segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

15:40 - A Cláudia e a Carolina são namoradas, dão beijos na boca no recreio e quando forem crescidas vão casar uma com a outra. Porque é assim, não é, mãe? Os meninos também podem casar com meninos e as meninas também podem casar com meninas, verdade?
15:45 - E hoje o Gabriel trouxe uma blusa cor-de-rosa e a Cláudia chamou-lhe maricas e disse que o cor-de-rosa é só para meninas. O que é maricas, mãe?

Isto dos preconceitos tem mais que se lhe diga.

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

39

"Tenho neste momento tantos pensamentos fundamentais,
tantas coisas verdadeiramente metafísicas para dizer,
que me canso de repente e decido não escrever mais,
não pensar mais, mas deixar que a febre de dizer me dê sono,
e eu faça festas, como a um gato,a tudo quanto poderia ter dito."

Fernando Pessoa

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

bué de bués

O miúdo grande, junto com as letras quase todas do abecedário, os conjuntos, o menor e o maior, as contas de somar e subtrair, as palavras feias e o dedo da asneira, importou da escola os bués. Bué da grande, bué da fixe, bué da longe, bué da forte, bué da giro. Eu, que nunca dialoguei com muitos calões, acho piada aos bués no miúdo de seis anos que às vezes ainda diz sotografia e trambolim. Por isso sintonizo-me com ele Anda que já é bué da tarde., Lava as mãos que estão bué da sujas., Despacha-te que estás bué atrasado. Oh mãe, as mães não dizem bué! Só os meninos!

As crianças são muito ingénuas.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

o mais

Os filhos dos outros são sempre os mais. Os mais lindos, os mais altos, os mais espertos, os mais traquinas, os mais teimosos, os mais bem-comportados, os primeiros a falar e a andar, os melhores alunos, os melhores na ginástica e na natação e no ballet. Mas o meu bebé é o mais simpático. Verdade. Nos sorrisos e nos braços estendidos para toda a gente ninguém lhe ganha.

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

apalhaçado


segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

ao acaso

Ontem à noite enfriorei-me debaixo de dois edredões mais uma manta e, mesmo assim, os calores não se acercaram. Ainda me levantei para me barricar com mais umas meias e uma camisola mas nem assim consegui aquecer. Encolhi-me muito, os joelhos fetais quase a tremerem no queixo, a fugir dos muitos centímetros frios dos lençóis, mas os sonos demoraram-se, assustados com a chuva e o vento lá de fora. Não fossem as preguiças e os desconfortos de me destapar e tinha ido escaldar-me para debaixo do chuveiro. Adormeci tarde, muito tarde, os pés ainda tiritantes, e sonhei que andava a revestir os tectos do sotão de plásticos e fita-cola para a água e o vento não me diluviarem livros, discos e fotografias.

Tenho andado, aliás, com muitos frios também nos dias. Tremo, entricheiro-me com mais camisolas, não cabido o casaco com que chego da rua, atrapalho-me de luvas e gorros e cachecóis, chateio os miúdos com mais um casaco e muita vitamina C.

O carnaval do crescido resumiu-se aos cabelos às cores e ao nariz que na sexta levou para a escola, feliz na condição de palhaço contente. É um doce, o meu filho mais velho. Mas um doce mesmo doce, daqueles que apetece pôr na boca e deixar a derreter devagarinho, sem mastigar, para não acabar tão depressa. Vai mirabolando máscaras irrealizáveis nos dias anteriores Eu gostava mesmo era de crocodilo., E albatroz? Assim com umas asas enormes que abrissem quando eu abrisse os braços?, Já sei! De peixe porco-espinho, com um balão gigante cá dentro para inchar quando me atacassem!, e depois eu chego com o que mais se me encaixou na carteira e nas pressas e o miúdo bate palmas de felicidade Uau! Era mesmo, mesmo, mesmo isto que eu queria! O fato há-de ficar ali no baú dos disfarces, junto com bigodes, coroas, óculos, chapéus e o leão que quando encaixar nos tamanhos do irmão há-de ter que levar uns coloridos nos pêlos coçados dos joelhos e cotovelos e ainda há-de render muitos divertimentos cá por casa, que faltam-me os ânimos para nos impermeabilizar aos três com galochas, capas e chapéus-de-chuva só para o miúdo ter os três dias de folia do ditado.

Eu até tinha listado saídas e entreténs para estes tempos em casa. Ir à Ilustrarte. Uma tarde inteira de baloiços e escorregas na Serafina ou no Alvito. Apanhar o quinze até à Baixa. Gosto tanto de ir à Baixa. Parar numa daquelas retrosarias da Rua da Conceição e comprar entretela para lhe joelhar os rasgões das calças e lãs para fazer gorros. Apetece-me tanto tricotar, nestas noites frias, gorros e cachecóis, agulhas circulares, chá de maçã e canela e uma manta nos joelhos. Se calhar mando é um mail à Ana, que tem lãs tão lindas e com nomes tão poéticos. Labareda. Violetas. Mar. Hortênsias. Ir à Quinta Pedagógica dos Olivais. Que o miúdo já lá esteve umas duas ou três vezes mas diz que não se lembra. E isto é mesmo assim com os miúdos, têm que se ir repetindo os percursos, que as memórias nestas idades ainda são curtas. Mas os dias chovem, mal-dispostos e escuros, e falham-me as coragens e as vontades para tudo. Até mesmo para (finalmente) organizar o quarto que ainda é só de um mas está mesmo a tornar-se dos dois, agora que o pequeno já não grita desesperos para mamar a meio da noite. Limito-me a inventar bulícios para lhes esgotar as muitas energias e tento assegurar o equilíbrio dos horários para o pequeno não me boicotar as sestas e as noites. E tenho frio. Muito frio.

E hoje e amanhã e depois estou sózinha com os miúdos. Que se calhar quando eles crescerem mais já não digo o sózinha, mas por enquanto é assim, as crianças desacompanham os adultos. A maternidade é muito solitária. Hoje à noite, depois de os deitar, levo eu a cadela à rua, fecho as portadas do pátio, desligo o gás, dou as quatro voltas à chave na fechadura. E depois hei-de ter frio, encolhida e sózinha na cama demasiado grande até para dois lá de cima, por mais mantas e camisolas e meias que me abriguem e tentem confortar.

Apetecia-me uma meia de leite quentinha. Uma meia de leite a sério, de café, e não o deslavado descafeinado com leite que todas as manhãs me ajuda a começar o dia. E ir ver a Precious. À sessão da meia-noite, depois de deitar os miúdos. E um saco térmico de trigo e alfazema da Cristina.

Esta sexta somo mais um ano. Trinta e nove. Apercebo-me que é a última unidade desta dezena e a seguir inicio-me nos enta. Quarenta, cinquenta, sessenta, setenta, oitenta, noventa... Há tão pouca gente a sair deles e a passar a meta (será uma meta?) dos cem. Nunca me ralou muito, a idade, passei a infância e adolescência a querer crescer depressa, estranhava os lamentos dos outros, consolava-os com uns práticos Então, isso é igual, ter trinta e oito ou trinta e nove ou quarenta, mais um ou menos um vai tudo dar ao mesmo. Mas se calhar o que dizem da crise dos quarenta é mesmo verdade, a tal que faz os casais dividirem-se, os homens acompanharem-se de namoradas miúdas, as mulheres metamorfosearem a cor do cabelo e o peso na balança, as viragens nos empregos. Parece que aos trinta quase toda a gente acha que a liberdade da solidão não tem assim tanto valor, acho que aos quarenta começa a olhar-se para trás e questionam-se as viragens nos cruzamentos e nas bifurcações. O caminho que se queria fazer, o caminho que se fez, o caminho que se vai fazer a partir daqui. E agora, para onde se vira? Esquerda, direita ou o mesmo morno do meio? E depois ainda há a morte. Com vinte e trinta acha-se que se tem muito tempo. Eu até acho que com vinte ainda acreditamos que não vamos morrer, tal como com dez não acreditamos que um dia vamos ser crescidos. Com quarenta já temos a certeza que vamos morrer. E sabemos que até pode não tardar outros quarenta...

Esta sexta faço trinta e nove anos. Daqui por um ano faço quarenta. Lá fora chove. Tenho frio e hoje não me apetecem analepses. Vou vestir mais uma camisola e rastejar com os miúdos no chão da sala.

domingo, 14 de fevereiro de 2010

mais barriga que conversa

Nanana (banana), agu (iogurte), baba (bolacha) e mama (mamar). Quais mamã, papá, mano, Simão, cão, bebé, olá, adeus. As primeiras palavras só podiam ser de comer.

mais barriga que olhos

Entre um cesto atestado de brinquedos e outro colorido de frutas, sem vacilações, o miúdo pequeno escolhe o segundo.

dentes de rato

Assim que o libertamos no chão o miúdo pequeno gatinha velozmente até à cozinha, estica-se até conseguir entornar o cesto da fruta, instala-se confortavelmente nos quadrados azuis e brancos e fica, calado e sossegado, a roer pêras, maçãs, mangas, bananas, laranjas e limões.

sábado, 13 de fevereiro de 2010

francisco simões


Só as conhecia das capas dos amores felizes (lá no fim, que depois de muito googlar só consegui encontrar estas) e do metro do campo pequeno. Hoje, mesmo no último dia, confirmei que as meninas-mulheres do Francisco Simões são lindas. Ficam-me só as penas de não as poder festejar, que partilho com os meus miúdos esta vontade de ver com os dedos, e de não as poder guardar nas memórias da máquina, que estas únicas duas fotografias foram desfocadas do frio lá de fora pela montra da galeria.

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

ais

À próxima pessoa que me disser Ai que lindo!, Ai que engraçado!, Ai eles são tão giros nesta fase!, Ai tenho tantas saudades de quando os meus filhos eram pequeninos e gatinhavam e estavam a aprender a andar!, peço a morada e despejo lá a criança aventureira e mexilhona cinco tardes seguidas.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

museu do azulejo


Um destes domingos abrigámo-nos da chuva no Museu do Azulejo.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

vezes dois

Não, não é mais difícil ser mãe de dois do que só de um. Para além dos amores duplicam-se os cansaços, a falta de tempo e a roupa suja no cesto. Tudo o resto é igual.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

paralelas

O pequeno incisivou os dois dentes de baixo já há uns meses e agora somou-lhes, de uma só vez, quatro em cima.
O grande incisivou os dois dentes de baixo já há uns meses, tem vários a balançar ameaças de quedas, um espaço em baixo muito útil para assobiar desafinações e germinam-lhe lá para trás uns princípios de molares.

O pequeno começa a dizer palavras simples e mais-ou-menos compreensíveis.

O grande já lê e escreve aglomerados de palavras como Eu vi a rola no ramo. e É a cadela da Amélia. e O tio deu uma papoila e uma túlipa à tia.

O pequeno guincha queixas quando o outro o agarra e o empurra enquanto gatinha e oscila tentativas de andar agarrado ao sofá. E chora procuras de adultos quando o irmão lhe reprime as aventuras Não, não podes desarrumar os livros., Não, não podes enfiar os dedos nas tomadas., Não, Joaquim, não, não puxes o rabo à cadela.
O grande grita Oh mãe olha ele, tira-o lá daqui., quando o outro lhe tenta comer os legos miúdos e rasgar os desenhos.

O pequeno põe tudo na boca.
O grande está sempre de dedos na boca a roer as unhas e a abanar os dentes velhos.

O pequeno devora sopa, segundo prato, fruta, às vezes ainda iogurte e bolacha maria.
O grande molenga em frente à sopa e ao segundo prato e só acelera na fruta e na sobremesa. É preciso repetir muitas vezes Come Simão. e Despacha-te Simão. e às vezes ainda colherar-lhe os restinhos.

Dou banho ao pequeno.
Ainda tenho que ajudar o grande a esponjar as costas e a esfregar o cabelo.

O pequeno gatinha pelo chão da sala.
O grande gatinha pelo chão da casa toda.

O pequeno desarruma tudo.
O grande desarruma tudo.

O pequeno palra e chora uns bocadinhos.
O grande grita e guincha e fala e canta e faz barulho o tempo todo.

O pequeno ignora-me os nãos.
O grande só ouve o segundo ou terceiro não.

Durante uns bocadinhos brincam e gargalham juntos.

E eu que pensava que quase seis anos de permeio implicavam aquisições e desenvolvimentos desencontrados...

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

pedagogias ao contrário

Quase todos os dias chegavam os recados na caderneta a acusar as distracções e as conversas imparáveis acompanhados da mochila sobrecarregada pelos trabalhos que deviam ter sido rematados na sala. O professor vazou as estratégias e as ameaças frequentes nestas desatenções: mudá-lo de trás para a frente e da frente para o meio, acompanhá-lo da menina mais sossegadinha e tímida, desacompanhá-lo, reprimir-lhe o intervalo, antever-lhe um futuro como arrumador de carros. Eu esgotei os esclarecimentos e os argumentos Se não ouves o que o professor explica não aprendes e depois não consegues fazer os trabalhos., e Já viste, íamos à biblioteca e agora em vez disso tens que ficar aqui a acabar essas seis fichas que devias ter feito lá na escola. Nada lhe afrouxava as conversas. Quando estávamos todos a desistir da tarefa o professor virou os ralhos do avesso e avisou os vinte e três coleguinhas Quem falar com o Simão aqui na sala não vai ao intervalo.

Parece que o miúdo agora se elevou a um dos melhores alunos e em vez de queixas carrega para casa excelentes e muito bons nas fichas.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

a aprender

A ensiná-lo a jogar às damas vasculho as memórias de pequena que me fui esforçando por apagar ao longo dos anos e não consigo encontrar adultos a companheirarem-me em jogos nem de mesa nem de chão e ar livre. Não é totalmente inadequado às alturas, que antes não se impunha como necessidade os pais gastarem tempos a entreter-se com os filhos, mas no meu caso também não havia pessoas do meu tamanho com quem dividir pães com manteiga, birras, segredos e brincadeiras. Esbarro por isso muitas vezes nas dificuldades das regras, mal-explicadas para incipientes no folheto que acompanha o tabuleiro e as peças. A ver se escrevo como jogar às damas no google para saltarmos casas na diagonal sem dúvidas e comermos peças (e damas?) sem trafulhices. Entretanto vou-o deixando somar mais vitórias do que derrotas, que só se aprende a gostar do que não nos é demasiado difícil.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

maçãs, hortelãs, papoilas e bolas de berlim

Eu ia escrever sobre a primeira vez. Podia ter-me perdido dela algures no labirinto das memórias tal como se têm ido dissipando outros apêndices e outras desimportâncias. Mas guardo-a focada e com cores nítidas. O miúdo crescido devia somar ali um número vago de meses entre os doze e os vinte e quatro e eu balançava-me entre o desconsolo pelo que não conseguia fazer e o desespero pelo que ele (me) fazia na tentativa de não perder nem o centro nem os (poucos) equilíbrios. Que o meu filho mais velho foi o maior treino de maternidade que alguém pode adquirir numa experiência de único. Uma tarde qualquer desabafei as mágoas e as frustrações na casa recente de uma amiga sem filhos, estupefacta com as arrumações que a ausência de crianças permite e zangada com as asneiras e os barulhos sempre a estorvarem-nos os diálogos. Invejei-lhe especialmente a biblioteca, uma assoalhada toda emprateleirada até ao tecto de livros, um sofá confortável ao pé da janela a sugerir leituras em sossego e silêncio. Leva um livro, disse-me ela. Recusei-me. O miúdo sempre desinquietado, a falta de tempo, os sonos retardados, Mas custa-me tanto não ler... Estendeu-me Os Pássaros de Seda, Leva este, vais ver que vais gostar. A Rosa Lobato de Faria? Ah, não, não me parece. Nunca fui fã dos festivais da canção e embirrava com aquele tom de tia que os papéis da televisão tanto insistiam em ribaltar, Nem sabia que ela escrevia livros, não devo gostar, não simpatizo com ela. Leva. Levei. Abri-o assim a contragosto, depois de deitar o pequeno, naqueles minutos que precedem o adormecer. E não consegui parar de o ler. E fartei-me de chorar. E depois reli-o e voltei a lê-lo. E voltei a chorar. E quando um livro nos faz isto é porque é bom. Muito bom.

E ia escrever sobre como ali, numa das prateleiras da sala, estão quase todos. Têm ido chegando, nos natais e nos anos e quando calha. Falham-nos só os dois últimos mais A Trança de Inês que emprestámos à tia louca do Mário que acredita em espíritos e fantasmas e que o deve ter deixado em parte incerta nalguma viagem a outra dimensão em que se encontra com desaparecidos e falecidos. Detesto emprestar livros. Nunca voltam.

E ia ainda escrever sobre como quando liguei a net anteontem e a vi sorridente, de camisa azul e cabeça baixa, pensei Boa! Deve ter saído mais um livro!, antes de ler o morreu. Morreu? Não, não pode ter morrido. E agora? A morte é para sempre. É essa a grande maldade - a morte é mesmo para sempre.

E ia ainda dizer que enquanto o pequeno Joaquim crescia dentro de mim pensei muitas vezes Se for menina é Rosa. Por causa desta Rosa. E do Rosa, minha irmã Rosa, da Alice. Que escolher para os filhos nomes de pessoas de quem se gosta ainda é melhor do que escolher só nomes de que se gosta.

Mas depois googlei-a mais uma vez, à procura de ânimos para começar a escrever e cruzei-me com isto. E está cá tudo. Eu não preciso de acrescentar nada nem explicar nada porque está aqui tudo. É por causa disto que eu gosto ( e não, não quero dizer gostava, que a morte tira-nos as pessoas mas não os afectos) tanto dela.