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domingo, 9 de junho de 2024

"Imaginem se não fosse"...

" (...) Apesar de representar apenas 29% dos eleitores e da confortável situação económica e orçamental que herdou (mas fala como se tivesse recebido o inferno), este Governo quer ser marcadamente ideológico. Enchendo os seus pacotes de generalidades e redundâncias, apresentando tudo em catadupa, apostando na preguiça do comentário que se deslumbra com a forma — “eles estão a governar” —, ignora o conteúdo, impede o debate que se fez, por exemplo, com o Mais Habitação. Mas debaixo de tanta palha há um rumo: destruição do sistema progressivo de impostos, privatização do SNS, combate à regulação imobiliária, cerco aos imigrantes. Diz-se um Governo de “moderação e diálogo”. Imaginem se não fosse."

Daniel Oliveira: Política soterrada em palha (Excerto)

sábado, 4 de maio de 2024

"Os portugueses adoram ser enganados" ?


A expressão em título não é minha, mas de Pedro Garcias que, com ela, termina um texto publicado hoje no suplemento "Fugas" do "Público", numa coluna com o título "Elogio do Vinho", onde escreve habitualmente, título que é altamente redudor, pois a qualidade da escrita não se limita a tratar de assuntos do vinho, como poderão ver pelo extracto que tomo a liberdade e o gosto de transcrever: "Bugalho, por seu lado, mostrou uma vez mais o poder da SIC (...). Sebastião comeu a papa a toda a gente: ele nunca quis ser jornalista; na verdade, nunca foi um verdadeiro jornalista. Ele sempre trabalhou para uma carreira política. Era o seu sonho e confessou-o várias vezes. Os portugueses adoram ser enganados."

A pergunta em título fica sem resposta da minha parte em relação ao caso Bugalho. Espero é que, pelo menos desta vez, sendo tão evidente o engodo, os eleitores portugueses não deixem ser levados ao engano. Para enganos, já tivemos, este ano, mais que o suficiente. Chega!
(Fonte da imagem: aqui)

sexta-feira, 26 de maio de 2023

Com estes actores a política não passa de uma palhaçada

Dou a palavra ao Miguel Sousa Tavares: "A insuportável futilidade da política"

"Perguntava às tantas ao ministro João Galamba o deputado do PSD Paulo Rios de Oliveira, após fazer uma excitada e demagógica descrição dos acontecimentos vividos no gabinete do ministro, e na ausência dele, na noite de 26 de Abril: “E quem é o responsável político por isto?” Imaginei a mesma pergunta feita ao deputado, se o PSD tem despedido um assessor do seu grupo parlamentar e este, 15 minutos volvidos, tem entrado pelo gabinete do grupo adentro e, após confrontos físicos de responsabilidade por determinar, tem fugido com o computador do partido, queixando-se depois de ter sido “sequestrado” por ter sido pedido ao segurança que lhe barrasse a fuga com o computador. De quem seria a “responsabilidade política”: do líder do grupo parlamentar, do presidente do partido ou das “desvairadas” assessoras, para usar a elegante expressão do deputado Rios de Oliveira?

Convocado para assistir ao momento político mais importante dos últimos seis meses, o país mediático-lisboeta-parasita lá se instalou diante das televisões durante dois dias (e eu também, por dever de ofício e alguma curiosidade antropológica). Do alto da sua coluna no “Público”, o nosso comissário para a Repressão do Vício e Promoção da Virtude, João Miguel Tavares, chegou mesmo a fornecer aos leitores o horário das inquirições da CPI, para que pudessem partilhar com ele os orgasmos múltiplos que já antecipava. E o que vi eu? Nada que não esperasse e que não tivesse já previsto aqui. O professor de andebol e adjunto Pinheiro, cerimoniosamente tratado por “Sr. Dr.” o tempo todo, apresentou-se como o herói do dia, disposto a gozar até ao último minuto a sua tarde de glória e a fazer abalar sozinho o regular funcionamento das instituições democráticas. Acompanhado por um advogado criminal, de Código Penal em punho (não percebi se porque achou que lhe dava status, se porque temia poder auto-incriminar-se), o herói começou por ler um relambório de 40 minutos de auto-elogio, onde se apresentou como homem íntegro, servidor público exemplar, técnico absolutamente indispensável à rees­truturação da TAP e, porém, despedido sem causa, ameaçado com dois “socos” pelo ministro (não murros, como toda a gente diz, mas sim “socos” — talvez um uppercut e um “gancho” de esquerda), “empurrado” e “pressionado” por quatro mulheres e obrigado a fugir, ele, um atleta, depois sequestrado, ameaçado pelo SIS e ofendido e caluniado pelo ministro e pelo PM, contra os quais iria interpor as respectivas acções de reparação do seu bom nome (todavia, após 48 horas de ponderação, já só cogitadas). Anos de tribunal no meu longínquo passado fizeram com que, após ouvir o sofrido depoimento do adjunto Pinheiro, tivesse comentado para mim mesmo: “Mas que grandessíssimo vendedor de tapetes!” Mas também aprendi que há que esperar sempre pela outra versão da mesma história.

Porém, não foi o que sucedeu. Mal o adjunto Pinheiro tinha acabado de falar e todos — todos — os jornalistas e comentadores de serviço, sem sequer ouvirem os outros intervenientes, sem nenhum interesse no contraditório ou no que não convinha à versão dele, adoptaram-na de imediato como verdade única e inquestionável. Os “socos” que o ministro lhe terá oferecido e de que ele não tinha prova alguma, antes pelo contrário, ficaram de tal forma estabelecidos que Ana Sá Lopes pôde titular no “Público”: “João Dois Socos Galamba”; a demissão por telefone foi unanimemente tida como ilegítima, como se a demissão de um cargo de confiança política e pessoal pudesse esperar pela publicação em “Diário da República” — que, neste caso, demorou 14 dias; as queixas das agressões do adjunto a quatro mulheres, que teriam sido um escândalo se tivessem sido ao contrário, foram abafadas pelo invocado “crime de sequestro” do alegado agressor e apesar de este ter ficado manifestamente perturbado quando se sugeriu que as filmagens das câmaras de vigilância do Ministério fossem enviadas à CPI; o dito “crime de sequestro” deu-se por consumado apenas porque alguém tentou impedir, trancando as portas e chamando a polícia, que ele fugisse com o computador do Ministério; e a “ameaça” do SIS, objecto de nova anunciada CPI, consistiu em um agente ir a casa de Pinheiro pedir-lhe que entregasse o computador a bem para evitar mais chatices. Mas ninguém estranhou que nem um daqueles inquisidores da CPI, tão obstinados em outros pormenores, se tivesse lembrado de perguntar ao “Dr. Pinheiro” o essencial: porque não acatou a ordem recebida do ministro de não voltar ao Ministério e o fez logo 15 minutos depois? Se queria reaver as suas coisas, como disse, porque não combinou a entrega delas com a chefe de gabinete, como seria adequado? Que outras coisas suas reouve nessa incursão? Considerava o computador coisa sua? Ao fugir com ele, não considerou que o estava a roubar? Que continha o computador de tão importante para justificar tamanha urgência e tamanho desespero em ir buscá-lo? O que fez durante o tempo em que esteve com o computador — apagou ficheiros ou notas ou acrescentou outras?


Nada disto interessou aos senhores deputados da CPI, aos jornalistas e aos comentadores. O juízo já estava feito, e mesmo a desilusão que tiveram ao não obterem a esperada execução sumária do ministro Galamba os fez mudar de opinião. Galamba enfrentou cinco horas de perguntas repetidas até à exaustão e, perante a complacência de quem dirigia os trabalhos, encaixou o interrogatório mal-educado e ao estilo KGB do deputado do BE (substituindo uma Mariana Mortágua que, tendo exigido esta CPI, achou mais importante depois abandoná-la para se dedicar à sua eleição interna), encaixou a pseudo-ironia, apenas provocatória, do deputado Rios e esteve 20 minutos a ouvir o deputado André Ventura a querer que ele entregasse o seu telemóvel para, através dele, tentar saber o que se tinha passado no telemóvel do adjunto Pinheiro, numa pura tentativa de devassa pessoal sem qualquer sentido. E, obviamente, com a única excepção do deputado Bruno Dias, do PCP, em nada lhes interessou saber da TAP, mas sim eternizar o folhetim do gabinete, usando ainda o truque da sessão de perguntas ao primeiro-ministro em plenário para a transformar numa extensão da CPI.

De tudo isto resta uma forma de fazer política e de fazer oposição que parece que excita muito toda a gente que pensa, que causa muito ruído e muito escândalo mediático, mas que nada tem a ver com política, nada tem a ver com jornalismo e nada tem a ver com o exercício parlamentar de fiscalização da actividade governativa. Eu compreendo e subscrevo que muita gente esteja zangada com a governação e que queira coisas diferentes. Mas isso começa por fazer as coisas e a política de forma diferente. Esta CPI e esta forma de fazer oposição talvez desgaste o Governo, mas desgasta por igual a democracia e a oposição. E não é também porque, nos intervalos do frenesim criado artificialmente, o Presidente da República, na angústia para o jantar de que falava Sttau Monteiro e que Helena Matos tão bem analisou, sai do palácio e vem à rua à procura de jornalistas junto de quem fazer prova de vida que as coisas passam a adquirir uma importância que não possuem.

Como também não é porque, sazonalmente, Cavaco Silva precisa de destilar a sua dose de veneno para fazer prova de vida que nós ou as instituições devemos estremecer de medo. Sobretudo quando ele, ex-Presidente de todos os portugueses, dispara sempre ao abrigo do estrito círculo partidário de onde veio e, acusando o Governo de viver na mentira, nos prega três solenes mentiras: que o PSD tem causas, que tem propostas alternativas e que Montenegro está preparadíssimo para governar. Quais? Quem? Como?"

(Obviamente que subscrevo, na íntegra)
(Texto e imagem in Expresso, edição impressa - Caderno principal - Hoje)

sábado, 6 de maio de 2023

Dando a palava ao outro (I)

" (... não sei se daqui a dez anos haverá uma escola ou um curso académico de Comunicação que estude o dia 2 de Maio de 2023, nas rádios e na televisão, e os dias subsequentes. De manhá à noite, não encontrará jornalismo. Pensem um pouco e afastem-se da excitação. O que se passou nada tem a ver com o jornalismo e o efeito desse comportamento é tão devastador que já não se sabe o que é jornalismo. Aquilo a que assistimos o dia todo foi a uma comunicação social transformada numa espécie de comício político, num estilo de planfleto exacerbado, com tudo o que não é jornalismo: intencionalidade política, dramatização, julgamentos de carácter, petições de princípio, argumentos ad terrorem (sic), encostar os agentes políticos à parede com dilemas 'humilhantes', apelos a acções cada vez mais drásticas, subindo a temperatura da crise, má-fé, [....] sempre com uma constante - a do maior dano possível para o Governo, o PS e António Costa.[...] 

(José Pacheco Pereira: "A crise do Governo, a crise do Presidente e a crise do jornalismo", in "Público"  - edição impressa de 6 Maio de 2023. 

(A ilustração supra figura no original citado).

quarta-feira, 12 de junho de 2019

Há quem nem com óculos se enxergue!

Se eu fui o Éder deste 10 de Junho, o Presidente Marcelo foi o meu Fernando Santos” (João Miguel Tavares)
(Citação e foto daqui)

quarta-feira, 31 de janeiro de 2018

Florilégio em honra da "santa" Joana

«(...) O soez ataque de carácter a Mário Centeno, caluniando o mais relevante político português no atual quadro europeu como alguém que se vende por um prato de lentilhas, talvez não seja só iniquidade espontânea. Talvez seja maldade industrial.(...)»
(Viriato Soromenho-Marques: "A indústria da desconfiança contra a democracia". Na íntegra: aqui)

Ou "maldade" institucional, receio eu.

terça-feira, 30 de janeiro de 2018

Em louvor de "santa" Joana !

«(...) tenho sempre presente que há dois princípios fundamentais nas investigações judiciais em Portugal, que nunca devem ser postos em causa:a independência de qualquer poder e a autonomia de qualquer investigação.Mas sei igualmente que esses princípios não isentam o Ministério Publico de falhas nem de críticas, sobretudo quando o ridículo e a ineficácia se juntam no mesmo fim de semana.
O caso dos convites para Mário Centeno ir ao futebol é isso mesmo, ridículo. O caso das viagens da Galp já era, na essência, perfeitamente ridículo, como já escrevi nesta coluna. Mas este é ainda mais absurdo, porque denota total falta de bom senso e desenquadramento da realidade e das práticas, tentando ligar factos soltos, sem lógica aparente e desligados das responsabilidades dos envolvidos. O IMI é da responsabilidade das câmaras e a Autoridade Tributária é uma máquina absolutamente independente. Coitado do ministro que tente um dia pôr a AT ao seu serviço... Cai em menos de um fósforo.(...)»

(Ricardo Costa: "O MP não sabe de violência doméstica. Mas percebe de bilhetes para a bola?". Na íntegra aqui. Presumo que só para assinantes)

quarta-feira, 6 de dezembro de 2017

"Pedaços de asno"

« (...)Um bom ministro das Finanças, como sabemos, nota-se pelo falar lennntooo, nunca pelo sorriso de parvo. Mas, sendo nós gente educada, nunca ninguém fez saber a Mário Centeno que ele tinha sorriso de parvo. Passos Coelho, da primeira vez que o ouviu no Parlamento, ficou com os ombros numa tremideira de riso contido pelo sorriso parvo do outro, mas lá se aguentou. E foi então que uma notícia absurda, mais que fake news, surgiu: Centeno era candidato a presidente do Eurogrupo!!! José Gomes Ferreira topou o desconchavo: "Sendo que este assunto só é notícia em Portugal porque é que só o governo fala disto?" Não liguem à falta de lógica, mas reparem no legítimo desprezo pelo sorriso parvo. Mas foi o candeia nacional Marques Mendes que nos iluminou. Centeno no Eurogrupo? "Mentira de 1.º de Abril... Campanha de autopromoção... É o seu ego... A sua vaidade... Está deslumbrado... Inchado... Muito inchado... Não há uma única alma lá fora que fale de Centeno... É um bocadinho ridículo uma pessoa assim a oferecer-se..." Ontem, Centeno foi eleito presidente do Eurogrupo. O que vai fazer amanhã? Não sei. Mas ontem soube o significado do sorriso parvo: esteve sempre a rir-se dos pedaços de asno
(Ferreira Fernandes: "O sorriso de parvo de Centeno". Na íntegra: aqui.)

segunda-feira, 16 de outubro de 2017

Quem gosta de ser enganado?

"Há uma coisa impossível de explicar a um jornalista. Na realidade, ela pode ser explicada a um jornalista e qualquer jornalista a consegue entender. Mas não a consegue usar no seu trabalho, que exige respostas e soluções simples e tão rápidas como as suas notícias. Essa coisa foi a que António Costa disse ontem: não só não pode garantir que o dia de ontem não se vai repetir como é seguro que, de alguma forma, vai acontecer de novo. O que o jornalista não pode compreender é que a resposta a um problema realmente importante é muitíssimo mais lenta do que o seu trabalho. É como pedir a um pugilista que jogue xadrez. Com luvas. Mas isso não pode determinar as decisões tomadas pelos políticos.(...)
(Daniel Oliveira: "Incêndios: claro que se vai repetir. Durante anos". Fonte)

Quem diz jornalista, diz outra pessoa qualquer. Quantos não ouvi já hoje lamentar que António Costa não tenha garantido que não voltará a haver incêndios com a gravidade e a dimensão dos que, este ano, têm ceifado vidas, devorado casas e florestas?
Não será, no entanto,  bem evidente que só com enorme demagogia é que uma tal afirmação poderia ser feita? Pois não é também claro que, como salienta Daniel Oliveira na peça citada, os problemas que  estão na base da dimensão das tragédias não se resolvem dum dia para o outro?
Quem é que gosta de ser enganado? Eu não. 

Não prescindo, no entanto, da exigência de serem tomadas, com a maior urgência, medidas, designadamente no âmbito do ordenamento do território, que evitem, no futuro, tragédias com a gravidade e a dimensão das que temos vivido.

Depois deste ano, nada poderá ficar como antes”, disse António Costa, já hoje. Espero que sim. De facto, repito, não gosto mesmo nada de ser enganado.

sábado, 7 de outubro de 2017

"Entrou pela saída de emergência, saiu pela porta dos fundos"

«(...) 
De facto, ele [Passos Coelho] recebeu o país de rastos, com um défice de 10,5% do PIB. Mas recebeu porque quis: ele queria ser primeiro-ministro e Paulo Portas queria ser ministro dos Estrangeiros. E, por isso, aliaram-se à extrema-esquerda parlamentar para chumbar o PEC IV - que já havia sido aprovado em Bruxelas e Berlim, e que talvez tivesse evitado o resgate, como o evitou em Espanha. Ao fazê-lo, Passos e Portas sabiam várias coisas que iriam fatalmente acontecer: o Governo do PS demitir-se-ia; mas até novas eleições teria de chamar a troika e negociar em condições de brutal dureza, que inevitavelmente lhe custariam a seguir a derrrota nas eleições. Tudo aconteceu como previsto, sendo de notar que não é verdade que o PSD tenha tido que executar um programa ajustado unicamente entre o Governo do PS e a troika: certamente se lembram do dr. Catroga a representar Passos Coelho nas negociações e a gabar-se que, no essencial, o programa da troika era o do PSD. E, depois, todos nos lembramos de Passos a dizer que iria ainda além do programa. Se tudo fez para governar naquelas circunstâncias, que legitimidade tem para se queixar da herança recebida?
(...)
Talvez a governação de Passos tenha sido corajosa e certamente que foi impopular. O problema é que estava errada, como o próprio FMI viria a reconhecer posteriormente.
(...)
[Pois] se o défice desceu de facto, a dívida continuou sempre a subir e, no final dos quatro anos, tinhamos vendido as telecomunicações, os correios, a TAP, a navegação aérea, os portos, e o único banco que restava português e vivo, embora arruinado, era a Caixa Geral de Depósitos (...)"
(...)
(...) a verdade é que Passos Coelho propunha-se continuar por mais quatro anos a mesma política de cortes cegos, horizontais e dirigidos às pessoas e não aos organismos a mais. O mérito de Mário Centeno foi o de ter apostado que aliviando o cinto, devolvendo o dinheiro às pessoas ao ritmo possível, elas iriam gastá-lo de imediato e isso poria a economia a crescer e as receitas fiscais a subir num círculo virtuoso que era o oposto do que fora a crença e a obra funesta de Vítor Gaspar, Maria Luís Albuquerque, António Borges e Pedro Passos Coelho.
"Não há que negar que a recuperação económica tem sido muito ajudada por factores externos, como o turismo que o Daesh desviou para aqui, as compras de dívida pública pelo BCE e a própria retoma, ainda que moderada, no espaço europeu [*]. Porém, duvido que se Passos estivesse a chefiar agora o Governo iria ter capacidade para perceber que era hora de apostar e ir a jogo. A prova disso é a sua célebre promessa, feita quase em jeito de desejo, de que iríamos ter o diabo de volta ... em Setembro do ano passado. Até ao fim (...) foi teimoso, obstinado até no erro, e incapaz de ver diferente do que algumas pretensas verdades imutáveis que lhe enfiaram à pressa na cabeça para que ele governasse Portugal com isso. Como se veria finalmente nas autárquicas, Pedro Passos Coelho tinha ficado irremediavelmente para trás (...)Entrou pela saída de emergência, saiu pela porta dos fundos (...)»
(Miguel Sousa Tavares: "Um homem e o seu destino". In "Expresso" de hoje, edição impressa)

A transcrição é algo longa, mas justifica-se tendo em conta a falta de memória que afecta por aí muito boa gente e outra não assim tão boa.
[*] Uma pequena nota apenas para recordar que qualquer dos factores externos enunciados por Miguel Sousa Tavares e cuja relevância se não nega,  surgiram muito antes de o actual Governo ter entrado em funções. Todos eles já existiam ao tempo da governação Passos/Portas.

terça-feira, 26 de setembro de 2017

«"Bum!" ou "pfff..."?»

«O "relatório-explosivo", como lhe chamou o Expresso: "Bum!" ou "pfff..."? Sobre o assunto vou fazer um relatório mais seco, não acusarei ninguém, como o relatório original, de "ligeireza, quase imprudente", nem de "declarações arriscadas e de intenções duvidosas", nem de "arrogância cínica". Quando eu faço um relatório, relato, não relaxo. Guardo aquelas palavras para quando fizer um romance manhoso, ou talvez as substitua por palavras como "pernóstico, pancrácio e deliquescência", como sempre sonhei usar num romance manhoso. O que é um romance manhoso? É uma coisa com frases espevitadas, daí o pernóstico, que se colocam num editor simplório, daí o pancrácio, de ficção científica, daí a deliquescência. Esta sendo, como se sabe, a propriedade de alguns corpos de absorver a humidade do ar e nela se dissolverem - como foi o caso do relatório que agora relato. Derreteu-se. Num sábado, nas parangonas; horas depois, escafedeu-se. Ninguém para quem ele relatava o viu! Não deve haver drama maior para um relator - mais do que relatar em vão, relatar para ninguém. Claro, foi em julho, na estação em que tudo se evapora. Regressou a uma semana de eleições, na estação em que tudo surge. Teoria da conspiração? Não, conspiração mesmo.  (...)»
 (Ferreira Fernandes: "Tudo sobre o relatório de Tancos" Na íntegra: aqui)

Sem dúvida: pfff...!

terça-feira, 25 de julho de 2017

Por aqui ainda não vi abutres...

.. mas pelo que leio, abutres e outros necrófagos é bicheza que não falta no Continente.

(na imagem: a montanha do Pico, na ilha mesmo nome, vista a partir da Ilha de S. Jorge)

domingo, 9 de julho de 2017

Lição sobre optimismo


«(...)
Optimismo – Há aqui uma lição para governos e governantes: o optimismo pela sua própria natureza nas questões públicas dura sempre pouco e é muito frágil. A realidade está sempre mais próxima do que corre mal do que o que corre bem.»
(José Pacheco Pereira: "Tribulações de um Governo optimista;" in "Público", 08/07/2017. Via)

Eu diria que a lição também é proveitosa para governados. Convém não embandeirar em arco. Nunca por nunca.

sexta-feira, 7 de julho de 2017

"É preciso topete, falta de vergonha, descaramento"

«(...) 
A direita, melhor, esta direita encabeçada pela actual direcção do PSD utilizou o Estado como saco de boxe durante cinco anos. Que agora venha clamar contra o enfraquecimento do Estado para atender a todas as suas responsabilidades só não mata de vergonha porque ninguém morre de vergonha. (...) »
(Nicolau Santos: "Ena! Tantos defensores do Estado que estavam escondidos !". na íntegra: aqui)

quinta-feira, 6 de julho de 2017

Tropa-fandanga *

«(...)
Neste preciso momento, os oficiais não têm qualquer legitimidade para protestar. Pelo contrário, o Exército deve um pedido de desculpas ao país por ter falhado na mais básica das mais básicas das suas funções. O que o país precisa destes militares não é de oito páginas de paleio pseudo-patriótico para justificarem o cancelamento do que seria um vergonhoso ato de indisciplina. O país precisa de explicações muito claras sobre o que aconteceu em Tancos e só o Exército as pode dar. Talvez o facto de uma manifestação de militares fardados numa democracia consolidada ter passado pela cabeça destes oficiais ajude a explicar a balda instalada e este assalto tão absurdo que me parece mal contado.
Seguramente os portugueses serão solidários com as queixas dos militares perante os cortes absurdos que se continuam a fazer nos vários sectores do Estado, da saúde à educação, da segurança social à defesa. Desde que isso não sirva para o Exército atirar para longe as suas próprias responsabilidades. Primeiro expliquem-se, depois protestem. Primeiro mostrem algum sinal de vergonha perante o que aconteceu, só depois a indignação.»

(Daniel Oliveira, "Carta de uma tropa-fandanga " in Expresso Diário de 05/07/2017. Via onde poderá ser lido o texto na íntegra)

*Na verdade, com muito de fandanga e pouco ou nada de tropa.

segunda-feira, 26 de junho de 2017

Os pirómanos do costume: nós!*

«Temos de alinhar as nossas exigências às condições do nosso tempo. Eu começaria então por aqui: os gestos que nos definem como portugueses, os interesses que nos movem, os hábitos que cultivamos, as pessoas que admiramos, as rotinas que estabelecemos em casa e no bairro onde vivemos, também no emprego para onde vamos todos os dias, as casas que decidimos erguer ou comprar, as árvores que vemos crescer, os políticos que elegemos e como nos relacionamos com eles. As leis que cumprimos e as que optamos por ignorar.

Ao fim de muitos e muitos anos, o que resulta desta soma de escolhas, boas e más, somos nós, os portugueses ao espelho, um povo reflectido na soma de tudo isto. É evidente que há acontecimentos brutais, como os incêndios de há uma semana, que podem ir muito além desta soma de características. Podem ser o resultado da sorte e do azar. Mas pode também dar-se o caso de esta sucessão de eventos trágicos ser a consequência da trajectória que escolhemos percorrer como comunidade, um caminho feito por vontade própria ou então pela mais estúpida das inércias, a motivada pelo desinteresse e desmazelo colectivos.

Chega então o momento da contagem dos mortos e dos hectares destruídos, quase 50 mil, uma barbaridade, e apontamos logo o dedo agressivo aos políticos, evidentemente culpados pela incúria de anos e talvez até pela gestão danosa dos recursos públicos. Têm responsabilidade os políticos, é verdade; nalguns casos têm até culpa, terão de ser os tribunais a julgar, mas antes de olhar para quem nos conduz devíamos olhar para nós próprios e voltar ao início: somar as características que exibimos, cultivamos e favorecemos como povo e daí tirar daí conclusões. Podemos até escolher factos pequenos, coisas sem importância do dia-a-dia, mas que começam por dizer quem somos.

Por exemplo, é proibido levar os cães para as praias concessionadas. E no entanto é vê-los a andar pelo areal, fazendo o que os animais fazem quando têm vontade, sem que a polícia faça cumprir a lei. Acontece o mesmo nas ruas de Lisboa, porcaria por toda a parte, um nojo inacreditável, passeios de sujidade medieval. Aceitamos e seguimos em frente, faz parte da paisagem como a floresta desordenada. O problema não são os cães, não é o eucalipto, somos nós. E um dia há uma doença qualquer, uma criança que vai para o hospital, uma daquelas micro calamidades urbanas que estimula o interesse jornalístico e provoca a indignação - geral, genérica, tardia.

Num país sem guerra, a preparação para a época de incêndios deveria ser a nossa guerra, talvez uma e várias, como em tempos o foi a redução da mortalidade infantil. Não há milagres, há anos piores ou melhores que dependem de vários factores, mas a evolução consistente exige esforço, obriga o cumprimento de rotinas de trabalho. Os aviões caem pouco porque há um método que tem de ser seguido pelos pilotos em todos os voos: há uma manual a seguir linha a linha, sem falhas. As mortes por infecção hospitalar diminuem sempre que são cumpridos os protocolos, alguns deles elementares: os médicos lavam as mãos após cada consulta, não passeiam os estetoscópio ao pescoço.

As pessoas, nós, os portugueses, queremos culpar os políticos por causa dos incêndios. Eles têm uma parte central da responsabilidade, mas a desgraça que vivemos é o resultado das nossas escolhas, uma a uma, todas somadas. O ponto é este. Algumas são opções pessoais - os nossos terrenos que não limpamos, os piqueniques que fazemos, os foguetes que lançamos, as práticas perigosas que toleramos, a beata que atiramos pela janela do carro. Outras colectivas, como os políticos que elegemos anos após ano, fruto da apatia generalizada e da cultura de compadrio.

Sim, o SIRESP é um negócio muito suspeito - não vinha com garantia? A ministra da Administração Interna e o Governo foram apanhados desprevenidos, como sempre. A GNR, a Protecção Civil e os bombeiros são tudo menos um corpo coeso. Vamos então apurar responsabilidades, sim, mas é bom que entendamos: hoje somos uma nação de especialistas em incêndios, amanhã voltaremos a ser os pirómanos do costume. (...)»
(André Macedo: "Os pirómanos do costume" . Na íntegra: aqui. Sublinhado meu)

*Digo "nós", porque não quero excluir-me da responsabilização atribuída ao colectivo nacional. Tal não significa, porém, que o "nós" inclua todos os portugueses. Ainda há, felizmente, muitos cidadãos com elevado sentido de responsabilidade.
(ilustração daqui)

terça-feira, 2 de maio de 2017

"Caça ao homem"

Se não é, não lhe falta parecença. Ora vejam:

«De "especial complexidade", dizem. Bom, como discordar? Provar que a terra é plana é de especial complexidade. Provar a quadratura do círculo coloca igualmente um problema de especial complexidade. As provas no Processo Marquês são também de especial complexidade , pela razão de que é impossível provar o que nunca aconteceu.O nosso código penal não se ocupa da especial complexidade deste tipo de verdade material : será a terra plana? Mas não se esqueceu de prever a possibilidade de haver especial complexidade em inquérito criminal - quando ela é invocada os prazos duplicam. Todavia, mesmo com especial complexidade, a lei fixa um prazo, a que chamou máximo, de inquérito (artigo 276 do Código de Processo Penal). Este prazo tem, em qualquer circunstância e englobando já todas as especiais complexidades possíveis, um limite superior de 18 meses. O Processo Marquês dura há 45 meses e acaba de ser adiado pela sexta vez.

Prazos. A primeira pergunta a fazer talvez seja esta: em que área da justiça precisamos de mais segurança e de mais certeza jurídica? Julgo que não é preciso um excessivo espírito liberal para responder que é aquela em que está em causa a liberdade - a área penal. Aí, entre o indivíduo e o Estado, só há um poderoso: o que tem o monopólio do uso da força, o que pode prender e deter... e, sei-o agora, também insultar. Parece, então, legítimo perguntar por que que razão é esta a única área da justiça em que se pretende que os prazos - garantias da decência do Estado e dos direitos individuais - sejam, como dizem, indicativos? E, já agora, se são indicativos, eles indicam exatamente o quê? Mistério. Na verdade, nada indicam e nada valem porque a verdadeira intenção é justamente a de poder conduzir o inquérito sem respeitar prazo nenhum.

Prazos, de novo. Mas, afinal, porque é que estamos a discutir prazos? A resposta sabem-na todos, porque tudo isto tem decorrido à frente de todos: só estamos a discutir prazos porque o Ministério Público deteve, prendeu, promoveu ele próprio uma formidável campanha de difamação e, ao fim de quatro anos de inquérito, não apresentou nem as provas nem a acusação. Neste processo, o Ministério Público exibiu despudoradamente uma das especialidades que vem cultivando há décadas: promover covardemente - e criminosamente - campanhas de difamação nos jornais, por forma a transformar a presunção de inocência em presunção pública de culpabilidade. Não haver prazo nenhum ajuda a tal tarefa.

Prazos, ainda. Na verdade, nada disto tem que ver com nenhuma teoria da justiça ou com qualquer procura de arbitragem entre valores jurídicos de verdade material ou de direitos individuais - isto tem apenas que ver com poder. O poder do Ministério Público. Ao pretender que no inquérito penal não haja, na prática, prazos obrigatórios, o Ministério Público não está a interpretar a lei mas a mudar a lei. Acontece que essa é uma competência da Assembleia da República, não é dos senhores procuradores: esse poder não é legítimo, é usurpado.

Ouço por aí dois argumentos, ambos tão deploráveis, que não resisto a dizer, com a brevidade possível, alguma coisa sobre eles. O primeiro corre no essencial assim: bom, agora é que isto tem de ir até ao fim. Se a questão é a corrupção e a política, então tudo deve ser válido em nome desse combate, incluindo insultar, denegrir e humilhar quem está inocente. O que isto quer dizer é basicamente que, se violaram os meus direitos individuais, paciência, agora é preciso violá-los ainda um pouco mais. No fundo, a mesma e velha ideia de que os fins justificam os meios, como se a corrupção dos meios não corrompesse também os fins. O código penal que o Ministério Público está a usar no Processo Marquês não é o da República Portuguesa, mas o "código penal do inimigo." A sua lógica não é a do Estado de direito, mas a do conflito radical .

Outros dizem, piedosamente, que se deve respeitar a presunção de inocência mas que nem por isso deixam de ter as suas convicções. A presunção de inocência, portanto, como formalidade jurídica. Mas ela é muito mais do que isso, ela constitui um princípio moral estruturante das relações sociais numa comunidade decente. Os que assim procedem sabem bem o que estão a fazer e quem estão a ajudar - quem quer condenar sem julgamento e, já agora, condenar negando sequer o elementar direito a conhecer a acusação. Para isso, a inexistência de prazos é também muito conveniente.

O Processo Marquês nunca foi uma investigação a um crime, mas a perseguição a um alvo. Ele tem 45 meses de inquérito e, dizem, 32 funcionários a trabalhar, entre polícias e procuradores. Há muito que deixou de ser um inquérito para se transformar num departamento estatal de caça ao homem.
(José Sócrates - "O direito penal do inimigo". Daqui)

sábado, 25 de fevereiro de 2017

Recado para Cavaco: "A História jamais o absolverá".

«(...) Bem pode Cavaco Silva desfilar o rol de grandes do mundo que conheceu em vinte anos no topo da política portuguesa: nenhum desses grandes o recordaránem que seja num pé de página de memórias e a nossa história não guardará dele mais do que o registo de uma grandiloquente decepção.

Nos seus dez anos como primeiro-ministro, Cavaco Silva teve o que nunca ninguém tinha tido antes dele e não voltou nem voltará a ter depois dele: uma maioria, tempo, paz social, esperança e dinheiro sem fim, vindo da Europa. Fosse ele, porventura, um homem dotado de visão e de coragem e conhecedor da nossa história e dos nossos males ancestrais, teria aproveitado as circunstâncias para inverter de vez o funesto paradigma em que vivemos hádécadas ou séculos. Em lugar disso, aproveitou o dinheiro e os ventos favoráveis para engrossar o Estado, fazer demasiadas obras públicas inúteis e cimentar a clientela empresarial que sempre viveu da obra ou do favor público. Ele lançou as raízes do défice e da dívida pública, que, depois, tal como as obras (de Sócrates), passou a execrar. Cinco anos volvidos, regressaria para outros dez de Presidência. Por razões que já nem adianta esmiuçar, acabaria por sair de Belém com uma taxa de rejeição recorde e com 80% dos portugueses fartos dele e do seu pequeno mundo. Muita da popularidade de Marcelo deve-se ao facto de os portugueses o verem em tudo como o oposto de Cavaco Silva.

Tive um breve mas arrepiante flashback deste pequeno mundo quando, na semana passada, Cavaco Silva lançou o seu livro de ajuste de contas. Pelas citações e declarações que li e ouvi, parece-me que a única coisa boa do livro é o título — (mas até esse li que não era original). No restante, Cavaco entretém-se a contar os seus “factos rigorosos” para“informação dos portugueses”, e registados com base num método que diz ter inventado quando era estudante e que se presume não ser o do gravador oculto. A finalidade da história das suas quintas-feiras é atacar um homem já debaixo de todos os fogos — o que confirma a lendária coragem intelectual de Cavaco, tal como no seu discurso de vitória quando foi reeleito, atacando com uma raiva e um despeito indignos de um Presidente da República os seus adversários que já não se podiam defender. Parece que agora, com um absoluto desplante e tomando-nos a todos por idiotas, Cavaco Silva ensaia uma indecorosa falsificação dos tais “factos rigorosos”: a história de como ele e a filha ganharam 150% em dois anos com acções do BPN que não estavam cotadas em bolsa (jamais desmentida e bem documentada), não passou, afinal, de uma “calúnia”, vinda da candidatura de Manuel Alegre; e a célebre “conspiração das escutas” de Sócrates a Belém, engendrada entre o assessor de imprensa de Cavaco e um jornalista do “Público”, foi, pasme-se, ao contrário: foi o Governo que montou uma operação para fazer crer… que o Governo escutava Belém!
Ele (Cavaco Silva) que continue a escrever a sua história: a História jamais o absolverá

Mas não foi isso o que verdadeiramente me arrepiou nas notícias e imagens do lançamento do livro do Professor. Outra coisa eu não esperava dele nem do seu livro. O que me impressionou e arrepiou foi uma visão que diz tudo sobre quem foi e quem é este homem. Após mais de vinte anos na vida política e nos mais altos postos dela, tendo fatalmente conhecido não só vários grandes do mundo mas também toda uma geração de portugueses da política, da cultura, do empresariado, das universidades, etc., quem é que Cavaco Silva tinha a escutá-lo no seu lançamento? A sua corte de sempre, tirando os que estão a contas com a Justiça. Os mesmos de sempre — Leonor Beleza e o que resta da sua facção fiel no PSD. Mais ninguém. Nem um socialista, nem um comunista, nem um escritor, um actor, um arquitecto, um músico reconhecido. Nada poderia ilustrar melhor o que foi e é o pequeno mundo de Cavaco Silva. Ele que continue a escrever a sua história: a História jamais o absolverá.»
(Miguel Sousa Tavares: "Sem sombra de grandeza".Texto publicado no Expresso de 25 de Fevereiro de 1017. Via.) 

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

A máquina que adormecia a contar zeros

"Foi uma espécie de virar de mesa. Quando o PSD e o CDS tentavam prolongar a novela das SMS de Domingues e Centeno, surge a notícia de que houve vinte declarações de IRS que não foram fiscalizadas, e transferidas para "offshores", no valor de dez mil milhões de euros entre 2011 e 2015. Este: "Vinte declarações no valor de dez mil milhões de euros" faz-me largar de imediato o cadáver das SMS da CGD e começar salivar de curiosidade: vinte declarações, de quem são?! Tenho mais curiosidade em saber o que raio se passou aqui do que conhecer as SMS do Domingues e do Centeno mesmo que incluíssem "nudes" da Monica Bellucci.

O antigo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Paulo Núncio, veio dizer que não teve conhecimento de falhas no tratamento dado pelo Fisco a transferências relativas a "offshores". Já foi assim com a lista VIP das Finanças. Núncio não fazia ideia de nada. Na altura, quem se demitiu foi o director-geral da Autoridade Tributária. A lista era VIP, mas demitiu-se o mexilhão. Tenho a teoria de que o problema do Núncio foi ter andado a sortear carros. O pessoal das finanças não lhe passa cartão porque pensam que ele tem a sagacidade de uma apresentadora do Euromilhões.

Neste momento, já surge a hipótese de ter sido "um erro informático das Finanças". Tinham demasiados zeros e a máquina das finanças só está afinada para menos. Foi feita para estar de olho, e apitar desalmadamente, em contas com dois zeros. Curioso que os alarmes soavam quando alguém espreitava as finanças dos VIP, mas adormecia com declarações de mil milhões. Provavelmente, o sistema informático adormece a contar zeros.

O CDS, partido dos contribuintes, reagiu de imediato a este escândalo, Cristas veio dizer: "O Governo plantou notícias para vir aqui fazer o número." E que número, Dona Cristas, 10 mil milhões. Na SIC Notícias, João Vieira Pereira não pôs de parte a hipótese de notícias plantadas pelo jornal Público, dizendo que esta notícia deu jeito ao Centeno e que não sabe se foi propositado e que "não sou de teorias de conspiração, mas...".

Resumindo, o jornalista do canal e jornal, que não revela quem são os jornalistas avençados do BES, porque são inocentes até prova em contrário, diz que coiso e tal, os seus colegas do Público, se calhar, plantaram notícias para ajudar o Governo. É também o mesmo canal onde Marques Mendes debita recados e notícias falsas ao domingo e onde andam a explorar as SMS do Centeno até ao tutano "porque é o que nós queremos ver".

Não sei quem é o "nós". Por mim, só queria ver tanta dedicação aos avençados dos Panama/BES como às SMS. E troco ver a declaração de rendimentos do Domingues por ver a parte da massa que fugiu voltar a casa. Eu sei, sou um anjinho, mas tenho esperanças de que o Lobo Xavier também tenha cópias de SMS com esta temática.(...)»
(João Quadros: "Contar zeros para adormecer". Na íntegra: aqui)