Aulas 3 e 4 - PRINCÍPIOS

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P R O F E S S O R M A R C O A U R É L I O B O R T O L I N

UNIARA - Curso de Direito – 3ª Série – “Disciplina de Direito Civil – Contratos I”.

Períodos Diurno e Noturno: Prof. Marco Aurélio Bortolin

Aulas 3 e 4 (sinopse): I – Direito dos Contratos e Direito do Consumidor: diálogo das fontes no ordenamento brasileiro à
luz da Constituição Federal. 1. Enfoque inicial. II. Princípios a destacar por relevância e frequência de utilização. 1.
Princípio da autonomia da vontade (ou da autonomia privada). 2. Princípio da força vinculante (ou força obrigatória). 3.
Princípio da relatividade subjetiva (ou da relatividade dos efeitos). 4. Princípio da função social do contrato (Princípio da
Sociabilidade). 5. Princípio da boa-fé objetiva (Princípio da Eticidade). 5.1. Boa-fé objetiva. Aspectos de sua função
integrativa – reflexos na Jurisprudência (supressio, surrectio, tu quoque, exceptio doli, venire contra factum proprium e
duty to mitigate the loss).

I. Direito dos Contratos e Direito do Consumidor: diálogo das fontes no direito brasileiro à luz da
Constituição Federal.

1. Enfoque inicial. O contrato, entendido como negócio jurídico, é


fonte de obrigações na órbita privada.

Cumpre sempre lembrar que o Brasil constituiu-se como colônia


portuguesa com aplicação do ordenamento jurídico lusitano, mas depois, já como nação
independente, seguiu por décadas sem uma lei civil legitimamente brasileira, o que somente viria a
ocorrer no Brasil República com o advento do nosso primeiro Código Civil datado de 1916, que era
uma norma inspirada por modelos jurídicos europeus da época, mas vale destacar que tais inspirações
europeias, em especial, o Código francês de 1804, bem como o Código alemão de 19001, eram textos
normativos nascidos no Século XIX.

Adequado para seu tempo, ou seja, para a sociedade brasileira que tinha
no campo suas principais referências econômicas e onde estava a maior parte de sua população, o
Código Civil de 1916 dava tratamento jurídico bastante sólido aos institutos jurídicos da propriedade,
da família constituída pelo casamento e do contrato.

Contudo, o Brasil passou por grandes transformações sociais e


econômicas ao longo do Século XX, e inegavelmente o Código Civil de 1916 foi tornando-se
distanciado de algumas necessidades que surgiam prementes para um Brasil que se industrializou e

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Bürgerliches Gesetzbuch (BGB).

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cresceu, que passou por correntes migratórias, êxodo rural, crescimento das cidades e otimização da
vida urbana, com novos costumes e práticas comerciais, sobretudo, com a industrialização e o
consumo em massa.

Tais transformações sociais e econômicas profundas verificadas


durante o tempo de vigência do Código Civil de 1916 geraram reflexos no plano jurídico do direito
privado, já que o regramento da propriedade, da família e do contrato necessitavam de bases novas
atreladas à nossa realidade social contemporânea (para citarmos apenas algumas principais),
sobretudo, após a promulgação da Constituição Federal em 1988, e o advento do Código de
Defesa do Consumidor que entrou em vigor em 1990.

Paulatinamente, fez-se possível notar que o Direito Civil necessitava


ser também interpretado à luz de valores sociais superiores, em especial, os de dignidade da pessoa
humana, solidariedade e igualdade que tinham se estabelecido como linhas constitucionais
preponderantes, como, aliás, extraímos dos artigos 1º, III, 3º, I, e 5º, caput, da Constituição Federal,
e que obviamente deveriam se sobrepor aos antigos conceitos absolutos de família, de contrato e de
propriedade outrora sedimentados ao tempo da elaboração de nossa lei civil de 1916.

No particular aspecto do estudo do contrato, alguns pontos de


distanciamento entre o Direito Civil e o Direito do Consumidor foram consideravelmente reduzidos
com o advento do Código Civil de 2002, justamente pela necessidade de se reinterpretar o direito
privado brasileiro em alinhamento com os preceitos constitucionais de 1988.

Atualmente, podemos assegurar que o contrato é instituto jurídico


clássico, que deve ser cumprido como negócio jurídico formador do vínculo obrigacional, mas
conformado a valores superiores constitucionais, permitindo sua compreensão no âmbito de um
autêntico Direito Civil Constitucional, sendo autêntica fonte privada criadora de obrigações, mas
com conteúdo que deve estar em conformidade com os limites sociais da dignidade humana,
solidariedade e igualdade.

O contrato atualmente segue compreendido em sua essência clássica e


tradicional, sendo que tal como nas sociedades antigas desenvolvidas, com as bases do Direito
Canônico na Idade Média, ou mesmo modernamente quando do resgate de sua importância com o
Iluminismo, o contrato deve ser entendido pela sociedade como veículo de bem-estar pessoal e social.

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Ademais, até mesmo o hiato que antes se estabeleceu entre o


descompasso do Código Civil de 1916 e o Código de Defesa do Consumidor de 1990 deixou de
existir. Esses sistemas atualmente se estabelecem em diálogo.

Sim, pois em outras palavras, o Código Civil de 2002 está alinhado ao


Código de Defesa do Consumidor, não mais existindo dois sistemas completamente antagônicos para
o tratamento do negócio contratual como antes se via no período em que vigoraram simultaneamente
a lei de consumo e a lei civil revogada, ou seja, entre setembro de 1990 e janeiro de 2003.

Há alinhamentos inegáveis entre os dois sistemas estabelecidos pelo


Código Civil em vigor e o CDC à luz dos valores constitucionais acima destacados, tornando o
contrato um negócio erigido em novas bases, bem mais harmônicas com o atual conjunto de valores
individuais e sociais, fazendo preponderar bem mais a pessoa e não o negócio em abstrato. É o
chamado Direito Civil Constitucional, um caminho sem volta em nosso estudo.

Nesse sentido, cito:


[...] Por isso é que o contrato deve ser analisado sob o prisma da personalização do
Direito Privado e do Direito Civil Constitucional, a fim de atender o mínimo para que a pessoa viva com dignidade. O foco
principal do contrato não é o patrimônio, mas sim o indivíduo que contrata. Aliás, talvez seja por esse motivo que Luiz
Díez-Picazo e Antonio Gullón afirmam que não é correto utilizar a expressão autonomia da vontade, mas sim autonomia
privada, eis que a autonomia não é da vontade, mas da pessoa (Sistema..., 2003, p. 379). Diante da valorização da pessoa
e dos três princípios do Direito Civil Constitucional (dignidade da pessoa humana, solidariedade social e igualdade em
sentido amplo), não se pode olvidar que houve uma forte aproximação entre dois sistemas legislativos importantes para
os contratos, sendo certo que tanto o Código Civil de 2002 quanto o Código de Defesa do Consumidor consagram uma
principiologia social do contrato. Nesse contexto, muitos doutrinadores propõem hoje um diálogo necessário entre as duas
leis e não mais um distanciamento, como antes era pregado. Por uma questão lógica, o Código de Defesa do Consumidor
estava distante do Código Civil de 1916, que era individualista e apegado a um tecnicismo exagerado. Isso não ocorre
em relação ao Código Civil de 2002. Por muito tempo, afirmou-se que, em havendo relação jurídica de consumo, não
seria possível a aplicação concomitante do Código Civil e do Código de Defesa do Consumidor. Isso, na vigência da
codificação privada anterior, eminentemente patrimonialista e muito afastado da proteção do vulnerável prevista na Lei
Consumerista. Entretanto, tem-se defendido atualmente um diálogo das fontes entre o Código Civil e o Código de Defesa
do Consumidor. Por meio desse diálogo, deve-se entender que os dois sistemas não se excluem, mas, muitas vezes, se
complementam (diálogo de complementaridade)” (TARTUCE, Flávio. Direito Civil - Vol. 3 - Teoria Geral dos Contratos
em Espécie, 11ª edição. Forense, 12/2015. VitalBook file, p. 8/9).

Por força desse contexto, ou seja, do diálogo entre os sistemas jurídicos


que regulam os ramos do ordenamento que tratam dos direitos do consumidor e do direito dos
contratos, ambos entrelaçados pelos valores sociais da Constituição Federal, assume especial

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importância em nossa época atual o estudo do tema relativo aos princípios – e aqui destacaremos
aqueles ditos clássicos e outros que temos como contemporâneos – posto que na condição de fontes
de interpretação e criação do Direito, colocam-se ao estudioso e ao profissional como linhas de
interpretação correta e como parâmetros de supressão de lacunas2, não nos olvidando que ainda
operam como critérios limitadores da liberdade contratual, quando esta desborda para a abusividade,
e novamente temos aqui fontes jurídicas essenciais, as principiológicas, em total alinhamento nos
dois sistemas do ordenamento e atualmente com mesma aplicação aos contratos de consumo ou
privados, sempre em conformidade com os valores constitucionais superiores: igualdade,
solidariedade e dignidade da pessoa humana.

Não é a proposta do presente texto o esgotamento do tema, mas sim,


sem dúvida, estabelecer a eleição dos princípios mais recorrentes na prática forense, e ao mesmo
tempo, que sejam didáticos ao estudo acadêmico, de sorte que em ambas as frentes retro citadas
possam traduzir o ideal de compreensão adequada do instituto do contrato do Século XXI.

II. Princípios eleitos.

1. Princípio da autonomia da vontade (autonomia privada). Critério


clássico de interpretação da força jurígena do contrato como fonte de obrigações válidas e exigíveis
perante o Estado-Juiz, essencial para determinar a importância do contrato para o meio social, ainda
que sua sedimentação tenha se constituído sob uma exclusiva ótica da vontade individual criadora de
direitos e obrigações, típica do Iluminismo francês e talhada para alicerçar o liberalismo econômico
do Século XIX que sustentou juridicamente a Revolução Industrial.

Sem dúvida, o contrato decorre da concepção de que o indivíduo


poderia criar regras com outro particular que seriam plenamente capazes de estabelecer, modificar ou
extinguir obrigações e direitos entre aqueles interessados, ou seja, fundadas na autonomia da vontade
de ambos, expressão do poder decorrente da capacidade individual, atributo da personalidade jurídica

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Art. 4o, Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro – LIDB (Decreto-lei 4657/42). Quando a lei for omissa, o juiz decidirá
o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.

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da pessoa física (mais recentemente, também da pessoa jurídica) de suscitar, mediante declaração de
vontade válida, efeitos reconhecidos e tutelados pela ordem jurídica, ou seja, tratou-se de princípio
absoluto no passado que orientava a interpretação dos negócios em torno da plena liberdade de
contratar, e por esta, expressão de uma das liberdades plena do indivíduo, traduzida pelo Iluminismo
como a própria existência de um autêntico poder de qualquer agente capaz de criar, modificar ou
extinguir direitos, bem como, obrigações.

Em seu desenvolvimento clássico, o aludido princípio recomendava a


soberania da liberdade individual de contratar, de criar autonomamente pela vontade do emissor a
partir da pura aceitação do receptor um vínculo jurídico bilateral obrigacional exigível
reciprocamente, dotado de força jurídica plena para responsabilizar quaisquer dos celebrantes
justamente porque a vontade era expressão da liberdade individual para criar direitos e
obrigações.

Contudo, ao tempo do desenvolvimento jurídico da autonomia da


vontade contratual, a realidade social era outra na Europa e no Brasil. A autonomia da vontade
segundo a ótica do Estado Liberal do Século XIX passou a se chocar com os direitos fundamentais
reconhecidos como pilares de um Estado Social no final do Século XX.

A limitação da vontade consoante tais primados superiores passou a


preponderar e desta forma evoluímos na concepção jurídica da vontade, passando a notar que mais
importava a concepção jurídica da pessoa humana.

A autonomia da vontade precisava ser a autonomia da pessoa (cuja


dignidade humana, igualdade e solidariedade estavam acima do vínculo obrigacional formalmente
estabelecido), ou seja, quando da celebração do vínculo, e frente a alguns conteúdos (cláusulas)
contratuais injustos e desprovidos de equidade, deveria se impor a dignidade da pessoa sobre a
vontade formalmente geradora do vínculo, para enfim termos uma solução jurídica que permitisse
extirpar excessos que a nova realidade contratual nos trouxe sobretudo com o contrato de adesão, ou,
em outras palavras, admitir o contrato não como uma “lei privada” absoluta, como uma amarra que
poderia ser injusta em razão do poder da vontade imposta pelo mais forte economicamente sobre o
mais fraco.

Com a atual sistemática de interpretação do Direito Privado a partir de

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uma ótica alinhada à Constituição Federal, o que era antes considerado absoluto precisou ser revisto
pela Ciência do Direito, pois as modernas relações de massa e o contrato de adesão nos trouxeram
novas necessidades e uma premente reflexão em torno do quão poderia ser equivocado pensarmos
numa vontade humana jurígena, mas que não era mais “tão autônoma” em razão das formas
contemporâneas de contratação, e assim distinguir, no âmbito da liberdade individual expressada
pela vontade autônoma, a diferença entre a liberdade de contratar (de celebrar contratos,
plenamente mantida como absoluta), da liberdade contratual (de definir o conteúdo da
contratação, revista à luz de valores sociais superiores).

Nesse mesmo sentido, temos a lição de Rizzardo:


“[...] A partir de suas origens, assegurando à vontade humana a possibilidade de criar
direitos e deveres, firmou-se a obrigatoriedade das convenções, equiparando-as, para as partes contratantes, à própria
lei. Desde o surgimento, passando pelo direito romano e pelas várias correntes filosóficas e jurídicas da história, o princípio
da autonomia da vontade sempre foi consagrado. Por isso, é o contrato considerado como o acordo de vontades livres e
soberanas, insuscetível de modificações trazidas por qualquer outra força que não derive das partes envolvidas. Induziu
a tão alto grau a liberdade de pactuar, que afastou quase completamente a interferência estatal. Assim pontificou na
doutrina de J. J. Rousseau, na qual prepondera a vontade geral, e não a individual, com o menor envolvimento possível
do Estado, formada pelo livre consentimento das vontades individuais, vindo a constituir o contrato social. [...] Em certos
sistemas, foi elevado à categoria de lei, como está expresso no art. 1.134 do Código Civil francês, que preceitua: “As
convenções têm valor de lei entre as partes”. A formação histórica e tradicional dos povos ocidentais fez exsurgir
espontaneamente os princípios que hoje o regem: I – Autonomia da vontade, que alcançou o auge no período do
liberalismo individualista do Século XIX, resultado de uma longa reação contra as limitações impostas pelo Estado durante
a Idade Média; Assegura-se a liberdade para as partes decidirem nos seus ajustes, valendo-se de contratos nominados,
referidos pelo Código Civil, e inominados, estabelecendo as cláusulas que desejarem; II – A supremacia da ordem pública,
pela qual são proibidas estipulações contrárias à moral, à ordem pública e aos bons costumes. Exemplificando, é proibida
a cobrança de juros superiores a doze por cento ao ano e fere ao disposto no art. 412 a cominação de cláusula penal de
valor excedente ao da obrigação principal; III – A obrigatoriedade da convenção, ou seja, o estipulado pelas partes deverá
ser cumprido, sob pena de execução patrimonial contra o inadimplente. Excepcionam-se os casos fortuitos ou o
descumprimento em virtude de força maior – art. 393 e parágrafo único. A autonomia da vontade está ligada à liberdade
de contratar, que se submete, no entanto a limites, não podendo ofender outros princípios ligados à função social do
contrato” (RIZZARDO, Arnaldo. Contratos, 17ª edição. Forense, 01/2018. VitalBook file, p. 18/20).

A vontade continua sendo um diferencial do ser humano em relação aos


demais seres, e tal vontade continua tendo força jurígena, capaz de criar obrigações, e, através destas,
direitos privados. Mas evoluímos da concepção liberal do Século XIX, através da qual no campo dos
contratos prevalecia absolutamente a vontade, para uma concepção socializante do Século XXI em
que a autonomia maior é a da pessoa humana, preponderante sobre a vontade expressada.

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Forçoso repetir, a autonomia da vontade evoluiu para uma autonomia


da pessoa, ou como normalmente chamada, evoluímos para adotar como norte principiológico a
autonomia privada, que recomenda, tal como o princípio superado (da vontade autônoma), o de
criação do conteúdo obrigacional, mas com limites impostos pelo ordenamento em respeito à pessoa
humana, ou seja, limites impostos por outros princípios socializantes, em especial, os de função social
e de boa-fé objetiva.

Não podemos jamais banalizar a força decorrente da autonomia privada


na celebração de um negócio, pois era e ainda é um dos principais aspectos para se exigir o
cumprimento da obrigação perante a ordem jurídica, gerando a responsabilidade patrimonial do
devedor. Apenas não é mais um conceito absoluto de vinculação, estando limitada por valores
individuais e sociais, como direitos fundamentais de nossa Lex Superior que se espraiaram para todos
os campos regulados pelo direito, dos quais destacamos a própria ordem econômica nacional 3 e as
liberdades particulares de contratar (de celebrar contratos) e a contratual (de definir o conteúdo da
contratação).

2. Princípio da força vinculante (ou força obrigatória). Aqui, outro


princípio clássico, de formação antiga na Ciência do Direito. Reconhecido como fonte em sistemas
jurídicos da Antiguidade, do Código de Hamurabi ao Direito Romano, e ressurgido com grande
importância no desenvolvimento do direito canônico, que de certa forma via nessa base do direito
romano antigo a imposição necessária para a consolidação do negócio contratual, e que, portanto, na
Idade Média, aproximava até o fato da mora contratual com os conceitos morais da mentira e do
próprio pecado de então, daí o desenvolvimento canônico da ideia romana de obrigatoriedade
absoluta do vínculo (pacta sunt servanda).

A força vinculante que emana do negócio contratual segue sendo um


conceito essencial para a existência e importância do direito privado em razão de sua primaz fonte
particular de obrigações válidas, através da qual circulam riquezas, bem-estar individual com a
supressão de necessidades, e desenvolvimento social, tudo porque a força vinculante obrigacional
que se vê na essência do contrato – não haveria o negócio como instituto sem o qual – decorre da

3 Art. 170, Constituição Federal. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim
assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social,

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segurança jurídica que aquela propicia.

E, aqui, invocamos a lição de Venosa:

[...] Um contrato válido e eficaz deve ser cumprido pelas partes: pacta sunt servanda.
O acordo de vontades faz lei entre as partes, dicção que não pode ser tomada de forma peremptória, aliás, como tudo
em Direito. Sempre haverá temperamentos que por vezes conflitam, ainda que aparentemente, com a segurança jurídica.
Essa obrigatoriedade forma a base do direito contratual. O ordenamento deve conferir à parte instrumentos judiciários
para obrigar o contratante a cumprir o contrato ou a indenizar pelas perdas e danos. Não tivesse o contrato força
obrigatória estaria estabelecido o caos. Ainda que se busque o interesse social, tal não deve contrariar tanto quanto
possível a vontade contratual, a intenção das partes. Decorre desse princípio a intangibilidade do contrato. Ninguém pode
alterar unilateralmente o conteúdo do contrato, nem pode o juiz, como princípio, intervir nesse conteúdo. Essa é a regra
geral. As atenuações legais que a seguir estudaremos alteram em parte a substância desse princípio. A noção decorre
do fato de terem as partes contratado de livre e espontânea vontade e submetido sua vontade à restrição do cumprimento
contratual porque tal situação foi desejada. Ao iniciarmos o estudo das obrigações, vimos que existe um estímulo que nos
impulsiona a conseguir algo. Do sopesamento desse estímulo com as limitações psíquicas teremos a noção do homem
equilibrado, ou do bonus pater famílias” (VENOSA, Sílvio Salvo. Direito Civil - Vol. 3 - Contratos, 18ª edição. Atlas,
12/2017. VitalBook file, p. 17/18).

Por óbvio que o dirigismo contratual do Estado Social na atualidade


diminui essa força, mas nem por isso sua substância pode ser considerada extinta em nenhuma
hipótese.

Trata-se de princípio que nos lembra a inegável imperatividade do


contrato, ou seja, indica que de fato o contrato, como força capaz de criar, modificar ou extinguir
direitos ou obrigações, vincula concretamente os contratantes ao seu conteúdo, devendo o contrato,
em regra, sempre ser cumprido, sem possibilidade de dissipação do vínculo, salvo pelo cumprimento
do contrato ou pelo advento de outro negócio jurídico que desfaça o contrato anterior (distrato), por
excludentes superiores (tal como a força maior ou o caso fortuito e a imprevisão), ou exercício de
arrependimento nele próprio previsto, e isso porque o contrato deve traduzir segurança e somente
haverá certeza de segurança se o contrato gerar a criação de um vínculo reconhecido pelo Direito,
que verdadeiramente impeça a alteração unilateral e imotivada do contrato por um dos contratantes,
sem a justa concordância do outro ou sem outra causa legal.

De fato, devemos reconhecer que esse princípio não mais se impõe


como um conceito absoluto e abstrato em relação ao homem, mas antes da Revolução Industrial era
realmente um critério quase intransponível para representar a vinculação das partes contratantes.

Contudo, no Direito Brasileiro contemporâneo, desde o advento da

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Constituição Federal, e a concreta positivação do princípio constitucional da dignidade humana em


nossa Lex Superior, a força obrigatória, como princípio de direito privado, tem sofrido constante
processo de relativização, mormente com o advento do Código de Defesa do Consumidor, e mais
recentemente, com a entrada em vigor do Código Civil em 2002. Podemos buscar uma demonstração
dessa transformação conceitual da força vinculante na atualidade, de sorte a tornar esse estudo mais
simplificado.

Talvez o exemplo mais claro resida nos contratos de planos privados de


saúde. A exploração desse segmento é totalmente válida pela iniciativa privada, pois o Estado não
reserva para si o monopólio dos serviços de saúde à população. Essa ausência de reserva pública dos
serviços de saúde permite que a iniciativa privada explore esse segmento econômico, e dele extraia
lucros, justamente porque o Estado reconhece sua incapacidade de abastecer toda a população.

Os contratos vinculam as partes em torno dos serviços de saúde


oferecidos pela iniciativa privada, e obviamente, representam o instrumento através do qual os
fornecedores desses serviços irão regular a oferta buscando maior lucro. O resultado dessa perspectiva
econômica materializada no contrato, muitas vezes, se traduz em instrumentos com cláusulas
restritivas para os serviços mais custosos, sem qualquer possibilidade do outro contratante debater o
conteúdo do ajuste, simplesmente porque o contrato já está impresso, pronto e acabado.

Posteriormente, aquele contratante que crê estar sob cobertura


contratual para problemas de sua saúde, se surpreende diante do alcance de certas cláusulas
contratuais, justamente quando precisa invocar o vínculo contratual para proteger sua saúde
fragilizada. Atualmente, há mecanismos legais e princípios que norteiam uma certa relativização
dessa força vinculante em situações que exijam um maior respeito do contrato a valores maiores,
individuais ou sociais, no exemplo dado, o Código de Defesa do Consumidor e a Lei dos Planos de
Saúde, e os princípios contratuais da boa-fé objetiva e da função social.

O contrato “faz lei entre as partes”, como outrora fazia e até os dias
atuais faz. Contudo, para permear esse vínculo obrigatório que gera segurança jurídica, há atualmente
em nosso sistema jurídico a necessidade de o contrato respeitar valores constitucionais de dignidade
da pessoa humana, igualdade e justiça social, repetimos.

Nosso conceito de “força obrigatória” está modulado pela função social

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e pela boa-fé objetiva.

3. Princípio da relatividade subjetiva (ou da relatividade dos


efeitos). Novamente, um princípio clássico a ser sempre lembrado. Os efeitos do contrato, em regra,
atingem apenas os celebrantes do contrato, não podendo obrigar outrem que ao pacto não anuiu, e
esse princípio orienta a noção do instituto jurídico desde o Direito Romano 4. Esta vinculação dos
efeitos contratuais aos sujeitos do negócio é um importante diferencial entre o direito pessoal (ou
contratual) e o direito real (ou direito das coisas), já que não é incorreto ter como norte que os direitos
pessoais se caracterizam por seus efeitos inter partes, em contraposição aos efeitos erga omnes dos
direitos reais.

De qualquer forma, há exceções a essa vinculação dos efeitos aos seus


celebrantes, tais como as modalidades contratuais de estipulação em favor de terceiro (artigos 436 a
438, do Código Civil), da promessa de fato de terceiro (artigos 439 e 440, Código Civil), do contrato
com pessoa a declarar (artigos 467 a 471, Código Civil), e da sempre lembrada responsabilidade dos
herdeiros até os limites da herança por obrigações impessoais integrantes do patrimônio do autor da
herança (artigo 1792, Código Civil).

Afora as exceções acima, expressamente tratadas no próprio Código


Civil, a relatividade dos efeitos do contrato aos contratantes também é atualmente informada pela
função social do contrato5, tal como já vimos ocorrer com a autonomia privada e a força obrigatória,
outrora princípios que tinham outra roupagem.

Significa dizer que comportamentos economicamente agressivos de


terceiros não contratantes, que desconsideram a existência do contrato, e que se comportam de forma
a alterar seu equilíbrio estimulando o inadimplemento de um dos contratantes (ou a adoção de um
comportamento desleal de um contratante em relação ao outro contratante), podem ser
responsabilizados civilmente, mesmo não sendo contratantes daquele pacto.

4
Res inter alios acta, allis nec prodest nec nocet (Os atos dos contratantes não aproveitam nem prejudicam a terceiros).

5
Enunciado 21, do Conselho da Justiça Federal (I Jornada de Direito Civil): “A função social do contrato, prevista no art. 421 do
novo Código Civil, constitui cláusula geral a impor a revisão do princípio da relatividade dos efeitos do contrato em relação a terceiros,
implicando a tutela externa do crédito”.

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É o que comumente a doutrina destaca como a tutela externa do crédito


(ou teoria do terceiro cúmplice)6, e que encontra amparo na regra do artigo 608, do Código Civil7.

4. Princípio da função social do contrato (Princípio da


Sociabilidade). Passemos agora a analisar um princípio contemporâneo de nosso tempo.

Seguramente, como decorrência do princípio constitucional da


dignidade da pessoa humana, outras fontes passaram a ser francamente identificadas em nosso
ordenamento, o que também ocorre com o Direito Civil, interpretado à luz da Constituição Federal.

Antes ignorada no Código Civil de 1916, mas resgatada pela


Constituição Federal de 1988 que deu roupagem socializante ao exercício da propriedade privada, e
que fez repercutir a mesma concepção no universo jurídico do contrato, a função social já havia sido
identificada como princípio jurídico no Código de Defesa do Consumidor, e como também ocorreu
com a boa-fé objetiva, em autêntico diálogo de fontes, passou a informar todo o Direito Civil com
franca aplicação aos dois sistemas.

Sua importância é inegável no atual estágio dos direitos fundamentais


constitucionais que se espraiam horizontalmente para os demais ramos do ordenamento jurídico. Bom
exemplo disso é que, embora não fosse imprescindível ser positivado em norma, a função social foi
ressaltada expressamente no Código Civil8.

6
Nesse sentido: “INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS, MORAIS E À IMAGEM – Empresa-autora que foi prejudicada pelo
aliciamento do principal artista de sua campanha publicitária por parte da empresa-ré – Improcedência da demanda – Inconformismo –
Acolhimento parcial – Requerida que cooptou o cantor, na vigência do contrato existente entre este e a autora – Veiculação de posterior
campanha publicitária pela ré com clara referência ao produto fabricado pela autora – Não observância do princípio da função social do
contrato previsto no art. 421 do Código Civil – Concorrência desleal caracterizada – Inteligência do art. 209 da Lei n° 9.279/96 – Danos
materiais devidos – Abrangência de todos os gastos com materiais publicitários inutilizados (encartes e folders) e com espaços
publicitários comprovadamente adquiridos e não utilizados pela recorrente, tudo a ser apurado em liquidação – Dano moral –
Possibilidade de a pessoa jurídica sofrer dano moral – Súmula 227 do Colendo Superior Tribunal de Justiça – Ato ilícito da requerida que
gerou patente dano moral e à imagem da requerente – Sentença reformada – Ação procedente em parte – Recurso parcialmente provido.
(sem grifos no original)”. Tribunal de Justiça de São Paulo, 5ª Câmara de Direito Privado. Apelação nº 9112793-79.2007.8.26.0000, da
Primo Schincariol Indústria de Cervejas e Refrigerantes S/A, São Paulo – SP, 12 de junho de 2013.

7
Art. 608, Código Civil. Aquele que aliciar pessoas obrigadas em contrato escrito a prestar serviço a outrem pagará a este a importância
que ao prestador de serviço, pelo ajuste desfeito, houvesse de caber durante dois anos.

8
Art. 421, Código Civil. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.

Art. 2.035. [...] § único, Código Civil. Nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública, tais como os

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A função social é um limitador da própria autonomia privada. No


mesmo sentido, destacamos o Enunciado 23, do Conselho da Justiça Federal (I Jornada de Direito
Civil) que bem define esse aspecto: “A função social do contrato, prevista no art. 421 do novo Código Civil, não
elimina o princípio da autonomia contratual, mas atenua ou reduz o alcance desse princípio quando presentes interesses
metaindividuais ou interesse individual relativo à dignidade da pessoa humana”.

Por esse princípio, orientamo-nos ao interpretá-lo que o contrato não


encerra mais exclusiva importância e interesse aos seus celebrantes, não mais pode ser interpretado
como regra absoluta de criação de obrigações e direitos, e ainda, que cumpre um importante papel
para a sociedade, devendo o contrato regular não apenas os interesses particulares dos contratantes,
mas também limitar-se contra excessos e obedecer a valores sociais e coletivos, tais como o meio
ambiente, o conjunto de consumidores e terceiros não contratantes que possam ser diretamente
atingidos, ou seja, a segurança das pessoas e o bem-estar daqueles que direta ou indiretamente possam
sofrer algum reflexo do contrato.

O contrato deve atender ao homem e ao meio social, de forma a cumprir


uma finalidade profícua. Do que adiantaria a existência de um contrato de plano de saúde, se o mesmo
fizesse aplicar ao contratante um conteúdo lesivo à saúde, limitador da recuperação desta, frustrando
a expectativa que sua celebração gera? Devemos nos perguntar se o contrato pode ferir a dignidade
da pessoa humana, liberdade e igualdade, ou se ainda o contrato pode existir no bojo de uma ordem
econômica que a Constituição Federal admite apenas se houver preservação da dignidade e justiça
social. A resposta negativa se impõe com total clareza.

Segundo o artigo 421, do Código Civil, a função social do contrato


passa a estabelecer um próprio limite para a autonomia privada e a liberdade contratual. Há na norma
o reconhecimento de um interesse maior de que a sociedade não seja engolida pela força do capital
cujo contrato pode servir de instrumento.

Devia mesmo ser clara a ligação entre a evolução do conceito de


propriedade e a evolução do conceito de contrato, ambos migrando de uma concepção absoluta para

estabelecidos por este Código para assegurar a função social da propriedade e dos contratos”.

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uma posição mais social (artigo 170, III, Constituição Federal)9.

Afinal, o contrato é a uma das vias de acesso à conquista da


propriedade, sobretudo, em sistemas jurídicos nos quais o contrato é suficiente a tanto, como o
francês.

Bem se vê, portanto, que a função social é estabelecido como preceito


de ordem pública (artigo 2035, § único, Código Civil), a condicionar a eficácia dos contratos em geral
e seu campo de aplicação é amplo, seja entre os próprios contratantes, em uma chamada eficácia
interna ou intrínseca, a atenuar a força de vinculação das cláusulas contratuais claramente abusivas
que implicam em maior vulnerabilidade do contratante, sobretudo, no contrato de adesão, seja em
relação a terceiros ou a coletividade, com uma eficácia tida como externa ou extrínseca, ou seja, além
dos interesses particulares dos próprios celebrantes, não pode o contrato validamente prejudicar
terceiros (ou por terceiros ter sua eficácia prejudicada) ou a coletividade, e nesse particular aspecto,
decorre uma outra função, dita socioambiental.

Nesse sentido, invocamos:

[...] “Em resumo, a eficácia interna da função social dos contratos pode ser percebida:
a) pela mitigação da força obrigatória do contrato; b) pela proteção da parte vulnerável da relação contratual, caso dos
consumidores e aderentes; c) pela vedação da onerosidade excessiva; d) pela tendência de conservação contratual,
mantendo a autonomia privada; e) pela proteção de direitos individuais relativos à dignidade humana; f) pela nulidade de
cláusulas contratuais abusivas por violadoras da função social. Ainda quanto à eficácia interna, a função social dos
contratos, pelo que consta dos arts. 104, 166, II, 187 e 421 do Código Civil, pode se enquadrar nos planos da validade ou
da eficácia do contrato, o que depende de análise caso a caso. Isso porque, havendo no exercício da autonomia privada
um abuso do direito, estará configurado o ilícito, que pode eivar de nulidade a cláusula contratual ou mesmo todo o
contrato. Por outro lado, a eficácia externa da função social dos contratos pode ser extraída das hipóteses em que um
contrato gera efeitos perante terceiros (tutela externa do crédito, nos termos do Enunciado n. 21 do CJF/STJ); bem como
das situações em que uma conduta de terceiro repercute no contrato. Também, denota-se essa eficácia externa pela
proteção de direitos metaindividuais e difusos. Como exemplo de eficácia externa, ainda pode ser citada a função
socioambiental do contrato” (TARTUCE, Flávio. Direito Civil - Vol. 3 - Teoria Geral dos Contratos em Espécie, 11ª
edição. Forense, 12/2015. VitalBook file, p. 75/76).

9 Art. 170, Constituição Federal. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim
assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:[...] III – função social da
propriedade.

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5. Princípio da boa-fé objetiva (Princípio da Eticidade). Os romanos


antigos viam a boa-fé como um elemento de fidelidade das partes ao contrato firmado, ao passo que
o pensamento jurídico germânico agregou a esse conceito latino o elemento de lealdade frente ao
negócio. Não podemos, contudo, confundir as nuances em torno do primado ético da boa-fé, que em
sentido amplo (e simples) expressa a noção de conduta humana pautada pela correção e honestidade.

De forma genérica, temos a boa-fé como a conduta humana pautada


pela correção e honestidade (boa-fé em sentido amplo), da qual juridicamente extraímos a boa-fé
subjetiva, ou em termos simples, a honestidade do sujeito contratante, e no particular aspecto jurídico,
ao agente que desconhece vício em torno de uma relação estabelecida com outra pessoa, negócio ou
coisa.

Mas o conceito jurídico de boa-fé evoluiu na Europa, contaminando


diversos sistemas legais já no Século XX, como podemos destacar nos ordenamentos jurídicos de
Portugal, da Itália e da Alemanha, sendo notado outro aspecto da boa-fé em sentido amplo, que é a
chamada probidade.

O princípio da boa-fé objetiva no Brasil é de reconhecimento mais


recente, decorrência dessa fase socializante da propriedade e do contrato, instituída pela Constituição
Federal de 1988, e positivada em específico pelo Código de Defesa do Consumidor em 1990,
recentemente trazido para o Direito Contratual Civil com o vigente Código Civil de 200210.

A lei civil estabelece expressamente a “boa-fé e a probidade” como


regra geral no seu artigo 422, e de fato devemos compreender que se tratam de espécies do gênero
boa-fé objetiva (que tem sentido mais amplo, como dissemos acima), estando a englobar o querer
honesto (boa-fé subjetiva, que o legislador refere simplesmente como “boa-fé”) e o comportamento
leal, assistente e cooperativo (que o legislador refere como probidade).

Entendido esse princípio como uma autêntica “cláusula geral” aplicável


a qualquer contrato independentemente de sua inserção escrita, desprende-se aquele do sujeito

10 Art. 422, Código Civil. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os
princípios de probidade e boa-fé.

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contratante individualmente considerado, e em especial, ao seu querer honesto, para, além deste,
contaminar uma conduta exigível frente ao contrato, frente ao outro contratante e frente ao meio
social. Essa conduta contratual correta deixa de ser a do simples adimplemento de cláusulas firmadas,
para ser uma conduta contratual correta para contemplar, além do adimplemento, outros deveres
secundários, que, se descumpridos, também podem gerar responsabilização.

Tais deveres secundários costumam ser catalogados pela Doutrina sob


uma necessária avaliação de eticidade em torno do relacionamento contratual, com vistas a tornar o
contrato um instrumento de satisfação e não justamente o contrário, sendo possível citar como
principais:

a) dever de assistência em favor da outra parte;

b) dever de confidencialidade;

c) dever de respeito;

d) dever de informação em prol da outra parte quanto ao conteúdo do


negócio;

e) dever de agir conforme a confiança depositada;

f) dever de lealdade;

g) dever de colaboração.

Por qualquer forma que se analise o citado artigo 422, do Código Civil,
a boa-fé objetiva contratual, a par dos elementos tradicionalmente integrantes do contrato (partes
capazes, objeto lícito, forma prescrita ou não defesa em lei) encerrará elementos outros para a
contratação. Na sempre lembrada lição de Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho11, a boa-
fé objetiva gera um conjunto de funções importantíssimas para a moderna disciplina de estudo e
interpretação dos contratos, possibilitando melhor entendimento acerca da real vontade dos
contratantes (função interpretativa), maior cuidado em prol do contratante hipossuficiente
econômico-social, via de regra atingido pela necessidade de contratar de forma simplesmente adesiva
(função protetiva), além de possibilitar maior e melhor limitação à liberdade contratual evitando-se

11
Novo Curso de Direito Civil – V 4, T. I, 2ª ed. – São Paulo: Saraiva, 2006.

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o abuso de direito (função delimitadora do exercício de direitos subjetivos).

Flavio Tartuce discorre com enorme propriedade sobre uma quarta


função que nos parece tão ou mais relevante que as anteriores: a função integrativa, reconhecendo
aplicações de institutos do direito comparado “suprindo lacunas do contrato e trazendo deveres
implícitos às partes contratuais” 12. Essa aplicação de institutos com função integrativa nos parece
amplamente reconhecida e incorporada pela Jurisprudência, donde nosso interesse em incorporá-los
ao nosso estudo da boa-fé objetiva, dada sua real importância.

5.1. Boa-fé objetiva. Aspectos de sua função integrativa à luz da


Jurisprudência. A possibilidade de canalizar os diversos aspectos da probidade (assistência,
confidencialidade, respeito, informação, lealdade e colaboração) através de institutos de integração
para a supressão de lacunas para a interpretação devida aos contratos é realmente um tema
fundamental em nosso estudo13. Em síntese, podemos extrair, seguindo a lição de Tartuce, as
seguintes decorrências dessa função integrativa da boa-fé objetiva, seja na lei, seja
jurisprudencialmente:

a) supressio e surrectio: são institutos correlatos, que se aplicam tendo


uma mesma relação bilateral, mas respectivamente, para as partes contratuais distintas. A supressio
é a perda de uma prerrogativa contratual ou faculdade legal pelo não exercício e pela adoção de um
comportamento contratual exatamente oposto. Já a surrectio é justamente o reflexo que o instituto
anterior provoca em benefício da outra parte celebrante, na medida em que o costume verificado no
cumprimento do contrato, contrariando determinada prerrogativa, faz surgir com o tempo a justa
expectativa de sua continuidade. Ótimo exemplo pode ser extraído da regra do artigo 330, do Código
14
Civil , que admite que o costume no cumprimento de uma obrigação contratual transforme uma
obrigação portável em quesível.

12
TARTUCE, Flávio. Direito Civil - Vol. 3 - Teoria Geral dos Contratos em Espécie, 11ª edição. Forense, 12/2015. VitalBook file, p.110.

13
Enunciado 26 do Conselho da Justiça Federal/STJ: “A cláusula geral contida no art. 422 do novo Código Civil impõe ao juiz
interpretar e, quando necessário, suprir e corrigir o contrato segundo a boa-fé objetiva, entendida como a exigência de comportamento
leal dos contratantes”.

14 Art. 330, Código Civil. O pagamento reiteradamente feito em outro local faz presumir renúncia do credor relativamente ao previsto no
contrato.

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E ainda:
Ementa: PARCERIA AGRÍCOLA – Pretensões resolutória por inadimplemento
contratual julgada improcedente e parcialmente procedente a pretensão indenizatória – Infrações a diversas cláusulas
contratuais inculcadas aos parceiros outorgados devidamente comprovadas nos autos – Comportamento da parceira
outorgante que não caracteriza aceitação (supressio), autorizando a resolução do contrato, com a consequente
restituição do imóvel objeto da parceria, no estado em que se encontrava – Condenação dos parceiros outorgados ao
pagamento da parte devida à parceira outorgante que deixou de ser paga nas datas aprazadas, com juros e correção
monetária, em especial aquela pelos contratos firmados com CUTRALE e CITROSUCO – Condenação fixada na
sentença, no tocante ao ressarcimento do que foi desembolsado pela parceira outorgante com a manutenção das
benfeitorias, mantida – Encargos da sucumbência carreados integralmente aos parceiros outorgados – Apelação da
parceira outorgante provida, não provida a dos parceiros outorgados. (TJSP – Apelação 1001813-75.2016.8.26.0619 –
Rel. Des. Sá Duarte - Comarca: Taquaritinga – 33ª Câmara de Direito Privado – data do julgamento: 11/02/2019).

Ementa: Apelação. Ação declaratória de rescisão contratual com pedido de cobrança


de valores e tutela de urgência. Contratos de parceria agrícola e compra e venda - Cana-de-Açúcar - Alegado crédito
junto às rés - Reconvenção na qual as rés alegam crédito junto aos autores decorrentes da cana fundada (soqueira) -
Sentença de procedência na ação principal e improcedência na reconvencional - Apelo das rés - Afastadas as preliminares
de ilegitimidade passiva e cerceamento de defesa - Perícias somente seriam necessárias se viável o processamento da
reconvenção - Ausência de pressuposto processual (falta de recolhimento de custas) - Extinção da reconvenção sem
julgamento do mérito, de ofício - Matéria de ordem pública - Pagamento mensal e não mero adiantamento - Princípio da
boa-fé objetiva - Surrectio - Facultada a rescisão contratual pelos autores - Inteligência do artigo 92, parágrafo 6°, da
Lei nº 4.504/64 (Estatuto da Terra) - Redução das multas a 1/3 do valor, considerando o tempo de cumprimento do
contrato - Precedentes jurisprudenciais - Honorários advocatícios sucumbenciais já fixados no percentual mínimo -
Inteligência do artigo 85, §2°, do CPC/2015 - Sentença parcialmente reformada. Recurso provido em parte. (TJSP –
Apelação 1000216-32.2018.8.26.0383 – Relª Desª Maria Cristina de Almeida Bacarim - Comarca: Nhandeara – 29ª
Câmara de Direito Privado – data do julgamento: 12/02/2019).

b) tu quoque: relacionado ao eventual grito de dor de Júlio César ao ser


atacado e morto reconhecendo dentre os agressores seu próprio filho, essa aplicação da boa-fé
objetiva integra a hipótese de que um contratante, que descumpre uma norma jurídica, não possa se
valer da situação alcançada para locupletar-se frente ao outro contratante. Cito, como aplicação
jurisprudencial, a situação verificada entre a Petrobrás e proprietários de cinco fazendas, nas quais a
primeira explorava petróleo em terras particulares, mas com contratos de concessão escritos apenas
para duas das propriedades, e que em ação de cobrança de royalties aforada pelos fazendeiros,
sustentou a empresa petrolífera que a existência de contrato escrito seria pressuposto para os
pagamentos desejados pelos fazendeiros segundo os artigos 43, 51 e 52 da Lei n. 9.478/97 (norma
que trata da concessão de terras para a exploração de petróleo), típica hipótese de aplicação da
fórmula tu quoque, que foi rechaçada pelo Superior Tribunal de Justiça:

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DIREITO DO PETRÓLEO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO AJUIZADA POR


PARTICULARES PARA A COBRANÇA DE COMPENSAÇÃO FINANCEIRA PELA EXTRAÇÃO DE PETRÓLEO EM
SUAS PROPRIEDADES. INEXISTÊNCIA DE CONTRATO CELEBRADO ENTRE A PETROBRÁS E O PROPRIETÁRIO
DA TERRA. EFETIVA EXPLORAÇÃO RECONHECIDA. ÔNUS DA PROVA. IRRELEVÂNCIA. ARTS. 43, 51 e 52 da Lei
n. 9.478/97. INAPLICABILIDADE.

1. A discussão sobre o ônus da prova acerca da existência de relação jurídica


contratual é absolutamente irrelevante para o desate da controvérsia, porquanto a causa de pedir e o pedido da demanda
centram-se na possibilidade de retribuição financeira aos autores em razão de exploração de fato de atividade petrolífera
na propriedade privada, uma vez que, quanto às propriedades "Santa Bárbara", "Bomsucesso" e "Canabrava", é
incontroverso a inexistência de contrato escrito. Por outro lado, saber se o contrato relativo às demais fazendas foi
corretamente cumprido pela PETROBRAS S/A é providência que demandaria releitura de cláusulas contratuais e reexame
de provas, o que é vedado pelas Súmulas 5 e 7 do STJ. 2. No caso, alega-se violação dos arts. 43, 51 e 52 da Lei n.
9.478/97 - conhecida como "Lei do Petróleo" -, ao fundamento de que os mencionados dispositivos exigem a celebração
de contrato como requisito à compensação financeira dos proprietários da terra explorada. 3. Em um cenário de abertura
do mercado e de necessidade regulatória veio a lume a chamada "Lei do Petróleo" (Lei n. 9.478/97), que definiu objetivos
macroeconômicos para o setor, instituiu a Agência Nacional do Petróleo e, de forma inovadora, redesenhou o papel que
seria, doravante, exercido pela PETROBRAS S/A, como competidora privada do setor energético, ficando claro tratar-se
não de uma prestadora de serviço público, mas de um agente - entre vários outros - na exploração de atividade econômica
em sentido estrito. 4. No tocante à atividade petrolífera propriamente dita, coube à Lei disciplinar a forma pela qual a
iniciativa privada deve se inserir nesse mercado, e, como não poderia ser diferente, em harmonia com as exigências
constitucionais, previu a Lei do Petróleo que "[a]s atividades de exploração, desenvolvimento e produção de petróleo e
de gás natural serão exercidas mediante contratos de concessão, precedidos de licitação, na forma estabelecida nesta
Lei" (art. 23). 5. Com efeito, são esses os contratos regulados pelos arts. 43 e 44 da Lei, aos quais também fazem
referência os arts. 51 e 52 do mesmo Diploma. Vale dizer, os mencionados dispositivos disciplinam os contratos de
concessão celebrados entre o poder concedente (União) e a concessionária da iniciativa privada (ou a PETROBRAS S/A)
vencedora de processo licitatório para a exploração de atividade petrolífera, tudo em consonância com os novos ditames
de participação privada nesse setor da economia. 6. A relação jurídica estabelecida entre a concessionária exploradora e
o particular é pré-definida no próprio contrato de concessão assinado entre aquela e o poder concedente (União/ANP),
assim também no edital de licitação para a exploração da atividade, nos termos do que dispõe o art. 28 do Decreto n.
2.705/98.7. Obviamente, a norma indicada como violada deve ter relação com o pedido e as alegações expendidas
no especial. Ou seja, é necessário que o artigo apontado, de fato, corrobore a pretensão do recorrente, de modo
que, ao menos em tese, sua aplicação à hipótese concreta dos autos se mostre possível. Inexistindo correlação
lógica entre a tese defendida e os artigos listados como violados, que não seriam aplicáveis nem mesmo em tese
ao caso concreto, incide a Súmula n. 284/STF. Precedentes. 8. Ademais, é incontroverso que a PETROBRAS S/A
explora a propriedade privada dos autores para a extração de petróleo, restringindo suas alegações à ausência de contrato
escrito entre a estatal e os proprietários. Assim, tal como entendeu o acórdão recorrido, se a ausência de pactuação
escrita fosse razão suficiente para a estatal deixar de pagar a retribuição financeira aos particulares, também
deveria ser justificativa mais que razoável para que ela nem mesmo chegasse a explorar a área. 9. Recurso especial
não conhecido” (STJ, RECURSO ESPECIAL Nº 1.159.941 - SE (2008/0242143-0) RELATOR : MINISTRO LUIS FELIPE
SALOMÃO – 4ª Turma – J. 05/02/2013).

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c) exceptio doli: a fórmula ora em foco é aplicável como mecanismo de


defesa, e guarda incidência para hipóteses em que uma das partes contratantes pretenda quebrar
unilateralmente a cadeia obrigacional em seu equilíbrio originário, o que enseja uma defesa por parte
do outro celebrante do contrato, na busca da manutenção do equilíbrio da cadeia obrigacional
originária. Ótimo exemplo decorre da vedação legal de um dos contraentes exigir o cumprimento da
prestação a cargo do outro, sem antes ter honrado a sua própria (artigo 476, Código Civil).

Além do exemplo legal acima indicado, a exceptio doli é um gênero,


que comporta outras aplicações em espécie, sempre tendo em conta a ideia principal de mecanismo
de defesa de um dos contraentes contra a pretensão de quebra de equilíbrio contratual pela força
unilateral da outra parte, em regra, de maior vulto e poder econômico. Cito, para tanto, como exemplo:

Ementa: APELAÇÃO. PLANO DE SAÚDE. OBRIGAÇÃO DE FAZER. Contrato regido


pelo sistema de autogestão, ao qual não se aplicam as regras do Código de Defesa do Consumidor. Inteligência da
Súmula n. 608 do C. STJ. Migração de plano de saúde imposta unilateralmente ao beneficiário, com reajuste das
mensalidades em mais de 60%. Descabimento. Violação ao princípio da boa-fé objetiva, do qual decorre o exercício
inadmissível de posições jurídicas. Ademais, o princípio do pacta sunt servanda, segundo o qual os pactos assumidos
devem ser respeitados, impõe vedação a que uma das partes imponha a outra alteração substancial nos termos
originalmente ajustados. Ausência de comprovação de quebra do equilíbrio econômico-financeiro do contrato. Sentença
reformada. Ônus sucumbencial invertido. RECURSO PROVIDO. [...] A boa-fé objetiva, vale dizer, exige de todos um
comportamento condizente com um padrão ético de confiança e lealdade, impondo às partes comportamentos
obrigatórios implicitamente contidos em todos os contratos. Essas regras de conduta não se orientam exclusivamente ao
cumprimento da obrigação, mas permeiam toda a relação contratual, de modo a viabilizar a satisfação dos interesses
globais envolvidos no negócio, sempre tendo em vista a plena realização da sua finalidade social. A migração imposta
unilateralmente à apelante, repisa-se, implica no aumento superior a 60% do valor da mensalidade anteriormente exigida
e pode, inclusive, inviabilizar a permanência da beneficiária no plano de saúde. Além disso, torna excessivamente onerosa
a obrigação imposta, atentando contra a boa-fé objetiva. Outro princípio contratual que merece atenção no presente caso
é o do pacta sunt servanda, segundo o qual os pactos assumidos devem ser respeitados. Tal orientação impõe vedação
a que uma das partes imponha a outra alteração tão substancial nos termos originalmente ajustados. [...]” (TJSP -
Apelação 0004453-54.2014.8.26.0129 – Relª Desª Rosangela Telles – 2ª Câmara de Direito Privado – Comarca: Casa
Branca – J. 21/11/2018).

d) venire contra factum proprium (non potest): a presente fórmula é


extraída da chamada Teoria dos Atos Próprios, segundo a qual se impede que alguém contrarie seu
próprio comportamento ao suscitar eventual pretensão ao exercício de um direito, pois haveria com

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isso a quebra do dever de lealdade e de confiança e prejuízo à outra parte celebrante 15. A aplicação
do instituto é amplamente acolhida pelos Tribunais pátrios, com franca incidência e grande resguardo
para a proteção da parte contratante e integração do contrato à boa-fé objetiva. Citamos:
Ementa: PLANO DE SAÚDE. AÇÃO INDENIZATÓRIA. I. Cancelamento do contrato
fundado na inadimplência do segurado. Descabimento. Mora incontroversa quanto a prêmios securitários, vencidos entre
julho e outubro de 2016. Seguradora, todavia, que admitiu a renegociação do débito em aberto quando necessária a
cobertura securitária pelo autor, recebendo a totalidade das contraprestações em atraso. II. Expectativa de manutenção
da avença. Conduta contraditória da ré (nemo venire contra factum proprium). Violação à boa-fé objetiva em sua função
limitadora dos contratos (artigo 422, CC). Preservação da avença que, ademais, atende ao postulado da função social do
contrato (artigo 421, CC). Extinção indevida da avença. III. Conduta ilícita reconhecida. Dever de reparação integral das
despesas hospitalares assumidas pelo autor. Inteligência do artigo 402 do Código Civil. IV. Danos morais. Caracterização.
Indevida suspensão da cobertura que impôs ao paciente desassossego anormal, com o agravamento de seu quadro
psicológico, sobretudo dado o grave quadro médico ostentado. Precedentes do E. Superior Tribunal de Justiça.
Adequação do arbitramento da indenização em R$ 20.000,00 (vinte mil reais). Respeito aos parâmetros do artigo 944 do
Código Civil. Juros moratórios, por fim, devidamente fixados a partir da citação, de acordo do artigo 405 do Código Civil.
SENTENÇA PRESERVADA. APELO DESPROVIDO. [...] O E. Superior Tribunal de Justiça, a respeito da aplicação da
teoria dos atos próprios já decidiu: “A aplicação da “teoria dos atos próprios”, como concepção do princípio da boa-fé
objetiva, sintetizada nos brocardos latinos “tu quoque” e “venire contra factum proprium”, segundo a qual ninguém é
lícito fazer valer um direito em contradição com a sua conduta anterior ou posterior objetivamente, segundo a lei, os bons
costumes e a boa-fé” (Recurso Especial n. 1.192.678-PR, Relator Min. Paulo de Tarso Sanseverino). Ainda, mutatis
mutandis, “A teoria dos atos próprios impede que a administração pública retorne sobre os próprios passos, prejudicando
os terceiros que confiaram na regularidade do seu procedimento” (Recurso Especial n. 141879-SP, Rel. Ruy Rosado de
Aguiar). Com efeito, a atuação contratual da apelante ofende a boa-fé que deve nortear os contratos consumeristas, assim
como a atuação dos agentes econômicos amplamente considerados, à luz da cláusula geral do artigo 187 do Código Civil.
Injustificada a resolução negocial, deve-se prestigiar a manutenção do contrato, prevalecendo o princípio da função social
do contrato, previsto no artigo 421 do Código Civil. Nesse sentido: “A função social do contrato prevista no artigo 421 do
Código Civil constitui cláusula geral, que reforça o princípio de conservação do contrato, assegurando trocas úteis e justas”
(Enunciado 22, do CEJ) [...] (TJSP - Apelação 1017704-53.2017.8.26.0506 – Rel. Des. Donegá Morandini - Comarca:
Ribeirão Preto – 3ª Câmara de Direito Privado – data do julgamento: 27/11/2018).

e) duty do mitigate the loss (dever de mitigar o prejuízo): fórmula que


guarda aplicação para hipóteses nas quais um dos contratantes deixa de atuar consoante a esperada
cooperação com a outra parte contratante, postando-se de forma a acarretar uma piora da situação de
inadimplemento contratual desta última. Bom exemplo pode ser aplicado para a hipótese de

15
No mesmo sentido, o Enunciado 362, do Conselho da Justiça Federal/STJ: “A vedação do comportamento contraditório (venire
contra factum proprium) funda-se na proteção da confiança, como se extrai dos arts. 187 e 422 do Código Civil”.

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inobservância, pelo cliente bancário, do protocolo oficial de encerramento de conta bancária por
desconhecimento ou simplicidade.

Parece fácil presumir que a instituição bancária perceba a falta de


movimentação da conta bancária depois de algum tempo, de sorte que não parece alinhado à boa-fé
objetiva que a instituição bancária permita que durante longo tempo de inatividade, a conta prossiga
recebendo débitos de tarifas de manutenção, que logo receberão a incidência de juros bancários, com
multiplicação geométrica do saldo devedor.

Certamente, a assistência, a lealdade, e a cooperação, como deveres em


plus da instituição bancária frente ao seu cliente, deveriam ter orientado o banco a interromper a
incidência de tarifas, chamando o cliente a encerrar adequadamente a conta por inatividade.

Citamos outro exemplo, extraído da Jurisprudência do E. TJSP, no


campo da locação:

Ementa: APELAÇÃO CÍVEL - Embargos à Execução - Sentença de improcedência


dos embargos - Recurso das embargantes - Cabimento - Locação de terreno, parte integrante de área onde era explorado
um parque de diversões (Playcenter) - Denúncia do contrato pela inquilina através de notificação extrajudicial e
concomitante disponibilização do terreno noticiada em processo de ação renovatória do contrato de locação - Contra
notificação extrajudicial dos locadores e manifestação na ação renovatória em curso, resistindo à denúncia da locação e
se opondo à posse direta do terreno locado, argumentando supostas pendências (exigência de apresentação de quitação
do passivo ambiental e ausência de entrega das chaves aos locadores) - Injusta recusa do senhorio na aceitação da
precedente denúncia do contrato e resistência infundada à restituição do terreno, que não pode ser aceita - Possibilidade
de cobrança em lide própria - Locadores que deliberam documentar a desocupação (Ata Notarial) cuja data da resilição
unilateral já tinham ciência inequívoca - Princípio da boa-fé objetiva que deve levar o credor a evitar o agravamento do
próprio prejuízo (duty to mitigate the loss) - Desnecessidade de entrega de chaves do imóvel locado por se tratar de
terreno contíguo a outros que compunham a área total do parque de diversões, que vinham sendo desocupados
gradativamente a partir de sua notória desativação - Desnecessidade de decisão judicial de entrega de posse - Ausência
de elementos nos autos a evidenciar que tenha sido limitado o acesso dos proprietários ao terreno - Litigância de má fé -
Descabimento - Hipótese em que não se evidencia o preenchimento dos requisitos descritos no art. 80 do NCPC por
qualquer das partes - Aplicabilidade do art. 940 do CC - Inovação recursal não conhecida - Sentença reformada -
RECURSO PROVIDO (TJSP – Apelação 1078736-50.2016.8.26.0100 – Rel. Des. Sergio Alfieri - Comarca: São Paulo
– 35ª Câmara de Direito Privado – data do julgamento: 04/02/2019).

III. Dispositivos legais referidos em aula.

Art. 4o, Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro – LIDB (Decreto-lei 4657/42). Quando a lei for omissa, o
juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.

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P R O F E S S O R M A R C O A U R É L I O B O R T O L I N

Art. 170, Constituição Federal. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa,
tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes
princípios:[...] III – função social da propriedade.

Art. 113, Código Civil. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua
celebração.

Art. 421, Código Civil. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.

Art. 422, Código Civil. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua
execução, os princípios de probidade e boa-fé.

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