Aproveito o tempo de ida e volta entre o Rio e Brasília para atender ao pedido do Francisco, um leitor que na página mais visitada destas SaudAids pediu que eu contasse como anda minha vida, os resultados dos meus exames, essas coisas. As respostas a dúvidas sobre Aids, que publiquei em 01 de abril de 2008, é a postagem mais visitada do blog, primeiro resultado no “oráculo” Google para a pergunta “quanto tempo vive uma pessoa com HIV” e correlatas. É também a página que mais me dá trabalho aqui. Dificilmente uma semana se passa sem que eu receba um e-mail avisando que há uma nova questão a ser respondida naquela postagem.
Quem entra só pelo endereço do blog pode até pensar que ele foi abandonado, o que não corresponde à realidade. É verdade que ele está meio abandonado. Meio. Como leitores mais assíduos sabem, estou fora de São Paulo, cidade onde nasci e morei até agosto do ano passado, quando vim fazer um mestrado no Rio.
PG
Muita coisa mudou nesse tempo. Mudei bastante a alimentação. Da comidinha e o suquinho religiosos da mamãe pra almoços e jantares sem hora muito certa e comida em pé entre uma aula e outra. Intermináveis viagens noturnas do Rio a São Paulo e vice-versa. Sair de uma aula no Rio às 5 da tarde de uma quinta-feira, pegar um ônibus às 6, chegar a uma da madrugada em Sampa. Depois, voltar no último ônibus da madrugada de terça, chegar pela manhã no Rio com a avenida Brasil congestionada, passar em casa e ir direto pra aula...
Ainda que essas viagens não sejam tão constantes assim, elas cansam... E não representam, de forma alguma, um final de semana prolongado em casa. Até pode ser prolongado. Mas os textos e livros vão junto porque preciso participar das aulas. Agora, as viagens ficarão ainda mais raras, já que estou cumprindo créditos no laboratório de Comunicação e Saúde, aprendendo a coletar dados secundários em pesquisa. Mas o que importa é que estou feliz, apesar da correria.
Saúde
Aliás, como a correria de hoje. Como represento a Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV/AIDS no Grupo Temático ampliado do Programa Conjunto das Nações Unidas (UNAIDS) no Brasil, a cada três meses tenho de fazer uma maratona como a de hoje: acordar às 5h30 para estar no aeroporto uma hora depois e pegar o voo das 7, 7h30 para Brasília, onde tenho duas reuniões e volto no mesmo dia.
Chego 10, 11 da noite em casa, morto de cansaço. Mas é minha função como representante de uma rede nacional. O problema é que ainda tem pessoas que dizem que a gente não faz outra coisa senão “bater cabelo” pelos aeroportos do país afora.
Diante desse panorama, era de se esperar que minha saúde estivesse ruim. Não está. Nem é das melhores. Mas não é das piores. Da última vez que fiz meus exames de rotina, o CD4 estava na faixa dos 600. A carga viral que tinha subido. De indetectável (menor que 50 cópias), passou para 57 cópias. Apesar da falta de regras alimentares, o colesterol estava baixo. Só o triglicérides que havia subido um pouco. Mas minha médica disse que só iria considerar se na próxima bateria de exames as taxas se mantivessem altas. Ah, isso sem contar a vida sedentária, sem exercícios físicos, um agravante não recomendável. Os próximos resultados dirão.
Love, love, love
Já fiz essa bateria de exames, mas só volto ao médico em 25 de junho. Aliás é outra coisa que mantenho em Sampa: meu tratamento. O Rio é caótico em matéria de assistência às pessoas que vivem com HIV/AIDS. Hoje propus à diretora do Departamento de Aids do Ministério da Saúde que promovesse uma recentralização da assistência em Aids no estado do Rio de Janeiro.
Pra você ter uma ideia, há algumas semanas o jornal O Dia publicou que nos serviços de Aids de Copacabana e do centro da cidade, na capital carioca, cinco infectologistas deveriam atender 5,5 mil pessoas cadastradas, o que dá cerca de 1,1 mil pessoas em seguimento clínico por um especialista. Isso significa que num mês de 20 dias úteis, um médico tem de atender a 27,5 pessoas que vivem com HIV/AIDS por dia, levando em conta uma consulta a cada dois meses, como faço. A recentralização estadual (ou intervenção federal) foram descartadas. Mas alguma coisa tem de ser feita para além das conversas do governo federal com Estado e município.
Pra tudo isso, é preciso paixão. Muita paixão. E o coração fica sempre muito sozinho. Também, neste quesito, não dá mais pra esperar rejeição. Se alguém sabe a melhor hora de contar a um(a) parceiro(a) que vive com HIV/AIDS, aproveita e me conta. A gente nunca sabe. Pra cada pessoa um tempo. Aí, diante disso, resolvi dedicar aos amigos, à família e aos estudos o amor, o afeto e o carinho.
É claro que não é igual (nem parecido) com tomar um chocolate quente acompanhado, debaixo do cobertor, numa noite fria de inverno. Ou molhar o lençol de suor durante uma sessão de sexo e prazer com a pessoa amada. Mas é assim mesmo. Um dia a gente encontra a outra metade. Ou não. Afinal, a vida é isso aí.
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terça-feira, 25 de maio de 2010
sábado, 31 de janeiro de 2009
A crise no divã virtual
Depois de mais de 40 dias sem postar única linha, aproveito este primeiro post de 2009 para desejar a amig@s e leitor@s votos que este seja um ano de realizações, de saúde e de conquistas. Se é verdade que as crises trazem oportunidades, que esta nos traga novos horizontes e perspectivas, e criatividade pra colocar ideias e ideais em prática.
Afora o colapso do sistema financeiro que deflagrou a atual “crise de confiabilidade nos mercados”, final de ano e começo de outro é tradicionalmente difícil pra mim. No ano passado consegui superar essa maré ao trazer estas SaudAids à blogosfera. Atualmente, esta tarefa está particularmente árdua.
A verdade é que entrei em mais um processo de autoconhecimento. É, estou envelhecendo e isso tem sido extremamente sofrido. Dias atrás assisti a “O curioso caso de Benjamin Button”. Desde então tenho me flagrado refletindo sobre a magnitude da vida e a inexorável aproximação da morte.
A história do bebê que nasce velho e com o passar dos anos vai rejuvenescendo até padecer como um bebê pode ser associada àqueles momentos da vida nos quais sonhamos voltar 20 anos com a experiência do momento. Parece mesmo melhor o curso natural da vida.
Apesar de o CD4 permanecer estável em torno de 600 cópias/ml³ e minha carga viral continuar indetectável, o colesterol atingiu 260. Isso significa que posso ter um acidente vascular cerebral (AVC) ou um infarto do miocárdio.
“Você tem histórico de doença cardiovascular na família?”, perguntou minha médica. “Do lado materno ou paterno?”, respondi com minha peculiar ironia. Combinamos de esperar o resultado da próxima bateria parcial de exames, sem carga viral e CD4, para discutir o que faremos.
Mas o horizonte é claro: às vésperas de completar 47 anos, vou ter de reformular meu estilo de vida. Bebo pouquíssimo e minha alimentação é bem saudável. Mas fumo e não faço exercícios físicos. Não é tão fácil como mudar o sistema operacional do computador, o que fiz recentemente ao deixar o monopólio e migrar para o Linux.
Tenho impressão que a cada ano alguma coisa tem de morrer para outra nascer. E a sensação de que enquanto não deixar essa coisa morrer definitivamente, outra nova pessoa vai sempre querer nascer. Então, que venha o nascimento!
Afora o colapso do sistema financeiro que deflagrou a atual “crise de confiabilidade nos mercados”, final de ano e começo de outro é tradicionalmente difícil pra mim. No ano passado consegui superar essa maré ao trazer estas SaudAids à blogosfera. Atualmente, esta tarefa está particularmente árdua.
A verdade é que entrei em mais um processo de autoconhecimento. É, estou envelhecendo e isso tem sido extremamente sofrido. Dias atrás assisti a “O curioso caso de Benjamin Button”. Desde então tenho me flagrado refletindo sobre a magnitude da vida e a inexorável aproximação da morte.
A história do bebê que nasce velho e com o passar dos anos vai rejuvenescendo até padecer como um bebê pode ser associada àqueles momentos da vida nos quais sonhamos voltar 20 anos com a experiência do momento. Parece mesmo melhor o curso natural da vida.
Apesar de o CD4 permanecer estável em torno de 600 cópias/ml³ e minha carga viral continuar indetectável, o colesterol atingiu 260. Isso significa que posso ter um acidente vascular cerebral (AVC) ou um infarto do miocárdio.
“Você tem histórico de doença cardiovascular na família?”, perguntou minha médica. “Do lado materno ou paterno?”, respondi com minha peculiar ironia. Combinamos de esperar o resultado da próxima bateria parcial de exames, sem carga viral e CD4, para discutir o que faremos.
Mas o horizonte é claro: às vésperas de completar 47 anos, vou ter de reformular meu estilo de vida. Bebo pouquíssimo e minha alimentação é bem saudável. Mas fumo e não faço exercícios físicos. Não é tão fácil como mudar o sistema operacional do computador, o que fiz recentemente ao deixar o monopólio e migrar para o Linux.
Tenho impressão que a cada ano alguma coisa tem de morrer para outra nascer. E a sensação de que enquanto não deixar essa coisa morrer definitivamente, outra nova pessoa vai sempre querer nascer. Então, que venha o nascimento!
segunda-feira, 1 de dezembro de 2008
Dia Mundial de Luta contra a AIDS
Em São Paulo, laços vermelhos no Obelisco do Ibirapuera. Foto G1
Em Brasília, a instalação mostrou o quanto as pessoas que vivem com HIV e AIDS ainda estão isoladas socialmente no Brasil. Foto G1
Enquanto ainda nascerem bebês com HIV, enquanto as pessoas ainda se infectarem com o HIV, nada teremos o que comemorar. Temos de continuar a luta contra a epidemia, o preconceito, o estigma e a discriminação que a AIDS ainda gera. E com a morte que ceifa vidas.
Entrevista
Fui procurado pela rádio CBN pra falar como é viver com HIV. Disponibilizei o áudio, mas o site da emissora foi reformulado. Como o novo podcast tocava automaticamente, preferi linkar a página em que a entrevista pode ser ouvida.
Em Brasília, a instalação mostrou o quanto as pessoas que vivem com HIV e AIDS ainda estão isoladas socialmente no Brasil. Foto G1
Enquanto ainda nascerem bebês com HIV, enquanto as pessoas ainda se infectarem com o HIV, nada teremos o que comemorar. Temos de continuar a luta contra a epidemia, o preconceito, o estigma e a discriminação que a AIDS ainda gera. E com a morte que ceifa vidas.
Entrevista
Fui procurado pela rádio CBN pra falar como é viver com HIV. Disponibilizei o áudio, mas o site da emissora foi reformulado. Como o novo podcast tocava automaticamente, preferi linkar a página em que a entrevista pode ser ouvida.
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domingo, 19 de outubro de 2008
O drama nosso de cada dia
Logo cedo recebi um pedido de amizade no orkut. Entrei num perfil vazio, sem amigos ou comunidades. O autor dizia que havia feito a página para encontrar novos amigos, e que estava desesperado. Deixei um recado e imediatamente recebi a resposta. Não é a primeira vez que isso acontece. É a repetição de uma situação parecida, ocorrida meses atrás, que exceto uma ou outra especificidade têm a mesma faixa etária, orientação sexual e ocorrência: infecção sexual em relação afetiva. Nem o amor nem a paixão previnem o HIV.
Em ambas soube de mais detalhes minutos depois pelo MSN. Se na anterior o diagnóstico positivo para HIV estava confirmado, nesta apenas o diagnóstico do outro por enquanto é positivo. Há outras histórias...
A repetição do modelo de aproximação traz consigo a reflexão do diagnóstico positivo. Não tenho mais a menor idéia do que eu seria se não tivesse sido infectado pelo HIV aos 20 e poucos anos. Mas certamente, tive de mudar todo o meu projeto de vida, ainda que cada vida tenha uma história.
Passados quase três décadas de epidemia, as pessoas ainda não aprenderam a perceber a própria vulnerabilidade.
Pré-titulação
Finalmente, terminei meu trabalho de conclusão de curso de pós-graduação. Tinha três opções: uma monografia, um plano de comunicação e um projeto de pesquisa de mestrado. Escolhi o último. Nele, proponho um estudo de viabilidade do uso da televisão com transmissão de programas específicos em salas de espera de serviços de saúde.
Nos serviços de atendimento a pessoas com HIV e AIDS, por exemplo, onde a maioria dos usuários tem de zero a sete anos de escolaridade, a interação imediata que a TV proporciona seria um bom instrumento de comunicação e educação. Vamos ver o que acontece.
Bolha financeira
A bolha nem tinha estourado e já fazia vítimas. Fui chamado para uma entrevista para trabalhar na comunicação do terceiro setor de uma instituição financeira. Dias depois da entrevista, a bolha arrebenta e nem um muito obrigado...
A quebradeira nos mercados também vai tirar algum recurso financeiro da AIDS. Principalmente aqueles destinados à pesquisa de vacinas. E por falar em vacinas, em entrevista publicada dia 13 no jornal Folha de S.Paulo, o agora Nobel de Medicina Luc Montagnier se colocou contra a quebra de patentes de medicamentos. Segundo ele, as pesquisas de vacinas perderiam muitos recursos. Faltou dizer que a maioria dos recursos alocados em pesquisas de vacinas são estatais.
Em ambas soube de mais detalhes minutos depois pelo MSN. Se na anterior o diagnóstico positivo para HIV estava confirmado, nesta apenas o diagnóstico do outro por enquanto é positivo. Há outras histórias...
A repetição do modelo de aproximação traz consigo a reflexão do diagnóstico positivo. Não tenho mais a menor idéia do que eu seria se não tivesse sido infectado pelo HIV aos 20 e poucos anos. Mas certamente, tive de mudar todo o meu projeto de vida, ainda que cada vida tenha uma história.
Passados quase três décadas de epidemia, as pessoas ainda não aprenderam a perceber a própria vulnerabilidade.
Pré-titulação
Finalmente, terminei meu trabalho de conclusão de curso de pós-graduação. Tinha três opções: uma monografia, um plano de comunicação e um projeto de pesquisa de mestrado. Escolhi o último. Nele, proponho um estudo de viabilidade do uso da televisão com transmissão de programas específicos em salas de espera de serviços de saúde.
Nos serviços de atendimento a pessoas com HIV e AIDS, por exemplo, onde a maioria dos usuários tem de zero a sete anos de escolaridade, a interação imediata que a TV proporciona seria um bom instrumento de comunicação e educação. Vamos ver o que acontece.
Bolha financeira
A bolha nem tinha estourado e já fazia vítimas. Fui chamado para uma entrevista para trabalhar na comunicação do terceiro setor de uma instituição financeira. Dias depois da entrevista, a bolha arrebenta e nem um muito obrigado...
A quebradeira nos mercados também vai tirar algum recurso financeiro da AIDS. Principalmente aqueles destinados à pesquisa de vacinas. E por falar em vacinas, em entrevista publicada dia 13 no jornal Folha de S.Paulo, o agora Nobel de Medicina Luc Montagnier se colocou contra a quebra de patentes de medicamentos. Segundo ele, as pesquisas de vacinas perderiam muitos recursos. Faltou dizer que a maioria dos recursos alocados em pesquisas de vacinas são estatais.
domingo, 9 de março de 2008
45:11:29
Hoje foi o último dia. Não precisa soltar fogos, pois não vou abandonar o blog. Hoje foi o último dia do resto dos meus dias. Meu último dia com 45 anos.
Faz 20 anos. Foi em 1988 que recebi meu primeiro teste posithivo (não exatamente na véspera do meu aniversário, que ninguém merece). O resultado não foi surpresa nenhuma, pois conhecia meus antecedentes.
Coisa chata falar de morte na véspera de aniversário? Estou falando de vida. Pra quem recebeu o diagnóstico numa época em que aquele resultado significava uma sentença de morte, só tenho a comemorar. Acho que rasgaram minha sentença. Como eu rasguei aquele resultado, só posso provar que tenho HIV a partir de 1992. Se bem que o ideal seria que eu tivesse cópia do meu prontuário de 1984.
Vantagem nenhuma. Mas, como diz uma amiga que mora no meu coração, eu vivi e vivo a história dessa epidemia. E não sou um exemplo de paciente (não gosto dessa palavra). Talvez por não ser esse exemplo, tenha de ir ao cardiologista fazer alguns exames; talvez por isso meu colesterol esteja tão alto. Mas, se tem uma coisa com a qual tenho disciplina é com minha medicação. Tanto, que tomo apenas quatro comprimidos por dia. Em dois meses (janeiro e fevereiro) tomei 56 das 60 doses. Tudo na mesma sagrada hora, às nove da noite. Quase 94% de adesão. Ao contrário de muitos, adoro o barato do efavirenz. O problema é que tenho vida sedentária, fumo, e não faço exercícios.
Neste ano também completo 16 anos que comecei a tomar, em 1992, os antiretrovirais. Estava na faculdade, no meio de uma prova e uma febre súbita fez com que eu entregasse a folha em branco. Passei a noite no vaso sanitário. Foi quando tive o diagnóstico que ainda está no meu prontuário. E comecei a tomar AZT.
Naquela época, o medicamento não era distribuído na rede pública e a empresa que trabalhava pagou o medicamento por um bom tempo. Foram solidários comigo num primeiro momento, mas não perderam a oportunidade de se verem livres de mim.
Não foram nada fáceis estes 45:11:29. Mas foram alegres, tristes, cheios de realizações e de frustrações, de expectativas e de tentativas. Enfim, foram 45 anos, 11 meses e 29 dias.
(na foto, bolo de confeiteira brasileira radicada na Espanha: artesinlimites.es)
Faz 20 anos. Foi em 1988 que recebi meu primeiro teste posithivo (não exatamente na véspera do meu aniversário, que ninguém merece). O resultado não foi surpresa nenhuma, pois conhecia meus antecedentes.
Coisa chata falar de morte na véspera de aniversário? Estou falando de vida. Pra quem recebeu o diagnóstico numa época em que aquele resultado significava uma sentença de morte, só tenho a comemorar. Acho que rasgaram minha sentença. Como eu rasguei aquele resultado, só posso provar que tenho HIV a partir de 1992. Se bem que o ideal seria que eu tivesse cópia do meu prontuário de 1984.
Vantagem nenhuma. Mas, como diz uma amiga que mora no meu coração, eu vivi e vivo a história dessa epidemia. E não sou um exemplo de paciente (não gosto dessa palavra). Talvez por não ser esse exemplo, tenha de ir ao cardiologista fazer alguns exames; talvez por isso meu colesterol esteja tão alto. Mas, se tem uma coisa com a qual tenho disciplina é com minha medicação. Tanto, que tomo apenas quatro comprimidos por dia. Em dois meses (janeiro e fevereiro) tomei 56 das 60 doses. Tudo na mesma sagrada hora, às nove da noite. Quase 94% de adesão. Ao contrário de muitos, adoro o barato do efavirenz. O problema é que tenho vida sedentária, fumo, e não faço exercícios.
Neste ano também completo 16 anos que comecei a tomar, em 1992, os antiretrovirais. Estava na faculdade, no meio de uma prova e uma febre súbita fez com que eu entregasse a folha em branco. Passei a noite no vaso sanitário. Foi quando tive o diagnóstico que ainda está no meu prontuário. E comecei a tomar AZT.
Naquela época, o medicamento não era distribuído na rede pública e a empresa que trabalhava pagou o medicamento por um bom tempo. Foram solidários comigo num primeiro momento, mas não perderam a oportunidade de se verem livres de mim.
Não foram nada fáceis estes 45:11:29. Mas foram alegres, tristes, cheios de realizações e de frustrações, de expectativas e de tentativas. Enfim, foram 45 anos, 11 meses e 29 dias.
(na foto, bolo de confeiteira brasileira radicada na Espanha: artesinlimites.es)
sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008
Um pouco do meu HIV (2)
Até meados da década de 1990, a infecção pelo HIV era uma rápida sentença de morte. As pessoas ficavam doentes e meses depois estavam mortas. A aids ceifava vidas como um jardineiro a aparar grama no jardim.
Naquela semana de 1984 fui umas três vezes ao serviço público de saúde que recebia pessoas do então denominado “grupo de risco” daquela doença ainda pouco conhecida chamada “peste gay”. Ao voltar pra casa de uma dessas visitas, disse a uma das minhas primas que ela tinha pouco tempo de contato comigo. Choramos muito juntos. Mas, até hoje damos algumas boas risadas quando lembramos do nosso desespero conjunto.
Naqueles anos, quando ainda não tínhamos informação suficiente sobre a doença, o estigma era muito, mas muito forte. Um dos pontos de concentração gay de São Paulo, na rua Marquês de Itu, que literalmente fervia nas noites dos finais de semana, foi simplesmente esvaziado. Não pela polícia do delegado Richetti, que expulsou homossexuais do Largo do Arouche no início mais remoto dos anos 1980, mas pelo “câncer rosa”, como também era designada a aids.
Algumas pessoas, eu inclusive, achavam que a aids era fabricada pela mídia e pelas forças conservadoras norte-americanas para, ao estigmatizar a homossexualidade, estancar um pouco da explosão sexual experimentada naqueles loucos anos. Mas não era. Nunca foi.
Devidamente trancafiados em suas casas pela falta de informação, de medicamentos e principalmente, de certezas, os próprios homossexuais inventaram uma espécie de diagnóstico para identificar as pessoas portadoras do HIV: magros morreriam, gordos viveriam. Obviamente que, com o passar dos anos, esse diagnóstico foi cientificamente refutado.
Naqueles primeiros anos, de volta a São Paulo, era muito engraçado ver a expressão assustada das pessoas ao me encontrar. Gente que sumia do mapa, como eu, era tida como morta. Uma vez, encontrei a camareira do HS que confidenciou ter rezado uma missa pela minha alma, pois a falta de notícias era o sinal irrefutável da minha morte.
Meses depois de ter colhido sangue para o exame francês que nunca tive o resultado, abandonei o serviço. Meu raciocínio dizia que, se eu iria morrer logo, deveria aproveitar a vida. Como de boemia eu estava legal, resolvi voltar a estudar.
E, novamente, vou deixar você esperando pelos próximos capítulos desse dramalhão. Até.
Naquela semana de 1984 fui umas três vezes ao serviço público de saúde que recebia pessoas do então denominado “grupo de risco” daquela doença ainda pouco conhecida chamada “peste gay”. Ao voltar pra casa de uma dessas visitas, disse a uma das minhas primas que ela tinha pouco tempo de contato comigo. Choramos muito juntos. Mas, até hoje damos algumas boas risadas quando lembramos do nosso desespero conjunto.
Naqueles anos, quando ainda não tínhamos informação suficiente sobre a doença, o estigma era muito, mas muito forte. Um dos pontos de concentração gay de São Paulo, na rua Marquês de Itu, que literalmente fervia nas noites dos finais de semana, foi simplesmente esvaziado. Não pela polícia do delegado Richetti, que expulsou homossexuais do Largo do Arouche no início mais remoto dos anos 1980, mas pelo “câncer rosa”, como também era designada a aids.
Algumas pessoas, eu inclusive, achavam que a aids era fabricada pela mídia e pelas forças conservadoras norte-americanas para, ao estigmatizar a homossexualidade, estancar um pouco da explosão sexual experimentada naqueles loucos anos. Mas não era. Nunca foi.
Devidamente trancafiados em suas casas pela falta de informação, de medicamentos e principalmente, de certezas, os próprios homossexuais inventaram uma espécie de diagnóstico para identificar as pessoas portadoras do HIV: magros morreriam, gordos viveriam. Obviamente que, com o passar dos anos, esse diagnóstico foi cientificamente refutado.
Naqueles primeiros anos, de volta a São Paulo, era muito engraçado ver a expressão assustada das pessoas ao me encontrar. Gente que sumia do mapa, como eu, era tida como morta. Uma vez, encontrei a camareira do HS que confidenciou ter rezado uma missa pela minha alma, pois a falta de notícias era o sinal irrefutável da minha morte.
Meses depois de ter colhido sangue para o exame francês que nunca tive o resultado, abandonei o serviço. Meu raciocínio dizia que, se eu iria morrer logo, deveria aproveitar a vida. Como de boemia eu estava legal, resolvi voltar a estudar.
E, novamente, vou deixar você esperando pelos próximos capítulos desse dramalhão. Até.
quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008
Um pouco do meu HIV (1)
Isso ia ter de acontecer de qualquer jeito. Melhor que seja logo, para —quem sabe?— essa dor no peito começar, aos poucos, e de uma vez por todas, a se dissipar. Nem que seja homeopaticamente, para contrabalançar a alopatia anti-retroviral. Foi em 1988 que peguei meu primeiro exame anti-HIV positivo.
Mas essa história começou muito antes. No começo da década de 1980 eu era um adolescente, aspirante a ator. Em 1982, estava em cartaz no Teatro Aliança Francesa, aqui em São Paulo, no espetáculo “Todo Mundo Nu”, escrito e dirigido pelo mímico Ricardo Bandeira. Ainda dizem que sou uma porra louca. Naquela época eu era infinitamente mais.
E foi atuando em “Todo Mundo Nu” que, numa noite, fui convidado pra fazer um teste pra um show que o Ronaldo Ciambroni tinha escrito pra ser montado na histórica Homo Sapiens, onde hoje funciona o Bailão ABC. Bons tempos aqueles em que conheci Cláudia Wonder, Eduardo Curado, Meise, Augusto Rocha, Eurico Martins, Armando Tiraboschi, Eduardo Sampaio...
Estreamos em agosto de 1982 e ficamos oito meses em cartaz. Todas as quartas-feiras, eu fazia o Colírio. Pra você, querido(a) leitor(a), ter uma idéia, na quarta-feira de cinzas do carnaval de 1983 a casa estava lotada, como sempre. Ao final da temporada, prevista inicialmente para ficar em cartaz apenas três meses, ouvíamos nosso próprio texto vindo da platéia.
“Lobsalda” (Meise) era uma vampira vulgar que bebia sangue de mulheres virgens para se transformar em mulher. Até que uma bela noite, uma de suas escravas (Cláudia Wonder) convence ela a tomar sangue de homens. Ela manda o general Toronto (Eduardo Sampaio) raptar alguns exemplares da espécie. O general volta com um cara bastante musculoso, que é sacrificado logo e o tal do Colírio, um garotinho franzino mais insosso do que beterraba (veja a cena do sem sal aqui).
Nisso, sua secretária Corvolina (Eurico Martins) se apaixona pelo Colírio e, lá pelas tantas, aparece a rainha-mor Lobnelda (Augusto Rocha) para punir Lobsalda pela “heresia”. Para tentar se salvar, Colírio tem de lutar com o general até a morte. No meio da luta, o garotinho franzino seduz o general fortão e, ao som da versão de Caetano Veloso de “Nature Boy” cantada por Ney Matogrosso, os dois têm uma transa. No final do espetáculo, Colírio e Toronto se casam e na cena final, um coração de madeira revestido de grinaldas emoldura os dois. Boas recordações.
Foi no HS que conheci o Fábio, por quem me apaixonei perdidamente. Eu tinha 20, 21 anos. Mas, não demorou muito pra eu descobrir nele uma galinha irremediável. E, meses depois de terminada a temporada, fui embora de São Paulo.
De volta à cidade um ano depois, foi pra ele que eu liguei primeiro. Cheguei em Sampa numa sexta-feira, 7 de setembro de 1984. Ele tinha morrido fazia duas semanas. Morreu exatamente no dia que eu resolvi voltar.
Ainda lembro da reação que tive ao telefone. Uma risada nervosa. E uma sensação de perda que ainda não foi preenchida. Era muito difícil de acreditar. “Ele morreu de aids”, disse Geraldo pelo telefone, o companheiro dele à época. Fiquei meses procurando seu rosto nas pessoas que via nas ruas. Aquela dor ainda persiste. Agora, por exemplo, angustia meu peito, dá um nó na garganta e algumas lágrimas escorrem pelo meu rosto.
Na segunda-feira, 10 de setembro, procurei o serviço que funcionava no edifício da atual Secretaria de Estado da Saúde. Naquela época, o sangue da gente era enviado ao Instituto Pasteur, em Paris. Meses depois, sem obter o resultado, abandonei o acompanhamento e apenas em 1988 resolvi fazer outro teste.
O resto dessa história eu vou contar aqui aos poucos. O marcador não podia ser outro: dramalhão. É que por mais doloridos que possam ter sido alguns momentos do passado, no presente eles são só isso, dramalhão. Não perca os próximos capítulos.
Mas essa história começou muito antes. No começo da década de 1980 eu era um adolescente, aspirante a ator. Em 1982, estava em cartaz no Teatro Aliança Francesa, aqui em São Paulo, no espetáculo “Todo Mundo Nu”, escrito e dirigido pelo mímico Ricardo Bandeira. Ainda dizem que sou uma porra louca. Naquela época eu era infinitamente mais.
E foi atuando em “Todo Mundo Nu” que, numa noite, fui convidado pra fazer um teste pra um show que o Ronaldo Ciambroni tinha escrito pra ser montado na histórica Homo Sapiens, onde hoje funciona o Bailão ABC. Bons tempos aqueles em que conheci Cláudia Wonder, Eduardo Curado, Meise, Augusto Rocha, Eurico Martins, Armando Tiraboschi, Eduardo Sampaio...
Estreamos em agosto de 1982 e ficamos oito meses em cartaz. Todas as quartas-feiras, eu fazia o Colírio. Pra você, querido(a) leitor(a), ter uma idéia, na quarta-feira de cinzas do carnaval de 1983 a casa estava lotada, como sempre. Ao final da temporada, prevista inicialmente para ficar em cartaz apenas três meses, ouvíamos nosso próprio texto vindo da platéia.
“Lobsalda” (Meise) era uma vampira vulgar que bebia sangue de mulheres virgens para se transformar em mulher. Até que uma bela noite, uma de suas escravas (Cláudia Wonder) convence ela a tomar sangue de homens. Ela manda o general Toronto (Eduardo Sampaio) raptar alguns exemplares da espécie. O general volta com um cara bastante musculoso, que é sacrificado logo e o tal do Colírio, um garotinho franzino mais insosso do que beterraba (veja a cena do sem sal aqui).
Nisso, sua secretária Corvolina (Eurico Martins) se apaixona pelo Colírio e, lá pelas tantas, aparece a rainha-mor Lobnelda (Augusto Rocha) para punir Lobsalda pela “heresia”. Para tentar se salvar, Colírio tem de lutar com o general até a morte. No meio da luta, o garotinho franzino seduz o general fortão e, ao som da versão de Caetano Veloso de “Nature Boy” cantada por Ney Matogrosso, os dois têm uma transa. No final do espetáculo, Colírio e Toronto se casam e na cena final, um coração de madeira revestido de grinaldas emoldura os dois. Boas recordações.
Foi no HS que conheci o Fábio, por quem me apaixonei perdidamente. Eu tinha 20, 21 anos. Mas, não demorou muito pra eu descobrir nele uma galinha irremediável. E, meses depois de terminada a temporada, fui embora de São Paulo.
De volta à cidade um ano depois, foi pra ele que eu liguei primeiro. Cheguei em Sampa numa sexta-feira, 7 de setembro de 1984. Ele tinha morrido fazia duas semanas. Morreu exatamente no dia que eu resolvi voltar.
Ainda lembro da reação que tive ao telefone. Uma risada nervosa. E uma sensação de perda que ainda não foi preenchida. Era muito difícil de acreditar. “Ele morreu de aids”, disse Geraldo pelo telefone, o companheiro dele à época. Fiquei meses procurando seu rosto nas pessoas que via nas ruas. Aquela dor ainda persiste. Agora, por exemplo, angustia meu peito, dá um nó na garganta e algumas lágrimas escorrem pelo meu rosto.
Na segunda-feira, 10 de setembro, procurei o serviço que funcionava no edifício da atual Secretaria de Estado da Saúde. Naquela época, o sangue da gente era enviado ao Instituto Pasteur, em Paris. Meses depois, sem obter o resultado, abandonei o acompanhamento e apenas em 1988 resolvi fazer outro teste.
O resto dessa história eu vou contar aqui aos poucos. O marcador não podia ser outro: dramalhão. É que por mais doloridos que possam ter sido alguns momentos do passado, no presente eles são só isso, dramalhão. Não perca os próximos capítulos.
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