A minha vida é boa. Tenho dois filhos saudáveis, cada um
mais giro que o outro, acho aliás que são as melhores crianças deste mundo,
sorriem, comem bem, começam a deixar-me dormir convenientemente, fazem sucesso
nas ruas e cafés. Tenho uma casa no campo, é pequenina mas acolhedora, o quarto
dos meus filhos é quentinho e tem o princepezinho na parede. Tenho brinquedos
suficientes para os entreter, tenho internet e tv cabo, tenho um cão, paneleiro
mas tenho um cão, dois carros e o passe para o comboio. Todos os fins de semana
bebemos café fora, compramos legumes na mercearia local, e borrego no talho da
terra, quando está sol grelhamos entrecosto na rua e temperamos as batatas com
alecrim colhido diretamente do canteiro. Da janela da sala vejo a serra, e do
meu quarto o palácio da pena, de noite quando está calor durmo de janela aberta
e oiço grilos e corujas. Se me distraio entram pirilampos no quarto. Todos os
dias levanto-me as 6 da manhã, arranjo-me e ponho salto alto para vir para um
trabalho que gosto. O meu marido parece um modelo, é só pinta, cabelo loiro, constante
sorriso que condiz com a sua maneira positiva de encarar a vida. Ainda por cima
ama-me à séria, como diz o meu filho mais velho. Eu também o amo. Tresloucadamente.
Discutimos pouco e apanho-me às vezes a mirá-lo enquanto faz jogos com os putos
na sala.
A minha vida é boa. Sei que me queixo, sou piegas e canso-me
com facilidade. Passo-me quase todos os fins de dias, entre banhos, birras e sopas e tenho vontade de matar alguem quando me acordam de noite. Mas a minha vida é genuinamente boa.