Saltar para o conteúdo

Rerum Novarum

Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.
Rerum Novarum
Carta encíclica do papa Leão XIII
''In ipso'' ''Pastoralis''
Data 15 de maio de 1891
Assunto A questão social
Encíclica número 38 de 88 do pontífice
Texto em latim
em português

Rerum Novarum: sobre a condição dos operários (em português, "Das Coisas Novas") é uma encíclica escrita pelo Papa Leão XIII em 15 de maio de 1891. Era uma carta aberta a todos os bispos, sobre as condições das classes trabalhadoras,[1] em cuja composição as ideias distributivistas[2] de Wilhelm Emmanuel von Ketteler e Edward Manning tiveram grande influência.

A encíclica trata de questões levantadas durante a revolução industrial e as sociedades democráticas no final do século XIX. Leão XIII apoiava o direito dos trabalhadores de formarem sindicatos, mas rejeitava o socialismo e o capitalismo irrestrito, enquanto defendia os direitos à propriedade privada. Discutia as relações entre o governo, os negócios, o trabalho e a Igreja.

A encíclica critica fortemente a falta de princípios éticos e valores morais na sociedade progressivamente laicizada de seu tempo, uma das grandes causas dos problemas sociais. O documento papal refere alguns princípios que deveriam ser usados na procura de justiça na vida social, económica e industrial, como por exemplo a melhor distribuição de riqueza, a intervenção do Estado na economia a favor dos mais pobres e desprotegidos e a caridade do patronato à classe operária.

A encíclica veio completar outros trabalhos de Leão XIII durante o seu papado (Diuturnum, sobre a soberania política; Immortale Dei, sobre a constituição cristã dos Estados e Libertas, sobre a liberdade humana) para modernizar o pensamento social católico e da sua hierarquia.

Pelos sucessores no papado foi denominada de "Carta Magna" do "Magistério Social da Igreja" e com ela deu-se início à sistematização do pensamento social católico, passado ser o pilar fundamental da Doutrina Social da Igreja a que hoje assistimos.

Esquema e principais ideias

[editar | editar código-fonte]

Esta famosa encíclica pode ser basicamente dividida, para fins de estudo, em quatro grandes partes:

I - A Questão Social e o Socialismo

[editar | editar código-fonte]

Inicia o texto fazendo um levantamento da situação social da época e da crise social que o mundo passava, de conflitos, e critica a situação de miséria e pobreza a que os trabalhadores estavam submetidos em razão de um liberalismo irresponsável, de um capitalismo selvagem e de patrões desumanos. Os trabalhadores estavam sendo vítimas da cobiça e de uma concorrência desenfreada da ganância e de leis que haviam perdido o sentido e os princípios cristãos: […] é necessário, com medidas prontas e eficazes, vir em auxílio dos homens das classes inferiores, atendendo a que eles estão, pela maior parte, numa situação de infortúnio e de miséria imerecida.

E ainda criticava a concentração das riquezas nas mãos de poucos e do mau uso que dela faziam: A usura voraz veio agravar ainda mais o mal. Condenada muitas vezes pelo julgamento da Igreja, não tem deixado de ser praticada sob outra forma por homens, ávidos de ganância, e de insaciável ambição. A tudo isso deve acrescentar-se o monopólio do trabalho e dos papéis do crédito, que se tornaram um quinhão de um pequeno número de ricos e de opulentos, que impõe assim um jugo quase servil à imensa multidão dos operariados.

Nesta primeira parte a encíclica refuta o critério socialista sobre a propriedade privada, acusa de injustas e absurdas as razões aduzidas pelos socialistas. Afirma que o homem antecede ao Estado em valor, dignidade e importância e o antecede também no tempo, que o fim do Estado é propiciar o bem comum do homem e de prover-lhe os meios para que possa alcançar a felicidade. Não é o homem para o Estado mas o Estado que existe em função do homem.

Afirma que o direito de propriedade é de direito natural, fruto e baseia-se no trabalho humano e baseia-se ainda na essência da vida doméstica. Chama de desastrosas as consequências da solução socialista:

Por tudo o que Nós acabamos de dizer, se compreende que a teoria socialista da propriedade coletiva deve absolutamente repudiar-se como prejudicial àqueles membros a que se quer socorrer, contrária aos direitos naturais dos indivíduos, como desnaturando as funções do Estado e perturbando a tranquilidade pública.

II - A Questão Social e a Igreja

[editar | editar código-fonte]

Considera erro capital considerar que ricos e pobres são classes destinadas a se digladiarem. Sem o concurso da Igreja os esforços dos homens não obterão êxito satisfatório.

III - A Questão Social e o Estado

[editar | editar código-fonte]

Nesta parte discorre sobre a garantia da propriedade e da paz. Fala da corrupção dos costumes na época. Da proteção dos bens da alma, do adequado regime de trabalho, da proteção da idade e do sexo do trabalhador e defende o salário justo.

IV - A Questão Social e ação conjunta de patrões e empregados

[editar | editar código-fonte]

Neste capítulo considera de incalculável vantagem as associações de socorro e previdência dos trabalhadores, que são principalmente recomendáveis as associações de operários e que estas deverão ser prudentemente organizadas.

Consequências

[editar | editar código-fonte]

A Rerum Novarum, bem como outros trabalhos de Leão XIII e a sua ação no longo cargo como Papa (1878–1903), deu início a uma nova forma de relacionamento entre a Igreja Católica e o mundo moderno, que consiste na abertura da própria Igreja. A Igreja começou a empenhar-se a procurar soluções, à luz do Evangelho e dos ensinamentos cristãos, para os problemas sociais vividos pela humanidade.

Este documento introduziu também o princípio da subsidiariedade e estabeleceu orientações a respeito dos direitos e deveres do capital e do trabalho. O Papa Leão XIII refutou as teorias socialistas marxistas, acreditando que as soluções iriam surgir das ações combinadas da Igreja, do Estado, dos empregadores e dos empregados. No entanto, a encíclica opõem-se e condena o Capitalismo e critica o liberalismo econômico. Na altura, o apoio do Papa a sindicatos e a um salário decente era visto como algo revolucionário.

Sistematização da Doutrina Social da Igreja

[editar | editar código-fonte]

Com esta encíclica deu-se início à sistematização do pensamento social católico, passado a chamar-se vulgarmente de Doutrina Social da Igreja Católica. Este pensamento vai muito além de apresentar uma simples alternativa ao capitalismo e ao marxismo. Na "Doutrina Social da Igreja" a Igreja busca propiciar ao cristão os princípios de reflexão, os critérios de julgamento e as diretrizes de ação donde partir para promover esse humanismo integral e solidário. […] Tal doutrina possui uma profunda unidade, que provém da em uma salvação integral, da Esperança em uma justiça plena, da Caridade que torna todos os homens verdadeiramente irmãos em Cristo. […] a Igreja, com a sua doutrina social, não entra em questões técnicas e não institui e nem propõe sistemas ou modelos de organização social: isto não faz parte da missão que Cristo lhe confiou.(Compêndio da Doutrina Social da Igreja, n. 3, 7 e 68).

No entanto, pela relevância pública do Evangelho e da fé e pelos efeitos perversos da injustiça, vale dizer, do pecado, a Igreja não pode ficar indiferente às vicissitudes sociais: Compete à Igreja anunciar sempre e por toda parte os princípios morais, mesmo referentes à ordem social, e pronunciar-se a respeito de qualquer questão humana, enquanto o exigirem os direitos fundamentais da pessoa humana ou a salvação das almas. (Compêndio da Doutrina Social da Igreja, n. 71)

Muitas das posições da Rerum Novarum foram complementadas por encíclicas posteriores, em especial a Quadragesimo Anno de Pio XI em 1931, e a Mater et Magistra de João XXIII em 1961, e por Papa João Paulo II em 1991 com Centesimus annus. Estes documentos importantes vieram a constituir o corpo da moderna Doutrina Social da Igreja.

Esta encíclica também influenciou fortemente na formação de um novo pensamento e movimento político, a Democracia cristã. Este pensamento defende a implantação de uma democracia baseada nos princípios cristãos.

  • "Todavia a Igreja, instruída e dirigida por Jesus Cristo, eleva as suas vistas ainda mais alto; propõe um corpo de preceitos mais completos, porque ambiciona estreitar a união das duas classes até as unir uma à outra por laços de verdadeira amizade".
  • "Quanto aos ricos e aos patrões, não devem tratar o operário como escravo, mas respeitar nele a dignidade do homem, realçada ainda pela do Cristão. O trabalho do corpo, pelo testemunho comum da razão e da filosofia cristã, longe de ser um objeto de vergonha, honra o homem, porque lhe fornece um nobre meio de sustentar a sua vida. O que é vergonhoso e desumano é usar dos homens como de vis instrumentos de lucro, e não os estimar senão na proporção do vigor dos seus braços."

Ligações externas

[editar | editar código-fonte]