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Expandindo a narrativa transmídia com os jogos noticiosos

2022, Livro Linguagens

Com o avanço e consolidação de novas tecnologias digitais entre elas as mídias sociais, os podcasts e os serviços de streamings como plataformas de fontes de informação, o questionamento geral no campo da comunicação tem sido sobre as formas de se produzir conteúdo informativo neste contexto. Sabe-se que o tradicional esquema de comunicação em que o enunciador da mensagem era o detentor absoluto da informação e o receptor apenas um mero expectador já não é mais condizente com a realidade. A comunicação dialógica, interativa e transmidiática relati- vizou teorias e hipóteses como o Gatekeeper e a Agenda Setting, e já podemos observar que o enunciador e o receptor tornaram-se co-enun- ciadores, interlocutores e prossumidores. Agora, ambos são produtores de informação, que circula livremente nas novas mídias, em diferentes plataformas e redes de comunicação colaborativas. É nesse cenário que o presente artigo propõe sua discussão.

Linguagens Vicente Gosciola Carolina Falandes Matheus Tagé (Orgs.) Ria Editorial - Comité Científico Abel Suing (UTPL, Equador) Alfredo Caminos (Universidad Nacional de Córdoba, Argentina) Andrea Versuti (Universidade de Brasília - UnB, Brasil) Angelo Sottovia Aranha (Universidade Estadual Paulista - UNESP, Brasil) Anton Szomolányi (Pan-European University, Eslováquia) Carlos Arcila (Universidad de Salamanca, Espanha) Catalina Mier (UTPL, Equador) Denis Porto Renó (Universidade Estadual Paulista - UNESP, Brasil) Diana Rivera (UTPL, Equador) Fatima Martínez (Universidad do Rosário, Colômbia) Fernando Gutierrez (ITESM, México) Fernando Irigaray (Universidad Nacional de Rosario, Argentina) Fernando Ramos (Universidade de Aveiro, Portugal) Gabriela Coronel (UTPL, Equador) Gerson Martins (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul - UFMS, Brasil) Hernán Yaguana (UTPL, Equador) Jenny Yaguache (UTPL, Equador) Jerónimo Rivera (Universidad La Sabana, Colombia) Jesús Flores Vivar (Universidad Complutense de Madrid, Espanha) João Canavilhas (Universidade da Beira Interior, Portugal) John Pavlik (Rutgers University, Estados Unidos) Joseph Straubhaar (Universidade do Texas - Austin, Estados Unidos) Juliana Colussi (Universidad do Rosario, Colombia) Koldo Meso (Universidad del País Vasco, Espanha) Lionel Brossi (Universidad de Chile, Chile) Lorenzo Vilches (UniversitatAutònoma de Barcelona, Espanha) Manuela Penafria (Universidade da Beira Interior, Portugal) Marcos Pereira dos Santos (Univ. Tec. Federal do Paraná - UTFPR e Fac. Rachel de Queiroz (FAQ), Brasil) Maria Cristina Gobbi (Universidade Estadual Paulista - UNESP, Brasil) Maria Eugenia Porém (Universidade Estadual Paulista - UNESP, Brasil) Mauro Ventura (Universidade Estadual Paulista - UNESP, Brasil) Octavio Islas (Pontificia Universidad Católica, Equador) Oksana Tymoshchuk (Universidade de Aveiro, Portugal) Osvando José de Morais (Universidade Estadual Paulista – UNESP, Brasil) Paul Levinson (Fordham University, Estados Unidos) Pedro Nunes (Universidade Federal da Paraíba - UFPB, Brasil) Raquel Longhi (Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC, Brasil) Ricardo Alexino Ferreira (Universidade de São Paulo - USP, Brasil) Sergio Gadini (Universidade Estadual de Ponta Grossa - UEPG, Brasil) Thom Gencarelli (Manhattan College, Estados Unidos) Vicente Gosciola (Universidade Anhembi Morumbi, Brasil) FICHA TÉCNICA Copyright 2022 ©Ria Editorial. Todos os direitos reservados Foto de capa e design: ©Denis Renó Diagramação: Luciana Renó 1.a edição, Aveiro, dezembro, 2022 ISBN 978-989-8971-76-0 Título: Linguagens Organizadores: Vicente Gosciola, Carolina Falandes e Matheus Tagé Esta obra tem licença Creative Commons Attribution-NonCommercial-NoDerivatives. Você tem o direito de compartilhar, copiar e redistribuir o material em qualquer suporte ou formato sempre que seja feito o reconhecimento de seus autores, não utilizá-la para fins comerciais e não modificar a obra de nenhuma forma. https://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0/ ©Ria Editorial Aveiro, Portugal [email protected] http://www.riaeditorial.com ESSA OBRA FOI AVALIADA INTERNAMENTE E EXTERNAMENTE POR PARECERISTAS Todos os textos foram avaliados e seleccionados pelos organizadores da obra. Os comentários dos organizadores foram enviados aos autores, que, mediante a aprovação, receberam tempo hábil para eventuais correcções. O livro foi posteriormente avaliado e aprovado pelo avaliador externo Dra. Liliane de Lucena Ito, que informou parecer positivo à publicação da seguinte forma: “Linguagens”, obra fruto de pesquisas teórico-empíricas sobre distintos temas relacionados às narrativas contemporâneas, oferece análises consistentes e pertinentes ao campo da Comunicação e Informação. A divisão em duas searas - narrativas e estratégias - mostra-se acertada por aglutinar estudos ora focados na análise da transmidialidade típica das histórias contemporâneas (sejam ficcionais ou não), contendo então a participação inerente à linguagem transmídia (explicitada na ação de fandoms e afins); ora por desenvolver reflexões sobre as motivações e intencionalidades por trás de produções de entretenimento e de informação inseridas no complexo ecossistema midiático atual. Todos os conteúdos mais relevantes em termos de linguagens estão presentes, de alguma forma, nesta obra: TV por streaming, games, newsgames, lives, redes sociais, webseries e podcasts. Assim, o livro “Linguagens” proporciona discussões variadas, ricas e atualizadas sobre fenômenos midiáticos recentes ou ainda em andamento, o que em si já é um importantíssimo contributo às pesquisas sobre mídia e narrativas. O parecer foi enviado previamente ao lançamento. Autores Ana Carolina Campos Antonio Hélio da Cunha Filho Carlos Pernisa Júnior Eduarda Afecto Vilanova Eduardo Fernando Uliana Barboza Ingrid Schmidt João Paulo Hergesel José L. Vulcano Larissa Nascimento Lopes de Oliveira Leandro Maciel Letícia Forti Bonatelli Letícia Passos Affini Leony Lima Lorenna Aracelly Cabral de Oliveira Raquel Assunção Oliveira Susana Azevedo Reis Valquíria Aparecida Passos Kneipp Vicente Gosciola SUMÁRIO Apresentação.................................................................................................................................................................................................................... 11 Parte 1 - Narrativas Narrativa transmídia provocativa: as séries que planejam suas tramas objetivando as “teorias” dos fãs .................................................................................................................................. 14 Ingrid Schmidt Vicente Gosciola Competência midiática na social TV: análise do perfil da protagonista de Samantha! no Instagram ................................................................................................................................................ 43 Larissa Oliveira Leony Lima Ana Carolina Campos Literacia transmídia e a produção de conteúdos colaborativos no Covet Fashion .............................................................................................................................................................................................. 70 Susana Azevedo Reis Larissa Nascimento Lopes De Oliveira Análisis de “Barnacas: un proyecto en evolución” .................................................................................... 96 José L. Vulcano “Meteu essa?”: Cooperação de Empresas Midiáticas e a Live do Casimiro ..............................................................................................................................................................................................................115 Antonio Hélio da Cunha Filho Raquel Assunção Oliveira Parte 2 - estratégias Tá na revista, tá no fone: Podcast como estratégia editorial da Elle Brasil ........................................................................................................................................................................................................ 135 Lorenna Aracelly Cabral de Oliveira Valquíria Aparecida Passos Kneipp Imersão e interatividade em narrativas “pervasivas” transmídia .................................. 163 Carlos Pernisa Júnior Expandindo a narrativa transmídia com os jogos noticiosos................................................ 186 Eduardo Fernando Uliana Barboza Estruturas narrativas correspondentes entre Cinema e RPG (Role-Playing Game)............................................................................................................................................... 209 Eduarda Afecto Vilanova Vicente Gosciola O roteiro algorítmico: hackeando a Netflix.......................................................................................................... 234 Leandro Maciel Vicente Gosciola Novas estratégias de distribuição da Netflix e a narrativa seriada em Arcane........................................................................................................................................................................................................ 260 Letícia Forti Bonatelli Letícia Passos Affini Concepts of web series: how have brazilian researchers been understanding them? ........................................................................................................................................................................................................................ 286 João Paulo Hergesel Índice Remissivo................................................................................................................................................................................................................311 LiNguageNs APRESENTAÇÃO Há mais de dois anos, o mundo enfrenta o desafio de reaprender a viver, num processo de adaptação à virtualidade. Uma transformação que, para diversos cientistas da comunicação, acelerou o processo de virtualização dos seres humanos e de suas relações para com o outro e, obviamente, com os meios de comunicação. Sem dúvida, testemunhamos uma reconfiguração do ecossistema midiático. Com esse tema norteador às conferências, realizamos o 5º Congresso Internacional Media Ecology and Image Studies – MEISTUDIES, que contou com o tema “A virtualização do novo ecossistema midiático”. O evento também foi marcado pela realização paralela do VI Seminário Internacional Red ITC, evento que nos acompanha pelo terceiro ano consecutivo. Já em sua quinta edição, o MEISTUDIES repetiu a sua programação e formato de participação totalmente assíncrono, colaborando com a preservação da saúde cognitiva dos participantes. Acreditamos que o conteúdo assíncrono facilita a disseminação do conhecimento, e está é a nossa missão como evento científico. Para tanto, contamos com a parceria dos 15 conferencistas e das coordenações das 13 mesas de trabalho, um staff que reuniu mentes representantes de nove países. O evento continuou a ser organizado pelo GENEM – Grupo de Estudos sobre a Nova Ecologia dos Meios (Universidade Estadual Paulista – UNESP, Brasil) e pelo Departamento de Ciências da Comunicação da Universidade Técnica Particular de Loja - UTPL (Equador). Também contou com apoio da Cátedra Latino-americana de Narrativas Transmídia (sediada na Universidade Nacional de Rosario, Argentina), do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Comunicação (Universidade Estadual Paulista – UNESP, Brasil), do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Comunicação – menção em Investigação e Cultura Digital (Universidade Técnica Particular de Loja – UTPL, Equador), do Programa de Pós-Graduação em Jornalismo (Universidade Estadual de Ponta Grossa - UEPG, Brasil), da Red ITC - Internet, Tecnologia e Comunicação (Espanha), da Red INAV – Rede Ibero-americana sobre Narrativas Audiovisuais, Observatorio de Comunicación UTPL e da Ria Editorial. E de uma de nossas entidades apoiadoras, a portuguesa Ria Editorial, surge esta obra científica. Nela, são publicados textos resultantes dos resumos expandidos apresentados no MEISTUDIES, aprovados às cegas por pares acadêmicos. Finalmente, e após avaliação da obra como um todo, apresentamos mais uma ação do congresso, juntamente com a Ria Editorial e a Universidade Técnica Particular de Loja, no sentido de democratizar o conhecimento. Com este livro, a ciência não fica limitada a fronteiras e distâncias. Como se trata de um livro de acesso grátis e em formato digital, materializa-se apenas uma coisa: o conhecimento. Boa leitura. Andrea Versuti Denis Renó Diana Rivera Jesús Flores Vicente Gosciola Diretores Acadêmicos Luciana Renó Diretora Geral Parte 1 - Narrativas NARRATIVA TRANSMÍDIA PROVOCATIVA: AS SÉRIES QUE PLANEJAM SUAS TRAMAS OBJETIVANDO AS “TEORIAS” DOS FÃS Ingrid Schmidt1 Vicente Gosciola2 Os séculos XIX e XX foram extensivamente marcados pelo surgimento de novos meios de comunicação que remodelaram o comportamento da sociedade, como o cinema, a televisão e a internet. Esses meios rapidamente ultrapassaram sua função básica enquanto transmissores de informações, vindo a ser considerados formas de entretenimento. Partindo de suas peculiaridades constitutivas, formam hoje aquilo que entendemos por “indústria midiática” - um modelo 1. 2. Mestre em Comunicação Audiovisual pela Universidade Anhembi Morumbi. [email protected]. Projeto desenvolvido com apoio do PROSUP/INSTITUCIONAL - CAPES, EDITAL 001/2020. Pós-doutor pela Univ. do Algarve, Portugal, Doutor em Com.pela PUC-SP., Prof. Titular do Prog. de Pós-Grad. em Com. da Univ. Anhembi Morumbi e Líder do Grupo de Pesquisa CNPq Narrativas Tecnológicas. [email protected] 14 de produção e negócio baseado em comunicação, informação, arte e entretenimento para a grande audiência. As mudanças tecnológicas observadas nas últimas décadas trouxeram para o meio televisual um cenário no qual o engajamento da audiência se tornou essencial para o sucesso de uma obra. Os espectadores – se é que podemos continuar a chamá-los assim - não mais simplesmente assistem um conteúdo. Eles precisam comentá-lo com outras pessoas, discutir a trama e agir como propagadores. Por mais que as tecnologias não tenham sido o único fator que provocou essas mudanças, elas foram responsáveis por elevar o papel dos espectadores, ampliando as possibilidades de se tornarem fãs ativos e engajados que não só discutem e interpretam as narrativas, mas também produzem conteúdos relacionados a elas. Felizmente, a internet e o ambiente digital, com seus fóruns de discussão, facilitam esse processo. Os criadores de conteúdo devem, então, elaborar narrativas que fomentem essas discussões online, a fim de provocar o processo de reexibição dos episódios e manter a obra como um assunto de interesse não mais apenas durante a semana, mas também entre os meses que separam as temporadas. Jason Mittell (2012) acredita que o momento que vivemos hoje pode ser denominado como a “era da complexidade narrativa”. Em 2006, o autor introduziu esse conceito, definindo como “uma redefinição nas formas episódicas da narração em série (...) recusando a necessidade de fechamento da trama em cada episódio, que caracteriza o formato episódico convencional” (p. 36). Para ele, a complexidade narrativa “privilegia estórias com continuidade e passando por diversos gêneros.” (Mittell, 2012, p. 36). 15 Warren Buckland (2009) acredita que essa complexificação seria um reflexo das mudanças na própria sociedade. “na cultura de hoje, dominada pelas novas mídias, as experiências estão se tornando cada vez mais ambíguas e fragmentadas; da mesma forma, as estórias que buscam representar essas experiências se tornaram opacas e complexas” (p. 1). Buckland propõe então o conceito de “puzzle films” (filmes quebra-cabeça), um modelo narrativo no qual “o arranjo de eventos não é apenas complexo, mas complicado e perplexo; os eventos não estão apenas entrelaçados, mas sim emaranhados” (p. 3). Apesar de divergências no que diz respeito as especificações de cada conceito, ambos os autores concordam que as narrativas se complexificaram nos últimos anos e que, portanto, não podem mais ser tratadas e divulgadas como narrativas simples. Mittell acredita que “A televisão narrativamente complexa encoraja e às vezes até mesmo precisa de um novo modelo de engajamento do público” (Mittell, 2012, p. 48). Ou seja, as narrativas complexas não podem se limitar ao meio televisual e devem se expandir para outros meios a fim de alimentar esses fãs engajados e curiosos e, dessa forma, se manterem “vivas”. Para ele, um dos poucos modelos que consegue abarcar a vastidão das séries televisuais é a narrativa transmídia. Os anos 2000 viram o crescimento de formas inovadoras de extensão de narrativa, agrupadas sob o termo “narrativa transmídia” (transmídia storytelling), que expandiram significantemente o escopo de uma série de televisão para um arranjo de outras mídias como jogos de quebra-cabeça a livros e blogs. (Mittell, 2014, p. 253) 16 Narrativa Transmídia e suas Ferramentas Jenkins (2007) define a narrativa transmídia como: “o processo em que elementos integrais de uma ficção se dispersam sistematicamente por múltiplos canais com o propósito de criar uma experiência coordenada de entretenimento”. Não se trata de ter a mesma estória contada em diferentes meios (como uma adaptação em filme de um livro, por exemplo), mas sim de ter partes de uma mesma estória em diversos meios que se complementam, e que também podem ser consumidas isoladamente. E é intrínseca ao modelo transmidiático a existência de um conteúdo central em um meio principal que norteie todos os outros, enquanto os conteúdos complementares levam a audiência de volta para o principal. “Para criadores, a narrativa transmídia deve sempre apoiar e fortalecer a experiência da narrativa televisual” (Mittell, 2014, p. 255). A narrativa transmídia se encaixa perfeitamente num modelo de convergência no qual os fãs deixam de ser apenas consumidores de conteúdo para serem também produtores e colaboradores. Uma vez que as estórias estão espalhadas nos diversos meios, cabe aos fãs encontrá-las, conectá-las e dividir suas experiências com outros fãs, em um modelo que se assemelha a um jogo virtual. Ainda assim, as obras televisuais demoraram a adotar esse estilo de narrativa, devido, em grande parte, “às demandas industriais de um sistema televisual comercial que depende da receita de ‘vender globos oculares’ para anunciantes” (Mittell, 2014, p. 258). Nesse sistema, a narrativa transmídia poderia ser vista como algo prejudicial, uma vez que leva a audiência para outros meios além da televisão. É por isso que, para que esse modelo seja economicamente viável quando aplicado a obras televisuais, é necessário que a televisão seja o meio principal, no qual a narrativa se inicia, e atue como principal 17 fonte de receita para os produtores. Todos os outros meios devem, portanto, operar de forma a levar os fãs de volta ao conteúdo original. Para a indústria, extensões transmidiáticas podem promover uma fonte extra de receita, mas sua principal função é levar os espectadores de volta à série de televisão; para criadores, a narrativa transmídia deve sempre apoiar e fortalecer a experiência narrativa televisual. (Mittell, 2014, p. 255). Posto isso, a narrativa transmídia coloca-se como uma possibilidade para os criadores de conteúdo televisual na atualidade - visto que contempla as necessidades de provocar discussões entre grupos de fãs, fomentando uma cultura participativa - e de convidar os espectadores a assistirem de novo aos conteúdos, elevando assim os números de audiência. Todavia, para que um conteúdo televisual possa utilizar uma narrativa transmídia de um modo que faça a audiência sempre retornar ao conteúdo central, é preciso que os conceitos que McKee (2006) denomina de “elementos da estória” (estrutura, ambiente, gênero, personagem e significado) tenham como objetivo engajar os fãs com o universo ficcional para além da televisão e reflitam esse aspecto transmidiático por meio de ferramentas específicas que intensifiquem a experiência e o envolvimento da audiência. Um exemplo destas ferramentas é o easter-egg, um termo originado da área da programação, em que “partes não essenciais de códigos eram incluídas em programas para nada além de marcar o trabalho de seu autor, mas que logo passou a ser aplicado a outros tipos de mídia para se referir a qualquer elemento que esteja mais ou menos em segredo sob a superfície” (Clarke, 2012, p. 145). No meio cinematográfico, esse termo geralmente se refere a elementos extra-diegéticos que são 18 incluídos em algumas obras de forma a dialogar com o espectador e convidá-lo para uma investigação com informações para além das fornecidas aos personagens. Por mais que o termo easter-egg tenha sido “emprestado” da programação na atualidade, a ideia de se colocar elementos extra-diegéticos em filmes a fim de que o espectador os procurasse enquanto assiste a obra é quase tão antiga quanto o cinema em si. No início dos anos 1910, quando se dizia que o então chamado “cinema de atrações” daria lugar ao “cinema de integração narrativa”, um diretor alemão, Joe May, iniciou uma moda de sucesso, apesar de curta, do que se chamava de “Preisrätselfilme”, ou “filmes-desafio-prêmio” como um subgênero do filme de investigação (de inspiração dinamarquesa), onde pistas eram plantadas sem serem reveladas até o final e prêmios eram oferecidos aos espectadores que os identificavam (Elsaesser, 2009, p. 16). Os easter-eggs, na atualidade, podem ir desde coisas simples – como o personagem Geninho, do desenho animado She-Ra: A Princesa do Poder (Wetzler, 1985) que era escondido em uma cena de cada episódio e o espectador era convidado a encontrá-lo – até elementos complexos, como é o caso da série Lost (Abrams, Lindelof & Lieber, 2004-2010), que ficou conhecida por seus easter-eggs. M. J. Clarke (2010) cita um episódio de Lost em que uma placa presente no cenário fornecia um anagrama a ser desvendado pelos espectadores – a informação presente na placa não teria nenhum significado para os personagens e, portanto, tratava-se de um elemento colocado na cena com o único objetivo de conversar diretamente com a audiência e engajar os fãs mais atentos. O easter-egg, como vem sendo utilizado até então, é uma ferramenta que estabelece um diálogo unicamente entre o criador de 19 um determinado conteúdo e sua audiência, não implicando em qualquer interação com os personagens ou o universo diegético da obra, e não configurando um elemento necessário para o entendimento ou andamento da trama. Entretanto, o modelo de narrativa transmídia e as tecnologias contemporâneas reconfiguraram esse conceito. Não se trata mais apenas de uma “caça ao tesouro” com um possível prêmio, mas sim de um mistério a ser desvendado que impacta diretamente na resolução da trama. O espectador é convidado a resolver o mistério junto ou mesmo antes que o protagonista. As comunidades de fãs na internet se transformam em verdadeiras agências de detetives, combinando as diferentes pistas e informações que identificaram para chegarem a uma solução conjunta antes que a revelação se dê em tela. Elsaesser acredita que esse tipo de narrativa com easter-eggs que envolvem o espectador numa espécie de jogo podem ser classificadas como “Filmes de Jogo Mental e não meras narrativas complexas.” (Elsaesser 2009, p. 40) e que a narrativa complexa, de Mittell, seria apenas uma ferramenta utilizada pelos roteiristas e produtores para “brincar” com as mentes dos espectadores. Ele define os Filmes de Jogo Mental como: filmes que estão “brincando” em dois níveis: há filmes em que um personagem é feito de brinquedo, sem saber disso ou sem saber quem está brincando com ele (...) Então, há os filmes em que é a audiência que está sendo feita de brinquedo, porque informações cruciais são omitidas ou apresentadas de forma ambígua. (Elsaesser, 2009, p. 14) Para Elsaesser, ao assistir esse tipo de série, os espectadores não se importariam em “serem feitos de brinquedo” (being played games 20 with), mas na verdade gostariam da sensação, mesmo quando há reviravoltas que eles não conseguem prever. De fato, quando se trata de uma narrativa ficcional que busca engajar os espectadores de maneira transmidiática, faz sentido que o processo deva ser entendido como um jogo, e que os espectadores entendam e aceitem que estão participando de um desafio. Para isso, é preciso que eles levem a estória e o mundo fictício da obra a sério e não a tratem totalmente como uma ficção. Frank Zipfel (2009) compara a relação de um espectador com uma obra de ficção a um jogo de “caubóis e índios” de um grupo de crianças, em que seria necessário “fazer de conta” que aquilo é real para se ter um verdadeiro engajamento. Uma característica dos jogos que é especialmente importante nas teorias de ficção é a “atitude dupla”. Por um lado, eles precisam que as pessoas se engajem no jogo – ou seja, levem o mundo do jogo a sério e se comportem de acordo com suas regras – e, por outro, as pessoas precisam manter uma noção de que o mundo do jogo é um mundo imaginário e não o mundo real ou verdadeiro. (Zipfel, 2009, p. 106) Umberto Eco (1989) já trazia um pensamento semelhante, defendendo que as séries de suspense trazem uma sensação de recompensa para a audiência: A série consola o leitor porque premia a sua capacidade de prever; ele fica feliz porque se descobre capaz de adivinhar o que acontecerá, e por que saboreia o retomo do esperado. Satisfazemo-nos porque encontramos o que esperávamos, mas não atribuímos este “encontro” à estrutura da narrativa, e sim à nossa astúcia divinatória. Não pensamos “o autor do romance policial escreveu de modo a me deixar adivinhar”, mas sim “eu 21 adivinhei o que o autor do romance policial procurava esconder de mim”. (Eco, 1989, p. 124) Isso não significa, contudo, que os fãs são incapazes de se decepcionar com a resolução do enigma de uma obra. Mittell (2014) ressalta a insatisfação dos fãs de Lost para com o final da série televisual: De forma isolada, eu considerei as entregas emocionais e os vastos arcos de personagens suficientemente engajantes e interessantes; entretanto, seu uso da transmídia e o cultivo de um fã-clube forense nos encorajou a esperar mais, fazendo com que muitos fãs se revoltassem contra o final do programa, em suas últimas horas, por não entregar as respostas em um pacote claramente marcado. (Mittell, 2014, p. 268) Ainda assim, Mittell reconhece que a dicotomia que surgiu entre os fãs que admiravam a série por seu aspecto investigativo e os que o faziam por seu aspecto espiritual refletiu a dicotomia da própria série: “o contraste entre o racional e o ambiente sobrenatural representado pela batalha entre ‘o homem da ciência’ Jack Shephard e ‘o homem da fé’ John Locke.” Para Mittell, a série teria, na verdade, transposto o universo diegético e refutado os fãs que, na vida real, seguiam a linha de pensamento de Jack. Dessa forma, mesmo com a revolta de parte dos fãs em relação ao final, a série teria cumprido seu propósito de engajá-los e fazê-los sentir-se parte daquele universo fictício. Conclui-se, portanto, que para que uma narrativa transmidiática se expanda e engaje seus fãs por uma estratégia de Filmes de Jogo Mental, é necessário fazer com que eles se sintam parte daquele mundo. Uma vez motivados a resolver o mistério por conta própria, os fãs buscarão, 22 pistas e informações nos conteúdos disponibilizados pelo estúdio em outros meios de comunicação. Os easter-eggs e os Filmes de Jogo Mental são apenas alguns exemplos de ferramentas que séries com narrativas transmidiáticas utilizam para engajar seus fãs e levá-los para os conteúdos derivados. Ainda assim, as abordagens utilizadas por algumas obras não apenas estabelecem um diálogo entre o autor e a audiência ou garantem o retorno para o conteúdo central, mas também contribuem para que o espectador se sinta parte do universo diegético e vivencie aquilo como se o engajamento com a obra tivesse algum desdobramento real em sua vida – e, por muitas vezes, esse desdobramento acontece, mesmo que seja apenas um reconhecimento entre outros fãs daquele mesmo conteúdo. Tratam-se de narrativas que foram pensadas e elaboradas desde a concepção levando em conta estratégias específicas e tendo como objetivo as discussões online e o engajamento dos fãs a fim de perpetuar o a relevância do conteúdo por mais tempo e trazer um maior retorno para a obra. Em minha pesquisa, estudei três dessas obras a fim de entender e nomear esse modelo: as séries Westworld (Nolan & Joy, 2016-presente), e Dark (bo Odar & Friese, 2017-2020), e o desenho animado Gravity Falls (Hirsch, 2012-2016). Westworld e a Sincronia Westworld é uma série de ficção-científica com uma narrativa que dialoga com o conceito de “narrativa complexificada” de Jason Mittell (2012), promovendo diversos debates e especulações entre os fãs. Com arcos que se passam em diferentes linhas do tempo embaralhadas e personagens que podem trocar de corpo ou esconder sua verdadeira 23 essência, a série apresenta informações nos diálogos e nos cenários que são captadas por fãs atentos e levadas a fóruns de discussão sobre o futuro da trama. Desde sua concepção, a série vem utilizando a narrativa transmídia para contar sua estória, disponibilizando uma série de conteúdos extras que não só complementam a trama original e levam os fãs de volta a ela, mas também contribuem para criar uma experiência imersiva no universo fictício por meio de mistérios a serem desvendados e códigos a serem encontrados. A terceira temporada da série intensificou essa experiência, mostrando um ano de 2058 fictício que se aproximava muito da realidade que a sociedade já está vivendo e convidando os espectadores a interagirem com seus conteúdos de forma a tomar decisões parecidas com as que os personagens tomariam. Nesse sentido, pode-se dizer que a utilização da narrativa transmídia nas duas primeiras temporadas teria servido como uma preparação dessa base de fãs para que ela vivesse a real experiência imersiva na terceira temporada. Os questionamentos enfrentados pelos personagens na terceira temporada (Até que ponto o livre arbítrio é real? Quanto acesso as empresas realmente têm aos meus dados e o que estão fazendo com isso? Minhas escolhas são realmente minhas, ou foram premeditadas e influenciadas por algoritmos?) dialogam com as angústias da sociedade pós-moderna e fazem com que o espectador de fato “questione a natureza de sua realidade”, como propõe uma das frases mais famosas da série. Por meio de uma narrativa transmídia que sincronizava o universo diegético e a realidade, a série colocou os espectadores na mesma posição que os personagens e fez com que eles se identificassem ainda mais com as angústias apresentadas na estória. 24 O que Westworld fez, ao aproximar o mundo diegético do mundo real, foi criar uma Sincronia entre esses dois universos, que permitiu com que as pessoas sentissem como estivessem de fato vivendo a realidade da série e, portanto, se engajassem com os conteúdos distribuídos nas diversas plataformas como se os mesmos fossem ter algum impacto real em suas vidas. Essa estratégia se destaca dentro do conceito de narrativa transmídia de Jenkins (2001), uma vez que não se trata simplesmente de distribuir conteúdos complementares em diversas plataformas a fim de aumentar a audiência do conteúdo central, mas sim de criar um emaranhado de conteúdos imersivos e participativos que fazem com que a série assuma uma relevância fora do usual na vida dos fãs. Isso, aliado a um roteiro complexo e com muitas reviravoltas, incentiva que os fãs sintam-se impelidos a adivinhar o andamento da trama e, portanto, discutam entre si nos fóruns online, seja para chegarem juntos a alguma conclusão ou para se provarem uns aos outros. Nota-se também que as ferramentas utilizadas para tal se diferem de um easter-egg como definido anteriormente, pois não se trata apenas de um diálogo entre autor e audiência, mas sim uma tentativa de imersão da audiência no universo diegético. O roteiro e a produção da série, com suas diferentes linhas do tempo emaranhadas e personagens se passando por outros, podem até enquadrar a obra no conceito de Filme de Jogo Mental, de Elsaesser (2009), mas o mesmo não dá conta de abarcar a profundidade da imersão possibilitada pelos conteúdos adicionais que buscam engajar os fãs, provocando o processo de reexibição da obra central em buscas de pistas e informações, e assim aumentando sua relevância no longo prazo. 25 Ao observar as menções da série desde que foi anunciada, nota-se que, apesar de uma queda de menções com o passar das temporadas, ela foi capaz de se manter como um assunto de interesse durante os longos hiatos de dois anos entre o lançamento de cada temporada. Além disso, é possível observar que, em todas as temporadas, o pico de interações aconteceu durante os episódios finais, o que aponta para uma possível relação com as especulações dos fãs que cresciam conforme mais informações eram reveladas a cada episódio. Figura 1 Menções da série Westworld entre 1 de julho de 2016 e 31 de janeiro de 2022 Westworld (2016/julho 1 - 2022, janeiro 31). Como notado anteriormente, os criadores da série possuíam, desde a concepção da mesma, uma clara intenção de esconder detalhes em materiais extras e fomentar uma cultura participativa por parte dos fãs. Para isso, criaram essa narrativa imersiva, acrescentando um elemento de sincronia ao já estabelecido conceito de narrativa transmídia e intensificando o engajamento dos fãs. 26 Gravity Falls e a Codificação Gravity Falls começou como um desenho animado exibido pelo canal Disney Channel de 2012 a 2016, e se destaca pela utilização de códigos e mensagens criptografadas que apareciam para os fãs, mas não para os personagens. Com isso, adicionou-se uma nova camada de mistério à trama, uma vez que os fãs estavam sendo diretamente convidados a resolver um enigma à parte do que era apresentado aos personagens. Essa codificação se tornou cada vez mais complexa, e as interações em fóruns de discussão foram essenciais para que fãs do mundo todo se unissem para desvendar os mistérios juntos. Após o encerramento do desenho animado, a estória se estendeu para outros meios, como livros, quadrinhos e websites. Houve, inclusive, uma caça-ao-tesouro física, conduzida pela equipe responsável pelo desenho nos Estados Unidos. Mesmo seis anos após o fim de Gravity Falls, o Disney Channel continua fomentando a comunidade de fãs com códigos e pistas espalhados em diferentes meios, em uma verdadeira “caça ao tesouro transmidiática”. Quando se analisa as menções de Gravity Falls desde seu lançamento até o momento atual, nota-se que a relevância da série cresceu com o tempo, atingindo seu ápice durante o período de lançamento dos episódios finais. Ainda assim, o termo se mantém relevante e estável até hoje, seis anos após o término da série animada, recebendo até mais menções do que na época de seu lançamento. Esse fato mostra que as estratégias utilizadas por Gravity Falls tiveram sucesso em fazer com que a estória mantivesse sua relevância após o encerramento da trama central, e também que a intensificação do uso de códigos secretos e mensagens escondidas teve um papel importante no aumento do engajamento com a série. 27 Figura 2 Menções à série Gravity Falls entre 1 de junho de 2012 e 31 de janeiro de 2022 Gravity Falls (2012, junho 1 - 2022, janeiro 31). Elsaesser (2009) acreditava que a narrativa complexa de Mittell (2012) era capaz de atingir apenas um público nichado, mesmo que mais engajado. Entretanto, Gravity Falls provou que é possível ter uma narrativa extremamente complexa e ainda assim envolver uma grande audiência, tendo se mantido presente em diversos meios anos após o encerramento da série televisual, e tendo sido nomeada como uma das melhores séries da década por veículos relevantes do meio. Gravity Falls não só reformulou completamente o conceito de easter-egg, mas também traçou um novo caminho para uma categoria de desenhos animados com narrativas transmidiáticas e jogos mentais, que já começa a ser observado nas produções mais recentes. Assim como Westworld, Gravity Falls utilizou-se de uma narrativa transmídia para engajar seus fãs, mas trouxe, através da Codificação que fez parte da obra desde sua concepção, uma proposta de imersão muito além da narrativa transmídia comum. A transposição de objetos do 28 universo diegético para o não diegético, assim como uma caça-ao-tesouro no mundo real, contribuíram para que os fãs se sentissem parte da estória e se envolvessem de maneira ativa nas investigações e decodificações a ponto de resolverem um enigma espalhado por várias partes do mundo. O sucesso de Gravity Falls contribuiu para estender o tempo de vida útil da propriedade, que continua tendo conteúdos oficiais lançados pelo Disney Channel mesmo seis anos após seu encerramento – situação até então não observada em nenhum outro desenho do canal, ou mesmo em concorrentes como Cartoon Network e Nickelodeon. Por conta disso, a série se destaca frente a todas outras que utilizaram a narrativa transmídia como estratégia de divulgação e relevância a longo prazo. Dark e a Antecipação Visual Dark é uma série alemã de ficção científica e mistério do serviço de streaming Netflix. Com suas diferentes linhas do tempo, a trama convidou o público a investigar, junto aos personagens, uma série de desaparecimentos que se relacionavam de alguma forma com o apocalipse. Como parte de um modelo de binge-publishing, as estratégias de captação e manutenção de público se diferem das utilizadas por séries com episódios semanais. Aqui, era mais importante fomentar as discussões entre as temporadas do que entre os episódios, e o processo de binge-watching tem papel determinante para o desenvolvimento da narrativa. Ademais, a plataforma tem acesso direto aos números reais de exibições dos episódios e os têm como base para definir a renovação ou o cancelamento de cada série. Dessa forma, o processo de rever episódios passa a ter uma importância ainda maior, uma vez que impacta diretamente no sucesso da série. 29 A fim de preencher o período entre a segunda e a terceira temporada, um dos criadores da série, Baran bo Odar, passou a publicar imagens de bastidores em seu Instagram pessoal. Essas imagens continham pistas dos acontecimentos da temporada final, e motivaram os fãs não só a ficar atentos e dialogarem sobre cada nova foto, mas também a rever os episódios – e, futuramente, os trailers da terceira temporada – para tentarem desvendar a trama por conta própria antes mesmo que os personagens da série. Essa Antecipação Visual logo foi utilizada pela própria Netflix, que passou a divulgar imagens com pistas para os fãs, e tal estratégia aumentou consideravelmente a quantidade de discussões e menções sobre a série. Num primeiro momento, poderíamos entender a decisão de Baran bo Odar como uma tentativa pessoal do showrunner de criar uma narrativa transmídia com as ferramentas que estavam a seu alcance. Mas conforme a terceira temporada se aproximou, a Netflix, como empresa, passou a utilizar esse modelo na divulgação, postando, no site oficial da série (https://dark.netflix.io/), uma imagem alterada do quadro “A Queda dos Condenados”, de Peter Paul Rubens (1620). O quadro estava presente no escritório do suposto vilão da série, Adam, e a versão disponibilizada no site da Netflix contava com pistas sobre o futuro de alguns personagens. Os fãs, que já vinha discutindo com base nos trailers e nas imagens de bastidores, agora tinham uma peça de divulgação verdadeiramente feita com a intenção de ajudá-los em suas investigações e especulações. Como esperado, não tardou para que a obra também viesse a ser discutida pelos fãs engajados (AManWellSoonForget, 2020). 30 Essa estratégia dialoga diretamente com a narrativa que já vinha sendo apresentada pela série. Com uma estória contada através de uma linha do tempo embaralhada, muitas vezes era mostrado ao espectador um acontecimento que ainda viria a acontecer, e o mesmo era instigado a especular sobre o que levaria àquele acontecimento. Além disso, a série apresenta uma variedade de imagens que apontam para revelações futuras. As páginas do diário do personagem Noah, que traziam datas de acontecimentos ainda desconhecidos e anotações com mensagens a serem decifradas. O monólogo que a personagem Martha performa numa peça da escola trazia pistas sobre o desenrolar da trama. O livro que a personagem Elisabeth encontra no início da terceira temporada contém imagens que, ao serem decifradas, apontavam para a forma como se daria o encerramento da trama. A terceira temporada de Dark estreou no dia 27 de junho de 2020 – data em que o Apocalipse ocorre na série -, confirmando as especulações dos fãs por conta do diálogo extra-diegético entre as datas do universo da série e as datas do mundo real. Já antecipando um movimento que vinha sido observado nas temporadas anteriores, a própria Netflix disponibilizou, no site de Dark, a árvore genealógica completa dos personagens, assim como uma imagem que explica o funcionamento das diferentes linhas do tempo e dimensões da série (https://dark.netflix.io). Quando observamos a curva de menções da série Dark desde seu lançamento até o momento atual, é possível perceber que o período em torno do lançamento da terceira temporada gerou uma repercussão três vezes maior do que as temporadas anteriores – crescimento, esse, que se acentua após a data de lançamento do trailer (14 de junho) e se estende até a estreia da temporada (27 de junho). Nota-se também que, 31 no período entre a segunda e a terceira temporada – no qual o criador Baran bo Odar utilizou uma estratégia de Antecipação Visual em seu perfil no Instagram – o tópico teve mais relevância do que durante o hiato entre a primeira e a segunda temporada. Figura 3 Menções da série Dark entre 1 de outubro de 2017 e 31 de janeiro de 2022 Dark (2017, outubro 1 - 2022, janeiro 31). E, para a surpresa dos fãs, muitas de suas perguntas foram deixadas sem resposta. Isso, num primeiro momento, poderia ser visto como um movimento arriscado que poderia causar um descontentamento por parte daqueles que passaram meses investigando a série para tentar decifrar os segredos da trama. Entretanto, a receptividade foi, em geral, positiva. A terceira temporada recebeu 95% de aprovação da audiência no site Rotten Tomatoes (DARK (2017 - PRESENT)”, s.d.) e a série encerrou recebendo o título de melhor produção da história da Netflix até o ano de 2020. No Reddit foram mais de 10 mil posts comentando a temporada final (https://bit.ly/3z7Ne8o), entrando pela primeira vez para 32 a lista de séries de sci-fi mais comentadas ao longo do ano na plataforma (https://bit.ly/3gasDaU). Isso reforça o argumento de Thomas Elsaesser (2009) de que, nesse tipo de obra, “há um deleite em desorientar ou enganar o espectador”, mas que a audiência não se importaria em “ser feita de brinquedo”, mas na verdade gostariam da sensação, mesmo quando há reviravoltas que eles não conseguem prever. A maior parte dos fãs não reclamou das perguntas não respondidas, mas sim se esforçou para respondê-las por conta própria (https://bit. ly/3zbNGCs), ainda que uma confirmação nunca viesse. Quase um ano após o fim da série, ainda é possível ver criadores de conteúdo falando sobre ela e trazendo curiosidades sobre a trama (https://bit.ly/3g053ik) A nova série dos criadores Baran bo Odar e Jantje Friese, intitulada 1899, já foi anunciada pela Netflix e a própria plataforma optou por divulgá-la como “A nova série dos criadores de Dark” (https://bit.ly/34TZ5ZS), mostrando que a obra mantém sua relevância até hoje. Conclusões Essas três produções, apesar de suas diferenças narrativas e formais, evidenciam um esforço por parte dos criadores em inserir elementos nas tramas que fomentem discussões online entre os fãs, além de um aspecto transmidiático que dialoga com a audiência nos mais diversos meios. Ademais, elas trazem, desde sua concepção, uma provocação previamente planejada de discussões online entre os fãs, permitindo conduzir a narrativa da série e a divulgação da mesma de forma a aumentar o engajamento e a duração da relevância do conteúdo. Essa singularidade as diferencia de outras narrativas transmídia 33 cujo foco é apenas distribuir partes de uma mesma história em meios diferentes que se complementam. Por mais que essas séries também tenham essa preocupação, o que elas trazem de singular é a forma como são criadas: tanto o roteiro quanto as estratégias de divulgação têm como objetivo central fomentar discussões online entre os fãs. A própria trama é elaborada tendo em vista o engajamento e o surgimento daquilo que os fãs chamam de “teorias” sobre o universo diegético e o futuro da estória em questão, e esse processo gera fãs mais engajados e que consomem os conteúdos de forma mais intensa e ativa, promovendo, assim, um maior retorno financeiro para a obra e sua perpetuação ao longo dos anos. O fandom começou a formar um modelo dedicado e fiel de consumo que é, de fato, atrativa (...) Fãs-consumidores não são mais vistos como irritantes excêntricos, mas como consumidores fiéis a serem criados, onde for possível, ou então serem conduzidos através das práticas de organização”. (Hills, 2002, p. 11) As três obras possuem, também, particularidades no que diz respeito às interações online dos fãs ao longo do tempo. Dark se destaca por possuir um crescimento de interações entre as duas primeiras e a terceira temporada, proporcionado pela utilização da antecipação visual nos meses que antecederam a temporada final. Westworld, por outro lado, teve uma queda de sua audiência a cada temporada, mas manteve-se como um tópico relevante durante os períodos de hiato, e atinge o ápice de engajamento de cada temporada nos episódios finais, o que denota uma relação com o surgimento de mais especulações por parte dos fãs com base nas novas informações disponibilizadas a cada episódio. Gravity Falls não atingiu picos de engajamento tão altos quanto as outras duas – algo que muito 34 provavelmente está relacionado com o fato de se tratar de um desenho animado e não de uma série live-action -, mas apresenta uma curva de crescimento muito mais estável, que se mantém por muito mais tempo. Hoje, de acordo com o Google Trends, Gravity Falls é um tópico mais comentado no mundo todo do que Westworld, mesmo que o desenho tenha acabado há seis anos e a série esteja em hiato há apenas dois. Figura 4 Comparativo de menções das série Gravity Falls, Westworld e Dark, de 1 de junho de 2012 a 31 de janeiro de 2022 Gravity Falls et al. (2012, junho 1 - 2022, janeiro 31). Posto isso, é possível afirmar que essas três obras possuem aspectos singulares e relevantes que as destacam em meio a outras narrativas transmídia no que diz respeito ao engajamento do público. Portanto, há uma necessidade de se pensar num termo, sob a superestrutura da narrativa transmídia, que evidencie essa particularidade observada. Ainda assim, seria possível categorizar todas as três sob um mesmo termo, ou seria necessário classificar cada uma separadamente? 35 Num primeiro momento, pode parecer que estas três obras são tão diferentes em suas particularidades que não poderiam ser agrupadas em uma mesma categoria. Entretanto, por mais que cada uma tenha se destacado por conta de uma das ferramentas narrativas apontadas (sincronia, codificação e antecipação visual), nota-se que as três também trazem elementos das outras ferramentas, ainda que em menor evidência. O quadro abaixo traz alguns exemplos de como cada uma das três obras apresenta as três ferramentas: Tabela 1 Distribuição das ferramentas narrativas em Westworld, Gravity Falls e Dark Westworld Sincronia Codificação Antecipação visual Ao aproximar os acontecimentos da série a eventos reais e reproduzir websites e aplicativos fictícios no mundo real, a série estabeleceu uma sincronia entre os dois universos e trouxe uma possibilidade real de que a estória venha a se concretizar nos próximos anos. Os diversos materiais complementares de Westworld, desde a extensão diegética dos sites até os teasers e trailers da série contavam com códigos complexos escondidos que foram, posteriormente, encontrados pelos fãs mais atentos e desvendados pelos mais dedicados. Além disso, a primeira temporada da série contava com anagramas e com seu próprio código secreto: a figura do labirinto, que proporcionava um mistério a ser desvendado tanto pelos personagens quanto pelos fãs. A série Westworld traz uma variedade de elementos visuais que apontavam para uma futura revelação de que a estória se passava em diferentes linhas do tempo, e não seguia uma narrativa totalmente linear como fez os espectadores acreditarem no início. Dentre esses elementos, podemos citar o logo do parque Westworld, que se apresenta em designs diferentes nas cenas do passado e nas do presente, e as semelhanças visuais entre os personagens William e Homem de Preto que contribuíram para que os fãs identificassem previamente que se tratavam da mesma pessoa. 36 Gravity Falls Dark Por meio da extensão diegética (com o lançamento do Diário 3) e da caça-aotesouro pela estátua de Bill Cipher, os fãs do desenho puderam vivenciar uma imersão na obra e sentir-se parte do universo criado por Alex Hirsch. Toda a narrativa de Gravity Falls se construiu com base nos códigos secretos espalhados não só pelos episódios, mas também em todos os materiais complementares lançados. A, a antecipação visual se deu principalmente por meio da figura da roda de Bill Cipher, que trazia símbolos referentes a personagens que teriam que se unir para vencer o grande vilão do desenho, fazendo com que os fãs passassem meses tentando descobrir que personagens aqueles símbolos viriam a representar no episódio final. A sincronia aparece em A codificação se apresenta Dark por meio do de três formas: primeiro, alinhamento das datas nas páginas do diário dos eventos da série com do personagem Noah, as datas de lançamento que traziam anotações das temporadas, que com mensagens a serem contribuíram com uma decifradas. Segundo, imersão na estória e no monólogo que a na sensação de que personagem Martha o apocalipse de fato performa numa peça chegaria em 27 de junho da escola, que trazia de 2020. pistas sobre o desenrolar da trama. Terceiro: no livro que a personagem Elisabeth encontra, com imagens que, ao serem decifradas, apontavam para a forma como se daria o encerramento da trama. A antecipação visual de Dark se dá tanto pela própria narrativa com linhas do tempo embaralhadas que traz o futuro de alguns personagens antes de mostrar como os mesmos chegaram até lá, quanto pelas estratégias utilizadas pelo criador Baran bo Odar e pela Netflix para alimentar as discussões dos fãs entre a segunda e a terceira temporada, por meio do lançamento de fotos de bastidores e imagens promocionais com pistas escondidas. Elaborada pela autora É importante, então, ressaltar que o que essas séries têm de particular não é o uso de uma ferramenta ou outra, mas sim a combinação de um conjunto de ferramentas que está presente desde sua concepção, e que colabora com o objetivo de provocar discussões e especulações nos fãs. Por mais que cada uma tenha se destacado mais pelo uso de uma ou outra, todas as ferramentas observadas estão presentes nas três séries desde sua concepção e dialogam com esse objetivo. Dessa forma, 37 é possível afirmar que as três – e, possivelmente, outras obras também – podem ser classificadas sob uma mesma categoria. Uma vez que o que essas obras possuem de singular é um planejamento narrativo que tem como objetivo provocar especulações dos fãs, optei, junto ao meu orientador, por nomear esse modelo identificado de Narrativa Transmídia Provocativa. Trata-se de uma estrutura que se encontra sob o guarda-chuva da narrativa transmídia de Jenkins (2001) e engloba obras de narrativas complexas e transmídia que tenham como objetivo, desde sua concepção, engajar os fãs por meio de uma imersão no universo diegético e, para isso, planejem os roteiros dos episódios e as estratégias de divulgação de forma a provocar discussões e especulações entre os fãs, especialmente no ambiente digital. As três ferramentas observadas fariam, então, parte dessa estrutura da Narrativa Transmídia Provocativa e seriam usadas para cumprir o objetivo final de provocar especulações. A sincronia diz respeito a uma aproximação do universo diegético com o mundo real, intensificando a sensação de pertencimento dos fãs e colaborando para um aumento de engajamento. A codificação trata da inserção de códigos e mensagens secretas não somente na trama, mas em materiais derivados e peças promocionais. Essa ferramenta oferece uma espécie de jogo colaborativo aos fãs, se trocam informações e descobertas a fim de desvendar as mensagens criptografadas e solucionar o mistério da trama antes que os próprios personagens. Por fim, a antecipação visual fornece pistas e revelações de acontecimentos futuros, que funcionam como partes de um quebra-cabeça que os fãs devem terminar de preencher, provocando, mais uma vez, o aumento das interações e do engajamento entre eles. 38 Observa-se também que essa provocação planejada e a utilização dessas ferramentas tiveram um impacto positivo na perpetuação da relevância das obras, tanto durante os hiatos entre temporadas quanto após o fim das séries televisuais. Além disso, nota-se um crescimento de engajamento – seja ao longo dos episódios de cada temporada ou a cada temporada – que é um reflexo direto da provação e do uso das ferramentas mencionadas acima. Dessa forma, é possível afirmar que a utilização da Narrativa Transmídia Provocativa é benéfica para obras televisuais e é possível que ela se torne ainda mais presente nos próximos anos. Acredito que a identificação desse modelo de concepção narrativa vem a contribuir para as discussões já existentes no âmbito acadêmico do meio audiovisual, uma vez que se trata de um fenômeno que pode estar presente em muitas outras obras, tanto existentes quanto que ainda estão por vir. Todavia, tal conceito certamente deve englobar outras ferramentas além das três apontadas aqui e, portanto, é necessário analisar outras obras para definir de maneira mais ampla o conceito identificado por este estudo. Referências AManWellSoonForget. [sotgae]. (2020, julho 5). [SPOILERS S3] After all this is what we got on Rubens’s painting ‘Fall of the Damned’ [Online forum post]. Reddit. https://bit.ly/3x8YwaN Bo Odar, B., & Friese, J (Criadores). (2017-2020). Dark [Série]. Netflix. 39 Buckland, W. (Org.). (2009). Puzzle Films: Complex Storytelling in Contemporary Cinema. Wiley-Blackwell. Clarke, M. J. (2012). Lost and Mastermind Narration. Television & New Media, 11(2), 123–142. Dark. (2017, outubro 1 - 2022, janeiro 31). Google Trends. https://bit. ly/34P1zMK DARK (2017 - PRESENT). (s.d.). Recuperado de https://bit.ly/3v53rrz Eco, U. (1989) Sobre os espelhos e outros ensaios. Nova Fronteira. Elsaesser, T. (2009). The Mind-Game Film. In W. Buckland (Org.), Puzzle Films: Complex Storytelling in Contemporary Cinema. Wiley-Blackwell. Gosciola, V., Irigaray, F., & Piñero-Otero, T. (2019). Storyworld para o conceito de narrativa transmídia. Ria Editorial. Gravity Falls. (2012, junho 1 - 2022, janeiro 31). Google Trends. https:// bit.ly/354tVm3 Gravity Falls, Westworld, & Dark. (2012, junho 1 - 2022, janeiro 31). Google Trends. https://bit.ly/3sMCk5C Hills, M. (2002). Fan Cultures. Londres: Routledge. 40 Hirsch, A. (Criador). (2014-2016). Gravity Falls [Série]. Disney Channel, Disney XD. Jenkins, H. (2009). Cultura da convergência. Aleph. Jenkins, H. (2007). Transmedia Storytelling 101. Confessions of An Aca-Fan. https://bit.ly/2YAI9G1 Mckee, R. (2006). Story: Substância, Estrutura, Estilo e os Princípios da Escrita de Roteiro. Arte e Letra. Mittell, J. (2012). Complexidade narrativa na televisão americana contemporânea. MATRIZes, 5(2), 29-52. http://www.matrizes.usp. br/index.php/matrizes/article/view/337/pdf Mittel, J. (s.d.). Forensic Fandom and the Drillable Text. spreadablemedia https://spreadablemedia.org/essays/mittell/index.html#. Y2psVy_5Qg4 Mittell, J. (2009). Lost in a Great Story: Evaluation in Narrative Television (and Television Studies). In R. Pearson (Org.), Reading Lost. I.B. Tauris. Mittel, J. (2014) Strategies of Storytelling on Transmedia Television. In M. Ryan & J. Thon (Orgs.), Storyworlds across Media: Toward a Media-Conscious Narratology. University of Nebraska. Nolan, J, & Joy, L. (Criadores). (2016-presente). Westworld [Série]. HBO. 41 Westworld. (2016/julho 1 - 2022, janeiro 31). Google Trends. https:// trends.google.com.br/trends/explore?date=2016-07-01%20 2022-01-31&q=%2Fm%2F011c6zcc Zipfel, F. (2014). Fiction across Media: Toward a Transmedial Concept of Fictionality. In M. Ryan & J. Thon (Orgs.), Storyworlds across Media: Toward a Media-Conscious Narratology. University of Nebraska. 42 COMPETÊNCIA MIDIÁTICA NA SOCIAL TV: ANÁLISE DO PERFIL DA PROTAGONISTA DE SAMANTHA! NO INSTAGRAM Larissa Oliveira1 Leony Lima2 Ana Carolina Campos3 A partir de uma análise do perfil do Instagram da personagem Samantha (@samantharealoficial), da comédia seriada Samantha! (Netflix, 2018-2020), este texto discute conceitos de social TV e literacia midiática no contexto da convergência e cultura participativa. As formas de narrar histórias passaram por uma série de mudanças ao longo dos anos, seja através da criação de novos estilos de narração ou de adaptações das produções aos cenários contemporâneos, principalmente no que diz respeito ao avanço tecnológico e ao surgimento de novas mídias. Neste cenário, estratégias narrativas foram desenvolvidas transpassando 1. 2. 3. Doutoranda no PPGCOM/UFJF, bolsista CAPES. [email protected] Mestrando no PPGCOM/UFJF, bolsista FAPEMIG. [email protected] Mestranda no PPGCOM/UFJF, bolsista FAPEMIG. [email protected] 43 por diversas plataformas a partir da expansão de universos narrativos, o que Jenkins (2009) denomina narrativa transmídia. O encontro entre a televisão e as relações sociais dos consumidores, que se dão, principalmente, a partir das redes digitais, é chamado de social TV, um conceito que diz respeito ao compartilhamento de conteúdo por espectadores através de dispositivos midiáticos em sincronia com o que é transmitido por todas as modalidades de tevê (Borges & Sigiliano, 2017). Essa prática estabelece a social TV como um suporte para os universos ficcionais, auxiliando na compreensão e no aprofundamento da trama, além da fidelização e do envolvimento do público com a produção. Desta maneira, o objetivo deste trabalho é observar as dimensões de competência midiática que a série Samantha! estabelece sua narrativa transmídia a partir das estratégias de social TV presentes no perfil do Instagram criado para a protagonista. A literacia midiática é definida por Livingstone (2003, p.5) como “a capacidade de acessar, analisar, avaliar e criar mensagens através de uma variedade de contextos diferentes”. Em complemento a esta visão, o conceito de competência midiática, segundo Ferrés e Piscitelli (2015, p.3), é entendida “como uma combinação de conhecimentos, habilidades e atitudes consideradas necessárias para um contexto determinado”. No ambiente digital e no contexto das séries contemporâneas, competências midiáticas possibilitam o indivíduo transitar entre consumidor e produtor de conteúdo em âmbitos como a análise e expressão. O fã que avalia a obra como elemento estético (mise en scène, construção de personagens, sons, intertextualidade, etc), mas precisa entender o contexto total da ficção para poder compreendê-la e, muitas vezes, as ações transmidiáticas auxiliam no percurso. 44 A análise observa um recorte de 61 publicações realizadas de maio a julho de 2018 até 06 de maio de 2019, período de produção e veiculação da ficção, a partir do fenômeno da social TV e das dimensões tecnológicas, estéticas e de linguagem da competência midiática, tanto nos âmbitos de análise quanto de expressão. Narrativa Transmídia e Social TV As formas de narrar histórias sofreram uma série de mudanças ao longo dos anos, seja através da criação de novos estilos de storytelling ou de adaptações das produções aos cenários contemporâneos, principalmente no que diz respeito ao avanço tecnológico e ao surgimento de novas mídias. As novas telas, como tablets, smartphones, computadores e as possibilidades que vieram com a internet e os meios digitais, não só alteraram as formas de consumo, a partir de diferentes dispositivos e das novas perspectivas de recepção on demand e das plataformas de streaming, como também o comportamento do público, principalmente com a chegada e a popularização das redes sociais. Para Jost, Se os meios usados para acessar os conteúdos audiovisuais são inegavelmente novos, resta saber se eles são sintoma de comportamentos radicalmente novos, e qual será o impacto desses novos usos. [...] Certamente, as visitas aos sites de compartilhamento de vídeos são cada vez mais frequentes e se pode pensar que elas ocuparão um lugar crescente nas práticas culturais, em particular entre os jovens. Isso significa que os internautas têm práticas muito diferentes dos telespectadores? Eles têm, por exemplo, mais autonomia, liberdade, livre arbítrio diante dos conteúdos que eles escolhem ver?” (Jost, 2011, pp. 100-101) 45 Essa possibilidade da fragmentação na forma como a audiência escolhe consumir produtos televisivos (ou audiovisuais) acaba por dar origem ao que o autor chama de “telespectador nômade”, que navega por uma quantidade enorme de sites e conteúdos, e escolhe transitar entre a TV e a internet. Como consequência desse cenário, uma série de novas estratégias de storytelling foram sendo desenvolvidas, dando origem a uma “complexidade narrativa”, modelo que surge principalmente atrelado à televisão contemporânea e a produção seriada norte-americana. (Massarolo, 2013). Algumas transformações na indústria midiática, nas tecnologias e no comportamento do público coincidiram com o surgimento da complexidade narrativa sem, contudo, operarem como razão principal de tal evolução formal. Mas certamente possibilitaram o florescimento de suas estratégias criativas. (Mittel, 2012, p.33) Para além da tela da televisão, as narrativas passaram, então, a transbordar por diversas plataformas, criando universos narrativos expandidos, no que Jenkins (2009, p. 138) chamou de narrativa transmídia, como aquela que “desenrola-se através de múltiplas plataformas de mídia, com cada novo texto contribuindo de maneira distinta e valiosa para o todo”. Na forma ideal de narrativa transmídia, cada meio faz o que faz de melhor – a fim de que uma história possa ser introduzida num filme, expandida pela televisão, romances e quadrinhos; seu universo possa ser explorado em games ou experimentado como atração de um parque de diversões (Jenkins, 2009, p. 138). Esse processo, contudo, não representa somente o movimento ou a adaptação de um produto para diversos meios. Segundo Scolari (2015), 46 as narrativas transmídias se configuram como estruturas particulares que se expandem em diversas linguagens e mídias. Um mesmo produto, ao se expandir por diferentes redes, pode recriar uma série de novas significações e possibilidades, como histórias paralelas, micro histórias e histórias periféricas. Nas narrativas transmídia, as estratégias desenvolvem-se em diferentes meios, linguagens e mundos narrativos multimodais, transformando não somente o conteúdo, mas também os processos de produção e consumo, o que Scolari denomina de expansão do universo narrativo. Essa forma de narrar oferece ao mercado de entretenimento um novo modelo de negócios que deve se atentar ao que o autor chama de “consumidores implícitos”, ou seja, o público que será capaz de estabelecer conexões com as diferentes possibilidades presentes nesse universo expandido, em um “contrato de leitura”. Dessa forma, a produção televisiva é capaz de estabelecer estratégias capazes de alcançar públicos maiores. Scolari aponta quatro principais estratégias para a expansão do universo narrativo: 1) a criação de micro-histórias intersticiais, como videogames e quadrinhos, que estabelecem uma relação próxima com a macro-história; 2) a criação de histórias paralelas, com o desenvolvimento de novas histórias que acontecem em um tempo simultâneo ao da macro-história e podem se tornar spin-offs; 3) a criação de histórias periféricas, que podem ter muita ou pouca proximidade com a macro-história e também se desenvolver como spin-off; e 4) a criação de conteúdos produzidos por consumidores (fãs) em plataformas como blogs, abrindo espaço para o enriquecimento do universo ficcional através da criação de novas histórias, que têm como base a macro-história, se apoiando, por exemplo, nos personagens fictícios, como as fanfics. 47 Esse novo modelo, baseado no compartilhamento e na interatividade entre as produções e os consumidores e fãs das obras, ou seja, com foco na chamada cultura participativa, faz com que a audiência mergulhe no universo ficcional a partir da conversação que se estabelece, principalmente, nas redes (Massarolo, 2013). Fechine (2017) aponta que, se em um primeiro momento a televisão temia a internet enquanto concorrência, agora existe um esforço pelos canais de TV para que os programas tenham repercussões nas redes sociais, porque reconhecem nelas o potencial de, “ao contrário do que se imaginava, aumentar a audiência, engajando ou atraindo os espectadores” (Fechine, 2017, p. 86). Essa relação cada vez mais presente entre televisão e internet lança luz ao conceito de Social TV, ou TV Social, que segundo Fechine (2017, p. 87), em um primeiro momento era designado por um segmento “de pesquisas e desenvolvimento de aplicativos para a TV digital interativa (iTV)”, mas logo passa a um significado mais amplo, em que a premissa é que usuários experienciem o compartilhamento de conteúdos que envolvem a televisão, independente de estar vinculado com o televisor. Todavia, esse não é um fenômeno pensado apenas no contemporâneo da expansão da internet e da popularização das redes sociais. Wohn (2013) traça o percurso histórico do que pode ser compreendido como as primeiras formas dos aspectos sociais da televisão, evidenciando que diversas tentativas de estabelecer a interatividade entre a TV e o público já podiam ser observadas desde a década de 1970. Em 1977, nos Estados Unidos, a Time Warner experimentou um sistema a cabo chamado Qube, um “sistema de hardware e software interativo usando tecnologia de televisão a cabo bidirecional como sua rede de distribuição de vídeo e dados”; já em 1980, a empresa norte-americana Zenith lançou 48 a Spacephone, um modelo de televisão que permitia aos usuários fazerem ligações telefônicas utilizando o controle remoto enquanto assistiam à televisão (“A Televisão que também é telefone!”). As duas iniciativas, contudo, segundo a autora, não tiveram sucesso e foram interrompidas após alguns anos de atuação. Foi no início dos anos 2000, já com a internet, que as primeiras formas de interação mais próximas do que conhecemos hoje surgiram. No início do novo século, a empresa norte-americana America On–Line lançou a AOLTV, que permitia aos usuários usar a internet, ler e-mails e conversar enquanto assistiam à televisão. A iniciativa, no entanto, se manteve apenas até 2002, sendo encerrada por falta de consumidores. Wohn (2013) traz ainda o exemplo da iniciativa da ABC.com, em 2006, como o primeiro site que passou a disponibilizar o conteúdo dos programas de televisão online (uma tendência seguida por diversas outras empresas), que permitia que os usuários comentassem os programas na mesma página enquanto assistiam ao conteúdo. Três anos depois, em 2009, a possibilidade da transmissão ao vivo de conteúdo simultaneamente a mensagens síncronas também se tornou realidade e, em 2009, a TV.com introduziu bate-papos para que a audiência pudesse interagir, com mensagens, em tempo real enquanto assistiam a programação. É a partir da década de 2010 que esse processo de interação com a televisão ganha destaque e impulsionamento com a popularização das redes sociais, que rompem com os modelos anteriores de interatividade - em sistemas fechados - e possibilitam que o público interaja de maneira autônoma e em outras plataformas, como o Twitter, entre comentários e debates (e até na criação de novos conteúdos), com a programação televisiva. 49 O encontro entre televisão e as relações sociais entre os fãs, que se dão principalmente a partir das redes sociais, é a concepção atual do que chama-se de “social TV”, um conceito que, segundo as autoras Sigiliano e Borges (2017, p. 69), atualmente diz respeito “[a]o fenômeno se refere ao compartilhamento de conteúdos (comentários, memes, vídeos, montagens, fotos etc.) através das redes sociais (Twitter, Facebook, Snapchat, Instagram etc.) e dos aplicativos de segunda tela (TV Showtime, TV Tag, Viggle etc.) de maneira síncrona ao fluxo televisivo”. Dessa forma, a produção televisiva passa também a estabelecer diferentes conexões nas redes sociais, a partir da participação e da interação entre os fãs. Segundo Fechine (2017), as próprias empresas de comunicação exploram as estratégias de Social TV visando a conversação em rede do público. A exemplo, a autora cita a criação de perfis das emissoras em redes sociais e a criação de conteúdos que dialoguem com o produto ou a programação televisiva, que estimulem as interações como comentários, compartilhamentos e, até mesmo, a produção da própria audiência de novos materiais (como vídeos e memes); a criação de diferentes hashtags, de acordo com o desenrolar do enredo de determinado produto televisivo, servindo como um indexador do assunto e também da temporalidade estabelecida na conversação em rede, além de incentivar o envolvimento para com o produto e também entre os interagentes. Essa prática acaba por estabelecer a Social TV como um suporte para os universos ficcionais, como apontado por Sigiliano e Borges, auxiliando na compreensão e no aprofundamento da trama, além da fidelização e do envolvimento do público com a produção. Em consonância com esse pensamento, Fechine afirma que “a observação 50 continuada das reconfigurações da televisão nos permite assumir aqui como hipótese que a TV social pode ser considerada como uma das manifestações recorrentes nas estratégias transmídias da televisão brasileira.” (Fechine, 2017, p.89). A autora, no entanto, chama a atenção na definição de Social TV para a importância do tipo de conversação a ser considerado na conceituação do fenômeno, argumentando que se deve levar em conta uma conversação em rede, “deflagrada por estratégias de produção de empresas de comunicação [...] ou de tecnologia [...], geralmente, com fins comerciais e articuladas com a programação da televisão” (Fechine, 2017, p. 89). Essas estratégias buscam, de modo geral, produzir entre telespectadores em localizações distintas o efeito de “assistir junto” a conteúdos televisivos de modo remoto, a partir do acompanhamento de determinados programas e da troca de mensagens em tempo real, numa espécie de “sofá expandido” e virtual que estimula seu engajamento com os conteúdos ofertados. (Fechine, 2017, p. 89) A conversação em rede, a interação em ato, simultaneamente ao conteúdo transmitido na televisão ou na temporalidade demarcada pelas empresas de comunicação e as tecnologias interativas, configuram a co presença, que Jost (2011) chama de “impressão de formar um grupo” em função do critério de visualização e da aparição de comentários em tempo real, que resulta em um efeito de contato (assistir com). Essas são condições configuradoras da Social TV. Hoje em dia, os sites de redes sociais é que permitem a garantia de que vemos a mesma coisa, numa época em que, por causa da 51 multiplicidade de canais, não se pode dizer isso naturalmente. Durante a emissão de uma grande partida de futebol ou de um reality show popular, os tweets todos são sobre esses programas e os comentários feitos. Finalmente, as redes sociais contribuem a elaborar essas comunidades imaginárias às quais a televisão nos tinha habituado e que estavam em vias de desaparecer. (Jost, 2011, p. 102) Dentre diferentes formas de narrativas transmídia e estratégias de Social TV utilizadas pelas empresas de entretenimento, destacamos, no presente trabalho, a criação de perfis dos personagens presentes nas obras ficcionais nas redes sociais. Essa prática já era comum entre os fãs, que criavam páginas dos seus personagens favoritos, estabelecendo novas conexões e criando, inclusive, novos caminhos possíveis para a história original, em uma narrativa paralela. Atualmente, a própria indústria do entretenimento vem tentando explorar as narrativas transmídia a partir das redes sociais, criando novas estratégias de Social TV. Literacia Midiática A participação da audiência na construção, interação e ressignificação das séries contemporâneas se deu pela popularização do acesso às tecnologias de produção e consumo, sobretudo dos dispositivos móveis, e a presença cada vez mais abrangente dos meios de comunicação, exige que tenhamos uma participação mais efetiva em uma sociedade imagética, tendo estes meios como mediadores. A experiência do telespectador passa a abarcar uma série de outras linguagens e elementos para além do áudio e do vídeo, tais como interfaces gráficas, navegação hipermidiática, movimentos táteis, dentre outros, o que exige habilidades e competências 52 intelectuais, cognitivas e sociais específicas. (Almeida, 2018, p. 20) Esta experiência, desdobrada nas interações entre produtores e audiência de Samantha!, é carregada pelo humor, por pistas nostálgicas e pela literacia midiática de ambos os lados, já que compartilham de um mesmo repertório sobre a indústria cultural nacional e seus processos. Jenkins (2015) define o fã de narrativas ficcionais televisivas como aquele telespectador ávido que conhece e explora profundamente o universo ficcional. Grande entusiasta do texto original, ele tem o poder de, a partir da sua interpretação, transformar a experiência de se assistir uma ficção em algo mais rico e complexo, construindo uma identidade individual e coletiva na cultura participativa. No cenário da cultura da convergência, como citado anteriormente, esta construção e circulação são potencializadas. Jenkins (2009, p. 28) afirma que “ao invés de falar de produtores e consumidores midiáticos em papéis separados, agora podemos vê-los como participantes que interagem uns com os outros de acordo com novas regras que nenhum de nós entende por completo”. Em resumo, “os fãs deixam de ser meramente audiência desses textos; ao invés disso, tornam-se partícipes da construção e circulação de significados textuais (Jenkins, 2015, p. 42). Ao consumir um conteúdo, o fã avalia a obra como um produto estético, analisando cada elemento como a caracterização dos personagens, desdobramentos, intertextualidades e coerência (Sigiliano & Borges, 2019, p. 258). Neste caso, podemos relacionar esta ação do fã com o conceito de literacia midiática, definido por Livingstone (2003, p. 5) como “a 53 capacidade de acessar, analisar, avaliar e criar mensagens através de uma variedade de contextos diferentes”. Em complemento a esta visão, podemos associar o conceito da competência midiática de Ferrés e Piscitelli (2015, p. 3), geralmente entendido “como uma combinação de conhecimentos, habilidades e atitudes consideradas necessárias para um contexto determinado”. No ambiente digital e no contexto das séries contemporâneas, literacia e competências midiáticas possibilitam o indivíduo transitar entre consumidor e produtor de conteúdo. Sendo assim, Ferrés e Piscitelli agregam a visão de dois âmbitos da competência midiática: da análise e expressão. Segundo eles, a competência midiática: Envolve o domínio de conhecimentos, habilidades e atitudes relacionadas a seis dimensões básicas, a partir das quais são elaborados os indicadores. Estes indicadores estão relacionados, em cada caso, com o âmbito de participação das pessoas que recebem mensagens e interagem com elas (âmbito de análise) e das pessoas que produzem as mensagens (âmbito de expressão). (Ferrés & Piscitelli, 2015, p. 8). As seis dimensões propostas pelos autores englobam os âmbitos de análise e de expressão de: (1) linguagem, (2) tecnologia, (3) processos de interação, (4) processos de produção e difusão, (5) ideologia e valores e (6) estética. Neste estudo de caso, trabalharemos com três destas dimensões em seu âmbito da expressão, o que diz respeito ao processo produtivo das ações aqui analisadas. Dessa forma, nosso foco será na Linguagem, Tecnologia e Estética. 54 Os indicadores que serão utilizados na dimensão da Tecnologia são: Capacidade de manusear com correção ferramentas em um ambiente multimidiático e multimodal; capacidade de adaptar as ferramentas tecnológicas aos objetivos comunicativos almejados e; capacidade de elaborar e manipular imagens e sons a partir do conhecimento de como se constroem as representações da realidade. (Ferrés & Piscitelli, 2015, p. 10) Na dimensão da Linguagem, temos: Capacidade de se expressar mediante uma ampla gama de sistemas de representação e significados; capacidade de escolher entre diferentes sistemas de representação e estilos em razão da situação comunicativa, do tipo de conteúdo a ser transmitido e do tipo de interlocutor e; capacidade de modificar produtos existentes, dando a eles um novo significado e valor. (Ferrés & Piscitelli, 2015, p. 9) Por fim, na dimensão Estética, os seguintes indicadores são levados em conta nesta análise: Capacidade de produzir mensagens elementares que sejam compreensíveis e que contribuam para incrementar os níveis pessoais ou coletivos de criatividade, originalidade e sensibilidade; capacidade de se apropriar e de transformar produções artísticas, potencializando a criatividade, a inovação, a experimentação e a sensibilidade estética. (Ferrés & Piscitelli, 2015, pp. 14-15) Samantha! Samantha! (Netflix, 2018–2020) é uma série criada por Felipe Braga na produtora Los Bragas, produzida em parceria com a Netflix 55 e distribuída em sua plataforma de streaming. A primeira comédia brasileira assinada pela Netflix possui duas temporadas veiculadas entre 2018 e 2020, cada temporada tem sete episódios, cada um com cerca de trinta minutos. A série é classificada como comédia de situação (sitcom) pela própria distribuidora, e, de fato, cada episódio possui um acontecimento a ser tratado ou problema a ser solucionado, entretanto, a comédia é guiada por um arco folhetinesco que aponta sobre o retorno à fama da protagonista. A história é narrada a partir de 2018 e utiliza-se do recurso de volta no tempo para referenciar os famosos programas infantis da televisão brasileira na década de 1980, em que se tinha uma plateia de crianças ansiosas para brincar e cantar junto com os apresentadores, mascotes no palco para ajudar nas brincadeiras, brinquedos, convidados e, algumas vezes, bailarinos com apresentações. A protagonista Samantha, interpretada por Emanuelle Araújo e Duda Gonçalves, chega ao final da década de 2010 na casa dos quarenta anos, com dois filhos, e se sentindo perdida sobre a carreira. Seu sonho e objetivo tangível é voltar a ser famosa na televisão aberta, o que ela ainda acredita ser o que significa “ter sucesso”. Na primeira temporada, o objetivo é percorrido com maior avidez, já na segunda temporada, Samantha busca o objetivo incluindo o dilema sobre ser fútil, logo, quer mostrar a todos que cresceu intelectualmente. Na década de 1980, foi vocalista de um grupo musical chamado Turminha Plimplom junto com dois garotos, Alfonso (interpretado por Maurício Xavier e Sidney Alexandre) e Tico (interpretado por Rodrigo Pandolfo e Enzo Oviedo), e estrelou também um programa de auditório com o mesmo nome. Os conflitos estão centrados no ambiente familiar, remetendo ao clássico do drama 56 burguês, e ao ambiente de trabalho, revelando a personalidade colérica de Samantha, que é difícil de conviver, egoísta e gosta de ser o centro das atenções. De acordo com Oliveira (2022), a construção fisiológica de Samantha é de uma mulher bonita midiaticamente, de altura média, magra, pele morena, olhos castanhos, postura ereta e com roupas que marcam o corpo. Já sociologicamente, apresenta perfil de classe média, afinal, é uma subcelebridade. Em ambiente de trabalho, é competitiva, exigente, persistente e egocêntrica. É órfã e foi deixada na porta de uma emissora quando criança. Em 2018, mora com os dois filhos, Cindy e Brandon (interpretados por Sabrina Nonato e Cauã Gonçalves), e é casada (em processo de divórcio) com o ex-jogador de futebol Dodói (interpretado por Douglas Silva), que acaba de ser liberado da prisão. Na trama, ainda temos o agente da protagonista, Marcinho (interpretado por Daniel Furlan) e o melhor amigo de Samantha, Zé Cigarrinho (interpretado por Ary França), um homem na faixa de 60 anos que foi o mascote da Turminha Plimplom e a figura de pai mais próxima que Samantha tem. A ficção carrega um imaginário nostálgico dos programas infantis brasileiros da década de 1980, em que até as pessoas que não viveram na época possuem uma memória, que é coletiva e midiática. Com isso, existe uma instrumentalização ou operacionalização nostálgica que serve como mote da ficção. Engana-se achar que tal processo é apenas romântico sobre o passado, ele é de gestos, ou seja, ações, que no caso de Samantha! ocorrem de maneira satírica, romântica, meta imagética, auto referencial, a partir de identidades coletivas e do estilo cultural (Oliveira, 2022). 57 Perfil do Instagram @samantharealoficial Como forma de expansão do universo ficcional, a produção de Samantha! utilizou o recurso de narrativa transmídia a partir das redes sociais, criando estratégias de social TV que evocam competências midiáticas dos espectadores. Focaremos nas dimensões de competências: tecnologia, linguagem e estética, tentando entender suas relações com a social TV. Nossa análise tem como objeto o perfil do Instagram da personagem Samantha, que mesmo com o cancelamento da série em 2020, continua ativo. @Samantharealoficial é o nome do perfil, que remete ao fato da protagonista sempre achar que alguém a está copiando. São 22,9 mil seguidores no perfil, com 61 publicações no feed e quatro blocos de destaques nos stories. Em sua biografia, a protagonista se autodenomina como Samantha!, com exclamação, pois na ficção seriada proclamou que seu nome artístico não seria apenas Samantha, ela era mais que uma pessoa comum e estava na hora de uma renovação. Ainda na biografia, temos a descrição: “Eternamente Plimplom; Mãe da Cindy e do Brandon; O importante é não deixar de acreditar!; Brazilian Star; Protagonista de uma série da Netflix”. Na ficção, o maior orgulho da protagonista é ter sido a vocalista e apresentadora da Turminha Plimplom, momento de sua vida em que todos a idolatravam e ela lembra com romântica nostalgia. Os seguidores do perfil no Instagram reconhecem facilmente a frase que inicia o hit da Turminha Plimplom: “O importante é não deixar de acreditar!”, sabem que ela é uma mãe dedicada, que considera elegante nomes em inglês, como os próprios nomes dos filhos, e por isso a utilização do “brazilian star”, e entendem que ela é uma protagonista 58 de uma série da Netflix. O link da biografia envia para a página da série no catálogo do serviço de vídeo sob demanda. Figura 01 Print do perfil @samantharealoficial Nota. Captura de tela feita pelos autores (Samantha!, s.d.-a). São quatro títulos ou blocos de stories em destaque: intimidade, gratidão, viagens e carinho. Neles, Samantha se mostra como um elo entre a época de ouro da televisão aberta no Brasil e a ascensão de tecnologias digitais individuais. É uma mulher que está querendo mostrar jovialidade, mas acaba tendo um comportamento vergonhoso. Em alguns stories, Samantha fala o que fala na série quando está gravando, principalmente no Episódio 04 da Primeira Temporada, em que busca se tornar uma influenciadora digital para se sentir mais importante que a nova namorada de seu ex-esposo. Ainda nos stories, temos o lançamento da série em evento da Netflix, em que o agente de Samantha aparece dizendo que ia dar tudo certo, pois ele é um bom agente, e várias celebridades recebem um kit da Turminha Plimplom e agradecem à protagonista. 59 Figura 02 Stories de @samantharealoficial Nota. Captura de tela feita pelos autores (Samantha!, s.d.-b). As postagens do perfil acompanham Samantha nas duas temporadas. Na primeira, a protagonista busca fama acima de tudo, e na segunda, mesmo buscando fama, tenta se recompor para mostrar que cresceu e agora é uma mulher madura. Percebe-se essa linguagem no lançamento das temporadas e, concomitantemente, nas postagens do perfil. A dimensão de competência midiática referente a tecnologia está presente na espectatorialização quando entendemos que os fãs possuem habilidades para interagir significativamente com o Instagram da personagem ficcional, expandindo o conhecimento sobre o universo da série. Estes espectadores tornam possível uma comunicação multimodal e multimídia, tendo capacidade de manusear as ferramentas necessárias para dialogar com o perfil criado pela Netflix para Samantha. 60 Nos comentários das fotos e vídeos, os fãs interagem com a personagem, embarcando em suas legendas, como na postagem publicitária do Ketchup Berenice, marca do universo ficcional, em que uma seguidora comenta: “Quem te chamou de ex estrela mirim de 150 anos atrás, tá é maluca da cabeça!!! Vc é mais que o sol, é uma estrela”, mostrando apoio a personagem e aos comentários raivosos que ela recebe de outras celebridades na ficção. Figura 03 Feed de @samantharealoficial Nota. Captura de tela feita pelos autores (Samantha!, s.d.-a) Percebemos também que a Netflix busca vender sua própria imagem a qualquer oportunidade, como exemplo a postagem em boomerang de lançamento da segunda temporada, em que a protagonista aparece de vermelho e no texto de legenda está escrito “E sim estou de vermelho 61 para você não esquecer que É NA NETFLIX!!!!”. Nesta postagem, os fãs interagem com a página da personagem, perguntam se Samantha participará do programa A Fazenda (RecordTV, 2011-Presente), mandam mensagens de amor, dizem que já fizeram binge-watching da série, etc. É interessante observar que além de compreender do universo ficcional e comentar sobre ele, os usuários relacionam com os programas de tevê contemporâneos, introduzindo o real no contexto, ressignificando a ficção. O que nos leva ao entendimento de outra dimensão, a linguagem. No que se refere à linguagem usada em Samantha!, os usuários conseguem entender os códigos das mensagens e o que eles representam. Também assimilam que o perfil de Samantha é uma forma de comunicação expansiva da Netflix e interagem com ele a partir da linguagem mais recorrente da série: a sátira. Tais usuários estabelecem ligação da série com outras narrativas e signos comumente presentes na memória coletiva brasileira, como o jogador famoso de que faz um “futebol diferente” ou a fama que as assistentes de palco da apresentadora Xuxa Meneghel, as Paquitas, possuíam na década de 1980. A própria Netflix trabalha com a abordagem próxima da Xuxa e Chacrinha e os fãs interagem denominando de “universo paralelo”. Em um vídeo publicado no Instagram, existe uma entrevista realizada pelo ator Pedro Bosnich com a personagem Samantha, o diálogo é o seguinte: Pedro Bosnich: Vamos fazer uma brincadeira, rapidinho. Chacrinha ou Luciano Hulk? Samantha: Chacrinha. Pedro Bosnich: Atari ou Playstation? Samantha: Atari, com certeza. Pedro Bosnich: Paquitas ou as Kardashians? Samantha: Paquitas, claro. Se eu não fosse da Turminha Plimplom eu queria muito ser uma. A Xuxa sabe, eu até falei isso pra ela 62 quando eu era criança. Mas eu já tinha um show só meu, né, não tinha sentido ser paquita. (Instagram @samantharealoficial). Com esse diálogo, vemos que é da própria produtora e distribuidora evocar uma linguagem intertextual com apropriação e ressignificação do contexto nostálgico. No que se refere a dimensão da estética, os fãs compreendem as referências aos programas brasileiros infantis da década de 1980 que estão na série: Bozo (Rede Record [1980–1981]; TVS/SBT [1981–1991/2013]), Turma do Balão Mágico (Rede Globo, 1983–1986), Xou da Xuxa (Rede Globo, 1986–1992), Clube da Criança (Rede Manchete, 1983–1998), Show Maravilha (SBT, 1987–1998), entre outros. Isto é perceptível na postagem de Dia dos Namorados, em que Samantha celebra o amor próprio. Na foto, ela está com roupa de ginástica. Na legenda, está escrito “Nesse Dia dos Namorados vou me dedicar a quem realmente importa: eu mesma! Lembrem-se, Plimplons, antes de amar alguém, é preciso amar a si mesmos!!!!!!! #LoveYourself #TrueLove #WorkOut #WorkHard #MeuCorpoMeuTemplo”. Nos comentários, os fãs entenderam a referência ao primeiro disco do Xou da Xuxa (Som Livre, 1986). Uma usuária escreveu “Estilo Xuxa só para baixinhos”, outro apontou “Muito SHOW DA XUXA SIM”, e ainda outra propôs “Essa pose daquela capa de disco horrenda com a Xuxa de blusa transparente sem sutiã! Kkkkkkkkkkkkkk”. Para além disto, as cores, os cenários, figurinos, coreografias, escolhas gráficas e textuais evocam uma compreensão estética nostálgica sobre os anos 1980 e os fãs demonstram capacidade para relacionar a tais elementos com outras manifestações artísticas, percebendo influências mútuas. 63 Figura 04 Postagem de @samantharealoficial Nota. Captura de tela feita pelos autores (Samantha!, 2018) Figura 05 Capa do Disco Xou da Xuxa (Som Livre, 1986) Nota. Captura de tela feita pelos autores do site Amazon.com.br. (“Xou Da Xuxa 1 [CD]”, s.d.). 64 Unidas a essas três dimensões, é perceptível que a o engajamento que se forma a partir da interação com o perfil do Instagram se congratula como uma estratégia de social TV, iniciada pela Netflix e reverberada pelos fãs. Este suporte auxilia a compreensão e expansão do rico universo ficcional da série, que os fãs desenvolvem a partir da realidade que a televisão brasileira viveu na década de 1980. Aqui, a prática de social TV definida anteriormente por Sigiliano e Borges (2017), Almeida (2018) e Fechine (2017) se mostra interessante para pensar o encontro de espectadores de Samantha! nas redes sociais, em que eles não só interagem entre si como também conversam com uma amplificação da construção da personagem. Em suma, pudemos perceber que a Netflix se assegura na ideia de um perfil que compartilhe uma expansão transmidiática do universo ficcional de Samantha!, em que os fãs podem interagir com as publicações e a protagonista, criando um ambiente de social TV. No que tange à literacia midiática, no âmbito da tecnologia, existe a utilização de redes sociais de maneira coordenada, gerando engajamento com a audiência; no âmbito da linguagem, a ficção mostra um contrato com gestos nostálgicos dos anos 1980 e o público que viveu ou que consumiu produtos midiáticos da época, o que é possível verificar a partir dos comentários nas postagens; já em quesitos de estética, é perceptível uso de escolhas gráficas, textuais e elementais para solicitação de um consumidor que desvende aqueles signos. Considerações Finais Diante do panorama apresentado a partir da análise, entendemos que a produção da série, através do perfil da personagem ficcional 65 Samantha, busca o retorno do público em suas interações na social TV. Neste caso, o conteúdo na internet atua, de forma transmidiática, a expandir os episódios disponíveis no streaming e engajar o público, numa experiência estética e televisiva mais aprofundada. Segundo Sigiliano e Borges (2019, p. 257), esse tipo de uso estratégico de outras mídias, contribui para a “perpetuação e verossimilhança do universo ficcional das narrativas seriadas televisivas”. A competência midiática é exercida pelos produtores da série e pelos fãs, que são compelidos a acionar seu arcabouço midiático para interagir com as publicações de Samantha! no Instagram. Apesar de restrita aos comentários e sem possibilidade de criação que não sejam textos e emojis, a produção criativa não fica limitada por parte dos fãs. Além de entender as referências nostálgicas como a pose da Xuxa na capa do disco Xou da Xuxa, os fãs realizam novas intertextualidades como ironizar a roupa colada em uma apresentadora infantil relacionado ao projeto pré-escolar Xuxa Só Para Baixinhos. O que demonstra que existe, ainda, um caráter crítico no consumo daquele produto audiovisual. Ainda, as ações de social TV de Samantha! contribuem diretamente para a expansão do universo narrativo que envolve a trama, personificando a protagonista de forma verossímil e ressignificando acontecimentos dos episódios, fazendo relações com o momento midiático televisivo, criando memes que ironizavam alguns hábitos de pessoas não-nativas digitais. A partir da análise das estratégias de social TV, percebe-se que a intenção dos produtores foi ir além do simples anúncio da série e seus episódios. Cada postagem tem intencionalidade 66 no que tange a compreensão e ressignificação dos arcos da série e a fidelização do público. Apostar neste tipo de interação, principalmente nas séries nacionais, demonstra a importância do impacto que a segunda tela pode ter na perpetuação de um conteúdo e no desenvolvimento de competência midiática no público, levando em conta o ambiente de convergência midiática e da cultura participativa que vivemos. Referências Almeida, M. R. O. (2018). O comportamento multitela na TV social: um estudo das práticas midiáticas em torno de The Voice Brasil e MasterChef Brasil [Tese de doutorado, Universidade Federal Fluminense]. https://app.uff.br/riuff/handle/1/15693 Fechine, Y. (2017). TV Social: contribuição para a delimitação do conceito. Contracampo, 36(1). Ferrés, J., & Piscitelli, A. (2015). Competência midiática: proposta articulada de dimensões e indicadores. Lumina, 9(1). https:// periodicos.ufjf.br/index.php/lumina/article/view/21183 Jenkins, H. (2009). Cultura da Convergência. Editora Aleph. Jenkins, H. (2015). Invasores do texto: fãs e cultura participativa. Marsupial Editora. 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O objetivo dos “coveteiros”, como se denominam os jogadores, é criar o “estilo” de um avatar do sexo feminino, denominado de “doll”, escolhendo o modelo e a cor do cabelo, a cor da pele, a maquiagem, as roupas da boneca, criar casas e realizar desafios em conjunto. Entretanto, existe uma criação de conteúdo que extrapola o aplicativo, gerando produções em outras redes sociais e plataformas. 1. 2. Doutoranda no PPGCOM/UFJF, bolsista CAPES. [email protected] Doutoranda no PPGCOM/UFJF, bolsista CAPES. [email protected] 70 No Facebook, por exemplo, encontram-se diversos grupos privados, cujo objetivo é, coletivamente, criar “tendências” e “clones”. Um desses grupos é o CVD3. A cada desafio que é lançado no jogo, os administradores criam uma postagem para que os integrantes publiquem nos comentários como irão “montar” seus avatares. Depois, observam quais as peças de roupa e outros detalhes são necessários, criando uma nova postagem com as “tendências” daquele desafio. Assim, percebemos que os participantes do Covet Fashion acabam criando comunidades de fãs, que se inserem em um universo transmídia, um ambiente explorado por diferentes mídias e meios e que necessita da participação ativa do usuário. Em uma esfera transmidiática, existe uma certa lógica de produção e recepção do processo comunicacional, provocada a partir da criação e compartilhamento de conteúdos em diversas plataformas com a participação do público. É um processo colaborativo, que Jenkins et al. (2015) chamam de cultura da participação. Acreditamos que esses jogadores e jogadoras desenvolvem habilidades críticas e produtivas acerca deste jogo. Por isso, recorremos ao conceito de literacia midiática, ou seja, a capacidade dos indivíduos em compreender a linguagem das mídias, interpretá-las e produzir reflexões e conteúdos a partir delas, e o conceito de literacia transmídia, que analisa como os indivíduos estão utilizando as mídias, levando em conta que eles são prosumers, capazes de criar e compartilhar conteúdos em vários níveis de complexidade. Dessa forma, nosso problema de pesquisa é: quais são as principais competências adquiridas por 3. Por ser um grupo formado de forma privada, as autoras preferiram preservar o nome do grupo. 71 esses jogadores do Covet Fashion ao criarem uma comunidade em um ambiente transmidiático? Para respondê-la, iremos realizar o recorte do desafio do jogo denominado “Heroínas Literárias” e, como metodologia, optamos em utilizar a análise de competências transmidiáticas, sobretudo no âmbito da: gestão de conteúdos; mídia e tecnologia; e, narrativa e estética. Nisto, as estratégias informais de aprendizagem propostas por Scolari (2018) se fazem presentes. Acreditamos que as comunidades criadas em redes sociais, como o Facebook, possibilitam que os participantes desenvolvam seu senso crítico relativo a diversos aspectos do jogo e também da sociedade. Narrativas Transmídia, Comunidades Online e Cultura da Participação A narrativa transmídia cresce na cultura da convergência a partir dos dispositivos conectados à internet, sendo uma forma de narração multiplataforma que se personifica a partir da cultura da participação, ou, existem diversas narrativas complementares sobre um mesmo universo ficcional em mídias variadas que se tecem a partir da interação. Diferente de modelos narrativos habituais, os universos transmidiáticos tendem a ter um alto grau de complexidade devido a quantidade de plataformas e multiplicidade de abordagem das temáticas, personagens e mundo ficcional (Gosciola, 2014; Massarolo, 2013). Na perspectiva de Massarolo (2013), o fenômeno possui duas apropriações chaves, a ressignificação de narrativas matrizes a partir de fãs e a expansão de um universo como principais táticas de empresas que trabalham com narrativas, seja com filmes, séries de televisão ou 72 jogos. A perspectiva de transmidiação que temos como objeto, os grupos de Facebook formados por fãs do Covet Fashion, nasce nos consumidores e essa expansão de universo ficcional a partir dos fãs não é uma grande novidade nos estudos de transmidiação, todavia, o que vemos são reconfigurações do fenômeno. O modelo transmídia de contar histórias emergiu com a tevê contemporânea estadunidense, sobretudo no início dos anos 2000, com o desenvolvimento das tecnologias de reprodução e armazenamento de dados, aliado aos dispositivos conectados à internet com programas de edição de texto, imagem e vídeo. Com cenas gravadas, os espectadores tinham como repetir o que era veiculado e conduzir u0m olhar atento para as tramas, o que fez roteiristas conseguirem inovar no que diz respeito a complexidade narrativa dos conteúdos (Massarolo, 2013; Mittell, 2012), dando mais espaços para fãs fabularem sobre o que assistiam. Essas especulações eram compartilhadas em comunidades e fóruns virtuais. Após gravar uma cena de uma ficção seriada e poder revê-la, o fã alcançava um potencial para criar novas histórias a partir de uma narrativa matriz (Massarolo, 2013). Escrever uma fan fiction (ou: ficção de fã, fanfic, fic) é um fenômeno comum na cultura da participação. Ou seja, a partir do produto audiovisual, eram escritos roteiros amadores de como aquela história poderia ser continuada, ou até de como os atores interagiam em bastidores e na vida comum (Doneda, 2016). O shipp é uma marca nesse universo, em que além de combinar os nomes dos personagens ou atores, eram criadas relações amorosas entre os casais, para fora do universo ficcional, proposto inicialmente pela trama base. 73 O conceito de transmedia storytelling, traduzido para o português como “narrativa transmídia”, foi cunhado por Jenkins (2008) e resumidamente se refere a ação de contar histórias através de vários tipos de mídias. Dois caminhos comuns são galgados na transmidialidade: o desdobramento da história base em outras mídias e a criação de franquias de conteúdo. O fenômeno pertencente à cultura da convergência, outro conceito de Jenkins, é específico de um contexto multiplaforma e supõe a interatividade e compartilhamento de histórias. Contar histórias é um ato milenar da cultura humana, afinal, narrar fatos cotidianos e embates da vida para alcançar sentido ao lado de outras pessoas não é algo novo pois a presença do grupo está desde os primórdios. O que acontece no contemporâneo é que, com as plataformas midiáticas, as histórias têm potencial de chegar a um grupo maior de pessoas que interagem. Desta maneira, o ato de contar histórias, comum da convivência em grupos, se reconfigura na cultura da convergência para um ato de narração específico de plataformas midiáticas que supõem a interatividade. Assim, a arte milenar de contar histórias é submetida a uma série de choques e tensões que reconfiguram e atualizam o modelo narrativo tradicional, fazendo dessa nova forma narrativa uma ferramenta de inovação e de mudanças, capaz de estimular o crescimento e a expansão das sociedades em rede, além de exercer uma influência decisiva para o surgimento e a consolidação da cultura participativa. (Massarolo, 2013, pp. 338-339) Existe uma relação diferente entre produtores e consumidores de conteúdos, ou, um estreitamento de laços por parte da audiência, devido às trocas nas comunidades de fãs, grupos de conversa de aplicativos, 74 fóruns, sites específicos sobre o tema, etc. A transmidialidade é, antes de mais nada, fruto de uma cultura da participação. O hábito de compartilhar opiniões e inquietações em fóruns e comunidades online ganharam proporções maiores com a presença da internet nos lares, permitindo o acesso de fãs à computadores, desktops e depois em dispositivos móveis de uso individual. A imersão profunda nas obras matrizes impulsiona o consumidor para além de uma prática solitária de significações. Grandes arcos e núcleos narrativos exigem atenção e competência e, hoje, essa cognição está entranhada em nosso modo de ver (Massarolo, 2013). Mas, quando as narrativas complexas surgiram, ou até narrativas folhetinescas estavam em alta no período, os consumidores compartilhavam suas impressões e ouviam as de outras pessoas. A imersão das audiências oferece uma nova perspectiva para a história, sobretudo às tramas abertas, em que os profissionais de comunicação social ficam atentos às redes de compartilhamento para entender como os fãs querem que o enredo caminhe. Sendo assim, a cultura participativa é fundamental em um contexto de transmidialidade. Lost (ABC, 2004-2010) foi um marco nos estudos de transmidialidade na cultura estadunidense, visto que existiam lacunas no roteiro a serem preenchidas pelos espectadores. Segundo Johnson (2009a), Lost trabalha com pistas e lacunas para que os consumidores fabulem o que está acontecendo no programa, tanto sobre os personagens, quanto sobre o mundo ficcional. Também abrem espaços para discussões sobre as diretrizes que aquele gênero está sendo levado, ou, se é possível prever algo seguindo a lógica de regras de um gênero audiovisual anteriormente conhecido. Na rede social Orkut, que não está mais no ar, ou nos sites de fãs, pessoas se reuniam para discutir essa e outras ficções. 75 Ativos e curiosos, os espectadores participam de um dilema de estratégia transmídia a partir da imersão e dispersão textual. A imersão transporta o espectador para uma dimensão lúdica do universo ficcional e a dispersão é o motor que aproxima os consumidores da expansão do universo em outras plataformas. Lost é uma espécie de ficção que solicita do espectador uma cognição para resolução de problemas em formato de quebra-cabeça, em que o auxílio e as trocas são bem vindas. As lacunas incentivam os usuários a buscar entendimento. Especular o universo ficcional por parte dos consumidores dá às obras maior abrangência, sendo uma ficção transmídia estendida e melhor compreendida em grupos. Neste percurso de trocas e criação de enredos a partir da matriz, existem ambiguidades a serem percebidas em conjunto. Lembrando que não é necessária uma narrativa complexa ou um mundo ficcional enigmático para existir transmidiação, apesar de ser comum que isso aconteça nesses contextos. Os integrantes das comunidades trabalham em conjunto para resolver enigmas, acumulam informações e desenvolvem competências específicas para análise das obras. Literacia Transmídia e suas Competências Atos educativos tendo as plataformas midiáticas como base é uma premissa eficaz, sobretudo se há envolvimento de interatividade, o que promove maior cognição sobre um assunto por parte dos estudantes. De acordo com Scolari (2018), a abordagem inicial da literacia midiática, em meados da década de 1960, influenciada pelos estudos da teoria crítica, apontava que as mídias traziam efeitos apenas negativos nas crianças e adolescentes e estes precisavam defender-se. Com o passar do tempo e as novas mídias surgindo, percebeu-se que seria 76 inviável afastar as plataformas desses jovens, além de que, se bem trabalhadas, elas poderiam incentivar e aumentar o nível de aprendizado. Sendo assim, a educação midiática que os pais receberam foi dosar o uso das plataformas e aplicativos de mídia, prevenindo riscos e motivando o lado positivo que tais usos poderiam trazer. Com o tempo, os jovens e adultos adquirem competências para acessar e produzir dentro dessas mídias. Entretanto, nem sempre as competências adquiridas empiricamente são suficientes para se posicionar e fazer uso completo das ferramentas. Os estudos em literacia midiática auxiliam nesse quesito. Neste contexto, a literacia midiática pode ser definida como “uma combinação de conhecimentos, habilidades e atitudes consideradas necessárias para um contexto determinado” (Ferrés & Piscitelli, 2015, p. 3), ou, “a capacidade de acessar, analisar, avaliar e criar mensagens através de uma variedade de contextos diferentes” (Livingstone, 2004, p. 5). Sendo assim, ter competências com uma mídia significa que o usuário é capaz de acessá-la através do dispositivo que prefere, entender o conteúdo que está sendo proposto, ter uma visão crítica sobre o assunto e, se quiser, responder ou criar novos conteúdos para a mesma plataforma. As formas de literacia midiática do contexto contemporâneo já receberam vários nomes, como literacia digital, literacia da internet e até nova literacia midiática. A dimensão da literacia midiática que nos é cara e que utilizaremos na análise do objeto é a literacia transmídia. Segundo Scolari (2018), a literacia transmídia vai um pouco além das competências midiáticas regulares, pois se desenvolve no contexto da cultura colaborativa, que está dentro do nosso recorte de pesquisa. Não é uma questão de rejeição do conceito que veio anteriormente, e sim de expandir e complementar as metodologias e abordagens a partir 77 do cenário midiático colaborativo. Nas palavras de Scolari (2018, p. 4), “a Literacia Transmedia é entendida como um conjunto de capacidades, práticas, valores, sensibilidades e estratégias de aprendizagem e intercâmbio desenvolvidas e aplicadas no contexto das novas culturas colaborativas”. Tal ponto de vista considera prioritariamente o que as pessoas fazem com as mídias, os entendendo como prosumers que criam conteúdos de diferentes níveis de complexidade. É sobre educar pessoas em relação ao agir com as mídias, mas, para além disso, entender como as mídias são usadas fora da sala de aula e como estes aprendizados podem ser incorporados no ensino. Desta maneira, enquanto a literacia midiática lida com a imprensa, o audiovisual e o digital, a literacia transmídia aborda redes digitais, mídias interativas e processos transmidiáticos. Além disso, enquanto a literacia trabalha com leitores e escritores críticos e a literacia midiática com o ato de desenvolver consumidores e produtores críticos, a literacia transmídia se preocupa com consumidores que também sejam produtores críticos. No ensino, existem direcionamentos das ações em sala de aula: na literacia, é do professor (topo) para os alunos (base); na literacia midiática, é do topo para base, e depois, da base para o topo; e por fim, na literacia transmídia, o primeiro episódio de troca entre aluno e professor é da base para o topo, depois é que acontece o processo do topo para a base. Isso ocorre porque o interesse da literacia transmídia está em primeiro lugar para o que acontece fora da sala de aula, em um contexto de aprendizagem que vai do informal para o formal, onde o professor não é nem uma autoridade no conhecimento, nem um mediador que cria experiências de aprendizagem com e através 78 das mídias, mas sim um facilitador de conhecimentos, ou um tradutor cultural (Scolari, 2018). Na pesquisa de Scolari existe uma investigação que busca responder o que os jovens estão fazendo com as mídias disponíveis e como eles aprendem a usar e criar para elas. A pesquisa envolveu mais de 50 investigadores de 10 instituições em 8 países entre os anos 2015 e 2018. Os participantes eram jovens entre 12 e 18 anos, que estudavam em variadas escolas, pública/privada, urbana/rural, escolas high tech/ escolas e possuíam rasos recursos tecnológicos, dentre outros aspectos.. Foram preenchidos 1.633 questionários, realizadas 311 entrevistas e 58 workshops sobre videogames e cultura da participação. Os resultados apontam que, com o acesso à internet, os jovens utilizam as mídias para jogar, escrever e ler fanfictions, compartilhar e visualizar fotos e vídeos no YouTube ou em plataformas de mídias sociais como o Instagram e Facebook, e até marcar encontros em eventos relacionados com seus personagens e mundos ficcionais preferidos. Estes quesitos foram definidos como competências ou capacidades transmidiáticas. Nas palavras do autor, As capacidades transmediáticas são uma série de competências relacionadas com a produção, partilha e consumo de media digitais interativos, que vão desde processos de resolução de problemas em videojogos até à produção e partilha de conteúdo em plataformas web e redes sociais. A criação, produção, partilha e consumo crítico de narrativas (fanfiction, fanvids, etc.) por adolescentes também fazem parte deste universo (Scolari, 2018, p. 8). As competências variam de níveis dependendo da pessoa. Um indivíduo pode ter alta capacidade criativa para escrever a extensão 79 do universo ficcional, enquanto que outro é bom em analisar criticamente as mensagens que estão expostas, e ainda outro pode ter facilidade em editar vídeos com curiosidades sobre o mundo, etc. O nível de competência crítica desenvolvida pelo público da pesquisa nas redes sociais é menor do que o nível de produção, sendo assim, é mais fácil encontrar em sala de aula alunos que produzem bem do que estudantes com alta capacidade crítica ideológica e ética. De toda forma, existe uma grande gama de práticas, conflitos e colaboração no meio transmídia. As competências transmidiáticas são divididas em 9 dimensões: Produção; Prevenção de risco; Performance; Gestão individual, Gestão social; Gestão de conteúdos; Mídia e tecnologia; Ideologia e ética; e Narrativa e estética, incluindo cada uma delas 44 competências principais e 190 específicas. Neste cenário, as estratégias informais de aprendizagem são 6: aprender fazendo, resolver problemas, imitar/simular, jogar, avaliar e ensinar. O ambiente de aprendizagem informal em diferentes contextos tem ganhado espaço na vida dos jovens, seja individualmente ou em grupo. O que queremos aqui é identificar quais configurações de aprendizagem informal têm sido utilizadas nas comunidades de fãs do Covet Fashion. Reconhecemos que práticas como jogar videogames, escrever fanfictions, fazer cosplay ou partilhar memes é parte de uma cultura complexa e com muitas facetas. Nisto, as estratégias informais de aprendizagem propostas por Scolari se fazem presentes. Dos parâmetros propostos pelo autor, optamos por utilizar três dimensões: Gestão de conteúdos, Mídia e tecnologia e Narrativa e estética. Tais parâmetros foram escolhidos por causa do objeto a ser analisado. Acreditamos que seja o suficiente para compreensão de como as comunidades online do Covet Fashion têm se configurado. 80 Covet Fashion: produzindo moda de forma colaborativa O Covet Fashion é um jogo mobile que permite aos usuários criarem o estilo de uma doll, escolhendo suas características físicas e roupas. Em cada desafio, existem algumas peças obrigatórias e outras que são de escolhas livre dos jogadores, sendo que as roupas, acessórios e outros itens podem ser adquiridos com as moedas de troca do jogo, o dinheiro cover (ou cash) e os diamantes. Atualmente, o jogo está no nível 113 e, a cada nível conquistado, premia-se os participantes com novos tipos de cabelo e maquiagem, além de 500 diamantes. Mais do que jogar individualmente, os jogadores podem ingressar em “Casas da Moda”, onde disputam o “Rali das Passarelas”. Ali, realizam um número estipulado de desafios para ganhar mais prêmios. Muitas vezes, acabam criando comunidades em outras plataformas e redes sociais, como Whatsapp e Facebook, onde traçam estratégias para finalizarem o rali. Assim, os coveteiros4 produzem conteúdos que extrapolam o aplicativo de celular, gerando assuntos em outros ambientes. Essa produção coletiva ajuda os participantes a crescerem no jogo e subirem de nível. Essas comunidades são criadas não só para a constituição de grupos de rali, mas também para a troca de conteúdos entre todos os participantes do jogo. Percebemos que na rede social Facebook a interação entre os indivíduos é ainda maior. Ao buscarmos grupos com o termo “Covet Fashion” nessa rede, encontramos 2545 grupos nacionais e internacio- 4. 5. Utilizaremos os termos “coveteiros”, “usuários” e “jogadores”, para respeitar a norma culta, porém gostaríamos de ressaltar que a maioria desse público é feminino. Levantamento realizado no dia 27 de setembro de 2022 81 nais, que podem chegar a até 74 mil membros. Nessas comunidades, os jogadores e jogadoras criam conteúdos coletivos e, principalmente, tendências e clones. As tendências seriam as peças de roupa, cabelo e maquiagem que estão sendo mais utilizadas pelos jogadores e que, provavelmente, irão proporcionar uma boa nota no desafio. Já os clones são cópias fiéis dessas tendências. Assim, em um clube de clones, por exemplo, os participantes devem criar no jogo bonecas idênticas às que são compartilhadas no grupo. Contudo, nem sempre as “tendências” para alcançar uma boa nota no desafio são seguidas. Alguns trazem problemáticas ideológicas e sociais que despertam certa discordância entre usuários, desencadeando tendências denominadas de trolls. Esses seriam avatares que fogem da descrição do desafio, feitos como forma de protesto dentro do jogo. Para otimizar as tendências dos jogos, os grupos colaborativos desenvolveram um método. O grupo que aqui denominamos CF6, com 21 mil membros, funciona da seguinte forma: a cada desafio que é lançado no Covet Fashion, as administradoras criam uma postagem para que todos os integrantes publiquem nos comentários como irão “montar” seus avatares. Depois, elas observam quais são as peças de roupa, acessórios, cabelos, maquiagem e tons de pele mais recorrentes, produzindo uma nova postagem com as tendências daquele desafio. Assim, todos os jogadores desempenham um papel neste grupo. Jenkins, Green e Ford (2015) destacam que os sinais da cultura da participação sempre esteve presente na sociedade, mas as tecnologias 6. Por se tratar de um grupo privado, as autoras preferiram não preservar seu nome oficial. Assim, em todas as imagens aqui compartilhadas, o logotipo do grupo e o nome dos participantes foram ocultados. 82 atuais contribuíram para intensificar esse processo, já que o público hoje possui maior acesso às ferramentas de produção e consumo, além da maior circulação de informações. Segundo os autores, os conteúdos produzidos por uma empresa, ou por um jogo, como o Covet Fashion, incentivam a produção de conteúdo pelos usuários, podendo sofrer também alterações. Existiria, assim, uma cultura de trabalho coletivo, mesmo que nem todos produzissem os conteúdos. Afinal, quem executa necessita de um público alvo. Desta forma, mesmo aqueles que apenas consomem o conteúdo no grupo desempenham um papel importante. Todos são essenciais para o resultado final. Percebemos que o grupo CF é uma comunidade de jogadores prosumers, pois ao mesmo tempo em que realizam ações no jogo, elaboram produtos, gerando conteúdos no Facebook. Dessa forma, nos interessa neste trabalho compreender as capacidades transmidiáticas desses prosumers. Para isso, iremos analisar o desafio “Heroínas Literárias” buscando observar como os integrantes do grupo consumiram e produziram a partir dele. Análise do Desafio “Heróinas Literárias” Foi em abril de 2022 que o jogo Covet Fashion lançou a série de desafios “Heróinas Literárias”. Foram sete desafios divulgados entre os dias 12 e 18 de abril, na estação primavera e, em cada um deles, os jogadores construíram uma doll que seria a personagem protagonista de livros. Na figura 1, você encontra a chamada da série de desafios compartilhada no aplicativo do jogo. 83 Figura 1 Chamada da Série “Heroínas Literárias” no Covet Fashion Aplicativo Covet Fashion (https://www.covetfashion.com) Após essa divulgação, integrantes do grupo CF já criaram uma postagem sobre a série, destacando os prêmios, buscando o diálogo com outros participantes do grupo e convidando todos a acompanharem as tendências dos desafios e a dividirem sua opinião sobre os mesmos: A nossa tão esperada série literária chegou!!!! A série “Heroínas Literárias” está entre nós e, como de costume, trouxe uma peça CC junto! Tá passada? Eu tô é babando na lindeza desse chapéu, bem no estilo Jane Austen. [...] Então não vai dar mole, né? Corre aqui no Dreams para ver as tendências e vamos conquistar esse pódio! Conta pra gente, o que acharam das novidades? Estão animados? [sic] (D.C, 2022) 84 A arte elaborada para essa postagem foi uma união da chamada da série no aplicativo, os prêmios para quem a finalizasse, além de uma peça nova e que estava em destaque no jogo, que é denominada de C.C. (Foto 2). Figura 2 Primeira publicação sobre a série “Heroínas Literárias” no grupo CF Nota. Por se tratar de um grupo privado, as autoras preferiram preservar o nome e o endereço eletrônico do grupo CF. (Grupo CF, 12 de abril de 2022, https://www. facebook.com/). O primeiro desafio da série foi denominado de “O chamado do Amor”, que referenciava a personagem Jane Eyre, do livro de mesmo nome, escrito por Charlotte Brontë . No grupo CF, foi publicado um convite para que os usuários compartilhassem suas criações dessas dolls (Figura 3). Foram 54 comentários no total, incluindo os prints de bonecas feitas no aplicativo, dúvidas de alguns integrantes e o selo “Você virou tendência” compartilhado pelas mediadoras do grupo. 85 Figura 3 Publicação do convite para o desafio “O chamado do Amor” no grupo CF Nota. Por se tratar de um grupo privado, as autoras preferiram preservar o nome e o endereço eletrônico do grupo CF. Fonte: Grupo CF, 12 de abril de 2022. (https:// www.facebook.com/). Todos os visuais que foram tendência foram publicados em um segundo momento (Figura 4). São destacados os “looks mais vistos” e as peças em alta. Além disso, nessas tendências, normalmente existem sugestões de peças de roupas CC OOS, que são peças de estações antigas. Nos comentários das tendências, as administradoras também destacam os tipos de maquiagens e cabelos mais indicados para o desafio, de acordo com cada nível do jogo. Esse mesmo processo seguiu-se para cada um dos desafios: “Um amanhã”, destacou a personagem Sethe, do livro “Amada” (Toni Morrison), “Reescrevendo as regras”, referenciou Katniss Everdeen, da saga “Jogos Vorazes” (Suzanne Collins); “Longe de Casa”, trouxe a personagem Dorothy, de O “Mágico de Oz” (L. Frank Baum); “Dinheiro e Matrimônio” destacou uma personagem não identificada; “Histórias sentimentais” se referiu a Jo March, personagem do livro “Mulherzinhas” 86 (Louisa May Alcott); e “Doce e Amargo” trouxe Arwen, personagem do livro “O Senhor dos Anéis” (J. R. R. Tolkien). Todas as personagens foram identificadas pelos próprios membros do grupo, pois o jogo não deixou claro quem era cada uma delas. Figura 4 Publicação das tendências para o desafio “O chamado do Amor” no grupo CF Nota. Por se tratar de um grupo privado, as autoras preferiram preservar o nome e o endereço eletrônico do grupo CF. Fonte: Grupo CF, 12 de abril de 2022. (https:// www.facebook.com/). Além disso, houve uma publicação que buscava explicar um pouco mais sobre as personagens e os livros dos desafios. Essa é uma prática recorrente do grupo. Porém, nessa série em específico, foram elaborados conteúdos apenas do primeiro e do segundo desafio. P.C., autora do post, destacou que ele foi criado a partir da solicitação de uma das integrantes. Dessa forma, percebemos que os integrantes do grupo CF adquiriram competências transmidiáticas relacionadas à produção, o consumo e a pós-produção de mídia. Assim, como já foi comentado, iremos agora 87 analisar essas competências a partir de 3 das 9 dimensões propostas por Scolari: Gestão de conteúdo, Mídia e Tecnologia e Narrativa e Estética. Figura 5 Publicação sobre os desafios 1 e 2 no grupo CF Nota. Por se tratar de um grupo privado, as autoras preferiram preservar o nome e o endereço eletrônico do grupo CF. Fonte: Grupo CF, 12 de abril de 2022. (https:// www.facebook.com/). A dimensão Gestão de conteúdo é subdividida em três capacidades principais: Pesquisar, selecionar e descarregar; Gerir arquivos de conteúdos; e Gerir a partilha e a disseminação de conteúdos. Devemos observar como os integrantes do grupo administram o conteúdo ali compartilhado, individualmente e em grupo. O que percebemos é que as administradoras e moderadoras, pois são todas mulheres, possuem um papel fundamental e desenvolvem essa capacidade de uma forma contínua. Primeiramente, em todos os desafios, elas olham cada uma das dolls compartilhadas pelos integrantes e decidem quais delas são as que mais se aproximam de ser uma “tendência”. A partir disso, selecionam as bonecas escolhidas e 88 as compartilham com os usuários, através da construção de uma nova imagem gráfica, fechando um ciclo. Observamos que é necessário que as administradoras tenham um olhar crítico sobre qual visual se aproxima mais do ideal desejado pelo jogo. Já os outros integrantes copiam ou se inspiram nesses visuais para criar suas dolls, necessitando também de uma consciência crítica sobre o que é necessário ou não seguir. Como todas as peças do jogo são compradas por cash ou diamante, às vezes é necessário adaptar o visual da doll para uma versão mais simples e diferenciada. Nesse processo ocorre não só uma pesquisa e seleção de conteúdo, como também a necessidade desses prosumers gerirem arquivos e utilizarem, no mínimo, duas plataformas (o aplicativo Covet Fashion e o Facebook) para se comunicarem. Eles necessitam capturar a tela do celular, em que está a imagem da doll, e colar nos comentários da postagem, no Facebook. Já as administradoras e moderadoras, 10 no total, irão utilizar uma terceira ferramenta para construir a imagem gráfica das tendências (Figura 4). Elas compartilham a função, sendo os designs construídos por diferentes membros. Além disso, na publicação sobre os desafios 1 e 2 (Figura 5) fica claro que existe uma busca da comunidade por conteúdos mais completos e aprofundados sobre as personagens principais. Ali, P.C. (2022) disserta mais sobre os livros, destaca curiosidades e ainda convida os integrantes do grupo a compartilharem suas opiniões nos comentários: Uma nova série está entre nós, trazendo à luz livros e personagens icônicos da literatura. A sonhadora D.A deu a ideia e a gente não resistiu de falar um pouquinho mais sobre essas inspirações. Vem com a gente! Jane Eyre é, junto de Orgulho e Preconceito, de Jane Austen, um dos romances mais famosos do mundo. Você já leu 89 algum deles? Gosta desse estilo de leitura? [...] E ai, sonhadores, o que acharam das escolhas da Dona Covet? Confesso que estou impactada e já aumentando a minha lista de livros para ler. Conta aqui para gente que livros você gostaria de ver homenageados na série, se já leu Jane Eyre e Beloved... vem bater um papo! Vemos assim como, primeiramente, é destacado que a ideia de criar o conteúdo foi de outra integrante do grupo. Além disso, P.C. convida os outros usuários a compartilharem suas opiniões acerca do jogo e, principalmente, dos livros. Dessarte, a comunidade administra a partilha e a disseminação dos conteúdos. Porém, como a maior parte fica nas mãos das administradoras e moderadoras, são elas que possuem a função de liderar e coordenar, chamando os outros integrantes para a ação: comentar e compartilhar, principalmente. A segunda dimensão que iremos analisar é Mídia e Tecnologia, com as capacidades: Reconhecer e descrever; Comparar; Avaliar e refletir; e Tomar decisões e aplicá-las. Aqui, devemos perceber como os integrantes da comunidade Covet interagem com as tecnologias e com as mídias que entram em contato. Percebemos que os integrantes do grupo CF possuem uma capacidade crítica ao reconhecer que o jogo Covet Fashion é um game tendencioso, necessitando, assim, que os jogadores criem dolls específicas para ter uma boa pontuação. Assim, através de estratégias informais, foram capazes de criar um sistema próprio, utilizando diferentes aparatos tecnológicos, para desenvolver as dolls que são tendências e compartilhá-las. Os indivíduos souberam, desta maneira, desenvolver um sistema próprio, avaliando e refletindo sobre as regras do jogo, e aplicá-lo. Todavia, para isso, necessitam da participação de todos. Inclusive, em outros desafios, percebemos a utilização 90 das dolls trolls. Quando os jogadores não se sentem confortáveis com determinadas regras do jogo, elas elaboram bonecas com tom de chacota e zombaria (Reis, 2021). Já dentro do jogo, os usuários devem ser capazes de compreender qual as necessidades de cada desafio e, no grupo do Facebook, compartilham suas decisões com os demais. Percebemos que os participantes conseguem reconhecer quais são os objetivos do jogo e descrever para os demais integrantes quais devem ser os passos a se seguir, tendo como o celular o principal meio para isso, já que o jogo de desenrola ali. Interessante ressaltar que não percebemos nenhum tipo de comparação entre esse e outros jogos. Um ponto importante também é como as administradoras e mediadoras são capazes de utilizar programas de edição para desenvolver as artes gráficas compartilhadas. Se na primeira publicação sobre cada desafio (Figura 3) é elaborada apenas uma captura de tela do celular, na segunda publicação (Figura 4), existe a construção de uma imagem formada a partir das bonecas escolhidas. Na Figura 5, também percebemos como programas de edição são utilizados para a construção das imagens. É desenvolvida assim uma capacidade no âmbito técnico. A terceira dimensão é “Narrativa e estética”, com as competências: Interpretar; Reconhecer e Descrever; Comparar; Avaliar e Refletir; e Tomar decisões e aplicá-las. Nesse quesito, percebemos que os jogadores possuem a capacidade de interpretar as necessidades do jogo, no quesito peças de roupa, acessórios e opções estéticas de pele, cabelo e maquiagem. Inclusive, na arte que desenvolvem, descrevem detalhes que podem ajudar os outros usuários, como as peças mais utilizadas pela comunidade. Também fica nítido como, dentro do grupo, 91 a comparação é requisito fundamental para que sejam escolhidas quais dolls são as tendências e quais não são. Essa análise vem das próprias administradoras. A avaliação e a reflexão sobre as dolls ficam a cargo delas, que possuem o poder de tomar a decisão de quais bonecas devem ser escolhidas e montam a imagem para o compartilhamento. Destaca-se aqui que, durante o desafio “Heroínas Literárias”, o jogo Covet Fashion não divulgou quais eram as personagens de cada desafio. As jogadoras tiveram que reconhecer a identidade dessas protagonistas, discutindo durante as postagens que eram compartilhadas pelas administradoras. Assim, a partir da sinopse criada pelo jogo, elas chegaram a uma conclusão. No primeiro desafio, por exemplo, tivemos a seguinte sinopse: Ela não conseguia explicar, mas ao ouvir a voz dele chamando seu nome de longe, teve que voltar para a mansão. Não era a primeira vez que tinha corrido para ajudar seu mestre melancólico, mesmo depois que sua proposta desastrosa a fez querer buscar uma vida melhor em outro lugar, e o amor em seu coração lhe dizia que seria a última. Produza um visual vitoriano para uma jovem seguindo seus sentimentos. (Crowdstar Inc, 2022) Foi a partir dela e das peças de roupa solicitadas pelo jogo que os integrantes chegaram à conclusão de que se tratava de Jane Eyre. Assim, a narrativa se iniciou no game, mas foi ampliada no grupo, com discussões dos livros nos comentários. De todos os 7 desafios, apenas um, “Dinheiro e Matrimônio”, não teve a personagem identificada. Importante ressaltar também que existiu apenas um post aprofundando os conteúdos. Os desafios de 3 a 7 não tiveram posts específicos para aprofundar na temática dos livros. 92 Considerações Finais O Covet Fashion é um jogo que exige que seus participantes criem comunidades, discutam e produzam colaborativamente dentro do jogo. Porém, percebemos que os jogadores extrapolam esse ambiente e se fazem presentes em outras plataformas. Mais do que isso, eles são capazes de refletir e criar conjuntamente estratégias para evoluir no game. Observamos durante nossa análise que os jogadores desenvolveram um método próprio para que pudessem compartilhar experiências e vivências no jogo. No grupo CF, eles podem expressar todos os seus sentimentos, ansiedades e frustrações com o jogo. Assim, fica evidente quais são suas estratégias informais de aprendizagem; Eles aprendem fazendo, pois experimentam dentro do jogo e, a cada nível que alcançam, compreendem mais sobre as exigências dos desafios. Além disso, no grupo CF no Facebook, aprendem a se relacionar com outros jogadores, a utilizar técnicas de design e a buscar informações mais profundas sobre o conteúdo do Covet Fashion. Com isso, são capazes de resolver os problemas estipulados pelo jogo. Ressaltamos que a estratégia de “imitar/simular” é a mais importante para esses jogadores, afinal, a comunidade toda se envolve em um processo de copiar ou se inspirar em outras bonecas. E o mais interessante é que toda a movimentação ocorre a partir do desejo e vontade dos participantes, que querem compartilhar suas experiências, e oferecem seu tempo e suas habilidades para fortalecer a comunidade. Observamos também táticas de avaliação e ensino, onde são as moderadoras que desempenham o papel de definir as melhores dolls e ensinarem as outras jogadoras quais seriam os melhores visuais. Assim, verificamos que são diversas habilidades desenvolvidas pelos jogadores 93 para simplesmente jogar o Covet Fashion. Uma comunidade é criada e desempenha papel central para que as jogadoras possam continuar a utilizar o game. Referências Crowdstar Inc (2022). Desafio 1 [Aplicativo móvel]. Google Play. https://play.google.com/store/apps/details?id=com.crowdstar. covetfashion&referrer=singular_click_id%3Db940fc51-78bd4daf-abcd-5e64c47909dd Recuperado em 12 de abril de 2022. D.C. (2022). Hey Dreamers!!. Grupo C.F. Recuperado em 27 de setembro de 2022. Doneda, L. (2016). O gênero textual fanfictio. [Trabalho de Conclusão de Curso, Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul]. https://bit.ly/3Cuj5nu Ferrés, J., & Piscitelli, A. (2015). 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Vulcano1 El objeto de análisis de éste trabajo es, en palabras de su autor el realizador Oscar Dhooge, “un proyecto documental en progreso que intenta visualizar y reflexionar acerca de la Barcelona preolímpica, una época de postguerra, hambre, represión política y migración” (Moreno, 2018), buceando en la historia de miles de españoles (en su mayoría aragoneses, gallegos y andaluces) que llegaron en esa época a Barcelona, mientras dejaban atrás miserias y persecución política para comenzar una vida dura con la esperanza de construirse un futuro mejor. El proyecto, cuyo nombre surge de la fusión de las palabras Barcelona y Barracas, está en su tercera etapa de realización. La primera “Huellas en la memoria y paisajes editados”, es un audiovisual donde 1. Licenciado en Comunicación Social, Maestrando en Maestría en Comunicación Digital Interactiva (UNR), Profesor Facultad de Ciencias Sociales UNICEN (Arg.). [email protected] 96 Dhooge recopila el testimonio de tres mujeres barraquistas de la primera época que accedieron a narrar su historia en el lugar. La segunda etapa “Barnacas II: Francisco Alegre” suma al equipo de trabajo al periodista Jesús Martínez y hace foco en los hijos de los barraquistas, quienes crecieron en ese lugar, vivieron la transición política y la democracia española y asistieron al derribo de ese barrio previo a los Juegos Olímpicos del ’92. Según Dhooge esta parte del proyecto generó un “formato mucho más expansivo e inmersivo” (Moreno, 2018). La tercera etapa que está en desarrollo intentará establecer un paralelismo entre la Guerra Civil Española y la actual Guerra de Siria para contraponer las experiencias de dos generaciones de migrantes que dejaron su hogar tras la destrucción de una guerra y arriban a Barcelona para forjar un nuevo futuro, con una diferencia entre ellas de ochenta años. Figura 1 Imágenes del webdoc Barnacas II: Francisco Alegre Dhooge (2017). 97 Ser o No Ser Transmedia Henry Jenkins (2009) define a la narrativa transmedia como aquella que se desarrolla mediante múltiples soportes mediáticos, donde en cada uno de ellos, a partir de su propia especificidad, genera un texto diferente que colabora en la construcción del todo. Si nos ceñimos a esta definición, el proyecto Barnacas aparece a priori como un proyecto transmedia, ya que al primer documental audiovisual sobre la historia de los primeros barraquistas, sobrevinieron un libro impreso, con algunas historias narradas mediantes textos escritos y fotografías en blanco y negro, un webdoc definido como “una herramienta para navegar y sumergirse de forma interactiva en la memoria barraquista” (“Documental Interactivo”, s.f.) que incluye un Fórum participativo con canales en Facebook, You Tube, Instagram y Vimeo, e instancias de actividades presenciales como charlas, exposiciones y recorridos explicativos en el sitio donde se levantaban las barracas. La realización del proyecto en etapas que se van nutriendo de personajes que dan su punto de vista sobre las historias vividas en las diferentes épocas se corresponde con una de las características distintivas de la narración transmedia señalada por C. Scolari (2013), la expansión del relato a través de la incorporación de “nuevos personajes y situaciones” (Scolari, 2013, p. 25). D. Reno y J. Flores (2012), observan que para desarrollar una narrativa transmedia es fundamental la difusión del contenido del proyecto por redes sociales para abrir la puerta a la interactividad que permite la participación del público en la producción de ese contenido. Multiplicidad de plataformas, expansión del relato, interactividad, participación del público a través de redes sociales y otras formas de 98 interactividad, son algunas de las características que definen entonces a la narrativa transmedia, que le permiten como señalan D. Reno y S. Ruiz (2012) la: posibilidad de ir más allá de la simple reconstrucción de los acontecimientos, teniendo en cuenta que evidencia el proceso mismo del acontecer de la realidad y sus transformaciones; o sea, ella misma al producirse va cambiando, moviéndose y transformándose por sus múltiples autores, desde múltiples momentos y múltiples plataformas. Así pues, un mensaje transmedia no termina como tal: se transforma y se mantiene en potencia de continuar transformándose. (Renó & Ruiz, 2012, p. 56) A partir del análisis del Proyecto Barnacas y su identificación previa como transmedia, este trabajo indaga en sus características para tratar de precisar si esa definición previa se ajusta a las características de un concepto tan abierto como es el de narrativas transmedia. El Proyecto La Barcelona actual, pujante y cosmopolita, tiene historias relativamente recientes que se han ido perdiendo en la memoria colectiva. Una de ellas es la que este proyecto se propone rescatar, la historia de quienes llegaron en un tiempo de pobreza y opresión política desde otros lugares de España, a construir con su esfuerzo y trabajo la Barcelona actual, que, entre otras características, es uno de los principales destinos turísticos de Europa. Precisamente, en alguno de los lugares donde los turistas pasean con sus instrumentos tecnológicos registrando su estadía en el lugar con unas vistas desde miradores que dan cuenta de la extensión de la ciudad, 99 fueron ocupados por esos trabajadores migrantes que desarrollaron allí sus sueños y familias durante unas tres décadas, hasta que sus pugnas por obtener viviendas dignas dieron como resultado su traslado a edificaciones que dieron nueva formas a la ciudad en el marco de lo que serían los Juegos Olímpicos del año’92. Algunas de esas familias, se calcula que vivieron allí unas 3000 personas, se trasladaron a edificios construidos en las cercanías de las barracas y otras se fueron a diferentes barrios dejando atrás definitivamente esa etapa de sus vidas. En tanto las viviendas que habían levantado sobre las laderas del monte fueron arrasadas por las máquinas que dejaron el espacio como un parque de paseo, el Parc de Guinardó. El autor del proyecto se plantea recuperar esa historia perdida en los vericuetos que hoy transita la moderna Barcelona mediante una realización transmedial que propone una inmersión a través de diferentes plataformas complementarias: - Audiovisual: “Huellas en la memoria y paisajes editados”. - Libro: “Hijos de la Barracas” publicado por Ediciones Carena. - - - - Webdoc: página web interactiva que incluye apps para celular y Tablet e incluye un Forum participativo. Exposiciones: en un formato de instalación contemporánea que incluyen fotografía, proyecciones de video, inmersiones con multimedia. Actividades: visitas guiadas a Francisco Alegre, charlas en Facultades de Sociología, presentaciones en bibliotecas y centros cívicos, talleres de fotografía participativa y cápsulas de aprendizaje y servicio para escuelas, centros cívicos. Redes Sociales: cuentas de Facebook, Instagram, You Tube y Tweeter donde los usuarios pueden participar activamente 100 en el proceso de construcción del proyecto mediante comentarios y aportes de nuevos contenidos. Esta multiplicidad de plataformas convergen en el sentido que señala Jenkins (2009), no en el reemplazo de unos medios por otros, sino en la complementariedad e interacción entre “viejos” y “nuevos” medios, así el uso de fotografías, videos, libro coexiste con el desarrollo de web, apps, utilización de redes sociales. Scolari (2013) plantea que al hablar de narrativas transmedia hay que considerar que “cada medio hace un aporte a la construcción del mundo narrativo; evidentemente, las aportaciones de cada medio o plataforma de comunicación difieren entre sí. Tal como explica Jenkins, en las NT cada medio «hace lo que mejor sabe hacer: una historia puede ser introducida en un largometraje, expandirse en la televisión, novelas y cómics, y este mundo puede ser explorado y vivido a través de un videojuego” (Scolari, 2013, p. 24). El proyecto Barnacas pensado como proyecto transmedia, sigue esta premisa. El primer producto del proyecto es el audiovisual “Huellas en la memoria y paisajes editados” donde se recobran los testimonios de la primera generación de barraquistas, aquellos inmigrantes que llegaron en busca de forjarse un futuro que no visualizaban en su lugar de origen. El formato de audiovisual con imágenes fijas y audios en off permite rescatar y reproducir el testimonio de estas personas quienes según el autor Oscar Dhooge, al ser de una de edad avanzada, algunas desconfiadas acerca del proyecto y otras que “ya no querían reabrir el capítulo de aquella época, era demasiado duro” (Moreno, 2018). La segunda etapa continúa con el libro “Hijos de la Barracas” y con los 101 videos de corta duración y complementarios entre sí, en donde aparecen los relatos de quienes vivieron su niñez y adolescencia en las Barracas. Esta generación tiene una mirada diferente a la de sus padres, el lugar les remite a una época en donde forjaron su identidad se complementan y enriquecen, aportando a la reconstrucción de lo que fue la vida en ese lugar. Estos videos son volcados en el webdoc que amplía los testimonios y los georeferencia en el territorio actual donde dan cuenta de cada sector en que se desarrollaron las historias contadas. La continuidad del proyecto se garantiza a través de las interacciones que se logran mediante las exposiciones, actividades presenciales y las redes sociales, aportando cada una de estas instancias a la construcción del relato desde su propia especificidad. Aquí podemos observar, también lo que Scolari (2013) señala como uno de los rasgos distintivos de las Narrativas Transmedias: la expansión del relato a través de la incorporación de nuevos personajes y situaciones. Por último la tercera etapa de producción está en marcha con Barnacas III que nos vuelve a sumergir en historias fragmentadas ensambladas por un nodo que las unifica. Dooghe señala que en esta nueva etapa se procura “establecer un paralelismo entre dos guerras; por un lado, la Guerra Civil española, y por el otro, la actual guerra de Siria, que comenzó en el 2011. En ambos casos, migrantes que dejaron su tierra como consecuencia de una (pos) guerra desoladora y llegaron a Barcelona en busca de un futuro mejor, con una diferencia entre ellas de ochenta años” (Moreno, 2018). 102 El trabajo en esta tercera parte consiste en una primera publicación en formato de crónica en papel de próxima aparición en la versión digital en el Diari de Tarragona. Allí Jesús Martínez desarrolla “Historia de un frigorífico, las guerras que se heredan” donde da cuenta la historia de cuatro generaciones. Figura 2 Imagen tapa del libro “Hijos de las Barracas” (“Javier Valenzuela, Montse Morillas’, s.f.). Un documental, “Invisibles, la peor crisis humana en Europa desde la Segunda Guerra Mundial”, en el que Mohamad, Bakri, y Mireille explican los diferentes puntos de vista de la guerra en Siria, y el radical cambio de sus vidas que los lleva a Barcelona, y el Premio Nobel de la Paz 2015 Ahmed Galai, describe la situación de la primavera Árabe y los Derechos Humanos y la crisis humanitaria en Europa por el conflicto en Siria. Invisibles se ha transformado en un “proyecto educativo de innovación y transformación social para sensibilizar a la ciudadanía sobre la peor crisis humanitaria desde la 2ª Guerra Mundial. Personas 103 refugiadas, asiladas, expatriadas, deportadas o inmigradas, y especialistas que trabajan para favorecer su llegada e integración en la sociedad catalana, cuentan sus experiencias desde Barcelona en la sociedad catalana, cuentan sus experiencias desde Barcelona” (Invisibles, s.f.). Este documental tendrá una segunda etapa “con rodaje en Francia y Alemania que se encuentra en fase de pre-producción y captación de fondos” (Moreno, 2018). De Multimedia a Transmedia El nodo central de la propuesta de Barnacas se encuentra en el webdoc, donde asistimos a la construcción de una narración que se va configurando mediante videos de corta duración y da forma a diversas historias pasadas, presentes y futuras. Allí se incluyen también, hipertextos, imágenes fijas, voces en off, mapeo de la zona, referencias históricas y geográficas, que permiten acceder a otras instancias del relato, aunque sin ningún orden preestablecido. Lovato al respecto precisa que: hipertextualidad y montaje multicapas son, entonces, condiciones particulares de los Documentales Multimedia Interactivos (DMI), donde es preciso, además, focalizar la producción en usabilidad de las piezas. La navegación hipertextual permite una composición abierta, que no acaba en el producto puesto en línea, sino que se reinicia en cada nuevo recorrido, en cada nueva lectura, en cada nueva interacción. (Lovato 2014, p. 55) En un Documental Multimedial Interactivo mediante una narración donde la hipertextualidad y los montajes multicapas van dando forma a diversos recorridos donde las memorias de los antiguos niños 104 de las barracas se encuentran con la actualidad de la zona, Dhooge propone la generación de lecturas y recorridos propios de quienes acceden al mundo de Barnacas. Como señala Lovato (2014) a partir de que los Documentales Multimediales Interactivos permiten a sus consumidores recorrer el espacio narrativo creado por el autor, este debe preguntarse “qué elementos vamos a acercarle a nuestros usuarios para explorar, de qué modo construiremos y haremos visible el contexto de nuestras historias”(Lovato, 2014, pp. 55-56). Lo que lleva a que el momento de la producción se convierta en la instancia donde se definen que medios se van a utilizar para cada instancia de la narración para permitir que el usuario pueda tener una experiencia inmersiva. En este sentido Ruiz (2014) pone de relieve que el paso del sistema analógico al digital permite romper con secuenciación lineal donde las partes se ubican una detrás de otra siguiendo un orden espacial o temporal, multiplicando “a gran escala las formas de presentación, representación y expresión” (Ruiz, 2014, p. 100), donde cada segmento se vuelve autónomo y tiene la posibilidad de combinarse de variadas formas y numerosas veces Justamente esta naturaleza de lo digital es lo que ha permitido el desarrollo de diferentes narrativas que mudan de unas a otras, de unos formatos a otros, de unas plataformas a otras de manera rápida y sencilla. Si antes teníamos un catalejo para mirar una sola realidad al fondo, ahora tenemos un caleidoscopio de muchos espejos. (Ruiz, 2014, p. 100) Espejos que son construidos mediante lo hipertextual y lo hipermedial, entendiendo “hipertexto como un ambiente de lectura no lineal 105 que ofrece al usuario la posibilidad de crear sus caminos de arquitectura de lectura” (Renó & Flores, 2012, p. 46) e hipermedia como un espacio donde lo hipertextual “reúne una diversidad de informaciones multimediáticas (foto, audio, video, animación, infográfico, etc.) además del texto, proporcionando al receptor/usuario la posibilidad de escoger sus propios caminos narrativos) (Renó & Flores, 2012, p. 46). Así quienes acceden a Barnacas pueden mediante estos dos procesos interactivos, hipertexto e hipermedia, escoger “sus caminos para obtener sus nuevas experiencias de acuerdo con sus necesidades de información” (Renó & Flores, 2012, p. 46). Y esos caminos se multiplican por ejemplo reuniendo a quienes vivieron su niñez en el lugar y luego de separarse al salir de las Barracas volver a retomar la relación perdida; conocer la historia de un espacio y tiempo olvidado para las nuevas generaciones; vincular historias de guerra pasadas y actuales. Todas expansiones del relato que permite la construcción de nuevas historias. De esta manera la propuesta adquiere las características clásicas del documental audiovisual que narra “sobre acontecimientos reales, desde una perspectiva social, a veces de denuncia, pero siempre intentando conocer de cerca los personajes y la realidad que los circunda” (Lovato, 2014, p. 54). Dooghe acepta el desafío de no preocuparse por perder la condición de dueño de la obra y de dar cabida a la conformación de un relato polifónico donde “pueden hacer sonar varias voces en simultáneo, mostrar diferentes aristas de los hechos y expandir las posibilidades del sentido” (Lovato, 2014, p. 55). 106 A partir de una construcción narrativa donde convergen diversos medios donde los relatos son capturados por audiencias que dan su propio sentido a lo narrado, generando a su vez nuevas propuestas en la trama, haciendo que los contenidos se “expandan, retroalimenten y circulen en múltiples plataformas” (Irigaray, 2014, p. 115) señala que la narrativa se convierte en transmedial. La transmedialidad finalmente se concreta mediante la interactividad al expandir la narración con las miradas del público rediseñando, como plantea Gifreu (2011), “las experiencias documentales fuera del contexto de la película tradicional” (Gifreu, 2011, pár. 4). Gosciola, caracteriza a la narrativa transmedia como aquella que tiene forma de estructura narrativa y contiene una gran historia comunicada en fragmentos que llegan en diversas plataformas mediáticas que permiten su expansión y circulación por redes sociales y por ende su viralización a través de dispositivos móviles (Renó & Flores, 2012, p. 64). Para Irigaray (2014), además, lo transmedial permite que más allá de lo virtual, lo territorial puede dar paso a una construcción narrativa donde los espacios urbanos ocupen un espacio en este montaje: “Pensar a la ciudad como una plataforma narrativa transversal implica construir la historia en una territorialidad expandida. Múltiples lenguajes, soportes, dispositivos y géneros son puestos al servicio de un ecosistema de relatos convergentes” (Irigaray, 2014, p. 116). En este formato el relato se desarrolla retroalimentándose a través de la circulación en diversas plataformas que le dan a la narrativa su carácter transmedial en la que se “asume lo territorial como instancia posible para narrar, más allá de los entornos virtuales. Los espacios 107 urbanos pueden ofrecerse como parte de una gran plataforma narrativa” (Irigaray. 2014, p. 115) En este sentido se analiza como el proyecto Barnacas permite al usuario realizar su recorrido desde lo territorial, lo imagético, lo audiovisual y lo participativo atravesando las diversas dimensiones que Irigaray (2014, p. 116) identifica como coexistentes en el ecosistema de medios: - - - - - - - Hipertextualidad, “entendida como la capacidad de hacer conexiones entre nodos de información a través de enlaces”; Multimedialidad, “como la posibilidad de que esos nodos de información sean de características diferentes”; Interactividad, “como la capacidad del usuario para interactuar con el contenido”; Audiovisualidad, “característica creciente de contenidos que integran e interrelacionan plenamente lo auditivo y lo visual para producir un relato”; Documentalidad, “como contribución sustantiva en la aportación de información como fuente”; Georeferenciabilidad, “como posibilidad de posicionamiento con el que se define la localización de un objeto o un sujeto en la representación cartográfica”; Adicionalidad, “como dimensión que sobreimprime capas de información virtual a la información física ya existente (Realidad Aumentada) y la adaptabilidad como la capacidad de adecuación a un entorno”. Estas características como señala Renó aparecen con mayor penetración en el desarrollo de contenidos publicitarios y ficcionales “pero son pocos los ejemplos de documentales sobre eso, aunque existan 108 intentos académicos y de mercado para desarrollar algunos productos” (Renó, 2014, p. 135). Figura 3 Imágen del webdoc Barnacas II: Francisco Alegre Dhooge (2007). El aporte de Dooghe es entonces un aporte a la consolidación del género de documental transmedia, “una forma de orientar a nuevos estudios y producciones para que tengamos, en algún tiempo, nuevos formatos transmedia para obtener una narrativa documental” (Renó, 2014, p. 144). Un género que permite en este nuevo ecosistema a D. Reno y J. Flores (2012) identificar a un nuevo actor que surge a partir de quienes dejan de ser sólo fuentes para el periodismo y, producto de su publicaciones en redes sociales realizan con sus propias reglas la circulación de la información que producen, dejando a los periodistas “la posibilidad de hacer los reportajes, con más profundidad en el tema, 109 con más técnica y tiempo para hacer mejor lo que históricamente ha hecho siempre: contar historias” (Renó & Flores, p. 68). Precisamente es este el singular logro de Dogghe, recuperar una historia que estaba olvidada, profundizarla y darle nueva vida a través de la propuesta de expandir el relato mediante la participación de quienes se sienten involucrados en ella por haber sido parte ayer, o por su relación actual. Siguiendo lo que plantea Lovato (2014, p. 54), Dogghe da cuenta en su trabajo de un suceso real al que recrea desde una perspectiva social poniendo en escena un recorte de la realidad y los personajes que la integran. En este sentido Gifreu (2011) plantea que: Se puede afirmar que estas experiencias son documentales en el sentido que proporcionan información y conocimiento sobre temas y sujetos de la vida real, pero, a diferencia de los documentales tradicionales, estos nuevos documentales permiten a los usuarios tener una experiencia única, ofreciéndoles opciones y control sobre el mismo. (Gifreu, 2011, pár. 4) Conclusiones Recuperar la memoria de los pioneros que construyeron el lugar y sus luchas para salir de él en busca de una mejor calidad de vida; recobrar la historia de quienes crecieron allí con privaciones, pero con el recuerdo de una infancia y adolescencia feliz; Barnacas posiblita viajar a través de diferentes capas narrativas que se suceden en diversas plataformas, formatos y lenguajes en un relato donde el pasado vuelve a ocupar un espacio en el presente. 110 Un presente que recupera para la memoria colectiva un espacio que había sido olvidado y que en la expansión de su construcción transmedial comienza a ser recuperado por sus habitantes originales, pero también por los actuales vecinos de la zona, los turistas y, fundamentalmente las nuevas generaciones de barceloneses que incorporan a su bajage identitario una historia que se había perdido. Como señala Giffreu (2011), “La narración no lineal (equiparable para un autor a la pérdida del control discursivo), es vista como un problema en el mundo del documental tradicional, pero en este nuevo género se considera una gran oportunidad”. Oportunidad que O. Dogghe aprovecha para la concreción de un proyecto que, si se narrara sólo bajo la mirada del autor, perdería la profundidad que las diversas miradas que van sucediendo dan a la historia. La propuesta de Barnacas atiende el reto que para los productores de documentales plantea el nuevo ecosistema mediático: “juntar en un único plot narrativo, además de diversas posibilidades narrativas, innumerables historias reales, independientes entre sí, en plataformas distintas (geográficas o de lenguaje, como defiende Jenkins) y producidas también por y para dispositivos móviles.” (Renó, 2014, p. 135) En este sentido se puede destacar “la expansión del relato a través de la incorporación de nuevos personajes y situaciones” (Scolari, 2013, p. 25) como característica central del relato multimedial. Esta expansión está prevista en la tercera etapa en desarrollo tiene como premisa recuperar las experiencias de los migrantes que llegaron en los últimos años a Barcelona dejando atrás sus vidas anteriores destruidas por la Guerra Siria para trazar un paralelismo con los orígenes de las Barracas pobladas por desplazados de la Guerra Civil Española. La concreción 111 de esta nueva capa supondrá un salto cualitativo en la construcción transmedial pues disparará el nodo inicial a una nueva narración que dará cuenta de un hecho que está en desarrollo. Referencias Dhooge, O. (Director, productor, guionista, realizador, editor). (2017). Francisco Alegre, 41°25’ 03.6”N 2°09’54.5 [Cortometraje]. https:// oscardhooge.com/webdoc/ Documental Interactivo. (s.f.). Recueprado de http://oscardhooge.com/ webdoc/ Jenkins, H. (2009). Convergence culture: la cultura de la convergencia de los medios de comunicación. Paidós Ibérica. Gifreu, A. (2011). El documental multimedia interactivo como discurso de la no ficción interactiva. Por una propuesta de definición y categorización del nuevo género emergente. Hipertext.net, 9. http:// arxiu-web.upf.edu/hipertextnet/numero-9/documental-multimedia. html Irigaray, F. (2014). La ciudad como plataforma narrativa El documental transmedia “Tras los pasos de El Hombre Bestia”. En. F. Irigaray & A. 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Aliada a uma experiência multiplataforma, essa relação começa a delimitar uma interdependência comunicacional, permitindo a retroalimentação de 1. 2. Mestrando no Programa de Pós-graduação em Estudos da Mídia (PPgEM) da UFRN. [email protected] Mestre pelo Programa de Pós-graduação em Comunicação da UFPE. Doutoranda no Programa de Pós-graduação em Estudos da Mídia (PPgEM) da UFRN. [email protected] 115 conteúdos e linguagens. Nesse sentido, a refutação é vista como um ruído que possibilita câmaras de ecos (Jamieson & Cappella, 2010). Esses fatores transitam entre as várias faces da comunicação digital, permitindo a criação de uma teia densa que ajuda a suportar as estruturas midiático-capitalistas. Além de deflagrar um novo ecossistema, o cenário de capitalismo de plataformas (Figaro & Silva, 2020) demonstra uma nova estratégia que o alinha ao mercado financeiro. Além da interdependência midiática, há também uma relação íntima entre o controle do capital econômico e o acionamento cotidiano das tecnologias. Então, existe um tripé dominante: mídia, capitalismo e desenvolvimento tecnológico (Morozov, 2018). A circulação do conteúdo é posicionada entres essas unidades como um elemento central para a manutenção do status quo, hierarquias e posições de poder. Logo, é ilustrativo desse cenário a consolidação da relação entre os conglomerados tecno-midiáticos e a dependência do aparato digital. Se em algum momento os conteúdos e as personalidades, que estavam ligados a alguma empresa de mídia, eram restritos em sua circulação midiática, atualmente o oposto acontece. A passagem por diversas plataformas permite uma ampliação dos ganhos digitais, e consequentemente o acúmulo de big data, aqui entendido como o grande volume de dados coletados pelas empresas de tecnologia que sustentam a dinâmica midiática e capitalista no ambiente digital (Oracle, 2022). As empresas que dominam essa dinâmica são híbridos de mídia e tecnologia, e globalmente esse controle se estabelece entre: Google, Apple, Facebook (Meta), Amazon e Microsoft. Elas são as chamadas Big Techs, grandes oligopólios digitais cujos modelos de negócios são 116 baseados na análise intensiva de dados fornecidos pelos usuários de seus serviços (Morozov, 2018). A expansão do big data é entendida por Manovich (2019) como long data e/ou wide data, que representaria a vastidão a qual se espalha os conteúdos e dados produzidos no ambiente digital. Para o autor, as análises feitas sobre esses dados, seja em âmbito acadêmico ou em alguma outra instância empresarial/mercadológica, não consegue abarcar a capacidade massiva e constante de produção de dados nessas esferas. O long data deflagra que o número de casos é muito maior do que os analisados, já o wide data é a certeza da infinidade de possibilidades. O objetivo da análise de wide data não será apenas descobrir novas semelhanças, afinidades e clusters no universo dos artefatos culturais, mas, antes de tudo, nos ajuda a questionar o nosso senso comum das coisas, onde certas dimensões são dadas como certas. (Manovich, 2019, p. 80) A presente análise tenta, dentro dessa vastidão de casos, selecionar uma dentre essas várias possibilidades. A escolha de um caso é entendida como um exemplo dessa relação que possa ser ilustrativo para observar e fazer apontamentos a respeito de um comportamento que se desdobra em momentos semelhantes. Com essa observação, será possível buscar entender o que esbarra no cultural e no humano nesses conteúdos digitais, e o que disso pode ser um espelho de práticas sociais; construções de sentido e narrativas midiáticas. Além de uma perspectiva tecnocentrada há ações coletivas orquestrada, influenciadas (ou não) pelas demandas capitalistas e que posicionam um caminho de circulação de conteúdo que difere dos estabelecidos pelas mídias 117 mais tradicionais e que são mutáveis, pois são fruto do seu ambiente de origem, o digital. É importante destacar que esse controle do big data – e consequentemente, o ordenamento do long data - ainda está sob o poder dessas grandes empresas (big techs), mostrando um capitalismo multifacetado, que é entendido por Zuboff (2018, p. 34) como o momento no qual “as populações são as fontes das quais a extração de dados procede e os alvos finais das ações que esses dados produzem”. Nesse espaço, algumas linguagens têm se tornado mais adaptáveis ao ambiente, especialmente as mais imediatistas, como as lives, que desmembram-se para outras redes em vídeos mais curtos, sob o nome de “cortes”. Srnicek (2018) posiciona essas linguagens, como são os cortes e lives, dentro do contexto das Plataformas de Nuvens e de Serviços, por ele entendido enquanto um tipo de repositório, um instrumento de armazenamento de conteúdos de qualidade bibliotecária. Todas essas empresas, além de uma relação íntima com o desenvolvimento tecnológico, criaram (ou compraram) suas plataformas de mídias e serviços de comunicação (redes sociais, streamings, plataformas de áudio, entre outros suportes). Pensando nisso, é possível fazer um paralelo entre o crescimento e a consolidação das big techs com as regras do capitalismo neoliberal (Pinheiro Kosteczka, 2021). Além disso, foi estabelecida uma nova noção industrial na produção de conteúdo que, massificada no contexto da comunicação digital, criou tanto uma dependência no que toca à vida prática (desde um menu de restaurante ao cadastro de um auxílio governamental), como também uma dependência simbólica pelas redes sociais e plataformas de conteúdo. 118 Com esse panorama, é notável que esses grandes conglomerados tecnológicos, armados de seus veículos de comunicação, disputam esse espaço digital na perspectiva da manutenção de um status de poder. A utilização de mídias próprias permite que a narrativa seja constatada pela versão dessas empresas. Este trabalho investiga como se estabelece a dinâmica entre essas big techs, percebendo os fluxos de retroalimentação. Como hipótese, é possível observar que elas fazem concessões de negócios entre si para uma divisão controlada de poder no digital. Para tanto, a pesquisa, explorando o Estudo de Caso (Yin, 2001) enquanto método, irá analisar o caso da live do influenciador Casimiro Miguel, mais especificamente, sua transmissão do primeiro capítulo da minissérie documental Neymar: o caos perfeito da Netflix. Centralidade no Comum: formatos comunicacionais e produtores de conteúdo Pensando na circulação de conteúdos comunicativos no espectro digital, em que a informação é colocada através de suas inúmeras possibilidades dialógicas, é possível perceber essa dinâmica do modo como entende o Fausto Neto (2010). A circulação de conteúdo, bem como os posicionamentos das mídias, configuram-se em zonas pouco delimitáveis entre a emissão e a recepção. Neste espaço, a informação será reconfigurada, ampliada, recortada e, especialmente na hipermídia, seu controle é parcialmente manipulado pelos algoritmos digitais, porém, existem escapes em todos os processos comunicacionais, inclusive no digital. 119 Tal cenário cria uma sensação de proximidade, tendo em vista o deslocamento veloz dos papéis de consumidor e produtor de conteúdo. A circulação é feita em larga escala e, ao passo que é pensando em números na casa dos milhões, seja de views, likes ou de inscritos, também individualiza essa cultura da participação. Isso é primordial para o novo processo de consumo e circulação dos conteúdos. Esse contexto é pensado por Han (2018) como um enxame, um movimento agrupado, mas não necessariamente coletivo, que atomiza os indivíduos, permitindo uma maior facilidade no controle das suas produções, especialmente pelos conglomerados tecno-midiáticos. Para o autor, “o enxame digital não é nenhuma massa porque, nele, não habita nenhuma alma [Seele], nenhum espírito [Geist]” (Han, 2018, p. 12). Pensando no objeto de estudo, uma live online, fica clara a movimentação agrupada desses espectadores, que através do capital da identificação, movem capitais de outras natureza, como o financeiro, simbólico, cultural e estético. Pensando quantitativamente, quando esses números são analisados, fica cada vez mais evidente esse afogamento em conteúdo digital. Tomemos como exemplo o YouTube e a Twitch, esta última a plataforma através da qual a live foi veiculada e a primeira (YouTube) a rede na qual os cortes da live foram disponibilizados. Segundo a pesquisa realizada pela Globo Media Insight (2022), a plataforma de vídeos do Google tem 2,6 bilhões de usuários – equivalente a um quarto da população mundial – com uma estimativa de mais de 1 bilhão de horas assistidas diariamente por todo o mundo. Já a Twitch, plataforma de lives da Amazon, conta com mais de 230 bilhões de horas assistidas entre janeiro e fevereiro de 2022, segundo Artimos (2022), em análise da pesquisa Betway Insiders. 120 Pensando sob a ótica dos ganhos para o espectro financeiro e econômico observamos, a partir dos dados fornecidos pela própria Amazon, que sua plataforma de lives lucrou, apenas em 2019, mais de 330 milhões de dólares (San, 2020). Já as informações fornecidas pela Oxford Economic (Farias, 2021) mostram que o YouTube injetou no PIB brasileiro mais de 3,4 bilhões de reais derivados de ações diretas e indiretas da plataforma, gerando 122 mil empregos. Ambas plataformas passam por um processo de retroalimentação, sendo indissociáveis nas produções digitais de alguns nichos, como: entretenimento, esportes, games e música. Essa relação de criação de conteúdo e consumo massivo no ciberespaço desperta os modelos de negócios das plataformas baseados no extrativismo de dados, monopolizando a atenção midiática e criando reconfigurações para uma imersão que não possibilita a análise das relações concretas da realidade material (Morozov, 2018). Para Sibilia (2008), essas novas plataformas, bem como a possibilidade da espetacularização dos sujeitos produtores/consumidores, permitem uma dinâmica por meio da qual o privado torna-se público, facilitando um maior engajamento com o público através da identificação. A autora comenta que: É preciso espetacularizar a própria personalidade com estratégias performáticas e adereços técnicos, recorrendo a métodos compatíveis aos de uma grife pessoal que deve ser bem posicionada no mercado. Pois a imagem de cada um é a sua própria marca, um capital tão valioso que é necessário cuidá-lo e cultivá-lo a fim de encarnar um personagem atraente no competitivo mercado dos olhares. (Sibilia, 2008, p. 255) 121 Sibilia (2008) aponta que a internet tornou-se um campo de experimentação de diversos formatos e possibilidades, uma espécie de laboratório que modifica e expande formatos comunicacionais, além de permitir um espaço (relativamente) mais democrático e plural. Existe aí um processo também de adesão através da identificação – essa última uma palavra primordial para a projeção e a continuação dos/as usuários/as nesses espaços digitais. Ao passo que pode trazer uma projeção importante de subjetividades, até como um processo de validação de grupos, em muitos momentos marginalizados, o digital pode tender também para uma dinâmica que reduz alguns discursos e permite, sem muito controle, visões distorcidas e que podem ferir, por exemplo, relações de direitos humanos e o espírito democrático. Apesar dessa possível dualidade, esse cenário de evolução do digital é pensado como esse momento de palco para o comum (Sodé, 2014). Nessa projeção do “comum” é interessante pensar nas diferentes abordagens acerca do termo, já que sua utilização pode gerar múltiplas interpretações. Muitas vezes o comum é entendido como o que é banal e sem importância ou é tido como os bens de consumo (água, ar, etc.), ou até mesmo a linguagem e os espaços cotidianos de convívio coletivo. Mas a palavra pode ser expandida a uma ação, ou uma interação entre os indivíduos, uma espécie de resultado do processo de comunicação em coletividade. Ainda de acordo com Muniz Sodré (2014, p. 197): O comum cotidiano é um universal, não no sentido filosófico e forte de uma prescrição racional e abstrata, mas de uma concreção (assim como a diversidade humana é um universal concreto) inerente ao ser-com, ao estar-junto: o comum induz universalmente ao diálogo e à ação, que são momentos estruturais, espontâneos e necessários da “arte” humana e diversa de comunicar-se, isto 122 é, de realizar a linguagem, pondo em comum as diferenças e abrindo-se para a transcendência – a ação recíproca entre o particular e um fundamento externo, capaz de legitimar em termos universais o grupo humano específico. Tal noção do comum como algo que tem um papel de validação nas relações é primordial para o cenário hipermediado. A conexão pela linguagem é um dos elementos que possibilita uma maior percepção do outro, como também o aprofundamento no processo de identificação. Porém, o comum permite que outras questões sejam acionadas, especialmente ao investigarmos estéticas e formatos de conteúdo comunicacionais. Afinal, não são todas as possibilidades de se expor no ambiente digital que terão essa presença do amador nas relações, mas esse contexto que expõe o íntimo automaticamente coloca em protagonismo o “ordinário”, modificando assim os formatos tradicionais. Inclusive, na busca de copiá-los, é criado o protótipo de formato que tem fontes na mistura do tradicional com o digital (Leite, 2019). Entretanto, essa estética, apesar de pouca complexificação da sua produção, facilita a continuidade desses processos, e é precisamente pela continuidade de suas transmissões que será possível desdobrar e continuar esse modo de produção, solidificando-o como um tipo de comunicação possível e efetiva. Outro acionamento, além do estético, é a relevância do que se pensa sobre o termo influenciadores digitais. Karhawi (2021, p. 5) entende esses indivíduos no espaço digital como “sujeitos que constroem relações de confiança que resultam de vínculos construídos na rede por meio de estratégias de relacionamento”. Essas estratégias são muitas não são inteligíveis, acontecendo muito pela manutenção de um modo 123 de produção que baseia o comum como arcabouço de engajamento do que estratégias programáticas de criar esse cenário. O comum, nesses aspectos, tem um valor de organicidade e espontaneidade, características fundantes dos conteúdos oriundos dos ambientes da internet, e que se tornam um paradigma também de identificação. Pela potência da identificação, e pelos inúmeros acionamentos permitidos com a transmissão desses conteúdos criados pelos influenciadores digitais, neste trabalho posicionamos a live do Casimiro como objeto central a live, pois entende que ele é um desses formatos através dos quais são operadas mudanças culturais (projeção do eu e do comum), estéticas (o amador como central) e econômicas (big techs e seus ganhos financeiros). “Meteu Essa?”: cooperação de empresas midiáticas e a live do Casimiro Um dos usuários que utiliza essas lives para a hibridização de processos comunicacionais é o youtuber e streamer Casimiro Miguel, de modo que é válido realizarmos uma breve contextualização da sua figura, que entendemos como uma das mais significativas ao refletirmos acerca da relação entre plataformas e distribuição de informação. Apesar de começar como jornalista e comentarista esportivo, seu conteúdo abrange diversas propostas, do entretenimento à culinária. Além disso, o streamer também nutre relações estreitas com os veículos tradicionais e suas produções. Atualmente ele tem 3,6 milhões de inscritos no YouTube e 2,7 milhões na Twitch3. 3. Números extraídos no dia 09/10/2022. 124 No dia 20 de janeiro de 2022, Casimiro bateu o recorde nacional de público simultâneo numa live da plataforma, chegando a 515 mil (Lopes, 2022). Na ocasião, assistia ao primeiro episódio da minissérie documental Neymar: o caos perfeito. Esse acontecimento é ilustrativo das dinâmicas midiáticas atuais, por isso, propomos um estudo de caso (Yin, 2001) para investigar as maneiras através das quais o streamer Casimiro performa enquanto uma peça central para a manutenção das empresas midiáticas. O estudo de caso, enquanto procedimento metodológico, é entendido por Sousa (2006) como um método que se debruça em um exemplo específico, por um determinado tempo, buscando entender padrões e dinâmicas. Para Yin (2001) esse método representa um aprofundamento específico em um evento contemporâneo, entendendo suas relações a partir das dinâmicas estabelecidas no real. Em outras palavras, você poderia usar a pesquisa de estudo de caso por e desejar entender um fenômeno do mundo real e assumir que esse entendimento provavelmente englobe importantes condições contextuais pertinente ao seu caso. (Yin, 2001, p. 17) Nessa perspectiva, consideramos que o estudo de caso pode contribuir para, a partir da análise de uma amostra/caso, extrair possíveis reflexões sobre as relações estabelecidas na live anteriormente citada. Esse exemplo é emblemático, pois Casimiro é contratado da Warner Media, faz as suas lives na Twitch (Amazon), e na ocasião assistia a uma obra da Netflix sobre um contratado do Facebook (Meta), produzindo conteúdo para o YouTube (Google). É perceptível que uma única ação beneficiou diversas empresas midiáticas. 125 Figura 1 PrintScreen da live do Casimiro durante a exibição do primeiro capítulo da Minissérie, Neymar: o Caos Perfeito (Netflix) CSGo (“Histórico! Assistindo o documentário de Neymar, Casimiro bate recorde e alcança mais de 545 mil espectadores em live”’, 2022) O sintoma do capitalismo mostra as grandes corporações se ajudando, estabelecendo o crescimento de poucos por muitos (dados, força de trabalho, pessoas), pois “é a estrutura que engendra os vícios e defeitos, e enquanto a estrutura permanecer, os vícios serão reproduzidos.” (Fisher, 2020, p. 114). Essa relação é o que se pode entender como sendo as novas dinâmicas midiático-capitalistas, uma espécie de cooperação entre essas empresas que estrutura um comportamento mais fluido na circulação dos conteúdos. Porém, condiciona as novas transmissões a espaços específicos e, muitas vezes, essas especificidades estão relacionadas a ambientes controlados pelas big techs. Ou seja, a reapresentação dos conteúdos não é totalmente livre, mas se dá em espaços estratégicos no elo entre os conglomerados midiáticos. 126 Há nessa live do Casimiro dois pontos relativos à estética que são importantes analisarmos. Primeiro, a questão da performance e da imagem nesses acionamentos – inclusive, o título do trabalho faz menção a uma das expressões performáticas mais famosas do influenciador, o “Meteu Essa?”. Rancière (2009) comenta que os campos (especialmente os espaços políticos e midiáticos) estão em disputa, tensionados não unicamente pela dimensão da performance, mas pelo espectro mais prático, estratégico e que pode ser tanto orquestrado a partir dessas performatividades. Para o autor isso deve ser utilizado por movimentos contra-hegemônicos no intuito de infiltrar a corrente do discurso totalizador e tradicional. Porém, o que se pode pensar nesse contexto é a utilização contrária a isso. É o uso do formato cênico disruptivo pelo próprio poder hegemônico, utilizando o potencial galvanizador de atenção que tem os influenciadores digitais, no caso o Casimiro. O segundo ponto diz respeito à construção de uma atmosfera “amadora”, trabalhada imageticamente pelo Casimiro como um outro acionamento estético que disfarça a ação midiática hegemônica e camufla as engenharias que estão além do visível. Nesse contexto há um poder de engajamento social pelo que há de cênico. Tal poder de identificação está inserido em uma posição central nessa dinâmica. Casimiro chama seus seguidores de “nerdolas” – que, nesse espaço, constelam uma identidade marginal de anti-fã, e que “surge como forma política de resistência à cultura hegemônica midiática, por meio da cultura participativa” (Cunha Filho et al., 2022). Para esse pertencimento, a noção de consumo é primordial na construção das identidades. É a imposição capitalista que engendra essa noção de inadequação constante, gerando a busca incessante por um consumo (Campbell, 2006). A ação 127 de consumir – seja o que for – é uma lógica da sociedade de produção industrial, na qual o alto fluxo de informação desperta nos indivíduos uma sensação contínua de urgência - o que, consequentemente, restringe os espaços de reflexão acerca do que foi consumido. A junção de toda a live soma mais de três horas de duração, um conteúdo que, pelo seu tamanho, contribui para que os atores e símbolos, bem como o desdobramento em outros subconteúdos após a sua divulgação, fiquem por mais tempo em evidência. Além do momento ao vivo, a ação promovida pelo Casimiro gerou mais dois “cortes” contendo, unidos, quase 800 mil visualizações nos vídeos (Cortes do Casimito, 2022a, 2022b). Ou seja, esses formatos permitem uma manutenção da atenção e do engajamento durante um período maior de tempo, mesmo não havendo esforço de produzir algo “novo”, e sim apenas uma reformulação do que já foi transmitido. Importante ainda destacar a relação entre as lives e o horário, que geralmente acontecem durante a madrugada. Por isso, é possível pensar que elas refletem um “trabalho ininterrupto”, fruto de uma sociedade baseada na produtividade. Se não estão dando sua força de trabalho, os sujeitos consomem e agora disponibilizam dados durante a madrugada. Crary (2016) comenta sobre essa dinâmica: para ele, o ato de dormir é um dos únicos momentos em que o indivíduo faz algo que somente o beneficia. Talvez os estímulos dados pelas lives sejam uma espécie de “último roubo” do tempo ainda não vendido. Apontamentos Finais Os modelos de circulação da informação são reflexo da união das possibilidades técnicas de produzir e dos espaços midiáticos possíveis. 128 Por isso, as possibilidades de ser e estar em um ambiente como o digital dependerão sempre de acionamentos econômicos e técnicos. A popularização dos aparelhos eletrônicos e da internet permitiu essa dinâmica para sujeitos comuns, momento no qual a espetacularização e a organização do comum criaram uma demanda de audiência por identificação. Pensando nisso, apesar de criarem formatos que fogem de tendências hegemônicas, os influenciadores digitais e criadores de conteúdo podem ser utilizados como ferramentas estratégicas para grandes empresas tecnológicas e midiáticas. Apesar da liberdade de produção, os espaços de distribuição ainda possuem controle hegemônico, agora dominados pelas big techs. Manter esse domínio entre poucos permite que novas concessões dos direitos sobre esses conteúdos comecem a ser dadas, desde que feitas para as empresas que já possuem parte do controle. Ou seja, na dinâmica midiático-capitalista é possível dividir o capital simbólico e econômico extraído dos conteúdos, contato que seja com as empresas que já se estabeleceram em posições de poder. Além disso, esses novos formatos também reverberam outras questões de uma dinâmica midiático-capitalista, permitindo mudanças estéticas e nas formas de produção e otimização dos conteúdos criados. Ao passo que populariza as relações, pode acabar distribuindo responsabilidades que deveriam ser desses grupos midiáticos. Há também modificações no consumo, saindo dos horários convencionais e enredando-se de modo 24/7 na vida cotidiana, numa dinâmica que permite extrair por mais tempo a atenção da audiência. Portanto, em um novo ecossistema midiático, as relações dos conglomerados de mídia podem começar a migrar para um híbrido 129 de competição e cooperação, visando a manutenção do sistema capitalista e de seus líderes. O uso de atores midiáticos que transitam em diferentes linguagens são artifícios utilizados para serem ferramentas de engajamento e, consequentemente, crescimento de seus marcadores econômicos e simbólicos. Referências Campbell, C. (2006). Eu compro, logo sei que existo: as bases metafísicas do consumo moderno. In L. Barbosa & C. Campbell (Orgs.), Cultura, consumo e identidade. FGV. Cortes do Casimito. (2022a, 23 de janeiro). Casimiro vai transmitir o Documentário do Neymar | Cortes do Casimito [Vídeo]. YouTube. https://www.youtube.com/watch?v=4wavJ0itFKY Cortes do Casimito. (2022b, 24 de janeiro). Casimiro entrevista Neymar sobre seu documentário! | Cortes de Casemito [Vídeo]. YouTube. https://www.youtube.com/watch?v=buy1WxUt3cM&t=178s Crary, J. 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A revista Elle Brasil, depois do hiato de dois anos sem estar em circulação, retorna ao mercado editorial brasileiro em maio de 2020, com uma visão ainda mais positiva a respeito dos usos das tecnologias digitais e da internet na produção e distribuição do conteúdo. À frente 1. 2. Mestranda no Prog. de Pós-Graduação em Estudos da Mídia (PPgEM) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Integrante do Grupo de GeminiCNPq. [email protected] Doutora em Comunicação pela USP, professora do Prog. de Pós-Grad. em Estudos da Mídia pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Pesq. do Grupo de Estudos sobre GENEM. [email protected] 135 desses acontecimentos, podemos perceber que o gênero revista tem atravessado um momento de grandes transformações. Diante deste novo cenário, é imprescindível destacar que o relançamento da publicação tem foco na produção de conteúdo digital, maior presença nas redes sociais, além de transformar a revista impressa em um produto diferenciado e de alta qualidade. O estudo aqui apresentado investiga o processo e os formatos utilizados pela Elle Brasil para promover a produção de conteúdo em diversas plataformas, como também examina como são exploradas pela revista as múltiplas potencialidades que a narrativa transmídia (Jenkins, 2009) apresenta. Compreendemos que o novo modelo da Elle é uma mídia que traz consigo uma grande variedade de produtos. A partir deste contexto foi definido como objetivo desta pesquisa: analisar o uso do áudio como recurso transmidiático, especificamente o Pivô podcast3, vinculado à Elle Brasil. A escolha desta revista se deu pela sua relevância no setor, pois em meio à pandemia apostou em uma iniciativa pioneira que une formato digital e impresso e, graças à sua rápida evolução e originalidade na comunicação, lançou conteúdo em cinco plataformas diferentes, alcançando cerca de 20 milhões de impactos no digital (Propmark, 2020), com apoio de grandes anunciantes. O Pivô Podcast, como o próprio nome indica, é um dos primeiros produtos lançados em maio, juntamente com o site da revista, e seu formato é imprescindível para sua audiência. 3. O podcast da Elle Brasil passou a utilizar a nomenclatura Elle News, a partir do episódio #31, em fevereiro de 2021, que corresponde ao início da sua segunda temporada. 136 Para cumprir os objetivos deste trabalho, optou-se por utilizar o estudo de caso de caráter exploratório e descritivo. Com o objetivo de familiarizar-se com as estratégias transmidiáticas utilizadas pela revista Elle, a pesquisa caracteriza-se como exploratória, pois buscou conhecer com maior profundidade o assunto (Gil, 2008). Descritiva, porque terá como objetivo primordial a descrição das características e dos processos adotados nos episódios da primeira temporada do podcast criado pela revista Elle. Trabalharemos com uma amostragem referente à primeira temporada do podcast, totalizando 30 episódios, veiculados no ano de 2020. O problema da pesquisa buscou responder como a revista Elle transborda para além da edição impressa. Pretendemos, com este estudo, confirmar a hipótese de que a Elle Brasil utiliza o recurso do áudio como uma ferramenta que potencializa as narrativas para além da sua mídia regente, com o uso do formato podcast. As Transformações do Jornalismo de Revista Conhecidas como veículo de comunicação que mistura jornalismo e entretenimento (Scalzo, 2011), as revistas são periódicos que, com seu conteúdo apurado e suas informações complexas, resultam em uma compilação de textos e fotografias. Segundo Scalzo (2011, p. 19), a missão da revista é “destinar-se a públicos específicos e aprofundar assuntos - mais que os jornais, menos que os livros”. As revistas comunicam com eficácia, constroem marcas, conversam com seus leitores e os influenciam. Com seu texto mais criativo, conseguem captar a atenção e envolver os leitores emocionalmente. 137 Com essas características a revista “pratica um jornalismo de maior profundidade. Mais interpretativo e documental” (Vilas Boas, 1996, p. 9). Um dos maiores desafios do meio revista para garantir a sua viabilidade editorial, financeira e operacional é desenvolver estratégias de serviços e mecanismos que fortaleçam os vínculos de interação com seus leitores e estabeleçam com eles relações duradouras de confiabilidade, credibilidade e fidelidade. Atualmente, as estratégias de transmidiação vêm sendo uma ferramenta para isso. Cohn (2011, p. 241) ressalta dois aspectos relacionados ao formato análogo das revistas, “as que mantiveram a estrutura das revistas impressas, apenas as adequando ao suporte digital, e as que buscaram utilizar as ferramentas tecnológicas e sociais disponibilizadas por esse novo meio”, confirmando o uso de novas possibilidades de interação com os leitores. A acessibilidade às informações em plataformas online é um dos principais problemas enfrentados hoje nas editoras. Entretanto, com as mudanças ocorridas na economia, muitas revistas decidiram encarar os desafios das mudanças nos hábitos adaptando-se às novas possibilidades que a tecnologia oferece. Este é o caso do objeto de estudo desta pesquisa - a revista Elle Brasil. Revistas apresentam potencialidades que unidas à estratégia da convergência viabilizam a combinação de vários formatos em um único meio, criando uma nova capacidade de informar, de maneira mais dinâmica. Segundo Santaella (2010, p. 76), “fala-se em convergência como um momento decisivo da revolução tecnológica atual, como a principal característica dos mercados futuros e das infraestruturas tecnológicas, como estratégia para a inovação”. 138 Na atualidade, diversos aspectos contribuem para uma melhor comunicação midiática nas revistas, que variou desde a propagação dos smartphones e a consequente melhoria na qualidade da internet móvel ao aumento da presença online das revistas em redes sociais. Houve um investimento no digital e no tratamento das marcas como negócios multiplataformas, com veiculação de conteúdos exclusivos para diversos canais. O relançamento da revista Elle, em maio de 2020, tem seu foco voltado para o mercado digital e para a exploração dos potenciais da narrativa transmídia (Jenkis, 2009) com ênfase nas produções audiovisuais como vídeos, documentários e podcast. Compreendemos que o novo modelo da Elle é uma mídia que tem agregada consigo uma grande variedade de produtos. É neste ponto que reside a nossa investigação, pois entendemos que o conteúdo sonoro através do podcast Pivô é utilizado, nesta publicação, como uma estratégia de amplificação do conteúdo, bem como de proximidade e envolvimento com o leitor. A Revista Impressa e sua Transição para o Meio Digital Desde a Prensa de Gutenberg com tipos móveis na Alemanha em 1438, os panfletos esporádicos e documentos com informações tornaram-se cada vez mais frequentes. Esta técnica de impressão foi utilizada sem grandes alterações até o século XX para imprimir jornais, livros e revistas (Jeanneney, 2003). Assim, 200 anos depois, funcionando como um intermediário entre o jornal e o livro, surgem as revistas. As revistas souberam adaptar-se à evolução da procura e “tiraram partido do declínio dos jornais” (Jeanneney, 2003, p. 165), em um momento de mudança. 139 Para Scalzo (2011), as características mais importantes do jornalismo de revista são a periodicidade, o formato e o público. Os formatos mais comuns têm seus nomes de acordo com o tamanho de suas páginas, conforme demonstra Dourado (2013, p.10): “sabe-se que elas mudam os formatos (o magazine tem 20 x 26,5cm -, o americano 17 x 26 cm-, francês 12 x 19 cm, até a 26,5 x 34,8 cm)”. Com jornalismo mais analítico e menos factual, as revistas apresentam periodicidade maior que os jornais diários, podendo variar em semanal, quinzenal, mensal ou outra. Atualmente, são produzidas para públicos cada vez mais específicos, sendo uma alternativa que pode ocorrer por gênero, idade, temas etc. (Freire, 2016). De acordo com Vilas Boas, elas podem ser separadas em três grupos estilísticos: ilustradas, especializadas e de informação geral. Para ele “a especialização de uma revista pode ser temática ou segundo a segmentação dos leitores” (1996, p. 68). Tavares e Berger (2009, p. 310) ressaltam que “os sentidos de revista, embora despercebidos no cotidiano, marcam pragmaticamente (mesmo que de forma inconsciente) a produção que a envolve como um produto da comunicação e do jornalismo”. É perceptível que estamos inseridos no contexto da cultura da convergência, sendo necessário nos adaptarmos às diferentes plataformas digitais e suas mídias integradas. Por “plataforma” entendemos que seja a combinação de uso de uma determinada mídia com certo tipo de tecnologia (Pratten, 2011, p. 28). Dessa maneira, Fechine et al. (2013) complementa que é possível identificar diversas plataformas de distribuição de conteúdo em um mesmo meio. Por conseguinte, surge, com a emergência das novas tecnologias, uma nova forma de se consumir notícias. As informações que 140 até então eram disponibilizadas apenas por uma única mídia passaram a ser distribuídas entre diversos produtos midiáticos para atender às necessidades do público-alvo. Dourado (2013) cita as diversas etapas pelas quais o meio revista passou até chegar aos suportes digitais. Além do impresso, a revista passou pela fase dos CD-ROMs, que abrigavam o próprio produto ou os suplementos da edição; também passou pelos websites, que dependem da internet e possuem navegação multilinear. Em paralelo aos sites, a tecnologia começa a ser transferida para os celulares, que são dispositivos com maior mobilidade que os anteriores, por meio dos smartphones (Dourado, 2013). Na atualidade observamos que o segmento do jornalismo de revista vivencia uma crescente demanda por conteúdo multiplataforma para se ater às novidades disponíveis no mundo online. Segundo o livro História Revista, publicado pela Associação Nacional de Editores de Revistas ([ANER], 2011, p. 11), “esse fenômeno aumenta ainda mais a responsabilidade dos editores e a influência que o meio traz à sociedade. Tal revolução no conceito de revista serve como elemento para uma análise da real influência do meio no universo dos leitores”. Verifica-se, portanto, que o objetivo das revistas é encontrar uma forma de transportar todo o potencial comunicacional e informativo das versões em papel para seus conteúdos multiplataforma, que funcionam como um complemento do seu conteúdo editorial. Devemos considerar a importância da convergência e das novas formas de comunicação como meio fundamental para entender os atuais processos socioculturais de nossa sociedade, suas relações com os meios de comunicação, bem como para compreender o poder de expansão de 141 conteúdo e da experiência com o leitor que essas ferramentas de mídia possuem. Jenkins (2009, pp. 43-44) afirma que “a convergência de mídias é mais do que apenas uma mudança tecnológica. A convergência altera a relação entre tecnologias existentes, indústrias, mercados, gêneros e públicos”. Buscando acompanhar essa mudança, novas estratégias de distribuição multiplataforma foram pensadas para levar em conta as características de cada produto ou serviço para as diversas mídias, a fim de gerar interação e envolvimento e impactar o maior número de pessoas das mais variadas formas - algo que ficou conhecido como “narrativa transmídia” que, segundo Jenkins (2009), é: Uma história transmídia desenrola-se através de múltiplas plataformas de mídia, com cada novo texto contribuindo de maneira distinta e valiosa para o todo. Na forma ideal de narrativa transmídia, cada meio faz o que faz de melhor – a fim de que uma história possa ser introduzida num filme, ser expandida pela televisão, romances e quadrinhos; seu universo possa ser explorado em games ou experimentado como atração de um parque de diversões .(Jenkins, 2009, p. 138) Essa experiência transmídia torna-se possível nas revistas em forma de uma reportagem de capa, suplementos especiais sobre variados temas, entre outros. Compreendemos que diversos elementos podem compor uma narrativa transmidiática nas revistas impressas como: vídeos, áudios, fotos, infográficos interativos, mapas, games, tudo isso aliado às potencialidades das redes sociais e da internet. Esses mecanismos podem ser executados a partir da construção de uma proposta nova que conta com a preparação de material exclusivo e tratamento diferenciado nos conteúdos para as diferentes plataformas. 142 O editor jornalístico da revista deve perceber quais histórias podem e devem ser contadas através da narrativa transmídia, bem como deve identificar quais são as melhores formas de usar o potencial de cada meio para contar as diferentes partes da história. Entendemos que esses elementos apresentam grandes possibilidades de contribuir para a criação de narrativas transmídias no jornalismo de revista, pois o leitor está cada vez mais interessado em interagir com o conteúdo e com seus elementos, escolhendo seu próprio roteiro de leitura. Dessa maneira, entendemos que o conteúdo terá vários desdobramentos, atendendo às especificidades dos dispositivos, não apenas repetindo e adaptando o conteúdo mas, sim, mudando a narrativa para o ambiente no qual a mensagem será usada. Como reforçam Gambarato et al. (2016, p. 1448), “a cobertura de mídia envolve planejamento editorial específico em cada instituição de mídia”4. Trajetória da Revista Elle A revista Elle surgiu na França, em 1945. Idealizada por Hélène Gordon-Lazareff, a publicação era voltada para a jovem mulher de classe média e tratava, principalmente, de assuntos relacionados à moda (Scalzo, 2011). A partir da década 1980, após ser comprada pelo grupo francês Largardère, torna-se uma marca internacional incorporando edições em diversos outros países (Carmo, 2016) - o título atualmente está presente em mais de 60 países com 46 edições. Sua versão brasileira foi lançada em maio de 1988 e foi publicada pela Editora Abril. A revista oferecia 4. No original: “Media coverage involves specific editorial planning in each media institution”. 143 uma proposta mais traduzida, para uma classe média alta e menos conceitual do que a já consolidada pela revista Vogue, frequentadora das casas das elites brasileiras desde 1975 (Elman, 2016). Em agosto de 2018, oriundo de um grande processo de restruturação e alegando queda expressiva das receitas de publicidade, nas vendas de assinaturas e em bancas, o grupo Abril informou que estava reformulando o seu portfólio de marcas da editora e, embora líder no segmento, a revista Elle foi descontinuada juntamente com outros 11 títulos, encerrando-se assim uma parceria de 30 anos (Rosa & Matos, 2018). Em meio à pandemia do novo Coronavírus, quando diversas revistas tiveram suspensão de suas versões impressas e circulação alterada em consequência do impacto sofrido pela crise sanitária, que teve início em março de 2020, a Elle Brasil foi relançada por uma empresa de audiovisual, o Grupo Papaki. A nova versão brasileira de Elle volta repaginada para o universo virtual sob o comando da diretora editorial Susana Barbosa, da publisher Paula Mageste e da diretora comercial Virginia Any, todas com passagem pela primeira fase da publicação pela Editora Abril. O licenciamento da marca está previsto para durar cinco anos com foco no digital, na produção audiovisual, novos modelos de conteúdo e negócios. De acordo com a publisher da revista, Paula Mageste, “a edição brasileira sempre foi uma das mais relevantes da rede mundial da Elle. Os franceses buscavam novos parceiros e apostaram na nossa visão para o futuro da marca” (T. Monteiro, 2020). Nesse novo contexto, o impresso passou a ser tratado como um produto de luxo, distribuído em livrarias e com vendas pelo site. Com tiragem de quinze mil exemplares e periocidade trimestral, dispõe 144 de quatro edições ao longo do ano (março, maio, setembro e dezembro). Os volumes colecionáveis têm o cuidado de oferecer um conteúdo que realça o caráter analítico e atemporal. Publicado em um tamanho diferenciado, com papel especial com origem de reflorestamento e acabamento de livro, tornou-se um coffee table book5 em outubro de 2020. Em sua estreia, a revista contou com quatro opções de capas: com o cantor e compositor Gilberto Gil, a filósofa Djamila Ribeiro, a cantora Iza e a rapper Katú Mirim (Figura 01). Figura 01 As quatros opções de capa da revista impressa Elle Brasil – Setembro 2020 Nota. Captura de tela do site https://elle.com.br De acordo com seu perfil no Linkedin, a Elle Brasil tem como missão “inspirar as mulheres a explorar e celebrar seu próprio estilo em todos os aspectos de suas vidas”. A marca está nas redes sociais Instagram (ELLE Brasil, s.d.-a), Facebook (ELLE Brasil, s.d.-b), Twitter (ELLE Brasil, s.d.-c) e YouTube (ELLE Brasil, s.d.-d). Existe ainda um grupo 5. É um livro de mesa de centro de grandes dimensões, geralmente de capa dura, cujo propósito é ser exibido em uma mesa destinada a ser usada em uma área na qual servirá para entreter os convidados e da qual pode servir para inspirar uma conversa ou passar o tempo. 145 privado na rede social Facebook (Elle, o grupo) que funciona como um espaço de aproximação entre a leitora e o título, servindo para compartilhar informações e trocar experiências. Possui também uma newsletter semanal que antecipa as matérias em seu site, o https://elle.com.br, que reúne o conteúdo digital com acesso a vídeos, podcasts, bem como sua versão digital mensal chamada “Elle View”, que estreou em julho de 2020 com uma reflexão sobre o contato, em suas várias formas e significados, e conta com conteúdo exclusivo somente para assinantes. Sua presença virtual também é marcada pela difusão da hashtag #OlhaElle. As Estratégias de Transmidiação da Revista Elle Haja vista a crise no mercado editorial de publicações, o impresso não deve ser tratado como única opção pela empresa, já que sua receita oriunda de publicidade e assinatura não será suficiente para manter a revista em funcionamento. Por isso, o novo projeto de Elle Brasil caracteriza-se como um conteúdo multiplataforma com propriedades de uma narrativa transmídia que possui a revista impressa e demais canais digitais (podcast, site, redes sociais, newsletter) nos quais os conteúdos são associados entre si e estão ancorados nas práticas de convergência e participação propiciadas pelos meios digitais em que cada canal contém um processo próprio de exposição. Tais plataformas conversam entre si a partir do recurso transmídia, de modo que há estratégias e práticas específicas para cada meio, sendo o conteúdo apresentado de maneira diferente em cada plataforma. São histórias abordadas em mídias distintas, mas que estão interligadas por um enfoque integrado. Isso ocorre, à medida que o leitor é estimulado 146 a pesquisar novas informações e a conectar os conteúdos que estão aparentemente dispersos. Expansão e participação (Scolari, 2013) são características fundamentais da narrativa transmídia, assim, a Elle Brasil criou o Pivô Podcast, como mais uma forma de expandir seu conteúdo e estimular a participação de seus leitores, de modo que o título mantém o fascínio pela marca, mas não necessariamente será sua principal fonte de informação. No atual cenário, a Elle Brasil resolveu associar sua marca, que é reconhecida como sucesso pelo mercado, apostando em negócios multiplataformas que oferecem inúmeras possibilidades, aliando o nome da revista, tanto no online quanto no offline, em eventos e cursos, em parceria com os anunciantes. Em menos de um ano de relançamento, a Elle viabilizou formatos arrojados (em vídeo, áudio e texto - como o “Podcast Money Stories”), cocriados com o Banco de Investimento Brasileiro, o BTG Pactual; uma série de mini-docs sobre a relação das mulheres com o poder, em parceria com a joalheria Tiffany e uma plataforma de cursos online para os empreendedores de moda, com o Banco Santander, a “Santander + ELLE Consulting”. Agregados sob o mesmo guarda-chuva da marca Elle, tanto a publicação impressa como a digital, o podcast, o site, as redes sociais e a newsletter investem em conteúdos autônomos que se complementam e proporcionam a facilidade de acesso a assuntos em múltiplas plataformas simultaneamente. A união da informação com o formato áudio constituem a fórmula para a criação do Podcast Pivô. Lopez e Catanni (2013, p. 174) propõem que “através do som é possível informar, construir um cenário, atribuir ritmo ao conteúdo, determinar o fluxo da informação, envolver”. 147 Entendemos que as revistas se configuram como um bom cenário para a exploração desses recursos sonoros, que podem ser utilizados como uma estratégia para aprofundar o conteúdo ou para aproximar e envolver o leitor, como faz o rádio. Segundo Primo (2005, p. 6), o podcast é “uma nova forma de produção e escuta de informações sonoras” que busca utilizar todos os recursos da linguagem sonora e radiofônica. Essa mídia, de modo genérico, também pode ser compreendida como programa de rádio tradicional, disponível na internet, sem ondas (Kischinhevsky, 2007). Os podcasts tornaram-se populares e têm como característica sua facilidade de produção e distribuição atingindo, assim, um grande público no mundo inteiro. Paz (2007, p. 6) define o podcast como “todo o processo de produção de material digital (áudio, vídeo, texto ou imagem), com publicação e distribuição na Internet, e possibilidade de download para os subscritos”. O termo Podcasting é a junção das palavras iPod e broadcast (transmissão via rádio) e surgiu em 2004, por meio de artigo do jornalista britânico Ben Hammersley para o diário The Guardian (Bonini, 2020). Segundo o relatório State of the Podcast Universe, publicado pela Voxnest, o Brasil lidera o ranking de países onde a produção de podcasts mais cresceu desde o início de 2020, sendo os podcasts de língua portuguesa os que apresentaram maior índice de crescimento (“Produção de podcasts no Brasil cresce durante a pandemia”, 2020). Esses dados reafirmam que o podcast tem ganhado muito espaço, especialmente como um negócio rentável entre publicações especializadas em moda e marcas de luxo nos últimos anos. Atento ao crescimento do mercado, a Elle Brasil criou um canal de comunicação digital - importante 148 instrumento para garantir mais proximidade e conexão com os leitores, o Pivô Podcast. O Podcast Pivô como Estratégia de Transmidiação na Revista Elle Com intuito de proporcionar diversas experiências para seu público, como a interação com o ambiente sonoro, a revista Elle produz semanalmente o Podcast Pivô, que é disponibilizado gratuitamente nas principais plataformas de streaming como Spotify, Apple Podcast, Google Podcast, Overcast, Deezer e também pelo feed RSS. Lançado em 24 de maio de 2020 pela editora da Elle Brasil, Susana Barbosa, o episódio (#01 Bem-vindo ao Pivô, o podcast da Elle Brasil) (Redação ELLE, 2020) dá boas-vindas aos leitores e os convida a tornarem-se ouvintes e a acompanhar os mais relevantes fatos da moda em formato de podcast. Atualizado sempre às segundas-feiras, o Podcast Pivô tem em média entre vinte e trinta minutos de duração e lançou trinta edições durante o ano de 20206. Segue abaixo, o quadro com as características detalhadas sobre a primeira temporada do podcast Pivô. A proposta do Podcast Pivô é fazer um resumo das principais notícias de moda da semana e entrevistas com nomes expressivos do mercado. O podcast apresenta características de um radiojornal, que Chantler e Harris (1998) definem como: 6. O Podcast apresentou um episódio retrospectiva em 14 de dezembro de 2020 e logo após entrou em um período de recesso. Nesta pesquisa adotaremos a nomenclatura da primeira temporada para definir este conjunto de 30 episódios lançados no ano de 2020. 149 Nele as notícias mais antigas podem ser aproveitadas e outras, mais aprofundadas. A apresentação desses radiojornais também é bem diferente. Eles podem ser menos formais e podem ser apresentados por duas pessoas, em forma de diálogo. Algumas vezes chegam a se transformar em uma conversa entre dois locutores. Os radiojornais podem, ainda, ter comentaristas ou especialistas convidados para dar opiniões ou notícias. (Chantler & Harris, 1998, p. 162) Quadro 1 Características do Pivô Podcast EPISÓDIO* TÍTULO* DURAÇÃO PUBLICAÇÃO #01 Bem-vindo ao Pivô, o Podcast da Elle Brasil 2 minutos e 19 segundos 24 de maio de 2020 #02 Máscaras, desfiles e o business pós-Covid 19 16 minutos e 11 segundos 01 de junho de 2020 #03 Moda, política e redes sociais 15 minutos e 26 segundos 08 de junho 2020 #04 Desfiles: de onde vieram, para onde vão 16 minutos e 21 segundos 15 de junho de 2020 #05 Streetwear, sustentabilidade e economia 18 minutos e 16 segundos 22 de junho de 2020 #06 Moda é coisa de “viado”? 25 minutos e 44 segundos 29 de junho de 2020 #07 Apropriação cultural, Facebook e Kanye West 27 minutos e 25 segundos 06 de julho de 2020 #08 Você sabe o que é alta-costura? 26 minutos e 18 segundos 13 de julho de 2020 #09 Rihanna, câmeras nos bastidores e Hood by Air 25 minutos e 20 segundos 20 de julho de 2020 #10 CFDA, Vivienne Westwood e desfiles presenciais 20 minutos e 37 segundos 27 de julho de 2020 #11 Kansai Yamamoto, Gucci genderless e Tik Tok 24 minutos e 18 segundos 03 de agosto de 2020 #12 Redes sociais sob pressão, Beyoncé e Camila Coelho 23 minutos e 21 segundos 10 de agosto de 2020 #13 O que é cópia na moda? 20 minutos e 58 segundos 17 de agosto de 2020 150 #14 Margiela, Cardi B e Joe Biden, Telfar versus Bots 19 minutos e 42 segundos 24 de agosto de 2020 #15 Roupas antivirais e tênis de realidade aumentada 19 minutos e 52 segundos 31 de agosto de 2020 #16 Vestido de morango, gordofobia e Camila Coutinho 21 minutos e 39 segundos 07 de setembro de 2020 #17 Um setembro como nenhum outro 19 minutos e 36 segundos 14 de setembro de 2020 #18 Marc Jacobs, Gareth Pugh e Amazon de Luxo 22 minutos e 45 segundos 21 de setembro de 2020 #19 Dissecando: Prada com Raf Simons 23 minutos e 02 segundos 28 de setembro de 2020 #20 Helmut Lang, desfiles e a volta da Elle 21 minutos e 36 segundos 05 de outubro de 2020 #21 Kenzo Takada, Paris e Supermodels 25 minutos 12 de outubro de 2020 #22 A vez do Upciycling 17 minutos e 15 segundos 18 de outubro de 2020 #23 Vida de Figurinista, Iza e #EndSars 29 minutos e 26 segundos 26 de outubro de 2020 #24 Moda PCD e SPFW 25 anos 33 minutos e 58 segundos 02 de novembro de 2020 #25 O que você precisa saber da SPFW 24 minutos e 52 segundos 09 de novembro de 2020 #26 Supreme, Kamala Harris e GucciFest 16 minutos e 32 segundos 16 de novembro de 2020 #27 Gucci: passado, presente, futuro 26 minutos e 23 segundos 23 de novembro de 2020 #28 Resale e 47ª Casa de Criadores 19 minutos e 22 segundos 30 de novembro de 2020 #29 Balenciaga: De Cristóbal a Demna 16 minutos e 37 segundos 07 de dezembro de 2020 #30 Retrospectiva 2020 25 minutos e 53 segundos 14 de dezembro de 2020 *Ordem e títulos dos episódios conforme publicado no site da Revista Elle e em todas as plataformas de áudio. Nota. Adaptado de Pivô Podcast, 2020. Os episódios são apresentados em dupla, pela redatora-chefe Patricia Oyama e pelo repórter de moda da ELLE, Gabriel Monteiro. 151 O programa jornalístico conta com episódios sobre eventos, estilistas, desfiles e acontecimentos de moda e beleza. O podcast apresenta linguagem jovem e descontraída e por muitas vezes faz uso de gírias e memes em seus episódios. Geralmente, sua estrutura segue um formato no qual, além do tema principal, comumente são abordados mais dois assuntos. Os episódios começam com a apresentação do tema principal seguido das demais manchetes de notícias que serão tratadas ao longo programa, seguido da apresentação dos narradores e do texto recorrente que diz “Você está ouvindo o Pivô Podcast, que reúne as principais notícias de moda da semana comentadas pela equipe da Elle Brasil”. Após a exposição dos temas, é exibido um giro de notícias, em que assuntos que foram pauta na semana são comentados rapidamente. Já na fase final de cada episódio é apresentado o quadro “Dica da Semana”, em que convidados indicam e comentam suas sugestões no universo cultural, que variam entre filmes, séries, músicas, literatura, newsletters e programações virtuais. Nos segundos finais do episódio, os apresentadores creditam os trechos dos áudios que foram utilizados. Destacamos que a produção do podcast faz uso de trilhas de passagem que são adicionadas pelos produtores na edição e que sinalizam o encerramento de um tema. Essas trilhas são músicas que normalmente conversam com o tema apresentado variando entre trilhas sonoras de desfiles, óperas e canções do mundo pop, que vão desde os sucessos da cantora pop Rihanna ao legendário Paul McCartney. Os quadros “Giro de Notícias” e “Dica da Semana” possuem uma vinheta instrumental personalizada de abertura que define seu início. No giro, essa vinheta também demarca a troca de temas. 152 O podcast convida os ouvintes-internautas (Lopez, 2010) a participarem, seja sugerindo pautas, perguntando, seja conversando através das redes sociais da Elle Brasil ou pelo grupo no Facebook. Shirky destaca a importância desse tipo de uso: “as redes digitais barateiam o compartilhamento e tornam a participação potencial quase universal” (Shirky, 2011, p. 102). Identificamos a participação de um leitor no quadro “Dica da Semana”, episódio #17 – Um setembro como nenhum outro, quando o ouvinte Ednaldo Fonseca, de Petrolina, participa via áudio dando uma dica musical ao jornalista. Os produtores do podcast, atentos às barreiras de comunicação que se impõem ao uso de sonoras em língua estrangeira, embora não utilizem o recurso de dublagem, buscam sempre traduzir a ideia geral das falas ou das aspas do trecho apresentado e a identificação do falante facilitando a interpretação do público, como podemos observar no episódio #26 Supreme, Kamala Harris e GucciFest (G. Monteiro, 2020a), em que é apresentado o trecho do áudio em inglês do discurso de vitória da vice-presidente eleita dos Estados Unidos Kamala Harris, para logo em seguida sua ideia central ser traduzida para os ouvintes. But while I may be the first woman in this office, I won’t be the last. Because every little girl watching tonight sees that this is a country of possibilities. Esse foi um dos trechos mais aplaudidos do discurso de vitória de Kamala Harris, em que ela diz que, embora seja a primeira mulher eleita pro cargo de vice-presidente dos Estados Unidos, ela não será a última (Pivô Podcast, 2020). A publicação demonstra preocupação com a acessibilidade e disponibiliza as transcrições dos episódios na íntegra através do site da revista, no qual, ainda que de forma escassa, é utilizado o recurso 153 do hiperlink, fundamental para estimular a leitura de matérias no site da revista sobre o tema debatido durante o episódio. Os apresentadores atuam como um importante elemento na divulgação da revista digital e impressa, como podemos observar neste trecho do episódio #28 Resale e 47ª Casa de Criadores (G. Monteiro, 2020b), em que relacionam o tema games e avatares virtuais, citado no episódio, com a edição de agosto da revista digital: Gustavo: “Isso me lembrou bastante de uma edição nossa da ELLE View, né Pat! A de agosto desse ano, na qual mergulhamos sobre o universo das roupas digitais. Patrícia: Isso mesmo, as roupas que existem apenas virtualmente e estão fazendo uma revolução dentro da indústria. Vale muito ler essa edição completa, que está disponível pra assinantes no site da ELLE” (Pivô Podcast, 2020). O podcast da Elle tem como “Pivô” a moda e as informações enquanto negócio, cultura e estilo de vida, porém, busca trazer uma abordagem moderna e antenada com temas atuais, apresentando diversidade social e oferecendo discussões relevantes, com as quais é possível despertar consciência política, social e ambiental. Como ressalta Joffily, “apresentar o que há à disposição no mercado, mas também, avaliar e apontar as ligações da moda num sentido mais amplo” (Joffily, 1991, p. 87). Esta produção em áudio trouxe pautas como equidade de gênero, representatividade, apropriação cultural, sempre relacionando a moda com a sociedade e o momento atual. São temas que conversaram desde moda periférica, passando pela pluralidade da comunidade LGBTQI+ até a luta antirracista. 154 Os dados apresentados no último episódio da temporada sobre a retrospectiva 2020 corroboram com a estratégia do Pivô Podcast de produzir e veicular informações de interesse de vários grupos. E deu certo, uma vez que, dos trinta episódios disponibilizados pelo Pivô podcast, foram veiculados 616 minutos de programa, mais de 31 mil plays, 62 convidados, incluindo participações da redação, entrevistas com especialistas e convidados especiais como a cantora Iza, o cantor Arnaldo Antunes, a influenciadora digital Camila Coutinho, a apresentadora de TV Marina Santa Helena e oito episódios especiais sobre marcas ou estilistas. Além de abordar notícias de moda relativas ao momento atual (Bradford, 2015), como a cobertura de eventos, entre eles a São Paulo Fashion Week, (SPFW) e a Casa de Criadores, uma vez que foi criado em um ano atípico, pois vivenciava uma pandemia, o Pivô fez uso, em diversas ocasiões em que as notícias de moda eram escassas, de matérias de comportamento (Joffily, 1991), como perfis de estilistas e marcas. Os fashion features são textos que não têm relação imediata com os acontecimentos e ganham forma geralmente como reportagens de moda. Segundo Bradford (2015, p. 115), “estão menos ligados à agenda de notícias do que às notícias e podem explorar qualquer assunto, desde que seja interessante para o leitor alvo”. Ressaltamos que o uso do podcast não é uma prática “crossmidiática” dos conteúdos apresentados no site ou em suas publicações (impressa e digital), assim sendo, percebemos que todos os conteúdos são idealizados levando em conta o formato em áudio. Identificamos uma deficiência no uso de fotografias/imagens que exemplifiquem os temas e personagens citados nos episódios. A utilização desses recursos 155 imagéticos, além de estimular o tráfego entre as redes sociais e o site da revista, servem para complementar a experiência sonora. Já que é possível providenciar que as imagens por eles descritas sejam disponibilizadas em suas redes sociais ou até mesmo no espaço destinado ao podcast no site da revista. Considerações Finais Ao investigar e analisar o uso do áudio (podcast) como um recurso de transmidiação pela revista Elle Brasil foi possível identificar uma estratégia editorial que consegue ampliar o conteúdo da revista, com temas complementares e relacionados com o conteúdo das versões impressa e digital. Desse modo, compreende-se o contexto de transformações do jornalismo de revista, no cenário de transição do impresso para o digital, por meio de estratégias de transmidiação, como o Pivô Podcast, entre outras, identificadas durante a pesquisa. Revela-se, assim, um processo efetivado de digitalização e virtualização do conteúdo da revista que nasceu originariamente impressa, e que no cenário de convergência encontrou alternativas para se reinventar, adaptando-se ao novo contexto. O Pivô Podcast é a resposta ao problema desta pesquisa, porque através da análise minuciosa de uma temporada, foi possível observar que a construção da narrativa sonora, de forma organizada e roteirizada, constitui-se, de acordo com Fechine (2013), estratégias e conteúdos transmídia de propagação com conteúdos informativos que “oferecem ao destinatário-consumidor informações associadas ou correlacionadas ao texto de referência” (Fechine, 2013, p. 41) que, neste caso, são as versões impressa e digital da revista Elle. Nas estratégias de expansão, 156 a categoria conteúdos de extensão textual, de acordo com Fehine (2013; p. 44), “é responsável por desdobramentos narrativos. Como o nome sugere, estende o texto de referência”. Neste estudo é possível identificar as subcategorias “extensões narrativas” e “extensões diegéticas”. As extensões narrativas são definidas por Jenkins (2009) como transmedia storytelling. No caso da revista Elle Brasil, as extensões narrativas são configuradas por meio do site e das redes sociais digitais, que disponibilizam conteúdos diferenciados. Com os resultados desta pesquisa revelam que, na prática, as propostas de Jenkins (2009) relativas à convergência como um processo contínuo, com diferentes sistemas em uma relação, está em curso. O fenômeno observado também corrobora com a proposta do autor, de que a transmídia - e por consequência as suas estratégias e conteúdos também - se apoiam em uma tríade composta pela convergência dos meios, pela cultura participativa e pela inteligência coletiva, na qual a mídia revista está se inserindo em busca de uma relação mais efetiva com o seu público leitor. Referências Bonini, T. (2020). A “segunda era” do podcasting: reenquadrando o podcasting como um novo meio digital massivo. Radiofonias– Revista de Estudos em Mídia Sonora, 11(1). Bradford, J. (2014). Jornalismo de moda. Routledge. Carmo, L. C. D. (2016). 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Summus Editorial. 162 IMERSÃO E INTERATIVIDADE EM NARRATIVAS “PERVASIVAS” TRANSMÍDIA Carlos Pernisa Júnior1 A ideia central deste artigo é tratar da possibilidade de imersão e interatividade em narrativas que têm como característica serem “pervasivas”. O objetivo principal é mostrar que elas podem ser consideradas também como transmídia. Para isso, primeiramente, vão ser definidos os termos em destaque no texto: imersão, interatividade, narrativas “pervasivas” (pervasive storytelling) e transmídia/ttransmidiáticas. É preciso, também, verificar como autores que são importantes para esta discussão tratam destas questões em seus trabalhos. Por fim, a proposta é fazer considerações sobre transmídia e histórias “pervasivas” e como estas têm características imersivas e interativas. Em estudos feitos na Universidade Federal de Juiz de Fora (MG) no “Laboratório de Mídia Digital”, grupo de pesquisa vinculado 1. Doutor em Comunicação. Professor na Universidade Federal de Juiz de Fora MG/Faculdade de Comunicação. [email protected] 163 ao CNPq e localizado na Faculdade de Comunicação, especialmente em um trabalho de mestrado na área de Ciência da Computação do discente Pedro Ventura Almeida2, que integra a equipe e participa também do Laboratório de Aplicação e Inovação em Computação, foram constatadas possibilidades de criação de histórias pervasivas (pervasive storytelling) que integrassem experiências imersivas (Murray, 2003) e também interatividade. A narrativa “pervasiva” engloba a ideia de se utilizar a estrutura da Internet para imersão e interação daquele que estiver participando do desenrolar de uma história. Como ela é feita utilizando-se do ambiente e de dispositivos conectados, também pode assumir características transmidiáticas, e é isso que se pretende demonstrar aqui. Assim, é necessário entender que uma história é, na maioria das vezes, imersiva. Sua possibilidade de interação depende do grau de relação que a audiência tem com ela. Por fim, a maneira como ela é contada pode ser “pervasiva” e também transmidiática. Imersão O fato de uma história ser contada de modo que a audiência sinta-se como “levada para dentro dela” é a principal característica da imersão. Basicamente, desde os tempos primordiais, contar um fato por meio de uma narração tem esta capacidade de levar quem escuta o relato a imaginar o que está se passando no que está sendo narrado. 2. Mestre em Ciência da Computação (2021) pelo PPGCC da UFJF. Membro do Laboratório de Aplicação e Inovação em Computação ((LApIC) e do Laboratório de Mídia Digital (LMD). Para maiores referências sobre histórias “pervasivas”, consultar diretamente a sua dissertação de mestrado que consta nas referências deste trabalho. 164 Esta imersão não está presente somente em narrativas com imagens. Muito antes disso, as histórias contadas por relatos orais já tinham este poder de fazer as pessoas se sentirem “dentro dos acontecimentos”. No entanto, nem sempre isso é de todo possível. A capacidade de imersão tem limites, como coloca Janet Murray, em Hamlet no holodeck (2003). Ela mesma explica o que entende como imersão: “Imersão” é um termo metafórico derivado da experiência física de estar submerso na água. Buscamos de uma experiência psicologicamente imersiva a mesma impressão que obtemos num mergulho no oceano ou numa piscina: a sensação de estarmos envolvidos por uma realidade completamente estranha, tão diferente quanto a água e o ar, que se apodera de toda a nossa atenção, de todo o nosso sistema sensorial. (Murray, 2003, p. 102) Em seguida, ela explica que a imersão depende de uma crença por parte de quem está imergindo na história. Murray cita o psiquiatra infantil D. W. Winnicott, por meio dos “objetos transicionais”, para falar de uma experiência ilusória que se sustenta numa posição psicológica ambígua, onde o faz de conta tem que se manter de um modo paradoxal e sustentado por elementos do mundo físico (Murray, 2003, p. 103). O poder daquilo que Winnicott chamou de experiências “transicionais” vem do fato de que “a coisa real é aquela coisa que não está lá”3. Para sustentar tão poderoso transe imersivo, portanto, temos que fazer algo inerentemente paradoxal: precisamos manter o mundo virtual “real” fazendo com que ele permaneça “fora dali”. Precisamos mantê-lo em perfeito equilíbrio no limiar do encantamento, sem deixar que ele desmorone para um lado ou para o outro. (Murray, 2003, p. 103) 3. Winnicott, Playing and Reality, 123 (Nota da autora). Em português, o livro foi publicado como O brincar e a realidade. 165 Ela diz que este transe limiar é por natureza frágil e que todas as formas de arte narrativa desenvolveram maneiras de mantê-lo. Assim, explica-se porque nem sempre a imersão é possível em uma narrativa. Caso haja a perda deste transe limiar, a imersão pode ser rompida. O “objeto transicional” está ali exatamente para manter este transe. No caso das narrativas, há a aceitação por parte da audiência daquilo que está sendo contado, sem a interposição de qualquer questionamento sobre este relato. Ou seja, quem escuta a história não está ali para fazer perguntas ou contestar o que está ouvindo, mas apenas tende a fruir o que está sendo contado, sem, no entanto, ser apenas alguém passivo diante dele. Há sempre espaços para construções mentais que auxiliem na compreensão da história. A narrativa, conforme o que foi dito, tem características que são imersivas por natureza. Contudo, há necessidade de se manter a ilusão pelo paradoxo que não questiona a veracidade da própria história. Ainda assim, há espaço para que o antigo receptor, que Janet Murray chama agora de interator4 (2003), participe da trama. E quando se fala em participação, a imersão também está relacionada com outro aspecto aqui relacionado: a interatividade. Interatividade Uma história interativa coloca desafios ainda maiores do que os da imersão. Se a necessidade de se manter uma ilusão tem que continuar, há ainda a questão de se colocar decisões na trama a cargo de quem a 4. A ideia de interator vem de Janet Murray, em Hamlet no holodeck (2003), indicando o fruidor da obra, que não é mais leitor, ouvinte ou espectador e não seria também o usuário dos computadores. 166 está acompanhando. A ideia de interator ganha mais força, deixando termos como receptor ou espectador completamente fora de questão. A interação pressupõe uma atividade por parte de quem antes fruía a história de outra maneira. Alex Primo (2000), analisando a interação, destaca dois tipos: a reativa e a mútua. A primeira não tem muitas consequências, pois consiste em uma reação a algo proposto por quem assume o papel de autor/emissor. Já a segunda leva a muitas possibilidades de alterações da própria trama, por pressupor uma ação efetiva de quem está acompanhando a história, de tal modo que esta ação tenha algum grau de interferência no decorrer da narrativa. John B. Thompson (2018), por sua vez, relata a possibilidade de quatro tipos de interação: a face a face, a mediada, a quase-interação mediada e a mediada on-line. Partindo deste autor, há a colocação da mediação, e isso interfere no modo como se dá a interação. O que leva a duas posições diante da relação entre sujeitos e meios: a dos que não fazem distinção entre as interações e as colocam também como interatividade e aqueles que fazem a separação entre interação — que seria necessariamente entre pessoas — e interatividade — que se daria entre humanos e máquinas. No presente artigo, não é feita esta distinção, e mesmo Thompson não cria esta divisão. Para ele, a interação face a face é aquela feita entre as pessoas diretamente, ou seja, sem nenhum tipo de mediação. As outras três formas de interação são feitas com mediação. A primeira, a mediada, usando-se um meio que pode ser carta, telefone ou e-mail, por exemplo; a segunda, a quase-interação mediada, pressupõe a existência de um meio de comunicação que se utiliza de um modelo de um para muitos; 167 e a terceira, a mediada on-line, é a mais recente e utiliza-se das redes e plataformas digitais em um modelo que é de muitos para muitos. O que se deve ter em mente aqui é que, interatividade ou interação, há uma relação aí presente e esta interfere também na narrativa que estiver indo contada. A relação também vai indicar o grau de ação efetiva que a audiência pode ter em relação à história, ou seja, se a interação será reativa ou mútua. Narrativa “Pervasiva” Numa outra perspectiva, há que se demonstrar também a possibilidade de uma história ser “pervasiva” e adotar a imersão e a interatividade/interação como estratégias para seu próprio desenvolvimento. A ideia de narrativa “pervasiva” vem da computação. Segundo Pedro Ventura Almeida (2021, p. 20), o paradigma de computação “pervasiva” é aquele que prevê a capacidade de o usuário/interator acessar diferentes dispositivos, móveis ou não, em qualquer lugar e a todo momento, de forma que estes como que “desapareçam” para quem os está usando. Isso não quer dizer que as pessoas não vejam os dispositivos, mas que eles não sejam percebidos, tal a familiaridade e naturalidade no uso, como se eles fossem “transparentes”, no contexto que Murray (2003) dá ao termo. No âmbito das histórias, esta transparência permite expandir narrativas convencionais por meio da computação ubíqua e “pervasiva”, gerando maior imersão adaptada ao contexto e não deixando o usuário/interator perceber a utilização desses dispositivos em tempo real e fazendo com que sua experiência na história torne-se uma realidade (Almeida, 2021, p. 20). O resultado é uma história contada em tempo 168 real com a utilização do ambiente ao redor, por meio dos dispositivos que estiverem passíveis de uso para auxiliar neste processo, no qual o interator tem papel relevante e, embora não seja um jogador, pois se trata de uma história e não de um game, pode determinar ações que vão se desenvolver no desenrolar da narrativa. Deste modo, percebe-se bem que a imersão e a interatividade estão profundamente ligadas às histórias “pervasivas”. A possibilidade de se usar o ambiente para contá-las, com o auxílio dos mais diversos dispositivos, sejam eles móveis, pessoais ou de Internet das Coisas (IoT), foi tratada como uma forma que trará mais sensação de presença e de imersão e também maior participação e interatividade da parte do usuário/interator por Pedro Ventura Almeida (2021). As histórias passam a poder ser contadas com o que existe ao redor do interator, de forma pervasiva, sem que ele perceba como a contação está controlando dispositivos e/ou que os mesmos capturem informações. A história pode ser adaptada não somente com decisões e controle de quem a consome, mas também com o que existe no contexto onde o indivíduo se encontra. (Almeida, 2021, p. 23) Com isso, pode-se perceber que uma história “pervasiva” pode ter um alto grau de imersão e de interatividade, pois faz com que o interator passe a ter poder de decisão sobre o desenrolar da mesma em diversos níveis e com o controle do próprio ambiente onde ele esteja, ainda que, algumas vezes, ele mesmo não perceba esta interferência por existir uma “transparência” afetando a sua relação com os dispositivos. 169 Narrativa Transmídia ou Transmidiática Por fim, deve-se tratar aqui de transmídia, de modo a entender como as histórias “pervasivas” podem ser entendidas como narrativas transmídia ou transmidiáticas5, conforme o conceito de Henry Jenkins (2009a). Para isso, deve-se perceber primeiro como o autor trata do conceito de narrativa transmídia. Ele aponta, inicialmente, pelo menos três aspectos fundamentais deste tipo de narrativa: a construção de universo/mundo; a sua característica de acontecer em mais de dois meios, pelo menos; e não ser uma mesma história sendo recontada em diversos meios, fator que caracteriza basicamente a crossmídia. Jenkins trata de narrativa transmídia em Cultura da convergência (2009a), com algumas características bem marcadas, mas ele estende o conceito algum tempo depois, em seu blog, quando trata de mais alguns aspectos a serem considerados e traz agora sete princípios (2009b, 2009c). Neles, ele repete a questão da construção de mundo/ universo (“Worldbuilding”) e também fala de: espalhamento x aprofundamento (“Spreadability vs. Drillability”); continuidade x multiplicidade (“Continuity vs. Multiplicity”); imersão x extração (“Immersion vs. Extractability”); serialidade (“Seriality”); subjetividade (“Subjectivity”) e “Performance”. Ainda que estes novos princípios sejam do próprio Jenkins, é pertinente observar que os três primeiros, destacados anteriormente, dão conta do que seria uma narrativa transmídia de um modo geral. Os outros acabam por completar algumas posturas do autor, mas, efetivamente, 5. Na edição de 2008 de Cultura da convergência, a tradução optou por narrativa transmidiática. Já no texto da nova edição, ampliada e atualizada, de 2009, o termo foi traduzido como narrativa transmídia. 170 não modificam o que ele já havia escrito antes e tratam muito mais da cultura de fãs envolvida nas narrativas. Deste modo, o foco deste artigo vai recair muito mais na definição inicial de narrativa transmídia do que em outros aspectos que vieram depois, dando mais ênfase, então, ao que Jenkins escreveu em Cultura da convergência (2009a). Começando por aquilo que talvez seja o mais importante, discutir a construção de um mundo ou um universo dá claramente a dimensão de uma narrativa maior composta de várias histórias que se conectam das mais diversas formas. No entanto, nesta conexão não há espaço para se recontar uma mesma história. Não se trata de refazer aquilo que já existe, nem mesmo de contar esta história em um outro meio. Isso é ligado à crossmídia ou à intermídia, não à transmídia. Do mesmo modo, pensa-se em trans- como algo que atravessa vários meios e não apenas conecta dois deles, o que é claramente uma ligação com a intermídia também. Uma história transmídia desenrola-se através de múltiplas plataformas de mídia, com cada novo texto contribuindo de maneira distinta e valiosa para o todo. Na forma ideal de narrativa transmídia, cada meio faz o que faz de melhor — a fim de que uma história possa ser introduzida num filme, ser expandida pela televisão, romances e quadrinhos; seu universo possa ser explorado em games ou experimentado como atração de um parque de diversões. Cada acesso à franquia deve ser autônomo, para que não seja necessário ver o filme para gostar do game, e vice-versa. Cada produto determinado é um ponto de aceso à franquia como um todo. (Jenkins, 2009a, p. 138) Entende-se, então, que a narrativa transmídia tem características específicas, baseia-se numa reunião de diversas histórias formando um todo e não é algo redundante, como Jenkins faz questão de frisar: “A redundância acaba com o interesse do fã e provoca o fracasso da 171 franquia” (2009a, p. 138). Assim, a construção do universo tem que ser bem pensada e dosada, para que mantenha o interesse daqueles que têm acesso a ele. Não se trata apenas de contar histórias, mas também de organizar uma conexão entre elas que sustente a trama maior e não a torne inverossímil. Narrativas “Pervasivas” como Transmídia Como a narrativa transmídia leva em conta vários meios com cada um contando uma parte de uma mesma história maior, formando um universo, segundo Jenkins (2009a), pode-se pensar em sua ligação com o que está sendo chamado de pervasive storytelling (PST). Nesta estrutura estudada nos laboratórios de Aplicação e Inovação em Computação e de Mídia Digital da UFJF, no entanto, ao invés de se ter partes de um universo, tem-se o que se chamou de episódios, com suas experiências, cada qual ambientando um conjunto de sequências, encaminhando as histórias (Almeida, 2021)6. Este tipo de narrativa engloba o uso de Internet das Coisas (IoT) na contação das histórias, com imersão e interatividade. O ambiente em que as histórias são transmitidas também interfere na sua continuidade. Deste modo, a experiência imersiva pode ir além da visão e da audição. Dependendo de onde a pessoa estiver, a história se adapta ao local e ao que estiver disponível em termos de IoT. Isso faz com que a expansão das narrativas seja ligada ao próprio espaço, onde a Internet está se fazendo presente pela conexão dos dispositivos os mais variados. 6. Todas as próximas referências a histórias “pervasivas” serão baseadas sempre em Almeida (2021). 172 Assim, tudo o que estiver conectado a uma rede, que faz parte da rede maior da Internet, pode ser utilizado em IoT e neste tipo de narrativa. A proposta feita na Universidade Federal de Juiz de Fora, pelo então mestrando Pedro Ventura Almeida, estava muito embasada na construção não de um mundo, mas de uma estrutura que contivesse, numa mesma história “pervasiva”, partes de um todo que se apresentaria ao interator de acordo com as condições dadas por este e pelo ambiente. Explicando com mais detalhamento, uma única história “pervasiva” estaria apoiada em episódios, que seriam as partes menos visíveis da narrativa, mas que englobariam as tramas principais da mesma, lembrando o episódio de uma série de TV, por exemplo. Cada episódio seria montado de acordo com atributos que devem ser atendidos para que a história possa ocorrer — caso contrário, nada acontece, e o interator deve procurar por outra narrativa. Esses atributos são chamados de circunstâncias. Para determinado episódio, há circunstâncias que são específicas, portanto não é apenas no início da história que determinadas circunstâncias têm que ser atendidas. Com tudo correto, o episódio pode ter início, com a própria história “pervasiva” também começando. Assim, passa-se a um outro estágio, que são as experiências, que seriam algo semelhante a cenas de um produto audiovisual, mas não exatamente. Em um mesmo episódio, várias experiências podem acontecer, inclusive simultaneamente. Também para cada experiência existem as circunstâncias específicas. Além disso, elas podem se relacionar ou não entre elas, ou seja, pode haver a necessidade de uma experiência acontecer para que outra esteja disponível, já que as circunstâncias para que elas aconteçam são também independentes umas das outras e podem se dar de forma assíncrona e também sem um 173 tempo de duração predefinido. As experiências estão num nível abaixo dos episódios e têm características de organização de cada trama. No entanto, as experiências ainda não são a história que acompanhamos verdadeiramente. Esta parte das histórias “pervasivas” está ligada às sequências. Estas são efetivamente tudo aquilo que aparece da trama para o interator. Com todas as circunstâncias sendo atendidas, também no nível das sequências, parte-se para a ação. Tudo começa a se movimentar na história, as tramas são iniciadas, e personagens entram em cena. Figura 1 Entidades estruturais do modelo PST agrupadas em visão composicional Almeida (2021). A sequência mostra efetivamente para a audiência o que está acontecendo na história. Os personagens assumem seus papéis, e pode-se começar a trama. As sequências seriam as imagens, os sons, os textos, mas também as sensações táteis, de frio ou calor, de vento, de umidade, entre diversas outras possíveis. Elas acontecem não exatamente em uma 174 tela ou numa página ou algo assim. Elas podem se dar em qualquer lugar e fazem do ambiente ao redor o próprio palco da história “pervasiva”. Acima (figura 1), tem-se a estrutura da história “pervasiva” (pervasive storytelling ou PST), com um episódio (episode), uma experiência (experience) e duas sequências (sequences). Esta estrutura tem relação com uma outra, que apresenta não só um modelo mais objetivo de história “pervasiva”, mas também algo mais detalhado, como na figura 2: Figura 2 Principais entidade estruturais do modelo PST Almeida (2021). Nesta ilustração são encontrados também os metadados (metadata), que são informações fornecidas previamente pelo interator parta poder acessar a história. Estes metadados também podem estar 175 num banco de dados que seria criado pela participação do interator em outras histórias “pervasivas”. Como se pode notar, todos os elementos da história dependem de circunstâncias serem atendidas, no todo ou em parte. Caso haja algum outro modo da circunstância ser atendida, seja por outro dispositivo, seja por alguma reconfiguração por parte do interator ou do ambiente, então a narrativa pode se desenvolver. No plano das sequências, porém, é que se localizam todos os elementos, ou entidades, da trama em si. Ali está tudo aquilo que vai aparecer para o interator em termos de visão, audição, mas também possibilidades de se trabalhar tato, olfato, paladar e outras sensações como movimento, por exemplo. Há também as propriedades (properties), que servem para definir comportamentos mais específicos da instância de uma entidade e de seus descendentes. Quando se define uma propriedade em uma instância superior, todas as instâncias inferiores na hierarquia também carregam tais valores. […] Por exemplo, se declarado em uma instância da entidade PST a propriedade de volume máximo para áudio, todos os sons na contação respeitarão tal valor. (Almeida, 2021, p. 60) Já no caso de se observar as sequências, elas podem ter elementos de mídia (media), de efeitos sensoriais (sensory efects), como entidades de saída, ou de ponto de decisão (decision point), como entidade de entrada, todos com suas respectivas propriedades. Os elementos de mídia englobam tudo que trata das sensações às quais estamos habituados quando vemos um filme, um vídeo ou um programa de TV. Já os efeitos sensoriais abrigariam aqueles efeitos aos quais ainda não nos habituamos e que se colocam como representações de saída não 176 convencionais, presentes na chamada “mulsemedia” (Ghinea et al.), como luz ou iluminação, cheiro, sabor, vibração, temperatura, entre outros. Os pontos de decisão funcionam como elementos de interatividade na trama. Por meio deles, o interator faz opções sobre como a história deve se comportar, daí serem entidades de entrada e não de saída. Principalmente com os efeitos sensoriais e os pontos de decisão, fica bastante claro o caráter imersivo e interativo das histórias “pervasivas”. Eles destacam justamente como o interator pode tanto vivenciar uma determinada narrativa quanto como ele pode decidir sobre determinadas situações dadas pela história. O que se pensa, agora, é trazer para histórias “pervasivas” um destaque para seu caráter transmídia, ou seja, observar como este tipo de narrativa está alinhado ao que Jenkins traz sobre maneiras de se criar universos narrativos. Busca-se trazer mais luz para esta discussão, tendo como foco possibilidades transmídia desta história “pervasiva”. Não se trata de fazer uma ligação direta entre as duas — transmídia e pervasive storytelling —, mas de buscar, nesta tentativa de ligação, algo que possa dar mais sentido a ambas neste movimento de aproximação. Logo de início, como visto anteriormente, uma história “pervasiva” não se destina exatamente à criação de um universo, mas tem outras características importantes para a narrativa transmídia, como o uso de diversos meios para se contar esta história. Mesmo que estes meios estejam dentro de uma estrutura ligada à rede internacional de computadores, a Internet, cada um deles parece agir autonomamente em uma história “pervasiva”, exatamente por haver a questão da “transparência”, que já foi aqui colocada. 177 Assim, mesmo que todos os dispositivos acionados para a contação da história sejam encontrados numa ligação em rede, estando assim num mesmo espaço e não em meios diferentes, há uma indicação de que se pode falar em uma narrativa multiplataforma, que por ser também formada por dispositivos “transparentes”, acaba por levar ao interator a não perceber esta unidade percebida em rede e faz com que ele entenda a história se desenvolvendo em diferentes dispositivos. Aqui, pensa-se, então, numa certa lógica de construção “transmídia”, ainda que, efetivamente, isso não ocorra. O interator tem a sensação da transmídia sem contudo notar que o que ocorre está ligado a uma relação entre plataformas distintas e não meios — já que tudo ocorre na Internet e suas possibilidades de ligação entre dispositivos diversos. O entendimento de que a história “pervasiva” pode ter características transmídia também se liga ao fato de que há uma clara intenção em que, mesmo que seja apenas uma única narrativa, ela seja contada em diferentes meios e/ou plataformas. Aqui cabe uma ressalva: a narrativa transmídia de Jenkins parte sempre de algo que relaciona muitas histórias que contam — cada uma delas — algo que virá a ser parte de uma coisa maior, a criação de um universo ou mundo. No caso da história “pervasiva”, há, na maioria das vezes, uma só narrativa que se espalha por diversos meios, plataformas e também ambientes, mesmo que não se crie um mundo. Além disso, fica a ressalva, feita no parágrafo anterior, de que a narrativa, apesar de se espalhar por diversos meios, plataformas e até ambientes, se dá apenas nas conexões de Internet que se encontram nestes espaços. Assim, a narrativa depende apenas destas conexões para existir e não deste ou daquele dispositivo ou meio específico, já que ela pode acontecer de modos diversos, adaptando-se ao 178 ambiente em que se encontra. Para mais detalhes sobre isso, é importante observar o que Almeida aborda sobre cenários de uso para a contação de histórias “pervasivas” (2021, pp. 24-28). Não é objetivo deste trabalho detalhar estes cenários. Apresentamos aqui apenas alguns quadros que ilustram estas possibilidades (figuras 3, 4, 5 e 6). Neles, uma pessoa chamada Anna dedica-se a acompanhar uma história “pervasiva”. Esta história, conforme é demonstrado, pode acontecer em ambientes diferentes — em casa, no transporte público, no trabalho ou numa cafeteria — e se desenvolve de acordo com as condições dadas pelo próprio ambiente — os dispositivos disponíveis para a história começar e ter continuidade. Além disso, Anna pode interferir na evolução da trama por meio de pontos de decisão, onde a interatividade é mais aparente. Assim, a história é contada de acordo com opções e escolhas de quem a assiste, em diversos meios, que não são necessariamente os mais convencionais. Figura 3 Contação de história simulada em um cenário doméstico - experiência 1 Almeida (2021). 179 Figura 4 Contação de história simulada em um cenário de transporte público - experiência 2 Almeida (2021). Figura 5 Contação de história simulada em um cenário de pausa do trabalho Almeida (2021). 180 Figura 6 Contação de história simulada em um cenário de ambiente externo Almeida (2021). Alguns aspectos chamam a atenção. Uma mesma experiência (figuras 3 e 4) pode ser experimentada em ambientes diferentes — em casa ou no transporte público — e pode continuar em um outro lugar (figura 5) — no trabalho. Há também a possibilidade de expansão da história para outros espaços (figura 6) — cafeteria —, onde aquilo que se passa ali não é necessário para a continuidade da trama, mas que pode se transformar em algo que coloque o interator mais próximo de situações encontradas nas histórias — no caso, bebidas e sobremesas favoritas de personagens. Comentários O que se apresenta aqui como histórias “pervasivas” é, em resumo, uma adaptação ao que Jenkins traz para o âmbito das narrativas, 181 buscando enfatizar aquilo que mais próximo seria de sua proposta original, sem perder de vista pontos que certamente não serão os mesmos da transmídia vinda do autor de Cultura da convergência. Além do uso de meios diferentes para contar uma mesma história, é preciso dizer que há como que partes de histórias que se conectam, já que um episódio ou uma experiência só vão acontecer se determinadas circunstâncias estiverem cumpridas. Isso indica que uma parte da narrativa pode acontecer em momentos distintos para interatores diferentes, o que lembra um pouco a possibilidade, na transmídia de Jenkins, de haver uma grande história sendo contada por partes menores, cada uma acontecendo em um meio diverso e de modos diferentes para cada um daqueles que está experimentando o universo construído. Outro ponto é quem nem tudo sobre a história estará disponível para todos os que a acompanham. Dependendo de determinadas circunstâncias, partes desta história não serão exibidas para o interator — e caso este também não se desloque, experiências adicionais não serão acionadas por ele, por exemplo. Uma outra caraterística da narrativa transmídia é utilização do que cada meio tem de melhor para auxiliar na contação da história, que também vem da transmídia tradicional (Jenkins, 2009a, p. 138). Na história “pervasiva”, pode-se pensar que o próprio ambiente vai fornecer o que de melhor estiver disponível para que a história possa continuar acontecendo. Isso muito em função dos aparelhos conectados via Internet, num modelo de IoT, e trazendo mais a questão da interatividade para a discussão. Além disso, como colocado, a história pode suscitar ao interator a ida a outros ambientes para que partes da história 182 possam acontecer nestes espaços específicos. Ambientes devem fornecer melhores situações, ou seja, estejam em condições mais favoráveis para que partes de uma história possam se desenrolar ali. Pode-se pensar na criação de um conjunto de histórias que formariam não um universo — uma construção de mundo, segundo Jenkins (2009a) —, mas algo abrangente de uma outra forma. Seria interessante fazer uma alusão a este espaço maior de convergência de narrativas para adaptar-se a questões da própria construção que leva em conta o ambiente, ou seja, se naquele lugar cabem várias histórias, pode-se fazer algum tipo de ligação entre elas trazendo algo maior para a experiência do interator, que se refere também à imersão. Assim, o que era antes a construção de um universo com diversas narrativas se conectando, pode ser entendido agora como um espaço para se contar histórias que como que se expandem em ambientes variados. Não há também tanta preocupação com o uso de meios diferentes, pois tudo ocorre muito mais na Internet do que em outros lugares, mas com uma diferença clara aqui da utilização das plataformas. Esta abrangência, contudo, não é percebida claramente pelo interator, já que tudo é como que “transparente” para ele. A imersão se dá, como sempre se deu, diga-se de passagem, na história, muito mais do que em efeitos que possam ser criados para que ela seja contada. Além disso, a imersão conta com o apoio, no caso das histórias “pervasivas”, de dispositivos e do próprio ambiente em que ela está se desenvolvendo. Um outro aspecto é que a interatividade vai aparecer aí também. Algumas escolhas vão poder ser feitas por meio de dispositivos disponíveis para esta interação e outras vão acontecer 183 nas próprias narrativas, quando o interator for chamado a decidir sobre o que um personagem deva fazer, por exemplo. Deste modo, conclui-se que histórias “pervasivas” têm ligação bastante forte com imersão e interatividade, de acordo com o que for pensado para elas, mas também indicam uma relação com a narrativa transmídia de Jenkins, quando se constrói algo maior num ambiente, dispositivos variados contribuem como meios ou plataformas para o desenvolvimento da história e isso se dá em mais de dois destes dispositivos e, algumas vezes, em mais de dois espaços ou lugares também. A narrativa “pervasiva” ainda é algo que requer mais desenvolvimento e estudos, mas já teve início mostrando que pode ser algo maior do que previamente aparenta. Um olhar mais detalhado para a transmídia também pode fornecer outras possibilidades para este tipo de história que faz do ambiente seu espaço de fruição de uma obra. Atentar-se para o que está ao redor parece ser uma das chaves para se descobrir como o ato de contar histórias pode se desenvolver daqui para frente. Referências Almeida, P. H. V. R. (2021). Modelo de representação e orquestrador baseado em nuvem para a contação pervasiva de histórias. [Dissertação de mestrado, Universidade Federal de Juiz de Fora]. Ghinea, G., Timmerer, C., Lin, W., & Gulliver, S. R. (2014) Mulsemedia: State of the art, perspectives, and challenges. ACM Transactions on Multimedia Computing, Communications and Applications, 11(1), 1-23. Jenkins, H. (2009a). Cultura da convergência. Aleph. 184 Jenkins, H. (2009b, 12 december). Revenge of the Origami Unicorn: The Remaining Four Principles of Transmedia Storytelling. https:// henryjenkins.org/blog/2009/12/revenge_of_the_origami_unicorn. html Murray, J. H. (2003). Hamlet no holodeck: o futuro da narrativa no ciberespaço. Itaú Cultural/Unesp. Primo, A. (2000). Interação mútua e reativa: uma proposta de estudo. Revista da Famecos, 12, 81-92. Thompson, J. B. (2018). A interação mediada na era digital. Matrizes, 12(3), 17-44. Winnicott, D. W. (1975) O brincar e a realidade. Imago. 185 EXPANDINDO A NARRATIVA TRANSMÍDIA COM OS JOGOS NOTICIOSOS Eduardo Fernando Uliana Barboza1 Com o avanço e consolidação de novas tecnologias digitais entre elas as mídias sociais, os podcasts e os serviços de streamings como plataformas de fontes de informação, o questionamento geral no campo da comunicação tem sido sobre as formas de se produzir conteúdo informativo neste contexto. Sabe-se que o tradicional esquema de comunicação em que o enunciador da mensagem era o detentor absoluto da informação e o receptor apenas um mero expectador já não é mais condizente com a realidade. A comunicação dialógica, interativa e transmidiática relativizou teorias e hipóteses como o Gatekeeper e a Agenda Setting, e já podemos observar que o enunciador e o receptor tornaram-se co-enunciadores, interlocutores e prossumidores. Agora, ambos são produtores 1. Doutorando em Comunicação e Linguagens pela Universidade Tuiuti do Paraná (UTP). [email protected] 186 de informação, que circula livremente nas novas mídias, em diferentes plataformas e redes de comunicação colaborativas. É nesse cenário que o presente artigo propõe sua discussão. A pesquisa partirá de estudos sobre transmídia, termo que, de acordo com Gosciola (2019), surge em feiras culturais hippies norte-americanas conhecidas como trans-medium e trans-media entre 1960 e 1970. Aparecendo em seguida nas pesquisas do compositor erudito Stuart Saunders Smith, em 1975, do teórico de cinema David Bordwell, em 1989, e da pesquisadora Marsha Kinder, em 1991, no livro Playing with power, que marca as discussões sobre a transmídia nos estudos sobre comunicação. Apesar disso, o termo se populariza a partir dos anos 2000 com Henry Jenkins e seu livro Cultura da Convergência. Na publicação, Jenkins define transmídia como a narrativa que “se desenvolve através de múltiplos suportes midiáticos, com cada novo texto contribuindo de maneira distinta e valiosa para o todo” (Jenkins, 2009, p. 135). A partir deste conceito, o enfoque será, mais especificamente, sobre a comunicação transmídia, já que o termo transmídia estaria mais relacionado ao mercado e ao desenvolvimento de narrativas e produtos de entretenimento e de publicidade. Em seguida, será debatido a expansão da narrativa transmídia a partir da utilização dos jogos noticiosos como forma de enriquecer as experiências de comunicação transmídia enquanto narrativa jornalística aplicada às novas mídias. É importante destacar que as novas gerações, cada vez mais conectadas por meio de múltiplas telas e aplicativos, buscam e consumem informações de formas distintas. Hoje, além de personalizado e segmentado, o conteúdo informativo precisa ser atrativo, assim como 187 um jogo online ou um vídeo no tiktok. Os newsgames e a narrativa transmídia podem oferecer essa atratividade, promovendo um engajamento com esse público multitelas. Isso porque os jogos noticiosos exploram a interatividade, a multimidialidade e possuem características de jogabilidade que potencializam a narrativa comunicacional. Notícias e reportagens podem ser transformadas em games para serem melhor compreendidas e assimiladas. Nesse contexto de jogos desenvolvidos a partir de conteúdos jornalísticos, os pesquisadores Gonzalo Frasca e Ian Bogost apresentam os newsgames como um gênero que não só é capaz de abordar acontecimentos factuais, mas também têm potencial para fazer esse trabalho de forma coletiva e multimídia. De acordo com Frasca (2013), a tradução direta para newsgame seria jogos noticiosos. O autor explica com mais detalhes a concepção sobre esse conceito, “newsgame é, então, filho das notícias e do jogo, mais especificamente do videogame. Alguém poderia pensar que nasceu com os videogames e a Internet, mas, como acontece muitas vezes, o mundo digital simplesmente amplificou as ideias existentes” (Frasca, 2013, p. 255). Bogost et al. (2010, p.6) adotaram o termo originalmente apresentado por Frasca, expandindo sua abrangência para “um amplo conjunto de trabalhos produzidos na intersecção entre videogames e jornalismo”. Contudo, o newsgame não deve ser uma iniciativa isolada – assim como a infografia, o podcast e a reportagem multimídia – entende-se que deve integrar uma narrativa maior, que explore cada vez mais os recursos multimídia disponíveis. Segundo os pesquisadores, essa narrativa é a chamada transmídia. 188 A Construção de Histórias Multiplataforma com a Narrativa Transmídia Para Jenkins (2009) uma das principais características desse tipo de narrativa é que a especificidade de cada meio de comunicação atrai públicos diferenciados, com necessidades diferentes de informação e, consequentemente, tocados por narrativas cada vez mais particulares. A narrativa transmídia, porém, tem outras características além da história ampliada contada em multiplataformas. Uma delas é a possibilidade de construção coletiva de conteúdo, o que imprime à narrativa transmídia uma característica interativa. Scolari (2013) aponta que essa característica interativa da narrativa transmídia proporcionou que os consumidores de franquias se apropriassem dos seus personagens favoritos e expandissem ainda mais seus mundos narrativos. Para Scolari (2013), essa é uma característica marcante da narrativa transmídia observada por Jenkins (2009). Por se tratar de uma narrativa, Gonçalves (2012) ressalta que a linguagem, por si só, é interativa, em especial quando tratamos da noção bakhtiniana de linguagem, que tem o dialogismo como seu princípio construtivo. A autora acrescenta que esse processo interativo da linguagem fica ainda mais evidente no contexto da revolução da informação, no qual se desenvolve a narrativa transmídia. “O processo de narrativa transmídia está inserido no contexto de revolução da informação, caracterizado pela colaboração, pela atuação voluntária do sujeito que participa da construção de um mosaico comunicacional, chamado de croundsoursing ou sociedade colaborativa” (Gonçalves, 2012, p. 22) E foi a busca por uma narrativa mais interativa, compartilhável e expansível, que o jornalismo passou a incorporar a transmídia. Renó e 189 Flores (2012) lembram que essa tendência tem base na realidade em que vivemos, na qual o cidadão quer, cada vez mais, assumir ele próprio o status de meio de comunicação. No que diz respeito à transmídia, primeiro é preciso entender que a narrativa jornalística acompanha a evolução das plataformas midiáticas, como evidencia Gosciola (2011): vale lembrar que a comunicação midiática tem um movimento de transformação contínuo e ininterrupto, mas uma ocorrência frequente nesse fluxo é que sempre que há uma obsolescência em termos tecnológicos entre os meios de comunicação, as narrativas começam a buscar novidades em novas tecnologias e vice-versa. Esse sincronismo ocorre graças a uma propriedade muito característica: cada novo meio de comunicação tem a possibilidade de integrar outros meios de comunicação que lhe antecederam. (Gosciola, 2011, p. 02) Nunes (2012) aponta a necessidade de que se delineie uma nova narrativa jornalística, que se faz necessária face às novas mídias. A audiência de hoje (leitores, espectadores, telespectadores, etc.) quer ter mais controle sobre o que consome, quer interagir com os meios e também com as histórias, muitas delas compostas em narrativas não-lineares. Histórias que são contadas em uma plataforma principal, como a televisão, por exemplo, mas se desdobram em diversas outras, como internet, celular, em que cada desdobramento ou fragmento, apresenta novas histórias, com o objetivo de complementar a narrativa central. É a atualização da narrativa tradicional para a chamada “narrativa transmídia” ou no original em inglês transmedia storytelling. (Nunes, 2012, p. 77) Segundo Lima Junior (2009), a difusão tecnológica propiciou uma mudança de comportamento com relação ao consumo de informações. 190 “A estrutura comunicacional propiciada pelas redes telemáticas aproximou os produtores da audiência e também permitiu que “amadores” se convertam, também, além de consumidores da informação, em criadores de conteúdo jornalístico” (Lima Junior, 2009, p. 2). Essa visão é compartilhada por Renó (2012), segundo qual esse novo público das novas mídias não é mais apenas receptor, agora é coautor, participante da produção da informação. Os seres-meio, como aponta Dan Gillmor (2005), produzem suas “notícias”. Esses cidadãos deixaram de ser fontes para jornalistas e passaram a ser fontes para a sociedade a partir de seus espaços virtuais, seja pela blogosfera, seja por rede social. Cidadãos que fazem a circulação da informação por sua própria força, e com suas próprias palavras e línguas. (Renó, 2012, p. 201) Sob uma perspectiva mais mercadológica, Toffler (2010) conceitua esse novo público das novas mídias como prossumidor, um novo conceito de consumidor da chamada Terceira Onda, a era do consumo permeada pelas novas tecnologias. O prossumidor assume uma postura mistura que converge características do produtor e do consumidor. Aplicando esse conceito ao mercado da informação pressupõe-se que interatividade, participação e produção colaborativa são condições fundamentais para um jornalismo atrativo nas novas mídias. Lima Junior (2012) pondera ainda que a saída para a construção dessa nova narrativa jornalística passaria pelo cruzamento de dois campos do conhecimento, de forma multidisciplinar: a Comunicação e a Tecnologia da Informação. “É necessário que se cruze campos do conhecimento para se conseguir o melhor entendimento sobre as áreas envolvidas, e a partir disso extrair eficiência e eficácia nos processos 191 de produção e nos impactos produzidos pelos produtos informativos (Lima Junior , 2012, p. 25). Esse trabalho multidisciplinar já resulta, hoje, em uma nova narrativa da informação, a narrativa transmídia. No que se refere aos conceitos de transmídia, retornamos à Jenkins. Uma história transmídia desenrola-se através de múltiplas plataformas de mídia, com cada novo texto construindo de maneira distinta e valiosa para o todo. Na forma ideal de narrativa transmídia, cada meio faz o que faz de melhor – a fim de que uma história possa ser introduzida em um filme, ser expandida para a televisão, romances e quadrinhos; seu universo possa ser explorado em games ou experimentado como atração de um parque de diversões. (Jenkins, 2009, p. 138) Aranha (2011) complementa esta definição lembrando que o não acesso a um dos suportes propostos pela narrativa transmídia não deve atrapalhar o entendimento da informação. “O acesso a cada canal deve se dar, para Jenkins, de forma autônoma, de tal modo que a perda de um dos blocos não comprometa a compreensão do todo, nem a compreensão (fechamento) daquele bloco específico (Aranha, 2011, p. 02). Jenkins (2009) também ressalta essa característica marcante da narrativa transmídia, lembrando que a especificidade de cada meio de comunicação atraí públicos diferenciados, com necessidades diferentes de informação e, consequentemente, tocados por narrativas cada vez mais particulares em relação aos meios pelos quais são veiculadas. “Uma boa franquia transmídia trabalha para atrair múltiplas clientelas, alterando um pouco o tom do conteúdo de acordo com a mídia” (Jenkins, 2009, pp. 138-139). Por outro lado, as franquias de jogos são pensadas para públicos específicos, mas muitas vezes extrapolam os consoles e 192 as telas dos computadores e acabam ganhando as telas dos cinemas e as plataformas de streaming com filmes e séries baseados nas histórias dos jogos quando sua narrativa é envolvente e possibilita adaptações para outras mídias. Notícias e Reportagens Formatadas como Jogos As técnicas de jogabilidade (desafios, metas, objetivos, conquistas e prêmios) podem ser aproveitadas em diversas áreas por meio da gameficação, inclusive na comunicação. Notícias e reportagens sobre tecnologia, política, meio ambiente, ciência e até economia podem ser transformadas em games para serem melhor compreendidas e assimiladas. Para reportagens sobre meio ambiente, por exemplo, os jogos podem contribuir para que informações de relevância social como ações de sustentabilidade e preservação dos recursos naturais sejam compreendidas com mais facilidade, promovendo o engajamento popular em relação ao tema. O termo gameficação é derivado da expressão inglesa gamification. Surgiu em 2003 e foi usado pela primeira vez pela empresa inglesa Conundra para explicar a mistura de entretenimento com experiência de compra. Mastrocola (2013) explica que o termo gameficação se refere à aprendizagem por meio de jogos. “Podemos definir gamification como o uso de elementos dos games e técnicas de game design (como pontos, barra de progressão, níveis, troféus, fases, medalhas, quests, etc.) dentro de contextos que não são games” (Mastrocola, 2013, p. 26). Em outras palavras, trata-se do aproveitamento de técnicas, noções e contextos de jogos, adaptando-os para as mais diversas áreas como educação e comunicação por exemplo. 193 A partir do conceito de gameficação, os pesquisadores Gonzalo Frasca, Ian Bogost, Simon Ferrari e Bobby Schweizer apresentam os jogos como um gênero que não só é capaz de abordar acontecimentos factuais, mas também têm potencial para fazer esse trabalho de forma colaborativa. Os autores fazem parte de um grupo que estuda a utilização dos jogos na comunicação, definidos como newsgames (Bogost et al., 2010). O termo newsgame é creditado ao designer de jogos e pesquisador uruguaio Gonzalo Frasca. Foi ele que utilizou pela primeira vez o termo para se referir a um videogame baseado em acontecimentos reais, criado a partir do projeto denominado Newsgaming. De acordo com Frasca (2013), a tradução direta para newsgame seria jogos noticiosos. O autor explica com mais detalhes a concepção sobre esse conceito que engloba as áreas de comunicação, tecnologia e entretenimento. “Newsgame é, então, filho das notícias e do jogo, mais especificamente do videogame. Alguém poderia pensar que nasceu com os videogames e a Internet, mas, como acontece muitas vezes, o mundo digital simplesmente amplificou as ideias existentes” (Frasca, 2013, p. 255).2 Bogost et al. (2010, p. 6) adotaram o termo de Frasca, expandindo sua abrangência para “um amplo conjunto de trabalhos produzidos na intersecção entre videogames e jornalismo”. Na concepção dos autores, os jogos noticiosos baseados em acontecimentos reais podem ser divididos em jogos editoriais (de caráter argumentativo e de persuasão), jogos tabloides (uma versão jogável de notícias sobre comportamento, 2. Newsgaming es entonces hijo de las noticias y del juego, más específicamente del videojuego. Podría pensarse que nació con los videojuegos e internet pero, como suele suceder, el mundo digital simplemente amplificó ideas ya existentes. [texto original] 194 celebridades, esportes e fofoca política) e jogos reportagem (simuladores de fatos a partir de um relato detalhado que têm a intenção de colocar o leitor na cena descrita). Os autores do livro Newsgames: journalism at play (Bogost et al., 2010) acreditam que a incorporação de elementos, de conceitos e até do design dos games pode oferecer um fôlego novo para um mercado saturado e sem grandes inovações recentes, tornando a notícia algo novo e diferente do que estamos habituados a receber. Ao contrário de matérias escritas para jornais impressos ou programas editados para a televisão, videogames são softwares e não uma forma digitalizada das mídias anteriores. Jogos exibem texto, imagens, sons e vídeo, mas também fazem muito mais: jogos simulam como as coisas funcionam por meio da construção de modelos com os quais as pessoas podem interagir com uma capacidade que Bogost deu o nome de retórica processual. Este é um tipo de experiência irredutível de qualquer outro meio anteriormente existente. (Bogost et al, 2010, p. 6)3 Contudo, apesar de o gênero ter crescido, se desenvolvido na última década e chamado a atenção de universidades, jornalistas e fundações, Frasca (2013) revela que ainda são poucos os exemplos de produtos online que utilizam essa nova técnica jornalística. E “as razões são variadas e respondem a questões culturais, tecnológicas e 3. Unlike stories written for newsprint or programs edited for television, videogames are computer software rather than a digitized form of earlier media. Games display text, images, sounds, and video, but they also do much more: games simulate how things work by constructing models that people can interact with, a capacity Bogost has given the name procedural rhetoric. This is a type of experience irreducible to any other, earlier medium. [texto original] 195 financeiras. Não são particularmente complexas de entender e acredito que muito menos complexas de solucionar” (Frasca, 2013, p.255)4. Neste panorama, é consentimento tanto de Frasca (2013), quanto de Bogost et al. (2010) que ainda são escassos os meios de comunicação online que se aventuram a ir além de cobrir os acontecimentos e editá-los em reportagens interativas, gameficando a notícia para instigar as pessoas e fazer com que elas entrem na história, entendam como aconteceu e percorram o caminho que levou um cidadão comum a se tornar manchete. Nesse aspecto social e informacional, a gameficação possibilita que o leitor adquira conhecimentos sobre saúde, meio ambiente, educação, política e economia a partir das informações de um jogo noticioso. No futuro, o jornalismo, segundo Bogost et al. (2010, p.10), “pode e vai abraçar novos modos de pensar a notícia, além de novos modos de produção”. Mas, para que esse futuro seja promissor e generoso para as empresas de comunicação, algumas barreiras técnicas e ideológicas precisam ser superadas para que sejam estabelecidas rotinas de criação de jogos noticiosos. Tendo em vista que, atualmente, “criar videogames não é uma atividade de poucas horas. Projetar, programar e distribuir um videogame muitas vezes pode levar meses ou mesmo anos. Alguns (poucos) fatos noticiosos podem ser precedidos” (Frasca, 2013, p. 256)5. Pensando nisso, as empresas de comunicação precisam aceitar que, nesta nova fase da sociedade da informação, terão mais chances de 4. 5. Las razones son varias y responden a causas culturales, tecnológicas y financieras. No son particularmente complejas de entender y creo que tampoco son demasiado complejas de solucionar. [texto original] crear videojuegos no es una actividad de pocas horas. Diseñar, implementar y distribuir un videojuego todavía suele llevar meses e incluso años. Algunos (pocos) hechos noticiosos pueden ser bastante predecibles [texto original] 196 sucesso no mercado aqueles que possuírem equipes multiprofissionais e substituírem os métodos tradicionais de produção de conteúdo por novas tecnologias, seja dos games, das ciências da computação ou da engenharia. Assim como a tecnologia com a qual as notícias são criadas e disseminadas muda, a própria forma do jornalismo altera-se. Enquanto os gêneros de newsgame mencionados representam oportunidades imediatas para organizações jornalísticas, muitos outros podem ser desenvolvidos no futuro, quer em resposta a mudanças tecnológicas ou como inteiramente novas invenções. (Bogost et al., 2010, p. 8)6 Para Frasca (2011), o jogo pode ser utilizado como uma ferramenta narrativa que possibilita compreender melhor qualquer tipo de assunto por meio da exploração e da experimentação. Segundo o autor, “o jogo é a primeira estratégia cognitiva dos seres humanos e, como tal, uma ferramenta incrível para explicar e compreender o mundo” (Frasca, 2011, p. 87)7. Além disso, o autor destaca que, quando utilizado como instrumento comunicacional, o jogo permite complementar a visão linear da narrativa jornalística empregada e oferecer, simultaneamente, múltiplas variáveis e caminhos para o usuário compreender o conteúdo da notícia ou reportagem publicada. O emprego das técnicas de jogabilidade dos 6. 7. As the technology with which news is created and disseminated changes, the very form of journalism alters itself. While the genres of newsgame just mentioned represent immediate opportunities for news organizations, many more might be developed in the future, either in response to technological shifts or as entirely new inventions. [texto original] El juego es la primera estrategia cognitiva del ser humano y como tal, una herramienta increíble para explicar y entender el mundo. [texto original] 197 games pode tornar o assunto abordado em uma reportagem jornalística mais concreta e próxima da realidade ao simular, por meio dos jogos, as situações contextualizadas nas notícias. O número de possibilidades, caminhos e alternativas que podem ser escolhidos dentro de um jogo faz dele uma ótima ferramenta educativa e comunicativa. A partir desse aspecto, a interatividade proporcionada pelos jogos oferece ao jornalismo online uma nova perspectiva para a criação de conteúdos informativos, alinhando técnicas de jogabilidade, informação e conhecimento nesse novo produto jornalístico, os newsgames. Os Newsgames Ampliando a Narrativa Transmídia Como argumentamos, o newsgame isoladamente, pode oferecer informação jornalística ao público. Se for, porém, integrado a uma narrativa que agregue outras ferramentas multimídias – tais como textos, vídeos, podcast, infográficos, slides de fotos, dados e infográficos – pode atrair ainda mais interessados para o conteúdo informativo. Essa narrativa é a transmídia, que surgiu nos conglomerados da indústria do entretenimento e tem sido adaptada ao jornalismo com o objetivo de explorar e convergir todo os recursos multimídia possíveis para apresentar o conteúdo informativo no formato de um grande arco histórico. Um preceito básico apresentado por Frasca (2011) que não deve ser esquecido quando um jogo noticioso é criado é que esse game, além de informativo, precisa ter roteiro, regras, desafios, recompensas e alguma forma de aprendizado. Todo newsgame precisa conter esses elementos, pois é ele que vai orientar os interessados nesse tipo de conteúdo. 198 O pesquisador cita o jogo September 12th - A Toy World (Play September 12th, s.d.) como um exemplo de jogo noticioso, criado a partir das técnicas de jogabilidade. Segundo Frasca (2011), o objetivo desse jogo informativo, que envolve questões geopolíticas internacionais, é levar o jogador a entender que violência gera mais violência, ou melhor, que mais violência não é a solução para acabar com o terrorismo. O jogo 12 de setembro poderia ser incorporado a uma narrativa transmídia envolvendo conteúdo produzido no formato de reportagens, filmes, livros e fotos sobre o atentado de 11 de setembro de 2001 em Nova Iorque. Com destaque para os filmes: A hora mais escura (2013); 11 de setembro (2003); Fahrenheit 09/11 (2004); O relatório (20090 e Quanto vale (2021). E os documentários: À Sombra das Torres: O 11 de Setembro em Stuyvesant (2019) e 11/09 – A vida sob ataque (2020). Figura 1 Após escolher uma ação para o personagem executar mais informações sobre o evento são exibidas para contextualizar o que aconteceu antes da queda do Muro de Berlim (Di Giacomo et al., s.d.) 199 Outro exemplo de jogo noticioso interessante é o Pule o muro (Di Giacomo et al., s.d.): jogo editorial produzido pelo site da revista Galileu em homenagem aos 25 anos da queda do muro de Berlim. Nele, o jogador deve tentar pular o muro enquanto conhece diversas tentativas de fuga históricas. Este newsgame que, além do jogo conta com uma linha do tempo e depoimentos em vídeo de pessoas viveram essa história, pode ser utilizado como elemento de uma narrativa transmídia composta por reportagens, filmes, séries, podcasts e fotos sobre esse capítulo da história mundial. Figura 2 Jogo noticioso coloca o leitor no comando de um simulador de voo Leite et al. (s.d.). 200 Mais uma experiência em produções de jogos noticiosos no Brasil faz parte do conteúdo especial produzido pela Folha de S. Paulo sobre a construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte8, localizada na região norte do país. Na grande reportagem Tudo sobre Belo Monte, o leitor pode experimentar a sensação de sobrevoar as obras com um helicóptero comandado pelo próprio usuário por meio das setas do teclado do computador. Um jogo imersivo que apresenta informações sobre a construção da obra que dividiu opiniões. O conteúdo interativo integra uma narrativa maior composta por entrevistas, galeria de fotos, documentário, mapas e infográficos que também pode ser considerado uma produção transmidiática. De 2018, apresentamos o jogo brasileiro Dandara. Classificado como um serious game –jogo desenvolvido com um propósito educacional, sem ter a função primária do entretenimento – o que não quer dizer que não possa ser divertido. Contudo, o serious game também possui um objetivo claro, tem um enredo e envolve competição e recompensas assim como qualquer jogo. Acreditamos que o game também pode ser classificado com um jogo noticioso uma vez que também aborda a escravidão, tema ainda muito presente na nossa sociedade. Sobre o jogo, Dandara, a personagem principal, é baseada em Dandara dos Palmares, guerreira do período colonial no Brasil, esposa de Zumbi dos Palmares. É importante destacar que Dandara foi uma das lideranças femininas negras que lutou contra o sistema escravocrata do século XVII e esteva ao lado de Zumbi na defesa do Quilombo dos Palmares. Com inspirações na obra literária de George Orwell Revolução dos Bichos (1945), o game 8. TUDO SOBRE a batalha de Belo Monte Leite et al. (s.d.). 201 expande uma narrativa maior baseada em um universo de opressões de séculos já bastante retratado em filmes, séries, livros educacionais, reportagens e agora nesse jogo com elementos históricos e retratos, infelizmente, ainda atuais. Figura 3 Dandara foi produzido pelo estúdio brasileiro Long Hat House Sampaio (2018). Outra iniciativa nacional que merece destaque é o jogo V de Vinagre, criado a partir dos protestos de 13 de junho de 2013 iniciados na capital paulista contra o aumento das tarifas do transporte público e que posteriormente ganhou força com reivindicações políticas e protestos contra gastos excessivos da Copa do Mundo, no Brasil. Inspirado nas histórias em quadrinhos e no filme V de Vingança, o game é uma crítica à atitude da polícia militar que tentou proibir o uso de vinagre durante as manifestações. Na época, várias pessoas foram presas, inclusive um repórter, por estar portando uma embalagem do produto 202 utilizado como antídoto para os efeitos do gás lacrimogênio. O assunto ganhou as redes sociais online com memes como “revolta da salada” e “V de Vinagre”, que deu nome ao jogo que pode ser classificado como um newsgame por abordar acontecimentos reais. Também podemos incluir o jogo noticioso em uma narrativa transmidiática, uma vez que o tema foi abordado em diversos canais como programas de televisão, rádio e sites jornalísticos. Meios de comunicação alternativos como a Mídia Ninja também surgiram a partir desse movimento nas ruas e nas comunidades virtuais. Documentários foram produzidos sobre o assunto, livros e diversas campanhas políticas aproveitaram as manifestações para montar suas plataformas eleitorais. Figura 4 No do jogo, um manifestante com uma mochila nas costas deve pegar garrafas de vinagre enquanto desvia de policiais de São Paulo Zambarda (2013) Já o jogo Papers Please (Os Papéis, por favor) é ambientado em Arstotzka, um estado fictício pseudo-soviético na década de 1980, 203 e o seu trabalho enquanto oficial de controle de imigração é controlar o fluxo migratório de pessoas que querem cruzar a fronteira do país examinando documentos pessoais e vetando-os nos casos de inconsistências. Nesse exemplo que pode ser considerado um misto de serious game e persuasive game – que tem como desafio principal transportar a experiência do usuário de um jogo em direção a uma experiência real ou com um viés motivacional – o jogador se depara com questões geopolíticas como as enfrentadas pelas populações de países em conflito. Entre as funções está detectar um selo forjado em um passaporte que, ao longo do jogo, pode se revelar um desafio interessante, que introduz incentivos para a sua flexibilização, enquanto agente da lei, que passa a ser tentado a quebrar as regras. Contudo, tais ações podem ter grandes consequências. Figura 5 Papers Please é um jogo experimental que trata de temas geopolíticos e de opressão Pope (2013). Além do jogo online, a narrativa conta com um filme curta-metragem e diversos tutoriais no Youtube. Nesse caso, o game expande de 204 forma lúdica e instrucional conteúdos sobre conflitos internacionais, crises governamentais e econômicas ao redor do mundo, com grande possibilidade e potencial para incrementar uma narrativa transmidiática envolvendo produções audiovisuais como séries, podcasts, documentários, grandes reportagens, sites especializados, mapas interativos, vídeos produzidos em 360º graus e por drones. Recentemente foi anunciado pelo desenvolvedor que o jogo lançado em 2013 ganhará uma versão para dispositivos móveis. Considerações Finais O jornalismo tradicional tem como um dos seus objetivos informar e incentivar à mudança de comportamento da população com vistas à diversos temas que impactam a vida em sociedade. As narrativas jornalísticas atuais são limitadas no cumprimento desse objetivo. Já a narrativa transmídia e os jogos noticiosos podem constituir uma nova maneira de engajar o interlocutor da informação e incentivar sua participação enquanto parte do processo de construção coletiva de conteúdo. Os poucos exemplos de trabalhos jornalísticos produzidos no formato de newsgame comprovam que a elaboração desse tipo de conteúdo ainda é um grande desafio para a maioria das redações digitais. A disseminação dos newsgames enquanto produto comunicacional e alternativa para enfrentar a crise que o setor midiático atravessa, ainda depende de investimentos e não pode ser uma iniciativa isolada. Além disso, esbarra em questões técnicas, na falta de equipes multiprofissionais nas redações e no tempo que um jogo noticioso leva para ser produzido. 205 O mesmo problema acontece com a produção de conteúdos transmidiáticos. O desenvolvimento de uma narrativa ampla que envolve e se desencadeia em diversas mídias e suportes não é uma tarefa fácil. Um projeto assim precisa ser muito bem planejado para que cada mídia apresente a história da melhor forma possível, utilizando todo seu potencial narrativo e de forma independente. Mas que quando acessados juntos ou em sequência apresentem um arco narrativo maior. Como podemos constatar, a utilização dos jogos noticiosos enquanto elemento da narrativa transmídia tem um grande potencial comunicativo, seja para informar, instruir, apresentar ou entreter o público, independente do assunto ou tema abordado. Referências Aranha, G. (2011). Narrativas transmídias e novos esquemas cognitivos: evolução e adaptação nos sistemas da escritura. UFPR. Bogost, I., Ferrari, S., & Schweizer, B. (2010). Newsgames: journalism at play. MIT Press. Di Giacomo, F., Apolinario, D., Fernandes, O., Lima, A., Schmeling, C., Moreira, J., & Bel, A. (s.d.). 25 anos muro de Berlim. Revista Galileu. http://www.quedamurodeberlim25anos.com.br/newsgamepule-o-muro.html Frasca, G. (2013). Juego, videojuego y creación de sentido: una introducción. In M. Manna, D. Ceballos, & F. Irigaray (Orgs.), Cuarto Foro Internacional de Periodismo Digital: Convergencias redes y móviles. Laborde Libros Editor. 206 Gosciola, V. (2011). Narrativa transmídia: a presença de sistemas de narrativas integradas e complementares na comunicação e na educação. Revista Quaestio. 13(2). Gosciola, V. (2019). Storyworld para o conceito de narrativa transmídia. In F. Irigaray, V. Gosciola, & T. Piñeiro-Otero (Orgs.), Dimensões Transmídia. Ria Editorial. Jenkins, H. (2009). Cultura da convergência. Aleph. Lima Junior, W. T. (2009). Mídia Social Conectada: produção colaborativa de informação de relevância social em ambiente tecnológico digital [Trabalho apresentado]. VII Encontro Nacional de Pesquisadores em Jornalismo, São Paulo, SP, Brasil. Lima Junior, W. T. (2012). Jornalismo computacional: em função de novo ecossistema midiático na era do Big Data. In S. Squirra (Org.), Cibercoms – tecnologias ubíquas, mídias persuasivas. Buqui. Nunes, J. V. M. (2012). Narrativa transmídia: da literatura a outras mídias. Revista Scripta Alumni, (07). Play September 12th (s.d.). 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Techtudo. https://www.techtudo. com.br/noticias/2013/06/v-de-vinagre-game-brinca-com-protestospela-reducao-das-tarifas-de-onibus.ghtml 208 ESTRUTURAS NARRATIVAS CORRESPONDENTES ENTRE CINEMA E RPG (ROLE-PLAYING GAME) Eduarda Afecto Vilanova1 Vicente Gosciola2 O RPG (Role-Playing Game) é um jogo de interpretação de papeis, jogado em grupos de, em média, quatro a seis pessoas, onde todos representam suas funções usando o máximo de imaginação para se desenvolverem pela narrativa proposta e dirigida pelo mestre. Os atores dessa história são o mestre e os jogadores/players. Segundo Alfeu Marcatto, o RPG “é um exercício de diálogo, de decisão em grupo, de consenso” (Marcatto, 1996, p. 16), pois somente pelo diálogo entre os participantes do jogo é possível construir a narrativa. A figura principal de um RPG é o mestre, de funções bem próximas às de um diretor ou de 1. 2. Graduanda em Jornalismo e pesquisadora em Iniciação Científica da Universidade Anhembi Morumbi . [email protected] Doutor em Comunicação, Professor Permanente do Programa de Pós-Graduação da Universidade Anhembi Morumbi. [email protected] 209 um roteirista de um filme. O mestre define como a história será, escolhe quem irá participar, quem cada jogador irá representar, o contexto da história e suas vertentes, a identidade visual, entre outras funções. Os jogos são únicos porque, mesmo que seja um RPG criado por outros, a cada nova sessão um mestre pode personalizar de uma maneira diferente. As regras servem como um controle na história, os jogadores possuem sua liberdade criativa durante as partidas, mas ainda precisam de um limite até onde irão. Nestes limites, é importante compreender o que é interpretação de papel, ou Role-playing, como afirmam Zagal & Deterding: Role-playing é um processo interativo de definição e redefinição do estado, propriedades e conteúdos de um mundo de um jogo imaginário. O poder de definir o mundo do jogo é atribuído aos participantes do jogo, que reconhecem a existência dessa hierarquia de poder. Jogadores-participantes definem o mundo do jogo por meio de construções de personagens personificadas, em conformidade com o estado, propriedades e conteúdos do mundo do jogo. Normalmente, o poder decisivo para definir as decisões tomadas por uma construção de personagem de livre arbítrio é dado ao jogador do personagem. O poder decisivo de definição que não é restringido por construções de caráter é muitas vezes dado a pessoas que participam de papéis de árbitro. O processo de definição é muitas vezes governado por um conjunto de regras de jogo quantitativas. As informações sobre o estado do mundo do jogo são muitas vezes disseminadas hierarquicamente, de forma correspondente à estrutura de poder do jogo. No RPG de mesa, o mundo do jogo é definido predominantemente na comunicação verbal. No live-action RPG - larp, o jogo se sobrepõe ao mundo físico, que é utilizado como fundamento na definição do mundo do jogo. 210 No role-playing virtual, o jogo é sobreposto a uma realidade virtual computacional, que é usada como base na definição do mundo do jogo. (Zagal & Deterding, 2018, pp. 20-21) Para Hitchens & Drachen, o RPG tem a seguinte estrutura: 1. Game World: Um RPG é um jogo ambientado em um mundo imaginário. Os jogadores são livres para escolher como explorar o mundo do jogo, em termos do caminho pelo mundo que percorrem, e podem revisitar áreas anteriormente exploradas. A quantidade de mundo do jogo potencialmente disponível para exploração é geralmente grande. 2. Participantes: Os participantes dos jogos são divididos entre jogadores, que controlam personagens individuais, e árbitros (que podem ser representados em software para exemplos digitais) que controlam o restante do mundo do jogo além dos personagens dos jogadores. Os jogadores afetam a evolução do mundo do jogo através das ações de seus personagens. 3. Personagens: Os personagens controlados pelos jogadores podem ser definidos em termos quantitativos e/ou qualitativos e são indivíduos definidos no mundo do jogo, não identificados apenas como papéis ou funções. Esses personagens podem desenvolver potencialmente, por exemplo, em termos de habilidades, habilidades ou personalidade, a forma desse desenvolvimento está pelo menos parcialmente sob controle do jogador e o jogo é capaz de reagir às mudanças. 4. Mestre do jogo: Pelo menos um, mas não todos, dos participantes tem controle sobre o mundo do jogo além de um único personagem. Um termo comumente usado para esta função é “game master”, embora existam muitos outros. O equilíbrio de poder entre jogadores e mestres do jogo, e a atribuição desses papéis, podem variar, mesmo dentro de uma única sessão de jogo. Parte da função do mestre do jogo é tipicamente julgar as regras do jogo, embora essas regras não precisem ser quantitativas de forma alguma ou depender de qualquer forma de resolução aleatória. 211 5. Interação: Os jogadores têm uma ampla gama de opções de configuração para interagir com o mundo do jogo por meio de seus personagens, geralmente incluindo pelo menos combate, diálogo e interação com objetos. Embora a gama de opções seja ampla, muitas são tratadas de forma muito abstrata. O modo de engajamento entre jogador e jogo pode mudar de forma relativamente livre entre configurativo e interpretativo. 6. Narrativa: Os jogos de RPG retratam uma sequência de eventos dentro do mundo do jogo, o que dá ao jogo um elemento narrativo. No entanto, dada a natureza configurativa do envolvimento dos jogadores, esses elementos não podem ser chamados de narrativa de acordo com a teoria narrativa tradicional. (Hitchens, & Drachen, 2009, 16). As ações dos jogadores de um RPG podem ser definidas de um modo um pouco mais poético, conforme as palavras de Jane Maria Braga: 1. É permitido quebrar as regras de qualquer exercício proposto aqui. 2. É permitido, quando a necessidade surgir, escrever em português “errado”, começar no meio, deixar seu trabalho inacabado etc. 3. É permitido escrever em colaboração com seu vizinho. 4. É permitido copiar o trabalho do vizinho. 5. É permitido ser bobo ou escrever coisas sem sentido. Não é preciso ser profundo ou literário. É permitido besteirol. 6. É permitido contar mentiras ou exagerar. 7. É permitido se dirigir às coisas, animais, flores, estranhos e a você mesmo. É permitido falar em nome deles. É permitido se dirigir a Deus. 8. É permitido ser um participante entusiasta (pessoal, subjetivo e sentimental) ou um observador distanciado (repórter objetivo). 9. É permitido se divertir. (Braga, 2000, p. 5) O RPG surgiu na década de 1970 nos Estados Unidos e no Brasil chegou na década de 1990. 212 Enquanto o costume usual é apontar para a publicação de 1974 de Dungeons & Dragons pela Tactical Studies Rules como o “início” do “role-playing”, esse jogo não continha as palavras “role-playing game”. Além disso, os antecedentes do jogo eram óbvios. Era um descendente direto de jogos de guerra (sua capa dizia “regras para fantásticos jogos de guerra medievais”). (Mason, 2004, p. 1) Basicamente, era um grupo de jovens que se reuniam para se divertir, sem os aparatos da atual tecnologia, com os instrumentos que possuíam, tais como livros, blocos de anotações, dados, tabuleiros, lápis, canetas e sobretudo imaginação. Atualmente, com o avanço da tecnologia, é possível se reunir para jogar em páginas/aplicativos, cada um permanecendo em sua casa, possibilitando a criação de um universo inteiro dentro de uma tela, com tabuleiros, artes e dados (instrumentos de jogo) virtuais. Com o passar dos anos, os jogos foram se reinventando, agora estando apenas a um clique de distância, deixando a experiência mais próxima do real. Jogos como Erica (2019) de Jack Attridge, Night Book (2021) de Alex Lightman e Duskwood (2019) de Jan Ewald e Kevin Scherer, são feitos em live action (um termo usado para definir adaptações de animações e desenhos para registros de pessoas reais). Além da identidade visual ser muito próxima à de filmes, há a correspondência com o gênero de filmes interativos como, por exemplo, Black Mirror: Bandersnatch (2018) de David Slade, que vem crescendo muito com o passar dos anos. Neles, o jogador é um personagem da narrativa e opções de escolhas são oferecidas ao longo da história, possibilitando ao usuário uma experiência personalizada. 213 É neste contexto que esta pesquisa se aprofunda, com o intuito de verificar se existem correspondências entre as estruturas narrativas de jogos RPG e de filmes cinematográficos. O RPG como Jogo e como Narrativa Cinematográfica O RPG, para além de seu implícito significado, é comumente entendido como um jogo, porém O que é verdade para “jogos” vale duplamente para “jogos de interpretação de papéis”. Na verdade, os jogos de interpretação de papéis (RPGs) são talvez o fenômeno de jogo mais controverso: a exceção, o jogo que não é exatamente um jogo. (Zagal & Deterding, 2018, p. 19) Zagal & Deterding relembram que muitos autores reconhecem que os RPGs são um caso limítrofe porque, por exemplo, “não possuem um resultado quantificável” (Salen & Zimmerman, 2004, 81). Contudo, por definição, o RPG é um game, um tipo de jogo específico dentre muitos outros tipos de jogos e assim vamos considera-lo para este estudo. E, o mais significativo para este estudo: o que se faz presente entre todos esses tipos de jogos, até mesmo e principalmente o RPG, é a condução narrativa que, igualmente, está presente nos filmes cinematográficos. Assim, podemos entender que todo game é um meio de comunicação audiovisual, assim como o é o cinema, a TV e o vídeo. E é por isso que se percebe uma acelerada inserção social de produtos em game, algo imediatamente compreensível se recordarmos as idéias do historiador holandês Johan Huizinga que defendia, “desde 1903” (Huizinga, 1996, Prefácio), a idéia de que o ser humano contemporâneo pode ser caracterizado como Homo ludens, sendo 214 o jogo um fator distinto e fundamental, presente em tudo o que acontece no nosso universo cultural. (Gosciola, 2009, p. 52) Atualmente é perceptível ver a aproximação de jogos, principalmente os de RPG com os filmes. Para delimitarmos um recorte específico para este estudo, elegemos o exemplo dos RPGs jogados e assistidos em plataformas de streaming, tais como Twitch, Hulu, Booyah, YouTube, Azubu, entre outras. Nestas plataformas os usuários conseguem fazer lives sobre RPG (live refere-se à uma transmissão ao vivo feita em alguma plataforma nas redes sociais). Temos o exemplo do RPG do Rafael Langes, mais conhecido como o streamer Cellbit, com o apoio da plataforma da Amazon que é dona da Twitch. Seus RPGs, especialmente o de sua autoria Ordem Paranormal (2020), são jogados em um estúdio, com mais quatro streamers. Por mais que estejam jogando presencialmente, há toda uma preparação, a mesa que antes era um tabuleiro agora é feita por meio de uma tela enorme no centro de uma mesa, onde são mostrados os mapas e os personagens, acompanhados com uma música de fundo, dando mais imersão à história. Os participantes do RPG ganham um tablet e nele está a ficha do personagem, com todas as suas habilidades e perícias, além dos pontos de vida. Os únicos objetos físicos durante a partida são os dados, que são jogados durante a partida. Depois de encerrada a live, o conteúdo fica gravado em forma de vídeo e pode ser acessado a qualquer momento, o que, de certa maneira, deixa o formato parecido com um filme, com um começo, meio e fim. Na pandemia, o número de espectadores desse conteúdo teve um aumento significativo, em um momento em que as pessoas não puderam 215 sair de casa e foram em busca de mais formas de interação. Essas lives oferecem um meio de participação intensa, assim possibilitando um sentimento de pertencimento há uma comunidade. A possibilidade de pessoas fora da narrativa, pessoas que estão apenas assistindo a uma live poderem influenciar a história, tornando o sujeito espectador/autor me remete a noção de hipertextualidade discutida por Marcuschi. Para ele: Diferentemente do que o texto de um livro convencional, o hipertexto não tem uma única ordem de ser lido. [...] O hipertexto consegue integrar notas, citações, bibliográficas, referências, imagens, fotos e outros elementos encontrados na obra impressa de modo eficaz sem a sensação de que sejam notas, citações, ou seja, subverte os movimentos e redefine as funções dos constituintes textuais clássicos. […] “o hipertexto obscurece os limites entre leitores e escritores”, já que ele é construído parcialmente pelos escritores que criam as ligações, e parcialmente pelos leitores que decidem os caminhos a seguir. Com o hipertexto, muda a noção de autor e de escritor, dando a impressão de uma autoria coletiva ou de uma espécie de co-autoria. A leitura se torna simultaneamente uma escritura, já que o autor controla mais o fluxo da informação. O leitor determina não só a ordem da leitura, mas o conteúdo a ser lido. (Marcuschi, 1999, pp. 2-3). no hipertexto o controle fica por conta do leitor que agirá de acordo com suas necessidades e em função de suas condições cognitivas ou interesses específicos. (Marcuschi, 1999, p. 6) Existem também jogos de celular de RPG que se assemelham muito aos filmes que assistimos no cinema. Sendo acessíveis para qualquer pessoa que possuir celular, sendo gratuitos e simples de jogar. Temos o exemplo de três jogos: Erica (2019) de Jack Attridge, Night Book (2021) de Alex Lightman e Duskwood (2019) de Jan Ewald e 216 Kevin Scherer. São jogos feitos em live action, um termo usado para definir adaptações de animações e desenhos para registros de pessoas reais. É um recurso de linguagem em certos aspectos vantajoso para o público porque além da identidade visual ser muito próxima à dos filmes, há a correspondência com o gênero de filmes interativos que vem crescendo muito com o passar dos anos. Neles, o jogador é um personagem da narrativa e suas escolhas são mostradas ao longo da história, possibilitando ao usuário ter uma experiência personalizada. Pegando exemplos mais atuais, temos os jogos Immortality (2022) de Sam Barlow e Half Mermaid e o jogo The Quarry (2022) de Nik Bowen. Sendo jogos somente para o computador, e não gratuitos, mas podendo ser localizados nas mais comuns plataformas de jogos. A história de Immortality é sobre uma atriz que desapareceu, para entender o que aconteceu com ela são mostrados clipes dos três filmes não terminados que ela participou. Os clipes são interativos, podendo selecionar objetos ou pessoas levando assim para outro clipe. Com os pequenos vídeos mostrados, é possível construir uma narrativa. Cada usuário tem uma experiência personalizada, pois a história não é linear, podendo achar o mesmo clipe em momentos diferentes ou até achar clipes diferentes que outros jogadores não veem. Por sua vez, The Quarry é um jogo live action que um grupo de adolescentes ficam presos em um acampamento de verão, há monstros por lá e eles querem escapar vivos dessa história. No jogo sempre aparece duas escolhas para acontecer, podendo assim o jogador decidir o que acontece. Grandes partes do jogo são vídeos com atores reais que foram gravados para poder construir a narrativa. Filmes misturando a vida real com a realidade virtual já são um indício que o universo dos games está presente em gêneros 217 cinematográficos. A divisão entre jogos de RPG com filmes está ficando tênue, analisando comparativamente, verificamos os seguintes elementos comuns: escolha do jogador/espectador, divisão de grupos por perícia/ habilidades, controle da liberdade de escolha em filme e RPG, fases definidas por desafios dos personagens/jogadores, intervalos na ação para recuperar energia ou conseguir informações, narração extradiegética, sistema conta-número de vidas do jogador/personagem, sistema de regras fixas para se seguir, história dos personagens figurantes/NPCs, esquema de combate como de jogos de RPG Escolha do Jogador/Espectador O filme Black Mirror: Bandersnatch (2018) de David Slade, relata sobre um jovem programador. O jogo que ele está programando começa a se conectar com a vida dele. Há uma fala do personagem em que fica claro que a intenção dele é permitir aos jogadores duas opções de escolha. Assim, para terem certa liberdade de escolha, e o filme possibilita isso, os espectadores/jogadores conseguem escolher o que o personagem irá fazer em seguida, pois as duas opções são mostradas na tela. Esse formato deixa o filme muito parecido com um jogo, pois depende do jogador/espectador para a narrativa continuar. O filme Escape the Undertaker (2021) de Ben Simms, é sobre o antigo grupo de lutadores New Day. E eles estão presos em uma “mansão assombrada” e para conseguirem sair, precisam resolver desafios para saírem das armadilhas. O estilo do filme é igual ao do Bandersnatch, o espectador/jogador escolhe entre duas alternativas que são mostradas na tela, as escolhas afetam os personagens do grupo conseguindo, assim, ajudá-los ou prejudicá-los. Isso torna o filme parecido com jogo, pois 218 o jogador/espectador é quem comanda a história, ele que consegue defini-la com suas escolhas. Os jogos Immortality (2022) de Sam Barlow e Half Mermaid e o jogo The Quarry (2022) de Nik Bowen, seguem essa ideia, a experiência do jogador/espectador é personalizada pois só ele consegue decidir o que vai acontecer, pois dependendo das escolhas tomadas durante o jogo que a narrativa é construída. Podendo assim, jogadores/espectadores diferentes conhecerem narrativas diferentes. Divisão em Grupos por Perícia/Habilidades O filme Animais fantásticos os crimes de Grindelwald (2018) de David Yates, Newt Scamander é recrutado pelo seu antigo professor em Hogwarts, Alvo Dumbledore, para enfrentar o terrível bruxo das trevas Gellert Grindelwald, que escapou da custódia da Macuca. No filme as personagens são separadas por bruxos, bruxos das trevas (comensais da morte) e trouxas (pessoas sem poderes). A série Fate: A saga das winx (2021), de Hannah Quinn, constrói uma narrativa de um mundo onde seres míticos vivem entre os humanos e uma garota “normal” começa a descobrir sua verdadeira identidade e acaba indo para Alfea, uma escola no Outromundo. Tendo um cunho tão fantasioso quanto Animais fantásticos os crimes de Grindelwald, as personagens são fadas e as aulas são divididas pelas habilidades de cada uma, sendo baseadas nas suas perícias, tais como fogo, água, luz, sentimentos, escuridão, entre outros. No contexto de RPG, por exemplo, temos a série de jogos Final Fantasy (1987) do criador Hironobu Sakaguchi, na qual os personagens são divididos em suas especialidades, elfos, magos, guerreiros, 219 curandeiros, entre outros, e assim formam clãs entre si. Jane Maria Braga (2000) destaca que um dos aspectos mais importantes são a parceria entre os jogadores, sendo a junção deles para resolver um problema ou para a formação do lore do personagem e sua comunidade. Lore é a sabedoria ou conhecimento tradicional de uma coletividade, contém as informações a respeito de um universo ficcional, envolvendo histórias, lendas, línguas, povos, geografia e outras informações semelhantes. Para Braga: Os vários suportes de leituras que são compartilhados pelo grupo de jogadores e acabam por se misturar para dar forma e sentido ao mundo criado pelos sujeitos. Estão presentes na vida dos rpgistas os livros de regras, de fantasia, de ficção, de História, revistas e filmes. Coletivamente essas leituras são compartilhadas e estimuladas. O que me faz pensar no jogo como um impulsionador de zonas de desenvolvimento proximal, segundo a concepção de Vygotsky (1994), pois nele há diferentes sujeitos (em idade e conhecimentos) em interação onde um auxilia o outro, seja na construção de um personagem, na resolução de um problema, na interação para a construção da narrativa. (Braga, 2000, p. 3) Personagens com Controle da Narrativa em Filmes e RPG As séries Loki (2021) de Kate Herron e What If…? (2021) Bryan Andrews, são do mesmo universo cinematográfico Marvel e possuem características iguais em que, os personagens tentam controlar as suas próprias vidas, ou narrativas, mas há sempre um controle superior que tem o controle absoluto de todas as histórias. Na série Loki temos a AVT (Autoridade de Variância Temporal) que controla a linha do tempo de todos os personagens. Enquanto que em What If há o personagem “O Vigia” que percorre os universos que não estão alinhados anunciando 220 o caos a se instaurar e os pontos narrativos imutáveis que acontecem independentemente de qualquer ação. Em jogos de RPG, por mais que os jogadores tenham liberdade de escolha, o mestre do jogo é que está no centro de tudo, exercendo um controle total sobre a história. Fases Definidas por Desafios dos Personagens/Jogadores O filme Escolha ou morra (2022) de Toby Meakins é sobre dois amigos que encontram um jogo antigo, que oferece uma grande recompensa como prêmio. Porém ele carrega uma maldição que cai sobre quem joga, alinhando assim o jogo virtual com a vida real da personagem principal Kayla, que passa pelas fases com o intuito de descobrir mais sobre o que está acontecendo e como parar com a maldição. Nos jogos de RPG os personagens têm que passar por desafios, ou com objetivos de continuar a narrativa, ou de descobrir o que há por trás das histórias. A série Round 6 (2021) de Hwang Dong-Hyuk é sobre um estranho que entrega convites para um jogo misterioso que tem uma grande recompensa. São convidados apenas pessoas que estão passando por um momento financeiro ruim, com intuito de alcançar o maior número de jogadores. A cada fase, é um desafio de vida ou morte, a cada morte acontecida um valor é acrescentado à recompensa final, o que faz os personagens se prejudicarem entre si durante as fases. Para conseguirem sair com vida, eles têm que pensar em como concluir as fases de forma rápida e correta. Como em todo tipo de RPG, é preciso pensar em como sair de um problema de maneira eficiente e rápida. O filme Escape Room (2019) de Adam Robitel retrata pessoas que vão atrás de um jogo de escape room normal, que seriam salas temáticas imersivas, cheias de enigmas e desafios palpáveis, onde o 221 jogador é o personagem e precisa juntar forças com os demais jogadores para escapar em determinado período de tempo. Na narrativa, de cada sala que eles conseguem sair, chegam até um novo cômodo com novos mistérios e quebra-cabeças, reiniciando o jogo de vida ou morte. Apenas quando o último personagem fica vivo, ele consegue sair e descobrir toda a verdade do que estava acontecendo. Em RPGs é possível trabalhar coletivamente para conseguir concluir os desafios. Intervalos na Ação para Recuperar Energia/Conseguir Informações O filme The Seven Deadly Sins: Cursed by Light (2021) de Takayuki Hamana é um filme estilo anime onde Meliodas e seus amigos (Os Sete Pecados Capitais) entram em ação para deter uma poderosa aliança mágica que pode significar o fim de uma era de paz. Cada um dos sete pecados tem seu poder respectivo, por exemplo: o Escanor, pecado capital do “Orgulho do Leão” tem um poder imenso e uma personalidade arrogante durante o dia, mas se torna frágil e submisso à noite. Depois das lutas, eles vão até uma adega para recuperar energia. No RPG Ordem Paranormal (2020), de Rafael Langes, os personagens, depois das ações, fazem uma pausa para recuperar energia, e para isso eles têm que se alimentar ou fazer um descanso. O filme A morte te dá parabéns 2 (2019) de Christopher B. London, a protagonista Tree Gelbman vive um mesmo dia inúmeras vezes fugindo de um assassino. Para conseguir sair deste ciclo, precisa descobrir uma equação de uma máquina que irá resolver o problema. Para conseguir os números exatos, a protagonista e os amigos precisam usar de tentativa e erro até achar o ideal, mas a cada erro na equação a protagonista morre e volta no tempo. Neste retorno, em um momento 222 isento de ação extrema, quando não há perigo iminente, ela dialoga com os colegas sobre o erro a ser corrigido. Em RPGs há intervalos depois das ações para conseguir examinar as informações obtidas. No RPG de Langes, Ordem Paranormal, além de haver um intervalo na campanha, para que os jogadores consigam uns minutos de descanso, são feitos os documentos fisicamente, como Jane Braga afirma: Num jogo imaginativo baseado na oralidade a escrita está presente para garantir a coesão dos elementos. A mente humana não é capaz de guardar tantas informações que chegam diariamente e armazená-las todas para uso futuro. Por isso a função da escrita como possibilidade de armazenar informações, mediante o registro impresso ou manuscrito, vem ampliar a capacidade da memória. (Braga, 2000, p.4). Narração Extra-Diegética (ou heterodiegética) Na série Bridgerton (2020) de Shonda Rhimes, há uma narradora que seria a Lady Whistledown, escritora de uma coluna de fofoca. Por mais que Penelope seja a escritora, a narração é exclusividade da Whistledown. Penelope não se comporta da mesma forma que escreve, o que torna a Lady um alter ego dela, o que a separa totalmente da narrativa. Um ponto importante é que quem dubla a narradora não é um personagem presente na série. No filme Star Wars: A Ascensão de Skywalker (2019) de J. J. Abrams, temos a famosa abertura dos filmes de Star Wars, aquela narração em letras amarelas crescendo pela tela contando um pouco da história, com a música de abertura. Tanto para Bridgerton, quanto para Star Wars: A Ascensão de Skywalker, a comparação com jogos de RPG é que o mestre narra as situações, mas está fora da narrativa em 223 questão, apenas contando os contextos, lugares, entre outras coisas para que os jogadores/personagens continuem. Sistema Conta-Número de Vidas do Jogador/Personagem No primeiro episódio da quinta temporada de Black Mirror: Striking Vipers (2019) de Charlton Brooker, tendo um contexto em um período mais futurístico, dois amigos de faculdade se reencontram, decidindo assim passar as noites jogando videogame juntos. O videogame seria uma realidade virtual em que os dois se conectam colocando um aparelho pequeno na cabeça. Com os dois amigos entrando nessa realidade que seria em um estilo como a série de jogos Mortal Kombat, barras de vida aparecem, contando assim a vida do personagem. Em jogos de RPG sempre há um número de vidas do jogador ou uma porcentagem de vida para assim ele ter uma mortalidade, pois como no RPG é necessário representar uma pessoa, toda vida possui um fim. O filme Jumanji 2 (2019) de Jake Kasdan, é sobre um grupo de amigos que vão parar dentro de um videogame antigo, dentro do jogo eles viram os próprios personagens da narrativa do jogo. Como eles são os personagens, aparecem marcas no braço, cinco retângulos escuros que na verdade são o número de vidas disponíveis de cada um. A cada morte que acontece uma dessas marcas desaparece, com isso se acabarem o número total, eles desaparecem e não conseguem voltar para a vida real. Em jogos de RPG é normal terem uma tabela com o número de vidas total de cada personagem, assim tendo um limite. 224 Sistema de Regras Fixas para se Seguir A série Panic (2021) de Gandja Monteiro, é sobre uma pequena cidade do Texas, onde os formandos competem em uma série de desafios com o objetivo de ganhar a recompensa. Com isso, os jovens acreditam ser sua única chance de escapar de suas circunstâncias atuais e tornar suas vidas melhores. Para conseguir vencer o jogo, os personagens precisam seguir as regras, pois se algo for feito de maneira errada, ele estará fora do jogo e com isso perde a chance de ganhar. Em jogos de RPG há sempre um sistema de regras, um exemplo seria, antes de cada ação, todos jogadores devem jogar o dado para saber a ordem das jogadas. A série The Boys (2019) de Hartley Gorensteins, é sobre “Os Sete” heróis mais poderosos da Terra. Porém, esses protetores têm um lado oculto que a maioria das pessoas desconhece. Eles pertencem à poderosa corporação Vought International, que os trata como mercadorias para monetizar. Com isso, todos os heróis precisam seguir regras para não sofrerem punições, como reputação arruinada ou cancelamento da ajuda financeira para a família deles. Em jogos de RPG, o mestre é quem dita as regras para os jogadores, para assim a narrativa seguir por um ritmo certo. Andreia Pavão (2000) afirma que publicações sobre os livros de regras estão ficando cada vez mais frequentes, com isso se criando uma comunidade de apoio para os mestres que estão formando as narrativas: RPG é a sigla de Role Playing Game, “jogo de representação” que exige a leitura de um livro de regras cuja publicação tem conquistado espaços cada vez mais significativos no mercado editorial. Uma ideia que começou nos EUA no início dos anos 70, como evolução dos jogos de guerra e muito influenciado pela literatura de Tolkien (1994), e que se espalhou pelo mundo 225 rapidamente. Quanto à forma, destaco o papel da imagem, a incorporação de elementos da linguagem popular e da cultura de massas, a construção textual fragmentária, o papel do humor e a estrutura de aventuras em sagas e universos ficcionais com características próprias. Quanto ao conteúdo, ou seja, aos temas mais recorrentes nestes dois gêneros de produção, destacaria a paródia de situações cotidianas, temas de ficção científica e aventuras épicas. (Pavão, 2000, p.16) História dos Personagens Figurantes/NPCs O filme Free Guy- Assumindo o Controle (2021) de Shawn Levy é sobre um caixa de banco, preso a uma entediante rotina, que tem sua vida virada de cabeça para baixo quando descobre que é um personagem em um jogo interativo. Agora ele precisa aceitar sua realidade de que é apenas um NPC (um personagem não jogável). A ideia é sobre dar vida a um personagem que seria apenas um “figurante” de um jogo, podendo assim mostrar que até os personagens irrelevantes têm suas histórias. Em jogos de RPG é possível contar as histórias de todos, até do personagem com a menor participação, também chamado de NPC, dotando o jogo de uma narrativa mais completa. Temos o personagem de Deadpool, que sua primeira aparição, não mais que alguns minutos, foi de um figurante no filme X-Men Origens: Wolverine (2009) de Gavin Hood. Os fãs criticaram que sua aparência não estava igual aos quadrinhos e seu primeiro filme solo Deadpool (2016) de Tim Miller foi um sucesso, muito adorado pelos fãs, que logo teve sua sequência em 2018 Deadpool 2 de David Leitch. Em jogos de RPG, alguns personagens podem aparecer como uma figuração em algum momento e depois ter um maior destaque na narrativa. 226 Esquema de Combate como de Jogos de RPG Na série Arcane (2021) de Pascal Charrue baseada no RPG League of Legends (2009) da Riot Games, é uma animação original da Netflix e reconta as histórias de origem dos personagens Piltover e Zaun. A trama gira em torno de uma tecnologia mágica conhecida como “hextec”, que dá a qualquer pessoa a habilidade de controlar energia mística e essa ferramenta acaba causando um desequilíbrio entre os reinos. Como em jogos de RPG, cada personagem possui uma habilidade graduada em vários níveis estabelecidos pelas cartas/fichas de combate que o esquematizam, por exemplo, nas cenas de ação, o combate é regido por ações definidas em uma ficha que um personagem de cada vez utiliza e quem tem o maior nível de poder é quem ganha. Na série Sakura Cardcaptor (1998) de Morio Asaka, baseada na série de mangás Cardcaptor Sakura (1996) criada pelo grupo CLAMP. Sakura é uma garota estudante da fictícia cidade japonesa de Tomoeda, que por acidente abre um livro misterioso, chamado Livro Clow. Do livro saem 52 cartas mágicas levadas por uma tempestade de vento causada pela magia da carta Vento, que foi libertada quando Sakura leu o seu nome. Na série, são as cartas que possuem poder, o poder da carta que vai para quem a possui. Em jogos de RPG, dependendo de como for a construção do jogo, os jogadores podem ter suas habilidades e esquemas de combate definidos pelas fichas, podendo usá-las quando for necessário. Segundo Carlos Augusto Serbena (2000) é possível descrever o RPG a partir de seus elementos. Os principais elementos pertencentes dos jogos são o mestre que dirige a história, os personagens dos jogadores que interagem com os personagens do mestre dentro de um 227 mundo ou universo imaginário, seguindo um sistema de regras que descreve o funcionamento. As interações entre estes elementos e o seu desenvolvimento constituem o enredo ou trama da aventura, como um sistema de combate: Em encontro deste tipo, o jogador interpreta a situação, toma uma decisão baseada nas características do seu personagem e, se for caso, joga ou rolar os dados. Estes existem para compatibilizar a ação do personagem do jogador naquela situação com suas características. Por exemplo, se a ação decidida pelo jogador for levantar uma pedra de 100 kg, o mestre testa a força do jogador e para decidir se os dados são rolados. (Serbena, 2006, pp. 131-132) Inversão de Papéis do Personagem O filme Eternos (2021) de Chloé Zhao, “Os Eternos” são uma raça de seres imortais que viveram durante a antiguidade da Terra, moldando sua história e suas civilizações enquanto batalhavam contra os malignos Deviantes. No filme são apresentados dez personagens, contando a narrativa de cada um deles. Dentre eles, temos o Ikaris, que no início se mostra como um dos dez protagonistas, está motivado a ajudar o grupo a salvar o mundo, mas depois é revelado que ele tem suas próprias motivações e não quer ajudar, tornando-se assim o antagonista da história. Na série de filmes Velozes e Furiosos, que começou em 2001 pelo diretor Rob Cohen, o ator Jason Statham faz o personagem Deckard Shaw, sua primeira aparição foi como o antagonista no filme de 2015, Velozes e Furiosos 7 de James Wan. Em 2021, Shaw aparece como protagonista da história no Velozes e Furiosos 9 de Justin Lin. 228 No primeiro filme em que o personagem aparece, ele é o vilão que quer vingar a morte de seu irmão, mas no outro filme ele quer ajudar o grupo a derrotar outro vilão. Mudando assim de antagonista para protagonista. Em jogos de RPG como o mestre é quem cria a narrativa e os personagens, pode acontecer de ele fazer um personagem com o intuito de ser o antagonista, mas no começo ele parecer e se comportar como um protagonista. Na terceira temporada Desconjuração do RPG Ordem Paranormal (2020) de Rafael Lange, é apresentado Luciano/Fernando, um dos agentes que trabalha para a Ordo Realitas, onde investiga o mundo paranormal e quer combater os Escriptas que tentam causar a destruição do planeta, unindo o mundo real ao paranormal. Mas no correr da história é mostrado que, na verdade, é Luciano/Fernando quem controla o grupo do Escriptas. Na série Alice in Borderland (2020) de Kohei Chida, um dos aspectos mais importantes é que os personagens estão dentro de um jogo e só conseguem sobreviver se ficarem passando de fases. O personagem principal Ryohei Arisu, em vários momentos, afirma que aquilo é um jogo e, portanto, para conseguir vencer a fase, deve pensar como o mestre, pois nos jogos há um mestre controlando tudo e ele exerce o papel mais importante. O RPG, por ser um jogo trazido para a atualidade e de forma complexa, possibilita que os personagens tenham suas questões internas e interesses próprios, por isso, durante a história, podem ocorrer ações inesperadas e reviravoltas conforme Serbena: A outra interpretação da duplicidade ou multiplicidade de personagens desempenhados pelo jogador apresenta-se mais adequada, pois nesta concepção a multiplicidade reflete a posição do indivíduo na sociedade contemporânea, onde em vez de uma identidade, ele possui identificações múltiplas e exerce diferentes 229 papéis, explicitando a ambivalência do sujeito que foi ocultada na modernidade. (Serbena, 2006, p. 174) Considerações Finais: correspondências narrativas entre Cinema e RPG É importante considerarmos as palavras de Ernest Adams: Os jogos de interpretação de papéis permitem que os jogadores interajam com o mundo do jogo em uma variedade mais ampla de maneiras do que a maioria dos outros gêneros, e desempenhem um papel mais rico do que muitos jogos permitem. Muitos jogos de RPG também oferecem uma sensação de crescimento de uma pessoa comum para um super-herói com poderes incríveis. Outros gêneros geralmente fornecem aos jogadores esses poderes imediatamente, mas em um jogo de RPG, o jogador os ganha através de um jogo bem-sucedido e pode escolher quais habilidades específicas ele deseja cultivar. (Adams, 2014, p. 5) De acordo com a definição de Adams, podemos compreender que o RPG tem uma narrativa muito elaborada o que se assemelha à narrativa de um longa-metragem, isto é, já desde sua definição o RPG tem uma proximidade ao Cinema. Filmes misturando a vida real com a realidade virtual já são um indício que o universo dos games está presente em gêneros cinematográficos. Dado que, a separação entre jogos de RPG e filmes está ficando cada vez mais tênue, analisando comparativamente, verificamos os seguintes elementos estruturais narrativos comuns entre eles: escolha do jogador/espectador, divisão de grupos por perícia/habilidades, controle da liberdade de escolha em filme e RPG, fases definidas por desafios dos personagens/jogadores, intervalos na ação para recuperar energia ou conseguir informações, 230 narração extradiegética, sistema conta-número de vidas do jogador/ personagem, sistema de regras fixas para se seguir, história dos personagens figurantes/NPCs, esquema de combate como de jogos de RPG e inversão de papéis. O Mestre, sendo a figura principal em RPG, tem como responsabilidade escolher: o local e a data em que se passa a história; os personagens e suas habilidades e aparência (incluindo, se for o caso, suas inversões de papéis); e construir previamente uma parte da história, uma atividade semelhante à do roteirista de cinema. Como o jogo é definido pelos jogadores e suas escolhas, o mestre deve desenvolver vertentes, caminhos possíveis para serem escolhidos e assim a narrativa segue personalizada e construída com o passar das partidas, sendo suas funções bem próximas com o diretor e roteirista de um filme. Ele escolhe o elenco e as suas habilidades que seriam os jogadores, escolhe o cenário da narrativa, a história em si e o clímax que os jogadores devem resolver. O mestre faz as regras de comportamento no jogo, papel também de um diretor de filmes. Para deixar a narrativa mais completa, o mestre pode montar as artes, o visual da história, podendo fazer virtualmente ou fisicamente na forma de tabuleiro ou maquete. Tamanha proximidade entre as estruturas narrativas de RPG e Cinema (que sequer está esgotada neste estudo), leva-nos a inferir que as possibilidades dessa confluência podem aumentar, na medida em que a tecnologia se desenvolve nos dois campos do entretenimento. O que nos projeta para futuros estudos ainda mais detalhados na verificação de como cada um influencia e se deixa influenciar nas suas estratégias comunicacionais. 231 Referências Adams, E. (2014). Fundamentals of Role-Playing Game Design. Peachpit. Braga, J. M. (2000). Aventurando pelos caminhos da leitura e escrita de jogadores de Role Playing Game (RPG) [Dissertação de Mestrado, UFJF]. Gosciola, V. (2009). Narrativa audiovisual de los videojuegos: Aspectos comunes con el cine. Cuadernos de Información, 25, 51-60. http:// ojs.uc.cl/index.php/cdi/article/view/21833/17855 Hitchens, M., & Drachen, A. (2009). The Many Faces of Role-Playing Games. International Journal of Role-Playing, 1(1), 3-21. www. ijrp.subcultures.nl/wp-content/uploads/2009/01/hitchens_drachen_ the_many_faces_of_rpgs.pdf Huizinga, J. (1996). Homo ludens: o jogo como elemento da cultura. Perspectiva. Marcatto, A. (1996). Saindo do Quadro. A. Marcatto. Marcuschi, L. A. (1999). Linearização, cognição e referência: o desafio do hipertexto [Trabalho apresentado em congresso]. IV Colóquio da Associação Latino Americana de Analistas do Discurso, Santiago, Chile. Mason, P. (2004). In Search of the Self, A Survey of the First 25 Years of Anglo-American Role-Playing Theory. En M. Montola & J. Stenros (Eds.), Beyond Role and Play: Tools, Toys and Theory for Harnessing the Imagination. Ropecon. 232 Pavão, A. (1996). A aventura da leitura e da escrita entre os mestres de RolePlaying Game (RPG). Devir. Serbena, C. A. (2006). O mito do herói nos jogos de reapresentação. [Dissertação de Mestrado, UFSC] Salen, K., & Zimmerman, E. (2004). Rules of Play: Game Design Fundamentals. MIT. Zagal, J. P., & Deterding, S. (2018). Definitions of role-playing games. En J. P. Zagal & S. Deterding (Eds.), Role-playing game studies: transmedia foundations. Routledge. 233 O ROTEIRO ALGORÍTMICO: HACKEANDO A NETFLIX Leandro Maciel1 Vicente Gosciola2 Uma das maneiras recentes de se criticar um filme ou série é dizer que seu roteiro é algorítmico. Isso quer dizer que empresas poderosas como Amazon Prime Video e Netflix produziriam a partir de roteiros reduzidos a fórmulas, com entradas de dados e resultados previsíveis (Burroughs, 2018). Mas as “fórmulas” conhecidas pelo mercado audiovisual, através dos manuais de roteiro, seriam substituídas pela objetividade do Big Data - enormes quantidades de informações fornecidas pelo comportamento de usuários em interação com as plataformas de 1. 2. Doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Anhembi Morumbi. Coordenador da pós-graduação em Design de Animação do Senac-SP e docente dos cursos de comunicação da Universidade Anhembi Morumbi. e-mail: [email protected] Doutor em Comunicação pela PUC-SP. Professor Permanente do Programa de PósGraduação em Comunicação da Universidade Anhembi Morumbi. e-mail: vicente. [email protected] 234 streaming. Seria possível controlar estes novos paradigmas e “hackear” a Netflix, antevendo o padrão do que a plataforma de streaming considera um sucesso? A tática de se deixar levar pelos insights que seu algoritmo lhe proporciona sem dúvida é boa para a Netflix, pois ficou provado que isso se reflete em audiência fácil. Mas é ruim para produção cinematográfica como um todo. A sensação é de estar sempre preso em uma bolha de referências antigas que se retroalimentam, sem nunca entregar algo original (...) O sucesso de Rua do Medo mostra que, para o bem e para o mal, a influência dos algoritmos nas produções culturais veio para ficar. (Cruz, 2021) Hoje se discute muito a influência dos algoritmos no processo criativo do audiovisual e, de forma ampla, na virtualização de nossas vidas. Mas o que isso quer dizer? Os computadores da Netflix estão escrevendo séries? Ou são somente informações fornecidas por eles a quem toma as decisões? A Rede Globo (e seu serviço on demand, Globoplay) não usa estes mesmos dados? E, afinal, o que é um algoritmo? “É um conjunto finito ordenado de passos executáveis não ambíguos de um processo que tem um término” (Brookshear, 2000), ou ainda: Na medida em que precisamos especificar uma sequência de passos, precisamos utilizar ordem, ou seja, “pensar com ordem”, portanto, precisamos utilizar lógica. Apesar do nome pouco usual, algoritmos são comuns em nosso cotidiano, como, por exemplo, uma receita de bolo. Nela está descrita uma série de ingredientes necessários e uma sequência de diversos passos (ações) que devem ser fielmente cumpridos para que se consiga fazer o alimento desejado. conforme se esperava antes do início das atividades (objetivo bem definido). (Forbellone & Eberspächer, 2000, p. 3) 235 Esta analogia com a receita culinária é recorrente em textos introdutórios sobre programação. Um autor que se vale de metáfora parecida, mas de uma maneira mais enfática, é Knuth (1997). Analisando o exemplo do algoritmo euclidiano para se encontrar o maior divisor comum entre duas integrais positivas, o autor conclui: “O significado moderno para algoritmo é bastante semelhante ao de receita, processo, método, técnica, procedimento, rotina, rigmarole [complicação], exceto que a palavra ‘algoritmo’ conota algo apenas um pouco diferente” (Knuth, 1997, p. 4). A Influência dos Algoritmos Em nossa pesquisa foi possível localizar dois pontos de inflexão, que introduzem e estabelecem a ideia de um roteiro algorítmico. O primeiro ponto é quando a Netflix decide produzir conteúdo original (no caso, contratando estúdios que então licenciavam o conteúdo para a empresa). O destaque desse momento é a produção da série House of Cards, em sua versão de 2013, dois anos após a contratação do chefe de conteúdo Ted Sarandos. O segundo momento de inflexão é quando a Netflix constrói seu próprio estúdio, no estado da Califórnia, EUA, assumindo todas as etapas da produção audiovisual, realizando em 2016 a série Stranger Things, série cujo roteiro foi comprado por Brian Wright, ex-vice-presidente sênior da Nickelodeon e agora subordinado à Sarandos (Hasting & Mayer, 2020, p. 41). Se podemos dizer que um roteiro, em sua concepção, é algorítmico, House of Cards é o exemplo mais patente. Em sua dissertação sobre binge-publishing, Blake Hallinan & Ted Striphas (2014) resumem bem o surgimento desta série: 236 utilizando seus algoritmos para determinar se há uma audiência presente para uma combinação de “David Fincher”, seu “estilo”, a coleção de gêneros com os quais ele já trabalhou, “Kevin Spacey”, o gênero específico de thriller político, e por aí vai. [...] A Netflix se movimenta de uma massa indiferente para um aglomerado de microaudiências altamente diferenciadas. (Halinan & Striphas, 2014, p. 128) House of Cards nasce de uma fórmula calculada pelos computadores, uma “receita” com os ingredientes certos (como na analogia de Knuth, 1997). Campos (2019) reforça que o cruzamento de dados pode dar “luz verde” (a aprovação) para o que vai ser produzido, mas não necessariamente é uma garantia de sucesso. No entanto, “em menos de um mês após sua estreia, House of Cards se tornou a série mais vista na plataforma” (Keating, 2013, p. 263, como citado em Campos, 2019, p. 94). Por sua vez, Burroughs (2018) desloca o conceito para a audiência. Ele explica em mais detalhes a “receita” de House of Cards, mas com um olhar crítico, afirmando que a “caixa preta” da Netflix cria a impressão de que o algoritmo é infalível: A série é o produto imaginado do algoritmo, que serve como base futura da produção algorítmica auto-perpetuadora. Se você gostou da minissérie britânica House of Cards [de 1990], então também gosta de dramas políticos e filmes com o ator Kevin Spacey. Aqueles que gostaram de dramas políticos e Kevin Spacey também gostaram de filmes realizados por David Fincher [...]. Tal como Havens observa, foram ainda as “interpretações” dos executivos da Netflix que acabaram por influenciar as decisões de programação, tal como na era analógica da televisão. (Burroughs, 2018, pp. 10-12) 237 A posição de Burroughs é que o discurso da Netflix molda a audiência, e não o contrário. A ideia de que o algoritmo garante que a audiência saia sempre satisfeita é nada mais do que isso – uma ideia devidamente vendida para a plateia. Um aprofundamento da questão do streaming como uma misteriosa caixa-preta se dá em recente artigo de RIOS, que critica a mudança no método de medição de audiência da Netflix: Considerando que informações sobre o desempenho das obras do catálogo se configuram como propriedade privada, a escolha de divulgá-las ou não fica a cargo da empresa. Nesse sentido, a própria noção de números de audiência tem sido trancafiada nas caixas-pretas de plataformas como a Netflix. Devido a isso, confiar em afirmações sobre a popularidade de uma produção se torna uma tarefa arriscada, uma vez que são poucos os mecanismos à disposição para que possamos questioná-las substancialmente (Wayne, 2021, como citado em Rios, 2022, p. 7) Novo Paradigma da Ficção Seriada no Streaming De uma maneira simples, podemos aplicar o paradigma da narrativa clássica ao escrever episódios de uma série enquanto ela está sendo produzida. Na teoria, basta aplicar a proporcionalidade dos atos a cada episódio (se a cada 20 a 30 minutos deve acontecer uma mudança importante, então um ato em um episódio de 45 minutos teria de 9 a 10 minutos). Agora, como uma equipe de roteiro deve lidar com as diferentes demandas de audiência – estes princípios também valeriam para as novelas, ou telesséries como propõe a HBO Max? Seria possível ainda se alinhar a único paradigma? Em nossa pesquisa, fizemos uma comparação 238 entre diferentes ficções seriadas, destacando um ponto em comum já conhecido no meio: o uso de arcos longos ou linhas narrativas contínuas. Sistemas de Recomendação no Streaming O conceito de uma audiência algorítmica passa pela convenção de que as plataformas de streaming organizam sua grade através de sistemas de recomendação. O sistema primordial, que de certa forma todas as modalidades de negócio digital parecem reverenciar, é o do comércio eletrônico da Amazon. Na introdução de sua pesquisa, Amatriain, engenheiro de software da Netflix, explica a importância dos sistemas de recomendação para os negócios digitais: Os sistemas de recomendação são um excelente exemplo da aplicabilidade em grande escala da prospecção de dados [Big Data mining] [...]. Há mais num bom sistema de recomendação do que a técnica de prospecção de dados. Questões como o design de interação do usuário [área conhecida como UI/UX], fora do âmbito desta pesquisa, podem ter um impacto profundo na eficácia de uma abordagem. Mas dada uma aplicação existente, uma melhoria no algoritmo pode valer milhões de dólares. Por outro lado, dado um método ou algoritmo existente, a adição de mais atributos de diferentes fontes de dados pode também resultar numa melhoria significativa. (Amatriain, 2013, p. 1) Nosso ponto crucial é entender como o sistema de recomendação pode afetar a roteirização, partindo do princípio de que, a partir dos dados dos usuários ao interagir com as plataformas, novas demandas podem ser localizadas. E visto que uma das métricas que os streamings têm para medir o sucesso de seu negócio é a manutenção de usuários- então, se eles estão satisfeitos, irão ficar com esta plataforma e não com a concorrente. 239 O ranqueamento na Netflix é explicado da seguinte forma por Amatriain: Se procura uma função de ranqueamento que melhore o consumo, uma referência óbvia é a popularidade do item. A razão é clara: em média, um assinante tem mais probabilidades de ver o que a maioria dos outros estão vendo. No entanto, a popularidade é o oposto da personalização: produzirá a mesma ordem de itens para cada usuário. Assim, o objetivo passa a ser encontrar uma função de ranqueamento personalizada que é melhor do que a popularidade do item, para que possamos satisfazer melhor os usuários com seus gostos variados. Uma forma de abordar esta questão é utilizar a classificação prevista do membro de cada item como um adjunto da popularidade do item (Amatriain, 2013, p. 3) Binge-watching versus Novelização Nas entrevistas desta pesquisa foram discutidos os caminhos que a audiência está trilhando no cenário contemporâneo, no Brasil, em tempos de ascensão do streaming. Debatemos se o interesse em séries se mantém, principalmente nas séries dramáticas no modelo dos EUA (narrativas seriadas cinematográficas (Kallas, 2016), com uma história que se divide na média entre 8 e 12 episódios, de 45 minutos a 1 hora cada). Com base no conceito de explorar arcos mais longos, Mittell (2015) argumenta que a introdução imediata de episódios de uma série, sem pausas comerciais ou do intervalo semanal entre episódios, permitiria um aumento da complexidade narrativa. Os roteiristas podem combinar arcos mais longos em uma trama que requer mais atenção e brincar com as próprias regras que são propostas, quando o público tem total controle em pausar, retroceder ou avançar a história. Uma fala, cena ou episódio pode ser revisitado, com um olhar diferente. Diga-se de 240 passagem, que esta foi uma das vantagens que Reed Hastings apontou quando defendeu o investimento em conteúdo de séries pela Netflixainda que hoje esse modelo esteja em discussão, com outros players lançando episódios semanais de suas principais séries (como House of The Dragon3, pela HBO Max; O Senhor dos Anéis: Os Anéis de Poder4 na Amazon Prime ou a própria Netflix, espaçando alguns episódios da 4ª temporada de Stranger Things) Novamente, atestamos que a fonte de inspiração da Netflix foi o canal a cabo da HBO: Você ficava o tempo todo lutando para defender o princípio de que aquele era o melhor modo de garantir os assinantes”, disse Susie Fitzgerald, que na época era da equipe. “Para poder ganhar nosso suado dinheirinho, insistíamos em dizer que era preciso ter personagens contínuos por quem o público se apaixone, pois assim, quando os assinantes se mudam ou acontece alguma outra coisa, eles simplesmente não cancelam o serviço. (Martin, 2014, p. 72) Em entrevista ao site Tertúlia Narrativa, Pedro Aguilera listou algumas vantagens técnicas em se trabalhar com um roteiro voltado para o binge-watching: “não tivemos que nos preocupar com ganchos de intervalo ou ficar retomando muitos elementos dos episódios passados, 3. 4. HOUSE OF THE DRAGON. Intérpretes: Paddy Considine, Matt Smith, Rhys Ifans e outros. Roteiro: Miguel Sapochnik, Ryan J. Condal e George R. R. Martin. EUA: Produtoras: 1:26 Pictures, HBO, Netflix. Distribuição: HBO, HBO Max. 2022-. (11 episódios, com duração aproximada de 60 minutos cada episódio) son., cor., inglês (dublagem e legenda disponíveis), HDTV.1 temporada THE LORD OF THE RINGS: THE RINGS OF POWER. Intérpretes: Morfydd Clark, Ismael Cruz Cordova, Lenny Henry e outros. Criação: Patrick McKay e John D. Payne. EUA: Produtoras: 1:26 Pictures, Amazon Studios, New Line Cinema, Warner Bros Tv. Distribuição: Amazon Prime, Embracer Group. 2022-. (8 episódios, com duração aproximada de 60 minutos cada episódio) son., cor., inglês (dublagem e legenda disponíveis), 4K. 1 temporada 241 porque ainda não passou tanto tempo que o espectador assistiu ao episódio anterior” (Corrêa, 2019, p. 101) - considerando que, como apontou Mittell, o espectador pode rever os episódios como bem desejar. Agora, sobre esta tendência à novelização, Simão apontou como ela vai além da seara das novelas: Existe uma pressão, e é uma coisa que hoje as pessoas estão vendo Netflix, vendo HBO prestando atenção no celular. Então tem um ponto que é clareza. Você às vezes dá informação na elipse, os personagens se falaram durante essa elipse e essa informação chegou no personagem A pelo personagem B e você entende sozinho Você não fica fazendo “um mais um” para o espectador a todo momento. Só que hoje as diretrizes são “não, não se dá informação assim. Toda informação tem que ser clara”. (Simão, comunicação pessoal, 2022, agosto 19) Na conversa, citamos um certo “efeito Carinha de Anjo”: por que a Netflix, com seu investimento pesado e discurso voltado para a série e o binge-watching, teria no Brasil, entre as suas peças mais assistidas, novelas que saíram do canal SBT? Esse efeito é ilustrado por este meme: Sobre isso: Em várias reuniões, esse print do Carinha de Anjo em primeiro lugar, foi motivo de falação [na HBO Max]. Hoje eu chamo o espectador que precisa entender tudo de “aquele que veio pelo pacote do Brasileirão”. Porque a HBO faz comercialização de futebol e eu vi que vários assinantes vieram por causa disso. E os “grandes” da HBO ficam preocupados com esse espectador. O “tiozão” que assinou pelo futebol, ele vai entender isso que vocês estão falando? Tem apelo para ele?”. Esse povo que está lá trabalhando com série, que está pensando “isso aqui é o biscoito fino”, é difícil eles pensarem nesse espectador. Eu vou assinar HBO Max, no Brasil, o que eu vou assistir? As séries? Não! Tem o [time de futebol] Corinthians. Em resumo, eles estão 242 vendendo HBO Max por causa do futebol. (Simão, comunicação pessoal, 2022, agosto 19) Um dos possíveis motivos para esse efeito pode não ter a ver com a novela em si, mas com a popularidade anterior das peças (afinal, Rebeldes é uma franquia, enquanto Carinha de Anjo é um remake), a classificação indicativa (infanto-juvenis, de classificação livre) e mais ainda o grande volume de capítulos. Sant’Angelo é mais contumaz ao criticar essa ideia da novela como uma tendência: Sobre a novela, não é que eu não acho que não vai dar em nada, mas é que parece que a aposta de 6 meses atrás era outra e agora de repente já mudou. Viram que talvez não seja o caso ou talvez esteja faltando grana para investir tanto assim em novela. É muito fugaz, o tipo de análise que eles fazem, o que eles precisam, do que eles querem [...] Envolve uma questão maior, por ser empresas multinacionais, que mudam rápido, assim como a organização delas. E cada pessoa vê [os dados] de um jeito. A mudança de pessoal acaba alterando o resultado final. (Sant’Angello, comunicação pessoal, 2022, setembro 01) Curva de Abandono ou Taxa de “Completude” Quando inquirida pelo parlamento do Reino Unido, a Netflix revelou em uma carta que seus espectadores podem ser classificados em 3 grupos: starters, watchers e completers. Os nomes seriam de acordo com a porcentagem que estes usuários começam, continuam ou completam a assistência de um filme e, principalmente, de uma série. Em tese, as telenovelas seriam mais acessíveis para os starters e watchers (espectadores eventuais ou que não costumam completar as temporadas), uma vez que não demanda a audiência integral dos 243 capítulos. Por outro lado, o mercado internacional parece inclinado à produção das séries dramáticas, de histórias mais concentradas e que favorecem o binge-watching – voltado para a audiência dos completers - uma vez que exigem mais da audiência. Essa divisão entre espectadores mais concentrados (completers) e mais distraídos (starters) não é novidade no audiovisual (Machado, 2005, p. 87), em particular na relação entre cinema e televisão. Ela inclusive foi usada por um bom tempo com um certo viés, como forma de dizer que o cinema seria superior por exigir essa atenção que a televisão não oferece – o que na prática tem mais a ver com um estado mental de quem assiste, sua disposição a se dedicar àquela peça, seja ele um espectador casual (um termo sem esse viés) ou aquele mais fidelizado, que se dedica à obra com mais empenho. A longo prazo, o desafio dos streamings é achar uma forma sustentável de negócio, atendendo a nichos de audiências algorítmicas (Burroughs, 2018) ao mesmo tempo em que procuram atrair novos assinantes com produções-evento, que teriam por pretensão uma audiência global. Mas é importante dizer que, ao menos no caso da Netflix, eles acreditam primeiro em manter os completers, que consumiram séries dramáticas, com apelo internacional. Uma das razões é citada por Corrêa (2019): Além das informações geradas pelo banco de dados da empresa, a Netflix apostou nessa estratégia como uma forma de mostrar que olhava seriamente para o negócio de produções seriadas e que, por não pertencer a esse mercado, a empresa foi capaz de identificar as melhores práticas e tentar métodos diferentes para conquistar a audiência. O binge-publishing é importante, principalmente, porque ao depender de temporadas completas, faz 244 com que o trabalho dos roteiristas funcione de forma diferente. (Corrêa, 2019, p. 94) No streaming, uma das métricas possíveis para avaliar o sucesso de uma narrativa audiovisual, e em especial nas séries, é a curva de abandono, ou ainda taxa de “completude”. É como uma visualização das categorias “starters, watcher & completers”: a taxa mede a porcentagem de usuários que terminaram de assistir um audiovisual. No caso das séries, isso é muito útil pois, por ser uma narrativa longa, permite avaliar como o público se comportou com a evolução da história ao longo dos episódios. Essa métrica, mesmo que indiretamente, interferiu na roteirização de algumas séries pesquisadas por nós. Bulygo (2018) formulou uma teoria, a partir de alguns dados divulgados pela Netflix, como o fato deles desenvolverem um algoritmo para detectar quando os créditos começam: Por que a Netflix quer saber quando os créditos entram? Eles provavelmente querem ver o que os usuários fazem depois. Eles deixam o aplicativo ou voltam para a navegação? Observe como o Netflix agora oferece recomendações de filmes (eles têm algoritmos de personalização que visam prever com precisão o que os usuários verão em seguida) logo após o início dos créditos (ou, para programas de televisão, eles jogam automaticamente o próximo episódio). Permita-me explicar: através de suas análises, a Netflix pode saber quanto conteúdo os usuários precisam assistir para ter menos probabilidade de cancelar. Por exemplo, talvez eles saibam que “se conseguirmos que cada usuário assista a pelo menos 15 horas de conteúdo a cada mês, eles terão 75% menos probabilidade de cancelar. Se eles ficarem abaixo de 5 horas, há 95% de chance de cancelar”. Assim, agora que eles têm esses dados, podem se perguntar “Como podemos ajudar os usuários a assistir pelo menos 15 horas de conteúdo por mês? Uma ideia: habilitar o post-play, que automaticamente toca o 245 próximo episódio de um programa de TV, a menos que o usuário opte por não assistir. (Bulygo, 2018) Se considerarmos que uma temporada de uma série dramática, na média, somaria entre 10 e 12 horas de conteúdo, então chegaríamos próximo das 15 horas que, na teoria de Bulygo, evitariam o cancelamento por parte do usuário. Até onde foi possível levantar, a porcentagem ideal de usuário que completem uma série seria 80%. Note que esta porcentagem se refere somente àqueles que começaram a ver determinada série, então, um nicho poderia ser avaliado de forma mais justa. Um dos usos dessa métrica é descrito por Bulygo (2018): Por exemplo, as pessoas na Netflix poderiam se perguntar “Quantos usuários que iniciaram o “Arrested Development “ (desde a temporada 1) chegaram ao fim da temporada 3? Depois eles recebem uma resposta. Digamos que é 70%. Então perguntam “Onde estava o ponto de corte em comum para os usuários? O que fizeram os outros 30%? Quão grande foi o ‘intervalo de tempo’ entre o momento em que os consumidores assistiram a um episódio e o momento em que viram o episódio seguinte? Precisamos de ter uma boa ideia do envolvimento global deste programa”. Depois recolhem estes dados e vêem as tendências dos usuários para compreender o envolvimento num nível mais profundo. Se a Netflix verificasse que 70% dos usuários assistiram a todas as temporadas disponíveis de um programa [já] cancelado, isso seria um sinal para reiniciar “Arrested Development”. (Bulygo, 2018) Então a taxa de completude de Arrested Development foi uma métrica utilizada para o “sinal verde” de uma nova temporada da sériemais do que isso, levou à “ressurreição” da série, que passou de uma 246 aquisição a conteúdo original da Netflix. Um efeito secundário dessa ressurreição ajudou o ator Will Arnett, que foi mantido sob contrato com a Netflix- posteriormente, ele se envolveria na concepção da animação Bojack Horseman. Mas na nossa pesquisa outros usos para a curva de abandono apareceram: ela surgiu como meta para uma primeira temporada, e como um recurso para aprovação de uma segunda temporada. Ao comentar com Simão (comunicação pessoal, 2022, agosto 19) sobre o poder que os streaming teriam ao usar esta métrica, ela nos disse o seguinte: Temporada de verão não continuou porque é caro demais para o número de visualizações que deu. Disseram que a série era cara para o número de pessoas que chegaram até o fim. Hoje falam em termos assim. Essa série que eu estou fazendo agora [na HBO] tem que dar 80. O que é isso? 80% das pessoas que começam, terminam de ver isso. 20 ou menos do que 20 (por cento de taxa de abandono) é um grande sucesso. Euphoria, da HBO, é mais do que 20, 25%, para você ter uma ideia... Bojack [Horseman], da Netflix, que eu amo, a taxa de quem começa e termina é baixíssima. Aí eles falam nesses termos . Para essa série [Além do guarda-roupa] a expectativa é 80%, que a empresa coloca. (Simão, comunicação pessoal, 2022, agosto 19) Questionamos também o roteirista Sant’Angelo (comunicação pessoal, 2022, setembro 01), head writer da série Irmandade, para a Netflix, a respeito da curva de abandono. Ele foi um pouco além, estimando um prazo para que a série atingisse uma meta: A gente tem que manter as pessoas que começaram, elas precisam ter chegado no fim. Se muita pessoa vê só o primeiro episódio e não prossegue, na verdade, a série não foi um sucesso. Eles vão cancelar a segunda temporada. Então, faz parte da meta, você ter os episódios muito “bingiáveis” [neologismo para 247 qualificar uma história que estimule o binge-watching] , para que assim a pessoa chegue ao final da temporada. Além disso, tem o tempo que eles [as plataformas de streaming] consideram que dá para um usuário completar, e esse tempo é de 28 Dias. [...] Então é meio que o tempo que um usuário tem, que vai estar dedicada àquela série e isso não vai estar competindo com outra coisa, que ela não vai abandonar. Claro, pessoas assistem séries aleatoriamente, mas como comportamento de massa é assistir completo e em 28 dias - isso que vai dizer se a série foi bem ou foi mal. (Sant’Angello, comunicação pessoal, 2022, setembro 01) No episódio 4 da primeira temporada de Irmandade (“Passagem só de Ida”) temos uma virada importante: o momento em que o policial Andrade livra (temporariamente) Cristina de suas obrigações como delatora, após a entrega do plano de um assalto comandado pela Irmandade. É a partir desse episódio que Cristina se volta para a organização criminosa liderada pelo irmão dela, o que Sant’Angelo apelidou de “momento Breaking Bad”. Em consonância com o comentário de Sant’Angelo, recentemente foram traduzidos e republicados tweets do escritor Neil Gaiman, clamando que seus fãs pedissem aos amigos para assistirem “Sandman” por completo. Lançado mundialmente pela Netflix em agosto de 2022, Gaiman avisa que mesmo entre os top 10 a série não teria garantia de segunda temporada, uma vez que o custo da série seria alto (a player teria pagado 15 milhões de dólares por cada episódio da primeira temporada): Mas, convenhamos, a afirmação de Gaiman não é justa com a audiência: uma das vantagens de assinar um serviço de streaming não é justamente poder assistir “no seu próprio ritmo”? A escolha da métrica não estaria errada? O modelo de negócios pressiona os roteiristas a adotarem este paradigma do binge-watching. A ideia da maratona dos 248 episódios demanda lançamentos com marketing cada vez mais pesado, transformando as séries em eventos, como foram os recentes lançamentos da quarta temporada de Stranger Things e da spin-off de Game of Throne, House of The Dragon, pela Amazon Prime. Desconsiderando toda a competição entre os streamings, podemos dizer que claramente que nem toda série terá essa vocação para o evento. Uma saída para esse entrave seria, novamente, uma aproximação do streaming com outros modelos de negócios: o serviço que deve substituir a HBO Max deve oferecer pacotes variados – um gratuito (com um acervo mais limitado e anúncios, outro a preço baixo ainda com publicidade e outro com preço maior, num modelo como o atual. Num primeiro momento essa ideia de anúncios publicitários no streaming parece um retorno à TV aberta, mas provavelmente o modelo a se adotar é o do YouTube, com anúncios duvidosos no início do ou entre os programas. Episódio-Gancho (“Cuidado com o quarto episódio”) Junto com a taxa de completude, temos uma outra métrica possível, mais misteriosa, que é a taxa de abandono entre o terceiro e quinto episódio. Este seria o “episódio-gancho”, chamado assim pois na série bem-sucedida, a maior parte dos usuários que chegariam neste episódio completariam a temporada. Corrêa (2018) explica o conceito em sua dissertação: Mas como saber se o público foi fisgado pela narrativa apresentada já que não há mais um piloto feito para conquistar o público? Em resposta, a Netflix buscou entender em qual episódio das séries o público se engaja de fato, denominado episódio-gancho. 249 Segundo a pesquisa da empresa, 70% das pessoas que assistem ao episódio-gancho de uma série continuam a narrativa até o final, ou até o último capítulo disponibilizado. Abaixo, a figura indica os episódios-ganchos de séries Originais Netflix como Orange Is The New Black e Sense8, mas também de produções de outras emissoras como Breaking Bad, Dexter e Gossip Girl (The CW, 2007-2012). Esse estudo gerou especulações a respeito da audiência necessária para que uma série original seja renovada na plataforma, uma vez que a Netflix não deixa claro porque uma série ganha uma nova temporada. (Corrêa, 2019, pp. 92-94) Segundo uma de Nossas Entrevistadas: Mas eles falam que o pessoal [a audiência] “larga” muito no terceiro episódio. Então tinha essa pressão para o terceiro episódio ser forte, escrever já escaleta, pensando em qual gancho... assim, tem que pensar em gancho mesmo. E não só não só do episódio. Hoje, nessa série do HBO por exemplo, eu estou enganchando as cenas. Penso em gancho de cena para a próxima cena, porque eu não quero que o cara desligue. Se essa cena é menos emocionante, então eu já prometo algo... Tamanho é o medo de perder a audiência lá na frente. (Simão, comunicação pessoal, 2022, agosto 19) Uma de nossas suposições para este princípio do episódio-gancho é que o modelo de série para o binge-watching deve se concentrar em 10 a 13 episódios, diferentemente dos 20 a 25 episódios de séries da televisão tradicional. E se aplicarmos o diagrama de Syd Field, devemos ter o terceiro, quarto ou quinto episódios como um ponto de virada. Os autores de House of Cards claramente abordaram a narrativa como um filme de treze horas de duração – isso também significa menos dependência dos tradicionais ganchos de fim de episódio para manter o público pensando sobre a história até a episódio da semana seguinte. É interessante, contudo, que eles tenham 250 optado por criar treze episódios, que é o número clássico de episódios de uma série de TV a cabo. (Kallas, 2016, p.15) Em entrevista para o livro de Kallas (2016), o roteirista Warren Leight, entre outros comentou como pensava numa temporada de uma série como se fosse um filme com uma duração muito longa, organizando a trama da série Lights Out nos 3 atos de Syd Field (ou quatro atos, segundo a revisão de Thompson (1999) Tivemos uma estrutura de três atos para a temporada. E tínhamos muita consciência de que estávamos preparando o clímax do retorno dele. Os quatro primeiros episódios foram o primeiro ato, no fim do quarto episódio está claro que o drama não termina, que eles não estão aceitando que ele volte ao ringue. Do quinto ao nono episódio temos o segundo ato, o meio da temporada, que é a página 60 de um roteiro em minha mente. Foi o primeiro retorno à luta, e os últimos episódios conduzem à grande revanche. E além disso houve o piloto, e cada um dos doze episódios deveria girar em torno de uma luta. Ele vai se voltar contra a família, contra a família de origem, contra o patrocinador. A temporada tinha uma estrutura cinematográfica. (Kallas, 2016, p.63) Acreditamos que essa questão do 4º episódio-gancho venha de outra fonte: o modelo de sucesso da tv por assinatura premium HBO e de Família Soprano. Ao abordar os 13 episódios da 1ª temporada da Família Soprano, fala-se muito sobre a importância até mesmo histórica do 5º episódio, College, onde vemos pela primeira vez Tony matando um de seus inimigos. Este episódio é tido como o mais revolucionário da ficção televisual nos últimos anos (no caso, no final dos anos 90): 251 Se houve um momento em particular que assinalou a realidade da nova TV, ele aconteceu apenas poucas semanas após a estreia de Família Soprano. Nessa época, o público já estava começando a se afeiçoar a esse novo e incomum herói [o mafioso Tony Soprano]. Então, na quinta semana, Tony estrangulou um homem até que ele morresse. Bem na nossa cara. Em tempo real. Enquanto levava a filha para visitar e conhecer algumas faculdades. (Martin, 2014, p. 11) Mas seguindo a lógica do paradigma de Syd Field, então não seria “College” o episódio-gancho e sim o quarto, “Meadowlands”. O showrunner de Família Soprano, David Chase, conta de forma prosaica que: “Depois de ter visto três episódios seguidos, eu disse: ‘Ah, estou tão de saco cheio disto... preciso levar essas pessoas para fora da cidade. Talvez eles tirem férias, algo assim’” (Martin, 2014, pp. 116-117). Figura 1 Nota. Diagrama de Syd Field aplicado à primeira temporada de Família Soprano (Elaborado pelos autores). Se olharmos com mais atenção o episódio “Meadowlands”, ele parece dentro da regra da Netflix no critério do ponto de virada da temporada: essencialmente, é o episódio onde Tony cede à terapia e, 252 inspirado por um livro cedido por sua terapeuta, entrega a chefia da família italiana ao Tio Júnior- adiando a explosão da violência, Tony toma uma decisão racional, que funciona assim como um ponto de virada desse primeiro quarto da série. Assim, apesar da relevância do desenvolvimento da personagem no terceiro episódio da temporada, o que se mostra decisivo em termos estruturais é o quarto episódio. O restante da temporada parece corroborar esta conclusão. Em cada quadro na área inferior do diagrama, colocamos o principal evento do episódio. Note que como Thompson (1999), consideramos o ponto central também como um ponto de virada. Entretanto, é curioso o que Simão fala a respeito de Família Soprano, “que já tinha assistido 6 vezes do começo ao fim”, quando lhe questionamos sobre o episódio-gancho na série em que trabalhava (e da pressão em “não dar respiro” ao espectador): É engraçado que eu, pessoalmente, gosto de uma dramaturgia mais lenta, é das coisas que HBO fazia que, agora na HBO Max, eu já sinto que é outra visão. Já querem o gancho, já querem a rapidez em tudo. Então acho que vamos dizer adeus para um certo tipo de dramaturgia mais lenta. (Simão, comunicação pessoal, 2022, agosto 19) Considerações Finais É muito comum que nas redes sociais alguém apregoe que descobriu como “hackear o algoritmo”. A frase indica que seu autor descobriu como influenciar de forma direta os sistemas de recomendação dessas redes. Temos alguns exemplos recentes e polêmicos de como isso foi 253 feito no Twitter5 e no Spotify6. Agora, seria possível fazer o mesmo com as plataformas de streaming, hackeando seus algoritmos? E, no caso de nossa pesquisa, criar um *roteiro perfeito” que levasse a esse efeito? A mídia especializada relatou um showrunner que realizou essa proeza, em 2017. O produtor norueguês Anders Tangen vendeu a primeira temporada de sua série, Norsemen, para a Netflix. A série parodiava as produções sobre vikings ao manter o visual e o contexto, mas criar personagens que falam como se estivessem vivendo os dilemas contemporâneos. Uma combinação improvável entre Vikings e as sitcoms de Larry David. Tangen se viu num espaço privilegiado (principalmente por sua série ter sido gravada em norueguês e inglês, simultaneamente), mas tinha o desafio de se destacar num catálogo que, na época, contava com mais de 1700 títulos de séries. O hackeamento de Tangen aconteceu quando se deu conta que nesse mar de oferta, uma série como a dele teria pouca chance. Foi então que Tangen desembolsou um total de pouco mais de 20 mil dólares para fazer uma campanha de microaudiência no Facebook, publicando pequenos trechos da série, focados em grandes cidades e estados dos EUA com um contingente étnico nórdico considerável. 5. 6. A reedição do filme “Liga da Justiça” pelo seu primeiro diretor, Zack Snyder, foi na realidade impulsionada por um exército de bots, que geraram a comoção virtual necessária para convencer a Warner Bros. a ressuscitar o projeto. Não se pode dizer ao certo quem promoveu esse tráfego não-orgânico, mas acredita-se que foi o fandom de Snyder. (Siegel, 2020). Assim como o caso do “Znyder´s cut”, o fandom de Anitta teria realizado o mesmo para promover a música Envolver: Soares (2022). Pessoalmente acreditamos que nos dois casos quem foi de fato responsável foram os próprios artistas, ou empresas ligadas a eles, já no espírito de “hackear o algoritmo”. 254 O algoritmo do Netflix tinha começado a fazer efeito. Os fãs que tinham tomado conhecimento da série através da campanha de Tangen começaram a recomendá-lo aos seus amigos. [...] começaram a aparecer no carrossel de recomendações da Netflix. [...] Quando Norsemen surgiu para uma renovação da segunda temporada, a Netflix aumentou o seu compromisso, tornando o programa um “Netflix Original”, o que significa mais marketing interno. (Roxborough, 2019) Dessa forma a ação de Tangen influenciou o critério de popularidade do sistema de recomendação (Amatriain, 2013). E a ação do produtor norueguês mostra uma conexão indissociável hoje: não podemos mais desenvolver uma narrativa audiovisual sem levar em conta sua capacidade de repercussão nas redes sociais e da constituição de elos entre a audiência. Isso já foi discutido por autores como Jenkins (2006) e Anderson (2006). Chama a atenção o investimento relativamente baixo que Tangen fez para colocar sua série entre as mais assistidas. Entretanto, o hackeamento de Tangen afeta o algoritmo num movimento “de dentro para fora”, com a audiência sendo influenciada por um fator externo. Vimos situações em que isso se repete de forma mais simples, como nos tweets recentes de Gaiman pedindo para os fãs completarem Sandman, ou mesmo no monitoramento informal que Sant’Angelo e Simão fizeram com suas series. Pouco ou nada se fala dos valores intrínsecos, das características narrativas que permitiram, em primeiro lugar, que Norsemen chegasse à Netflix. Há uma primeira questão, mais ligada à produção, que é o fato da Netflix ter comprado uma série já totalmente financiada (a primeira temporada da série de Tangen foi exibida inicialmente pela emissora pública da Noruega, NRK). Segundo informações da época, esse dado 255 prévio de popularidade despertou a atenção da líder no streaming- no que parece ser um padrão em seu movimento, ao investir em obras com respaldo em outras localidades, em remakes (como no caso de House of Cards e Maniac), ou ainda em nomes que já são reconhecidos principalmente na internet (como é o caso de Sintonia, cujo criador, Kondzilla, possui um canal de videoclipes com milhões de seguidores no YouTube). Esse procedimento não é novo no audiovisual (vide Eco,1989, e as dezenas de definições de repetição que ele oferece); no entanto, quando falamos de roteiro algorítmico, o roteiro só pode ser criado a partir de dados anteriores (uma vez que o algoritmo só pode oferecer uma saída a partir de dados de entrada). Agora, Norsemen investe em algumas características que levantamos para o roteiro algorítmico. No caso, a mais evidente é o trabalho com a narrativa complexa (Mittell, 2012), por conta do jogo metanarrativo que constrói. Sintetizada como uma combinação entre The Office e Game of Thrones, é uma série cômica que leva em conta o que conhecemos de outras obras populares. Quando assistimos, associamos ora a uma série violenta sobre vikings, ora a uma sitcom. Essa é a verdadeira fórmula de Norsemen. Então quando se diz que ele “hackeou o algoritmo da Netflix”, devemos levar em conta que ele hackeou antes, ao criar esta fórmula que descrevemos, e esse é um ponto primordial que não podemos deixar de lado. Ainda assim, levemos em conta como esse peso das redes sociais é vital, principalmente na curta meia-vida de uma série que estreia na Netflix. 256 Referências Amatriain, X. (2013). Big & personal: Data and models behind Netflix recommendations [Trabalho apresentado]. BigMine ‘13: Proceedings of the 2nd International Workshop on Big Data, Streams and Heterogeneous Source Mining: Algorithms, Systems, Programming Models and Applications. Anderson, C. (2006). 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Veja como Anitta e seus fãs usaram o algoritmo do Spotify para levar “Envolver” ao topo das paradas. Olhar digital. https://olhardigital.com.br/2022/04/12/internet-eredes-sociais/veja-como-anitta-e-seus-fas-usaram-o-algoritmo-dospotify-para-levar-envolver-ao-topo-das-paradas/ 259 NOVAS ESTRATÉGIAS DE DISTRIBUIÇÃO DA NETFLIX E A NARRATIVA SERIADA EM ARCANE Letícia Forti Bonatelli1 Letícia Passos Affini2 A ascensão de serviços de distribuição de séries via internet transformou a indústria televisiva ao ampliar o número de telas ao usuário e oferecer maior oferta de conteúdo. Ao levar as produções audiovisuais da televisão para a internet, os serviços de streaming, como os SVOD (subscription video-on-demand), deram a liberdade de escolha para o usuário navegar da forma que desejar entre as telas de conteúdo. Importante destacarmos que streaming é a tecnologia de carregamento de vídeos online, enquanto SVOD diz respeito a mecânica 1. 2. Mestranda em Mídia e Tecnologia. Membro do GrAAu - Grupo de Estudos de Audiovisual da Unesp. [email protected] Doutora em Comunicação e Cultura. Docente do programa de Pós-Graduação em Mídia e Tecnologia da Unesp. [email protected] 260 da plataforma que disponibiliza um serviço de assinatura que dá liberdade e portabilidade para os usuários. O ano de 2010 foi o ponto de virada em relação aos SVOD, a Netflix lança o serviço sob demanda por assinatura para recepção em dispositivos móveis, episódios em alta definição acessíveis pouco tempo depois do programa ir ao ar. O Hulu, em 2008, e o HBO Go, em 2010, trilharam pelo mesmo caminho na internet, porém a Netflix não está diretamente ligada a emissoras já estabelecidas no mercado. Até que em 2012, a empresa firmou um acordo com a emissora norueguesa NRK para distribuir todos os episódios da série Lilyhammer na América do Norte, bem como atuar como co-produtora, enquanto a série era exibida semanalmente na Noruega. Assim foi inaugurado o chamado binge-publishing, definido como “o lançamento simultâneo de todos os episódios de uma temporada de uma série de televisão sem intervalos comerciais por meio de um serviço de streaming de vídeo sob demanda” (Van Ede, 2015, p. 3). Os serviços de SVOD alteram a forma como a audiência percebe a ficção ao acabar com os intervalos de tempo e de publicidade que separam os episódios. Os intervalos fizeram parte da experiência televisiva seriada moldada por um modelo econômico publicitário, as emissoras privadas do broadcast e narrowcast precisam preencher os espaços da programação com publicidade para manter o modelo de negócio sustentável. Portanto, nesse formato a narrativa é moldada pelos intervalos e são recorrentes os recursos de repetição das informações ao longo do episódio, pois se pressupõe que a audiência é mais propensa à dispersão. Recursos estes como vinheta de abertura, recapitulação, iterações e vinheta de encerramento. 261 Este catálogo de técnicas para auxiliar a memória destaca a importância de processos subjacentes de memória no, aparentemente, simples ato de compreensão narrativa. Gerenciar um universo narrativo de vários anos é difícil o suficiente para escritores de televisão, mas eles também enfrentam desafios significativos para garantir que os espectadores possam acompanhar a ação sem cair na confusão ou no tédio da redundância. Embora os novos modos de visualização tenham tornado mais comum para os espectadores assistir a uma série em ordem sequencial sem perder episódios, ainda é comum o suficiente para os espectadores assistirem de forma irregular, exigindo redundância interna e extensões paratextuais para garantir a compreensão narrativa. (Mittell, 2015, p. 194) Com o binge-watching, os intervalos se baseiam nos segundos de espera do usuário entre o fim e o início do novo episódio. A experiência é personalizada e o usuário pode pausar a narrativa quando quiser, por conseguinte, os roteiristas são desafiados a manter a audiência ávida a todo o momento, pois o objetivo é assistir todos os episódios de uma só vez. Nesse contexto, o presente artigo tem como objetivo discorrer acerca das estratégias de distribuição da Netflix para além do binge-publishing e analisar a estrutura narrativa da série de ficção Arcane, cuja primeira temporada foi dividida em três partes e lançada em novembro de 2021. A série é uma adaptação em animação do jogo eletrônico League of Legends, o multiplayer de batalhas on-line em que o jogador pode escolher um personagem conhecido como “campeão” e formar grupos. Dessa forma, Arcane busca expandir a narrativa para além do jogo. Por conseguinte, precisamos definir as técnicas de roteiro utilizadas por seriados de ficção para manter a audiência atenta. 262 Os recursos de repetição são usados em seriados de ficção para lembrar a audiência de pontos importantes da narrativa, Jason Mittell (2015) os define como importantes gatilhos de memória da audiência. Alguns são sutis, como citar o nome de um personagem no diálogo e outros são evidentes, como a recapitulação no início de um episódio ou o flashback de uma cena. Ao trabalhar os intervalos, a narrativa também deixa lacunas para instigar a audiência a continuar assistindo ao episódio seguinte, como é o caso do gancho. A seguir, descrevemos o uso dos recursos citados. Conforme Mittell (2015), a recapitulação é um recurso da edição para lembrar a audiência de pontos chave de episódios anteriores que serão abordados no episódio presente, por isso a montagem aparece no início do episódio. São cortes de cenas escolhidas com cuidado para contextualizar a trama e direcionar o que acontecerá no episódio que se inicia. Diferente da recapitulação, a iteração utiliza recursos para ativar a memória da audiência em relação aos aspectos da história no decorrer do episódio, “Ao longo de um episódio, as narrativas da televisão incorporam pequenas redundâncias que lembram os espectadores de informações importantes da história, que vão desde planos de estabilização localizando o cenário no qual a cena ocorre, até o diálogo que repete os nomes e relacionamentos dos personagens” (Mittell, 2015, p. 181). Releituras diegéticas são mais comuns na teledramaturgia, na qual é normal ver personagens relatando eventos passados. Diálogos, elementos visuais, narração em voice-over, flashbacks, replays são algumas técnicas de iteração utilizadas em seriados e que serão verificadas neste trabalho. 263 O gancho é uma técnica de roteiro que gera antecipação da audiência. Há seriados de ficção que deixam o final do episódio em aberto para revelar a resolução no próximo. Mittell (2015) argumenta que em séries distribuídas semanalmente, esse artifício permite que a audiência preencha o intervalo entre os episódios com teorias e discussões acerca da narrativa, já no binge-publishing faz com que a audiência inicie o próximo episódio de forma imediata. De acordo com os conceitos expostos, descrevemos as etapas da execução do projeto. Para a realização deste trabalho utilizamos o método do estudo de caso proposto por Yin (2001), definimos como objeto de análise a série Arcane, a animação inspirada no jogo eletrônico League of Legends. A pesquisa inicia com a etapa de levantamento bibliográfico com base nos estudos de Lotz (2014), Van Ede (2015) e Jenner (2018) acerca dos serviços de SVOD. Junto aos conceitos de Mittell (2015), Bordwell (2013), McKee (2018) e Comparato (2018) em relação ao roteiro e formatos narrativos. A partir dos autores, estabelecemos as categorias gancho, recapitulação e iteração para a etapa de análise da narrativa. A partir dos resultados, compreendemos as estratégias de distribuição utilizadas pela Netflix ao constatar o crescimento da concorrência. Identificamos também os recursos utilizados pelos roteiristas para manter a audiência atenta à narrativa no formato diferente do que era utilizado até então pela plataforma de SVOD. Após definir as categorias de análise, iniciamos a etapa da coleta dos resultados. Apresentamos as tabelas de decupagem dos nove episódios da primeira temporada da série Arcane. As tabelas contam com a coluna 264 do timecode para marcação do tempo da cena, as colunas de recapitulação, iteração e gancho, além da descrição da cena. Os nove episódios foram divididos em três partes e distribuídos ao longo de três semanas em novembro de 2021, assim representados na Tabela 1. Tabela 1 Distribuição dos Episódios de Arcane Número do Episódio Nome do Episódio 1 Entrando na Brincadeira 2 Alguns Mistérios Não Devem Ser Desvendados 3 A Violência é Essencial para a Mudança 4 Feliz Dia do Progresso! 5 Todos Querem Ser Meus Inimigos 6 Quando as Paredes Desabam 7 O Garoto Salvador 8 Água e Óleo 9 O Monstro que Você Criou Data de Lançamento 6 de novembro de 2021 13 de novembro de 2021 20 de novembro de 2021 Elaborado pelos Autores. Os episódios “Entrando na Brincadeira”, “Alguns Mistérios Não Devem Ser Desvendados” e “A Violência é Essencial para a Mudança” entraram no catálogo da Netflix em todos os territórios em que está disponível no dia 6 de novembro de 2021. Apresentamos a decupagem na Tabela 2, Tabela 3 e Tabela 4, respectivamente. 265 Tabela 2 Decupagem episódio 1 – Entrando Na Brincadeira Timecode Iteração Recap. 00:07:07-00:07:38 X 00:08:28-00:08:54 X 00:13:28-00:14:15 X 00:14:37-00:16:24 X 00:18:59-00:19:18 X 00:21:14-00:23:31 X 23:33:00-00:25:12 X 00:25:12-00:27:06 X Gancho Descrição da Cena O grupo formado por: Vi, Mylo, Claggor e Powder discute sobre o que Vander pode achar de suas ações, temendo uma represália. O nome de Vander é repetido várias vezes no diálogo. A personagem Mylo relembra o diálogo de Claggor, clamando que não era para eles estarem naquela sala. O grupo precisa fugir pelo esgoto e Mylo não gosta pois pensa que não precisaria mais fazer isso. Ele e a Vi discutem sobre ser a última vez que esse tipo de fuga acontece. O grupo discute sobre o que causou a explosão enquanto saqueavam a casa. O membro de uma gangue de rua menciona que ficou sabendo sobre a ação que ocorreu na casa e não está contente com o grupo que está levando a confusão até sua comunidade. Os outros membros da gangue aparecem, eles querem uma parte dos achados do grupo. Mylo confronta Powder sobre ter jogado a mochila com riquezas no rio e Powder conta sobre seu confronto para o grupo. Vander aparece para ajudar na negociação e a comerciante enfatiza seu nome. O grupo discute o que deu errado. Vander dá bronca no grupo por conta da explosão e Vi tenta se explicar. Vander pergunta para Vi como ela conseguiu os machucados e ela conta sobre o encontro com os homens na rua. 266 00:27:55-00:28:46 X 00:28:46-00:30:21 X 00:30:21-00:31:03 X 00:31:19-00:32:08 X 00:32:45-00:34:05 X 00:34:05-00:35:06 X 00:35:06-00:37:14 X 00:37:14-00:38:23 X Mylo discute com Vi sobre como Powder é um risco para eles nas missões, a garota ouve tudo pela porta entreaberta. Powder vai embora, Vi dá uma bronca em Mylo. Vander conversa com um comerciante sobre o saque do grupo e como isso colocou eles em perigo. Ekko pergunta para Claggor da missão e se gaba sobre os golpes de luta que aprendeu com a Vi. Os Defensores entram na loja e descrevem que procuram um grupo que atacou a cidade, Vander pergunta quem são os suspeitos e os Defensores dão a entender que ele já sabe quem são. Vander pergunta para a Defensora se alguém se machucou na explosão, ela responde de forma irônica. Ele diz que vai lidar com quem fez isso, a Defensora dá detalhes sobre o local do acidente. Powder reitera para Vi que arruína tudo, ela comenta sobre a conversa que ouviu da irmã com Mylo. Powder mostra para Vi as Esferas de energia que roubou da casa. Viktor tem como refém um dos homens que atacou o grupo na rua, ele relata a briga e revela que as crianças explodiram o prédio no Ladoalto. Elaborado pelos Autores. 267 Tabela 3 Decupagem episódio 2 – Alguns Mistérios Não Devem Ser Desvendados Timecode Recap. Iteração 00:00:13-00:01:23 X 00:01:23-00:02:46 X 00:02:46-00:03:37 X 00:04:42-00:04:48 X 00:07:45-00:09:01 X 00:10:57-00:11:49 X 00:11:49-00:12:11 X 00:13:08-00:13:37 X 00:14:42-00:16:59 X 00:19:52-00:20:50 X Gancho Descrição da Cena A explosão na mansão do Ladoalto é exposta pelo ponto de vista de Jayce e Caitlyn. No flashback, Jayce vê a Esfera causadora da explosão na mansão ser usada para um ritual mágico na sua infância. A magia da Esfera salva a mãe de Jayce e um mago o entrega um pedaço da própria Esfera. Na mansão, a Defensora, membro das autoridades de Piltover, e Jayce discutem como ocorreu a explosão e sobre os itens e a pesquisa dele. Ele é levado para a prisão. Mylo critica as invenções de Powder, que o domina no tiro ao alvo. Vi se questiona sobre a missão na mansão. A Conselheira Medarda pergunta a Elora sobre Jayce na prisão. A família de Caitlyn discute sobre Jayce, ela repete que a explosão foi causada por um roubo e não foi culpa do próprio Jayce. Powder lembra que o grupo conseguiu derrotar os Defensores com sucesso e Ekko conta para as irmãs que Vander tem um acordo com os mesmos. O Imperador relembra que Jayce causou uma explosão. Ao tentar se explicar Jayce contraria a recomendação de Heimerdinger e declara que está tentando criar mágica. Jayce e a mãe conversam sobre como a mágica salvou a vida dela e como ele conseguiria convencer o conselho. 268 00:31:29-00:33:38 X 00:33:38-00:34:27 X 00:34:27-00:34:49 X Viktor explica para Jayce que seu depoimento no julgamento o deixou intrigado. Jayce relata que já viu o que a mágica pode fazer. Powder revela para Vi as armadilhas que montou contra os Defensores. A Defensora confronta Marcus, outro Defensor, sobre sua ida ao bar A Última Gota atrás das crianças. Elaborado pelos Autores. Tabela 4 Decupagem episódio 3 – A Violência É Essencial Para Mudança Timecode Recap. Iteração Gancho 00:05:28-00:06:24 X 00:07:24-00:08:34 X 00:08:40-00:09:17 X 00:10:49-00:10:55 X X 00:11:14-00:11:43 X X 00:15:27-00:17:03 X Descrição da Cena Após o experimento de Silco assassinar um Defensor e o amigo de Vander, Marcus reclama que aquele não foi o acordo que fizeram. Viktor e Jayce trabalham com as Esferas. Jayce resmunga que precisam dos seus equipamentos e fica revoltado ao saber que vão ser destruídos. Viktor lembra que as Esferas estão no laboratório de Heimerdinger e que ele tem as chaves do lugar. Ekko e Vi se abraçam, ele diz que levaram Vander. Silco lembra da traição de Vander. Flashback mostra ele desacordado e se debatendo em águas profundas. Flashback de Silco sendo sufocado no rio tóxico. Vi conta para o grupo sobre a morte do Benzo e o sequestro de Vander. Mylo, Claggor e Powder querem ajudar a encontrar Vander, Vi pede que Powder fique fora dessa porque ela não está pronta e não pode perdê-la. 269 00:17:03-00:17:58 X 00:17:58-00:18:52 X X 00:19:13-00:20:11 X 00:25:16-00:25:58 X X 00:27:03-00:27:17 X 00:27:33-00:27:43 X 00:28:19-00:29:33 X 00:31:43-00:32:23 X X 00:35:11-00:36:43 X 00:36:43-00:37:34 Jayce e Viktor terminam a máquina para usar Hextech e mágica. Colocam uma Esfera de energia para funciona-la. Powder derruba as Esferas e o flashback mostra o momento da explosão, ela pensa que pode ajudar o grupo. Jayce tenta controlar a máquina e s Esferas perdem o controle ao soltar energia assim como na explosão. Flashback mostra a lembrança de Jayce com o mago salvando sua mãe. Powder prepara uma arma com as Esferas. X Powder lança a arma com as Esferas. A arma com as Esferas causa uma enorme explosão no laboratório de Silco. Mylo e Claggor são mortos e soterrados pelos destroços do prédio. Flashback do Vander tentando afogar Silco no rio tóxico, mas Silco o fere com uma adaga e foge. Powder celebra que a arma dela funcionou, entretanto as perdas foram enormes e Vi se revolta contra ela, relembrando a fala de Mylo sobre ser um risco. Vi toma distância de Powder que chora copiosamente. Silco aparece e oferece abrigo para Powder, no momento em que Vi olha a cena e busca se aproximar para proteger Powder, ela é sequestrada por Marcus. Elaborado pelos Autores. Os episódios “Feliz Dia do Progresso!”, “Todos Querem Ser Meus Inimigos” e “Quando as Paredes Desabam” entraram no catálogo da Netflix em todos os territórios em que está disponível no dia 13 de novembro de 2021. Apresentamos a decupagem dos episódios na Tabela 5, Tabela 6 e Tabela 7, respectivamente. 270 Tabela 5 Decupagem episódio 4 – Feliz Dia Do Progresso! Timecode Recap. Iteração Gancho 00:04:30-00:04:50 X 00:04:50-00:05:35 X 00:08:34-00:09:56 X 00:11:40-00:14:24 X 00:14:38-00:15:55 X 00:15:55-00:16:50 X 00:17:32-00:18:10 X 00:18:10-00:20:06 X Descrição da Cena Na feira, a Sra. Kiramman apresenta Jayce como o criador do Hexgate, que trouxe prosperidade para a cidade de Piltover. Jayce pede licença e se retira, a personagem o descreve como um homem ocupado. Jayce e Caitlyn falam sobre a situação de cada um, ele revela que fará o discurso principal na feira. Powder, agora Jinx, vê uma mulher parecida com Vi e tem flashbacks com a irmã. Jayce e Viktor apresentam a nova geração da Hextech para Heimerdinger. Os cientistas explicam que conseguiram estabilizar as Esferas de energia que usaram na invenção original. Heimerdinger pontua que a tecnologia ainda precisa de muita pesquisa antes de ir para as mãos dos consumidores comuns. Caitlyn faz a reconstrução do ataque, a edição mistura flashes com a encenação da personagem. O Defensor encontra Caitlyn conversando com uma testemunha do ataque e a apresenta pelo nome completo, indicando que ela só está na função de Defensora por causa da mãe. Sevika explica para Silco que Jinx atirou em sua equipe na missão e que ela é um problema. Silco pergunta para Jinx sua versão do que houve na missão e ela explica que viu uma garota de cabelo rosa, parecida com sua irmã. Silco mente que Vi está morta. 271 00:21:08-00:22:14 X 00:22:14-00:23:14 X 00:28:42-00:31:49 X 00:31:49-00:33:03 X Jayce conta para Elora Medarda o problema que enfrenta com Heimerdinger querer estender sua pesquisa para a nova tecnologia Hextech. Elora reitera que Hextech foi revolucionária e que a apresentação no Dia do Progresso precisa mostrar algo novo. Jinx tem visões com o antigo grupo de amigos. Ela tenta se explicar como a garota que apareceu na missão era parecida com Vi. O Conselho destaca como a Hextech foi revolucionária em meio à crise que se instalou após o atentado causado pela Jinx na cidade. Silco briga com a Jinx, grita que ela machucou Defensores e que não faz ideia das suas ações. Jinx entrega a Esfera de cristal estabilizado que roubou do laboratório. Caitlyn descobre que Vi está viva e numa prisão. X 00:36:11-00:36:54 Elaborado pelos Autores. Tabela 6 Decupagem episódio 5 – Todos Querem Ser Meus Inimigos Timecode 00:02:32-00:04:13 Recap. Iteração Gancho Descrição da Cena Caitlyn questiona Vi sobre o ataque ao presidiário que participou do atentado no Dia do Progresso. Ela mostra fotos das evidências e Vi reconhece os símbolos de Jinx. Vi reitera que Silco comanda a Subferia e se Caitlyn quer achar quem provocou o atentado, precisa encontrar Silco. X 272 00:04:13-00:04:47 X 00:08:40-00:10:16 X 00:10:16-00:11:25 X X 00:11:25-00:12:38 X 00:14:12-00:15:15 X 00:16:21-00:18:25 X X 00:24:47-00:25:32 X 00:26:38-00:28:03 X O guarda da prisão recebe uma ordem de Jayce para soltar Vi, ele pergunta para Caitlyn desde quando ele virou Conselheira e ela responde que desde hoje. Viktor está desapontado com a falta de comprometimento de Jayce sobre ajudar os mais necessitados com a Hextech. Jayce dá a desculpa de que virou Conselheiro. Revendo os diários de bordo dos navios que chegam em Piltover, Jayce desconfia de corrupção correndo há tempos e discute com Marcus sobre acabar com isso. Jinx tenta energizar uma máquina com a Esfera roubada do laboratório de Jayce e Viktor, porém a carga de energia a faz ter flashbacks com a explosão e morte de seus amigos quando tentaram salvar Vander. Vi chega à Subferia pulando e correndo entre os prédios, assim como fazia com seu grupo de amigos na infância. Caitlyn lembra Vi que a tirou da prisão para ajudar na investigação do ataque ao porto de Piltover. Jinx volta ao centro de treinamento que usava com seus amigos e irmã na infância. Ela tem flashbacks de momentos de carinho e raiva com a irmã. Vi lamenta com a dona do bar a perda de Vander e como Silco tomou conta da Subferia com dinheiro e poder. Vi pergunta se ela sabe sobre Powder e recebe uma resposta negativa. Viktor continua a ter vertigens e tossir sangue, dessa vez ele desmaia no laboratório sozinho. 273 00:28:57-00:30:28 X 00:30:28-00:31:48 X 00:36:00-00:36:51 X Silco leva Jinx ao rio em que Vander o traiu e tentou matá-lo, ele renasceu nesse lugar, então Jinx também precisa. A trilha sonora retoma a vinheta de abertura da série enquanto Vi anda pela Subferia. A montagem alterna entre Vi, Marcus no seu escritório olhando para um desenho da família e Elora sozinha na cama. Jinx continua trabalhando para fazer a Esfera Hextech funcionar. Sevika, capanga do Silco, o avisa que Vi está viva. X Elaborado pelos Autores. Tabela 7 Decupagem episódio 6 – Quando As Paredes Desabam Timecode Recap. Iteração Gancho 00:00:13-00:03:26 X 00:05:47-00:07:46 X 00:07:46-00:08:34 X X 00:08:34-00:09:38 X 00:11:18-00:12:25 X Descrição da Cena Na infância, Viktor coloca para funcionar o navio que construiu. Desde criança demonstra habilidades com mecânica. Jayce se justifica por ter deixado Elora Medarda sozinha na noite anterior para ir cuidar de Viktor, ele conta para a conselheira que o amigo está doente e morrendo aos poucos. Viktor olha obsessivamente para o artefato de energia e magia, ele tem flashback com a noite em que desmaiou. Por fim, toca o aparelho e a energia azul se transfora em roxa. No bar, ao questionar o atendente, Jinx brinca com a Esfera de energia roubada. Jinx prende e ameaça Sevika. A personagem revela que Vi está viva e andando pela Subferia deixando Jinx emotiva. 274 00:12:25-00:14:56 X 00:16:57-00:18:09 X X 00:22:29-00:23:31 X 00:26:00-00:27:33 X 00:29:26-00:31:18 X Marcus observa a foto da sua filha em cima da mesa. No quarto, Silco está brincando com ela e informa o Defensor que Vi está viva e que ele não cumpriu o acordo de dar um fim nela quando Vander morreu. O Defensor se compromete em ir atrás dela enquanto Silco ameaça sua família. Perdendo muito sangue da facada, Vi tem alucinações com Jinx e ouve a voz de Vander. Caitlyn e Vi discutem sobre o Povo do Alto nunca olhar para o que se passa na Subferia. Marcus entrega uma das bombas de Jinx para Jayce e avisa que pode haver mais atentados. Jayce ordena que todos entrando no porto devem ser revistados. Marcus pergunta para Jayce sobre Caitlyn ter soltado um prisioneiro sob suas ordens e ele retruca que não há nada para se preocupar. Caitlyn dá o medicamento para Vi, que ainda tem uma última alucinação com Powder. Caitlyn percebe que Vi morou naquele lugar, Vi revela que Defensores mataram seus pais. Montagem da Jinx acendendo o sinalizador que a Vi entregou para ela não se perder. Silco tem um ataque de raiva depois que Vi derruba a torre em cima dele e dos capangas. Vi e Caitlyn foge, no fim, Vi observa a fumaça do sinalizador no horizonte. Os Defensores se preparam para um confronto com a Subferia. 275 00:32:56-00:38:18 X A fumaça do sinalizador para, momentos depois, Vi aparece e as irmãs se reencontram. Vi conta que não encontrou ela antes porque estava presa. Jinx continua ouvindo vozes e tendo alucinações com seus antigos amigos. Caitlyn aparece e se surpreende ao descobrir que Jinx é irmã de Vi, Jinx a ameaça com uma arma e fica nervosa, pensando que Vi a enganou para entregá-la às autoridades. Jinx também ameaça Vi, que tenta acalmá-la. Jinx pensa que Vi foi junto com Caitlyn atrás da Esfera de energia, Vi assegura que não sabe o que é aquilo e que está lá apenas por causa dela. Um grupo com pranchas voadoras entra em confronto com Jinx, Vi e Caitlyn pela Esfera Hextec. No final da batalha, Caitlyn e Vi são capturadas pelo grupo que também leva a Esfera Hextec. Jinx fica sozinha. X Elaborado pelos Autores. Os últimos três episódios da temporada foram lançados no dia 20 de novembro de 2021 no catálogo da Netflix em todos os territórios disponíveis, são eles: “O Garoto Salvador”, “Água e Óleo” e “O Monstro Que Você Criou”. Apresentamos a decupagem dos episódios na Tabela 8, Tabela 9 e Tabela 10, respectivamente. 276 Tabela 8 Decupagem episódio 7 – O Garoto Salvador Timecode Recap. Iteração 00:03:44-00:05:08 X 00:06:30-00:08:46 X 00:08:46-00:09:44 X 00:09:44-00:10:57 X 00:10:57-00:12:21 X 00:12:21-00:13:00 X 00:13:00-00:14:21 X Gancho 277 Descrição da Cena Ekko se revela como o chefe do grupo, os dois relembram a infância e Vi insiste em corrigir Jinx por Powder. Elora Medarda encontra Jayce na fábrica de martelos, ele mostra a bomba da Jinx e diz que nunca viu nada igual. Ele se preocupa com a Heimerdinger e sua reação em relação a decisão do conselho de aposentá-lo. Medarda o assegura que Heimerdinger ficará bem. Por fim, Jayce diz que precisa cuidar de Viktor e encontrar Caitlyn antes de dar os próximos passos em relação ao Conselho. Sevika avisa Silco que a ponte está bloqueada e que os Defensores estão mais ativos, ele diz que precisa encontrar Jinx. Jinx continua tendo alucinações e ouvindo vozes de seus amigos de infância mortos. Ela lembra do nome de Caitlyn. Ekko se lamenta de não ter ido com Vi para salvar Vander e diz que Powder não existe mais, apenas Jinx. Ekko mostra para Vi um mural de todas as pessoas que a comunidade perdeu para os Defensores e Silco. Jayce resgata Viktor que foi retido nas barricadas dos Defensores entre o Ladoalto e a Subferia. Viktor explica que foi visitar um amigo que possa ajudar, mas o amigo disse que a natureza corrige seu rumo. 00:19:30-00:21:10 X 00:21:10-00:23:05 X 00:23:05-00:25:08 X 00:27:28-00:28:36 X 00:28:36-00:28:52 X 00:28:52-00:31:08 X 00:33:37-00:35:10 X X 00:35:10-00:36:18 Jinx acusa Silco de ser mentiroso por esconder que Vi estava viva, porém Silco a lembra que foi quem a acolheu quando mais precisava. Ekko mostra a Esfera para Caitlyn e Vi. Caitlyn explica que Jinx a roubou durante o ataque no porto e que ela pode ser usada para a construção de qualquer dispositivo portátil Hextec. Ekko argumenta que ela pode ser usada contra Silco. Viktor analisa a bomba fabricada por Jinx. Medarda sugere a fabricação de armas com Hextec para melhorar a defesa da cidade, Viktor reprova veementemente e diz que Heimerdinger nunca aprovaria essa sugestão. Jayce, pelo contrário, está disposto a pensar sobre. Vi explica que não pode abandonar Jonx de novo e os deixam partir sozinhos para o Ladoalto com a Esfera. Jinx observa a despedida do grupo e ainda tem alucinações, conversando sozinha. Os Defensores, comandados por Marcus, emboscam Caitlyn e Ekko na ponte. Marcus atira em Ekko assim que vê a Esfera, ficando com ela. Vi corre de volta e Jinx, alucinando, ataca todos na ponte com Fogolumes explosivos. Flashback da infância de Jinx e Ekko. Ekko parte para cima de Jinx que atira descontroladamente, ele acaba dominando ela. No entanto, Jinx solta uma bomba que atinge os dois. O corpo de Jinx aparece um pouco queimado, não se sabe se ela está viva. X Elaborado pelos Autores. 278 Tabela 9 Decupagem episódio 8 – Água e Óleo Timecode Recap. Iteração 00:03:20-00:04:34 X 00:05:40-00:06:25 X 00:06:25-00:07:09 X 00:15:08-00:15:56 X 00:17:50-00:19:08 X 00:19:08-00:20:55 X Gancho 279 Descrição da Cena Silco encontra Jinx desacordada na ponte, a Esfera Hextech está na mão dela. No mesmo momento, Caitlyn percebe que a Esfera não está mais guardada no dispositivo que carregava. Jayce e Medarda observam os Defensores aniquilados na ponte. No chão, Jayce percebe uma das bombas em forma de borboleta criada por Jinx. Vi e Caitlyn entram pela janela do quarto da própria Caitlyn, a mãe dela as surpreendem apontando uma arma, até perceber que é a filha e ficar feliz. No reencontro com os pais, Caitlyn apresenta Vi pelo nome e natural da Subferia. Ao ter Cintila injetado em seu corpo para salvá-la da morte, Jinx tem alucinações de sua infância com Vi e sua versão adulta com Caitlyn. Heimerdinger encontra Ekko ferido e oferece ajuda. Ekko o reconhece como Conselheiro, Heimerdinger diz que é apenas ele agora e tenta oferecer ajuda à Subferia, mas ninguém quer ouvi-lo. Enquanto relaxa numa banheira, Ambessa Medarda dá um recado para Jayce que a ameaça da Subferia é real e que ele deve ter mais pulso firme no conselho. Ela também deixa claro que sabe sobre o relacionamento com sua filha Elora Medarda. 00:21:18-00:23:38 X 00:23:38-00:24:36 X 00:27:44-00:30:01 X 00:34:59-00:35:56 X X 00:35:56-00:36:23 Caitlyn e Vi falam ao Conselho. Caitlyn apresenta Vi ao conselho pelo seu nome é que ela nasceu na Subferia, ela começa expondo os planos de Silco de tornar a Subferia independente. Um Conselheiro lembra que Silco foi investigado e não encontraram nada, mas ao ser perguntado quem liderou as investigações todos se calam. Jayce mostra a granada caseira e pergunta para as duas se sabem quem construiu, Vi confessa que foi Jinx. Jayce também tenta construir um caso para guerra, mas Elora diz que uma solução diplomática talvez seja a melhor saída e os outros conselheiros concordam. Vi se revolta e tenta explicar que não há solução diplomática para Silco. Vi chama Caitlyn de “cupcake”. Vi vai até Jayce na fábrica de ferramentas com um plano para deter Silco. Ela encontra uma arma em formato de luva gigante e diz que conhecia alguém que tinha um par daquelas. Caitlyn lembra de Vi indo embora após discutir com o conselho. Ao sair do banho, Caitlyn percebe um desenho feito no espelho do banheiro e Jinx aparece assustadora atrás dela. X Elaborado pelos Autores. 280 Tabela 10 Decupagem episódio 9 – O Monstro Que Você Criou Timecode Recap. Iteração 00:03:33-00:04:46 X 00:04:46-00:06:28 X 00:10:48-00:13:34 X 00:13:34-00:16:10 X 00:23:05-00:24:26 X 00:24:26-00:27:10 X Gancho 281 Descrição da Cena Na fábrica da droga Cintila atacada, Silco diz que o Ladoalto está ficando ousado e que precisam encontrar outro xerife para subornar após a morte de Marcus. O garoto morto era filho de Renni, aliada de Silco e ela pede para que ele vá atrás de quem o matou. Viktor chora pela morte da Sky e encontra uma carta escrita por ela entre as anotações jogadas no chão. Renni, Sevika e Finn confrontam Silco. Finn relembra quando Silco matou Vander e fez da Subferia um empreendimento e que agora o tempo dele acabou. Silco diz que ainda acredita em lealdade e Sevika mata o personagem. Silco e Jayce se encontram para fazer um acordo, as demandas de Silco são impossíveis. Jayce relembra dos ataques e expõe que uma guerra entre as duas partes seria total aniquilação da Subferia. Além disso, para atender as demandas de Silco, Jayce quer que Jinx pague pelos crimes cometidos. Jayce e Viktor levam a notícia do acordo com Silco ao Congresso, que se enfurece. Jinx mantém Vi amarrada numa cadeira, a irmã ainda a chama de Powder. Jinx relembra discursos de Silco para ela, as irmãs conversam sobre uma ter abandonado a outra. Jinx diz que Vi a criou e Vi relembra os dias na prisão que passou pensando em reencontrar a irmã. Do outro lado da mesa, Silco também aparece amarrado e Jinx o chama de mentiroso por esconder Vi e seu passado. 00:27:10-00:32:10 X 00:34:36-00:34:56 X Silco revela o acordo que fez com o Ladoalto e tenta trazer Jinx de volta para seu lado. Caitlyn, que também está à mesa, se solta e ameaça Jinx com uma arma, Jinx a ataca e a deixa desacordada. Vi tenta fazer Jinx pensar em todos amigos e familiares que perderam para trazê-la de volta ao seu lado. Jinx usa a Esfera para energizar sua arma e atira no Conselho. X Elaborado pelos Autores. A partir dos resultados, observamos que a estratégia da Netflix para a distribuição de Arcane, de acordo com o crescimento da concorrência, parte da diversificação do formato. Identificamos também o uso dos recursos de roteiro para manter a audiência atenta à narrativa no modelo de distribuição que consiste em três episódios a cada final de semana, diferente do modelo binge-publishing, como é o comum da Netflix. Observamos, nos resultados, que o recurso de iteração é o mais utilizado pelos roteiristas na narrativa de Arcane. Percebemos a necessidade da constante retomada de elementos da narrativa para a audiência fixá-los e não se sentir perdida, em decorrência do lançamento semanal. Em todos os episódios, temos ao menos dez eventos em que o nome de um personagem é lembrado, ocorrências em que a direção destaca um objeto em plano fechado e algum personagem conta um evento aos outros. Portanto, observamos a variação do roteiro entre a iteração visual, como por exemplo quando a personagem Vi encontra as luvas no episódio oito, “Óleo e Água”, parecidas com a arma que ela já havia lutado antes. A iteração no diálogo sempre que Vi chama 282 a personagem Jinx de “Powder”, seu antigo nome. A iteração também ocorre na montagem, por exemplo quando Vi pula entre as construções da Subferia no episódio cinco, “Todos Querem Ser Meus Inimigos”, assim como ela fazia na adolescência. Por fim, também vimos ocorrência de iteração na trilha sonora, quando no mesmo episódio cinco a música da vinheta de abertura é tocada pela versão em animação da banda dentro da série. No caso do primeiro e terceiro bloco da temporada, as iterações são mais recorrentes nos episódios que os iniciam: o primeiro episódio, “Entrando na Brincadeira”, contém dezesseis cenas com iteração e “O Garoto Salvador”, episódio sete, apresenta catorze cenas. Inferimos que a utilização da iteração seja maior em decorrência do intervalo semanal entre os episódios. Dessa forma, observamos que ao estender a janela de distribuição, mais elementos da narrativa são retomados ao longo da temporada em Arcane, mesmo com a quantidade menor de episódios se comparados às novelas na televisão broadcast. Além disso, o excessivo uso da iteração ajuda os roteiristas de Arcane a retomar informações importantes da narrativa de forma sutil, que não prejudique a experiência da audiência. Ao contrário do uso da iteração, observamos que os roteiristas utilizam a recapitulação apenas em momentos pontuais dos episódios três, quatro, cinco, seis, sete, oito e nove. De uma única forma, a recapitulação ocorre por meio de flashbacks das cenas exibidas em episódios anteriores. Isso ocorre pela quebra no fluxo de visualização causado por esse artifício de roteiro, a possibilidade de o usuário pausar e voltar no ponto que quiser também faz a recapitulação ser pouco aplicada. 283 O recurso do gancho é utilizado em seis episódios da série, do terceiro ao oitavo episódio. Sendo assim, esse artifício é empregado ao máximo pela narrativa que busca manter a audiência ávida pelo próximo episódio, ato recorrente nos serviços de SVOD. Conseguimos observar duas ambições da utilização do gancho em Arcane, o recurso oscila entre trazer antecipação para os episódios que virão na próxima semana e fazer com que a audiência siga para o próximo logo em seguida. A Netflix demonstra ser um SVOD que se adapta ao que a narrativa da série Arcane propõe, pois quebra com o modelo binge-publishing, por qual é reconhecida na indústria audiovisual. Os recursos de gatilho da memória da audiência, conceito trabalhado por Mittell (2015), são empregados em momentos estudados de forma detalhada pelos roteiristas e trabalhados em profundidade ao longo da temporada, na qual o roteiro preza pela sutileza com as iterações, em detrimento da recapitulação. Os gatilhos de memória retomam a narrativa de diferentes formas e foge da monotonia da recapitulação que pode aborrecer a audiência. O modelo de distribuição em Arcane demonstra que a Netflix está disposta a mudar e se reinventar para trazer experiências diferentes a audiência de cada seriado. Os estudos das práticas exercidas pelas plataformas de SVOD merecem a atenção dos pesquisadores das ciências sociais aplicadas, visto que essas estão alterando todo o ecossistema estudado até o momento. Referências Bordwell, D. & Thompson, K. (2013). A arte do cinema: uma introdução. Unicamp. 284 Comparato, D. (2018). Da criação ao roteiro: teoria e prática (5ª ed.). Summus. Jenner, M. (2018). Netflix and the Re-invention of Television. Palgrave MacMillan. Linke, C. & Yee, A. (Criadores), & Charrue, P. & Delord, A. (Diretores), & Beck, B. & Chung, J. & Linke, C. & Merrill, M. & Vu, T. (Produtores). (2021). Arcane [Série]. Netflix. Lotz, A. (2014). The television will be revolutionized (2nd ed.). New York University Press. McKee, R. (2018). Story: substância, estrutura e os princípios da escrita de roteiro (8ª ed.). Arte & Letra. Mittell, J. (2015). Complex TV: the poetics of contemporary television storytelling. New York University Press. Van Ede, E. (2015). Gaps and recaps: exploring the binge-published television serial [Master thesis, Utrecht University]. Yin, R. K. (2001). Estudo de Caso: Planejamento e Métodos (2ª ed.). Bookman. 285 CONCEPTS OF WEB SERIES: HOW HAVE BRAZILIAN RESEARCHERS BEEN UNDERSTANDING THEM?1 João Paulo Hergesel2 What are web series? If we were to analyze it in a general and superficial way, we would say that these are series produced for the internet. This definition, however, is broad enough to include a totality of productions for video sites, social networks, and streaming platforms. The big problem is that the series presented in these vehicles are quite different from each other, in terms of structure and in content, in aesthetics and in audience. 1. 2. Article derived from a work presented in Portuguese at the 44th Brazilian Congress of Communication Sciences, held at the Catholic University of Pernambuco (Unicap), Recife, Brazil, in October 2021. Permanent professor of the Postgraduate Program in Languages, Media and Art at PUC-Campinas. Doctor in Communication (UAM), with post-doctorate in Communication and Culture (Uniso). 286 In 2013, during a first state of art on the subject, in which the format still resulted in scarce research in Brazil, we understood the web series as something very focused on independent production, from the relationship between art and video, from experimentation with audiovisual resources, from the freedom in script writing, to the participation of young people as content producer (Hergesel 2013). Without a clear definition or initial concept, we groped in generally documentary sources, such as newspapers and magazines, and in authors who were also beginning their studies in this still un-colonized field. In 2016, with the advance of the research, we were already working with the concept that a web series is the “media narrative produced, primarily, in audiovisual language, in a serialized manner, in which episodes are available for access in online spaces subject to circulation, especially in video storage sites” (Hergesel 2016, p. 1). We attributed an inspiration of the format to television series and we believed that “even with a low budget – which can limit the editing of episodes and the number of seasons – and with an uncertain audience, it usually presents a harmony between story and plot, focused on entertaining the viewer” (Hergesel 2016, p. 1). Already in the following year, this concept seemed to have been surpassed, considering the range of material that emerged through different means, both free and paid. We concluded, at that time, that “it does not seem fair to us [...] to determine a closed concept or an inalienable definition for what a web series would be, since this form of expression finds its main characteristic in flexibility” (Hergesel 2017, p. 13). The reopening of the possibilities of understanding the format is justified by the fact that: 287 It is the web series that gives voice to both independent producers and major audiovisual manufacturers; it is the web series that range from commonly portrayed themes to innovative experiences involving sound and image; it is the web series that provides access for different tribes, of different tastes, to material aimed at entertainment, information, and the appreciation of Brazilian culture. (Hergesel 2017, p. 13) In a more recent study, dated June 2021, we saw the need to defend a general idea, to continue the analytic procedures of the object we called the web series. For this reason, we proposed, in a very broad way, that “the main characteristic of the web series is that it is designed, created and developed for the internet, with the purpose of reproduction in emerging technological devices, such as computers, tablets, cell phones and more recently, digital watches” (Hergesel, Silva, and Pichiguelli 2021, p. 6). In order not to get lost in the conceptual elasticity, we defended, at that moment, that it seemed more interesting “to think about the possibilities of studies regarding the communicational powers, the narrative transformations, the poetic constitution, the relationship with the context, the inter/extra/trans/hyper-textual possibilities” (Hergesel, Silva, and Pichiguelli 2021, p. 6). The search for a definition, a concept or, at least, a safer idea for the format continued and, to take a new step in this direction, it was necessary to update the state of the art. Mirroring what was presented in these previous surveys, we carried out a bibliographic mapping considering the last five years (2016 to 2020)3, a period not covered by previous publications. This 3. The process of collecting and organizing the bibliographic survey had the support of Gabriela Ferreira da Silva, a high school student at Pio XII School. PIBIC-EM/ CNPq Scholarship. 288 work, therefore, aimed to update the concept of web series, especially adopted in Brazilian research, being attentive to the tangible possibilities in everyday hypermedia and considering the collisions caused with television series available on the internet, streaming series, and other ways of producing serial audiovisual narrative in contemporary times. Web Series: what do we already know about this format? The web series – still considering the broad idea of serial audiovisual narratives produced for the internet and consumed in the hypermedia universe, brought by authors such as Silva and Zanneti (2013) – are recent phenomena in Brazil, both in academic and marketing terms. The first web series available for information dates to the late 1990s, in the United States, when cyberspace began to become popular in the country. In Brazilian territory, experiments with this serial fiction format take even less time; for example, the existence of web series produced before 2010 is unknown. Research on the format, even with an international scope, only started in the 2000s, having as a possible starting point the discussions of Romero and Centellas (2008) and Jenkins (2009), with the notions of participation and convergence. By directing this subject to Brazil, even though Weller (2000) already spoke of a possible “hyperseries”, it was only with the publication of Aeraphe’s (2013) book that the academy started to look at this object. Today we have access to several definitions of the web series, with approaches that differ dramatically between the authors: for some, such as Wodevotzky (2015), the web series solidifies from the moment a serial narrative is made available on an online platform; for others, 289 such as Barbosa (2013) and Peixoto (2014), what characterizes the web series is having a trans-media action, that is, the possibility of extending narratives from/to other conventional and/or emerging media; for others, such as Souza and Cajazeira (2015), it is essential that exclusive aspects of hypermedia are present, such as links and interactions, so that the format is actually constituted. For illustrative purposes, Weller (2000) calls “hyperseries” an audiovisual production with a multidisciplinary theme that depends on hypertextual elements to exist. Still in this aspect of the use of hypermedia resources, Romero and Centellas (2008) idealize the active participation of the audience in the progress of the story, and as well as Figueiredo and Lins (2015) embrace the idea of interaction for the progressive construction of the narrative. In this line of reasoning, Álvarez (2011) signals the need for openness to facilitate communication between viewers and producers. In addition, López Mera (2010) and König (2014) defend the space for experimentation and independent production, just as Santiago and Domingues (2015) talk about the autonomy and creative capacity of Generation Y and the breadth of the Do It Yourself movement. Schneider (2009) also considers the format to explore the audiovisual via streaming, while Lemos (2009) highlights the relevance of segmentation, directing the product to specific niches, instead of working with a generic audience, as is on television. As for Aeraphe (2013) and Bélanger (2014), the context, programming, aesthetics, and serialization of the web series are the same as in telenovelas and TV series. This approximation is due, for Jenkins (2009), because the web series emerged from the convergence between 290 television and the internet, as a way of rescuing the young audience, which no longer yielded an audience to the more conventional media. In this same line of reasoning, Altafini and Gamo (2010), Hernández García (2011), and Ramos and Neves (2015) point out that this merger is a trans-media development, in addition to Morales Morante and Hernández (2012) argue about content feedback. This diversity of views on the same format, without specific theories or exact definitions, makes it difficult to research the phenomenon. For Silva and Holzbach (2019, p. 43), “because [the web series] are spread out on the web, it is difficult to follow both their emergence and development and the way in which the audience deals with them”. The interest in observing how the web series have been understood in recent research justifies this work. Exploratory Research Procedures State of art research, according to Ferreira (2002, p. 258), comes with the goal “of mapping and discussing a certain academic production in different fields of knowledge”. To carry out this work, we focused on the exploratory research method, defined by Brasileiro (2021, p. 44) as that which “aims to make a given phenomenon more familiar and help the researcher to build hypotheses” and in which “the researcher does bibliographic survey, contemplation and observation” (Brasileiro 2021, p. 44). The methodological path for the collection can be described in six steps: 1) Google Scholar was accessed; 2) typed the keyword “web series” in the search bar; 3) the sidebar was enabled; 4) clicked on “Advanced Search”; 5) the search form was filled out as follows: 291 a) in “Find articles with all the words”, “web series” was written; b) in “where my words occur”, selected “in the title of the article”; c) in “Display articles dated between”, type “2016” – “2020”; d) clicked on the magnifying glass icon to search; 6) in the mechanism’s filters, “Search pages in Portuguese” was chosen and the possibility of “include patents” and “include citations” was disabled. The collection took place in the first fortnight of February 2021, with refinement until the first fortnight of March, to then be discussed until the month of August of the same year. The publications found were compiled in the form of a spreadsheet, bringing together the title of the work, the authors’ names and a link for access, exploratory readings were made as well for the categorization of the works. Since then, only the works that proposed a concept or definition for the web series format were selected for study. Quantitative Results The research returned out 60 results, two of which were duplicates and one which was off theme. Of the 57 valid works, we chose to organize them according to the textual genre to which they belong (Chart 1), thus obtaining: 24 course conclusion works; 13 scientific articles published; 9 texts in proceedings of academic events; 5 master’s dissertations; 1 chapter of scientific-academic book; 4 academic abstracts; in addition to 1 portfolio of videos, considered to be another type of intellectual production. 292 Table 1 Collection of scientific-academic papers on web series (2016 to 2020) TITLE AUTHOR(S) LINK COURSE COMPLETION WORK It’s not her fault [A culpa não é dela]: the web series in the narrative construction of gender violence stories in Uruguaiana Analysis of the applicability of the hero’s journey in the scripting of the web series I brief you brief [Eu brifo, tu brifas] Analysis and application of sound design methodologies: a case study in the Cocun web series Girl Battle [Batalha Mina]: web series about the female rap battles of the Federal District Andressa Machado Silveira https://bit.ly/3qtHfWR João Vitor Pereira da Costa https://bit.ly/3dr9X7b Sérgio Paulo Delgado Fernandes https://bit.ly/3qsnAGT Isis Aisha Dias Aires Prado https://bit.ly/37mbKq0 Circenics around the world [Circênicos pelo mundo]: web series Arthur Lopes Marques Creation of a narrative structure model for an animated web series: production standardization for time control Digital: web series about digital influencers Art direction web series Axels [Eixos] On this side [Do lado de cá]: PR, Unesp and what comes next: web series about the experience of 2016 graduates Axels [Eixos]: creation of a web series https://bit.ly/3u59sFr Augusto Victor Reis Vieira Santos https://bit.ly/2NckXKN Júlia Sá Rodrigues https://bit.ly/3dxMzoD Maria Isabel Nóbrega Paganine https://bit.ly/3dlsaTm Caio de Michel e Silva https://bit.ly/3priM37 Carolina Forattini Altino Machado Lemos Igreja https://bit.ly/3u9hE7Y 293 Ester: an experimental web series for Instagram I brief, you brief [Eu brifo, tu brifas]: The production of an advertising web series about advertising Mass in Connection [Massa em conexão]: an observatoryparticipatory web series on educommunication for maginalized communities Cosmic Pyramid [Pirâmide Cósmica]: the bible of a trans-media web series Arcano Project [Projeto Arcano]: construction of a fictional universe and production of an animatic trailer for a web series Production report for web series She does… [Ela faz...] Vortex [Vórtice]: the creation of a fictional web series at the Federal University of Santa Maria Vortex [Vórtice]: the creation of a UFSM thriller web series and the direction of the first episode Web serie Cinese: audiovisual journalistic production specialized in the evangelical scenario Hers [Delas] web series Documental web series You see me SP [Você me vê SP]: the aesthetic experience of artivism and its cultural mediations in the occupation of urban space in São Paulo Nayara Cristinne Pinto Barcellos https://bit.ly/2NzsPWm Francine Nunes de Lima Lima https://bit.ly/3u7gGsv Luis Felipe do Nascimento https://bit.ly/3ar9EXM Michael Felipe Souza Araújo https://bit.ly/2ZqpOud Luciana Novaes Miranda https://bit.ly/3ptOYD1 Débora Gizele Candido Machado https://bit.ly/2Zmu4Lx Marcos Amaral de Oliveira https://bit.ly/3u1dKxT Pedro Amaral de Oliveira https://bit.ly/3dmcaAK Giseli Pereira Alves https://bit.ly/3dksK3H Ana Clara Ferreira Franco de Toledo; Mayara Bailo Gomes https://bit.ly/2NwhGWr Isabel Flavia da Silva; Naiara Aparecida Alves Teixeira https://bit.ly/2NvTCmK 294 Web series Axels [Eixos]: an analysis of the production perspective Ana Paula da Fonseca de Souza https://bit.ly/3b7IIM0 Web series What’s on the Menu? [O que há no menu]: telling a story on the web José Antônio de Souza Buere Filho https://bit.ly/3s64LcV Claudiany Wagner Schutz https://bit.ly/3u7WSFu Web series: animal castration as an incentive for population control of dogs and cats SCIENTIFIC ARTICLES The web series Dark as an artifact of historical culture: the structure of young people’s feelings related to social and environmental conflicts from the perspective of science fiction Marcelo Fronza https://bit.ly/2Nza1a1 The web series: a bibliographic mapping on this narrative format João Paulo Hergesel https://bit.ly/3anOfyN International relations review: Netflix’s The Crown web series and IRs Tiago Viesba Pini Inácio https://bit.ly/2NCvwq8 Blank Verse: William Shakespeare’s history and stories translated into web series Manoela Sarubbi Henares Figueiredo https://bit.ly/2LW4gTa Self-taught cinema: mystery, fetish and violence in the web series Penumbra Rafael de Figueiredo Lopes https://bit.ly/2NcPb0c Rafael José Azevedo https://bit.ly/3jVE9rY Jailda Passos Alves; Juliana Cristina Salvadori https://bit.ly/3pqaicA Daiane da Silva Lourenço https://bit.ly/2NwBFo7 From Pará brega to tecnobrega: history and tradition in the Sampleados web series Jessica Jones: remediation of graphic novels for web series Lydia Bennet in the web series The Lizzie Bennet Diaries and in the novel Pride and Prejudice: adaptation as a two-way dialogic process 295 Narrative and animation: representations of motherhood in the Christina Ferraz Musse; Isabella web series Conception de Sousa Gonçalves The ironic humor of the political setbacks in the Back door [Porta dos Fundos] web series Pride and Prejudice in social media: adapting narrative elements for a web series Minority voices in the web series Urban Letters [Cartas urbanas] from the Nigeria Collective in Fortaleza Web series at school: proposal for the use of Rabbits (David Lynch, 2002) in non-verbal text interpretation classes https://bit.ly/3b62BTu Carla Montuori Fernandes https://bit.ly/3doo0tY Daiane da Silva Lourenço https://bit.ly/3s1HSai Francisco Sérgio Lima de Sousa; Márcia Vidal Nunes https://bit.ly/2Nv4QrW João Paulo Hergesel https://bit.ly/3qwsbHV TEXTS IN EVENT PROCEEDINGS The content production of the web series Girls In The House on YouTube and its intersections with closed television Kim Gesswein https://bit.ly/3qu901x The web series in the narrative construction of gender violence stories in Uruguaiana Andressa Silveira; Eloisa Joseane da Cunha Klein https://bit.ly/2LXfIOp From sound signs to spatial meanings: a semiotic analysis of the web series Daredevil Breno Pessoa de Araujo; Jefferson Weyne Castelo de Oliveira; Diego Frank Marques Cavalcante https://bit.ly/3qu8PmT Daniele Teixeira Gonzaga, Afonso Silva Lemos, Mariana de Carvalho Machado; Edilene Mafra Mendes de Oliveira https://bit.ly/3dhk2n3 Marianne Silva Freire; Henrique Pereira Rocha https://bit.ly/2ZnFmyT It’s quite possible! [É bem capaz!] The web series as a contemporary registration of Amazonian legends Folk marketing, branded content, and advertising discourse: hybrid narratives in the Luiz Gonzaga web series by Grupo Boticário 296 Midiatization of religion in children and youth serial fiction: narrative and style in the web series -10 | Life is not a game [A vida não é um jogo] (Feliz7Play) João Paulo Hergesel; Isabella Pichiguelli; Míriam Cristina Carlos Silva Narrative and animation: representations of motherhood in the Isabella Gonçalves, Christina web series Conception Musse Sound as a tool for immersion in fictional narratives: analysis of the web series If I were there [Se eu estivesse aí] Possibilities and limits of the role of minorities in the web series Urban Letters [Cartas Urbanas], by the Nigeria collective, in Fortaleza https://bit.ly/3jW1OIR https://bit.ly/3u1euDb Helena Amaral; Carlos Pernisa Júnior https://bit. ly/37mDURU Francisco Sérgio Lima de Sousa https://bit.ly/3u0dTS9 MASTER’S DISSERTATIONS Where are you going, little curlew? [Aonde você vai, maçariquinho?]: production of an animated cartoons web series to disseminate the neurosciences and migratory processes of seabirds Braving new worlds: experiencing the potential of the animated web series in the dissemination of Neuroscientific concepts It’s a universally known truth that not everything is true: a study of the narrative and paratextual universe of the web series The Lizzie Bennet Diaries Social marketing as a strategy to change discriminatory behavior towards the LGBT community: the case of the web series House on the Dock [Casa do Cais] Ângela Tamires Nascimento Alexandre https://bit.ly/3pANaZ3 Aislan de Paula Ferreira da Silva https://bit.ly/3berDQp Moreira, Mariana Gonçalves https://bit.ly/3jUFZJG Mariana Soares de Barros Gaspar https://bit.ly/3jWXwRz 297 When minorities speak: characters from the web series Urban Letters [Cartas Urbanas], by Coletivo Nigeria, and their constructions of meaning about the work Francisco Sérgio Lima de Sousa https://bit.ly/3s27bcw ACADEMIC ABSTRACT From documentary to web series Documental web series: Bicycle, in search of more space and less obstacles [Bicicleta, em busca de mais espaço e menos obstáculos] Documental web series on the representativeness of women in hip hop in Curitiba Web series Black Talk: Voices of the Present – Women who inspire women [Fala Preta: Vozes do Presente – Mulheres que inspiram mulheres] Jennifer Thereza Bueno https://bit.ly/3arEbF9 Natanny Carvalho Silva https://bit.ly/2NtcR05 Bruna de Oliveira Ferreira https://bit.ly/3aqcXyw Bruno Olivatto; Elaine Amazonas Alves dos Santos; Edilene Santana https://bit.ly/3ptOaxZ BOOK CHAPTERS The production of audiovisual content for the web: circulation and consumption of the web series SEPTO Diana Xavier Coelho; Juciano de Sousa Lacerda https://bit.ly/3pskPUy OTHER INTELLECTUAL PRODUCTION (VIDEO PORTFOLIO) Environmental Education web series Denny William da Silva et al. https://bit.ly/37DB3Er Own elaboration. Compared with mappings and bibliographic reviews carried out in previous times (Hergesel 2013, 2016), there was an explosive increase in Brazilian productions on the web series. The number of TCCs produced on the topic, coming from different courses and from different institutions is noteworthy, suggesting a greater interest in the 298 topic among younger researchers. Many of these even present a practical production in addition to the theoretical one. All selected works were accessed and, through a guided reading, the theoretical foundation of each of them was verified – abstracts and portfolio excluded – to know which had their own definitions for “web series” (although inspired by other authors), which restricted themselves to mentioning some definition already published by another author and which addressed the format without discussing it, even if minimally. Based on these readings, followed by a record and a review, an intersection of information was proposed. Qualitative Results Some works adopt very brief definitions for the web series format, as is the case of Costa (2018, p. 33), when pointing out that “the web series is one of the new media formats that emerged in the late 2000s, due to the rise of the internet, in order to engage consumers through entertainment”. Even more succinctly, Paganine (2017, p. 10) uses a footnote: “Web series is defined as a serial audiovisual narrative distributed on an online platform”. In line with the short definitions, is Sousa’s (2017, p. 18): “Concept used for an audiovisual production divided into episodes, which are released on the Internet”. Silva (2019, p. 27), although with a longer description, also brings a generalist view, understanding the web series as “a media or format derived from the audiovisual, which emerged with the advent of the Internet, with the aim to build and expose narratives”. For the author, “it can be made available on open and freely accessible platforms, such as YouTube or Vimeo and/or websites designed specifically 299 for this product, in addition to physical media such as DVDs” (Silva 2019, p. 28). Barcellos (2017, p. 13), in turn, contextualizes the serialization of television products, based on Arlindo Machado’s studies, and explains that “in the case of the web series, we have a similar structure, but this product has as a purpose the circulation in cybernetic environment, with or without commercial ends”. For the author, “the web series has a number of its own characteristics, which differ from the series produced for television” (Barcellos 2017, p. 13), among which one can mention “differentiated language and framing that form a distinct aesthetic from television and cinematographic content, adapting it to this new media” (Barcellos 2017, p. 13). Lima (2018, p. 10) also explores this relationship between television and the internet, defining the web series as “a serial audiovisual product, both fiction and non-fiction, created to be broadcast on the internet and, therefore, built according to the characteristics of the digital language, but which also absorbs aspects of the television serial narrative”. In this line of reasoning, Silveira (2018, p. 22) understands the web series as an “audiovisual model based on a format already known on television, that of series, which are normally broadcast on television channels or on video-on-demand platforms”. For her, “the series have a stricter standard precisely because they are broadcast on TV, while the web series are more flexible, being able to adapt in size and format because they are broadcast in the digital medium” (Silveira, 2018, p. 22). Lourenço (2019b, p. 127) also comments on this relationship, considering the web series as “an audiovisual serial production distributed 300 in cyberspace that presents traces of some television productions (telenovelas, miniseries, series)”. The author adds that “it was suitable for the context of online platforms, with changes in their production and distribution, and immediate feedback from viewers” (Lourenço, 2019b, p. 127). Also discussing the approximations with television products Coelho and Lacerda (2020, p. 49) clarify: “By web series we understand the serial audiovisual productions created specifically for broadcasting on the internet and made available in online spaces of circulation”. The authors also explain: “Thus, series created initially for the TV segment that are then made available on the network would not fit this concept” (Coelho & Lacerda 2020, p. 49). With a more separatist view, distancing the web series from conventional television, Rodrigues (2018, p. 12) says that “web series are serial audiovisual productions distributed exclusively through the web and which have a repetitive characteristic, and may have episodes and seasons divisions”. In the author’s defense, “because they are on the web, they have specific characteristics regarding [the] duration of each episode and the format in which the product can be presented, being found on digital video platforms for its exhibition and distribution” (Rodrigues, 2018, p. 12). Toledo and Gomes (2017, p. 15) contribute to the discussion by talking about the consumer audience of the web series format, which, in their view, “has been mainly aimed at teenagers and young people”. According to the authors, this audience, “in addition to mastering the features of the internet, is familiar with the rapid narrative of episodes, 301 unlike previous generations, who grew up accustomed to the slower unfolding of television serials” (Toledo & Gomes 2017, p. 15). For Schutz (2018, p. 16), who brings an approach between the web series and journalism, “the web series is one of the journalistic production formats that currently dialogue with technological innovations, such as the online environment”. According to the author, “digital innovation is present in journalism and transforms the communication medias into new relationships with the public” (Schutz 2018, p. 16). Silva and Teixeira (2017, p. 30), when dedicating themselves to the study of documentary web series, they argue that the “web series preserves all the foundations of traditional documentary, but there is an immersion in the scenario of media convergence, making the film dynamic. The main differences are in the online placement”. According to the authors, “unlike cinematographic productions with high cost and transmission restricted to the public, bringing it together in a single distribution location, such as movie theaters, online broadcasting allows for diffused sharing of the product” (Silva & Teixeira 2017, p. 30). Fronza (2019, p. 19), based on studies by Raymond Williams, explains that “web series are artifacts of historical culture that express the structures of feeling of a community regarding its past”. For the author, cultural artifacts such as web series in streaming services are expressions of this structure of feeling because they include “characteristic focus and tones of the argument”, as they are accessible to documented communication from which the “real vital meaning” in the deep community is extracted that makes communication possible. (Fronza, 2019, p. 19) 302 Alves (2017), Azevedo (2017), Cavalcante (2017), Oliveira (2017), Prado (2017), Silva (2017), Souza (2017), Buere Filho (2018), Nascimento (2018), Alexandre (2019), Araújo (2018), Figueiredo (2019), Gaspar (2019) and Oliveira (2019) do not provide a definition in their own words, but are supported by concepts from other authors, many mentioned at the beginning of this article. Hergesel (2018) brings the same concept as Hergesel (2016), and Hergesel, Silva and Pichiguelli (2019) bring the same idea registered by Hergesel, Silva and Pichiguelli (2021) – both present in the introduction of this work. Alves and Salvadori (2016), Araújo, Oliveira and Cavalcante (2016), Gonzaga, Lemos, Machado and Oliveira (2016), Lopes (2016), Marques (2016), Santos (2016), Fernandes and Lima (2017), Freire and Rocha (2017), Gesswein (2017), Miranda (2017), Moreira (2017), Souza and Nunes (2017), Inácio (2018), Silveira and Klein (2018), Fernandes (2019), Gonçalves and Musse (2019 ), Hergesel (2019), Lourenço (2019a), Souza (2019), Amaral and Pernisa Júnior (2020), Machado (2020) and Musse and Gonçalves (2020) use the term “web series” and analyze or develop projects for what they understand as web series, without actually presenting a definition for the format. Analysis and Discussion If up to 2015 academic works that included the web series as a scope or corpus were scarce, as demonstrated by the initial mappings on the subject, from 2016 onwards the number of productions grew considerably, especially among undergraduates. This suggests that young researchers are the most interested both in deepening their knowledge 303 and discussing issues related to innovations generated by technology and in developing works with the characteristic of this media format. The definition of a web series as a serial audiovisual narrative produced for the internet and consumed in the hypermedia universe still seems to be the basis for all the works that deal with the theme. Among the most mentioned authors are Romero and Centellas (2008), Jenkins (2009) and Aeraphe (2013), with emphasis on our own previous publications, also frequently cited in the theoretical foundation of the works, reason that engages us to continue writing on the subject. It is essential, however, that the concepts we have worked with so far need updating, especially to foster dialogue in the field. Without discarding what has been produced so far, it is necessary to consider that the web series are no longer concentrated on institutional pages or on sites like YouTube, but have also come to life in audio and music services (Spotify) and in virtual social networks (Instagram and TikTok) – a fact not problematized by works on the state of the art. Two unquestionable points in the definition of a web series is the need for serialization (a fundamental characteristic of every series) and its presence in the context of the online universe (which determines the use of the prefix “web”). However, when we look at all the contemporary hypermedia developments, we start to wonder about the rigidity of the format being only narrative, or even the obligatory nature of it being audiovisual. From narrative, we understand a type of production that is responsible for telling a story, be it fictional or true, in the most conventional way or bringing innovations and ruptures, such as the support of links and interactions, for example. However, if we presume the idea that 304 the web series can serve as an instrument for artistic and technological experiments, especially if we consider the sub-areas related to the Video Arts, the requirement that it be a narrative dissipates. As audiovisual, we understand the material produced in the communion of visual and sound languages, with the possibility of the verbal being presented both in image and in sound. However, if we recognize that audio platforms also started to broadcast web series, we only have the presence of sound language. If, in more conventional media, we can distinguish “radionovela” from “telenovela”, for example, in hypermedia the channel is unique, unless we created terms such as “webvideoseries” and “webaudioseries”, which seems to evade the proposal. A fact not addressed by the collected works is the conflict that the definition of web series encounters with the emergence of streaming series, in the case of audiovisual productions. It is evident that, at times, the term “web series” has been used to refer to the original productions of Netflix, Amazon Prime, Disney+, among many others – and this generates a new discussion: if being on the internet is enough to determine the identity of a web series, then, yes, streaming series are in that same group. The perception we have, however, is that streaming series are not always what we mean by web series. As much as they are composed of episodes and seasons and are available online, the production of most of them is thought of in the same way as television series are thought, both in dramaturgical and aesthetic terms – so much so that much of the consumption of series from streaming is done through the TV. Unlike that, the web series should be designed for smaller screens, 305 mainly for its ease of navigation in mobile applications: laptops, tablets, smartphones, smartwatches, etc. Therefore, considering the broadcasting support, the web series ends up being characterized by more closed shots, lesser characters, leaner scenic elements, shorter episodes, among other elements that help in spectatorship from a small screen – factors that contribute to a decrease in the budget and, consequently, in an increase in the amount of offers, especially by independent producers. In this sense, a poetic analysis – anchored in Aristotelian conceptions – can help to distinguish what we call “web series” from what we call “streaming series”. Conclusion Considering the reflections presented here, we can finally elaborate a safer definition for the format, at least until new ideas materialize: The web series is a serialized media product designed for emerging technological devices and made available online. It is usually presented in a narrative (fictional or documentary) mode, but it can manifest itself in the context of experimentations. Most of the time, it uses audiovisual language, but there are no impediments for it to be exclusively sound, visual, or verbal expression. Finally, it differs from television series and streaming series in that it usually brings closer shots, fewer characters, and avoids superfluous scenic elements. We hope this work will help in future productions – ours and our peers – related to the study of web series. Likewise, we hope that new points are discussed, such as: the differences and similarities between the web series and other audiovisual formats produced by the same television station or streaming company; the influence of radio for the 306 establishment of exclusively sound web series and the determining aspects for the proper conduct of its narrative; the adaptability of the screen format for the production of web series on social networks that favor vertical display (portrait mode); and the help offered by the web series format for the production of media content in pandemic times. References Aeraphe, G. (2013). Webséries: criação e desenvolvimento. Ciência Moderna. Altafini, T., & Gamo, A. (2010). Web-séries no contexto dos universos narrativos expandidos. GEMInIS, 1(1), 43-52. https://bit.ly/3yhnrJk Álvarez, M. (2011). Series para la web: nuevos modelos y desafíos [Papaer]. Proceedings of IV Congreso Internacional sobre Analisis Fílmico. 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Webséries: audiovisuais ficcionais seriados para a web [Master’s thesis, Pontifical Catholic University of São Paulo]. 310 ÍNDICE REMISSIVO Facebook 50, 71, 72, 73, 79, 81, 83, 89, 91, 93, 98, 100, 116, 125, 145, 146, 150, 153, 158, 254 fãs 15, 16, 17, 18, 19, 20, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 36, 37, 38, 47, 48, 50, 52, 53, 60, 61, 62, 63, 65, 66, 67, 69, 71, 72, 73, 74, 75, 80, 171, 226, 248, 255, 259 Fãs 14, 34 A acadêmico 39, 117 acadêmicos 12, 308 Acadêmicos 12, 311 Arcane 227, 260, 262, 264, 265, 282, 283, 284, 285 áudio 52, 118, 136, 137, 147, 148, 151, 153, 154, 155, 156, 160, 176 Áudio 160, 161 áudios 142, 152 I Instagram 30, 32, 43, 44, 50, 58, 60, 62, 63, 65, 66, 68, 79, 98, 100, 145, 158, 294, 304 B Barnacas 96, 97, 98, 99, 101, 102, 104, 105, 106, 108, 109, 110, 111, 113 J C Casimiro 115, 119, 124, 125, 126, 127, 128, 130, 131, 132 cinema 14, 19, 187, 214, 216, 231, 244, 284, 295 Cinema 40, 209, 230, 231, 241 cinemas 193 comunicação 14, 15, 23, 50, 51, 52, 60, 62, 75, 116, 118, 119, 122, 123, 131, 133, 136, 137, 139, 140, 141, 148, 153, 159, 160, 161, 167, 186, 187, 189, 190, 192, 193, 194, 196, 203, 207, 210, 214, 234, 242, 243, 247, 248, 250, 253 Comunicação 14, 68, 115, 135, 158, 160, 162, 163, 164, 186, 191, 209, 234, 260, 308, 309, 310 comunicación 101, 112 Comunicación 96, 112, 113, 309 Covet Fashion 70, 71, 72, 73, 80, 81, 82, 83, 84, 89, 90, 92, 93, 94, 95 F fã 22, 44, 53, 73, 127, 171 jogos noticiosos 186, 187, 188, 194, 201, 205, 206 jornalismo 131, 135, 137, 138, 140, 143, 156, 159, 188, 189, 191, 196, 197, 198, 205 Jornalismo 137, 157, 159, 160, 161, 208, 209 jornalista 124, 148, 153 jornalistas 191, 195 196, 141, 194, 207, L linguagem 45, 54, 58, 60, 62, 63, 65, 71, 122, 123, 148, 152, 189, 217, 226 Linguagem 54, 55 linguagens 47, 52, 116, 118, 130 Linguagens 186 literacia 43, 44, 53, 54, 65, 71, 76, 77, 78 Literacia 52, 70, 76, 78, 95 M media 68, 79, 131, 133, 143, 176, 187, 195, 257, 287, 290, 291, 294, 296, 299, 300, 302, 304, 305, 306, 307 Media 40, 41, 42, 68, 69, 120, 125, 143, 258, 286 medias 302 mídia 18, 46, 68, 72, 77, 87, 94, 116, 129, 136, 137, 139, 140, 141, 142, 143, 148, 157, 171, 176, 192, 206, 254 Mídia 68, 80, 88, 90, 115, 130, 135, 157, 163, 164, 172, 203, 207, 260 mídias 16, 43, 45, 47, 66, 67, 71, 72, 74, 76, 77, 78, 79, 90, 117, 118, 119, 140, 142, 146, 186, 187, 190, 191, 193, 195, 206, 207, 208 midiática 14, 43, 44, 45, 46, 53, 54, 57, 60, 65, 66, 67, 69, 71, 76, 77, 78, 94, 116, 121, 127, 139, 190 midiáticas 44, 54, 58, 67, 74, 76, 77, 117, 125, 129, 190 midiático 66, 78, 115, 116, 126, 129, 205, 207 midiáticos 44, 53, 65, 116, 120, 126, 127, 128, 129, 130, 141, 187 N narrativa 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 28, 29, 30, 31, 33, 35, 36, 37, 38, 39, 40, 41, 44, 46, 52, 58, 68, 72, 73, 74, 76, 92, 95, 98, 99, 107, 108, 109, 112, 113, 119, 135, 136, 139, 142, 143, 146, 147, 156, 164, 166, 167, 168, 169, 170, 171, 172, 173, 176, 177, 178, 182, 184, 185, 186, 187, 188, 189, 190, 191, 192, 193, 197, 198, 199, 200, 201, 202, 203, 204, 205, 206, 207, 209, 212, 213, 214, 216, 217, 218, 219, 220, 221, 222, 223, 224, 225, 226, 228, 229, 230, 231, 238, 240, 245, 249, 250, 255, 256, 257, 259, 260, 261, 262, 263, 264, 282, 283, 284, 308, 309 Narrativa 14, 17, 38, 39, 45, 80, 88, 91, 94, 95, 114, 168, 170, 189, 198, 207, 212, 214, 220, 232, 241 narrativas 15, 16, 20, 23, 28, 33, 35, 36, 38, 43, 46, 47, 52, 53, 62, 66, 72, 75, 79, 99, 101, 105, 110, 111, 113, 117, 137, 143, 157, 163, 165, 166, 168, 170, 171, 172, 181, 183, 184, 187, 189, 190, 192, 205, 207, 209, 214, 219, 220, 225, 230, 231, 239, 240, 255, 263 Narrativas 13, 14, 68, 72, 94, 102, 113, 161, 172, 206, 208 narrativa transmídia 16, 17, 18, 20, 24, 25, 26, 28, 29, 30, 35, 38, 40, 44, 46, 58, 72, 74, 135, 136, 139, 142, 143, 146, 147, 170, 171, 172, 177, 178, 182, 184, 186, 187, 188, 189, 190, 192, 199, 200, 205, 206, 207, 309 Narrativa transmídia 94, 207 Narrativa Transmídia 14, 17, 38, 39, 45, 170, 189, 198 Netflix 29, 30, 31, 32, 33, 37, 39, 43, 55, 56, 58, 59, 60, 61, 62, 65, 119, 125, 126, 227, 234, 235, 236, 237, 238, 239, 240, 241, 242, 243, 244, 245, 246, 247, 248, 249, 250, 252, 254, 255, 256, 257, 258, 259, 260, 261, 262, 264, 265, 270, 276, 282, 284, 285, 295, 305, 308 P podcast 136, 137, 139, 146, 147, 148, 149, 152, 153, 154, 155, 156, 160, 161, 188, 198 podcasts 146, 148, 161, 186, 200, 205 R rede social 75, 81, 146, 191 redes sociais 45, 48, 49, 50, 51, 52, 58, 65, 70, 72, 79, 80, 81, 118, 136, 139, 142, 145, 146, 147, 150, 153, 156, 157, 203, 215, 253, 255, 256 Redes sociais 150 roteiro 25, 34, 75, 143, 198, 234, 236, 238, 241, 251, 254, 256, 258, 262, 264, 282, 283, 284, 285, 310 Roteiro 41, 241 roteiros 38, 73, 234 RPG 209, 210, 211, 212, 214, 215, 216, 218, 219, 220, 221, 222, 223, 224, 225, 226, 227, 229, 230, 231, 232, 233 S série 15, 16, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 35, 36, 37, 43, 44, 45, 46, 47, 52, 55, 56, 58, 59, 60, 62, 63, 65, 66, 67, 74, 79, 83, 84, 85, 87, 89, 90, 147, 173, 219, 220, 221, 223, 224, 225, 227, 228, 229, 234, 235, 236, 237, 238, 240, 242, 243, 246, 247, 248, 249, 250, 251, 253, 254, 255, 256, 261, 262, 264, 274, 283, 284 Série 39, 41, 84, 285 séries 16, 21, 23, 28, 29, 33, 34, 37, 39, 44, 52, 54, 67, 72, 152, 193, 200, 202, 205, 220, 235, 240, 241, 242, 244, 245, 248, 249, 250, 254, 257, 258, 259, 260, 264, 307, 308 Séries 14, 257 Storytelling 40, 41, 68, 95, 185, 258 T tecnologia 48, 51, 54, 58, 60, 65, 72, 80, 116, 132, 138, 140, 141, 193, 194, 197, 213, 227, 231, 260, 271, 272 Tecnologia 54, 55, 88, 90, 191, 260 tecnologias 15, 20, 46, 51, 52, 59, 73, 82, 90, 115, 116, 135, 140, 142, 186, 190, 191, 197, 207, 208 transmedia 74, 94, 95, 98, 99, 101, 107, 109, 112, 113, 114, 157, 159, 160, 161, 190, 208, 233, 258 Transmedia 41, 78, 95, 98, 104, 112, 113, 185, 258 transmidiática 21, 22, 27, 65, 66, 71, 142, 164, 170, 186, 201, 203, 205 Transmidiática 170 transmidiáticas 18, 23, 28, 44, 72, 79, 80, 83, 87, 137, 164, 170 transmidiático 17, 18, 33, 72, 136 transmidiáticos 72, 78, 206 Twitch 120, 124, 125, 132, 215 Twitter 49, 50, 145, 158, 254 Y YouTube 79, 120, 121, 124, 125, 130, 145, 158, 215, 249, 256, 296, 299, 304, 308, 310