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DIREITO CIVIL I

Aula 3 - ENTENDENDO O CÓDIGO CIVIL


DE 2002
DIREITO CIVIL I
1. Introdução
2. Codificar é preciso? O Big Bang legislativo e o sistema solar
3. Visão geral do Código Civil de 2002. Diretrizes básicas da sua elaboração
4. Os princípios do Código Civil de 2002 segundo Miguel Reale:
4.1 O princípio da eticidade;
4.2 O princípio da socialidade;
4.3 O princípio da operabilidade

Prof. Fabiano Mariano


1. INTRODUÇÃO

Nessa aula o que se pretende é demonstrar a estrutura da nova


codificação privada, bem como qual a lógica do Código Civil de
2002. Para isso, torna-se basilar a percepção da linha filosófica
seguida pelo Código Civil de 2002, bem como dos caminhos
hermenêuticos que guiam o Direito Civil Contemporâneo Brasileiro.

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1. INTRODUÇÃO
Percebe-se que é necessária uma constante interação entre o Direito Civil
e o Texto Maior, surgindo daí um novo caminho metodológico denominado
Direito Civil Constitucional.
Os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da
solidariedade social e da igualdade em sentido amplo ou isonomia servirão
sempre de socorro ao civilista na análise de questões polêmicas e de casos
concretos que surgem na prática, de difícil solução – hard cases, na feliz
expressão de Dworkin (DWORKIN, Ronald. Uma questão..., 2005).
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1. INTRODUÇÃO
Na verdade, percebe-se que a prática civilística em muito mudou. Temas clássicos foram substituídos
por outros envolvendo a adequação de gênero do transexual, a união homoafetiva, o aborto do
anencefálico, a adoção homoafetiva, a negativa de transfusão sanguínea por convicções religiosas, a
negativa à realização do exame de DNA, a parentalidade socioafetiva (geradora dos filhos de criação), o
direito ao sigilo e à imagem em conflito com o direito à informação e à liberdade de imprensa, os danos
coletivos e sociais, os contratos eletrônicos ou digitais, o direito de propriedade nas favelas, os direitos da
personalidade do morto, o uso de células-tronco embrionárias para fins terapêuticos, as técnicas de
reprodução assistida, a herança digital, a utilização de novas tecnologias e as questões contratuais e
dominiais que delas podem surgir, o chamado testamento biológico, entre outros. A compreensão da
estrutura do atual Código Civil serve para orientar na possível conclusão acerca desses casos de difícil
solução.

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2. CODIFICAR É PRECISO? O BIG BANG LEGISLATIVO E O
SISTEMA SOLAR
Dúvida que sempre existiu nos sistemas jurídicos modernos é aquela
relacionada com a necessidade ou não de se codificar, principalmente, o
Direito Privado.
Tal discussão remonta aos embates entre Savigny e Thibaut, saindo
vencedor o último e tendo o Direito Alemão feito a opção pela codificação, o
que culminou com a promulgação do BGB Alemão, código que inspirou
muitos outros que surgiram, caso do Código Civil Brasileiro de 2002.

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2. CODIFICAR É PRECISO? O BIG BANG LEGISLATIVO E O
SISTEMA SOLAR
Sem dúvidas que a codificação material traz inúmeras vantagens, como a
de favorecer a visualização dos institutos jurídicos, a facilitação metodológica
e uma suposta autossuficiência legislativa. Contudo, também há
desvantagens, já que, muitas vezes, estático que é, não consegue o Código
Civil acompanhar as alterações pelas quais passa a sociedade. Foi assim com
o Código Civil de 1916, lamentavelmente.

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2. CODIFICAR É PRECISO? O BIG BANG LEGISLATIVO E O
SISTEMA SOLAR
Isso faz com que, ao lado da codificação privada, apareça um Big Bang
Legislativo, conforme denomina Ricardo Lorenzetti, em feliz simbologia, com
o objetivo de suprir eventuais deficiências que emergem com o surgimento
da codificação.

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2. CODIFICAR É PRECISO? O BIG BANG LEGISLATIVO E O
SISTEMA SOLAR
O Direito Privado deixa de ser baseado em apenas uma lei codificada, mas
engloba muitas outras leis específicas com aplicação a diversos setores da
ordem privada. Como afirma o citado jurista argentino, “os códigos perderam
a sua centralidade, porquanto esta se desloca progressivamente. O Código é
substituído pela constitucionalização do Direito Civil, e o ordenamento
codificado pelo sistema de normas fundamentais” (Fundamentos..., 1998, p.
45).

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2. CODIFICAR É PRECISO? O BIG BANG LEGISLATIVO E O
SISTEMA SOLAR

A realidade pós-moderna ou contemporânea, portanto, é a


de uma explosão legislativa. A partir dos ensinamentos do
autor argentino, pode-se comparar o Direito Privado a um
sistema solar, em que o Sol é a Constituição Federal.

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2. CODIFICAR É PRECISO? O BIG BANG LEGISLATIVO E O
SISTEMA SOLAR
O planeta principal é a codificação material privada; no nosso caso,
o primeiro planeta é o Código Civil de 2002. Os outros planetas são os
outros códigos, que exercem papel central nos diversos ramos
jurídicos: o Código de Processo Civil, o Código Tributário Nacional, o
Código Penal, a Consolidação das Leis do Trabalho (que apesar de
não ser um Código na melhor acepção do termo, acaba cumprindo
essa função) e assim sucessivamente.

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2. CODIFICAR É PRECISO? O BIG BANG LEGISLATIVO E O
SISTEMA SOLAR

Ao lado desses planetas estão em órbita satélites ou luas,


os microssistemas jurídicos ou estatutos, igualmente vitais
para o ordenamento, como é o caso do Código de Defesa do
Consumidor (Lei 8.078/1990), da Lei de Locação (Lei
8.245/1991), da Lei do Bem de Família (Lei 8.009/1990), do
Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/1990), entre
outros, que giram em torno do planeta Código Civil.
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2. CODIFICAR É PRECISO? O BIG BANG LEGISLATIVO E O
SISTEMA SOLAR

Apesar da utilização da expressão microssistema, é


fundamental apontar que essas leis especiais não são
fechadas, estando em interação com as demais normas
jurídicas, dentro de uma ideia unitária de sistema. De
imediato, justifica-se a teoria do diálogo das fontes, aliás,
esse sistema planetário demonstra muito bem o sentido da
expressão Direito Civil Constitucional.
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2. CODIFICAR É PRECISO? O BIG BANG LEGISLATIVO E O
SISTEMA SOLAR

O desenho a seguir demonstra essa realidade do Direito


Privado Contemporâneo:

Constituição Código
CPC CLT
Federal Civil

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2. CODIFICAR É PRECISO? O BIG BANG LEGISLATIVO E O
SISTEMA SOLAR

CDC ECA

Código Civil

Lei do
Lei de Bem
Locações
de
Família

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2. CODIFICAR É PRECISO? O BIG BANG LEGISLATIVO E O
SISTEMA SOLAR

Voltando à questão da codificação, essa tendência de


codificar encontra fundamentos no Direito Romano, sobretudo
no Corpus Iuris Civile, ponto inicial para todas as ordenações
ibéricas. Houve, na realidade, um ressurgimento dessa
tendência de codificação, a partir do período napoleônico, o
que foi seguido por vários países da Europa, adeptos do
sistema da Civil Law
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2. CODIFICAR É PRECISO? O BIG BANG LEGISLATIVO E O
SISTEMA SOLAR

Nosso País trilhou esse mesmo caminho, com a promulgação do


primeiro Código Civil, no ano de 1916, tendo como principal
idealizador Clóvis Beviláqua. Não se pode negar que o Código
anterior constitui uma grande obra técnica, tendo como conteúdo um
texto extraordinário, de primeira qualidade. Todavia, esse Código há
muito tempo se encontrava desatualizado, eis que inspirado na visão
burguesa e individualista do Código Civil Francês de 1804.

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2. CODIFICAR É PRECISO? O BIG BANG LEGISLATIVO E O
SISTEMA SOLAR

Nosso Código Civil anterior era, assim, uma lei individualista, patrimonialista e
egoísta, não preocupada com os valores sociais e com os interesses da
coletividade. Eis a principal crítica que se pode fazer à codificação material
anterior.
De todo modo, em certa medida, as orientações individualistas que
permeavam o Código Civil de 1916 voltaram a ter uma valorização neste início de
século XXI, o que pode ser percebido, no Brasil, pela recente Lei 13.874/2019,
que institui a “Declaração de Direitos de Liberdade Econômica”.

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2. CODIFICAR É PRECISO? O BIG BANG LEGISLATIVO E O
SISTEMA SOLAR

Muitas vezes, percebe-se na doutrina uma crítica em relação às


codificações em geral, tidas como insuficientes e inapropriadas para
acompanhar as mudanças pelas quais passa a sociedade.

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2. CODIFICAR É PRECISO? O BIG BANG LEGISLATIVO E O
SISTEMA SOLAR

Ademais, deve-se perceber que, com a visão unitária do sistema,


em constante diálogo, é possível aplicar, ao mesmo tempo, as leis
especiais, as normas codificadas e os preceitos constitucionais. Por
essa visão, a crítica às codificações também perde a razão de ser. A
complementaridade entre as leis pode suprir as suas eventuais
deficiências e insuficiências. E tal via de interpretação cabe à doutrina
e à jurisprudência, em árdua e basilar tarefa.

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2. CODIFICAR É PRECISO? O BIG BANG LEGISLATIVO E O
SISTEMA SOLAR

Em reforço, a codificação, estruturada em uma Parte Geral e uma


Parte Especial, tem um papel didático e metodológico fundamental,
pois na primeira parte do Código Civil podem ser encontrados os
conceitos basilares, a orientar a parte especial.

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2. CODIFICAR É
PRECISO? O BIG
BANG LEGISLATIVO
E O SISTEMA
SOLAR

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3. VISÃO GERAL DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. DIRETRIZES
BÁSICAS DA SUA ELABORAÇÃO

O atual Código Civil foi instituído pela Lei 10.406, de 10 de janeiro


de 2002, entrando em vigor após um ano de vacatio legis, para a
maioria da doutrina, em 11 de janeiro de 2003.

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3. VISÃO GERAL DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. DIRETRIZES
BÁSICAS DA SUA ELABORAÇÃO

A novel codificação civil teve uma longa tramitação no Congresso


Nacional, com seu embrião no ano de 1975, ocasião em que o então
Presidente da República, Ernesto Geisel, submeteu à apreciação da
Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 634-D, com base em trabalho
elaborado por uma Comissão de sete membros, coordenada por
Miguel Reale. Como se nota, portanto, o projeto legislativo surgiu no
“ápice” da ditadura militar que imperava no Brasil.

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3. VISÃO GERAL DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. DIRETRIZES
BÁSICAS DA SUA ELABORAÇÃO

Assim, foi concebida a estrutura básica do projeto que gerou a nova codificação, com uma
Parte Geral e cinco livros na Parte Especial, tendo sido convidado para cada uma delas um jurista
de renome e notório saber, todos com as mesmas ideias gerais sobre as diretrizes a serem
seguidas. Convocados foram para a empreitada:
• José Carlos Moreira Alves (SP) – relator da Parte Geral;
• Agostinho Alvim (SP) – relator do livro que trata do Direito das Obrigações;
• Silvio Marcondes (SP) – relator do livro de Direito de Empresa;
• Erbert Chamoun (RJ) – responsável pelo Direito das Coisas;
• Clóvis do Couto e Silva (RS) – responsável pelo livro de Direito de Família;
• Torquato Castro (PE) – relator do livro do Direito das Sucessões.
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3. VISÃO GERAL DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. DIRETRIZES
BÁSICAS DA SUA ELABORAÇÃO

Partindo de outra premissa, Miguel Reale, no último texto citado e


também na exposição de motivos da atual codificação material,
aponta quais foram as diretrizes básicas seguidas pela comissão
revisora do Código Civil de 2002, a saber:
a) Preservação do Código Civil anterior sempre que fosse possível,
pela excelência técnica do seu texto e diante da existência de um
posicionamento doutrinário e jurisprudencial já consubstanciado sobre
os temas nele constantes. Prof. Fabiano Mariano
3. VISÃO GERAL DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. DIRETRIZES
BÁSICAS DA SUA ELABORAÇÃO

b) Alteração principiológica do Direito Privado, em relação aos


ditames básicos que constavam na codificação anterior, buscando a
nova codificação valorizar a eticidade, a socialidade e a operabilidade,
que serão abordadas oportunamente.

Prof. Fabiano Mariano


3. VISÃO GERAL DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. DIRETRIZES
BÁSICAS DA SUA ELABORAÇÃO

c) Aproveitamento dos estudos anteriores em que houve tentativas de reforma


da lei civil, trabalhos esses que foram elaborados primeiro por Hahneman
Guimarães, Orozimbo Nonato e Philadelpho de Azevedo, com o anteprojeto do
Código das Obrigações; e, depois, por Orlando Gomes e Caio Mário da Silva
Pereira, com a proposta de elaboração separada de um Código Civil e de um
Código das Obrigações, contando com a colaboração, neste caso, de Silvio
Marcondes, Theóphilo de Azevedo Santos e Nehemias Gueiros.

Prof. Fabiano Mariano


3. VISÃO GERAL DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. DIRETRIZES
BÁSICAS DA SUA ELABORAÇÃO

d) Firmar a orientação de somente inserir no Código Civil matéria já


consolidada ou com relevante grau de experiência crítica,
transferindo-se para a legislação especial questões ainda em
processo de estudo, ou que, por sua natureza complexa, envolvem
problemas e soluções que extrapolam a codificação privada, caso da
bioética, do biodireito e do direito eletrônico ou digital.

Prof. Fabiano Mariano


3. VISÃO GERAL DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. DIRETRIZES
BÁSICAS DA SUA ELABORAÇÃO

e) Dar nova estrutura ao Código Civil, mantendo-se a Parte Geral –


conquista preciosa do direito brasileiro, desde Teixeira de Freitas –,
mas com nova organização da matéria, a exemplo das recentes
codificações.

Prof. Fabiano Mariano


3. VISÃO GERAL DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. DIRETRIZES
BÁSICAS DA SUA ELABORAÇÃO

f) Não realizar, propriamente, a unificação do Direito Privado, mas


sim do Direito das Obrigações – de resto já uma realidade em nosso
país – em virtude do obsoletismo do Código Comercial de 1850 – com
a consequente inclusão de mais um livro na Parte Especial, que se
denominou Direito de Empresa. Nesse ponto, o Código Civil Brasileiro
de 2002 seguiu o modelo do Código Italiano de 1942.

Prof. Fabiano Mariano


3. VISÃO GERAL DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. DIRETRIZES
BÁSICAS DA SUA ELABORAÇÃO

g) Valorizar um sistema baseado em cláusulas gerais, que dão


certa margem de interpretação ao julgador. Essa pode ser tida como a
principal diferença de filosofia entre o Código Civil de 2002 e seu
antecessor.

Prof. Fabiano Mariano


MIGUEL REALE

O próprio Miguel Reale não se cansava em apontar os princípios


ou regramentos básicos que sustentam a atual codificação privada:
eticidade, socialidade e operabilidade. O estudo de tais princípios é
fundamental para que se possam entender os novos institutos que
surgiram com a nossa nova lei privada. Passamos então a apreciá-los.

Prof. Fabiano Mariano


MIGUEL REALE

O Código Civil de 2002 distancia-se do tecnicismo institucional


advindo da experiência do Direito Romano, procurando, em vez de
valorizar formalidades, reconhecer a participação dos valores éticos
em todo o Direito Privado. Por isso muitas vezes se percebe a
previsão de preceitos genéricos e cláusulas gerais, sem a
preocupação do encaixe perfeito entre normas e fatos.

Prof. Fabiano Mariano


MIGUEL REALE

4.1. Princípio da Eticidade


No que concerne ao princípio da eticidade, adotado pela codificação emergente, cumpre
transcrever as palavras do Ministro José Delgado, do Superior Tribunal de Justiça, no sentido de
que “o tipo de Ética buscado pelo novo Código Civil é o defendido pela corrente kantiana: é
o comportamento que confia no homem como um ser composto por valores que o elevam
ao patamar de respeito pelo semelhante e de reflexo de um estado de confiança nas
relações desenvolvidas, quer negociais, quer não negociais. É, na expressão kantiana, a
certeza do dever cumprido, a tranquilidade da boa consciência” (A ética..., Questões
controvertidas..., 2003, p. 177).

Prof. Fabiano Mariano


MIGUEL REALE

Em reforço, o atual Código Civil abandona o excessivo rigor


conceitual, possibilitando a criação de novos modelos jurídicos, a
partir da interpretação da norma diante de fatos e valores – melhor
concepção da teoria tridimensional do direito, concebida por Miguel
Reale, introduzida na codificação material em vários pontos.

Prof. Fabiano Mariano


MIGUEL REALE

Os juízes passam a ter, assim, uma amplitude maior de


interpretação. Muitas vezes, será o aplicador da norma chamado para
preencher as lacunas fáticas e as margens de interpretação deixadas
pelas cláusulas gerais, sempre lembrando da proteção da boa-fé, da
tutela da confiança, da moral, da ética e dos bons costumes.

Prof. Fabiano Mariano


MIGUEL REALE

O princípio da eticidade pode ser percebido pela leitura de vários


dispositivos da atual codificação privada. Inicialmente, nota-se a
valorização de condutas éticas, de boa-fé objetiva – aquela
relacionada com a conduta de lealdade das partes negociais –, pelo
conteúdo da norma do art. 113 do CC/2002, caput, segundo o qual,
“os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os
usos do lugar de sua celebração”.

Prof. Fabiano Mariano


MIGUEL REALE

Esse dispositivo repercute profundamente nos contratos, mantendo


relação direta com o princípio da função social dos contratos e
reconhecendo a função interpretativa da boa-fé objetiva.

Prof. Fabiano Mariano


MIGUEL REALE

Os dois princípios, da função social dos contratos e da boa-fé objetiva, nesse dispositivo,
estão em relação de simbiose. Por isso Miguel Reale chegou a afirmar que o art. 113 do Código
Civil seria um artigo-chave do Código Civil.
Para ele, “desdobrando-se essa norma em seus elementos constitutivos, verifica-se que
ela consagra a eleição específica dos negócios jurídicos como disciplina preferida para
regulação genérica dos fatos jurídicos, sendo fixadas, desde logo, a eticidade de sua
hermenêutica, em função da boa-fé, bem como a sua socialidade, ao se fazer alusão aos
‘usos do lugar de sua celebração’” (Um artigo-chave..., 2005, v. 1, p. 240). Por certo, os
negócios jurídicos devem ser interpretados conforme as condutas dos envolvidos e as
diversidades regionais do nosso imenso Brasil.

Prof. Fabiano Mariano


MIGUEL REALE

Também na Parte Geral do Código Civil, no tocante à simulação,


prevê o art. 167, § 2.º, que estarão protegidos os direitos de terceiros
de boa-fé em face dos contratantes do negócio jurídico simulado. O
dispositivo consagra a inoponibilidade do ato simulado diante de
terceiros de boa-fé, reconhecendo de forma indireta que a boa-fé
objetiva é preceito de ordem pública, eis que consegue vencer a
nulidade absoluta decorrente da simulação.

Prof. Fabiano Mariano


MIGUEL REALE

O art. 187 do CC/2002 disciplina qual a sanção para a pessoa que


contraria a boa-fé, o fim social ou econômico de um instituto ou os
bons costumes: cometerá abuso de direito, assemelhado a ilícito. De
acordo com o citado dispositivo, “também comete ato ilícito o titular de
um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites
impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons
costumes”. Esse comando legal consagra a função de controle da
boa-fé objetiva.
Prof. Fabiano Mariano
MIGUEL REALE

Ato contínuo, o art. 422 do Código Privado valoriza a eticidade,


prevendo que a boa-fé deve integrar a conclusão e a execução do
contrato. O art. 422 do CC traz, portanto, a função de integração da
boa-fé objetiva, reconhecida aqui como um princípio e sendo aplicada
a todas as fases contratuais: fase pré--contratual, fase contratual e
fase pós-contratual.

Prof. Fabiano Mariano


MIGUEL REALE

Sem prejuízo de outros dispositivos na codificação vigente, que


fazem menção à boa-fé e à eticidade, não há dúvidas de que se trata
de um princípio importantíssimo.

Prof. Fabiano Mariano


MIGUEL REALE

4.2. O princípio da socialidade


Por esse princípio, o Código Civil de 2002 procura superar o
caráter individualista e egoísta que imperava na codificação anterior,
valorizando a palavra nós em detrimento da palavra eu. Os grandes
ícones do Direito Privado recebem uma denotação social: a família, o
contrato, a propriedade, a posse, a responsabilidade civil, a empresa,
o testamento.

Prof. Fabiano Mariano


MIGUEL REALE

Isso diante das inúmeras modificações pelas quais passou a


sociedade. Houve o incremento dos meios de comunicação, a
valorização da dignidade humana e da igualdade entre as pessoas, a
supremacia do afeto na família, a estandardização ou padronização
dos negócios e o surgimento da sociedade de consumo em massa,
trazendo uma nova realidade que atingiu os alicerces de praticamente
todos os institutos privados. Desse modo, deverá prevalecer o social
sobre o individual, o coletivo sobre o particular.
Prof. Fabiano Mariano
MIGUEL REALE

A função social da propriedade, nunca se pode esquecer, já estava


prevista na Constituição Federal de 1988, em seu art. 5.º, incs. XXII e
XXIII, e no seu art. 170, inc. III. Entendemos, em reforço, que o
embrião da socialidade está no outrora citado art. 5.º da Lei de
Introdução, pelo qual o juiz, ao aplicar a norma, deve ser guiado pelo
seu fim social e pelo bem comum (pacificação social).

Prof. Fabiano Mariano


MIGUEL REALE

A função social dos contratos está tipificada em lei, prevendo o art.


421, caput, do Código Civil, em sua redação atual, modificada pela Lei
13.874/2019, que “a liberdade contratual será exercida nos limites da
função social do contrato”. Trata-se de um princípio contratual de
ordem pública, pelo qual o contrato deve ser, necessariamente,
visualizado e interpretado de acordo com o contexto da sociedade
(TARTUCE, Flávio. Função social..., 2007, p. 415).

Prof. Fabiano Mariano


MIGUEL REALE

A função social dos contratos tem eficácia interna, entre as partes


contratantes; e eficácia externa, para além das partes contratantes.
Esse princípio, sem dúvidas, também tem fundamento constitucional,
particularmente na citada função social da propriedade.

Prof. Fabiano Mariano


MIGUEL REALE

Mesmo a posse recebe uma função social, uma vez que o atual Código Civil
estabelece a diminuição dos prazos de usucapião quando estiver configurada a
posse-trabalho, situação fática em que o possuidor despendeu tempo e labor na
ocupação de um determinado imóvel. A nova codificação valoriza aquele que
planta e colhe, o trabalho da pessoa natural, do cidadão comum. Tais regras
podem ser captadas pela leitura dos arts. 1.238, parágrafo único, e 1.242,
parágrafo único, do CC/2002, que reduzem os prazos da usucapião extraordinária
e ordinária, para dez e cinco anos, respectivamente.

Prof. Fabiano Mariano


MIGUEL REALE

A propriedade também recebe a previsão legal de proteção da sua função


social, pelo que consta no art. 1.228, § 1.º, do CC. Mais do que a função social, o
dispositivo prevê a função socioambiental do domínio, não podendo o exercício do
direito de propriedade gerar danos ao ambiente natural, cultural ou artístico.

Prof. Fabiano Mariano


MIGUEL REALE

Além do contrato, da posse e da propriedade, percebe-se que a empresa e a família, cernes


da vida em comunidade, como não poderia deixar de ser, também têm função social, uma
finalidade coletiva, instrumentos principais que são para a vida fraterna do ser humano (direitos de
terceira geração ou dimensão). O direito sucessório também tem reconhecida a sua função social,
pelo que consta, por exemplo, no seu art. 1.848, pelo qual, no testamento, somente será possível
a instituição de cláusula de inalienabilidade, incomunicabilidade ou impenhorabilidade, havendo
justa causa para tanto.
Em resumo, aduz-se ao princípio da socialidade um sentido amplo, atingindo praticamente
todos os ramos do Direito Civil Contemporâneo.

Prof. Fabiano Mariano


MIGUEL REALE

4.3. O princípio da operabilidade


O Código Civil de 2002 segue tendência de facilitar a interpretação
e a aplicação dos institutos nele previstos. Procurou-se assim eliminar
as dúvidas que imperavam na codificação anterior, fundada em
exagerado tecnicismo jurídico. Nesse ponto, visando à facilitação, a
operabilidade é denotada com o intuito de simplicidade.

Prof. Fabiano Mariano


MIGUEL REALE

Assim, além do sentido de simplicidade, a operabilidade tem o


sentido de efetividade do Direito Civil, da construção de um Direito
Civil Concreto do ponto de vista prático (concretude, conforme Miguel
Reale).

Prof. Fabiano Mariano


MIGUEL REALE

A outra face do princípio da operabilidade, é a busca de um Direito


Civil concreto, efetivo, baseado no sistema de cláusulas gerais e em
conceitos legais indeterminados – a operabilidade vista pelo prisma da
efetividade, da concretude ou concretitude (REALE, Miguel. Teoria...,
2003).
Neste ponto, o regime de cláusulas gerais é participativo,
democrático, de colaboração entre todos os componentes da
comunidade jurídica.
Prof. Fabiano Mariano
MIGUEL REALE

Partindo para a prática, ilustrando, em matéria de Direito


Contratual, o princípio da operabilidade, no sentido de simplicidade,
pode ser percebido pela previsão taxativa e conceitual dos contratos
em espécie, cujas previsões constam agora. O atual Código Civil
conceitua a compra e venda, a locação, a empreitada, a prestação de
serviços, o transporte, o seguro, e assim sucessivamente.

Prof. Fabiano Mariano


MIGUEL REALE

Interessante frisar, outrossim, que a intenção de manter um Código


Civil dividido em uma Parte Geral e uma Parte Especial mantém
relação com a operabilidade, no sentido de simplicidade, uma vez que
tal organização facilita e muito o estudo dos institutos jurídicos, do
ponto de vista metodológico.

Prof. Fabiano Mariano


MIGUEL REALE

Finalizando, deve ficar claro que a operabilidade pode ser


concebida por dois prismas, o relacionado com a simplicidade e o
concebido dentro da efetividade/concretude.

Prof. Fabiano Mariano


Registrador Civil das Pessoas Naturais e
Tabelião de Notas;

Professor Direito Civil e Direito Empresarial;

Bel. em Música, com habilitação em


Fabiano Mariano
Regência – USC 2004;
Bel. em Direito – Eduvale 2011;
@prof.fabianomariano
Especialista em Gestão Pública Municipal;
em Direito Civil; /direitocivilcomfabianomariano
e em Direito Notarial e Registral.
/fabianomariano
Pós-graduando em Direito Privado;
e
Mestrando em Ciência Jurídicas e Políticas
Universidade Portucalense - Portugal.

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