Não invalidando que venhamos a falar ainda muito sobre este assunto daqui a uns meses (não é preciso ser bruxo pra adivinhar…) a aproximação do fim de mais uma época falhada em termos desportivos vai aumentar o barulho em relação ao Vieira. E bem, diga-se, uma vez que o falhanço deve ser sempre motivo de discussão e reflexão.
Devo acrescentar, contudo, que este falhanço de que falo não é na minha perspectiva. É a perspectiva da maioria dos adeptos, que partiu para esta época com a ideia de que o Benfica deveria ser campeão. Não era a minha. Eu pensei que o Benfica iria ser campeão, mas que o seria contra as probabilidades. Numa perspectiva realista, uma época positiva, para mim, como já referi, e tendo em conta o ponto de partida, seria acabar em segundo no campeonato, lutando até ao fim, chegar aos oitavos-de-final da Champions e ganhar uma das outras competições se se chegasse à final. Neste momento, uma época positiva está em aberto, podendo mesmo ser mais que apenas positiva se se confirmar o segundo lugar.
Considerando como a época decorreu até Janeiro, contudo (bem acima das expectativas), sabe a pouco, e é esse o sabor que vai ficar em toda a gente.
O Vieira.
Devo dizer, antes de mais, que me faz urticária ver um presidente do Benfica durante dez anos (já nem sei em quantos vai ao certo). Isto não é o Benfica, e espero que nunca mais aconteça. Mas só aconteceu porque o que o originou também não podia ser o Benfica. Tivemos, nós, os mais antigos, o drama ou o privilégio de viver o pior período na história centenária do Benfica. Muito poucos de nós tiveram oportunidade de conhecer o que achamos ser o verdadeiro Benfica, mas se calhar, ao testemunharmos os últimos vinte anos, teremos, um dia, a oportunidade de explicar aos que vierem a seguir a nós que o verdadeiro Benfica também pode ser aquilo: um monstro místico que tão depressa se lança para o céu como se atira para os infernos. (Seja como for, é bom poder escrever aquilo, e não isto, para descrever o que vi o Benfica ser)
Não gosto da palavra gratidão para falar de Vieira. É uma palavra muito perigosa. Há um ditado índio americano que diz: «A dádiva faz o escravo.» Não é disso que o Benfica precisa. Mas gosto da palavra justiça, que é muito diferente.
É justo acrescentar à situação crítica em que o Benfica se encontrava outro factor muito importante no(s) mandato(s) de Vieira: a situação de concorrência altamente desigual em que teve de competir. Não era só nos bancos que o Benfica não tinha crédito: também não o tinha no sistema do futebol português, formatado para servir um clube cujo grande objectivo era precisamente asfixiar, desportiva e psicologicamente, o Benfica. Foi e é uma luta colossal, que já não conseguirá ser Vieira a ganhar – até porque, ao combater o sistema dentro do sistema, comprometeu a sua credibilidade – e que obrigará o Benfica a dar um salto qualitativo, em termos éticos, nos próximos anos.
Acho que, desde que não borre completamente a pintura nos próximos meses, é justo que Vieira tenha mais um mandato. Pelas seguintes razões:
- porque o contrato com a Olivedesportos é o símbolo de uma era. Devia ser colocado numa moldura por cima da cadeira presidencial para que nenhum futuro presidente do clube se esqueça de como um clube grandioso pode ficar à mercê de dois chicos-espertos merdosos de Penafiel e, através dele, dos que os usaram para esmagar o Benfica. Aquele contrato é o garrote da vergonha, a prova de uma era em que o Benfica foi forçado, por erros próprios, a aceitar por um contrato de seis anos o valor de um ano de direitos e ainda ficar grato por lhe adiantarem o dinheiro.
Só se pode considerar que o saneamento financeiro e anímico do Benfica estará feito quando aquele contrato desaparecer, e é justo que Vieira possa ter, pelo menos dois anos de ar puro para mostrar se aprendeu ou não a utilizar os recursos que o clube, em condições normais, pode gerar (e atenção, mesmo considerando que foi o Oliveira que ajudou a pô-lo lá, mas vamos passar por cima disso, porque já muita água passou também por baixo da ponte);
- porque há uma luta em curso, e o tempo joga a favor de Vieira e do Benfica, pela própria lógica da vida e da dinâmica de poderes. Quanto mais o tempo avança maior é a tendência do Benfica para se fortalecer e do Porto para decair. Não será tanto por causa do talento de Vieira que isso acontecerá, mas pela lei das probabilidades. Pela lei da gravidade. Seria importante, em termos históricos, que Vieira saísse como «o último a rir» na batalha com o Porto e com Pinto da Costa. Não é por causa dele, porque nenhuma simpatia me move, pessoalmente, em relação a Vieira, mas porque seria um presidente do Benfica a ganhar uma guerra, e por intermédio dele o Benfica a ganhar uma guerra. Simbolicamente, ficaria como um exemplo para o futuro.
- porque os benfiquistas ainda estão acomodados, e porque nós, os mais velhos, como se disse nos comentários ao último post, ainda temos muito medo de voltarmos a ser enganados. Já aqui disse que o ideal seria o Vieira preparar a sua sucessão, não com um delfim nem com um herdeiro mas abrindo a porta a um pequeno conjunto de personalidades, de preferência novas em termos mediáticos. Não quero cá barões e muito menos Bagões, peço desculpa, mas isso é tudo malta que até para limpar o cu pede despacho. Bagões, Searas e quejandos só são hipótese porque a grande massa benfiquista se tem mexido pouco e eles aparecem mais na televisão. Na verdade, são pessoas sem ideias inovadoras, sem carisma, sem capacidade de liderança, são burocratas, não são líderes. Um presidente do Benfica tem de ser um homem prático, não pode ser um político nem pode ser um burocrata. Já não vou ao ponto de pedir um presidente da classe média, que os tempos já não estão, infelizmente, para isso, como noutras alturas estiveram, mas alguém que não esteja comprometido com ninguém e que tenha a ambição de fazer o Benfica outra vez grande. Os Bagões são uns totós. Não são gente da guerra. Qualquer clone das virilhas de Pinto da Costa os come de cebolada.
É praticamente impossível que o Vieira tome essa iniciativa, mas quanto mais tempo passar maior é a probabilidade de aparecer gente nova, boa e credível.