, em forma de diálogo. Algumas
vezes chegam a se transformar em uma conversa entre dois
locutores. Os radiojornais podem, ainda, ter comentaristas ou
especialistas convidados para dar opiniões ou notícias. (Chantler
& Harris, 1998, p. 162)
Quadro 1
Características do Pivô Podcast
EPISÓDIO*
TÍTULO*
DURAÇÃO
PUBLICAÇÃO
#01
Bem-vindo ao Pivô, o Podcast da Elle Brasil
2 minutos e
19 segundos
24 de maio de
2020
#02
Máscaras, desfiles e o business pós-Covid 19
16 minutos e
11 segundos
01 de junho de
2020
#03
Moda, política e redes sociais
15 minutos e
26 segundos
08 de junho
2020
#04
Desfiles: de onde vieram, para onde vão
16 minutos e
21 segundos
15 de junho de
2020
#05
Streetwear, sustentabilidade e economia
18 minutos e
16 segundos
22 de junho de
2020
#06
Moda é coisa de “viado”?
25 minutos e
44 segundos
29 de junho de
2020
#07
Apropriação cultural, Facebook e Kanye West
27 minutos e
25 segundos
06 de julho de
2020
#08
Você sabe o que é alta-costura?
26 minutos e
18 segundos
13 de julho de
2020
#09
Rihanna, câmeras nos bastidores e Hood by Air
25 minutos e
20 segundos
20 de julho de
2020
#10
CFDA, Vivienne Westwood e desfiles
presenciais
20 minutos e
37 segundos
27 de julho de
2020
#11
Kansai Yamamoto, Gucci genderless e Tik Tok
24 minutos e
18 segundos
03 de agosto de
2020
#12
Redes sociais sob pressão, Beyoncé e Camila
Coelho
23 minutos e
21 segundos
10 de agosto de
2020
#13
O que é cópia na moda?
20 minutos e
58 segundos
17 de agosto de
2020
150
#14
Margiela, Cardi B e Joe Biden, Telfar versus
Bots
19 minutos e
42 segundos
24 de agosto de
2020
#15
Roupas antivirais e tênis de realidade
aumentada
19 minutos e
52 segundos
31 de agosto de
2020
#16
Vestido de morango, gordofobia e Camila
Coutinho
21 minutos e
39 segundos
07 de setembro
de 2020
#17
Um setembro como nenhum outro
19 minutos e
36 segundos
14 de setembro
de 2020
#18
Marc Jacobs, Gareth Pugh e Amazon de Luxo
22 minutos e
45 segundos
21 de setembro
de 2020
#19
Dissecando: Prada com Raf Simons
23 minutos e
02 segundos
28 de setembro
de 2020
#20
Helmut Lang, desfiles e a volta da Elle
21 minutos e
36 segundos
05 de outubro
de 2020
#21
Kenzo Takada, Paris e Supermodels
25 minutos
12 de outubro
de 2020
#22
A vez do Upciycling
17 minutos e
15 segundos
18 de outubro
de 2020
#23
Vida de Figurinista, Iza e #EndSars
29 minutos e
26 segundos
26 de outubro
de 2020
#24
Moda PCD e SPFW 25 anos
33 minutos e
58 segundos
02 de novembro
de 2020
#25
O que você precisa saber da SPFW
24 minutos e
52 segundos
09 de novembro
de 2020
#26
Supreme, Kamala Harris e GucciFest
16 minutos e
32 segundos
16 de novembro
de 2020
#27
Gucci: passado, presente, futuro
26 minutos e
23 segundos
23 de novembro
de 2020
#28
Resale e 47ª Casa de Criadores
19 minutos e
22 segundos
30 de novembro
de 2020
#29
Balenciaga: De Cristóbal a Demna
16 minutos e
37 segundos
07 de dezembro
de 2020
#30
Retrospectiva 2020
25 minutos e
53 segundos
14 de dezembro
de 2020
*Ordem e títulos dos episódios conforme publicado no site da Revista Elle e em todas as plataformas
de áudio.
Nota. Adaptado de Pivô Podcast, 2020.
Os episódios são apresentados em dupla, pela redatora-chefe
Patricia Oyama e pelo repórter de moda da ELLE, Gabriel Monteiro.
151
O programa jornalístico conta com episódios sobre eventos, estilistas,
desfiles e acontecimentos de moda e beleza. O podcast apresenta linguagem jovem e descontraída e por muitas vezes faz uso de gírias e
memes em seus episódios.
Geralmente, sua estrutura segue um formato no qual, além do tema
principal, comumente são abordados mais dois assuntos. Os episódios
começam com a apresentação do tema principal seguido das demais
manchetes de notícias que serão tratadas ao longo programa, seguido
da apresentação dos narradores e do texto recorrente que diz “Você
está ouvindo o Pivô Podcast, que reúne as principais notícias de moda
da semana comentadas pela equipe da Elle Brasil”. Após a exposição
dos temas, é exibido um giro de notícias, em que assuntos que foram
pauta na semana são comentados rapidamente. Já na fase final de cada
episódio é apresentado o quadro “Dica da Semana”, em que convidados
indicam e comentam suas sugestões no universo cultural, que variam
entre filmes, séries, músicas, literatura, newsletters e programações
virtuais. Nos segundos finais do episódio, os apresentadores creditam
os trechos dos áudios que foram utilizados.
Destacamos que a produção do podcast faz uso de trilhas de passagem que são adicionadas pelos produtores na edição e que sinalizam
o encerramento de um tema. Essas trilhas são músicas que normalmente
conversam com o tema apresentado variando entre trilhas sonoras de
desfiles, óperas e canções do mundo pop, que vão desde os sucessos da
cantora pop Rihanna ao legendário Paul McCartney. Os quadros “Giro
de Notícias” e “Dica da Semana” possuem uma vinheta instrumental
personalizada de abertura que define seu início. No giro, essa vinheta
também demarca a troca de temas.
152
O podcast convida os ouvintes-internautas (Lopez, 2010) a participarem, seja sugerindo pautas, perguntando, seja conversando através
das redes sociais da Elle Brasil ou pelo grupo no Facebook. Shirky
destaca a importância desse tipo de uso: “as redes digitais barateiam o
compartilhamento e tornam a participação potencial quase universal”
(Shirky, 2011, p. 102). Identificamos a participação de um leitor no
quadro “Dica da Semana”, episódio #17 – Um setembro como nenhum
outro, quando o ouvinte Ednaldo Fonseca, de Petrolina, participa via
áudio dando uma dica musical ao jornalista.
Os produtores do podcast, atentos às barreiras de comunicação que se impõem ao uso de sonoras em língua estrangeira, embora
não utilizem o recurso de dublagem, buscam sempre traduzir a ideia
geral das falas ou das aspas do trecho apresentado e a identificação do
falante facilitando a interpretação do público, como podemos observar
no episódio #26 Supreme, Kamala Harris e GucciFest (G. Monteiro,
2020a), em que é apresentado o trecho do áudio em inglês do discurso
de vitória da vice-presidente eleita dos Estados Unidos Kamala Harris,
para logo em seguida sua ideia central ser traduzida para os ouvintes.
But while I may be the first woman in this office, I won’t be the
last. Because every little girl watching tonight sees that this is a
country of possibilities. Esse foi um dos trechos mais aplaudidos
do discurso de vitória de Kamala Harris, em que ela diz que,
embora seja a primeira mulher eleita pro cargo de vice-presidente
dos Estados Unidos, ela não será a última (Pivô Podcast, 2020).
A publicação demonstra preocupação com a acessibilidade e
disponibiliza as transcrições dos episódios na íntegra através do site
da revista, no qual, ainda que de forma escassa, é utilizado o recurso
153
do hiperlink, fundamental para estimular a leitura de matérias no site
da revista sobre o tema debatido durante o episódio. Os apresentadores
atuam como um importante elemento na divulgação da revista digital e
impressa, como podemos observar neste trecho do episódio #28 Resale
e 47ª Casa de Criadores (G. Monteiro, 2020b), em que relacionam o
tema games e avatares virtuais, citado no episódio, com a edição de
agosto da revista digital:
Gustavo: “Isso me lembrou bastante de uma edição nossa da
ELLE View, né Pat! A de agosto desse ano, na qual mergulhamos
sobre o universo das roupas digitais.
Patrícia: Isso mesmo, as roupas que existem apenas virtualmente
e estão fazendo uma revolução dentro da indústria. Vale muito
ler essa edição completa, que está disponível pra assinantes no
site da ELLE” (Pivô Podcast, 2020).
O podcast da Elle tem como “Pivô” a moda e as informações
enquanto negócio, cultura e estilo de vida, porém, busca trazer uma
abordagem moderna e antenada com temas atuais, apresentando diversidade social e oferecendo discussões relevantes, com as quais é possível
despertar consciência política, social e ambiental. Como ressalta Joffily,
“apresentar o que há à disposição no mercado, mas também, avaliar e
apontar as ligações da moda num sentido mais amplo” (Joffily, 1991,
p. 87). Esta produção em áudio trouxe pautas como equidade de gênero,
representatividade, apropriação cultural, sempre relacionando a moda
com a sociedade e o momento atual. São temas que conversaram desde
moda periférica, passando pela pluralidade da comunidade LGBTQI+
até a luta antirracista.
154
Os dados apresentados no último episódio da temporada sobre
a retrospectiva 2020 corroboram com a estratégia do Pivô Podcast de
produzir e veicular informações de interesse de vários grupos. E deu
certo, uma vez que, dos trinta episódios disponibilizados pelo Pivô
podcast, foram veiculados 616 minutos de programa, mais de 31 mil
plays, 62 convidados, incluindo participações da redação, entrevistas
com especialistas e convidados especiais como a cantora Iza, o cantor
Arnaldo Antunes, a influenciadora digital Camila Coutinho, a apresentadora de TV Marina Santa Helena e oito episódios especiais sobre
marcas ou estilistas.
Além de abordar notícias de moda relativas ao momento atual
(Bradford, 2015), como a cobertura de eventos, entre eles a São Paulo
Fashion Week, (SPFW) e a Casa de Criadores, uma vez que foi criado
em um ano atípico, pois vivenciava uma pandemia, o Pivô fez uso, em
diversas ocasiões em que as notícias de moda eram escassas, de matérias
de comportamento (Joffily, 1991), como perfis de estilistas e marcas.
Os fashion features são textos que não têm relação imediata com os
acontecimentos e ganham forma geralmente como reportagens de moda.
Segundo Bradford (2015, p. 115), “estão menos ligados à agenda de
notícias do que às notícias e podem explorar qualquer assunto, desde
que seja interessante para o leitor alvo”.
Ressaltamos que o uso do podcast não é uma prática “crossmidiática” dos conteúdos apresentados no site ou em suas publicações
(impressa e digital), assim sendo, percebemos que todos os conteúdos
são idealizados levando em conta o formato em áudio. Identificamos
uma deficiência no uso de fotografias/imagens que exemplifiquem os
temas e personagens citados nos episódios. A utilização desses recursos
155
imagéticos, além de estimular o tráfego entre as redes sociais e o site
da revista, servem para complementar a experiência sonora. Já que é
possível providenciar que as imagens por eles descritas sejam disponibilizadas em suas redes sociais ou até mesmo no espaço destinado ao
podcast no site da revista.
Considerações Finais
Ao investigar e analisar o uso do áudio (podcast) como um
recurso de transmidiação pela revista Elle Brasil foi possível identificar
uma estratégia editorial que consegue ampliar o conteúdo da revista,
com temas complementares e relacionados com o conteúdo das versões
impressa e digital. Desse modo, compreende-se o contexto de transformações do jornalismo de revista, no cenário de transição do impresso
para o digital, por meio de estratégias de transmidiação, como o Pivô
Podcast, entre outras, identificadas durante a pesquisa. Revela-se, assim,
um processo efetivado de digitalização e virtualização do conteúdo
da revista que nasceu originariamente impressa, e que no cenário de
convergência encontrou alternativas para se reinventar, adaptando-se
ao novo contexto.
O Pivô Podcast é a resposta ao problema desta pesquisa, porque
através da análise minuciosa de uma temporada, foi possível observar
que a construção da narrativa sonora, de forma organizada e roteirizada,
constitui-se, de acordo com Fechine (2013), estratégias e conteúdos
transmídia de propagação com conteúdos informativos que “oferecem
ao destinatário-consumidor informações associadas ou correlacionadas
ao texto de referência” (Fechine, 2013, p. 41) que, neste caso, são as
versões impressa e digital da revista Elle. Nas estratégias de expansão,
156
a categoria conteúdos de extensão textual, de acordo com Fehine
(2013; p. 44), “é responsável por desdobramentos narrativos. Como o
nome sugere, estende o texto de referência”. Neste estudo é possível
identificar as subcategorias “extensões narrativas” e “extensões diegéticas”. As extensões narrativas são definidas por Jenkins (2009) como
transmedia storytelling. No caso da revista Elle Brasil, as extensões
narrativas são configuradas por meio do site e das redes sociais digitais,
que disponibilizam conteúdos diferenciados.
Com os resultados desta pesquisa revelam que, na prática, as
propostas de Jenkins (2009) relativas à convergência como um processo
contínuo, com diferentes sistemas em uma relação, está em curso.
O fenômeno observado também corrobora com a proposta do autor, de
que a transmídia - e por consequência as suas estratégias e conteúdos
também - se apoiam em uma tríade composta pela convergência dos
meios, pela cultura participativa e pela inteligência coletiva, na qual a
mídia revista está se inserindo em busca de uma relação mais efetiva
com o seu público leitor.
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Summus Editorial.
162
IMERSÃO E INTERATIVIDADE EM
NARRATIVAS “PERVASIVAS” TRANSMÍDIA
Carlos Pernisa Júnior1
A ideia central deste artigo é tratar da possibilidade de imersão e
interatividade em narrativas que têm como característica serem “pervasivas”. O objetivo principal é mostrar que elas podem ser consideradas
também como transmídia. Para isso, primeiramente, vão ser definidos
os termos em destaque no texto: imersão, interatividade, narrativas
“pervasivas” (pervasive storytelling) e transmídia/ttransmidiáticas.
É preciso, também, verificar como autores que são importantes para esta
discussão tratam destas questões em seus trabalhos. Por fim, a proposta
é fazer considerações sobre transmídia e histórias “pervasivas” e como
estas têm características imersivas e interativas.
Em estudos feitos na Universidade Federal de Juiz de Fora
(MG) no “Laboratório de Mídia Digital”, grupo de pesquisa vinculado
1.
Doutor em Comunicação. Professor na Universidade Federal de Juiz de Fora MG/Faculdade de Comunicação.
[email protected]
163
ao CNPq e localizado na Faculdade de Comunicação, especialmente
em um trabalho de mestrado na área de Ciência da Computação do
discente Pedro Ventura Almeida2, que integra a equipe e participa também do Laboratório de Aplicação e Inovação em Computação, foram
constatadas possibilidades de criação de histórias pervasivas (pervasive
storytelling) que integrassem experiências imersivas (Murray, 2003) e
também interatividade.
A narrativa “pervasiva” engloba a ideia de se utilizar a estrutura
da Internet para imersão e interação daquele que estiver participando do
desenrolar de uma história. Como ela é feita utilizando-se do ambiente
e de dispositivos conectados, também pode assumir características
transmidiáticas, e é isso que se pretende demonstrar aqui. Assim, é
necessário entender que uma história é, na maioria das vezes, imersiva. Sua possibilidade de interação depende do grau de relação que a
audiência tem com ela. Por fim, a maneira como ela é contada pode ser
“pervasiva” e também transmidiática.
Imersão
O fato de uma história ser contada de modo que a audiência
sinta-se como “levada para dentro dela” é a principal característica da
imersão. Basicamente, desde os tempos primordiais, contar um fato
por meio de uma narração tem esta capacidade de levar quem escuta
o relato a imaginar o que está se passando no que está sendo narrado.
2.
Mestre em Ciência da Computação (2021) pelo PPGCC da UFJF. Membro do
Laboratório de Aplicação e Inovação em Computação ((LApIC) e do Laboratório
de Mídia Digital (LMD). Para maiores referências sobre histórias “pervasivas”,
consultar diretamente a sua dissertação de mestrado que consta nas referências
deste trabalho.
164
Esta imersão não está presente somente em narrativas com imagens.
Muito antes disso, as histórias contadas por relatos orais já tinham este
poder de fazer as pessoas se sentirem “dentro dos acontecimentos”.
No entanto, nem sempre isso é de todo possível. A capacidade de
imersão tem limites, como coloca Janet Murray, em Hamlet no holodeck
(2003). Ela mesma explica o que entende como imersão:
“Imersão” é um termo metafórico derivado da experiência
física de estar submerso na água. Buscamos de uma experiência
psicologicamente imersiva a mesma impressão que obtemos num
mergulho no oceano ou numa piscina: a sensação de estarmos
envolvidos por uma realidade completamente estranha, tão
diferente quanto a água e o ar, que se apodera de toda a nossa
atenção, de todo o nosso sistema sensorial. (Murray, 2003, p. 102)
Em seguida, ela explica que a imersão depende de uma crença
por parte de quem está imergindo na história. Murray cita o psiquiatra
infantil D. W. Winnicott, por meio dos “objetos transicionais”, para falar
de uma experiência ilusória que se sustenta numa posição psicológica
ambígua, onde o faz de conta tem que se manter de um modo paradoxal
e sustentado por elementos do mundo físico (Murray, 2003, p. 103).
O poder daquilo que Winnicott chamou de experiências
“transicionais” vem do fato de que “a coisa real é aquela
coisa que não está lá”3. Para sustentar tão poderoso transe
imersivo, portanto, temos que fazer algo inerentemente paradoxal:
precisamos manter o mundo virtual “real” fazendo com que
ele permaneça “fora dali”. Precisamos mantê-lo em perfeito
equilíbrio no limiar do encantamento, sem deixar que ele
desmorone para um lado ou para o outro. (Murray, 2003, p. 103)
3.
Winnicott, Playing and Reality, 123 (Nota da autora). Em português, o livro foi
publicado como O brincar e a realidade.
165
Ela diz que este transe limiar é por natureza frágil e que todas as
formas de arte narrativa desenvolveram maneiras de mantê-lo. Assim,
explica-se porque nem sempre a imersão é possível em uma narrativa.
Caso haja a perda deste transe limiar, a imersão pode ser rompida.
O “objeto transicional” está ali exatamente para manter este transe.
No caso das narrativas, há a aceitação por parte da audiência daquilo
que está sendo contado, sem a interposição de qualquer questionamento
sobre este relato. Ou seja, quem escuta a história não está ali para fazer
perguntas ou contestar o que está ouvindo, mas apenas tende a fruir o
que está sendo contado, sem, no entanto, ser apenas alguém passivo
diante dele. Há sempre espaços para construções mentais que auxiliem
na compreensão da história.
A narrativa, conforme o que foi dito, tem características que
são imersivas por natureza. Contudo, há necessidade de se manter a
ilusão pelo paradoxo que não questiona a veracidade da própria história.
Ainda assim, há espaço para que o antigo receptor, que Janet Murray
chama agora de interator4 (2003), participe da trama. E quando se fala
em participação, a imersão também está relacionada com outro aspecto
aqui relacionado: a interatividade.
Interatividade
Uma história interativa coloca desafios ainda maiores do que os
da imersão. Se a necessidade de se manter uma ilusão tem que continuar,
há ainda a questão de se colocar decisões na trama a cargo de quem a
4.
A ideia de interator vem de Janet Murray, em Hamlet no holodeck (2003),
indicando o fruidor da obra, que não é mais leitor, ouvinte ou espectador e não
seria também o usuário dos computadores.
166
está acompanhando. A ideia de interator ganha mais força, deixando
termos como receptor ou espectador completamente fora de questão.
A interação pressupõe uma atividade por parte de quem antes fruía a
história de outra maneira.
Alex Primo (2000), analisando a interação, destaca dois tipos:
a reativa e a mútua. A primeira não tem muitas consequências, pois
consiste em uma reação a algo proposto por quem assume o papel de
autor/emissor. Já a segunda leva a muitas possibilidades de alterações
da própria trama, por pressupor uma ação efetiva de quem está acompanhando a história, de tal modo que esta ação tenha algum grau de
interferência no decorrer da narrativa.
John B. Thompson (2018), por sua vez, relata a possibilidade
de quatro tipos de interação: a face a face, a mediada, a quase-interação
mediada e a mediada on-line. Partindo deste autor, há a colocação da
mediação, e isso interfere no modo como se dá a interação. O que leva
a duas posições diante da relação entre sujeitos e meios: a dos que não
fazem distinção entre as interações e as colocam também como interatividade e aqueles que fazem a separação entre interação — que seria
necessariamente entre pessoas — e interatividade — que se daria entre
humanos e máquinas. No presente artigo, não é feita esta distinção, e
mesmo Thompson não cria esta divisão.
Para ele, a interação face a face é aquela feita entre as pessoas
diretamente, ou seja, sem nenhum tipo de mediação. As outras três
formas de interação são feitas com mediação. A primeira, a mediada,
usando-se um meio que pode ser carta, telefone ou e-mail, por exemplo;
a segunda, a quase-interação mediada, pressupõe a existência de um
meio de comunicação que se utiliza de um modelo de um para muitos;
167
e a terceira, a mediada on-line, é a mais recente e utiliza-se das redes e
plataformas digitais em um modelo que é de muitos para muitos.
O que se deve ter em mente aqui é que, interatividade ou interação, há uma relação aí presente e esta interfere também na narrativa
que estiver indo contada. A relação também vai indicar o grau de ação
efetiva que a audiência pode ter em relação à história, ou seja, se a
interação será reativa ou mútua.
Narrativa “Pervasiva”
Numa outra perspectiva, há que se demonstrar também a possibilidade de uma história ser “pervasiva” e adotar a imersão e a interatividade/interação como estratégias para seu próprio desenvolvimento.
A ideia de narrativa “pervasiva” vem da computação. Segundo Pedro
Ventura Almeida (2021, p. 20), o paradigma de computação “pervasiva”
é aquele que prevê a capacidade de o usuário/interator acessar diferentes
dispositivos, móveis ou não, em qualquer lugar e a todo momento, de
forma que estes como que “desapareçam” para quem os está usando.
Isso não quer dizer que as pessoas não vejam os dispositivos, mas que
eles não sejam percebidos, tal a familiaridade e naturalidade no uso,
como se eles fossem “transparentes”, no contexto que Murray (2003)
dá ao termo.
No âmbito das histórias, esta transparência permite expandir
narrativas convencionais por meio da computação ubíqua e “pervasiva”, gerando maior imersão adaptada ao contexto e não deixando o
usuário/interator perceber a utilização desses dispositivos em tempo real
e fazendo com que sua experiência na história torne-se uma realidade
(Almeida, 2021, p. 20). O resultado é uma história contada em tempo
168
real com a utilização do ambiente ao redor, por meio dos dispositivos
que estiverem passíveis de uso para auxiliar neste processo, no qual o
interator tem papel relevante e, embora não seja um jogador, pois se
trata de uma história e não de um game, pode determinar ações que vão
se desenvolver no desenrolar da narrativa.
Deste modo, percebe-se bem que a imersão e a interatividade
estão profundamente ligadas às histórias “pervasivas”. A possibilidade
de se usar o ambiente para contá-las, com o auxílio dos mais diversos
dispositivos, sejam eles móveis, pessoais ou de Internet das Coisas
(IoT), foi tratada como uma forma que trará mais sensação de presença
e de imersão e também maior participação e interatividade da parte do
usuário/interator por Pedro Ventura Almeida (2021).
As histórias passam a poder ser contadas com o que existe ao
redor do interator, de forma pervasiva, sem que ele perceba como
a contação está controlando dispositivos e/ou que os mesmos
capturem informações. A história pode ser adaptada não somente
com decisões e controle de quem a consome, mas também com o
que existe no contexto onde o indivíduo se encontra. (Almeida,
2021, p. 23)
Com isso, pode-se perceber que uma história “pervasiva” pode
ter um alto grau de imersão e de interatividade, pois faz com que o
interator passe a ter poder de decisão sobre o desenrolar da mesma em
diversos níveis e com o controle do próprio ambiente onde ele esteja,
ainda que, algumas vezes, ele mesmo não perceba esta interferência por
existir uma “transparência” afetando a sua relação com os dispositivos.
169
Narrativa Transmídia ou Transmidiática
Por fim, deve-se tratar aqui de transmídia, de modo a entender como
as histórias “pervasivas” podem ser entendidas como narrativas transmídia ou transmidiáticas5, conforme o conceito de Henry Jenkins (2009a).
Para isso, deve-se perceber primeiro como o autor trata do conceito de
narrativa transmídia. Ele aponta, inicialmente, pelo menos três aspectos
fundamentais deste tipo de narrativa: a construção de universo/mundo;
a sua característica de acontecer em mais de dois meios, pelo menos; e
não ser uma mesma história sendo recontada em diversos meios, fator
que caracteriza basicamente a crossmídia.
Jenkins trata de narrativa transmídia em Cultura da convergência (2009a), com algumas características bem marcadas, mas ele
estende o conceito algum tempo depois, em seu blog, quando trata de
mais alguns aspectos a serem considerados e traz agora sete princípios
(2009b, 2009c). Neles, ele repete a questão da construção de mundo/
universo (“Worldbuilding”) e também fala de: espalhamento x aprofundamento (“Spreadability vs. Drillability”); continuidade x multiplicidade
(“Continuity vs. Multiplicity”); imersão x extração (“Immersion vs.
Extractability”); serialidade (“Seriality”); subjetividade (“Subjectivity”)
e “Performance”.
Ainda que estes novos princípios sejam do próprio Jenkins, é
pertinente observar que os três primeiros, destacados anteriormente, dão
conta do que seria uma narrativa transmídia de um modo geral. Os outros
acabam por completar algumas posturas do autor, mas, efetivamente,
5.
Na edição de 2008 de Cultura da convergência, a tradução optou por narrativa
transmidiática. Já no texto da nova edição, ampliada e atualizada, de 2009, o
termo foi traduzido como narrativa transmídia.
170
não modificam o que ele já havia escrito antes e tratam muito mais da
cultura de fãs envolvida nas narrativas. Deste modo, o foco deste artigo
vai recair muito mais na definição inicial de narrativa transmídia do que
em outros aspectos que vieram depois, dando mais ênfase, então, ao
que Jenkins escreveu em Cultura da convergência (2009a).
Começando por aquilo que talvez seja o mais importante, discutir
a construção de um mundo ou um universo dá claramente a dimensão de
uma narrativa maior composta de várias histórias que se conectam das
mais diversas formas. No entanto, nesta conexão não há espaço para se
recontar uma mesma história. Não se trata de refazer aquilo que já existe,
nem mesmo de contar esta história em um outro meio. Isso é ligado à
crossmídia ou à intermídia, não à transmídia. Do mesmo modo, pensa-se
em trans- como algo que atravessa vários meios e não apenas conecta
dois deles, o que é claramente uma ligação com a intermídia também.
Uma história transmídia desenrola-se através de múltiplas
plataformas de mídia, com cada novo texto contribuindo de
maneira distinta e valiosa para o todo. Na forma ideal de narrativa
transmídia, cada meio faz o que faz de melhor — a fim de que
uma história possa ser introduzida num filme, ser expandida
pela televisão, romances e quadrinhos; seu universo possa ser
explorado em games ou experimentado como atração de um
parque de diversões. Cada acesso à franquia deve ser autônomo,
para que não seja necessário ver o filme para gostar do game,
e vice-versa. Cada produto determinado é um ponto de aceso à
franquia como um todo. (Jenkins, 2009a, p. 138)
Entende-se, então, que a narrativa transmídia tem características
específicas, baseia-se numa reunião de diversas histórias formando
um todo e não é algo redundante, como Jenkins faz questão de frisar:
“A redundância acaba com o interesse do fã e provoca o fracasso da
171
franquia” (2009a, p. 138). Assim, a construção do universo tem que
ser bem pensada e dosada, para que mantenha o interesse daqueles que
têm acesso a ele. Não se trata apenas de contar histórias, mas também
de organizar uma conexão entre elas que sustente a trama maior e não
a torne inverossímil.
Narrativas “Pervasivas” como Transmídia
Como a narrativa transmídia leva em conta vários meios com
cada um contando uma parte de uma mesma história maior, formando
um universo, segundo Jenkins (2009a), pode-se pensar em sua ligação com o que está sendo chamado de pervasive storytelling (PST).
Nesta estrutura estudada nos laboratórios de Aplicação e Inovação em
Computação e de Mídia Digital da UFJF, no entanto, ao invés de se
ter partes de um universo, tem-se o que se chamou de episódios, com
suas experiências, cada qual ambientando um conjunto de sequências,
encaminhando as histórias (Almeida, 2021)6.
Este tipo de narrativa engloba o uso de Internet das Coisas (IoT)
na contação das histórias, com imersão e interatividade. O ambiente
em que as histórias são transmitidas também interfere na sua continuidade. Deste modo, a experiência imersiva pode ir além da visão e da
audição. Dependendo de onde a pessoa estiver, a história se adapta ao
local e ao que estiver disponível em termos de IoT. Isso faz com que a
expansão das narrativas seja ligada ao próprio espaço, onde a Internet
está se fazendo presente pela conexão dos dispositivos os mais variados.
6.
Todas as próximas referências a histórias “pervasivas” serão baseadas sempre
em Almeida (2021).
172
Assim, tudo o que estiver conectado a uma rede, que faz parte da rede
maior da Internet, pode ser utilizado em IoT e neste tipo de narrativa.
A proposta feita na Universidade Federal de Juiz de Fora, pelo
então mestrando Pedro Ventura Almeida, estava muito embasada na
construção não de um mundo, mas de uma estrutura que contivesse,
numa mesma história “pervasiva”, partes de um todo que se apresentaria
ao interator de acordo com as condições dadas por este e pelo ambiente.
Explicando com mais detalhamento, uma única história “pervasiva”
estaria apoiada em episódios, que seriam as partes menos visíveis da
narrativa, mas que englobariam as tramas principais da mesma, lembrando o episódio de uma série de TV, por exemplo. Cada episódio seria
montado de acordo com atributos que devem ser atendidos para que a
história possa ocorrer — caso contrário, nada acontece, e o interator
deve procurar por outra narrativa. Esses atributos são chamados de
circunstâncias. Para determinado episódio, há circunstâncias que são
específicas, portanto não é apenas no início da história que determinadas
circunstâncias têm que ser atendidas.
Com tudo correto, o episódio pode ter início, com a própria história
“pervasiva” também começando. Assim, passa-se a um outro estágio,
que são as experiências, que seriam algo semelhante a cenas de um produto audiovisual, mas não exatamente. Em um mesmo episódio, várias
experiências podem acontecer, inclusive simultaneamente. Também para
cada experiência existem as circunstâncias específicas. Além disso, elas
podem se relacionar ou não entre elas, ou seja, pode haver a necessidade
de uma experiência acontecer para que outra esteja disponível, já que
as circunstâncias para que elas aconteçam são também independentes
umas das outras e podem se dar de forma assíncrona e também sem um
173
tempo de duração predefinido. As experiências estão num nível abaixo
dos episódios e têm características de organização de cada trama.
No entanto, as experiências ainda não são a história que acompanhamos verdadeiramente. Esta parte das histórias “pervasivas” está ligada
às sequências. Estas são efetivamente tudo aquilo que aparece da trama
para o interator. Com todas as circunstâncias sendo atendidas, também no
nível das sequências, parte-se para a ação. Tudo começa a se movimentar
na história, as tramas são iniciadas, e personagens entram em cena.
Figura 1
Entidades estruturais do modelo PST agrupadas em
visão composicional
Almeida (2021).
A sequência mostra efetivamente para a audiência o que está
acontecendo na história. Os personagens assumem seus papéis, e pode-se
começar a trama. As sequências seriam as imagens, os sons, os textos,
mas também as sensações táteis, de frio ou calor, de vento, de umidade,
entre diversas outras possíveis. Elas acontecem não exatamente em uma
174
tela ou numa página ou algo assim. Elas podem se dar em qualquer lugar
e fazem do ambiente ao redor o próprio palco da história “pervasiva”.
Acima (figura 1), tem-se a estrutura da história “pervasiva”
(pervasive storytelling ou PST), com um episódio (episode), uma experiência (experience) e duas sequências (sequences).
Esta estrutura tem relação com uma outra, que apresenta não
só um modelo mais objetivo de história “pervasiva”, mas também algo
mais detalhado, como na figura 2:
Figura 2
Principais entidade estruturais do modelo PST
Almeida (2021).
Nesta ilustração são encontrados também os metadados
(metadata), que são informações fornecidas previamente pelo interator
parta poder acessar a história. Estes metadados também podem estar
175
num banco de dados que seria criado pela participação do interator em
outras histórias “pervasivas”.
Como se pode notar, todos os elementos da história dependem de
circunstâncias serem atendidas, no todo ou em parte. Caso haja algum
outro modo da circunstância ser atendida, seja por outro dispositivo,
seja por alguma reconfiguração por parte do interator ou do ambiente,
então a narrativa pode se desenvolver. No plano das sequências, porém,
é que se localizam todos os elementos, ou entidades, da trama em si.
Ali está tudo aquilo que vai aparecer para o interator em termos de
visão, audição, mas também possibilidades de se trabalhar tato, olfato,
paladar e outras sensações como movimento, por exemplo.
Há também as propriedades (properties), que
servem para definir comportamentos mais específicos da instância
de uma entidade e de seus descendentes. Quando se define uma
propriedade em uma instância superior, todas as instâncias
inferiores na hierarquia também carregam tais valores. […]
Por exemplo, se declarado em uma instância da entidade PST
a propriedade de volume máximo para áudio, todos os sons na
contação respeitarão tal valor. (Almeida, 2021, p. 60)
Já no caso de se observar as sequências, elas podem ter elementos
de mídia (media), de efeitos sensoriais (sensory efects), como entidades de saída, ou de ponto de decisão (decision point), como entidade
de entrada, todos com suas respectivas propriedades. Os elementos de
mídia englobam tudo que trata das sensações às quais estamos habituados quando vemos um filme, um vídeo ou um programa de TV. Já
os efeitos sensoriais abrigariam aqueles efeitos aos quais ainda não
nos habituamos e que se colocam como representações de saída não
176
convencionais, presentes na chamada “mulsemedia” (Ghinea et al.), como
luz ou iluminação, cheiro, sabor, vibração, temperatura, entre outros.
Os pontos de decisão funcionam como elementos de interatividade na
trama. Por meio deles, o interator faz opções sobre como a história deve
se comportar, daí serem entidades de entrada e não de saída.
Principalmente com os efeitos sensoriais e os pontos de decisão, fica bastante claro o caráter imersivo e interativo das histórias
“pervasivas”. Eles destacam justamente como o interator pode tanto
vivenciar uma determinada narrativa quanto como ele pode decidir
sobre determinadas situações dadas pela história.
O que se pensa, agora, é trazer para histórias “pervasivas” um
destaque para seu caráter transmídia, ou seja, observar como este tipo
de narrativa está alinhado ao que Jenkins traz sobre maneiras de se
criar universos narrativos. Busca-se trazer mais luz para esta discussão,
tendo como foco possibilidades transmídia desta história “pervasiva”.
Não se trata de fazer uma ligação direta entre as duas — transmídia e
pervasive storytelling —, mas de buscar, nesta tentativa de ligação, algo
que possa dar mais sentido a ambas neste movimento de aproximação.
Logo de início, como visto anteriormente, uma história “pervasiva” não se destina exatamente à criação de um universo, mas tem
outras características importantes para a narrativa transmídia, como o
uso de diversos meios para se contar esta história. Mesmo que estes
meios estejam dentro de uma estrutura ligada à rede internacional de
computadores, a Internet, cada um deles parece agir autonomamente
em uma história “pervasiva”, exatamente por haver a questão da “transparência”, que já foi aqui colocada.
177
Assim, mesmo que todos os dispositivos acionados para a contação da história sejam encontrados numa ligação em rede, estando
assim num mesmo espaço e não em meios diferentes, há uma indicação
de que se pode falar em uma narrativa multiplataforma, que por ser
também formada por dispositivos “transparentes”, acaba por levar ao
interator a não perceber esta unidade percebida em rede e faz com que
ele entenda a história se desenvolvendo em diferentes dispositivos.
Aqui, pensa-se, então, numa certa lógica de construção “transmídia”,
ainda que, efetivamente, isso não ocorra. O interator tem a sensação
da transmídia sem contudo notar que o que ocorre está ligado a uma
relação entre plataformas distintas e não meios — já que tudo ocorre
na Internet e suas possibilidades de ligação entre dispositivos diversos.
O entendimento de que a história “pervasiva” pode ter características transmídia também se liga ao fato de que há uma clara intenção
em que, mesmo que seja apenas uma única narrativa, ela seja contada
em diferentes meios e/ou plataformas. Aqui cabe uma ressalva: a narrativa transmídia de Jenkins parte sempre de algo que relaciona muitas
histórias que contam — cada uma delas — algo que virá a ser parte
de uma coisa maior, a criação de um universo ou mundo. No caso da
história “pervasiva”, há, na maioria das vezes, uma só narrativa que se
espalha por diversos meios, plataformas e também ambientes, mesmo
que não se crie um mundo. Além disso, fica a ressalva, feita no parágrafo
anterior, de que a narrativa, apesar de se espalhar por diversos meios,
plataformas e até ambientes, se dá apenas nas conexões de Internet que
se encontram nestes espaços. Assim, a narrativa depende apenas destas
conexões para existir e não deste ou daquele dispositivo ou meio específico, já que ela pode acontecer de modos diversos, adaptando-se ao
178
ambiente em que se encontra. Para mais detalhes sobre isso, é importante
observar o que Almeida aborda sobre cenários de uso para a contação
de histórias “pervasivas” (2021, pp. 24-28).
Não é objetivo deste trabalho detalhar estes cenários. Apresentamos aqui apenas alguns quadros que ilustram estas possibilidades (figuras 3, 4, 5 e 6). Neles, uma pessoa chamada Anna dedica-se a acompanhar
uma história “pervasiva”. Esta história, conforme é demonstrado, pode
acontecer em ambientes diferentes — em casa, no transporte público,
no trabalho ou numa cafeteria — e se desenvolve de acordo com as
condições dadas pelo próprio ambiente — os dispositivos disponíveis
para a história começar e ter continuidade. Além disso, Anna pode
interferir na evolução da trama por meio de pontos de decisão, onde a
interatividade é mais aparente. Assim, a história é contada de acordo
com opções e escolhas de quem a assiste, em diversos meios, que não
são necessariamente os mais convencionais.
Figura 3
Contação de história simulada em um cenário doméstico
- experiência 1
Almeida (2021).
179
Figura 4
Contação de história simulada em um cenário de
transporte público - experiência 2
Almeida (2021).
Figura 5
Contação de história simulada em um cenário de pausa
do trabalho
Almeida (2021).
180
Figura 6
Contação de história simulada em um cenário de
ambiente externo
Almeida (2021).
Alguns aspectos chamam a atenção. Uma mesma experiência
(figuras 3 e 4) pode ser experimentada em ambientes diferentes — em
casa ou no transporte público — e pode continuar em um outro lugar
(figura 5) — no trabalho. Há também a possibilidade de expansão da
história para outros espaços (figura 6) — cafeteria —, onde aquilo que
se passa ali não é necessário para a continuidade da trama, mas que
pode se transformar em algo que coloque o interator mais próximo de
situações encontradas nas histórias — no caso, bebidas e sobremesas
favoritas de personagens.
Comentários
O que se apresenta aqui como histórias “pervasivas” é, em
resumo, uma adaptação ao que Jenkins traz para o âmbito das narrativas,
181
buscando enfatizar aquilo que mais próximo seria de sua proposta original, sem perder de vista pontos que certamente não serão os mesmos
da transmídia vinda do autor de Cultura da convergência. Além do uso
de meios diferentes para contar uma mesma história, é preciso dizer que
há como que partes de histórias que se conectam, já que um episódio
ou uma experiência só vão acontecer se determinadas circunstâncias
estiverem cumpridas.
Isso indica que uma parte da narrativa pode acontecer em
momentos distintos para interatores diferentes, o que lembra um pouco
a possibilidade, na transmídia de Jenkins, de haver uma grande história
sendo contada por partes menores, cada uma acontecendo em um meio
diverso e de modos diferentes para cada um daqueles que está experimentando o universo construído.
Outro ponto é quem nem tudo sobre a história estará disponível
para todos os que a acompanham. Dependendo de determinadas circunstâncias, partes desta história não serão exibidas para o interator — e
caso este também não se desloque, experiências adicionais não serão
acionadas por ele, por exemplo.
Uma outra caraterística da narrativa transmídia é utilização do
que cada meio tem de melhor para auxiliar na contação da história,
que também vem da transmídia tradicional (Jenkins, 2009a, p. 138).
Na história “pervasiva”, pode-se pensar que o próprio ambiente vai
fornecer o que de melhor estiver disponível para que a história possa
continuar acontecendo. Isso muito em função dos aparelhos conectados
via Internet, num modelo de IoT, e trazendo mais a questão da interatividade para a discussão. Além disso, como colocado, a história pode
suscitar ao interator a ida a outros ambientes para que partes da história
182
possam acontecer nestes espaços específicos. Ambientes devem fornecer
melhores situações, ou seja, estejam em condições mais favoráveis para
que partes de uma história possam se desenrolar ali.
Pode-se pensar na criação de um conjunto de histórias que
formariam não um universo — uma construção de mundo, segundo
Jenkins (2009a) —, mas algo abrangente de uma outra forma. Seria
interessante fazer uma alusão a este espaço maior de convergência de
narrativas para adaptar-se a questões da própria construção que leva
em conta o ambiente, ou seja, se naquele lugar cabem várias histórias,
pode-se fazer algum tipo de ligação entre elas trazendo algo maior para
a experiência do interator, que se refere também à imersão.
Assim, o que era antes a construção de um universo com diversas
narrativas se conectando, pode ser entendido agora como um espaço para
se contar histórias que como que se expandem em ambientes variados.
Não há também tanta preocupação com o uso de meios diferentes, pois
tudo ocorre muito mais na Internet do que em outros lugares, mas com
uma diferença clara aqui da utilização das plataformas. Esta abrangência,
contudo, não é percebida claramente pelo interator, já que tudo é como
que “transparente” para ele.
A imersão se dá, como sempre se deu, diga-se de passagem, na
história, muito mais do que em efeitos que possam ser criados para que
ela seja contada. Além disso, a imersão conta com o apoio, no caso das
histórias “pervasivas”, de dispositivos e do próprio ambiente em que
ela está se desenvolvendo. Um outro aspecto é que a interatividade vai
aparecer aí também. Algumas escolhas vão poder ser feitas por meio
de dispositivos disponíveis para esta interação e outras vão acontecer
183
nas próprias narrativas, quando o interator for chamado a decidir sobre
o que um personagem deva fazer, por exemplo.
Deste modo, conclui-se que histórias “pervasivas” têm ligação
bastante forte com imersão e interatividade, de acordo com o que for
pensado para elas, mas também indicam uma relação com a narrativa
transmídia de Jenkins, quando se constrói algo maior num ambiente,
dispositivos variados contribuem como meios ou plataformas para o
desenvolvimento da história e isso se dá em mais de dois destes dispositivos e, algumas vezes, em mais de dois espaços ou lugares também.
A narrativa “pervasiva” ainda é algo que requer mais desenvolvimento e estudos, mas já teve início mostrando que pode ser algo maior
do que previamente aparenta. Um olhar mais detalhado para a transmídia
também pode fornecer outras possibilidades para este tipo de história
que faz do ambiente seu espaço de fruição de uma obra. Atentar-se para
o que está ao redor parece ser uma das chaves para se descobrir como
o ato de contar histórias pode se desenvolver daqui para frente.
Referências
Almeida, P. H. V. R. (2021). Modelo de representação e orquestrador
baseado em nuvem para a contação pervasiva de histórias.
[Dissertação de mestrado, Universidade Federal de Juiz de Fora].
Ghinea, G., Timmerer, C., Lin, W., & Gulliver, S. R. (2014) Mulsemedia:
State of the art, perspectives, and challenges. ACM Transactions
on Multimedia Computing, Communications and Applications,
11(1), 1-23.
Jenkins, H. (2009a). Cultura da convergência. Aleph.
184
Jenkins, H. (2009b, 12 december). Revenge of the Origami Unicorn:
The Remaining Four Principles of Transmedia Storytelling. https://
henryjenkins.org/blog/2009/12/revenge_of_the_origami_unicorn.
html
Murray, J. H. (2003). Hamlet no holodeck: o futuro da narrativa no
ciberespaço. Itaú Cultural/Unesp.
Primo, A. (2000). Interação mútua e reativa: uma proposta de estudo.
Revista da Famecos, 12, 81-92.
Thompson, J. B. (2018). A interação mediada na era digital. Matrizes,
12(3), 17-44.
Winnicott, D. W. (1975) O brincar e a realidade. Imago.
185
EXPANDINDO A NARRATIVA TRANSMÍDIA
COM OS JOGOS NOTICIOSOS
Eduardo Fernando Uliana Barboza1
Com o avanço e consolidação de novas tecnologias digitais
entre elas as mídias sociais, os podcasts e os serviços de streamings
como plataformas de fontes de informação, o questionamento geral
no campo da comunicação tem sido sobre as formas de se produzir
conteúdo informativo neste contexto.
Sabe-se que o tradicional esquema de comunicação em que o
enunciador da mensagem era o detentor absoluto da informação e o
receptor apenas um mero expectador já não é mais condizente com a
realidade. A comunicação dialógica, interativa e transmidiática relativizou teorias e hipóteses como o Gatekeeper e a Agenda Setting, e já
podemos observar que o enunciador e o receptor tornaram-se co-enunciadores, interlocutores e prossumidores. Agora, ambos são produtores
1.
Doutorando em Comunicação e Linguagens pela Universidade Tuiuti do Paraná
(UTP).
[email protected]
186
de informação, que circula livremente nas novas mídias, em diferentes
plataformas e redes de comunicação colaborativas. É nesse cenário que
o presente artigo propõe sua discussão.
A pesquisa partirá de estudos sobre transmídia, termo que, de
acordo com Gosciola (2019), surge em feiras culturais hippies norte-americanas conhecidas como trans-medium e trans-media entre 1960
e 1970. Aparecendo em seguida nas pesquisas do compositor erudito
Stuart Saunders Smith, em 1975, do teórico de cinema David Bordwell,
em 1989, e da pesquisadora Marsha Kinder, em 1991, no livro Playing
with power, que marca as discussões sobre a transmídia nos estudos
sobre comunicação. Apesar disso, o termo se populariza a partir dos
anos 2000 com Henry Jenkins e seu livro Cultura da Convergência.
Na publicação, Jenkins define transmídia como a narrativa que “se
desenvolve através de múltiplos suportes midiáticos, com cada novo
texto contribuindo de maneira distinta e valiosa para o todo” (Jenkins,
2009, p. 135).
A partir deste conceito, o enfoque será, mais especificamente,
sobre a comunicação transmídia, já que o termo transmídia estaria mais
relacionado ao mercado e ao desenvolvimento de narrativas e produtos
de entretenimento e de publicidade. Em seguida, será debatido a expansão da narrativa transmídia a partir da utilização dos jogos noticiosos
como forma de enriquecer as experiências de comunicação transmídia
enquanto narrativa jornalística aplicada às novas mídias.
É importante destacar que as novas gerações, cada vez mais
conectadas por meio de múltiplas telas e aplicativos, buscam e consumem informações de formas distintas. Hoje, além de personalizado e
segmentado, o conteúdo informativo precisa ser atrativo, assim como
187
um jogo online ou um vídeo no tiktok. Os newsgames e a narrativa
transmídia podem oferecer essa atratividade, promovendo um engajamento com esse público multitelas. Isso porque os jogos noticiosos
exploram a interatividade, a multimidialidade e possuem características
de jogabilidade que potencializam a narrativa comunicacional. Notícias
e reportagens podem ser transformadas em games para serem melhor
compreendidas e assimiladas.
Nesse contexto de jogos desenvolvidos a partir de conteúdos
jornalísticos, os pesquisadores Gonzalo Frasca e Ian Bogost apresentam
os newsgames como um gênero que não só é capaz de abordar acontecimentos factuais, mas também têm potencial para fazer esse trabalho
de forma coletiva e multimídia.
De acordo com Frasca (2013), a tradução direta para newsgame
seria jogos noticiosos. O autor explica com mais detalhes a concepção
sobre esse conceito, “newsgame é, então, filho das notícias e do jogo,
mais especificamente do videogame. Alguém poderia pensar que nasceu
com os videogames e a Internet, mas, como acontece muitas vezes, o
mundo digital simplesmente amplificou as ideias existentes” (Frasca,
2013, p. 255).
Bogost et al. (2010, p.6) adotaram o termo originalmente apresentado por Frasca, expandindo sua abrangência para “um amplo conjunto
de trabalhos produzidos na intersecção entre videogames e jornalismo”.
Contudo, o newsgame não deve ser uma iniciativa isolada – assim
como a infografia, o podcast e a reportagem multimídia – entende-se
que deve integrar uma narrativa maior, que explore cada vez mais os
recursos multimídia disponíveis. Segundo os pesquisadores, essa narrativa é a chamada transmídia.
188
A Construção de Histórias Multiplataforma com a Narrativa
Transmídia
Para Jenkins (2009) uma das principais características desse tipo
de narrativa é que a especificidade de cada meio de comunicação atrai
públicos diferenciados, com necessidades diferentes de informação e,
consequentemente, tocados por narrativas cada vez mais particulares.
A narrativa transmídia, porém, tem outras características além
da história ampliada contada em multiplataformas. Uma delas é a possibilidade de construção coletiva de conteúdo, o que imprime à narrativa
transmídia uma característica interativa.
Scolari (2013) aponta que essa característica interativa da narrativa transmídia proporcionou que os consumidores de franquias se
apropriassem dos seus personagens favoritos e expandissem ainda mais
seus mundos narrativos. Para Scolari (2013), essa é uma característica
marcante da narrativa transmídia observada por Jenkins (2009).
Por se tratar de uma narrativa, Gonçalves (2012) ressalta que a
linguagem, por si só, é interativa, em especial quando tratamos da noção
bakhtiniana de linguagem, que tem o dialogismo como seu princípio
construtivo. A autora acrescenta que esse processo interativo da linguagem fica ainda mais evidente no contexto da revolução da informação,
no qual se desenvolve a narrativa transmídia. “O processo de narrativa
transmídia está inserido no contexto de revolução da informação,
caracterizado pela colaboração, pela atuação voluntária do sujeito que
participa da construção de um mosaico comunicacional, chamado de
croundsoursing ou sociedade colaborativa” (Gonçalves, 2012, p. 22)
E foi a busca por uma narrativa mais interativa, compartilhável
e expansível, que o jornalismo passou a incorporar a transmídia. Renó e
189
Flores (2012) lembram que essa tendência tem base na realidade em que
vivemos, na qual o cidadão quer, cada vez mais, assumir ele próprio o
status de meio de comunicação.
No que diz respeito à transmídia, primeiro é preciso entender
que a narrativa jornalística acompanha a evolução das plataformas
midiáticas, como evidencia Gosciola (2011):
vale lembrar que a comunicação midiática tem um movimento
de transformação contínuo e ininterrupto, mas uma ocorrência
frequente nesse fluxo é que sempre que há uma obsolescência
em termos tecnológicos entre os meios de comunicação, as
narrativas começam a buscar novidades em novas tecnologias
e vice-versa. Esse sincronismo ocorre graças a uma propriedade
muito característica: cada novo meio de comunicação tem a
possibilidade de integrar outros meios de comunicação que lhe
antecederam. (Gosciola, 2011, p. 02)
Nunes (2012) aponta a necessidade de que se delineie uma nova
narrativa jornalística, que se faz necessária face às novas mídias.
A audiência de hoje (leitores, espectadores, telespectadores, etc.)
quer ter mais controle sobre o que consome, quer interagir com
os meios e também com as histórias, muitas delas compostas
em narrativas não-lineares. Histórias que são contadas em uma
plataforma principal, como a televisão, por exemplo, mas se
desdobram em diversas outras, como internet, celular, em que
cada desdobramento ou fragmento, apresenta novas histórias, com
o objetivo de complementar a narrativa central. É a atualização
da narrativa tradicional para a chamada “narrativa transmídia”
ou no original em inglês transmedia storytelling. (Nunes, 2012,
p. 77)
Segundo Lima Junior (2009), a difusão tecnológica propiciou uma
mudança de comportamento com relação ao consumo de informações.
190
“A estrutura comunicacional propiciada pelas redes telemáticas aproximou os produtores da audiência e também permitiu que “amadores” se
convertam, também, além de consumidores da informação, em criadores
de conteúdo jornalístico” (Lima Junior, 2009, p. 2).
Essa visão é compartilhada por Renó (2012), segundo qual
esse novo público das novas mídias não é mais apenas receptor, agora
é coautor, participante da produção da informação.
Os seres-meio, como aponta Dan Gillmor (2005), produzem suas
“notícias”. Esses cidadãos deixaram de ser fontes para jornalistas
e passaram a ser fontes para a sociedade a partir de seus espaços
virtuais, seja pela blogosfera, seja por rede social. Cidadãos que
fazem a circulação da informação por sua própria força, e com
suas próprias palavras e línguas. (Renó, 2012, p. 201)
Sob uma perspectiva mais mercadológica, Toffler (2010) conceitua esse novo público das novas mídias como prossumidor, um novo
conceito de consumidor da chamada Terceira Onda, a era do consumo
permeada pelas novas tecnologias. O prossumidor assume uma postura
mistura que converge características do produtor e do consumidor.
Aplicando esse conceito ao mercado da informação pressupõe-se
que interatividade, participação e produção colaborativa são condições
fundamentais para um jornalismo atrativo nas novas mídias.
Lima Junior (2012) pondera ainda que a saída para a construção dessa nova narrativa jornalística passaria pelo cruzamento de dois
campos do conhecimento, de forma multidisciplinar: a Comunicação
e a Tecnologia da Informação. “É necessário que se cruze campos do
conhecimento para se conseguir o melhor entendimento sobre as áreas
envolvidas, e a partir disso extrair eficiência e eficácia nos processos
191
de produção e nos impactos produzidos pelos produtos informativos
(Lima Junior , 2012, p. 25).
Esse trabalho multidisciplinar já resulta, hoje, em uma nova
narrativa da informação, a narrativa transmídia. No que se refere aos
conceitos de transmídia, retornamos à Jenkins.
Uma história transmídia desenrola-se através de múltiplas
plataformas de mídia, com cada novo texto construindo de
maneira distinta e valiosa para o todo. Na forma ideal de narrativa
transmídia, cada meio faz o que faz de melhor – a fim de que
uma história possa ser introduzida em um filme, ser expandida
para a televisão, romances e quadrinhos; seu universo possa ser
explorado em games ou experimentado como atração de um
parque de diversões. (Jenkins, 2009, p. 138)
Aranha (2011) complementa esta definição lembrando que o
não acesso a um dos suportes propostos pela narrativa transmídia não
deve atrapalhar o entendimento da informação. “O acesso a cada canal
deve se dar, para Jenkins, de forma autônoma, de tal modo que a perda
de um dos blocos não comprometa a compreensão do todo, nem a compreensão (fechamento) daquele bloco específico (Aranha, 2011, p. 02).
Jenkins (2009) também ressalta essa característica marcante da
narrativa transmídia, lembrando que a especificidade de cada meio de
comunicação atraí públicos diferenciados, com necessidades diferentes
de informação e, consequentemente, tocados por narrativas cada vez
mais particulares em relação aos meios pelos quais são veiculadas.
“Uma boa franquia transmídia trabalha para atrair múltiplas clientelas,
alterando um pouco o tom do conteúdo de acordo com a mídia” (Jenkins,
2009, pp. 138-139). Por outro lado, as franquias de jogos são pensadas
para públicos específicos, mas muitas vezes extrapolam os consoles e
192
as telas dos computadores e acabam ganhando as telas dos cinemas e
as plataformas de streaming com filmes e séries baseados nas histórias
dos jogos quando sua narrativa é envolvente e possibilita adaptações
para outras mídias.
Notícias e Reportagens Formatadas como Jogos
As técnicas de jogabilidade (desafios, metas, objetivos, conquistas e prêmios) podem ser aproveitadas em diversas áreas por meio da
gameficação, inclusive na comunicação. Notícias e reportagens sobre
tecnologia, política, meio ambiente, ciência e até economia podem ser
transformadas em games para serem melhor compreendidas e assimiladas. Para reportagens sobre meio ambiente, por exemplo, os jogos
podem contribuir para que informações de relevância social como ações
de sustentabilidade e preservação dos recursos naturais sejam compreendidas com mais facilidade, promovendo o engajamento popular em
relação ao tema.
O termo gameficação é derivado da expressão inglesa gamification.
Surgiu em 2003 e foi usado pela primeira vez pela empresa inglesa
Conundra para explicar a mistura de entretenimento com experiência de
compra. Mastrocola (2013) explica que o termo gameficação se refere à
aprendizagem por meio de jogos. “Podemos definir gamification como
o uso de elementos dos games e técnicas de game design (como pontos,
barra de progressão, níveis, troféus, fases, medalhas, quests, etc.) dentro
de contextos que não são games” (Mastrocola, 2013, p. 26). Em outras
palavras, trata-se do aproveitamento de técnicas, noções e contextos
de jogos, adaptando-os para as mais diversas áreas como educação e
comunicação por exemplo.
193
A partir do conceito de gameficação, os pesquisadores Gonzalo
Frasca, Ian Bogost, Simon Ferrari e Bobby Schweizer apresentam os
jogos como um gênero que não só é capaz de abordar acontecimentos
factuais, mas também têm potencial para fazer esse trabalho de forma
colaborativa. Os autores fazem parte de um grupo que estuda a utilização
dos jogos na comunicação, definidos como newsgames (Bogost et al.,
2010). O termo newsgame é creditado ao designer de jogos e pesquisador uruguaio Gonzalo Frasca. Foi ele que utilizou pela primeira vez
o termo para se referir a um videogame baseado em acontecimentos
reais, criado a partir do projeto denominado Newsgaming.
De acordo com Frasca (2013), a tradução direta para newsgame
seria jogos noticiosos. O autor explica com mais detalhes a concepção
sobre esse conceito que engloba as áreas de comunicação, tecnologia e
entretenimento. “Newsgame é, então, filho das notícias e do jogo, mais
especificamente do videogame. Alguém poderia pensar que nasceu
com os videogames e a Internet, mas, como acontece muitas vezes, o
mundo digital simplesmente amplificou as ideias existentes” (Frasca,
2013, p. 255).2
Bogost et al. (2010, p. 6) adotaram o termo de Frasca, expandindo
sua abrangência para “um amplo conjunto de trabalhos produzidos na
intersecção entre videogames e jornalismo”. Na concepção dos autores, os jogos noticiosos baseados em acontecimentos reais podem ser
divididos em jogos editoriais (de caráter argumentativo e de persuasão),
jogos tabloides (uma versão jogável de notícias sobre comportamento,
2.
Newsgaming es entonces hijo de las noticias y del juego, más específicamente
del videojuego. Podría pensarse que nació con los videojuegos e internet pero,
como suele suceder, el mundo digital simplemente amplificó ideas ya existentes.
[texto original]
194
celebridades, esportes e fofoca política) e jogos reportagem (simuladores
de fatos a partir de um relato detalhado que têm a intenção de colocar
o leitor na cena descrita).
Os autores do livro Newsgames: journalism at play (Bogost et al.,
2010) acreditam que a incorporação de elementos, de conceitos e até
do design dos games pode oferecer um fôlego novo para um mercado
saturado e sem grandes inovações recentes, tornando a notícia algo
novo e diferente do que estamos habituados a receber.
Ao contrário de matérias escritas para jornais impressos ou
programas editados para a televisão, videogames são softwares e
não uma forma digitalizada das mídias anteriores. Jogos exibem
texto, imagens, sons e vídeo, mas também fazem muito mais:
jogos simulam como as coisas funcionam por meio da construção
de modelos com os quais as pessoas podem interagir com uma
capacidade que Bogost deu o nome de retórica processual. Este
é um tipo de experiência irredutível de qualquer outro meio
anteriormente existente. (Bogost et al, 2010, p. 6)3
Contudo, apesar de o gênero ter crescido, se desenvolvido na
última década e chamado a atenção de universidades, jornalistas e
fundações, Frasca (2013) revela que ainda são poucos os exemplos
de produtos online que utilizam essa nova técnica jornalística. E “as
razões são variadas e respondem a questões culturais, tecnológicas e
3.
Unlike stories written for newsprint or programs edited for television, videogames
are computer software rather than a digitized form of earlier media. Games display
text, images, sounds, and video, but they also do much more: games simulate
how things work by constructing models that people can interact with, a capacity
Bogost has given the name procedural rhetoric. This is a type of experience
irreducible to any other, earlier medium. [texto original]
195
financeiras. Não são particularmente complexas de entender e acredito
que muito menos complexas de solucionar” (Frasca, 2013, p.255)4.
Neste panorama, é consentimento tanto de Frasca (2013), quanto
de Bogost et al. (2010) que ainda são escassos os meios de comunicação online que se aventuram a ir além de cobrir os acontecimentos e
editá-los em reportagens interativas, gameficando a notícia para instigar
as pessoas e fazer com que elas entrem na história, entendam como
aconteceu e percorram o caminho que levou um cidadão comum a se
tornar manchete. Nesse aspecto social e informacional, a gameficação possibilita que o leitor adquira conhecimentos sobre saúde, meio
ambiente, educação, política e economia a partir das informações de um
jogo noticioso. No futuro, o jornalismo, segundo Bogost et al. (2010,
p.10), “pode e vai abraçar novos modos de pensar a notícia, além de
novos modos de produção”.
Mas, para que esse futuro seja promissor e generoso para as
empresas de comunicação, algumas barreiras técnicas e ideológicas
precisam ser superadas para que sejam estabelecidas rotinas de criação
de jogos noticiosos. Tendo em vista que, atualmente, “criar videogames
não é uma atividade de poucas horas. Projetar, programar e distribuir
um videogame muitas vezes pode levar meses ou mesmo anos. Alguns
(poucos) fatos noticiosos podem ser precedidos” (Frasca, 2013, p. 256)5.
Pensando nisso, as empresas de comunicação precisam aceitar
que, nesta nova fase da sociedade da informação, terão mais chances de
4.
5.
Las razones son varias y responden a causas culturales, tecnológicas y financieras.
No son particularmente complejas de entender y creo que tampoco son demasiado
complejas de solucionar. [texto original]
crear videojuegos no es una actividad de pocas horas. Diseñar, implementar
y distribuir un videojuego todavía suele llevar meses e incluso años. Algunos
(pocos) hechos noticiosos pueden ser bastante predecibles [texto original]
196
sucesso no mercado aqueles que possuírem equipes multiprofissionais
e substituírem os métodos tradicionais de produção de conteúdo por
novas tecnologias, seja dos games, das ciências da computação ou da
engenharia.
Assim como a tecnologia com a qual as notícias são criadas e
disseminadas muda, a própria forma do jornalismo altera-se.
Enquanto os gêneros de newsgame mencionados representam
oportunidades imediatas para organizações jornalísticas, muitos
outros podem ser desenvolvidos no futuro, quer em resposta a
mudanças tecnológicas ou como inteiramente novas invenções.
(Bogost et al., 2010, p. 8)6
Para Frasca (2011), o jogo pode ser utilizado como uma ferramenta narrativa que possibilita compreender melhor qualquer tipo de
assunto por meio da exploração e da experimentação. Segundo o autor,
“o jogo é a primeira estratégia cognitiva dos seres humanos e, como
tal, uma ferramenta incrível para explicar e compreender o mundo”
(Frasca, 2011, p. 87)7.
Além disso, o autor destaca que, quando utilizado como instrumento comunicacional, o jogo permite complementar a visão linear da
narrativa jornalística empregada e oferecer, simultaneamente, múltiplas
variáveis e caminhos para o usuário compreender o conteúdo da notícia
ou reportagem publicada. O emprego das técnicas de jogabilidade dos
6.
7.
As the technology with which news is created and disseminated changes, the very
form of journalism alters itself. While the genres of newsgame just mentioned
represent immediate opportunities for news organizations, many more might be
developed in the future, either in response to technological shifts or as entirely
new inventions. [texto original]
El juego es la primera estrategia cognitiva del ser humano y como tal, una
herramienta increíble para explicar y entender el mundo. [texto original]
197
games pode tornar o assunto abordado em uma reportagem jornalística
mais concreta e próxima da realidade ao simular, por meio dos jogos,
as situações contextualizadas nas notícias.
O número de possibilidades, caminhos e alternativas que podem
ser escolhidos dentro de um jogo faz dele uma ótima ferramenta educativa
e comunicativa. A partir desse aspecto, a interatividade proporcionada
pelos jogos oferece ao jornalismo online uma nova perspectiva para
a criação de conteúdos informativos, alinhando técnicas de jogabilidade, informação e conhecimento nesse novo produto jornalístico, os
newsgames.
Os Newsgames Ampliando a Narrativa Transmídia
Como argumentamos, o newsgame isoladamente, pode oferecer
informação jornalística ao público. Se for, porém, integrado a uma narrativa que agregue outras ferramentas multimídias – tais como textos,
vídeos, podcast, infográficos, slides de fotos, dados e infográficos – pode
atrair ainda mais interessados para o conteúdo informativo. Essa narrativa é a transmídia, que surgiu nos conglomerados da indústria do
entretenimento e tem sido adaptada ao jornalismo com o objetivo de
explorar e convergir todo os recursos multimídia possíveis para apresentar o conteúdo informativo no formato de um grande arco histórico.
Um preceito básico apresentado por Frasca (2011) que não deve
ser esquecido quando um jogo noticioso é criado é que esse game, além
de informativo, precisa ter roteiro, regras, desafios, recompensas e alguma
forma de aprendizado. Todo newsgame precisa conter esses elementos,
pois é ele que vai orientar os interessados nesse tipo de conteúdo.
198
O pesquisador cita o jogo September 12th - A Toy World
(Play September 12th, s.d.) como um exemplo de jogo noticioso, criado
a partir das técnicas de jogabilidade. Segundo Frasca (2011), o objetivo
desse jogo informativo, que envolve questões geopolíticas internacionais, é levar o jogador a entender que violência gera mais violência, ou
melhor, que mais violência não é a solução para acabar com o terrorismo. O jogo 12 de setembro poderia ser incorporado a uma narrativa
transmídia envolvendo conteúdo produzido no formato de reportagens,
filmes, livros e fotos sobre o atentado de 11 de setembro de 2001 em
Nova Iorque. Com destaque para os filmes: A hora mais escura (2013);
11 de setembro (2003); Fahrenheit 09/11 (2004); O relatório (20090 e
Quanto vale (2021). E os documentários: À Sombra das Torres: O 11 de
Setembro em Stuyvesant (2019) e 11/09 – A vida sob ataque (2020).
Figura 1
Após escolher uma ação para o personagem executar
mais informações sobre o evento são exibidas para
contextualizar o que aconteceu antes da queda do
Muro de Berlim
(Di Giacomo et al., s.d.)
199
Outro exemplo de jogo noticioso interessante é o Pule o muro
(Di Giacomo et al., s.d.): jogo editorial produzido pelo site da revista
Galileu em homenagem aos 25 anos da queda do muro de Berlim.
Nele, o jogador deve tentar pular o muro enquanto conhece diversas
tentativas de fuga históricas. Este newsgame que, além do jogo conta
com uma linha do tempo e depoimentos em vídeo de pessoas viveram
essa história, pode ser utilizado como elemento de uma narrativa transmídia composta por reportagens, filmes, séries, podcasts e fotos sobre
esse capítulo da história mundial.
Figura 2
Jogo noticioso coloca o leitor no comando de um
simulador de voo
Leite et al. (s.d.).
200
Mais uma experiência em produções de jogos noticiosos no
Brasil faz parte do conteúdo especial produzido pela Folha de S. Paulo
sobre a construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte8, localizada
na região norte do país. Na grande reportagem Tudo sobre Belo Monte,
o leitor pode experimentar a sensação de sobrevoar as obras com um
helicóptero comandado pelo próprio usuário por meio das setas do
teclado do computador. Um jogo imersivo que apresenta informações
sobre a construção da obra que dividiu opiniões. O conteúdo interativo
integra uma narrativa maior composta por entrevistas, galeria de fotos,
documentário, mapas e infográficos que também pode ser considerado
uma produção transmidiática.
De 2018, apresentamos o jogo brasileiro Dandara. Classificado
como um serious game –jogo desenvolvido com um propósito educacional, sem ter a função primária do entretenimento – o que não quer dizer
que não possa ser divertido. Contudo, o serious game também possui
um objetivo claro, tem um enredo e envolve competição e recompensas assim como qualquer jogo. Acreditamos que o game também pode
ser classificado com um jogo noticioso uma vez que também aborda a
escravidão, tema ainda muito presente na nossa sociedade. Sobre o jogo,
Dandara, a personagem principal, é baseada em Dandara dos Palmares,
guerreira do período colonial no Brasil, esposa de Zumbi dos Palmares.
É importante destacar que Dandara foi uma das lideranças femininas
negras que lutou contra o sistema escravocrata do século XVII e esteva
ao lado de Zumbi na defesa do Quilombo dos Palmares. Com inspirações
na obra literária de George Orwell Revolução dos Bichos (1945), o game
8.
TUDO SOBRE a batalha de Belo Monte Leite et al. (s.d.).
201
expande uma narrativa maior baseada em um universo de opressões
de séculos já bastante retratado em filmes, séries, livros educacionais,
reportagens e agora nesse jogo com elementos históricos e retratos,
infelizmente, ainda atuais.
Figura 3
Dandara foi produzido pelo estúdio brasileiro
Long Hat House
Sampaio (2018).
Outra iniciativa nacional que merece destaque é o jogo V de
Vinagre, criado a partir dos protestos de 13 de junho de 2013 iniciados
na capital paulista contra o aumento das tarifas do transporte público e
que posteriormente ganhou força com reivindicações políticas e protestos contra gastos excessivos da Copa do Mundo, no Brasil. Inspirado
nas histórias em quadrinhos e no filme V de Vingança, o game é uma
crítica à atitude da polícia militar que tentou proibir o uso de vinagre
durante as manifestações. Na época, várias pessoas foram presas,
inclusive um repórter, por estar portando uma embalagem do produto
202
utilizado como antídoto para os efeitos do gás lacrimogênio. O assunto
ganhou as redes sociais online com memes como “revolta da salada” e
“V de Vinagre”, que deu nome ao jogo que pode ser classificado como
um newsgame por abordar acontecimentos reais. Também podemos
incluir o jogo noticioso em uma narrativa transmidiática, uma vez que
o tema foi abordado em diversos canais como programas de televisão,
rádio e sites jornalísticos. Meios de comunicação alternativos como a
Mídia Ninja também surgiram a partir desse movimento nas ruas e nas
comunidades virtuais. Documentários foram produzidos sobre o assunto,
livros e diversas campanhas políticas aproveitaram as manifestações
para montar suas plataformas eleitorais.
Figura 4
No do jogo, um manifestante com uma mochila nas
costas deve pegar garrafas de vinagre enquanto desvia
de policiais de São Paulo
Zambarda (2013)
Já o jogo Papers Please (Os Papéis, por favor) é ambientado
em Arstotzka, um estado fictício pseudo-soviético na década de 1980,
203
e o seu trabalho enquanto oficial de controle de imigração é controlar
o fluxo migratório de pessoas que querem cruzar a fronteira do país
examinando documentos pessoais e vetando-os nos casos de inconsistências. Nesse exemplo que pode ser considerado um misto de serious
game e persuasive game – que tem como desafio principal transportar
a experiência do usuário de um jogo em direção a uma experiência real
ou com um viés motivacional – o jogador se depara com questões geopolíticas como as enfrentadas pelas populações de países em conflito.
Entre as funções está detectar um selo forjado em um passaporte que,
ao longo do jogo, pode se revelar um desafio interessante, que introduz
incentivos para a sua flexibilização, enquanto agente da lei, que passa a
ser tentado a quebrar as regras. Contudo, tais ações podem ter grandes
consequências.
Figura 5
Papers Please é um jogo experimental que trata de temas
geopolíticos e de opressão
Pope (2013).
Além do jogo online, a narrativa conta com um filme curta-metragem e diversos tutoriais no Youtube. Nesse caso, o game expande de
204
forma lúdica e instrucional conteúdos sobre conflitos internacionais,
crises governamentais e econômicas ao redor do mundo, com grande
possibilidade e potencial para incrementar uma narrativa transmidiática
envolvendo produções audiovisuais como séries, podcasts, documentários, grandes reportagens, sites especializados, mapas interativos, vídeos
produzidos em 360º graus e por drones. Recentemente foi anunciado
pelo desenvolvedor que o jogo lançado em 2013 ganhará uma versão
para dispositivos móveis.
Considerações Finais
O jornalismo tradicional tem como um dos seus objetivos
informar e incentivar à mudança de comportamento da população com
vistas à diversos temas que impactam a vida em sociedade. As narrativas
jornalísticas atuais são limitadas no cumprimento desse objetivo. Já a
narrativa transmídia e os jogos noticiosos podem constituir uma nova
maneira de engajar o interlocutor da informação e incentivar sua participação enquanto parte do processo de construção coletiva de conteúdo.
Os poucos exemplos de trabalhos jornalísticos produzidos no
formato de newsgame comprovam que a elaboração desse tipo de conteúdo ainda é um grande desafio para a maioria das redações digitais.
A disseminação dos newsgames enquanto produto comunicacional
e alternativa para enfrentar a crise que o setor midiático atravessa,
ainda depende de investimentos e não pode ser uma iniciativa isolada.
Além disso, esbarra em questões técnicas, na falta de equipes multiprofissionais nas redações e no tempo que um jogo noticioso leva para
ser produzido.
205
O mesmo problema acontece com a produção de conteúdos
transmidiáticos. O desenvolvimento de uma narrativa ampla que envolve
e se desencadeia em diversas mídias e suportes não é uma tarefa fácil.
Um projeto assim precisa ser muito bem planejado para que cada mídia
apresente a história da melhor forma possível, utilizando todo seu
potencial narrativo e de forma independente. Mas que quando acessados
juntos ou em sequência apresentem um arco narrativo maior. Como
podemos constatar, a utilização dos jogos noticiosos enquanto elemento
da narrativa transmídia tem um grande potencial comunicativo, seja
para informar, instruir, apresentar ou entreter o público, independente
do assunto ou tema abordado.
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208
ESTRUTURAS NARRATIVAS
CORRESPONDENTES ENTRE CINEMA E
RPG (ROLE-PLAYING GAME)
Eduarda Afecto Vilanova1
Vicente Gosciola2
O RPG (Role-Playing Game) é um jogo de interpretação de
papeis, jogado em grupos de, em média, quatro a seis pessoas, onde
todos representam suas funções usando o máximo de imaginação para
se desenvolverem pela narrativa proposta e dirigida pelo mestre. Os atores dessa história são o mestre e os jogadores/players. Segundo Alfeu
Marcatto, o RPG “é um exercício de diálogo, de decisão em grupo, de
consenso” (Marcatto, 1996, p. 16), pois somente pelo diálogo entre os
participantes do jogo é possível construir a narrativa. A figura principal
de um RPG é o mestre, de funções bem próximas às de um diretor ou de
1.
2.
Graduanda em Jornalismo e pesquisadora em Iniciação Científica da Universidade
Anhembi Morumbi .
[email protected]
Doutor em Comunicação, Professor Permanente do Programa de Pós-Graduação
da Universidade Anhembi Morumbi.
[email protected]
209
um roteirista de um filme. O mestre define como a história será, escolhe
quem irá participar, quem cada jogador irá representar, o contexto da
história e suas vertentes, a identidade visual, entre outras funções.
Os jogos são únicos porque, mesmo que seja um RPG criado
por outros, a cada nova sessão um mestre pode personalizar de uma
maneira diferente. As regras servem como um controle na história, os
jogadores possuem sua liberdade criativa durante as partidas, mas ainda
precisam de um limite até onde irão.
Nestes limites, é importante compreender o que é interpretação
de papel, ou Role-playing, como afirmam Zagal & Deterding:
Role-playing é um processo interativo de definição e redefinição
do estado, propriedades e conteúdos de um mundo de um jogo
imaginário.
O poder de definir o mundo do jogo é atribuído aos participantes
do jogo, que reconhecem a existência dessa hierarquia de poder.
Jogadores-participantes definem o mundo do jogo por meio de
construções de personagens personificadas, em conformidade
com o estado, propriedades e conteúdos do mundo do jogo.
Normalmente, o poder decisivo para definir as decisões tomadas
por uma construção de personagem de livre arbítrio é dado ao
jogador do personagem.
O poder decisivo de definição que não é restringido por
construções de caráter é muitas vezes dado a pessoas que
participam de papéis de árbitro.
O processo de definição é muitas vezes governado por um
conjunto de regras de jogo quantitativas.
As informações sobre o estado do mundo do jogo são muitas
vezes disseminadas hierarquicamente, de forma correspondente
à estrutura de poder do jogo.
No RPG de mesa, o mundo do jogo é definido predominantemente
na comunicação verbal.
No live-action RPG - larp, o jogo se sobrepõe ao mundo físico,
que é utilizado como fundamento na definição do mundo do jogo.
210
No role-playing virtual, o jogo é sobreposto a uma realidade
virtual computacional, que é usada como base na definição do
mundo do jogo. (Zagal & Deterding, 2018, pp. 20-21)
Para Hitchens & Drachen, o RPG tem a seguinte estrutura:
1. Game World: Um RPG é um jogo ambientado em um mundo
imaginário. Os jogadores são livres para escolher como
explorar o mundo do jogo, em termos do caminho pelo
mundo que percorrem, e podem revisitar áreas anteriormente
exploradas. A quantidade de mundo do jogo potencialmente
disponível para exploração é geralmente grande.
2. Participantes: Os participantes dos jogos são divididos entre
jogadores, que controlam personagens individuais, e árbitros
(que podem ser representados em software para exemplos
digitais) que controlam o restante do mundo do jogo além dos
personagens dos jogadores. Os jogadores afetam a evolução
do mundo do jogo através das ações de seus personagens.
3. Personagens: Os personagens controlados pelos jogadores
podem ser definidos em termos quantitativos e/ou qualitativos
e são indivíduos definidos no mundo do jogo, não identificados apenas como papéis ou funções. Esses personagens
podem desenvolver potencialmente, por exemplo, em termos
de habilidades, habilidades ou personalidade, a forma desse
desenvolvimento está pelo menos parcialmente sob controle
do jogador e o jogo é capaz de reagir às mudanças.
4. Mestre do jogo: Pelo menos um, mas não todos, dos participantes tem controle sobre o mundo do jogo além de um
único personagem. Um termo comumente usado para esta
função é “game master”, embora existam muitos outros. O
equilíbrio de poder entre jogadores e mestres do jogo, e a
atribuição desses papéis, podem variar, mesmo dentro de
uma única sessão de jogo. Parte da função do mestre do jogo
é tipicamente julgar as regras do jogo, embora essas regras
não precisem ser quantitativas de forma alguma ou depender
de qualquer forma de resolução aleatória.
211
5. Interação: Os jogadores têm uma ampla gama de opções
de configuração para interagir com o mundo do jogo por
meio de seus personagens, geralmente incluindo pelo menos
combate, diálogo e interação com objetos. Embora a gama
de opções seja ampla, muitas são tratadas de forma muito
abstrata. O modo de engajamento entre jogador e jogo pode
mudar de forma relativamente livre entre configurativo e
interpretativo.
6. Narrativa: Os jogos de RPG retratam uma sequência de
eventos dentro do mundo do jogo, o que dá ao jogo um elemento narrativo. No entanto, dada a natureza configurativa
do envolvimento dos jogadores, esses elementos não podem
ser chamados de narrativa de acordo com a teoria narrativa
tradicional. (Hitchens, & Drachen, 2009, 16).
As ações dos jogadores de um RPG podem ser definidas de um
modo um pouco mais poético, conforme as palavras de Jane Maria Braga:
1. É permitido quebrar as regras de qualquer exercício proposto
aqui. 2. É permitido, quando a necessidade surgir, escrever
em português “errado”, começar no meio, deixar seu trabalho
inacabado etc. 3. É permitido escrever em colaboração com
seu vizinho. 4. É permitido copiar o trabalho do vizinho.
5. É permitido ser bobo ou escrever coisas sem sentido. Não
é preciso ser profundo ou literário. É permitido besteirol.
6. É permitido contar mentiras ou exagerar. 7. É permitido se
dirigir às coisas, animais, flores, estranhos e a você mesmo. É
permitido falar em nome deles. É permitido se dirigir a Deus.
8. É permitido ser um participante entusiasta (pessoal, subjetivo
e sentimental) ou um observador distanciado (repórter objetivo).
9. É permitido se divertir. (Braga, 2000, p. 5)
O RPG surgiu na década de 1970 nos Estados Unidos e no Brasil
chegou na década de 1990.
212
Enquanto o costume usual é apontar para a publicação de 1974
de Dungeons & Dragons pela Tactical Studies Rules como o
“início” do “role-playing”, esse jogo não continha as palavras
“role-playing game”. Além disso, os antecedentes do jogo eram
óbvios. Era um descendente direto de jogos de guerra (sua capa
dizia “regras para fantásticos jogos de guerra medievais”).
(Mason, 2004, p. 1)
Basicamente, era um grupo de jovens que se reuniam para se
divertir, sem os aparatos da atual tecnologia, com os instrumentos que
possuíam, tais como livros, blocos de anotações, dados, tabuleiros,
lápis, canetas e sobretudo imaginação. Atualmente, com o avanço da
tecnologia, é possível se reunir para jogar em páginas/aplicativos, cada
um permanecendo em sua casa, possibilitando a criação de um universo
inteiro dentro de uma tela, com tabuleiros, artes e dados (instrumentos
de jogo) virtuais.
Com o passar dos anos, os jogos foram se reinventando, agora
estando apenas a um clique de distância, deixando a experiência mais
próxima do real. Jogos como Erica (2019) de Jack Attridge, Night Book
(2021) de Alex Lightman e Duskwood (2019) de Jan Ewald e Kevin
Scherer, são feitos em live action (um termo usado para definir adaptações de animações e desenhos para registros de pessoas reais). Além da
identidade visual ser muito próxima à de filmes, há a correspondência
com o gênero de filmes interativos como, por exemplo, Black Mirror:
Bandersnatch (2018) de David Slade, que vem crescendo muito com
o passar dos anos. Neles, o jogador é um personagem da narrativa e
opções de escolhas são oferecidas ao longo da história, possibilitando
ao usuário uma experiência personalizada.
213
É neste contexto que esta pesquisa se aprofunda, com o intuito
de verificar se existem correspondências entre as estruturas narrativas
de jogos RPG e de filmes cinematográficos.
O RPG como Jogo e como Narrativa Cinematográfica
O RPG, para além de seu implícito significado, é comumente
entendido como um jogo, porém
O que é verdade para “jogos” vale duplamente para “jogos de
interpretação de papéis”. Na verdade, os jogos de interpretação de
papéis (RPGs) são talvez o fenômeno de jogo mais controverso:
a exceção, o jogo que não é exatamente um jogo. (Zagal &
Deterding, 2018, p. 19)
Zagal & Deterding relembram que muitos autores reconhecem
que os RPGs são um caso limítrofe porque, por exemplo, “não possuem
um resultado quantificável” (Salen & Zimmerman, 2004, 81). Contudo,
por definição, o RPG é um game, um tipo de jogo específico dentre muitos
outros tipos de jogos e assim vamos considera-lo para este estudo. E, o
mais significativo para este estudo: o que se faz presente entre todos
esses tipos de jogos, até mesmo e principalmente o RPG, é a condução
narrativa que, igualmente, está presente nos filmes cinematográficos.
Assim, podemos entender que
todo game é um meio de comunicação audiovisual, assim
como o é o cinema, a TV e o vídeo. E é por isso que se percebe
uma acelerada inserção social de produtos em game, algo
imediatamente compreensível se recordarmos as idéias do
historiador holandês Johan Huizinga que defendia, “desde
1903” (Huizinga, 1996, Prefácio), a idéia de que o ser humano
contemporâneo pode ser caracterizado como Homo ludens, sendo
214
o jogo um fator distinto e fundamental, presente em tudo o que
acontece no nosso universo cultural. (Gosciola, 2009, p. 52)
Atualmente é perceptível ver a aproximação de jogos, principalmente os de RPG com os filmes. Para delimitarmos um recorte
específico para este estudo, elegemos o exemplo dos RPGs jogados
e assistidos em plataformas de streaming, tais como Twitch, Hulu,
Booyah, YouTube, Azubu, entre outras. Nestas plataformas os usuários
conseguem fazer lives sobre RPG (live refere-se à uma transmissão ao
vivo feita em alguma plataforma nas redes sociais).
Temos o exemplo do RPG do Rafael Langes, mais conhecido
como o streamer Cellbit, com o apoio da plataforma da Amazon que
é dona da Twitch. Seus RPGs, especialmente o de sua autoria Ordem
Paranormal (2020), são jogados em um estúdio, com mais quatro
streamers. Por mais que estejam jogando presencialmente, há toda
uma preparação, a mesa que antes era um tabuleiro agora é feita por
meio de uma tela enorme no centro de uma mesa, onde são mostrados
os mapas e os personagens, acompanhados com uma música de fundo,
dando mais imersão à história. Os participantes do RPG ganham um
tablet e nele está a ficha do personagem, com todas as suas habilidades
e perícias, além dos pontos de vida. Os únicos objetos físicos durante a
partida são os dados, que são jogados durante a partida.
Depois de encerrada a live, o conteúdo fica gravado em forma
de vídeo e pode ser acessado a qualquer momento, o que, de certa
maneira, deixa o formato parecido com um filme, com um começo, meio
e fim. Na pandemia, o número de espectadores desse conteúdo teve um
aumento significativo, em um momento em que as pessoas não puderam
215
sair de casa e foram em busca de mais formas de interação. Essas lives
oferecem um meio de participação intensa, assim possibilitando um
sentimento de pertencimento há uma comunidade.
A possibilidade de pessoas fora da narrativa, pessoas que estão
apenas assistindo a uma live poderem influenciar a história, tornando
o sujeito espectador/autor me remete a noção de hipertextualidade
discutida por Marcuschi. Para ele:
Diferentemente do que o texto de um livro convencional, o
hipertexto não tem uma única ordem de ser lido. [...] O hipertexto
consegue integrar notas, citações, bibliográficas, referências,
imagens, fotos e outros elementos encontrados na obra impressa de
modo eficaz sem a sensação de que sejam notas, citações, ou seja,
subverte os movimentos e redefine as funções dos constituintes
textuais clássicos. […] “o hipertexto obscurece os limites entre
leitores e escritores”, já que ele é construído parcialmente pelos
escritores que criam as ligações, e parcialmente pelos leitores
que decidem os caminhos a seguir. Com o hipertexto, muda a
noção de autor e de escritor, dando a impressão de uma autoria
coletiva ou de uma espécie de co-autoria. A leitura se torna
simultaneamente uma escritura, já que o autor controla mais
o fluxo da informação. O leitor determina não só a ordem da
leitura, mas o conteúdo a ser lido. (Marcuschi, 1999, pp. 2-3).
no hipertexto o controle fica por conta do leitor que agirá de
acordo com suas necessidades e em função de suas condições
cognitivas ou interesses específicos. (Marcuschi, 1999, p. 6)
Existem também jogos de celular de RPG que se assemelham
muito aos filmes que assistimos no cinema. Sendo acessíveis para
qualquer pessoa que possuir celular, sendo gratuitos e simples de jogar.
Temos o exemplo de três jogos: Erica (2019) de Jack Attridge, Night
Book (2021) de Alex Lightman e Duskwood (2019) de Jan Ewald e
216
Kevin Scherer. São jogos feitos em live action, um termo usado para
definir adaptações de animações e desenhos para registros de pessoas
reais. É um recurso de linguagem em certos aspectos vantajoso para
o público porque além da identidade visual ser muito próxima à dos
filmes, há a correspondência com o gênero de filmes interativos que
vem crescendo muito com o passar dos anos. Neles, o jogador é um
personagem da narrativa e suas escolhas são mostradas ao longo da
história, possibilitando ao usuário ter uma experiência personalizada.
Pegando exemplos mais atuais, temos os jogos Immortality (2022)
de Sam Barlow e Half Mermaid e o jogo The Quarry (2022) de Nik
Bowen. Sendo jogos somente para o computador, e não gratuitos, mas
podendo ser localizados nas mais comuns plataformas de jogos. A história
de Immortality é sobre uma atriz que desapareceu, para entender o que
aconteceu com ela são mostrados clipes dos três filmes não terminados
que ela participou. Os clipes são interativos, podendo selecionar objetos
ou pessoas levando assim para outro clipe. Com os pequenos vídeos
mostrados, é possível construir uma narrativa. Cada usuário tem uma
experiência personalizada, pois a história não é linear, podendo achar
o mesmo clipe em momentos diferentes ou até achar clipes diferentes
que outros jogadores não veem. Por sua vez, The Quarry é um jogo live
action que um grupo de adolescentes ficam presos em um acampamento
de verão, há monstros por lá e eles querem escapar vivos dessa história.
No jogo sempre aparece duas escolhas para acontecer, podendo assim
o jogador decidir o que acontece. Grandes partes do jogo são vídeos
com atores reais que foram gravados para poder construir a narrativa.
Filmes misturando a vida real com a realidade virtual já
são um indício que o universo dos games está presente em gêneros
217
cinematográficos. A divisão entre jogos de RPG com filmes está ficando
tênue, analisando comparativamente, verificamos os seguintes elementos
comuns: escolha do jogador/espectador, divisão de grupos por perícia/
habilidades, controle da liberdade de escolha em filme e RPG, fases
definidas por desafios dos personagens/jogadores, intervalos na ação
para recuperar energia ou conseguir informações, narração extradiegética, sistema conta-número de vidas do jogador/personagem, sistema de
regras fixas para se seguir, história dos personagens figurantes/NPCs,
esquema de combate como de jogos de RPG
Escolha do Jogador/Espectador
O filme Black Mirror: Bandersnatch (2018) de David Slade,
relata sobre um jovem programador. O jogo que ele está programando
começa a se conectar com a vida dele. Há uma fala do personagem em
que fica claro que a intenção dele é permitir aos jogadores duas opções
de escolha. Assim, para terem certa liberdade de escolha, e o filme
possibilita isso, os espectadores/jogadores conseguem escolher o que
o personagem irá fazer em seguida, pois as duas opções são mostradas
na tela. Esse formato deixa o filme muito parecido com um jogo, pois
depende do jogador/espectador para a narrativa continuar.
O filme Escape the Undertaker (2021) de Ben Simms, é sobre o
antigo grupo de lutadores New Day. E eles estão presos em uma “mansão
assombrada” e para conseguirem sair, precisam resolver desafios para
saírem das armadilhas. O estilo do filme é igual ao do Bandersnatch, o
espectador/jogador escolhe entre duas alternativas que são mostradas na
tela, as escolhas afetam os personagens do grupo conseguindo, assim,
ajudá-los ou prejudicá-los. Isso torna o filme parecido com jogo, pois
218
o jogador/espectador é quem comanda a história, ele que consegue
defini-la com suas escolhas.
Os jogos Immortality (2022) de Sam Barlow e Half Mermaid e o
jogo The Quarry (2022) de Nik Bowen, seguem essa ideia, a experiência
do jogador/espectador é personalizada pois só ele consegue decidir o
que vai acontecer, pois dependendo das escolhas tomadas durante o jogo
que a narrativa é construída. Podendo assim, jogadores/espectadores
diferentes conhecerem narrativas diferentes.
Divisão em Grupos por Perícia/Habilidades
O filme Animais fantásticos os crimes de Grindelwald (2018) de
David Yates, Newt Scamander é recrutado pelo seu antigo professor em
Hogwarts, Alvo Dumbledore, para enfrentar o terrível bruxo das trevas
Gellert Grindelwald, que escapou da custódia da Macuca. No filme as
personagens são separadas por bruxos, bruxos das trevas (comensais
da morte) e trouxas (pessoas sem poderes).
A série Fate: A saga das winx (2021), de Hannah Quinn, constrói
uma narrativa de um mundo onde seres míticos vivem entre os humanos
e uma garota “normal” começa a descobrir sua verdadeira identidade
e acaba indo para Alfea, uma escola no Outromundo. Tendo um cunho
tão fantasioso quanto Animais fantásticos os crimes de Grindelwald,
as personagens são fadas e as aulas são divididas pelas habilidades de
cada uma, sendo baseadas nas suas perícias, tais como fogo, água, luz,
sentimentos, escuridão, entre outros.
No contexto de RPG, por exemplo, temos a série de jogos Final
Fantasy (1987) do criador Hironobu Sakaguchi, na qual os personagens são divididos em suas especialidades, elfos, magos, guerreiros,
219
curandeiros, entre outros, e assim formam clãs entre si. Jane Maria Braga
(2000) destaca que um dos aspectos mais importantes são a parceria
entre os jogadores, sendo a junção deles para resolver um problema ou
para a formação do lore do personagem e sua comunidade. Lore é a
sabedoria ou conhecimento tradicional de uma coletividade, contém as
informações a respeito de um universo ficcional, envolvendo histórias,
lendas, línguas, povos, geografia e outras informações semelhantes.
Para Braga:
Os vários suportes de leituras que são compartilhados pelo grupo
de jogadores e acabam por se misturar para dar forma e sentido ao
mundo criado pelos sujeitos. Estão presentes na vida dos rpgistas
os livros de regras, de fantasia, de ficção, de História, revistas
e filmes. Coletivamente essas leituras são compartilhadas e
estimuladas. O que me faz pensar no jogo como um impulsionador
de zonas de desenvolvimento proximal, segundo a concepção
de Vygotsky (1994), pois nele há diferentes sujeitos (em idade
e conhecimentos) em interação onde um auxilia o outro, seja na
construção de um personagem, na resolução de um problema,
na interação para a construção da narrativa. (Braga, 2000, p. 3)
Personagens com Controle da Narrativa em Filmes e RPG
As séries Loki (2021) de Kate Herron e What If…? (2021) Bryan
Andrews, são do mesmo universo cinematográfico Marvel e possuem
características iguais em que, os personagens tentam controlar as suas
próprias vidas, ou narrativas, mas há sempre um controle superior que
tem o controle absoluto de todas as histórias. Na série Loki temos a
AVT (Autoridade de Variância Temporal) que controla a linha do tempo
de todos os personagens. Enquanto que em What If há o personagem
“O Vigia” que percorre os universos que não estão alinhados anunciando
220
o caos a se instaurar e os pontos narrativos imutáveis que acontecem
independentemente de qualquer ação. Em jogos de RPG, por mais que
os jogadores tenham liberdade de escolha, o mestre do jogo é que está
no centro de tudo, exercendo um controle total sobre a história.
Fases Definidas por Desafios dos Personagens/Jogadores
O filme Escolha ou morra (2022) de Toby Meakins é sobre dois
amigos que encontram um jogo antigo, que oferece uma grande recompensa como prêmio. Porém ele carrega uma maldição que cai sobre quem
joga, alinhando assim o jogo virtual com a vida real da personagem
principal Kayla, que passa pelas fases com o intuito de descobrir mais
sobre o que está acontecendo e como parar com a maldição. Nos jogos
de RPG os personagens têm que passar por desafios, ou com objetivos
de continuar a narrativa, ou de descobrir o que há por trás das histórias.
A série Round 6 (2021) de Hwang Dong-Hyuk é sobre um estranho que entrega convites para um jogo misterioso que tem uma grande
recompensa. São convidados apenas pessoas que estão passando por
um momento financeiro ruim, com intuito de alcançar o maior número
de jogadores. A cada fase, é um desafio de vida ou morte, a cada morte
acontecida um valor é acrescentado à recompensa final, o que faz os
personagens se prejudicarem entre si durante as fases. Para conseguirem
sair com vida, eles têm que pensar em como concluir as fases de forma
rápida e correta. Como em todo tipo de RPG, é preciso pensar em como
sair de um problema de maneira eficiente e rápida.
O filme Escape Room (2019) de Adam Robitel retrata pessoas
que vão atrás de um jogo de escape room normal, que seriam salas
temáticas imersivas, cheias de enigmas e desafios palpáveis, onde o
221
jogador é o personagem e precisa juntar forças com os demais jogadores para escapar em determinado período de tempo. Na narrativa,
de cada sala que eles conseguem sair, chegam até um novo cômodo
com novos mistérios e quebra-cabeças, reiniciando o jogo de vida ou
morte. Apenas quando o último personagem fica vivo, ele consegue
sair e descobrir toda a verdade do que estava acontecendo. Em RPGs
é possível trabalhar coletivamente para conseguir concluir os desafios.
Intervalos na Ação para Recuperar Energia/Conseguir Informações
O filme The Seven Deadly Sins: Cursed by Light (2021) de
Takayuki Hamana é um filme estilo anime onde Meliodas e seus amigos
(Os Sete Pecados Capitais) entram em ação para deter uma poderosa
aliança mágica que pode significar o fim de uma era de paz. Cada um
dos sete pecados tem seu poder respectivo, por exemplo: o Escanor,
pecado capital do “Orgulho do Leão” tem um poder imenso e uma
personalidade arrogante durante o dia, mas se torna frágil e submisso à
noite. Depois das lutas, eles vão até uma adega para recuperar energia.
No RPG Ordem Paranormal (2020), de Rafael Langes, os personagens,
depois das ações, fazem uma pausa para recuperar energia, e para isso
eles têm que se alimentar ou fazer um descanso.
O filme A morte te dá parabéns 2 (2019) de Christopher B.
London, a protagonista Tree Gelbman vive um mesmo dia inúmeras
vezes fugindo de um assassino. Para conseguir sair deste ciclo, precisa
descobrir uma equação de uma máquina que irá resolver o problema.
Para conseguir os números exatos, a protagonista e os amigos precisam
usar de tentativa e erro até achar o ideal, mas a cada erro na equação a
protagonista morre e volta no tempo. Neste retorno, em um momento
222
isento de ação extrema, quando não há perigo iminente, ela dialoga com
os colegas sobre o erro a ser corrigido. Em RPGs há intervalos depois
das ações para conseguir examinar as informações obtidas.
No RPG de Langes, Ordem Paranormal, além de haver um
intervalo na campanha, para que os jogadores consigam uns minutos de
descanso, são feitos os documentos fisicamente, como Jane Braga afirma:
Num jogo imaginativo baseado na oralidade a escrita está presente
para garantir a coesão dos elementos. A mente humana não é
capaz de guardar tantas informações que chegam diariamente e
armazená-las todas para uso futuro. Por isso a função da escrita
como possibilidade de armazenar informações, mediante o
registro impresso ou manuscrito, vem ampliar a capacidade da
memória. (Braga, 2000, p.4).
Narração Extra-Diegética (ou heterodiegética)
Na série Bridgerton (2020) de Shonda Rhimes, há uma narradora que seria a Lady Whistledown, escritora de uma coluna de fofoca.
Por mais que Penelope seja a escritora, a narração é exclusividade da
Whistledown. Penelope não se comporta da mesma forma que escreve,
o que torna a Lady um alter ego dela, o que a separa totalmente da narrativa. Um ponto importante é que quem dubla a narradora não é um
personagem presente na série.
No filme Star Wars: A Ascensão de Skywalker (2019) de
J. J. Abrams, temos a famosa abertura dos filmes de Star Wars, aquela
narração em letras amarelas crescendo pela tela contando um pouco
da história, com a música de abertura. Tanto para Bridgerton, quanto
para Star Wars: A Ascensão de Skywalker, a comparação com jogos de
RPG é que o mestre narra as situações, mas está fora da narrativa em
223
questão, apenas contando os contextos, lugares, entre outras coisas para
que os jogadores/personagens continuem.
Sistema Conta-Número de Vidas do Jogador/Personagem
No primeiro episódio da quinta temporada de Black Mirror:
Striking Vipers (2019) de Charlton Brooker, tendo um contexto em um
período mais futurístico, dois amigos de faculdade se reencontram,
decidindo assim passar as noites jogando videogame juntos. O videogame seria uma realidade virtual em que os dois se conectam colocando
um aparelho pequeno na cabeça. Com os dois amigos entrando nessa
realidade que seria em um estilo como a série de jogos Mortal Kombat,
barras de vida aparecem, contando assim a vida do personagem. Em
jogos de RPG sempre há um número de vidas do jogador ou uma porcentagem de vida para assim ele ter uma mortalidade, pois como no
RPG é necessário representar uma pessoa, toda vida possui um fim.
O filme Jumanji 2 (2019) de Jake Kasdan, é sobre um grupo de
amigos que vão parar dentro de um videogame antigo, dentro do jogo
eles viram os próprios personagens da narrativa do jogo. Como eles são
os personagens, aparecem marcas no braço, cinco retângulos escuros
que na verdade são o número de vidas disponíveis de cada um. A cada
morte que acontece uma dessas marcas desaparece, com isso se acabarem o número total, eles desaparecem e não conseguem voltar para a
vida real. Em jogos de RPG é normal terem uma tabela com o número
de vidas total de cada personagem, assim tendo um limite.
224
Sistema de Regras Fixas para se Seguir
A série Panic (2021) de Gandja Monteiro, é sobre uma pequena
cidade do Texas, onde os formandos competem em uma série de desafios
com o objetivo de ganhar a recompensa. Com isso, os jovens acreditam
ser sua única chance de escapar de suas circunstâncias atuais e tornar
suas vidas melhores. Para conseguir vencer o jogo, os personagens precisam seguir as regras, pois se algo for feito de maneira errada, ele estará
fora do jogo e com isso perde a chance de ganhar. Em jogos de RPG há
sempre um sistema de regras, um exemplo seria, antes de cada ação,
todos jogadores devem jogar o dado para saber a ordem das jogadas.
A série The Boys (2019) de Hartley Gorensteins, é sobre “Os Sete”
heróis mais poderosos da Terra. Porém, esses protetores têm um lado
oculto que a maioria das pessoas desconhece. Eles pertencem à poderosa corporação Vought International, que os trata como mercadorias
para monetizar. Com isso, todos os heróis precisam seguir regras para
não sofrerem punições, como reputação arruinada ou cancelamento
da ajuda financeira para a família deles. Em jogos de RPG, o mestre
é quem dita as regras para os jogadores, para assim a narrativa seguir
por um ritmo certo.
Andreia Pavão (2000) afirma que publicações sobre os livros de
regras estão ficando cada vez mais frequentes, com isso se criando uma
comunidade de apoio para os mestres que estão formando as narrativas:
RPG é a sigla de Role Playing Game, “jogo de representação”
que exige a leitura de um livro de regras cuja publicação tem
conquistado espaços cada vez mais significativos no mercado
editorial. Uma ideia que começou nos EUA no início dos anos
70, como evolução dos jogos de guerra e muito influenciado
pela literatura de Tolkien (1994), e que se espalhou pelo mundo
225
rapidamente. Quanto à forma, destaco o papel da imagem, a
incorporação de elementos da linguagem popular e da cultura
de massas, a construção textual fragmentária, o papel do humor
e a estrutura de aventuras em sagas e universos ficcionais com
características próprias. Quanto ao conteúdo, ou seja, aos temas
mais recorrentes nestes dois gêneros de produção, destacaria
a paródia de situações cotidianas, temas de ficção científica e
aventuras épicas. (Pavão, 2000, p.16)
História dos Personagens Figurantes/NPCs
O filme Free Guy- Assumindo o Controle (2021) de Shawn Levy
é sobre um caixa de banco, preso a uma entediante rotina, que tem sua
vida virada de cabeça para baixo quando descobre que é um personagem
em um jogo interativo. Agora ele precisa aceitar sua realidade de que
é apenas um NPC (um personagem não jogável). A ideia é sobre dar
vida a um personagem que seria apenas um “figurante” de um jogo,
podendo assim mostrar que até os personagens irrelevantes têm suas
histórias. Em jogos de RPG é possível contar as histórias de todos, até
do personagem com a menor participação, também chamado de NPC,
dotando o jogo de uma narrativa mais completa.
Temos o personagem de Deadpool, que sua primeira aparição, não
mais que alguns minutos, foi de um figurante no filme X-Men Origens:
Wolverine (2009) de Gavin Hood. Os fãs criticaram que sua aparência
não estava igual aos quadrinhos e seu primeiro filme solo Deadpool
(2016) de Tim Miller foi um sucesso, muito adorado pelos fãs, que logo
teve sua sequência em 2018 Deadpool 2 de David Leitch. Em jogos
de RPG, alguns personagens podem aparecer como uma figuração em
algum momento e depois ter um maior destaque na narrativa.
226
Esquema de Combate como de Jogos de RPG
Na série Arcane (2021) de Pascal Charrue baseada no RPG
League of Legends (2009) da Riot Games, é uma animação original
da Netflix e reconta as histórias de origem dos personagens Piltover
e Zaun. A trama gira em torno de uma tecnologia mágica conhecida
como “hextec”, que dá a qualquer pessoa a habilidade de controlar
energia mística e essa ferramenta acaba causando um desequilíbrio
entre os reinos. Como em jogos de RPG, cada personagem possui uma
habilidade graduada em vários níveis estabelecidos pelas cartas/fichas
de combate que o esquematizam, por exemplo, nas cenas de ação, o
combate é regido por ações definidas em uma ficha que um personagem
de cada vez utiliza e quem tem o maior nível de poder é quem ganha.
Na série Sakura Cardcaptor (1998) de Morio Asaka, baseada na
série de mangás Cardcaptor Sakura (1996) criada pelo grupo CLAMP.
Sakura é uma garota estudante da fictícia cidade japonesa de Tomoeda, que por acidente abre um livro misterioso, chamado Livro Clow.
Do livro saem 52 cartas mágicas levadas por uma tempestade de vento
causada pela magia da carta Vento, que foi libertada quando Sakura leu
o seu nome. Na série, são as cartas que possuem poder, o poder da carta
que vai para quem a possui. Em jogos de RPG, dependendo de como
for a construção do jogo, os jogadores podem ter suas habilidades e
esquemas de combate definidos pelas fichas, podendo usá-las quando
for necessário.
Segundo Carlos Augusto Serbena (2000) é possível descrever
o RPG a partir de seus elementos. Os principais elementos pertencentes dos jogos são o mestre que dirige a história, os personagens dos
jogadores que interagem com os personagens do mestre dentro de um
227
mundo ou universo imaginário, seguindo um sistema de regras que
descreve o funcionamento. As interações entre estes elementos e o seu
desenvolvimento constituem o enredo ou trama da aventura, como um
sistema de combate:
Em encontro deste tipo, o jogador interpreta a situação, toma uma
decisão baseada nas características do seu personagem e, se for
caso, joga ou rolar os dados. Estes existem para compatibilizar
a ação do personagem do jogador naquela situação com suas
características. Por exemplo, se a ação decidida pelo jogador
for levantar uma pedra de 100 kg, o mestre testa a força do
jogador e para decidir se os dados são rolados. (Serbena, 2006,
pp. 131-132)
Inversão de Papéis do Personagem
O filme Eternos (2021) de Chloé Zhao, “Os Eternos” são uma
raça de seres imortais que viveram durante a antiguidade da Terra,
moldando sua história e suas civilizações enquanto batalhavam contra
os malignos Deviantes. No filme são apresentados dez personagens,
contando a narrativa de cada um deles. Dentre eles, temos o Ikaris,
que no início se mostra como um dos dez protagonistas, está motivado
a ajudar o grupo a salvar o mundo, mas depois é revelado que ele tem
suas próprias motivações e não quer ajudar, tornando-se assim o antagonista da história.
Na série de filmes Velozes e Furiosos, que começou em 2001
pelo diretor Rob Cohen, o ator Jason Statham faz o personagem
Deckard Shaw, sua primeira aparição foi como o antagonista no filme
de 2015, Velozes e Furiosos 7 de James Wan. Em 2021, Shaw aparece
como protagonista da história no Velozes e Furiosos 9 de Justin Lin.
228
No primeiro filme em que o personagem aparece, ele é o vilão que quer
vingar a morte de seu irmão, mas no outro filme ele quer ajudar o grupo
a derrotar outro vilão. Mudando assim de antagonista para protagonista.
Em jogos de RPG como o mestre é quem cria a narrativa e os
personagens, pode acontecer de ele fazer um personagem com o intuito
de ser o antagonista, mas no começo ele parecer e se comportar como
um protagonista. Na terceira temporada Desconjuração do RPG Ordem
Paranormal (2020) de Rafael Lange, é apresentado Luciano/Fernando,
um dos agentes que trabalha para a Ordo Realitas, onde investiga o
mundo paranormal e quer combater os Escriptas que tentam causar
a destruição do planeta, unindo o mundo real ao paranormal. Mas no
correr da história é mostrado que, na verdade, é Luciano/Fernando quem
controla o grupo do Escriptas.
Na série Alice in Borderland (2020) de Kohei Chida, um dos
aspectos mais importantes é que os personagens estão dentro de um jogo
e só conseguem sobreviver se ficarem passando de fases. O personagem
principal Ryohei Arisu, em vários momentos, afirma que aquilo é um
jogo e, portanto, para conseguir vencer a fase, deve pensar como o mestre, pois nos jogos há um mestre controlando tudo e ele exerce o papel
mais importante. O RPG, por ser um jogo trazido para a atualidade e de
forma complexa, possibilita que os personagens tenham suas questões
internas e interesses próprios, por isso, durante a história, podem ocorrer
ações inesperadas e reviravoltas conforme Serbena:
A outra interpretação da duplicidade ou multiplicidade de
personagens desempenhados pelo jogador apresenta-se mais
adequada, pois nesta concepção a multiplicidade reflete a posição
do indivíduo na sociedade contemporânea, onde em vez de uma
identidade, ele possui identificações múltiplas e exerce diferentes
229
papéis, explicitando a ambivalência do sujeito que foi ocultada
na modernidade. (Serbena, 2006, p. 174)
Considerações Finais: correspondências narrativas entre Cinema
e RPG
É importante considerarmos as palavras de Ernest Adams:
Os jogos de interpretação de papéis permitem que os jogadores
interajam com o mundo do jogo em uma variedade mais ampla de
maneiras do que a maioria dos outros gêneros, e desempenhem
um papel mais rico do que muitos jogos permitem. Muitos jogos
de RPG também oferecem uma sensação de crescimento de
uma pessoa comum para um super-herói com poderes incríveis.
Outros gêneros geralmente fornecem aos jogadores esses
poderes imediatamente, mas em um jogo de RPG, o jogador os
ganha através de um jogo bem-sucedido e pode escolher quais
habilidades específicas ele deseja cultivar. (Adams, 2014, p. 5)
De acordo com a definição de Adams, podemos compreender
que o RPG tem uma narrativa muito elaborada o que se assemelha à
narrativa de um longa-metragem, isto é, já desde sua definição o RPG
tem uma proximidade ao Cinema. Filmes misturando a vida real com
a realidade virtual já são um indício que o universo dos games está
presente em gêneros cinematográficos. Dado que, a separação entre
jogos de RPG e filmes está ficando cada vez mais tênue, analisando
comparativamente, verificamos os seguintes elementos estruturais
narrativos comuns entre eles: escolha do jogador/espectador, divisão
de grupos por perícia/habilidades, controle da liberdade de escolha em
filme e RPG, fases definidas por desafios dos personagens/jogadores,
intervalos na ação para recuperar energia ou conseguir informações,
230
narração extradiegética, sistema conta-número de vidas do jogador/
personagem, sistema de regras fixas para se seguir, história dos personagens figurantes/NPCs, esquema de combate como de jogos de RPG
e inversão de papéis.
O Mestre, sendo a figura principal em RPG, tem como responsabilidade escolher: o local e a data em que se passa a história; os
personagens e suas habilidades e aparência (incluindo, se for o caso,
suas inversões de papéis); e construir previamente uma parte da história, uma atividade semelhante à do roteirista de cinema. Como o jogo
é definido pelos jogadores e suas escolhas, o mestre deve desenvolver
vertentes, caminhos possíveis para serem escolhidos e assim a narrativa
segue personalizada e construída com o passar das partidas, sendo suas
funções bem próximas com o diretor e roteirista de um filme. Ele escolhe
o elenco e as suas habilidades que seriam os jogadores, escolhe o cenário
da narrativa, a história em si e o clímax que os jogadores devem resolver.
O mestre faz as regras de comportamento no jogo, papel também de
um diretor de filmes. Para deixar a narrativa mais completa, o mestre
pode montar as artes, o visual da história, podendo fazer virtualmente
ou fisicamente na forma de tabuleiro ou maquete.
Tamanha proximidade entre as estruturas narrativas de RPG e
Cinema (que sequer está esgotada neste estudo), leva-nos a inferir que
as possibilidades dessa confluência podem aumentar, na medida em que
a tecnologia se desenvolve nos dois campos do entretenimento. O que
nos projeta para futuros estudos ainda mais detalhados na verificação
de como cada um influencia e se deixa influenciar nas suas estratégias
comunicacionais.
231
Referências
Adams, E. (2014). Fundamentals of Role-Playing Game Design. Peachpit.
Braga, J. M. (2000). Aventurando pelos caminhos da leitura e escrita de
jogadores de Role Playing Game (RPG) [Dissertação de Mestrado,
UFJF].
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comunes con el cine. Cuadernos de Información, 25, 51-60. http://
ojs.uc.cl/index.php/cdi/article/view/21833/17855
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do hipertexto [Trabalho apresentado em congresso]. IV Colóquio da
Associação Latino Americana de Analistas do Discurso, Santiago,
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Years of Anglo-American Role-Playing Theory. En M. Montola &
J. Stenros (Eds.), Beyond Role and Play: Tools, Toys and Theory
for Harnessing the Imagination. Ropecon.
232
Pavão, A. (1996). A aventura da leitura e da escrita entre os mestres
de RolePlaying Game (RPG). Devir.
Serbena, C. A. (2006). O mito do herói nos jogos de reapresentação.
[Dissertação de Mestrado, UFSC]
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Zagal, J. P., & Deterding, S. (2018). Definitions of role-playing games.
En J. P. Zagal & S. Deterding (Eds.), Role-playing game studies:
transmedia foundations. Routledge.
233
O ROTEIRO ALGORÍTMICO:
HACKEANDO A NETFLIX
Leandro Maciel1
Vicente Gosciola2
Uma das maneiras recentes de se criticar um filme ou série é dizer
que seu roteiro é algorítmico. Isso quer dizer que empresas poderosas
como Amazon Prime Video e Netflix produziriam a partir de roteiros
reduzidos a fórmulas, com entradas de dados e resultados previsíveis
(Burroughs, 2018). Mas as “fórmulas” conhecidas pelo mercado audiovisual, através dos manuais de roteiro, seriam substituídas pela objetividade do Big Data - enormes quantidades de informações fornecidas
pelo comportamento de usuários em interação com as plataformas de
1.
2.
Doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade
Anhembi Morumbi. Coordenador da pós-graduação em Design de Animação do
Senac-SP e docente dos cursos de comunicação da Universidade Anhembi
Morumbi. e-mail:
[email protected]
Doutor em Comunicação pela PUC-SP. Professor Permanente do Programa de PósGraduação em Comunicação da Universidade Anhembi Morumbi. e-mail: vicente.
[email protected]
234
streaming. Seria possível controlar estes novos paradigmas e “hackear”
a Netflix, antevendo o padrão do que a plataforma de streaming considera um sucesso?
A tática de se deixar levar pelos insights que seu algoritmo lhe
proporciona sem dúvida é boa para a Netflix, pois ficou provado
que isso se reflete em audiência fácil. Mas é ruim para produção
cinematográfica como um todo. A sensação é de estar sempre
preso em uma bolha de referências antigas que se retroalimentam,
sem nunca entregar algo original (...) O sucesso de Rua do Medo
mostra que, para o bem e para o mal, a influência dos algoritmos
nas produções culturais veio para ficar. (Cruz, 2021)
Hoje se discute muito a influência dos algoritmos no processo
criativo do audiovisual e, de forma ampla, na virtualização de nossas
vidas. Mas o que isso quer dizer? Os computadores da Netflix estão
escrevendo séries? Ou são somente informações fornecidas por eles
a quem toma as decisões? A Rede Globo (e seu serviço on demand,
Globoplay) não usa estes mesmos dados? E, afinal, o que é um algoritmo?
“É um conjunto finito ordenado de passos executáveis não ambíguos
de um processo que tem um término” (Brookshear, 2000), ou ainda:
Na medida em que precisamos especificar uma sequência de
passos, precisamos utilizar ordem, ou seja, “pensar com ordem”,
portanto, precisamos utilizar lógica. Apesar do nome pouco
usual, algoritmos são comuns em nosso cotidiano, como, por
exemplo, uma receita de bolo. Nela está descrita uma série de
ingredientes necessários e uma sequência de diversos passos
(ações) que devem ser fielmente cumpridos para que se consiga
fazer o alimento desejado. conforme se esperava antes do
início das atividades (objetivo bem definido). (Forbellone &
Eberspächer, 2000, p. 3)
235
Esta analogia com a receita culinária é recorrente em textos
introdutórios sobre programação. Um autor que se vale de metáfora
parecida, mas de uma maneira mais enfática, é Knuth (1997). Analisando
o exemplo do algoritmo euclidiano para se encontrar o maior divisor
comum entre duas integrais positivas, o autor conclui: “O significado
moderno para algoritmo é bastante semelhante ao de receita, processo,
método, técnica, procedimento, rotina, rigmarole [complicação], exceto
que a palavra ‘algoritmo’ conota algo apenas um pouco diferente”
(Knuth, 1997, p. 4).
A Influência dos Algoritmos
Em nossa pesquisa foi possível localizar dois pontos de inflexão, que introduzem e estabelecem a ideia de um roteiro algorítmico.
O primeiro ponto é quando a Netflix decide produzir conteúdo original
(no caso, contratando estúdios que então licenciavam o conteúdo para
a empresa). O destaque desse momento é a produção da série House of
Cards, em sua versão de 2013, dois anos após a contratação do chefe
de conteúdo Ted Sarandos. O segundo momento de inflexão é quando
a Netflix constrói seu próprio estúdio, no estado da Califórnia, EUA,
assumindo todas as etapas da produção audiovisual, realizando em
2016 a série Stranger Things, série cujo roteiro foi comprado por Brian
Wright, ex-vice-presidente sênior da Nickelodeon e agora subordinado
à Sarandos (Hasting & Mayer, 2020, p. 41).
Se podemos dizer que um roteiro, em sua concepção, é algorítmico, House of Cards é o exemplo mais patente. Em sua dissertação
sobre binge-publishing, Blake Hallinan & Ted Striphas (2014) resumem
bem o surgimento desta série:
236
utilizando seus algoritmos para determinar se há uma audiência
presente para uma combinação de “David Fincher”, seu “estilo”,
a coleção de gêneros com os quais ele já trabalhou, “Kevin
Spacey”, o gênero específico de thriller político, e por aí vai.
[...] A Netflix se movimenta de uma massa indiferente para
um aglomerado de microaudiências altamente diferenciadas.
(Halinan & Striphas, 2014, p. 128)
House of Cards nasce de uma fórmula calculada pelos computadores, uma “receita” com os ingredientes certos (como na analogia
de Knuth, 1997). Campos (2019) reforça que o cruzamento de dados
pode dar “luz verde” (a aprovação) para o que vai ser produzido, mas
não necessariamente é uma garantia de sucesso. No entanto, “em menos
de um mês após sua estreia, House of Cards se tornou a série mais
vista na plataforma” (Keating, 2013, p. 263, como citado em Campos,
2019, p. 94). Por sua vez, Burroughs (2018) desloca o conceito para a
audiência. Ele explica em mais detalhes a “receita” de House of Cards,
mas com um olhar crítico, afirmando que a “caixa preta” da Netflix cria
a impressão de que o algoritmo é infalível:
A série é o produto imaginado do algoritmo, que serve como
base futura da produção algorítmica auto-perpetuadora. Se você
gostou da minissérie britânica House of Cards [de 1990], então
também gosta de dramas políticos e filmes com o ator Kevin
Spacey. Aqueles que gostaram de dramas políticos e Kevin Spacey
também gostaram de filmes realizados por David Fincher [...].
Tal como Havens observa, foram ainda as “interpretações” dos
executivos da Netflix que acabaram por influenciar as decisões de
programação, tal como na era analógica da televisão. (Burroughs,
2018, pp. 10-12)
237
A posição de Burroughs é que o discurso da Netflix molda a
audiência, e não o contrário. A ideia de que o algoritmo garante que a
audiência saia sempre satisfeita é nada mais do que isso – uma ideia
devidamente vendida para a plateia. Um aprofundamento da questão
do streaming como uma misteriosa caixa-preta se dá em recente artigo
de RIOS, que critica a mudança no método de medição de audiência
da Netflix:
Considerando que informações sobre o desempenho das obras
do catálogo se configuram como propriedade privada, a escolha
de divulgá-las ou não fica a cargo da empresa. Nesse sentido,
a própria noção de números de audiência tem sido trancafiada
nas caixas-pretas de plataformas como a Netflix. Devido a isso,
confiar em afirmações sobre a popularidade de uma produção
se torna uma tarefa arriscada, uma vez que são poucos os
mecanismos à disposição para que possamos questioná-las
substancialmente (Wayne, 2021, como citado em Rios, 2022, p. 7)
Novo Paradigma da Ficção Seriada no Streaming
De uma maneira simples, podemos aplicar o paradigma da
narrativa clássica ao escrever episódios de uma série enquanto ela está
sendo produzida. Na teoria, basta aplicar a proporcionalidade dos atos a
cada episódio (se a cada 20 a 30 minutos deve acontecer uma mudança
importante, então um ato em um episódio de 45 minutos teria de 9 a
10 minutos).
Agora, como uma equipe de roteiro deve lidar com as diferentes demandas de audiência – estes princípios também valeriam para as
novelas, ou telesséries como propõe a HBO Max? Seria possível ainda se
alinhar a único paradigma? Em nossa pesquisa, fizemos uma comparação
238
entre diferentes ficções seriadas, destacando um ponto em comum já
conhecido no meio: o uso de arcos longos ou linhas narrativas contínuas.
Sistemas de Recomendação no Streaming
O conceito de uma audiência algorítmica passa pela convenção
de que as plataformas de streaming organizam sua grade através de
sistemas de recomendação. O sistema primordial, que de certa forma
todas as modalidades de negócio digital parecem reverenciar, é o do
comércio eletrônico da Amazon.
Na introdução de sua pesquisa, Amatriain, engenheiro de software da Netflix, explica a importância dos sistemas de recomendação
para os negócios digitais:
Os sistemas de recomendação são um excelente exemplo da
aplicabilidade em grande escala da prospecção de dados [Big
Data mining] [...]. Há mais num bom sistema de recomendação
do que a técnica de prospecção de dados. Questões como o design
de interação do usuário [área conhecida como UI/UX], fora
do âmbito desta pesquisa, podem ter um impacto profundo na
eficácia de uma abordagem. Mas dada uma aplicação existente,
uma melhoria no algoritmo pode valer milhões de dólares. Por
outro lado, dado um método ou algoritmo existente, a adição
de mais atributos de diferentes fontes de dados pode também
resultar numa melhoria significativa. (Amatriain, 2013, p. 1)
Nosso ponto crucial é entender como o sistema de recomendação
pode afetar a roteirização, partindo do princípio de que, a partir dos dados
dos usuários ao interagir com as plataformas, novas demandas podem
ser localizadas. E visto que uma das métricas que os streamings têm para
medir o sucesso de seu negócio é a manutenção de usuários- então, se eles
estão satisfeitos, irão ficar com esta plataforma e não com a concorrente.
239
O ranqueamento na Netflix é explicado da seguinte forma por
Amatriain:
Se procura uma função de ranqueamento que melhore o consumo,
uma referência óbvia é a popularidade do item. A razão é clara:
em média, um assinante tem mais probabilidades de ver o que
a maioria dos outros estão vendo. No entanto, a popularidade é
o oposto da personalização: produzirá a mesma ordem de itens
para cada usuário. Assim, o objetivo passa a ser encontrar uma
função de ranqueamento personalizada que é melhor do que a
popularidade do item, para que possamos satisfazer melhor os
usuários com seus gostos variados. Uma forma de abordar esta
questão é utilizar a classificação prevista do membro de cada item
como um adjunto da popularidade do item (Amatriain, 2013, p. 3)
Binge-watching versus Novelização
Nas entrevistas desta pesquisa foram discutidos os caminhos
que a audiência está trilhando no cenário contemporâneo, no Brasil, em
tempos de ascensão do streaming. Debatemos se o interesse em séries
se mantém, principalmente nas séries dramáticas no modelo dos EUA
(narrativas seriadas cinematográficas (Kallas, 2016), com uma história que
se divide na média entre 8 e 12 episódios, de 45 minutos a 1 hora cada).
Com base no conceito de explorar arcos mais longos, Mittell (2015)
argumenta que a introdução imediata de episódios de uma série, sem
pausas comerciais ou do intervalo semanal entre episódios, permitiria
um aumento da complexidade narrativa. Os roteiristas podem combinar
arcos mais longos em uma trama que requer mais atenção e brincar
com as próprias regras que são propostas, quando o público tem total
controle em pausar, retroceder ou avançar a história. Uma fala, cena
ou episódio pode ser revisitado, com um olhar diferente. Diga-se de
240
passagem, que esta foi uma das vantagens que Reed Hastings apontou
quando defendeu o investimento em conteúdo de séries pela Netflixainda que hoje esse modelo esteja em discussão, com outros players
lançando episódios semanais de suas principais séries (como House of
The Dragon3, pela HBO Max; O Senhor dos Anéis: Os Anéis de Poder4
na Amazon Prime ou a própria Netflix, espaçando alguns episódios da
4ª temporada de Stranger Things)
Novamente, atestamos que a fonte de inspiração da Netflix foi
o canal a cabo da HBO:
Você ficava o tempo todo lutando para defender o princípio de
que aquele era o melhor modo de garantir os assinantes”, disse
Susie Fitzgerald, que na época era da equipe. “Para poder ganhar
nosso suado dinheirinho, insistíamos em dizer que era preciso
ter personagens contínuos por quem o público se apaixone, pois
assim, quando os assinantes se mudam ou acontece alguma
outra coisa, eles simplesmente não cancelam o serviço. (Martin,
2014, p. 72)
Em entrevista ao site Tertúlia Narrativa, Pedro Aguilera listou
algumas vantagens técnicas em se trabalhar com um roteiro voltado para
o binge-watching: “não tivemos que nos preocupar com ganchos de
intervalo ou ficar retomando muitos elementos dos episódios passados,
3.
4.
HOUSE OF THE DRAGON. Intérpretes: Paddy Considine, Matt Smith, Rhys
Ifans e outros. Roteiro: Miguel Sapochnik, Ryan J. Condal e George R. R. Martin.
EUA: Produtoras: 1:26 Pictures, HBO, Netflix. Distribuição: HBO, HBO Max.
2022-. (11 episódios, com duração aproximada de 60 minutos cada episódio)
son., cor., inglês (dublagem e legenda disponíveis), HDTV.1 temporada
THE LORD OF THE RINGS: THE RINGS OF POWER. Intérpretes: Morfydd
Clark, Ismael Cruz Cordova, Lenny Henry e outros. Criação: Patrick McKay
e John D. Payne. EUA: Produtoras: 1:26 Pictures, Amazon Studios, New Line
Cinema, Warner Bros Tv. Distribuição: Amazon Prime, Embracer Group. 2022-.
(8 episódios, com duração aproximada de 60 minutos cada episódio) son., cor.,
inglês (dublagem e legenda disponíveis), 4K. 1 temporada
241
porque ainda não passou tanto tempo que o espectador assistiu ao episódio anterior” (Corrêa, 2019, p. 101) - considerando que, como apontou
Mittell, o espectador pode rever os episódios como bem desejar.
Agora, sobre esta tendência à novelização, Simão apontou como
ela vai além da seara das novelas:
Existe uma pressão, e é uma coisa que hoje as pessoas estão vendo
Netflix, vendo HBO prestando atenção no celular. Então tem um
ponto que é clareza. Você às vezes dá informação na elipse, os
personagens se falaram durante essa elipse e essa informação
chegou no personagem A pelo personagem B e você entende
sozinho Você não fica fazendo “um mais um” para o espectador
a todo momento. Só que hoje as diretrizes são “não, não se dá
informação assim. Toda informação tem que ser clara”. (Simão,
comunicação pessoal, 2022, agosto 19)
Na conversa, citamos um certo “efeito Carinha de Anjo”: por que
a Netflix, com seu investimento pesado e discurso voltado para a série
e o binge-watching, teria no Brasil, entre as suas peças mais assistidas,
novelas que saíram do canal SBT? Esse efeito é ilustrado por este meme:
Sobre isso:
Em várias reuniões, esse print do Carinha de Anjo em primeiro
lugar, foi motivo de falação [na HBO Max]. Hoje eu chamo o
espectador que precisa entender tudo de “aquele que veio pelo
pacote do Brasileirão”. Porque a HBO faz comercialização de
futebol e eu vi que vários assinantes vieram por causa disso.
E os “grandes” da HBO ficam preocupados com esse espectador.
O “tiozão” que assinou pelo futebol, ele vai entender isso que
vocês estão falando? Tem apelo para ele?”. Esse povo que está
lá trabalhando com série, que está pensando “isso aqui é o
biscoito fino”, é difícil eles pensarem nesse espectador. Eu vou
assinar HBO Max, no Brasil, o que eu vou assistir? As séries?
Não! Tem o [time de futebol] Corinthians. Em resumo, eles estão
242
vendendo HBO Max por causa do futebol. (Simão, comunicação
pessoal, 2022, agosto 19)
Um dos possíveis motivos para esse efeito pode não ter a ver
com a novela em si, mas com a popularidade anterior das peças (afinal,
Rebeldes é uma franquia, enquanto Carinha de Anjo é um remake), a
classificação indicativa (infanto-juvenis, de classificação livre) e mais
ainda o grande volume de capítulos. Sant’Angelo é mais contumaz ao
criticar essa ideia da novela como uma tendência:
Sobre a novela, não é que eu não acho que não vai dar em
nada, mas é que parece que a aposta de 6 meses atrás era outra
e agora de repente já mudou. Viram que talvez não seja o caso
ou talvez esteja faltando grana para investir tanto assim em
novela. É muito fugaz, o tipo de análise que eles fazem, o que
eles precisam, do que eles querem [...] Envolve uma questão
maior, por ser empresas multinacionais, que mudam rápido,
assim como a organização delas. E cada pessoa vê [os dados]
de um jeito. A mudança de pessoal acaba alterando o resultado
final. (Sant’Angello, comunicação pessoal, 2022, setembro 01)
Curva de Abandono ou Taxa de “Completude”
Quando inquirida pelo parlamento do Reino Unido, a Netflix
revelou em uma carta que seus espectadores podem ser classificados
em 3 grupos: starters, watchers e completers. Os nomes seriam de
acordo com a porcentagem que estes usuários começam, continuam
ou completam a assistência de um filme e, principalmente, de uma
série. Em tese, as telenovelas seriam mais acessíveis para os starters
e watchers (espectadores eventuais ou que não costumam completar
as temporadas), uma vez que não demanda a audiência integral dos
243
capítulos. Por outro lado, o mercado internacional parece inclinado à
produção das séries dramáticas, de histórias mais concentradas e que
favorecem o binge-watching – voltado para a audiência dos completers
- uma vez que exigem mais da audiência.
Essa divisão entre espectadores mais concentrados (completers)
e mais distraídos (starters) não é novidade no audiovisual (Machado,
2005, p. 87), em particular na relação entre cinema e televisão. Ela inclusive foi usada por um bom tempo com um certo viés, como forma de
dizer que o cinema seria superior por exigir essa atenção que a televisão
não oferece – o que na prática tem mais a ver com um estado mental
de quem assiste, sua disposição a se dedicar àquela peça, seja ele um
espectador casual (um termo sem esse viés) ou aquele mais fidelizado,
que se dedica à obra com mais empenho.
A longo prazo, o desafio dos streamings é achar uma forma
sustentável de negócio, atendendo a nichos de audiências algorítmicas
(Burroughs, 2018) ao mesmo tempo em que procuram atrair novos
assinantes com produções-evento, que teriam por pretensão uma audiência global. Mas é importante dizer que, ao menos no caso da Netflix,
eles acreditam primeiro em manter os completers, que consumiram
séries dramáticas, com apelo internacional. Uma das razões é citada
por Corrêa (2019):
Além das informações geradas pelo banco de dados da empresa,
a Netflix apostou nessa estratégia como uma forma de mostrar
que olhava seriamente para o negócio de produções seriadas
e que, por não pertencer a esse mercado, a empresa foi capaz
de identificar as melhores práticas e tentar métodos diferentes
para conquistar a audiência. O binge-publishing é importante,
principalmente, porque ao depender de temporadas completas, faz
244
com que o trabalho dos roteiristas funcione de forma diferente.
(Corrêa, 2019, p. 94)
No streaming, uma das métricas possíveis para avaliar o sucesso
de uma narrativa audiovisual, e em especial nas séries, é a curva de
abandono, ou ainda taxa de “completude”. É como uma visualização
das categorias “starters, watcher & completers”: a taxa mede a porcentagem de usuários que terminaram de assistir um audiovisual. No caso
das séries, isso é muito útil pois, por ser uma narrativa longa, permite
avaliar como o público se comportou com a evolução da história ao
longo dos episódios. Essa métrica, mesmo que indiretamente, interferiu
na roteirização de algumas séries pesquisadas por nós.
Bulygo (2018) formulou uma teoria, a partir de alguns dados
divulgados pela Netflix, como o fato deles desenvolverem um algoritmo
para detectar quando os créditos começam:
Por que a Netflix quer saber quando os créditos entram?
Eles provavelmente querem ver o que os usuários fazem depois.
Eles deixam o aplicativo ou voltam para a navegação? Observe
como o Netflix agora oferece recomendações de filmes (eles têm
algoritmos de personalização que visam prever com precisão o
que os usuários verão em seguida) logo após o início dos créditos
(ou, para programas de televisão, eles jogam automaticamente o
próximo episódio). Permita-me explicar: através de suas análises,
a Netflix pode saber quanto conteúdo os usuários precisam assistir
para ter menos probabilidade de cancelar. Por exemplo, talvez
eles saibam que “se conseguirmos que cada usuário assista a
pelo menos 15 horas de conteúdo a cada mês, eles terão 75%
menos probabilidade de cancelar. Se eles ficarem abaixo de 5
horas, há 95% de chance de cancelar”. Assim, agora que eles
têm esses dados, podem se perguntar “Como podemos ajudar
os usuários a assistir pelo menos 15 horas de conteúdo por mês?
Uma ideia: habilitar o post-play, que automaticamente toca o
245
próximo episódio de um programa de TV, a menos que o usuário
opte por não assistir. (Bulygo, 2018)
Se considerarmos que uma temporada de uma série dramática,
na média, somaria entre 10 e 12 horas de conteúdo, então chegaríamos
próximo das 15 horas que, na teoria de Bulygo, evitariam o cancelamento por parte do usuário.
Até onde foi possível levantar, a porcentagem ideal de usuário
que completem uma série seria 80%. Note que esta porcentagem se
refere somente àqueles que começaram a ver determinada série, então,
um nicho poderia ser avaliado de forma mais justa. Um dos usos dessa
métrica é descrito por Bulygo (2018):
Por exemplo, as pessoas na Netflix poderiam se perguntar
“Quantos usuários que iniciaram o “Arrested Development
“ (desde a temporada 1) chegaram ao fim da temporada 3?
Depois eles recebem uma resposta. Digamos que é 70%. Então
perguntam “Onde estava o ponto de corte em comum para os
usuários? O que fizeram os outros 30%? Quão grande foi o
‘intervalo de tempo’ entre o momento em que os consumidores
assistiram a um episódio e o momento em que viram o episódio
seguinte? Precisamos de ter uma boa ideia do envolvimento
global deste programa”. Depois recolhem estes dados e vêem
as tendências dos usuários para compreender o envolvimento
num nível mais profundo. Se a Netflix verificasse que 70%
dos usuários assistiram a todas as temporadas disponíveis de
um programa [já] cancelado, isso seria um sinal para reiniciar
“Arrested Development”. (Bulygo, 2018)
Então a taxa de completude de Arrested Development foi uma
métrica utilizada para o “sinal verde” de uma nova temporada da sériemais do que isso, levou à “ressurreição” da série, que passou de uma
246
aquisição a conteúdo original da Netflix. Um efeito secundário dessa
ressurreição ajudou o ator Will Arnett, que foi mantido sob contrato com
a Netflix- posteriormente, ele se envolveria na concepção da animação
Bojack Horseman.
Mas na nossa pesquisa outros usos para a curva de abandono
apareceram: ela surgiu como meta para uma primeira temporada, e como
um recurso para aprovação de uma segunda temporada. Ao comentar
com Simão (comunicação pessoal, 2022, agosto 19) sobre o poder que
os streaming teriam ao usar esta métrica, ela nos disse o seguinte:
Temporada de verão não continuou porque é caro demais para
o número de visualizações que deu. Disseram que a série era
cara para o número de pessoas que chegaram até o fim. Hoje
falam em termos assim. Essa série que eu estou fazendo agora
[na HBO] tem que dar 80. O que é isso? 80% das pessoas que
começam, terminam de ver isso. 20 ou menos do que 20 (por
cento de taxa de abandono) é um grande sucesso. Euphoria, da
HBO, é mais do que 20, 25%, para você ter uma ideia... Bojack
[Horseman], da Netflix, que eu amo, a taxa de quem começa e
termina é baixíssima. Aí eles falam nesses termos . Para essa série
[Além do guarda-roupa] a expectativa é 80%, que a empresa
coloca. (Simão, comunicação pessoal, 2022, agosto 19)
Questionamos também o roteirista Sant’Angelo (comunicação
pessoal, 2022, setembro 01), head writer da série Irmandade, para a
Netflix, a respeito da curva de abandono. Ele foi um pouco além, estimando um prazo para que a série atingisse uma meta:
A gente tem que manter as pessoas que começaram, elas precisam
ter chegado no fim. Se muita pessoa vê só o primeiro episódio
e não prossegue, na verdade, a série não foi um sucesso. Eles
vão cancelar a segunda temporada. Então, faz parte da meta,
você ter os episódios muito “bingiáveis” [neologismo para
247
qualificar uma história que estimule o binge-watching] , para
que assim a pessoa chegue ao final da temporada. Além disso,
tem o tempo que eles [as plataformas de streaming] consideram
que dá para um usuário completar, e esse tempo é de 28 Dias.
[...] Então é meio que o tempo que um usuário tem, que vai estar
dedicada àquela série e isso não vai estar competindo com outra
coisa, que ela não vai abandonar. Claro, pessoas assistem séries
aleatoriamente, mas como comportamento de massa é assistir
completo e em 28 dias - isso que vai dizer se a série foi bem ou
foi mal. (Sant’Angello, comunicação pessoal, 2022, setembro 01)
No episódio 4 da primeira temporada de Irmandade (“Passagem só de Ida”) temos uma virada importante: o momento em que o
policial Andrade livra (temporariamente) Cristina de suas obrigações
como delatora, após a entrega do plano de um assalto comandado pela
Irmandade. É a partir desse episódio que Cristina se volta para a organização criminosa liderada pelo irmão dela, o que Sant’Angelo apelidou
de “momento Breaking Bad”.
Em consonância com o comentário de Sant’Angelo, recentemente foram traduzidos e republicados tweets do escritor Neil Gaiman,
clamando que seus fãs pedissem aos amigos para assistirem “Sandman”
por completo. Lançado mundialmente pela Netflix em agosto de 2022,
Gaiman avisa que mesmo entre os top 10 a série não teria garantia de
segunda temporada, uma vez que o custo da série seria alto (a player teria
pagado 15 milhões de dólares por cada episódio da primeira temporada):
Mas, convenhamos, a afirmação de Gaiman não é justa com a
audiência: uma das vantagens de assinar um serviço de streaming não é
justamente poder assistir “no seu próprio ritmo”? A escolha da métrica
não estaria errada? O modelo de negócios pressiona os roteiristas a
adotarem este paradigma do binge-watching. A ideia da maratona dos
248
episódios demanda lançamentos com marketing cada vez mais pesado,
transformando as séries em eventos, como foram os recentes lançamentos da quarta temporada de Stranger Things e da spin-off de Game of
Throne, House of The Dragon, pela Amazon Prime. Desconsiderando
toda a competição entre os streamings, podemos dizer que claramente
que nem toda série terá essa vocação para o evento.
Uma saída para esse entrave seria, novamente, uma aproximação do streaming com outros modelos de negócios: o serviço que deve
substituir a HBO Max deve oferecer pacotes variados – um gratuito
(com um acervo mais limitado e anúncios, outro a preço baixo ainda
com publicidade e outro com preço maior, num modelo como o atual.
Num primeiro momento essa ideia de anúncios publicitários no streaming parece um retorno à TV aberta, mas provavelmente o modelo
a se adotar é o do YouTube, com anúncios duvidosos no início do ou
entre os programas.
Episódio-Gancho (“Cuidado com o quarto episódio”)
Junto com a taxa de completude, temos uma outra métrica
possível, mais misteriosa, que é a taxa de abandono entre o terceiro e
quinto episódio. Este seria o “episódio-gancho”, chamado assim pois
na série bem-sucedida, a maior parte dos usuários que chegariam neste
episódio completariam a temporada. Corrêa (2018) explica o conceito
em sua dissertação:
Mas como saber se o público foi fisgado pela narrativa apresentada
já que não há mais um piloto feito para conquistar o público?
Em resposta, a Netflix buscou entender em qual episódio das
séries o público se engaja de fato, denominado episódio-gancho.
249
Segundo a pesquisa da empresa, 70% das pessoas que assistem
ao episódio-gancho de uma série continuam a narrativa até o
final, ou até o último capítulo disponibilizado. Abaixo, a figura
indica os episódios-ganchos de séries Originais Netflix como
Orange Is The New Black e Sense8, mas também de produções de
outras emissoras como Breaking Bad, Dexter e Gossip Girl (The
CW, 2007-2012). Esse estudo gerou especulações a respeito da
audiência necessária para que uma série original seja renovada
na plataforma, uma vez que a Netflix não deixa claro porque
uma série ganha uma nova temporada. (Corrêa, 2019, pp. 92-94)
Segundo uma de Nossas Entrevistadas:
Mas eles falam que o pessoal [a audiência] “larga” muito no
terceiro episódio. Então tinha essa pressão para o terceiro episódio
ser forte, escrever já escaleta, pensando em qual gancho...
assim, tem que pensar em gancho mesmo. E não só não só
do episódio. Hoje, nessa série do HBO por exemplo, eu estou
enganchando as cenas. Penso em gancho de cena para a próxima
cena, porque eu não quero que o cara desligue. Se essa cena é
menos emocionante, então eu já prometo algo... Tamanho é o
medo de perder a audiência lá na frente. (Simão, comunicação
pessoal, 2022, agosto 19)
Uma de nossas suposições para este princípio do episódio-gancho
é que o modelo de série para o binge-watching deve se concentrar em
10 a 13 episódios, diferentemente dos 20 a 25 episódios de séries da
televisão tradicional. E se aplicarmos o diagrama de Syd Field, devemos
ter o terceiro, quarto ou quinto episódios como um ponto de virada.
Os autores de House of Cards claramente abordaram a narrativa
como um filme de treze horas de duração – isso também significa
menos dependência dos tradicionais ganchos de fim de episódio
para manter o público pensando sobre a história até a episódio
da semana seguinte. É interessante, contudo, que eles tenham
250
optado por criar treze episódios, que é o número clássico de
episódios de uma série de TV a cabo. (Kallas, 2016, p.15)
Em entrevista para o livro de Kallas (2016), o roteirista Warren
Leight, entre outros comentou como pensava numa temporada de uma
série como se fosse um filme com uma duração muito longa, organizando a trama da série Lights Out nos 3 atos de Syd Field (ou quatro
atos, segundo a revisão de Thompson (1999)
Tivemos uma estrutura de três atos para a temporada. E tínhamos
muita consciência de que estávamos preparando o clímax do
retorno dele. Os quatro primeiros episódios foram o primeiro
ato, no fim do quarto episódio está claro que o drama não
termina, que eles não estão aceitando que ele volte ao ringue.
Do quinto ao nono episódio temos o segundo ato, o meio da
temporada, que é a página 60 de um roteiro em minha mente.
Foi o primeiro retorno à luta, e os últimos episódios conduzem
à grande revanche. E além disso houve o piloto, e cada um dos
doze episódios deveria girar em torno de uma luta. Ele vai se
voltar contra a família, contra a família de origem, contra o
patrocinador. A temporada tinha uma estrutura cinematográfica.
(Kallas, 2016, p.63)
Acreditamos que essa questão do 4º episódio-gancho venha de
outra fonte: o modelo de sucesso da tv por assinatura premium HBO
e de Família Soprano. Ao abordar os 13 episódios da 1ª temporada da
Família Soprano, fala-se muito sobre a importância até mesmo histórica
do 5º episódio, College, onde vemos pela primeira vez Tony matando
um de seus inimigos. Este episódio é tido como o mais revolucionário
da ficção televisual nos últimos anos (no caso, no final dos anos 90):
251
Se houve um momento em particular que assinalou a realidade
da nova TV, ele aconteceu apenas poucas semanas após a
estreia de Família Soprano. Nessa época, o público já estava
começando a se afeiçoar a esse novo e incomum herói [o mafioso
Tony Soprano]. Então, na quinta semana, Tony estrangulou um
homem até que ele morresse. Bem na nossa cara. Em tempo
real. Enquanto levava a filha para visitar e conhecer algumas
faculdades. (Martin, 2014, p. 11)
Mas seguindo a lógica do paradigma de Syd Field, então não
seria “College” o episódio-gancho e sim o quarto, “Meadowlands”.
O showrunner de Família Soprano, David Chase, conta de forma prosaica que: “Depois de ter visto três episódios seguidos, eu disse: ‘Ah,
estou tão de saco cheio disto... preciso levar essas pessoas para fora da
cidade. Talvez eles tirem férias, algo assim’” (Martin, 2014, pp. 116-117).
Figura 1
Nota. Diagrama de Syd Field aplicado à primeira temporada de Família Soprano
(Elaborado pelos autores).
Se olharmos com mais atenção o episódio “Meadowlands”,
ele parece dentro da regra da Netflix no critério do ponto de virada da
temporada: essencialmente, é o episódio onde Tony cede à terapia e,
252
inspirado por um livro cedido por sua terapeuta, entrega a chefia da
família italiana ao Tio Júnior- adiando a explosão da violência, Tony
toma uma decisão racional, que funciona assim como um ponto de
virada desse primeiro quarto da série. Assim, apesar da relevância do
desenvolvimento da personagem no terceiro episódio da temporada,
o que se mostra decisivo em termos estruturais é o quarto episódio.
O restante da temporada parece corroborar esta conclusão.
Em cada quadro na área inferior do diagrama, colocamos o
principal evento do episódio. Note que como Thompson (1999), consideramos o ponto central também como um ponto de virada. Entretanto,
é curioso o que Simão fala a respeito de Família Soprano, “que já tinha
assistido 6 vezes do começo ao fim”, quando lhe questionamos sobre
o episódio-gancho na série em que trabalhava (e da pressão em “não
dar respiro” ao espectador):
É engraçado que eu, pessoalmente, gosto de uma dramaturgia
mais lenta, é das coisas que HBO fazia que, agora na HBO Max,
eu já sinto que é outra visão. Já querem o gancho, já querem a
rapidez em tudo. Então acho que vamos dizer adeus para um
certo tipo de dramaturgia mais lenta. (Simão, comunicação
pessoal, 2022, agosto 19)
Considerações Finais
É muito comum que nas redes sociais alguém apregoe que descobriu como “hackear o algoritmo”. A frase indica que seu autor descobriu
como influenciar de forma direta os sistemas de recomendação dessas
redes. Temos alguns exemplos recentes e polêmicos de como isso foi
253
feito no Twitter5 e no Spotify6. Agora, seria possível fazer o mesmo com
as plataformas de streaming, hackeando seus algoritmos? E, no caso de
nossa pesquisa, criar um *roteiro perfeito” que levasse a esse efeito?
A mídia especializada relatou um showrunner que realizou
essa proeza, em 2017. O produtor norueguês Anders Tangen vendeu
a primeira temporada de sua série, Norsemen, para a Netflix. A série
parodiava as produções sobre vikings ao manter o visual e o contexto,
mas criar personagens que falam como se estivessem vivendo os dilemas contemporâneos. Uma combinação improvável entre Vikings e as
sitcoms de Larry David.
Tangen se viu num espaço privilegiado (principalmente por sua
série ter sido gravada em norueguês e inglês, simultaneamente), mas
tinha o desafio de se destacar num catálogo que, na época, contava com
mais de 1700 títulos de séries.
O hackeamento de Tangen aconteceu quando se deu conta que
nesse mar de oferta, uma série como a dele teria pouca chance. Foi então
que Tangen desembolsou um total de pouco mais de 20 mil dólares
para fazer uma campanha de microaudiência no Facebook, publicando
pequenos trechos da série, focados em grandes cidades e estados dos
EUA com um contingente étnico nórdico considerável.
5.
6.
A reedição do filme “Liga da Justiça” pelo seu primeiro diretor, Zack Snyder,
foi na realidade impulsionada por um exército de bots, que geraram a comoção
virtual necessária para convencer a Warner Bros. a ressuscitar o projeto. Não se
pode dizer ao certo quem promoveu esse tráfego não-orgânico, mas acredita-se
que foi o fandom de Snyder. (Siegel, 2020).
Assim como o caso do “Znyder´s cut”, o fandom de Anitta teria realizado o mesmo
para promover a música Envolver: Soares (2022). Pessoalmente acreditamos
que nos dois casos quem foi de fato responsável foram os próprios artistas, ou
empresas ligadas a eles, já no espírito de “hackear o algoritmo”.
254
O algoritmo do Netflix tinha começado a fazer efeito. Os fãs
que tinham tomado conhecimento da série através da campanha
de Tangen começaram a recomendá-lo aos seus amigos. [...]
começaram a aparecer no carrossel de recomendações da Netflix.
[...] Quando Norsemen surgiu para uma renovação da segunda
temporada, a Netflix aumentou o seu compromisso, tornando o
programa um “Netflix Original”, o que significa mais marketing
interno. (Roxborough, 2019)
Dessa forma a ação de Tangen influenciou o critério de popularidade do sistema de recomendação (Amatriain, 2013). E a ação do
produtor norueguês mostra uma conexão indissociável hoje: não podemos
mais desenvolver uma narrativa audiovisual sem levar em conta sua
capacidade de repercussão nas redes sociais e da constituição de elos
entre a audiência. Isso já foi discutido por autores como Jenkins (2006)
e Anderson (2006). Chama a atenção o investimento relativamente baixo
que Tangen fez para colocar sua série entre as mais assistidas.
Entretanto, o hackeamento de Tangen afeta o algoritmo num
movimento “de dentro para fora”, com a audiência sendo influenciada
por um fator externo. Vimos situações em que isso se repete de forma
mais simples, como nos tweets recentes de Gaiman pedindo para os
fãs completarem Sandman, ou mesmo no monitoramento informal que
Sant’Angelo e Simão fizeram com suas series. Pouco ou nada se fala
dos valores intrínsecos, das características narrativas que permitiram,
em primeiro lugar, que Norsemen chegasse à Netflix.
Há uma primeira questão, mais ligada à produção, que é o fato
da Netflix ter comprado uma série já totalmente financiada (a primeira
temporada da série de Tangen foi exibida inicialmente pela emissora
pública da Noruega, NRK). Segundo informações da época, esse dado
255
prévio de popularidade despertou a atenção da líder no streaming- no
que parece ser um padrão em seu movimento, ao investir em obras
com respaldo em outras localidades, em remakes (como no caso de
House of Cards e Maniac), ou ainda em nomes que já são reconhecidos
principalmente na internet (como é o caso de Sintonia, cujo criador,
Kondzilla, possui um canal de videoclipes com milhões de seguidores
no YouTube). Esse procedimento não é novo no audiovisual (vide
Eco,1989, e as dezenas de definições de repetição que ele oferece); no
entanto, quando falamos de roteiro algorítmico, o roteiro só pode ser
criado a partir de dados anteriores (uma vez que o algoritmo só pode
oferecer uma saída a partir de dados de entrada).
Agora, Norsemen investe em algumas características que levantamos para o roteiro algorítmico. No caso, a mais evidente é o trabalho
com a narrativa complexa (Mittell, 2012), por conta do jogo metanarrativo que constrói. Sintetizada como uma combinação entre The Office e
Game of Thrones, é uma série cômica que leva em conta o que conhecemos de outras obras populares. Quando assistimos, associamos ora
a uma série violenta sobre vikings, ora a uma sitcom.
Essa é a verdadeira fórmula de Norsemen. Então quando se diz
que ele “hackeou o algoritmo da Netflix”, devemos levar em conta que
ele hackeou antes, ao criar esta fórmula que descrevemos, e esse é um
ponto primordial que não podemos deixar de lado. Ainda assim, levemos
em conta como esse peso das redes sociais é vital, principalmente na
curta meia-vida de uma série que estreia na Netflix.
256
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259
NOVAS ESTRATÉGIAS DE DISTRIBUIÇÃO
DA NETFLIX E A NARRATIVA SERIADA
EM ARCANE
Letícia Forti Bonatelli1
Letícia Passos Affini2
A ascensão de serviços de distribuição de séries via internet
transformou a indústria televisiva ao ampliar o número de telas ao
usuário e oferecer maior oferta de conteúdo. Ao levar as produções
audiovisuais da televisão para a internet, os serviços de streaming,
como os SVOD (subscription video-on-demand), deram a liberdade
de escolha para o usuário navegar da forma que desejar entre as telas
de conteúdo. Importante destacarmos que streaming é a tecnologia de
carregamento de vídeos online, enquanto SVOD diz respeito a mecânica
1.
2.
Mestranda em Mídia e Tecnologia. Membro do GrAAu - Grupo de Estudos de
Audiovisual da Unesp.
[email protected]
Doutora em Comunicação e Cultura. Docente do programa de Pós-Graduação
em Mídia e Tecnologia da Unesp.
[email protected]
260
da plataforma que disponibiliza um serviço de assinatura que dá liberdade e portabilidade para os usuários.
O ano de 2010 foi o ponto de virada em relação aos SVOD,
a Netflix lança o serviço sob demanda por assinatura para recepção
em dispositivos móveis, episódios em alta definição acessíveis pouco
tempo depois do programa ir ao ar. O Hulu, em 2008, e o HBO Go,
em 2010, trilharam pelo mesmo caminho na internet, porém a Netflix
não está diretamente ligada a emissoras já estabelecidas no mercado.
Até que em 2012, a empresa firmou um acordo com a emissora norueguesa NRK para distribuir todos os episódios da série Lilyhammer na
América do Norte, bem como atuar como co-produtora, enquanto a
série era exibida semanalmente na Noruega. Assim foi inaugurado o
chamado binge-publishing, definido como “o lançamento simultâneo
de todos os episódios de uma temporada de uma série de televisão sem
intervalos comerciais por meio de um serviço de streaming de vídeo
sob demanda” (Van Ede, 2015, p. 3).
Os serviços de SVOD alteram a forma como a audiência percebe a ficção ao acabar com os intervalos de tempo e de publicidade
que separam os episódios. Os intervalos fizeram parte da experiência
televisiva seriada moldada por um modelo econômico publicitário, as
emissoras privadas do broadcast e narrowcast precisam preencher os
espaços da programação com publicidade para manter o modelo de
negócio sustentável. Portanto, nesse formato a narrativa é moldada pelos
intervalos e são recorrentes os recursos de repetição das informações ao
longo do episódio, pois se pressupõe que a audiência é mais propensa
à dispersão. Recursos estes como vinheta de abertura, recapitulação,
iterações e vinheta de encerramento.
261
Este catálogo de técnicas para auxiliar a memória destaca
a importância de processos subjacentes de memória no,
aparentemente, simples ato de compreensão narrativa. Gerenciar
um universo narrativo de vários anos é difícil o suficiente
para escritores de televisão, mas eles também enfrentam
desafios significativos para garantir que os espectadores
possam acompanhar a ação sem cair na confusão ou no tédio
da redundância. Embora os novos modos de visualização tenham
tornado mais comum para os espectadores assistir a uma série
em ordem sequencial sem perder episódios, ainda é comum o
suficiente para os espectadores assistirem de forma irregular,
exigindo redundância interna e extensões paratextuais para
garantir a compreensão narrativa. (Mittell, 2015, p. 194)
Com o binge-watching, os intervalos se baseiam nos segundos de
espera do usuário entre o fim e o início do novo episódio. A experiência
é personalizada e o usuário pode pausar a narrativa quando quiser, por
conseguinte, os roteiristas são desafiados a manter a audiência ávida a
todo o momento, pois o objetivo é assistir todos os episódios de uma
só vez.
Nesse contexto, o presente artigo tem como objetivo discorrer
acerca das estratégias de distribuição da Netflix para além do binge-publishing e analisar a estrutura narrativa da série de ficção Arcane, cuja
primeira temporada foi dividida em três partes e lançada em novembro de
2021. A série é uma adaptação em animação do jogo eletrônico League
of Legends, o multiplayer de batalhas on-line em que o jogador pode
escolher um personagem conhecido como “campeão” e formar grupos.
Dessa forma, Arcane busca expandir a narrativa para além do jogo.
Por conseguinte, precisamos definir as técnicas de roteiro utilizadas por seriados de ficção para manter a audiência atenta.
262
Os recursos de repetição são usados em seriados de ficção para
lembrar a audiência de pontos importantes da narrativa, Jason Mittell
(2015) os define como importantes gatilhos de memória da audiência.
Alguns são sutis, como citar o nome de um personagem no diálogo e
outros são evidentes, como a recapitulação no início de um episódio
ou o flashback de uma cena.
Ao trabalhar os intervalos, a narrativa também deixa lacunas para
instigar a audiência a continuar assistindo ao episódio seguinte, como
é o caso do gancho. A seguir, descrevemos o uso dos recursos citados.
Conforme Mittell (2015), a recapitulação é um recurso da edição
para lembrar a audiência de pontos chave de episódios anteriores que
serão abordados no episódio presente, por isso a montagem aparece no
início do episódio. São cortes de cenas escolhidas com cuidado para
contextualizar a trama e direcionar o que acontecerá no episódio que
se inicia.
Diferente da recapitulação, a iteração utiliza recursos para ativar
a memória da audiência em relação aos aspectos da história no decorrer do episódio, “Ao longo de um episódio, as narrativas da televisão
incorporam pequenas redundâncias que lembram os espectadores de
informações importantes da história, que vão desde planos de estabilização localizando o cenário no qual a cena ocorre, até o diálogo que
repete os nomes e relacionamentos dos personagens” (Mittell, 2015,
p. 181). Releituras diegéticas são mais comuns na teledramaturgia, na
qual é normal ver personagens relatando eventos passados. Diálogos,
elementos visuais, narração em voice-over, flashbacks, replays são algumas técnicas de iteração utilizadas em seriados e que serão verificadas
neste trabalho.
263
O gancho é uma técnica de roteiro que gera antecipação da audiência. Há seriados de ficção que deixam o final do episódio em aberto
para revelar a resolução no próximo. Mittell (2015) argumenta que em
séries distribuídas semanalmente, esse artifício permite que a audiência
preencha o intervalo entre os episódios com teorias e discussões acerca
da narrativa, já no binge-publishing faz com que a audiência inicie o
próximo episódio de forma imediata.
De acordo com os conceitos expostos, descrevemos as etapas
da execução do projeto.
Para a realização deste trabalho utilizamos o método do estudo de
caso proposto por Yin (2001), definimos como objeto de análise a série
Arcane, a animação inspirada no jogo eletrônico League of Legends.
A pesquisa inicia com a etapa de levantamento bibliográfico com base
nos estudos de Lotz (2014), Van Ede (2015) e Jenner (2018) acerca dos
serviços de SVOD. Junto aos conceitos de Mittell (2015), Bordwell
(2013), McKee (2018) e Comparato (2018) em relação ao roteiro e
formatos narrativos. A partir dos autores, estabelecemos as categorias
gancho, recapitulação e iteração para a etapa de análise da narrativa.
A partir dos resultados, compreendemos as estratégias de distribuição utilizadas pela Netflix ao constatar o crescimento da concorrência. Identificamos também os recursos utilizados pelos roteiristas
para manter a audiência atenta à narrativa no formato diferente do que
era utilizado até então pela plataforma de SVOD.
Após definir as categorias de análise, iniciamos a etapa da coleta
dos resultados.
Apresentamos as tabelas de decupagem dos nove episódios da
primeira temporada da série Arcane. As tabelas contam com a coluna
264
do timecode para marcação do tempo da cena, as colunas de recapitulação, iteração e gancho, além da descrição da cena. Os nove episódios
foram divididos em três partes e distribuídos ao longo de três semanas
em novembro de 2021, assim representados na Tabela 1.
Tabela 1
Distribuição dos Episódios de Arcane
Número do
Episódio
Nome do Episódio
1
Entrando na Brincadeira
2
Alguns Mistérios Não Devem Ser Desvendados
3
A Violência é Essencial para a Mudança
4
Feliz Dia do Progresso!
5
Todos Querem Ser Meus Inimigos
6
Quando as Paredes Desabam
7
O Garoto Salvador
8
Água e Óleo
9
O Monstro que Você Criou
Data de
Lançamento
6 de novembro de
2021
13 de novembro de
2021
20 de novembro de
2021
Elaborado pelos Autores.
Os episódios “Entrando na Brincadeira”, “Alguns Mistérios Não
Devem Ser Desvendados” e “A Violência é Essencial para a Mudança”
entraram no catálogo da Netflix em todos os territórios em que está
disponível no dia 6 de novembro de 2021. Apresentamos a decupagem
na Tabela 2, Tabela 3 e Tabela 4, respectivamente.
265
Tabela 2
Decupagem episódio 1 – Entrando Na Brincadeira
Timecode
Iteração
Recap.
00:07:07-00:07:38
X
00:08:28-00:08:54
X
00:13:28-00:14:15
X
00:14:37-00:16:24
X
00:18:59-00:19:18
X
00:21:14-00:23:31
X
23:33:00-00:25:12
X
00:25:12-00:27:06
X
Gancho
Descrição da Cena
O grupo formado por: Vi, Mylo,
Claggor e Powder discute sobre o
que Vander pode achar de suas ações,
temendo uma represália. O nome de
Vander é repetido várias vezes no
diálogo.
A personagem Mylo relembra o diálogo
de Claggor, clamando que não era
para eles estarem naquela sala.
O grupo precisa fugir pelo esgoto e
Mylo não gosta pois pensa que não
precisaria mais fazer isso. Ele e a Vi
discutem sobre ser a última vez que
esse tipo de fuga acontece.
O grupo discute sobre o que causou a
explosão enquanto saqueavam a casa.
O membro de uma gangue de rua
menciona que ficou sabendo sobre
a ação que ocorreu na casa e não
está contente com o grupo que
está levando a confusão até sua
comunidade. Os outros membros da
gangue aparecem, eles querem uma
parte dos achados do grupo.
Mylo confronta Powder sobre ter
jogado a mochila com riquezas no rio
e Powder conta sobre seu confronto
para o grupo.
Vander aparece para ajudar na
negociação e a comerciante enfatiza
seu nome.
O grupo discute o que deu errado.
Vander dá bronca no grupo por
conta da explosão e Vi tenta se explicar.
Vander pergunta para Vi como ela
conseguiu os machucados e ela conta
sobre
o encontro com os homens na rua.
266
00:27:55-00:28:46
X
00:28:46-00:30:21
X
00:30:21-00:31:03
X
00:31:19-00:32:08
X
00:32:45-00:34:05
X
00:34:05-00:35:06
X
00:35:06-00:37:14
X
00:37:14-00:38:23
X
Mylo discute com Vi sobre como
Powder é um risco para eles nas
missões, a garota ouve tudo pela
porta entreaberta. Powder vai
embora, Vi dá uma bronca em Mylo.
Vander conversa com um comerciante
sobre o saque do grupo e como isso
colocou eles em perigo.
Ekko pergunta para Claggor da missão
e se gaba sobre os golpes de luta que
aprendeu com a Vi.
Os Defensores entram na loja e
descrevem que procuram um
grupo que atacou a cidade, Vander
pergunta quem são os suspeitos e os
Defensores dão a entender que ele já
sabe quem são.
Vander pergunta para a Defensora se
alguém se machucou na explosão,
ela responde de forma irônica. Ele
diz que vai lidar com quem fez isso,
a Defensora dá detalhes sobre o local
do acidente.
Powder reitera para Vi que arruína tudo,
ela comenta sobre a conversa que
ouviu da irmã com Mylo.
Powder mostra para Vi as Esferas de
energia que roubou da casa.
Viktor tem como refém um dos homens
que atacou o grupo na rua, ele relata
a briga e revela que as crianças
explodiram o prédio no Ladoalto.
Elaborado pelos Autores.
267
Tabela 3
Decupagem episódio 2 – Alguns Mistérios Não Devem
Ser Desvendados
Timecode
Recap. Iteração
00:00:13-00:01:23
X
00:01:23-00:02:46
X
00:02:46-00:03:37
X
00:04:42-00:04:48
X
00:07:45-00:09:01
X
00:10:57-00:11:49
X
00:11:49-00:12:11
X
00:13:08-00:13:37
X
00:14:42-00:16:59
X
00:19:52-00:20:50
X
Gancho
Descrição da Cena
A explosão na mansão do Ladoalto é
exposta pelo ponto de vista de Jayce
e Caitlyn.
No flashback, Jayce vê a Esfera
causadora da explosão na mansão ser
usada para um ritual mágico na sua
infância.
A magia da Esfera salva a mãe de Jayce
e um mago o entrega um pedaço da
própria Esfera.
Na mansão, a Defensora, membro
das autoridades de Piltover, e Jayce
discutem como ocorreu a explosão e
sobre os itens e a pesquisa dele. Ele é
levado para a prisão.
Mylo critica as invenções de Powder,
que o domina no tiro ao alvo. Vi se
questiona sobre a missão na mansão.
A Conselheira Medarda pergunta a Elora
sobre Jayce na prisão.
A família de Caitlyn discute sobre Jayce,
ela repete que a explosão foi causada
por um roubo e não foi culpa do
próprio Jayce.
Powder lembra que o grupo conseguiu
derrotar os Defensores com sucesso e
Ekko conta para as irmãs que Vander
tem um acordo com os mesmos.
O Imperador relembra que Jayce causou
uma explosão. Ao tentar se explicar
Jayce contraria a recomendação de
Heimerdinger e declara que está
tentando criar mágica.
Jayce e a mãe conversam sobre como a
mágica salvou a vida dela e como ele
conseguiria convencer o conselho.
268
00:31:29-00:33:38
X
00:33:38-00:34:27
X
00:34:27-00:34:49
X
Viktor explica para Jayce que seu
depoimento no julgamento o deixou
intrigado. Jayce relata que já viu o que
a mágica pode fazer.
Powder revela para Vi as armadilhas que
montou contra os Defensores.
A Defensora confronta Marcus, outro
Defensor, sobre sua ida ao bar A
Última Gota atrás das crianças.
Elaborado pelos Autores.
Tabela 4
Decupagem episódio 3 – A Violência É Essencial Para
Mudança
Timecode
Recap. Iteração Gancho
00:05:28-00:06:24
X
00:07:24-00:08:34
X
00:08:40-00:09:17
X
00:10:49-00:10:55 X
X
00:11:14-00:11:43 X
X
00:15:27-00:17:03
X
Descrição da Cena
Após o experimento de Silco assassinar um
Defensor e o amigo de Vander, Marcus
reclama que aquele não foi o acordo que
fizeram.
Viktor e Jayce trabalham com as Esferas.
Jayce resmunga que precisam dos seus
equipamentos e fica revoltado ao saber
que vão ser destruídos. Viktor lembra
que as Esferas estão no laboratório de
Heimerdinger e que ele tem as chaves do
lugar.
Ekko e Vi se abraçam, ele diz que levaram
Vander.
Silco lembra da traição de Vander.
Flashback mostra ele desacordado e se
debatendo em águas profundas.
Flashback de Silco sendo sufocado no rio
tóxico.
Vi conta para o grupo sobre a morte do
Benzo e o sequestro de Vander. Mylo,
Claggor e Powder querem ajudar a
encontrar Vander, Vi pede que Powder
fique fora dessa porque ela não está
pronta e não pode perdê-la.
269
00:17:03-00:17:58
X
00:17:58-00:18:52 X
X
00:19:13-00:20:11
X
00:25:16-00:25:58 X
X
00:27:03-00:27:17
X
00:27:33-00:27:43
X
00:28:19-00:29:33
X
00:31:43-00:32:23 X
X
00:35:11-00:36:43
X
00:36:43-00:37:34
Jayce e Viktor terminam a máquina para
usar Hextech e mágica. Colocam uma
Esfera de energia para funciona-la.
Powder derruba as Esferas e o flashback
mostra o momento da explosão, ela pensa
que pode ajudar o grupo.
Jayce tenta controlar a máquina e s Esferas
perdem o controle ao soltar energia assim
como na explosão.
Flashback mostra a lembrança de Jayce
com o mago salvando sua mãe.
Powder prepara uma arma com as Esferas.
X
Powder lança a arma com as Esferas.
A arma com as Esferas causa uma enorme
explosão no laboratório de Silco. Mylo
e Claggor são mortos e soterrados pelos
destroços do prédio.
Flashback do Vander tentando afogar Silco
no rio tóxico, mas Silco o fere com uma
adaga e foge.
Powder celebra que a arma dela funcionou,
entretanto as perdas foram enormes e Vi
se revolta contra ela, relembrando a fala
de Mylo sobre ser um risco.
Vi toma distância de Powder que chora
copiosamente. Silco aparece e oferece
abrigo para Powder, no momento em que
Vi olha a cena e busca se aproximar para
proteger Powder, ela é sequestrada por
Marcus.
Elaborado pelos Autores.
Os episódios “Feliz Dia do Progresso!”, “Todos Querem Ser
Meus Inimigos” e “Quando as Paredes Desabam” entraram no catálogo da Netflix em todos os territórios em que está disponível no dia
13 de novembro de 2021. Apresentamos a decupagem dos episódios
na Tabela 5, Tabela 6 e Tabela 7, respectivamente.
270
Tabela 5
Decupagem episódio 4 – Feliz Dia Do Progresso!
Timecode
Recap. Iteração Gancho
00:04:30-00:04:50
X
00:04:50-00:05:35
X
00:08:34-00:09:56 X
00:11:40-00:14:24
X
00:14:38-00:15:55
X
00:15:55-00:16:50
X
00:17:32-00:18:10
X
00:18:10-00:20:06
X
Descrição da Cena
Na feira, a Sra. Kiramman apresenta
Jayce como o criador do Hexgate, que
trouxe prosperidade para a cidade de
Piltover. Jayce pede licença e se retira, a
personagem o descreve como um homem
ocupado.
Jayce e Caitlyn falam sobre a situação de
cada um, ele revela que fará o discurso
principal na feira.
Powder, agora Jinx, vê uma mulher parecida
com Vi e tem flashbacks com a irmã.
Jayce e Viktor apresentam a nova geração da
Hextech para Heimerdinger. Os cientistas
explicam que conseguiram estabilizar
as Esferas de energia que usaram na
invenção original. Heimerdinger pontua
que a tecnologia ainda precisa de muita
pesquisa antes de ir para as mãos dos
consumidores comuns.
Caitlyn faz a reconstrução do ataque, a
edição mistura flashes com a encenação
da personagem.
O Defensor encontra Caitlyn conversando
com uma testemunha do ataque e a
apresenta pelo nome completo, indicando
que ela só está na função de Defensora
por causa da mãe.
Sevika explica para Silco que Jinx atirou
em sua equipe na missão e que ela é um
problema.
Silco pergunta para Jinx sua versão do que
houve na missão e ela explica que viu
uma garota de cabelo rosa, parecida com
sua irmã. Silco mente que Vi está morta.
271
00:21:08-00:22:14
X
00:22:14-00:23:14
X
00:28:42-00:31:49
X
00:31:49-00:33:03
X
Jayce conta para Elora Medarda o problema
que enfrenta com Heimerdinger querer
estender sua pesquisa para a nova
tecnologia Hextech. Elora reitera que
Hextech foi revolucionária e que a
apresentação no Dia do Progresso precisa
mostrar algo novo.
Jinx tem visões com o antigo grupo de
amigos. Ela tenta se explicar como
a garota que apareceu na missão era
parecida com Vi.
O Conselho destaca como a Hextech foi
revolucionária em meio à crise que se
instalou após o atentado causado pela Jinx
na cidade.
Silco briga com a Jinx, grita que ela
machucou Defensores e que não faz ideia
das suas ações. Jinx entrega a Esfera
de cristal estabilizado que roubou do
laboratório.
Caitlyn descobre que Vi está viva e numa
prisão.
X
00:36:11-00:36:54
Elaborado pelos Autores.
Tabela 6
Decupagem episódio 5 – Todos Querem Ser
Meus Inimigos
Timecode
00:02:32-00:04:13
Recap. Iteração
Gancho
Descrição da Cena
Caitlyn questiona Vi sobre o ataque ao
presidiário que participou do atentado
no Dia do Progresso. Ela mostra
fotos das evidências e Vi reconhece
os símbolos de Jinx. Vi reitera que
Silco comanda a Subferia e se Caitlyn
quer achar quem provocou o atentado,
precisa encontrar Silco.
X
272
00:04:13-00:04:47
X
00:08:40-00:10:16
X
00:10:16-00:11:25 X
X
00:11:25-00:12:38
X
00:14:12-00:15:15
X
00:16:21-00:18:25 X
X
00:24:47-00:25:32
X
00:26:38-00:28:03
X
O guarda da prisão recebe uma ordem
de Jayce para soltar Vi, ele pergunta
para Caitlyn desde quando ele virou
Conselheira e ela responde que
desde hoje.
Viktor está desapontado com a falta de
comprometimento de Jayce sobre
ajudar os mais necessitados com a
Hextech.
Jayce dá a desculpa de que virou
Conselheiro. Revendo os diários
de bordo dos navios que chegam
em Piltover, Jayce desconfia de
corrupção correndo há tempos e
discute com Marcus sobre acabar
com isso.
Jinx tenta energizar uma máquina com
a Esfera roubada do laboratório de
Jayce e Viktor, porém a carga de
energia a faz ter flashbacks com a
explosão e morte de seus amigos
quando tentaram salvar Vander.
Vi chega à Subferia pulando e correndo
entre os prédios, assim como
fazia com seu grupo de amigos na
infância.
Caitlyn lembra Vi que a tirou da prisão
para ajudar na investigação do
ataque ao porto de Piltover.
Jinx volta ao centro de treinamento
que usava com seus amigos e irmã
na infância. Ela tem flashbacks de
momentos de carinho e raiva com a
irmã.
Vi lamenta com a dona do bar a perda
de Vander e como Silco tomou conta
da Subferia com dinheiro e poder.
Vi pergunta se ela sabe sobre Powder e
recebe uma resposta negativa.
Viktor continua a ter vertigens e tossir
sangue, dessa vez ele desmaia no
laboratório sozinho.
273
00:28:57-00:30:28
X
00:30:28-00:31:48
X
00:36:00-00:36:51
X
Silco leva Jinx ao rio em que Vander o
traiu e tentou matá-lo, ele renasceu
nesse lugar, então Jinx também
precisa.
A trilha sonora retoma a vinheta de
abertura da série enquanto Vi anda
pela Subferia. A montagem alterna
entre Vi, Marcus no seu escritório
olhando para um desenho da família
e Elora sozinha na cama.
Jinx continua trabalhando para fazer a
Esfera Hextech funcionar. Sevika,
capanga do Silco, o avisa que Vi está
viva.
X
Elaborado pelos Autores.
Tabela 7
Decupagem episódio 6 – Quando As Paredes Desabam
Timecode
Recap. Iteração Gancho
00:00:13-00:03:26
X
00:05:47-00:07:46
X
00:07:46-00:08:34 X
X
00:08:34-00:09:38
X
00:11:18-00:12:25
X
Descrição da Cena
Na infância, Viktor coloca para
funcionar o navio que construiu.
Desde criança demonstra habilidades
com mecânica.
Jayce se justifica por ter deixado Elora
Medarda sozinha na noite anterior
para ir cuidar de Viktor, ele conta
para a conselheira que o amigo está
doente e morrendo aos poucos.
Viktor olha obsessivamente para o
artefato de energia e magia, ele
tem flashback com a noite em que
desmaiou. Por fim, toca o aparelho e
a energia azul se transfora em roxa.
No bar, ao questionar o atendente,
Jinx brinca com a Esfera de energia
roubada.
Jinx prende e ameaça Sevika. A
personagem revela que Vi está viva e
andando pela Subferia deixando Jinx
emotiva.
274
00:12:25-00:14:56
X
00:16:57-00:18:09 X
X
00:22:29-00:23:31
X
00:26:00-00:27:33
X
00:29:26-00:31:18
X
Marcus observa a foto da sua filha
em cima da mesa. No quarto, Silco
está brincando com ela e informa
o Defensor que Vi está viva e que
ele não cumpriu o acordo de dar um
fim nela quando Vander morreu. O
Defensor se compromete em ir atrás
dela enquanto Silco ameaça sua
família.
Perdendo muito sangue da facada, Vi
tem alucinações com Jinx e ouve a
voz de Vander. Caitlyn e Vi discutem
sobre o Povo do Alto nunca olhar
para o que se passa na Subferia.
Marcus entrega uma das bombas de
Jinx para Jayce e avisa que pode
haver mais atentados. Jayce ordena
que todos entrando no porto devem
ser revistados. Marcus pergunta
para Jayce sobre Caitlyn ter soltado
um prisioneiro sob suas ordens e
ele retruca que não há nada para se
preocupar.
Caitlyn dá o medicamento para Vi, que
ainda tem uma última alucinação
com Powder. Caitlyn percebe que Vi
morou naquele lugar, Vi revela que
Defensores mataram seus pais.
Montagem da Jinx acendendo o
sinalizador que a Vi entregou
para ela não se perder. Silco tem
um ataque de raiva depois que Vi
derruba a torre em cima dele e dos
capangas. Vi e Caitlyn foge, no fim,
Vi observa a fumaça do sinalizador
no horizonte. Os Defensores se
preparam para um confronto com a
Subferia.
275
00:32:56-00:38:18
X
A fumaça do sinalizador para,
momentos depois, Vi aparece e as
irmãs se reencontram. Vi conta que
não encontrou ela antes porque
estava presa. Jinx continua ouvindo
vozes e tendo alucinações com seus
antigos amigos. Caitlyn aparece e
se surpreende ao descobrir que Jinx
é irmã de Vi, Jinx a ameaça com
uma arma e fica nervosa, pensando
que Vi a enganou para entregá-la às
autoridades. Jinx também ameaça
Vi, que tenta acalmá-la. Jinx pensa
que Vi foi junto com Caitlyn atrás da
Esfera de energia, Vi assegura que
não sabe o que é aquilo e que está lá
apenas por causa dela.
Um grupo com pranchas voadoras
entra em confronto com Jinx, Vi e
Caitlyn pela Esfera Hextec.
No final da batalha, Caitlyn e Vi são
capturadas pelo grupo que também
leva a Esfera Hextec.
Jinx fica sozinha.
X
Elaborado pelos Autores.
Os últimos três episódios da temporada foram lançados no dia
20 de novembro de 2021 no catálogo da Netflix em todos os territórios
disponíveis, são eles: “O Garoto Salvador”, “Água e Óleo” e “O Monstro
Que Você Criou”. Apresentamos a decupagem dos episódios na Tabela
8, Tabela 9 e Tabela 10, respectivamente.
276
Tabela 8
Decupagem episódio 7 – O Garoto Salvador
Timecode
Recap.
Iteração
00:03:44-00:05:08
X
00:06:30-00:08:46
X
00:08:46-00:09:44
X
00:09:44-00:10:57
X
00:10:57-00:12:21
X
00:12:21-00:13:00
X
00:13:00-00:14:21
X
Gancho
277
Descrição da Cena
Ekko se revela como o chefe do
grupo, os dois relembram a
infância e Vi insiste em corrigir
Jinx por Powder.
Elora Medarda encontra Jayce na
fábrica de martelos, ele mostra a
bomba da Jinx e diz que nunca viu
nada igual. Ele se preocupa com
a Heimerdinger e sua reação em
relação a decisão do conselho de
aposentá-lo. Medarda o assegura
que Heimerdinger ficará bem. Por
fim, Jayce diz que precisa cuidar
de Viktor e encontrar Caitlyn antes
de dar os próximos passos em
relação ao Conselho.
Sevika avisa Silco que a ponte está
bloqueada e que os Defensores
estão mais ativos, ele diz que
precisa encontrar Jinx.
Jinx continua tendo alucinações e
ouvindo vozes de seus amigos de
infância mortos. Ela lembra do
nome de Caitlyn.
Ekko se lamenta de não ter ido com
Vi para salvar Vander e diz que
Powder não existe mais, apenas
Jinx.
Ekko mostra para Vi um mural de
todas as pessoas que a comunidade
perdeu para os Defensores e Silco.
Jayce resgata Viktor que foi retido
nas barricadas dos Defensores
entre o Ladoalto e a Subferia.
Viktor explica que foi visitar um
amigo que possa ajudar, mas o
amigo disse que a natureza corrige
seu rumo.
00:19:30-00:21:10
X
00:21:10-00:23:05
X
00:23:05-00:25:08
X
00:27:28-00:28:36
X
00:28:36-00:28:52
X
00:28:52-00:31:08
X
00:33:37-00:35:10 X
X
00:35:10-00:36:18
Jinx acusa Silco de ser mentiroso
por esconder que Vi estava viva,
porém Silco a lembra que foi quem
a acolheu quando mais precisava.
Ekko mostra a Esfera para Caitlyn
e Vi. Caitlyn explica que Jinx a
roubou durante o ataque no porto
e que ela pode ser usada para a
construção de qualquer dispositivo
portátil Hextec. Ekko argumenta
que ela pode ser usada contra
Silco.
Viktor analisa a bomba fabricada por
Jinx. Medarda sugere a fabricação
de armas com Hextec para
melhorar a defesa da cidade, Viktor
reprova veementemente e diz que
Heimerdinger nunca aprovaria essa
sugestão. Jayce, pelo contrário,
está disposto a pensar sobre.
Vi explica que não pode abandonar
Jonx de novo e os deixam partir
sozinhos para o Ladoalto com a
Esfera.
Jinx observa a despedida do
grupo e ainda tem alucinações,
conversando sozinha.
Os Defensores, comandados por
Marcus, emboscam Caitlyn e Ekko
na ponte. Marcus atira em Ekko
assim que vê a Esfera, ficando
com ela. Vi corre de volta e Jinx,
alucinando, ataca todos na ponte
com Fogolumes explosivos.
Flashback da infância de Jinx e
Ekko.
Ekko parte para cima de Jinx que
atira descontroladamente, ele
acaba dominando ela. No entanto,
Jinx solta uma bomba que atinge
os dois. O corpo de Jinx aparece
um pouco queimado, não se sabe
se ela está viva.
X
Elaborado pelos Autores.
278
Tabela 9
Decupagem episódio 8 – Água e Óleo
Timecode
Recap. Iteração
00:03:20-00:04:34
X
00:05:40-00:06:25
X
00:06:25-00:07:09
X
00:15:08-00:15:56
X
00:17:50-00:19:08
X
00:19:08-00:20:55
X
Gancho
279
Descrição da Cena
Silco encontra Jinx desacordada na
ponte, a Esfera Hextech está na
mão dela. No mesmo momento,
Caitlyn percebe que a Esfera não está
mais guardada no dispositivo que
carregava.
Jayce e Medarda observam os
Defensores aniquilados na ponte. No
chão, Jayce percebe uma das bombas
em forma de borboleta criada por
Jinx.
Vi e Caitlyn entram pela janela do
quarto da própria Caitlyn, a mãe
dela as surpreendem apontando uma
arma, até perceber que é a filha e
ficar feliz. No reencontro com os
pais, Caitlyn apresenta Vi pelo nome
e natural da Subferia.
Ao ter Cintila injetado em seu corpo
para salvá-la da morte, Jinx tem
alucinações de sua infância com Vi e
sua versão adulta com Caitlyn.
Heimerdinger encontra Ekko ferido
e oferece ajuda. Ekko o reconhece
como Conselheiro, Heimerdinger
diz que é apenas ele agora e tenta
oferecer ajuda à Subferia, mas
ninguém quer ouvi-lo.
Enquanto relaxa numa banheira,
Ambessa Medarda dá um recado
para Jayce que a ameaça da Subferia
é real e que ele deve ter mais pulso
firme no conselho. Ela também
deixa claro que sabe sobre o
relacionamento com sua filha Elora
Medarda.
00:21:18-00:23:38
X
00:23:38-00:24:36
X
00:27:44-00:30:01
X
00:34:59-00:35:56 X
X
00:35:56-00:36:23
Caitlyn e Vi falam ao Conselho.
Caitlyn apresenta Vi ao conselho
pelo seu nome é que ela nasceu na
Subferia, ela começa expondo os
planos de Silco de tornar a Subferia
independente. Um Conselheiro
lembra que Silco foi investigado
e não encontraram nada, mas ao
ser perguntado quem liderou as
investigações todos se calam.
Jayce mostra a granada caseira e
pergunta para as duas se sabem quem
construiu, Vi confessa que foi Jinx.
Jayce também tenta construir um caso
para guerra, mas Elora diz que uma
solução diplomática talvez seja a
melhor saída e os outros conselheiros
concordam. Vi se revolta e tenta
explicar que não há solução
diplomática para Silco.
Vi chama Caitlyn de “cupcake”.
Vi vai até Jayce na fábrica de
ferramentas com um plano para deter
Silco. Ela encontra uma arma em
formato de luva gigante e diz que
conhecia alguém que tinha um par
daquelas.
Caitlyn lembra de Vi indo embora após
discutir com o conselho.
Ao sair do banho, Caitlyn percebe um
desenho feito no espelho do banheiro
e Jinx aparece assustadora atrás dela.
X
Elaborado pelos Autores.
280
Tabela 10
Decupagem episódio 9 – O Monstro Que Você Criou
Timecode
Recap. Iteração
00:03:33-00:04:46
X
00:04:46-00:06:28
X
00:10:48-00:13:34
X
00:13:34-00:16:10
X
00:23:05-00:24:26
X
00:24:26-00:27:10
X
Gancho
281
Descrição da Cena
Na fábrica da droga Cintila atacada,
Silco diz que o Ladoalto está ficando
ousado e que precisam encontrar outro
xerife para subornar após a morte de
Marcus. O garoto morto era filho de
Renni, aliada de Silco e ela pede para
que ele vá atrás de quem o matou.
Viktor chora pela morte da Sky e
encontra uma carta escrita por ela
entre as anotações jogadas no chão.
Renni, Sevika e Finn confrontam
Silco. Finn relembra quando Silco
matou Vander e fez da Subferia um
empreendimento e que agora o tempo
dele acabou. Silco diz que ainda
acredita em lealdade e Sevika mata o
personagem.
Silco e Jayce se encontram para fazer
um acordo, as demandas de Silco
são impossíveis. Jayce relembra dos
ataques e expõe que uma guerra entre
as duas partes seria total aniquilação
da Subferia. Além disso, para atender
as demandas de Silco, Jayce quer que
Jinx pague pelos crimes cometidos.
Jayce e Viktor levam a notícia do
acordo com Silco ao Congresso, que
se enfurece.
Jinx mantém Vi amarrada numa cadeira,
a irmã ainda a chama de Powder. Jinx
relembra discursos de Silco para ela,
as irmãs conversam sobre uma ter
abandonado a outra. Jinx diz que Vi a
criou e Vi relembra os dias na prisão
que passou pensando em reencontrar
a irmã. Do outro lado da mesa, Silco
também aparece amarrado e Jinx o
chama de mentiroso por esconder Vi e
seu passado.
00:27:10-00:32:10
X
00:34:36-00:34:56
X
Silco revela o acordo que fez com o
Ladoalto e tenta trazer Jinx de volta
para seu lado. Caitlyn, que também
está à mesa, se solta e ameaça Jinx
com uma arma, Jinx a ataca e a deixa
desacordada. Vi tenta fazer Jinx
pensar em todos amigos e familiares
que perderam para trazê-la de volta
ao seu lado.
Jinx usa a Esfera para energizar sua
arma e atira no Conselho.
X
Elaborado pelos Autores.
A partir dos resultados, observamos que a estratégia da Netflix
para a distribuição de Arcane, de acordo com o crescimento da concorrência, parte da diversificação do formato. Identificamos também o
uso dos recursos de roteiro para manter a audiência atenta à narrativa
no modelo de distribuição que consiste em três episódios a cada final
de semana, diferente do modelo binge-publishing, como é o comum
da Netflix.
Observamos, nos resultados, que o recurso de iteração é o mais
utilizado pelos roteiristas na narrativa de Arcane. Percebemos a necessidade da constante retomada de elementos da narrativa para a audiência
fixá-los e não se sentir perdida, em decorrência do lançamento semanal.
Em todos os episódios, temos ao menos dez eventos em que
o nome de um personagem é lembrado, ocorrências em que a direção
destaca um objeto em plano fechado e algum personagem conta um
evento aos outros. Portanto, observamos a variação do roteiro entre a
iteração visual, como por exemplo quando a personagem Vi encontra
as luvas no episódio oito, “Óleo e Água”, parecidas com a arma que
ela já havia lutado antes. A iteração no diálogo sempre que Vi chama
282
a personagem Jinx de “Powder”, seu antigo nome. A iteração também
ocorre na montagem, por exemplo quando Vi pula entre as construções
da Subferia no episódio cinco, “Todos Querem Ser Meus Inimigos”,
assim como ela fazia na adolescência. Por fim, também vimos ocorrência de iteração na trilha sonora, quando no mesmo episódio cinco
a música da vinheta de abertura é tocada pela versão em animação da
banda dentro da série.
No caso do primeiro e terceiro bloco da temporada, as iterações
são mais recorrentes nos episódios que os iniciam: o primeiro episódio,
“Entrando na Brincadeira”, contém dezesseis cenas com iteração e
“O Garoto Salvador”, episódio sete, apresenta catorze cenas. Inferimos
que a utilização da iteração seja maior em decorrência do intervalo
semanal entre os episódios. Dessa forma, observamos que ao estender
a janela de distribuição, mais elementos da narrativa são retomados ao
longo da temporada em Arcane, mesmo com a quantidade menor de
episódios se comparados às novelas na televisão broadcast.
Além disso, o excessivo uso da iteração ajuda os roteiristas de
Arcane a retomar informações importantes da narrativa de forma sutil,
que não prejudique a experiência da audiência.
Ao contrário do uso da iteração, observamos que os roteiristas
utilizam a recapitulação apenas em momentos pontuais dos episódios
três, quatro, cinco, seis, sete, oito e nove. De uma única forma, a recapitulação ocorre por meio de flashbacks das cenas exibidas em episódios
anteriores. Isso ocorre pela quebra no fluxo de visualização causado
por esse artifício de roteiro, a possibilidade de o usuário pausar e voltar
no ponto que quiser também faz a recapitulação ser pouco aplicada.
283
O recurso do gancho é utilizado em seis episódios da série, do
terceiro ao oitavo episódio. Sendo assim, esse artifício é empregado ao
máximo pela narrativa que busca manter a audiência ávida pelo próximo
episódio, ato recorrente nos serviços de SVOD. Conseguimos observar
duas ambições da utilização do gancho em Arcane, o recurso oscila entre
trazer antecipação para os episódios que virão na próxima semana e
fazer com que a audiência siga para o próximo logo em seguida.
A Netflix demonstra ser um SVOD que se adapta ao que a narrativa da série Arcane propõe, pois quebra com o modelo binge-publishing,
por qual é reconhecida na indústria audiovisual. Os recursos de gatilho
da memória da audiência, conceito trabalhado por Mittell (2015), são
empregados em momentos estudados de forma detalhada pelos roteiristas
e trabalhados em profundidade ao longo da temporada, na qual o roteiro
preza pela sutileza com as iterações, em detrimento da recapitulação.
Os gatilhos de memória retomam a narrativa de diferentes formas e
foge da monotonia da recapitulação que pode aborrecer a audiência.
O modelo de distribuição em Arcane demonstra que a Netflix
está disposta a mudar e se reinventar para trazer experiências diferentes
a audiência de cada seriado.
Os estudos das práticas exercidas pelas plataformas de SVOD
merecem a atenção dos pesquisadores das ciências sociais aplicadas, visto
que essas estão alterando todo o ecossistema estudado até o momento.
Referências
Bordwell, D. & Thompson, K. (2013). A arte do cinema: uma introdução.
Unicamp.
284
Comparato, D. (2018). Da criação ao roteiro: teoria e prática (5ª ed.).
Summus.
Jenner, M. (2018). Netflix and the Re-invention of Television. Palgrave
MacMillan.
Linke, C. & Yee, A. (Criadores), & Charrue, P. & Delord, A. (Diretores),
& Beck, B. & Chung, J. & Linke, C. & Merrill, M. & Vu, T.
(Produtores). (2021). Arcane [Série]. Netflix.
Lotz, A. (2014). The television will be revolutionized (2nd ed.). New
York University Press.
McKee, R. (2018). Story: substância, estrutura e os princípios da escrita
de roteiro (8ª ed.). Arte & Letra.
Mittell, J. (2015). Complex TV: the poetics of contemporary television
storytelling. New York University Press.
Van Ede, E. (2015). Gaps and recaps: exploring the binge-published
television serial [Master thesis, Utrecht University].
Yin, R. K. (2001). Estudo de Caso: Planejamento e Métodos (2ª ed.).
Bookman.
285
CONCEPTS OF WEB SERIES:
HOW HAVE BRAZILIAN RESEARCHERS
BEEN UNDERSTANDING THEM?1
João Paulo Hergesel2
What are web series? If we were to analyze it in a general and
superficial way, we would say that these are series produced for the
internet. This definition, however, is broad enough to include a totality
of productions for video sites, social networks, and streaming platforms.
The big problem is that the series presented in these vehicles are quite
different from each other, in terms of structure and in content, in aesthetics and in audience.
1.
2.
Article derived from a work presented in Portuguese at the 44th Brazilian Congress
of Communication Sciences, held at the Catholic University of Pernambuco
(Unicap), Recife, Brazil, in October 2021.
Permanent professor of the Postgraduate Program in Languages, Media and Art
at PUC-Campinas. Doctor in Communication (UAM), with post-doctorate in
Communication and Culture (Uniso).
286
In 2013, during a first state of art on the subject, in which the
format still resulted in scarce research in Brazil, we understood the web
series as something very focused on independent production, from the
relationship between art and video, from experimentation with audiovisual resources, from the freedom in script writing, to the participation of young people as content producer (Hergesel 2013). Without a
clear definition or initial concept, we groped in generally documentary
sources, such as newspapers and magazines, and in authors who were
also beginning their studies in this still un-colonized field.
In 2016, with the advance of the research, we were already
working with the concept that a web series is the “media narrative
produced, primarily, in audiovisual language, in a serialized manner,
in which episodes are available for access in online spaces subject to
circulation, especially in video storage sites” (Hergesel 2016, p. 1). We
attributed an inspiration of the format to television series and we believed
that “even with a low budget – which can limit the editing of episodes
and the number of seasons – and with an uncertain audience, it usually
presents a harmony between story and plot, focused on entertaining the
viewer” (Hergesel 2016, p. 1).
Already in the following year, this concept seemed to have
been surpassed, considering the range of material that emerged through
different means, both free and paid. We concluded, at that time, that
“it does not seem fair to us [...] to determine a closed concept or an
inalienable definition for what a web series would be, since this form of
expression finds its main characteristic in flexibility” (Hergesel 2017,
p. 13). The reopening of the possibilities of understanding the format
is justified by the fact that:
287
It is the web series that gives voice to both independent producers
and major audiovisual manufacturers; it is the web series that
range from commonly portrayed themes to innovative experiences
involving sound and image; it is the web series that provides
access for different tribes, of different tastes, to material aimed
at entertainment, information, and the appreciation of Brazilian
culture. (Hergesel 2017, p. 13)
In a more recent study, dated June 2021, we saw the need to defend
a general idea, to continue the analytic procedures of the object we called
the web series. For this reason, we proposed, in a very broad way, that
“the main characteristic of the web series is that it is designed, created and
developed for the internet, with the purpose of reproduction in emerging
technological devices, such as computers, tablets, cell phones and more
recently, digital watches” (Hergesel, Silva, and Pichiguelli 2021, p. 6).
In order not to get lost in the conceptual elasticity, we defended,
at that moment, that it seemed more interesting “to think about the
possibilities of studies regarding the communicational powers, the
narrative transformations, the poetic constitution, the relationship with
the context, the inter/extra/trans/hyper-textual possibilities” (Hergesel,
Silva, and Pichiguelli 2021, p. 6). The search for a definition, a concept
or, at least, a safer idea for the format continued and, to take a new step
in this direction, it was necessary to update the state of the art.
Mirroring what was presented in these previous surveys, we
carried out a bibliographic mapping considering the last five years
(2016 to 2020)3, a period not covered by previous publications. This
3.
The process of collecting and organizing the bibliographic survey had the support
of Gabriela Ferreira da Silva, a high school student at Pio XII School. PIBIC-EM/
CNPq Scholarship.
288
work, therefore, aimed to update the concept of web series, especially
adopted in Brazilian research, being attentive to the tangible possibilities in everyday hypermedia and considering the collisions caused with
television series available on the internet, streaming series, and other
ways of producing serial audiovisual narrative in contemporary times.
Web Series: what do we already know about this format?
The web series – still considering the broad idea of serial audiovisual narratives produced for the internet and consumed in the hypermedia
universe, brought by authors such as Silva and Zanneti (2013) – are
recent phenomena in Brazil, both in academic and marketing terms.
The first web series available for information dates to the late 1990s,
in the United States, when cyberspace began to become popular in the
country. In Brazilian territory, experiments with this serial fiction format
take even less time; for example, the existence of web series produced
before 2010 is unknown.
Research on the format, even with an international scope, only
started in the 2000s, having as a possible starting point the discussions
of Romero and Centellas (2008) and Jenkins (2009), with the notions of
participation and convergence. By directing this subject to Brazil, even
though Weller (2000) already spoke of a possible “hyperseries”, it was
only with the publication of Aeraphe’s (2013) book that the academy
started to look at this object.
Today we have access to several definitions of the web series,
with approaches that differ dramatically between the authors: for some,
such as Wodevotzky (2015), the web series solidifies from the moment
a serial narrative is made available on an online platform; for others,
289
such as Barbosa (2013) and Peixoto (2014), what characterizes the web
series is having a trans-media action, that is, the possibility of extending narratives from/to other conventional and/or emerging media; for
others, such as Souza and Cajazeira (2015), it is essential that exclusive
aspects of hypermedia are present, such as links and interactions, so
that the format is actually constituted.
For illustrative purposes, Weller (2000) calls “hyperseries” an
audiovisual production with a multidisciplinary theme that depends on
hypertextual elements to exist. Still in this aspect of the use of hypermedia
resources, Romero and Centellas (2008) idealize the active participation
of the audience in the progress of the story, and as well as Figueiredo
and Lins (2015) embrace the idea of interaction for the progressive
construction of the narrative. In this line of reasoning, Álvarez (2011)
signals the need for openness to facilitate communication between
viewers and producers.
In addition, López Mera (2010) and König (2014) defend the
space for experimentation and independent production, just as Santiago
and Domingues (2015) talk about the autonomy and creative capacity of Generation Y and the breadth of the Do It Yourself movement.
Schneider (2009) also considers the format to explore the audiovisual
via streaming, while Lemos (2009) highlights the relevance of segmentation, directing the product to specific niches, instead of working with
a generic audience, as is on television.
As for Aeraphe (2013) and Bélanger (2014), the context, programming, aesthetics, and serialization of the web series are the same
as in telenovelas and TV series. This approximation is due, for Jenkins
(2009), because the web series emerged from the convergence between
290
television and the internet, as a way of rescuing the young audience,
which no longer yielded an audience to the more conventional media.
In this same line of reasoning, Altafini and Gamo (2010), Hernández
García (2011), and Ramos and Neves (2015) point out that this merger
is a trans-media development, in addition to Morales Morante and
Hernández (2012) argue about content feedback.
This diversity of views on the same format, without specific
theories or exact definitions, makes it difficult to research the phenomenon. For Silva and Holzbach (2019, p. 43), “because [the web series]
are spread out on the web, it is difficult to follow both their emergence
and development and the way in which the audience deals with them”.
The interest in observing how the web series have been understood in
recent research justifies this work.
Exploratory Research Procedures
State of art research, according to Ferreira (2002, p. 258), comes
with the goal “of mapping and discussing a certain academic production
in different fields of knowledge”. To carry out this work, we focused
on the exploratory research method, defined by Brasileiro (2021, p. 44)
as that which “aims to make a given phenomenon more familiar and
help the researcher to build hypotheses” and in which “the researcher
does bibliographic survey, contemplation and observation” (Brasileiro
2021, p. 44).
The methodological path for the collection can be described
in six steps: 1) Google Scholar was accessed; 2) typed the keyword
“web series” in the search bar; 3) the sidebar was enabled; 4) clicked
on “Advanced Search”; 5) the search form was filled out as follows:
291
a) in “Find articles with all the words”, “web series” was written;
b) in “where my words occur”, selected “in the title of the article”; c) in
“Display articles dated between”, type “2016” – “2020”; d) clicked
on the magnifying glass icon to search; 6) in the mechanism’s filters,
“Search pages in Portuguese” was chosen and the possibility of “include
patents” and “include citations” was disabled.
The collection took place in the first fortnight of February 2021,
with refinement until the first fortnight of March, to then be discussed
until the month of August of the same year. The publications found were
compiled in the form of a spreadsheet, bringing together the title of the
work, the authors’ names and a link for access, exploratory readings
were made as well for the categorization of the works. Since then, only
the works that proposed a concept or definition for the web series format
were selected for study.
Quantitative Results
The research returned out 60 results, two of which were duplicates and one which was off theme. Of the 57 valid works, we chose
to organize them according to the textual genre to which they belong
(Chart 1), thus obtaining: 24 course conclusion works; 13 scientific
articles published; 9 texts in proceedings of academic events; 5 master’s dissertations; 1 chapter of scientific-academic book; 4 academic
abstracts; in addition to 1 portfolio of videos, considered to be another
type of intellectual production.
292
Table 1
Collection of scientific-academic papers on web series
(2016 to 2020)
TITLE
AUTHOR(S)
LINK
COURSE COMPLETION WORK
It’s not her fault [A culpa não é dela]:
the web series in the narrative
construction of gender violence
stories in Uruguaiana
Analysis of the applicability of the
hero’s journey in the scripting of
the web series I brief you brief [Eu
brifo, tu brifas]
Analysis and application of sound
design methodologies: a case study
in the Cocun web series
Girl Battle [Batalha Mina]: web series
about the female rap battles of the
Federal District
Andressa Machado Silveira
https://bit.ly/3qtHfWR
João Vitor Pereira da Costa
https://bit.ly/3dr9X7b
Sérgio Paulo Delgado Fernandes
https://bit.ly/3qsnAGT
Isis Aisha Dias Aires Prado
https://bit.ly/37mbKq0
Circenics around the world [Circênicos
pelo mundo]: web series
Arthur Lopes Marques
Creation of a narrative structure
model for an animated web series:
production standardization for time
control
Digital: web series about digital
influencers
Art direction web series Axels [Eixos]
On this side [Do lado de cá]: PR,
Unesp and what comes next: web
series about the experience of 2016
graduates
Axels [Eixos]: creation of a web series
https://bit.ly/3u59sFr
Augusto Victor Reis Vieira
Santos
https://bit.ly/2NckXKN
Júlia Sá Rodrigues
https://bit.ly/3dxMzoD
Maria Isabel Nóbrega Paganine
https://bit.ly/3dlsaTm
Caio de Michel e Silva
https://bit.ly/3priM37
Carolina Forattini Altino
Machado Lemos Igreja
https://bit.ly/3u9hE7Y
293
Ester: an experimental web series for
Instagram
I brief, you brief [Eu brifo, tu brifas]:
The production of an advertising
web series about advertising
Mass in Connection [Massa em
conexão]: an observatoryparticipatory web series on
educommunication for maginalized
communities
Cosmic Pyramid [Pirâmide Cósmica]:
the bible of a trans-media web series
Arcano Project [Projeto Arcano]:
construction of a fictional universe
and production of an animatic trailer
for a web series
Production report for web series She
does… [Ela faz...]
Vortex [Vórtice]: the creation of a
fictional web series at the Federal
University of Santa Maria
Vortex [Vórtice]: the creation of a
UFSM thriller web series and the
direction of the first episode
Web serie Cinese: audiovisual
journalistic production specialized
in the evangelical scenario
Hers [Delas] web series
Documental web series You see
me SP [Você me vê SP]: the
aesthetic experience of artivism
and its cultural mediations in the
occupation of urban space in São
Paulo
Nayara Cristinne Pinto Barcellos
https://bit.ly/2NzsPWm
Francine Nunes de Lima Lima
https://bit.ly/3u7gGsv
Luis Felipe do Nascimento
https://bit.ly/3ar9EXM
Michael Felipe Souza Araújo
https://bit.ly/2ZqpOud
Luciana Novaes Miranda
https://bit.ly/3ptOYD1
Débora Gizele Candido
Machado
https://bit.ly/2Zmu4Lx
Marcos Amaral de Oliveira
https://bit.ly/3u1dKxT
Pedro Amaral de Oliveira
https://bit.ly/3dmcaAK
Giseli Pereira Alves
https://bit.ly/3dksK3H
Ana Clara Ferreira Franco de
Toledo; Mayara Bailo Gomes
https://bit.ly/2NwhGWr
Isabel Flavia da Silva; Naiara
Aparecida Alves Teixeira
https://bit.ly/2NvTCmK
294
Web series Axels [Eixos]: an analysis
of the production perspective
Ana Paula da Fonseca de Souza
https://bit.ly/3b7IIM0
Web series What’s on the Menu? [O
que há no menu]: telling a story on
the web
José Antônio de Souza Buere
Filho
https://bit.ly/3s64LcV
Claudiany Wagner Schutz
https://bit.ly/3u7WSFu
Web series: animal castration as an
incentive for population control of
dogs and cats
SCIENTIFIC ARTICLES
The web series Dark as an artifact of
historical culture: the structure of
young people’s feelings related to
social and environmental conflicts
from the perspective of science
fiction
Marcelo Fronza
https://bit.ly/2Nza1a1
The web series: a bibliographic
mapping on this narrative format
João Paulo Hergesel
https://bit.ly/3anOfyN
International relations review: Netflix’s
The Crown web series and IRs
Tiago Viesba Pini Inácio
https://bit.ly/2NCvwq8
Blank Verse: William Shakespeare’s
history and stories translated into
web series
Manoela Sarubbi Henares
Figueiredo
https://bit.ly/2LW4gTa
Self-taught cinema: mystery, fetish and
violence in the web series Penumbra
Rafael de Figueiredo Lopes
https://bit.ly/2NcPb0c
Rafael José Azevedo
https://bit.ly/3jVE9rY
Jailda Passos Alves; Juliana
Cristina Salvadori
https://bit.ly/3pqaicA
Daiane da Silva Lourenço
https://bit.ly/2NwBFo7
From Pará brega to tecnobrega: history
and tradition in the Sampleados web
series
Jessica Jones: remediation of graphic
novels for web series
Lydia Bennet in the web series The
Lizzie Bennet Diaries and in
the novel Pride and Prejudice:
adaptation as a two-way dialogic
process
295
Narrative and animation:
representations of motherhood in the Christina Ferraz Musse; Isabella
web series Conception
de Sousa Gonçalves
The ironic humor of the political
setbacks in the Back door [Porta dos
Fundos] web series
Pride and Prejudice in social media:
adapting narrative elements for a
web series
Minority voices in the web series
Urban Letters [Cartas urbanas] from
the Nigeria Collective in Fortaleza
Web series at school: proposal for the
use of Rabbits (David Lynch, 2002)
in non-verbal text interpretation
classes
https://bit.ly/3b62BTu
Carla Montuori Fernandes
https://bit.ly/3doo0tY
Daiane da Silva Lourenço
https://bit.ly/3s1HSai
Francisco Sérgio Lima de Sousa;
Márcia Vidal Nunes
https://bit.ly/2Nv4QrW
João Paulo Hergesel
https://bit.ly/3qwsbHV
TEXTS IN EVENT PROCEEDINGS
The content production of the web
series Girls In The House on
YouTube and its intersections with
closed television
Kim Gesswein
https://bit.ly/3qu901x
The web series in the narrative
construction of gender violence
stories in Uruguaiana
Andressa Silveira; Eloisa
Joseane da Cunha Klein
https://bit.ly/2LXfIOp
From sound signs to spatial meanings:
a semiotic analysis of the web series
Daredevil
Breno Pessoa de Araujo;
Jefferson Weyne Castelo
de Oliveira; Diego Frank
Marques Cavalcante
https://bit.ly/3qu8PmT
Daniele Teixeira Gonzaga,
Afonso Silva Lemos, Mariana
de Carvalho Machado;
Edilene Mafra Mendes de
Oliveira
https://bit.ly/3dhk2n3
Marianne Silva Freire; Henrique
Pereira Rocha
https://bit.ly/2ZnFmyT
It’s quite possible! [É bem capaz!]
The web series as a contemporary
registration of Amazonian legends
Folk marketing, branded content,
and advertising discourse: hybrid
narratives in the Luiz Gonzaga web
series by Grupo Boticário
296
Midiatization of religion in children
and youth serial fiction: narrative
and style in the web series -10 |
Life is not a game [A vida não é um
jogo] (Feliz7Play)
João Paulo Hergesel; Isabella
Pichiguelli; Míriam Cristina
Carlos Silva
Narrative and animation:
representations of motherhood in the Isabella Gonçalves, Christina
web series Conception
Musse
Sound as a tool for immersion in
fictional narratives: analysis of the
web series If I were there [Se eu
estivesse aí]
Possibilities and limits of the role of
minorities in the web series Urban
Letters [Cartas Urbanas], by the
Nigeria collective, in Fortaleza
https://bit.ly/3jW1OIR
https://bit.ly/3u1euDb
Helena Amaral; Carlos Pernisa
Júnior
https://bit.
ly/37mDURU
Francisco Sérgio Lima de Sousa
https://bit.ly/3u0dTS9
MASTER’S DISSERTATIONS
Where are you going, little curlew?
[Aonde você vai, maçariquinho?]:
production of an animated cartoons
web series to disseminate the
neurosciences and migratory
processes of seabirds
Braving new worlds: experiencing
the potential of the animated web
series in the dissemination of
Neuroscientific concepts
It’s a universally known truth that not
everything is true: a study of the
narrative and paratextual universe
of the web series The Lizzie Bennet
Diaries
Social marketing as a strategy to
change discriminatory behavior
towards the LGBT community: the
case of the web series
House on the Dock [Casa do Cais]
Ângela Tamires Nascimento
Alexandre
https://bit.ly/3pANaZ3
Aislan de Paula Ferreira da Silva
https://bit.ly/3berDQp
Moreira, Mariana Gonçalves
https://bit.ly/3jUFZJG
Mariana Soares de Barros
Gaspar
https://bit.ly/3jWXwRz
297
When minorities speak: characters
from the web series Urban Letters
[Cartas Urbanas], by Coletivo
Nigeria, and their constructions of
meaning about the work
Francisco Sérgio Lima de Sousa
https://bit.ly/3s27bcw
ACADEMIC ABSTRACT
From documentary to web series
Documental web series: Bicycle,
in search of more space and less
obstacles [Bicicleta, em busca de
mais espaço e menos obstáculos]
Documental web series on the
representativeness of women in hip
hop in Curitiba
Web series Black Talk: Voices of
the Present – Women who inspire
women [Fala Preta: Vozes do
Presente – Mulheres que inspiram
mulheres]
Jennifer Thereza Bueno
https://bit.ly/3arEbF9
Natanny Carvalho Silva
https://bit.ly/2NtcR05
Bruna de Oliveira Ferreira
https://bit.ly/3aqcXyw
Bruno Olivatto; Elaine
Amazonas Alves dos Santos;
Edilene Santana
https://bit.ly/3ptOaxZ
BOOK CHAPTERS
The production of audiovisual
content for the web: circulation
and consumption of the web series
SEPTO
Diana Xavier Coelho; Juciano de
Sousa Lacerda
https://bit.ly/3pskPUy
OTHER INTELLECTUAL PRODUCTION (VIDEO PORTFOLIO)
Environmental Education web series
Denny William da Silva et al.
https://bit.ly/37DB3Er
Own elaboration.
Compared with mappings and bibliographic reviews carried
out in previous times (Hergesel 2013, 2016), there was an explosive
increase in Brazilian productions on the web series. The number of
TCCs produced on the topic, coming from different courses and from
different institutions is noteworthy, suggesting a greater interest in the
298
topic among younger researchers. Many of these even present a practical
production in addition to the theoretical one.
All selected works were accessed and, through a guided reading,
the theoretical foundation of each of them was verified – abstracts and
portfolio excluded – to know which had their own definitions for “web
series” (although inspired by other authors), which restricted themselves
to mentioning some definition already published by another author and
which addressed the format without discussing it, even if minimally.
Based on these readings, followed by a record and a review, an intersection of information was proposed.
Qualitative Results
Some works adopt very brief definitions for the web series
format, as is the case of Costa (2018, p. 33), when pointing out that
“the web series is one of the new media formats that emerged in the
late 2000s, due to the rise of the internet, in order to engage consumers
through entertainment”. Even more succinctly, Paganine (2017, p. 10)
uses a footnote: “Web series is defined as a serial audiovisual narrative
distributed on an online platform”. In line with the short definitions,
is Sousa’s (2017, p. 18): “Concept used for an audiovisual production
divided into episodes, which are released on the Internet”.
Silva (2019, p. 27), although with a longer description, also
brings a generalist view, understanding the web series as “a media or
format derived from the audiovisual, which emerged with the advent
of the Internet, with the aim to build and expose narratives”. For the
author, “it can be made available on open and freely accessible platforms, such as YouTube or Vimeo and/or websites designed specifically
299
for this product, in addition to physical media such as DVDs” (Silva
2019, p. 28).
Barcellos (2017, p. 13), in turn, contextualizes the serialization
of television products, based on Arlindo Machado’s studies, and explains
that “in the case of the web series, we have a similar structure, but this
product has as a purpose the circulation in cybernetic environment,
with or without commercial ends”. For the author, “the web series has a
number of its own characteristics, which differ from the series produced
for television” (Barcellos 2017, p. 13), among which one can mention
“differentiated language and framing that form a distinct aesthetic from
television and cinematographic content, adapting it to this new media”
(Barcellos 2017, p. 13).
Lima (2018, p. 10) also explores this relationship between
television and the internet, defining the web series as “a serial audiovisual product, both fiction and non-fiction, created to be broadcast on
the internet and, therefore, built according to the characteristics of the
digital language, but which also absorbs aspects of the television serial
narrative”.
In this line of reasoning, Silveira (2018, p. 22) understands the
web series as an “audiovisual model based on a format already known
on television, that of series, which are normally broadcast on television
channels or on video-on-demand platforms”. For her, “the series have
a stricter standard precisely because they are broadcast on TV, while
the web series are more flexible, being able to adapt in size and format
because they are broadcast in the digital medium” (Silveira, 2018, p. 22).
Lourenço (2019b, p. 127) also comments on this relationship,
considering the web series as “an audiovisual serial production distributed
300
in cyberspace that presents traces of some television productions
(telenovelas, miniseries, series)”. The author adds that “it was suitable
for the context of online platforms, with changes in their production
and distribution, and immediate feedback from viewers” (Lourenço,
2019b, p. 127).
Also discussing the approximations with television products
Coelho and Lacerda (2020, p. 49) clarify: “By web series we understand
the serial audiovisual productions created specifically for broadcasting
on the internet and made available in online spaces of circulation”.
The authors also explain: “Thus, series created initially for the TV
segment that are then made available on the network would not fit this
concept” (Coelho & Lacerda 2020, p. 49).
With a more separatist view, distancing the web series from
conventional television, Rodrigues (2018, p. 12) says that “web series
are serial audiovisual productions distributed exclusively through the
web and which have a repetitive characteristic, and may have episodes
and seasons divisions”. In the author’s defense, “because they are on the
web, they have specific characteristics regarding [the] duration of each
episode and the format in which the product can be presented, being
found on digital video platforms for its exhibition and distribution”
(Rodrigues, 2018, p. 12).
Toledo and Gomes (2017, p. 15) contribute to the discussion by
talking about the consumer audience of the web series format, which,
in their view, “has been mainly aimed at teenagers and young people”.
According to the authors, this audience, “in addition to mastering the
features of the internet, is familiar with the rapid narrative of episodes,
301
unlike previous generations, who grew up accustomed to the slower
unfolding of television serials” (Toledo & Gomes 2017, p. 15).
For Schutz (2018, p. 16), who brings an approach between the
web series and journalism, “the web series is one of the journalistic
production formats that currently dialogue with technological innovations, such as the online environment”. According to the author, “digital
innovation is present in journalism and transforms the communication
medias into new relationships with the public” (Schutz 2018, p. 16).
Silva and Teixeira (2017, p. 30), when dedicating themselves
to the study of documentary web series, they argue that the “web series
preserves all the foundations of traditional documentary, but there is
an immersion in the scenario of media convergence, making the film
dynamic. The main differences are in the online placement”. According
to the authors, “unlike cinematographic productions with high cost and
transmission restricted to the public, bringing it together in a single
distribution location, such as movie theaters, online broadcasting allows
for diffused sharing of the product” (Silva & Teixeira 2017, p. 30).
Fronza (2019, p. 19), based on studies by Raymond Williams,
explains that “web series are artifacts of historical culture that express the
structures of feeling of a community regarding its past”. For the author,
cultural artifacts such as web series in streaming services are
expressions of this structure of feeling because they include
“characteristic focus and tones of the argument”, as they are
accessible to documented communication from which the “real
vital meaning” in the deep community is extracted that makes
communication possible. (Fronza, 2019, p. 19)
302
Alves (2017), Azevedo (2017), Cavalcante (2017), Oliveira
(2017), Prado (2017), Silva (2017), Souza (2017), Buere Filho (2018),
Nascimento (2018), Alexandre (2019), Araújo (2018), Figueiredo (2019),
Gaspar (2019) and Oliveira (2019) do not provide a definition in their
own words, but are supported by concepts from other authors, many
mentioned at the beginning of this article. Hergesel (2018) brings the
same concept as Hergesel (2016), and Hergesel, Silva and Pichiguelli
(2019) bring the same idea registered by Hergesel, Silva and Pichiguelli
(2021) – both present in the introduction of this work.
Alves and Salvadori (2016), Araújo, Oliveira and Cavalcante
(2016), Gonzaga, Lemos, Machado and Oliveira (2016), Lopes (2016),
Marques (2016), Santos (2016), Fernandes and Lima (2017), Freire
and Rocha (2017), Gesswein (2017), Miranda (2017), Moreira (2017),
Souza and Nunes (2017), Inácio (2018), Silveira and Klein (2018),
Fernandes (2019), Gonçalves and Musse (2019 ), Hergesel (2019),
Lourenço (2019a), Souza (2019), Amaral and Pernisa Júnior (2020),
Machado (2020) and Musse and Gonçalves (2020) use the term “web
series” and analyze or develop projects for what they understand as web
series, without actually presenting a definition for the format.
Analysis and Discussion
If up to 2015 academic works that included the web series as a
scope or corpus were scarce, as demonstrated by the initial mappings
on the subject, from 2016 onwards the number of productions grew
considerably, especially among undergraduates. This suggests that young
researchers are the most interested both in deepening their knowledge
303
and discussing issues related to innovations generated by technology
and in developing works with the characteristic of this media format.
The definition of a web series as a serial audiovisual narrative
produced for the internet and consumed in the hypermedia universe
still seems to be the basis for all the works that deal with the theme.
Among the most mentioned authors are Romero and Centellas (2008),
Jenkins (2009) and Aeraphe (2013), with emphasis on our own previous
publications, also frequently cited in the theoretical foundation of the
works, reason that engages us to continue writing on the subject.
It is essential, however, that the concepts we have worked with
so far need updating, especially to foster dialogue in the field. Without
discarding what has been produced so far, it is necessary to consider
that the web series are no longer concentrated on institutional pages or
on sites like YouTube, but have also come to life in audio and music
services (Spotify) and in virtual social networks (Instagram and TikTok)
– a fact not problematized by works on the state of the art.
Two unquestionable points in the definition of a web series is
the need for serialization (a fundamental characteristic of every series)
and its presence in the context of the online universe (which determines
the use of the prefix “web”). However, when we look at all the contemporary hypermedia developments, we start to wonder about the rigidity
of the format being only narrative, or even the obligatory nature of it
being audiovisual.
From narrative, we understand a type of production that is responsible for telling a story, be it fictional or true, in the most conventional
way or bringing innovations and ruptures, such as the support of links
and interactions, for example. However, if we presume the idea that
304
the web series can serve as an instrument for artistic and technological
experiments, especially if we consider the sub-areas related to the Video
Arts, the requirement that it be a narrative dissipates.
As audiovisual, we understand the material produced in the communion of visual and sound languages, with the possibility of the verbal
being presented both in image and in sound. However, if we recognize
that audio platforms also started to broadcast web series, we only have
the presence of sound language. If, in more conventional media, we can
distinguish “radionovela” from “telenovela”, for example, in hypermedia
the channel is unique, unless we created terms such as “webvideoseries”
and “webaudioseries”, which seems to evade the proposal.
A fact not addressed by the collected works is the conflict that
the definition of web series encounters with the emergence of streaming series, in the case of audiovisual productions. It is evident that,
at times, the term “web series” has been used to refer to the original
productions of Netflix, Amazon Prime, Disney+, among many others –
and this generates a new discussion: if being on the internet is enough
to determine the identity of a web series, then, yes, streaming series
are in that same group.
The perception we have, however, is that streaming series are
not always what we mean by web series. As much as they are composed of episodes and seasons and are available online, the production
of most of them is thought of in the same way as television series are
thought, both in dramaturgical and aesthetic terms – so much so that
much of the consumption of series from streaming is done through the
TV. Unlike that, the web series should be designed for smaller screens,
305
mainly for its ease of navigation in mobile applications: laptops, tablets,
smartphones, smartwatches, etc.
Therefore, considering the broadcasting support, the web series
ends up being characterized by more closed shots, lesser characters,
leaner scenic elements, shorter episodes, among other elements that
help in spectatorship from a small screen – factors that contribute to a
decrease in the budget and, consequently, in an increase in the amount
of offers, especially by independent producers. In this sense, a poetic
analysis – anchored in Aristotelian conceptions – can help to distinguish
what we call “web series” from what we call “streaming series”.
Conclusion
Considering the reflections presented here, we can finally elaborate a safer definition for the format, at least until new ideas materialize:
The web series is a serialized media product designed for emerging
technological devices and made available online. It is usually presented
in a narrative (fictional or documentary) mode, but it can manifest itself
in the context of experimentations. Most of the time, it uses audiovisual
language, but there are no impediments for it to be exclusively sound,
visual, or verbal expression. Finally, it differs from television series and
streaming series in that it usually brings closer shots, fewer characters,
and avoids superfluous scenic elements.
We hope this work will help in future productions – ours and our
peers – related to the study of web series. Likewise, we hope that new
points are discussed, such as: the differences and similarities between
the web series and other audiovisual formats produced by the same
television station or streaming company; the influence of radio for the
306
establishment of exclusively sound web series and the determining
aspects for the proper conduct of its narrative; the adaptability of the
screen format for the production of web series on social networks that
favor vertical display (portrait mode); and the help offered by the web
series format for the production of media content in pandemic times.
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310
ÍNDICE REMISSIVO
Facebook 50, 71, 72, 73, 79, 81, 83, 89, 91,
93, 98, 100, 116, 125, 145, 146, 150,
153, 158, 254
fãs 15, 16, 17, 18, 19, 20, 22, 23, 24, 25, 26,
27, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 36, 37,
38, 47, 48, 50, 52, 53, 60, 61, 62, 63,
65, 66, 67, 69, 71, 72, 73, 74, 75, 80,
171, 226, 248, 255, 259
Fãs 14, 34
A
acadêmico 39, 117
acadêmicos 12, 308
Acadêmicos 12, 311
Arcane 227, 260, 262, 264, 265, 282, 283,
284, 285
áudio 52, 118, 136, 137, 147, 148, 151, 153,
154, 155, 156, 160, 176
Áudio 160, 161
áudios 142, 152
I
Instagram 30, 32, 43, 44, 50, 58, 60, 62,
63, 65, 66, 68, 79, 98, 100, 145, 158,
294, 304
B
Barnacas 96, 97, 98, 99, 101, 102, 104, 105,
106, 108, 109, 110, 111, 113
J
C
Casimiro 115, 119, 124, 125, 126, 127, 128,
130, 131, 132
cinema 14, 19, 187, 214, 216, 231, 244,
284, 295
Cinema 40, 209, 230, 231, 241
cinemas 193
comunicação 14, 15, 23, 50, 51, 52, 60, 62,
75, 116, 118, 119, 122, 123, 131, 133,
136, 137, 139, 140, 141, 148, 153, 159,
160, 161, 167, 186, 187, 189, 190, 192,
193, 194, 196, 203, 207, 210, 214, 234,
242, 243, 247, 248, 250, 253
Comunicação 14, 68, 115, 135, 158, 160,
162, 163, 164, 186, 191, 209, 234, 260,
308, 309, 310
comunicación 101, 112
Comunicación 96, 112, 113, 309
Covet Fashion 70, 71, 72, 73, 80, 81, 82,
83, 84, 89, 90, 92, 93, 94, 95
F
fã 22, 44, 53, 73, 127, 171
jogos noticiosos 186, 187, 188, 194,
201, 205, 206
jornalismo 131, 135, 137, 138, 140,
143, 156, 159, 188, 189, 191,
196, 197, 198, 205
Jornalismo 137, 157, 159, 160, 161,
208, 209
jornalista 124, 148, 153
jornalistas 191, 195
196,
141,
194,
207,
L
linguagem 45, 54, 58, 60, 62, 63, 65, 71, 122,
123, 148, 152, 189, 217, 226
Linguagem 54, 55
linguagens 47, 52, 116, 118, 130
Linguagens 186
literacia 43, 44, 53, 54, 65, 71, 76, 77, 78
Literacia 52, 70, 76, 78, 95
M
media 68, 79, 131, 133, 143, 176, 187, 195,
257, 287, 290, 291, 294, 296, 299, 300,
302, 304, 305, 306, 307
Media 40, 41, 42, 68, 69, 120, 125, 143,
258, 286
medias 302
mídia 18, 46, 68, 72, 77, 87, 94, 116, 129,
136, 137, 139, 140, 141, 142, 143, 148,
157, 171, 176, 192, 206, 254
Mídia 68, 80, 88, 90, 115, 130, 135, 157,
163, 164, 172, 203, 207, 260
mídias 16, 43, 45, 47, 66, 67, 71, 72, 74,
76, 77, 78, 79, 90, 117, 118, 119, 140,
142, 146, 186, 187, 190, 191, 193, 195,
206, 207, 208
midiática 14, 43, 44, 45, 46, 53, 54, 57, 60,
65, 66, 67, 69, 71, 76, 77, 78, 94, 116,
121, 127, 139, 190
midiáticas 44, 54, 58, 67, 74, 76, 77, 117,
125, 129, 190
midiático 66, 78, 115, 116, 126, 129, 205, 207
midiáticos 44, 53, 65, 116, 120, 126, 127,
128, 129, 130, 141, 187
N
narrativa 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23,
24, 25, 26, 28, 29, 30, 31, 33, 35, 36,
37, 38, 39, 40, 41, 44, 46, 52, 58, 68,
72, 73, 74, 76, 92, 95, 98, 99, 107, 108,
109, 112, 113, 119, 135, 136, 139, 142,
143, 146, 147, 156, 164, 166, 167, 168,
169, 170, 171, 172, 173, 176, 177, 178,
182, 184, 185, 186, 187, 188, 189, 190,
191, 192, 193, 197, 198, 199, 200, 201,
202, 203, 204, 205, 206, 207, 209, 212,
213, 214, 216, 217, 218, 219, 220, 221,
222, 223, 224, 225, 226, 228, 229, 230,
231, 238, 240, 245, 249, 250, 255, 256,
257, 259, 260, 261, 262, 263, 264, 282,
283, 284, 308, 309
Narrativa 14, 17, 38, 39, 45, 80, 88, 91, 94,
95, 114, 168, 170, 189, 198, 207, 212,
214, 220, 232, 241
narrativas 15, 16, 20, 23, 28, 33, 35, 36, 38,
43, 46, 47, 52, 53, 62, 66, 72, 75, 79,
99, 101, 105, 110, 111, 113, 117, 137,
143, 157, 163, 165, 166, 168, 170, 171,
172, 181, 183, 184, 187, 189, 190, 192,
205, 207, 209, 214, 219, 220, 225, 230,
231, 239, 240, 255, 263
Narrativas 13, 14, 68, 72, 94, 102, 113, 161,
172, 206, 208
narrativa transmídia 16, 17, 18, 20, 24, 25,
26, 28, 29, 30, 35, 38, 40, 44, 46, 58,
72, 74, 135, 136, 139, 142, 143, 146,
147, 170, 171, 172, 177, 178, 182, 184,
186, 187, 188, 189, 190, 192, 199, 200,
205, 206, 207, 309
Narrativa transmídia 94, 207
Narrativa Transmídia 14, 17, 38, 39, 45,
170, 189, 198
Netflix 29, 30, 31, 32, 33, 37, 39, 43, 55, 56,
58, 59, 60, 61, 62, 65, 119, 125, 126,
227, 234, 235, 236, 237, 238, 239, 240,
241, 242, 243, 244, 245, 246, 247, 248,
249, 250, 252, 254, 255, 256, 257, 258,
259, 260, 261, 262, 264, 265, 270, 276,
282, 284, 285, 295, 305, 308
P
podcast 136, 137, 139, 146, 147, 148, 149,
152, 153, 154, 155, 156, 160, 161,
188, 198
podcasts 146, 148, 161, 186, 200, 205
R
rede social 75, 81, 146, 191
redes sociais 45, 48, 49, 50, 51, 52, 58, 65,
70, 72, 79, 80, 81, 118, 136, 139, 142,
145, 146, 147, 150, 153, 156, 157, 203,
215, 253, 255, 256
Redes sociais 150
roteiro 25, 34, 75, 143, 198, 234, 236, 238,
241, 251, 254, 256, 258, 262, 264, 282,
283, 284, 285, 310
Roteiro 41, 241
roteiros 38, 73, 234
RPG 209, 210, 211, 212, 214, 215, 216, 218,
219, 220, 221, 222, 223, 224, 225, 226,
227, 229, 230, 231, 232, 233
S
série 15, 16, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25,
26, 27, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 35, 36,
37, 43, 44, 45, 46, 47, 52, 55, 56, 58,
59, 60, 62, 63, 65, 66, 67, 74, 79, 83,
84, 85, 87, 89, 90, 147, 173, 219, 220,
221, 223, 224, 225, 227, 228, 229, 234,
235, 236, 237, 238, 240, 242, 243, 246,
247, 248, 249, 250, 251, 253, 254,
255, 256, 261, 262, 264, 274, 283, 284
Série 39, 41, 84, 285
séries 16, 21, 23, 28, 29, 33, 34, 37, 39, 44,
52, 54, 67, 72, 152, 193, 200, 202,
205, 220, 235, 240, 241, 242, 244,
245, 248, 249, 250, 254, 257, 258,
259, 260, 264, 307, 308
Séries 14, 257
Storytelling 40, 41, 68, 95, 185, 258
T
tecnologia 48, 51, 54, 58, 60, 65, 72, 80, 116,
132, 138, 140, 141, 193, 194, 197, 213,
227, 231, 260, 271, 272
Tecnologia 54, 55, 88, 90, 191, 260
tecnologias 15, 20, 46, 51, 52, 59, 73, 82,
90, 115, 116, 135, 140, 142, 186, 190,
191, 197, 207, 208
transmedia 74, 94, 95, 98, 99, 101, 107, 109,
112, 113, 114, 157, 159, 160, 161, 190,
208, 233, 258
Transmedia 41, 78, 95, 98, 104, 112, 113,
185, 258
transmidiática 21, 22, 27, 65, 66, 71, 142,
164, 170, 186, 201, 203, 205
Transmidiática 170
transmidiáticas 18, 23, 28, 44, 72, 79, 80,
83, 87, 137, 164, 170
transmidiático 17, 18, 33, 72, 136
transmidiáticos 72, 78, 206
Twitch 120, 124, 125, 132, 215
Twitter 49, 50, 145, 158, 254
Y
YouTube 79, 120, 121, 124, 125, 130, 145,
158, 215, 249, 256, 296, 299, 304,
308, 310