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terça-feira, 13 de julho de 2010

O Suspiro de um Anjo

Bárbara digitou o código e empurrou porta do prédio com o pesado saco de desporto. Estava cansada, o treino tinha sido mais longo do que o habitual e o humor do treinador tendia a piorar com o aproximar do início do campeonato.
À medida que o elevador subia desejou que a irmã ainda não tivesse chegado a casa, hoje não estava com paciência para discutir e muito menos para ouvir Rammstein enquanto ela abanava a cabeça como se fosse louca.
Abriu a porta e viu as chaves da irmã em cima do móvel da entrada. A casa estava mergulhada num profundo silêncio, fechou a porta com força e esperou pelo típico ataque de rabugice de Laura. Desta vez nada.
Encolheu os ombros e pensou que ela deveria ter-se esquecido das chaves, nada anormal vindo daquela criatura.
Tanto melhor para si. Pousou o saco e atirou-se para cima do sofá, contava passar as próximas horas em frente à televisão sem mexer um músculo.
Carregou no power e nada, talvez as pilhas do comando tivessem acabado. Mas a luz de standby também estava desligada. Intrigada levantou-se e tentou ligar a luz da sala, sem sucesso. Era só o que lhe faltava, a luz devia ter faltado, e logo hoje que estava sozinha em casa.
Foi até ao quarto, os estores estavam fechados, havia uma escuridão desconfortante para aquela hora do dia. Ao dirigir-se à janela sentiu os pés escorregarem e caiu desamparada sem qualquer reacção. O chão estava molhado, não entendia o que se passava e sentiu-se tomada por uma subita sensação de pânico.
Gatinhou até à janela, não via nada mas sabia que ali perto estava a fita dos estores, sentiu-a e puxou com toda a força.
Havia água no chão, vinha da casa-de-banho do quarto e por momentos suspirou de alívio ao imaginar um cano roto.
Correu a porta devagar e percorreu o espaço com o olhar. O coração começou a bater de forma descompensada, sentiu uma onda de choque subir-lhe pelo corpo e soltou um grito de horror.
Os enormes olhos castanhos de Laura estavam fixos nela, mas vazios e sem uma réstia de brilho. Os longos cabelos pretos flutuavam como que embalados por uma leve brisa. À imagem de um verdadeiro pesadelo, o corpo da irmã jazia na banheira, inerte e desprovido de vida.
Subitamente tudo ficou escuro novamente.

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Capítulo I

O telemóvel tocou e acordou sobressaltado, olhou de relance para o relógio e percebeu que tinha adormecido durante largas horas na poltrona.
Tirou o telemóvel do bolso e viu o nome de Bruno no ecrã, provavelmente queria ir beber um copo como todas as sextas-feiras, mas hoje a única coisa que Rafael precisava era de algum sossego.
Foi em direcção à cozinha, acendeu a luz e encostou-se à ombreira. Tudo estava exactamente como tinha deixado na noite anterior, à excepção dele mesmo.
Vislumbrou-se na enorme parede espelhada que cuidadosamente tinha escolhido e imaginou como seria a sua imagem daí por uns escassos meses.
Era um homem bonito, sabia-o bem. Ainda jovem, o seu cabelo tinha assumido um leve tom grisalho que constrastava com os seus olhos verdes e as suas longas pestanas.
Tinha sido abençoado com um corpo bem definido, fruto da sua grande paixão pela vela. Era um homem solitário, desprendido das relações humanas, no veleiro dependia apenas dele próprio e da Mãe Natureza, era muito mais do que um escape, era a sua maneira de encarar a vida em toda a sua plenitude.
Como um executivo bem sucedido, não misturava trabalho com prazer, gostava de ser respeitado pela sua atitude autoritária e tinha consciência que estava rodeado por belas mulheres que além de inteligentes eram ambiciosas. Os caprichos da carne tinham momentos oportunos para serem saciados e não podiam interferir com aquilo que de mais precioso tinha, a sua empresa.
Era quando saia com Bruno, que se despia de todos os artifícios para se revelar como um homem sedutor e descontraído. Encantava-o a incerteza da noite e a prosmiscuidade dos encontros com perfeitas desconhecidas.
Naquelas horas de prazer tudo era possível, a mulher que beijava era sempre alguém que não iria rever. Não se permitia a laços amorosos, tinha um plano de vida estipulado e contava cumpri-lo, até hoje.
Olhou em redor e sentiu que estava mais sozinho do que nunca.

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Introdução

O olhar pesaroso denunciava mais do que as palavras que o atingiam como um tiro, tinha a certeza que só ouvia meia verdade.
Estava apático, sentia um turbilhão de sentimentos no estomâgo como se fosse um vulcão em início de actividade.
Rafael era um homem habituado às vicissitudes da vida, tudo para ele era um desafio aliciante e confiava em si mesmo acima de qualquer coisa.
Sentiu que tinha pregado uma rasteira a si próprio e não estava preparado para tal.
Apressou-se na despedida, precisava de se sentar ao volante da sua mota e libertar-se de toda a tensão acumulada. Sabia que quanto mais enrola-se o punho no acelerador, mais concentrado estaria na estrada e por breves momentos aquelas frases deixariam de ecoar na sua mente.
Deu por si já à porta de casa, cruzou o largo portão automático e lembrou-se que não tinha ninguém à sua espera para o confortar. O silêncio imperava em casa e era nele que se sentira sempre bem.
À medida que os seus pesados passos atravessaram o hall deixou escorregar pelos dedos o casaco e o capacete. A casa estava fria e sentiu um arrepio gelado a percorrer-lhe a espinha.
Nunca tinha perdido a cabeça, era o seu trunfo em qualquer circunstância, conhecia os seus limites e sabia que podia manipular qualquer pessoa antes de ceder.
Agora o problema não eram os outros, mas sim o seu corpo.
Entrou na biblioteca e olhou para a poltrona ao canto. Herdou-a após a morte do pai, destoava da decoração simples e moderna da sua casa, mas o cheiro da pele e o seu aspecto usado despertava-lhe memórias reconfortantes, para ele isso era suficiente.
Sentou-se, tapou a cara com as mãos, sentiu as pernas a tremerem pela primeira vez na sua vida, tudo aquilo era uma novidade.
Olhou pela janela e viu as luzes da cidade ao fundo, lá fora tudo permanecia igual e ali dentro o seu mundo desabava. As lágrimas começaram a cair sem aviso prévio, era tempo de ganhar consciência da sua triste realidade.