Pierre Rosanvallon e Marcel Gauchet

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Aula 3.

Totalitarismo, Revolução Francesa,


democracia, História e Direitos Humanos.

Rosanvallon Gauchet
O fenômeno totalitário como impulso ao
questionamento da democracia moderna e do
político.
• Anos 1950 e 1960 (nazismo e stalinismo): totalitarismo se torna a via de acesso ao problema
do “político” e da democracia (Lefort, Furet, Aron).
• Definição to totalitarismo: centralidade do partido, ideologia, enquadramento das massas,
Estado que tende a absorver a sociedade - projeto irrealizável de produzir uma unidade
entre sociedade e poder político representativo.
• Retorno do político ao primeiro plano
Como surgiu o totalitarismo?
 Só pode ser entendido na história da democracia, não simplesmente como oposição. O devir
interno das democracias explica as contestação que tomaram conta do mundo ao final do XIX
e início do XX.
 Hostilidade em relação à democracia, ódio à democracia (democracia superior)
 Revisão da R F: “terrorismo jacobino”: coloca em questão a natureza ambivalente e instável
do princípio democrático. Despotismo exercido em nome do poder do povo: LEVAR A SÉRIO
AS IDÉIAS, DEBATES E PROBLEMAS POSTOS PELA REVOLUÇÃO FRANCESA COMO
ACONTECIMENTO FILOSÓFICO.
O pensamento de Claude Lefort
• Com a crise dos totalitarismos, os intelectuais ainda se recusam a
pensar o problema da liberdade – da democracia.
• A sociedade moderna é a única que diferencia o político, o econômico,
o social, etc: é preciso entender o que significa isso em profundidade,
o que é essa sociedade que faz essa diferenciação. É preciso entender
a forma dessa sociedade.
• Crítica à ciência política que reifica a política, mas não entende a
forma da sociedade que torna possível a existencia da competição
partidária, etc. (realismo ingênuo, empiricismo)
• Tocqueville viu a forma dessa sociedade: a revolução democrática
(igualdade de condições)/ Antigo regime. Vislumbra a essência da
democracia como indeterminação.
• Entender a revolução francesa e o fenômeno totalitário
• “Devemos, muito pelo contrário, reconhecer que enquanto
prosseguir a aventura democrática, e enquanto os termos da
contradição se deslocarem, o significado do que advem
permanecerá suspenso. A democracia revela-se assim a
sociedade histórica por exelencia, sociedade que, por sua
forma, acolhe e preserva a indeterminaçao, em contraste
com o totalitarismo, que edificando-se sob o signo da criação
do novo homem, na realidade, agencia-se contra essa
indeterminação, pretende deter a lei de sua organização e de
seu desenvolvimento, e se delineia secretamente no mundo
moderno enquanto sociedade sem história” (Lefort. “A
questão da democracia”);
• “(...)o desaparecimento da determinação natural, antes
vinculada à pessoa do príncipe e à existência de uma
nobreza, faz com que a sociedade emirja como
puramente social, de sorte que o povo, a nação, o
Estado erigem-se enquanto entidades universais, e na
qual todo indivíduo, todo grupo, encontra igualmente
sua referência. Contudo, nem o Estado, nem o povo,
nem a nação, figuram como realidades substaciais. A
representação destes está também na dependencia de
um discurso político, e de uma elaboração sociológica e
histórica sempre ligada ao debate ideológico” (Idem)
• “O essencial, a meu ver, é que a democracia institui-se e
se mantém pela dissolução dos marcos de referência da
certeza. A democracia inaugura uma história na qual os
homens estão à prova de uma indeterminação última
quanto ao fundamento do poder, da lei e do saber, e
quanto ao fundamento da relação de um com o outro, sob
todos os registros da vida social (por toda parte em que,
outrora, a divisão se enunciava, em especial na divisão
entre os detentores da autoridade, e os que a esta eram
submetidos, em função de crenças em uma natureza das
coisas ou em um princípio sobrenatural” (Idem.34)
Fenômeno totalitário e “saída da religião”
•Etapa do processo de “saída da religião” que se inicia no século XVI com a Reforma, razão de Estado.
•Ambiguidade secular: o mundo sai da religião, permanecendo sem saber sob seu Império (ápice entre
1914-1945, mas se inicia ao fim do XIX)
•Era dos totalitarismos: casar heterônomia e autonomia.
•Religião secular: estranha mistura de pensamento laico, materialista, e estrutura religiosa de
pensamento.
•Estruturação religiosa sobreviveu à queda da definição da comunidade política pela religião (forma
religiosa)
•Necessidade de ligar o individuo ao coletivo.
•Regime do UNO.
•“Em poucas palavras, a humanidade é dona de si mesma, mas nessa essencial proximidade a si mesma
e nessa identidade coma razão de todas as coisas que as religiões procuravam ao preço do
submetimento” (p 202)
•O mundo liberal democrático é um mundo de conflitos (representantes e representados, classes,
servidão burocrática, sensação de impotência política – PROGRESSO, PASSADO PERDIDO – FRATURA
DA COMUNIDADE, INCERTEZAS QUANTO AO FUTURO.
•CRISE DO LIBERALISMO DEMOCRÁTICO: impossibilidade de fazer a sociedade da
autonomia/liberadade humana entrar numa forma religiosa (único padrão conhecido de ordem,
conjunto e comunidade.
•Totalitarismo: fazer a sociedade liberal burguesa entrar nos na forma religiosa à força:acabar com os
fatores de divisão e dissolução.
•FAZER ENTRAR O DIABO DEMOCRÁTICO NA GARRAVA RELIGIOSA – PREGAR AS EXPRESSÕES DA
AUTONOMIA NUMA ORDEM HETERÔNOMA.
Totalitarismo como resposta à “condição
histórica” (p 204)
• As ideologias de extrema direita e extrema
esquerda surgem em respota a esta subtração
dramática do mundo social à influência de
seus atores (nação, revolução).
• Restaurar a unidade controlada que escapa.
• Características ímpares da Belle Époque.
Experiência Revolução Francesa, razão,
direitos do homem e representação
• Momento excepcional em que a razão – coletivamente deliberada – entra na política.
• Política que se baseia em “princípios fundamentais” – a-históricos, abstratos – “soberania
do povo”. destinados a reconstruir a sociedade. A Revolução é um teatro para a razão
experimental.
• Abre-se o problema da representação.
• “Monismo revolucionário”: identificação absoluta entre povo, assembleia e poder legítimo.
O executivo só pode estar subordinado ao legislativo através do qual se expressa a vontade
geral do povo. Só há uma assembleia, um poder (que reune tb o poder de julgar)
• Problema do terceiro poder.
• Instabilidade da legitimidade do poder/ representação: quem irá definir que se trata
realmente do poder do povo? Onde está a vontade do povo? Será que ela está representada
realmente? A representação absoluta do povo trás suspeita de ilegitimidade por todas as
partes: terror, golpes.
• Trata-se de uma representação que nega ser representação, pois para os revolucionários, a
Assembleia é o povo mesmo. Mas o mesmo tempo, o problema da representação continuar a
existir: PORTA ABERTA PARA DENUNCIAS DE TRAIÇÃO, VIOLENCIAS, TERROR
• EM TORNO DISSO GRAVITA A EXPERIÊNCIA POLÍTICA DA REVOLUÇÃO: TERMIDOR,
FRACASSO REVOLUCIONÁRIO.
Rosanvallon
• Historicidade das sociedades democráticas: as condições de vida
comum não são definidas a priori (tradição, autoridade).
• Incertezas e tensões do mundo democrático (soberania do povo
como principio): constitui o político num campo amplamente aberto.
• Sonho e expectativa do bem/ realidade de sua indeterminação
(utopia traída, caráter vacilante como sua essência): mal estar.
• Problema do sujeito da democracia: o povo (é soberano, mas só
existe por aproximações e representações). Problema e desafio!
• Logo, só se pode pensar a democracia em sua história. ELA É UMA
HISTÓRIA. (história dos conflitos e controvérsias pelas quais a polis
tentou encontrar sua forma legítima)
• História filosófica: restituir problemas! “o enigma do político”.
Ocupar-se do centro do problema da representação
moderna: ficção e abstração x realidade.

• Dificuldade de figuração da representação moderna:


sacralizando a vontade do povo contra a ordem da
natureza ou da história, confia ao povo o poder e ao
mesmo tempo converte o social numa abstração.
• O “povo” é uma ficção jurídica – abstração. Os
homens são diferentes entre si.
CONTRADIÇÃO ENTRE O PRINCIPIO POLITICO (O PODER
PERTENCE A UM SUJEITO COLETIVO) E O PRINCIPIO
SOCIOLOGICO (DISSOLVE SUA VISIBILIDADE)
Déficit originário de figuração
• Tomar em sério o caráter sempre aberto e
“sob tensão” da experiência democrática
(não normatizar a teoria política)
• A história é a matéria e forma do pensamento
sobre o político, em especial na modernidade.
Pensamento revolucionário
• “O povo é soberano: o governo é sua obra e
sua propriedade, os funcionários públicos são
seus comissionados. O povo pode, quando
quiser, mudar seu governo e revogar seus
mandatários”
(Robespierre. p 128)
XIX: Crítica ao Direito natural contratualista

• Fundamento da sociedade é diferente do


funcionamento da sociedade (política real)

• Rejeição do puro contratualismo genético para


pensar as formas da ordem política concreta (fusão
total entre nato original e atualidade - legitimidade
fundadora e legalidade presente)
• A sociedade é um ator
histórico/econômico/produção e liberdade: a
esfera do poder é outra coisa.
• IRRUPÇÃO DE UM TEMPO PRODUTOR: as
origens não dizem nada, é preciso olhar para a
marcha, o movimento de progressão, o
movimento da sociedade (destino é a igualdade)
• O poder deve apoiar o movimento da história
Liberalismo XIX
• Entender as condições efetivas da liberdade:
compatibilizar liberdade e soberania do povo
• Evitar a opressão em nome da soberania do povo. É
preciso reconhecer que toda soberania é limitada =
perigo do absolutismo da soberania do povo
• O poder político não pode se originar diretamente
dos direitos naturais (os princípios abstratos não
podem governar a política real – é preciso olhar para
a experiência histórica, circunstâncias)
Koselleck
• “Quanto menor o conteúdo da experiência, tanto maior a
expectativa que se extrai dele. Quanto menor a experiência,
tanto maior a expectativa – eis uma fórmula para a estrutura
temporal da modernidade, conceitualizada pelo ‘progresso’.
Isso foi plausível enquanto as experiências anteriores não
eram suficientes para fundamentar as expectativas geradas
por um mundo que se transforma tecnicamente. Mas depois
de haverem nascido de uma revolução, quando os projetos
políticos correspondentes se transformaram em realidade, as
velhas expectativas se desgastam nas novas experiências (...)
quanto maior a experiência, tanto mais cautelosa, mas
também tanto mais aberta a expectativa” (326)
Edmund Burke

“Esses direitos metafísicos, ao • “Ciência de construir o bem-


penetrarem na vida prática como raios estar da nação, ou de
de luz atravessando um meio denso, reformá-lo, não se apreende,
são desviados pelas leis da natureza, como qualquer outra ciência
de sua linha reta. Sem dúvida, na
experimental, a priori. Nem
imensa e complicada massa de paixões
tampouco uma curta
e preocupações humanas, os direitos
primitivos dos homens experimentam
experiêrncia poderá instruir-
tal variedade de refrações e reflexos, nos sobre essa ciência
que se torna absurdo discutí-los como prática; porque os efeitos
se continuassem na simplicidade de reais das causas morais nem
sua direção original” sempre são imediatos”
Dimensão histórica
• Constant percebe que sua época é diferente
das outras: MODERNIDADE, Liberdade de tipo
moderno diferente da liberdade antiga
• Liberdade moderna: não é mais a participação
ativa e constante no poder (vontade geral), mas
gozo passivo da liberdade privada (liberdade
civil separada da liberdade política)
• Liberdade moderna: sistema representativo,
delegação
Alex de Tocqueville
 Descoberta da história: o mundo passa por uma
marcha inexorável e providencial, mas a Europa
não consegue seguí-la: fracasso da revolução.
 Os EUA : diferente da Europa, com séculos de
medievalidade e absolutismo, o princípio da
soberania do povo pode reinar, pois é conhecido
pelos costumes. Adequação da sociedade como
ela é e o fato democrático (nasceram iguais, não
há necessidade de revolução)
• A revolução FR errou por não adequar sua
ação à realidade da sociedade. Pôs tudo em
questão desrespeitando a marcha da história,
as tradições e costumes da Europa. A
sociedade não pode ser revolucionada de-
repente pela vontade.
Os Autoritários
de Hoje

Marcos Coimbra
Carta Capital
Surgimento da História
“Apenas acontecidas as convulsões da revolução dos
direitos humanos, e consumado seu fracasso, surge um
elemento novo que ninguém havia antecipado e que
deslocará em alguns anos o horizonte das sociedades
humanas: a história” (170)

“(...) nossa verdade está na totalidade dos rastros


deixados atrás de nós, uma enorme reviravolta que dá um
sentido absolutamente novo ao passado, ao mesmo
tempo em que move as sociedades humanas até o futuro
como tempo em que deve encontrar-se a si mesma” (171)
“A idéia de história surge precisamente na
Alemanha como reflexão crítica sobre este
modelo de ação histórica que foi a revolução
francesa. (...)”

“É preciso encontrar uma maneira de assumir


algo do projeto revolucionário recusando sua
execução. (...). A idéia de história permitirá
responder a esse problema”
“Desde 1794 se impõe a idéia de que a política
tem leis que não são as da razão arrazoante.”
(173)

“A contrarrevolução conduz assim ao


descobrimento da sociedade e suas leis. (...)
Porque a sociedade, contrariamente às afirmações
do direito natural, se oferece de entrada como uma
unidade que apela a um poder para administrá-la e
confortá-la” (173)
• “(...) a humanidade não pode deter-se em um
momento dado e começar do zero. Este fato mesmo do
progresso, invocado de tão bom grado pelos
revolucionários, mostra que somos feitos de devir, que
somos os herdeiros dos que nos precederam e seus
modestos continuadores. Dupla ilusão, pois a do
pensamento revolucionário do direito natural: ilusão de
tábula raza em relação à continuidade do tempo; ilusão
da decomposição em indivíduos de uma coletividade
que só pode ser concebida em bloco, sobretudo quando
se trata do poder e de seu estabelecimento” (173)
•“A idéia de história proporciona
precisamente a fórmula sintética que permite
manter juntos a continuidade e a novidade, o
avanço e a conservação. Oferece o meio de
dar lugar às conquistas da razão e da
ilustração, mas integrando-as no marco em
que se desenvolveram” (174)
Revolução histórica do político
• “... a orientação histórica inverte o primado do político em
benefício de uma entidade chamada a realizar um papel mais
vasto: a sociedade”

• A sociedade é o laboratório de produção da história

• “A historicidade se impõe como o elemento em que se


realiza a autonomia humana. A autonomia é muito mais que
se dar a própria lei: é um fazer-se a si mesmo. A humanidade
se produz ela mesma no tempo e aprende a conhecer-se ela
mesma através de sua trajetória, refletindo-se”
Questão do tempo
• Se a democracia é um regime de auto-instituição
(autonomia), o tempo é uma variável ativa e construtiva.
• A política está formada no tempo social: trabalho de
memória e pelas impaciências da vontade (enraizamento e
invenção)
• Tensão entre tempo-recurso e tempo obrigação Paine e
Burke).
• Atração pelo curto prazo nas democracias.
• Poder de especialistas capazes de “representar” os
interesses sociais de longo prazo.
• Crise permanente da linguagem política
Totalitarismo: forma desviada da sociedade
democrática (Arendt, Lefort)
• Sua realização negativa (exacerbação do político).
• Poder que absorve totalmente a sociedade:
exacerbação do princípio representativo
(construir de modo artificial uma sociedade
perfeitamente legível em sua unidade e um poder
de todo identificado a ela, de molde a extinguir
na origem a separação entre o social e o político):
superar as aporias da representação moderna. O
partido é a própria substância do povo.
Hoje: desgaste/retração do político
• “sensação de um declínio da soberania, percepção de uma diluição da
vontade e de um aumento paralelo das forças de direita e do mercado”
• Política como administração/ ciência.
• Fragilização interna dos estados-nação, enfraquecimento do contrato
social e do estreitamento das identidades coletivas.
• Identidades individuais – diferenças e particularismos (testar os limites
do contrato social)
• Decepção com o regime democrático: impossibilidade de dissociar o
político e a política
• Desencantamento democrático contemporâneo, outra fase do “ódio à
democracia”
• Resultado: Culto à vontade individual/ voluntarismo ou ciência/ ou
direito substituindo a política.

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