A Crise Do Romance
A Crise Do Romance
A Crise Do Romance
A CRISE DO ROMANCE
• Crise do romance
• Il faut des spectacles dans les grandes villes, et des romans aux
peuples corrompus. (…) Il [ce livre] doit déplaire aux dévots, aux
libertins, aux philosophes; il doit choquer les femmes galantes et
scandaliser les honnêtes femmes. A qui plaira-t-il donc? Peut-être à
moi seul. (…) Jamais fille chaste n’a lu de romans. (…) Celle qui, malgré
ce titre, en osera lire une seule page, est une fille perdue
Camilo Castelo Branco
Saberás, pois, ó leitor, como nós outros fazemos o que te fazemos ler.
Trata-se de um romance, de um drama – cuidas que vamos estudar a
história, a natureza, os monumentos, as pinturas, os sepulcros, os
edifícios, as memórias da época? Não seja pateta, senhor leitor, nem
cuide que nós o somos. Desenhar carateres e situações do vivo da
natureza, colori-los das cores verdadeiras da história…isso é trabalho
difícil, longo, delicado, exige um estudo, um talento, e sobretudo um
tato!... Não senhor: a coisa faz-se muito mais facilmente. Eu lhe explico.
Almeida Garrett, Viagens na Minha Terra
Todo o drama e todo o romance precisa de:
Uma ou duas damas, mais ou menos ingénuas,
Um pai, - nobre ou ignóbil,
Dois ou três filhos, de dezanove a trinta anos,
Um criado velho,
Um monstro, encarregado de fazer as maldades,
Vários tratantes, e algumas pessoas capazes para intermédios, e
centros.
Ora bem; vai-se aos figurinos franceses de Dumas, de Eug. Sue, de Vítor
Hugo, e recorta a gente, de cada um deles, as figuras que precisa
Camilo Castelo Branco, Mistérios de Lisboa
(1854)
• Os anos 50 e 60:
(…) a cidade dos espelhos (ou dos espelhismos) seria arrasada pelo
vento e desterrada da memória dos homens no instante em
Aureliano Babilonia acabasse de decifrar os pergaminhos, e que
tudo o que estava escrito neles era irrepetível desde sempre e para
sempre porque as estirpes condenadas a cem anos de solidão não
teriam uma segunda oportunidade sobre a terra
Herberto Helder, Apresentação do Rosto
(1968)
• Escreve-se.
• Há as nuvens, as árvores, as cores, as temperaturas.
• Há o espaço.
• É preciso encontrar a nossa relação com o espaço.
• Fazer escultura.
• Escultura: objeto
• Objetos para a criação de espaço, espelhos para a criação de imagens, pessoas para a criação de silêncio.
• Objetos para a criação de espelhos para a criação de pessoas para a criação de espaço para a criação de
imagens para a criação de silêncio.
• Objetos para a criação de silêncio.
• Temos enfim o silêncio. É uma autobiografia.
• É algo que se conquista à força de palavras.
• Pode-se morrer, depois, quero dizer
Herberto Helder, Apresentação do Rosto
(1968)
Alguns exemplos:
(...) (...) com a mão firme segura a esferográfica e acrescenta uma palavra à
página, uma palavra que o historiador não escreveu, que em nome da verdade
histórica não poderia ter escrito nunca, a palavra Não, agora o que o livro
passou a dizer é que os cruzados Não auxiliarão os portugueses a conquistar
Lisbonne, assim está escrito e portanto passou a ser verdade, ainda que dife
rente, o que chamamos falso prevaleceu sobre o que chamamos verdadeiro,
tomou o seu lugar, alguém teria de vir contar a história nova, e como
José Saramago, História do Cerco de Lisboa
(1989)
(...) quando escrevi Não os cruzados foram‑se embora, por isso não
me adianta nada procurar resposta ao Porquê na história a que
chamam verdadeira, tenho de inventá‑la eu próprio, outra para
poder ser falsa, e falsa para poder ser outra.
José Saramago, História do Cerco de Lisboa
(1989)
Raimundo Silva tem diante de si os dois textos, compara‑os, nenhuma dúvida
pode subsistir, Mogueime é indiscutivelmente mentiroso, tanto pelo que resulta
da lógica das situações hierárquicas, ele soldado, o outro capitão, quanto pela
autoridade particular de que se investe, como texto anterior que é, a Crónica
dos Cinco Reis. A pessoas só interessadas nas grandes sínteses históricas,
hão‑de estas questões parecer‑lhes irremediavelmente ridículas, mas nós
devemos é atender a Raimundo Silva, que tem uma tarefa a cumprir e que logo
de entrada se vê a braços com a dificuldade de conviver com personagem tão
duvidosa, este Mogueime, Moqueime ou Moigema, que, além de mostrar não
saber exactamente quem é, porventura está maltratando a verdade que, como
testemunha presencial, seria seu dever respeitar e transmitir aos vindouros,
nós
José Saramago, História do Cerco de Lisboa
(1989)