Aula - Crime e Costume Na Sociedade Selvagem

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CRIME E COSTUME NA

SOCIEDADE SELVAGEM

Professor Christopher Carnieri


ANTROPOLOGIA FUNCIONALISTA

 Principais características:

(a) foi desenvolvida na Inglaterra, por Bronislaw Malinowski;

(b) anti-evolucionista e anti-difusionista;

(c) sua marca mais decisiva foi o intenso trabalho de campo, ou


seja, a “observação participante” (até hoje consagrado como o
método de pesquisa clássico da antropologia) na sociedade
estudada;

(d) teve uma forte conotação de antropologia social, enfoque nas


relações sociais.
(e) ruptura com a reconstituição especulativa da trajetória dos
povos, também conhecida como perspectiva diacrônica (através
do tempo). Nasce a perspectiva sincrônica (ao mesmo tempo);

(f) o objeto de estudo passam a ser as instituições sociais. O


indivíduo sente certo número de necessidades, e cada cultura
tem precisamente como função a satisfação, à sua maneira,
dessas necessidades fundamentais.
Cada uma realiza isso elaborando instituições (econômicas,
políticas, jurídicas, educativas, etc.) fornecendo respostas
coletivas organizadas, que constituem, cada uma a seu modo,
soluções originais que permitem atender a essas necessidades.

Portanto, a função de uma instituição é suprir determinada


necessidade humana.
A LEI E A ORDEM PRIMITIVAS

 A submissão automática ao costume e o problema real:

O selvagem – assim como ocorre o julgamento de hoje dos antropólogos


competentes (década de 1920) – tem uma profunda reverência pela
tradição e pelo costume, uma submissão automática às suas ordens.

Ele obedece “servilmente”, “inconscientemente”, “espontaneamente”,


através da “inércia mental”, tudo isso combinado com o medo da opinião
pública ou da punição sobrenatural; ou, por outro lado, através de um
“sentimento de grupo impregnante, quando não do instinto de grupo”.

Malinowski inicia sua obra Crime e costume na sociedade selvagem


(1926) questionando essas afirmações.
Segundo Malinowski, a dificuldade em estudar as leis em uma
sociedade selvagem é que estamos acostumados a buscar nessa
sociedade algo análogo ao nosso sistema jurídico. Não
encontrado qualquer arranjos semelhantes, concluímos que toda
lei é obedecida por esta misteriosa propensão do selvagem para
obedecê-la.

Observadores e construtores da teoria antropológica sempre


sustentaram que a lei criminal é a única lei dos selvagens. O que
Malinowski apresenta é que a “lei” e as forças legais estão em
atuação também na forma de obrigações vinculantes.
 Economia da Melanésia e a teoria do comunismo primitivo:

O Arquipélago Trobriand, que é habitado pela referida


comunidade melanésia, fica no nordeste da Nova Guiné. As ilhas
sustentam uma densa população, principalmente ocupada na
agricultura e na pesca, mas conhecedora também de várias artes e
ofícios no comércio e na troca.
Como todos os habitantes das ilhas de coral, eles gastam grande
quantidade do seu tempo na lagoa central. Os nativos possuem
sistemas técnicos definidos de pesca e arranjos econômicos
complexos, mas também possuem uma organização fechada nas
suas equipes de trabalho e uma divisão fixa de funções sociais.

A posse e o uso da canoa envolvem uma série de obrigações e


deveres definidos que unem o grupo de pessoas em uma equipe
de trabalho.

O sentimentos comunistas em relação à propriedade não


dominam o povo da Melanésia. Há uma distinção e uma definição
estritas dos direitos da cada um e isto torna a propriedade
qualquer coisa, menos comunista.
Na realidade, quaisquer descrições de uma instituição selvagem
em termos de “comunismo”, “capitalismo” e “sociedade
anônima”, temas emprestados das condições econômicas atuais,
não podem senão estar equivocadas.

A propriedade é o somatório dos deveres, dos privilégios e das


reciprocidades que ligam os condôminos ao objeto e uns aos
outros.

 As forças vinculantes das obrigações econômicas:

A aldeia interior fornece vegetais aos pescadores e a comunidade


costeira paga com peixe. Esta forma de economia tem também
um aspecto ritual, pois a troca tem de ser feita de acordo com um
ritual elaborado. Há um lado legal, um sistema de obrigações
mútuas que obriga o pescador a pagar sempre que ele receba um
presente de um parceiro do interior, e vice-versa.
Em que consiste a força motivadora por trás destas obrigações?

Essencialmente a necessidade de abastecimento de comida e a


dependência recíproca. Cada comunidade tem, portanto, uma
arma para a aplicação dos seus direitos: a reciprocidade.

Isto não está limitado à troca de peixe por vegetais. Como regra,
duas comunidades confiam uma na outra em outras formas de
comércio e também em outros serviços mútuos.

Assim, toda cadeia de reciprocidade se tornou mais vinculante,


por ser parte integrante de um sistema total de reciprocidades.
 Reciprocidade:

Reciprocidade refere-se à troca de produtos e serviços de valor


aproximado entre duas partes. Isso pode envolver presentear. A
principal transação não é o presente em si, mas sim os laços
sociais criados ou reforçados entre quem dá o presente e quem
recebe.

A reciprocidade divide-se em três categorias:

(a) reciprocidade generalizada: forma de troca em que o valor


do presente não é calculado, nem a data de retribuição é definida.
Por exemplo, doação, ajuda altruística.

(b) reciprocidade equilibrada: o dar e receber, assim como o


tempo envolvido, são mais específicos. A pessoa tem a obrigação
direta de retribuir prontamente no mesmo valor para que a relação
social perdure.
Exemplos na sociedade ocidental contemporânea incluem
organizar o chá de bebê, , dar presentes em aniversários ou pagar
a bebida entre amigos.

(c) reciprocidade negativa: é uma terceira forma de troca cujo


objetivo é conseguir algo pelo menor valor possível. As partes
envolvidas apresentam interesses opostos e geralmente não têm
relação próxima; podem ser estranhos ou mesmo oponentes.

São pessoas para quem as trocas não são justas nem equilibradas
e normalmente não se espera que o sejam (ganância, lei da oferta
e procura, etc). Pode envolver barganha, manipulação ou trapaça
direta.

Um modo extremo de reciprocidade negativa é tomar algo à


força. As consequências dependem dos costumes ou códigos
penais de cada sociedade.
 Reciprocidade como base da estrutura social:

Círculo Kula
O Círculo Kula é uma forma de reciprocidade equilibrada em que
a troca de presentes serve para facilitar a interação social,
“atenuando” as relações sociais entre os comerciantes que
desejam negociar

Os participantes do Kula são homens de influência que viajam


pelas ilhas Trobriand para trocar itens de prestígio: colares de
conchas vermelhas (soulava) são trocados em sentido horário, e
braceletes de conchas brancas (mwali), em sentido anti-horário.

Cada homem do círculo Kula está ligado a parceiros de ilhas


vizinhas. Para um parceiro que reside em uma ilha do sentido
horário do percurso, ele oferece um colar e recebe em troca um
bracelete. Então faz a troca inversa de um bracelete por um colar
com um parceiro que vive no sentido anti-horário.
Talvez a melhor maneira de entender o Kula seja como uma
“apólice de seguro” (amparo, proteção) em uma ordem
econômica repleta de perigos e incertezas.

Ele estabelece e reforça as parcerias sociais entre comerciantes


que negociam em lugares distantes, garantindo uma recepção
calorosa por parte daqueles que têm interesses semelhantes.

Ao dar e receber braceletes e colares que acumulam a história de


suas viagens e o nome daqueles que as possuíram, os homens
proclamam sua fama e talento individuais, obtendo influência e
status considerável no processo.

Aquele que leva esses objetos para fora do circuito recebe


punição: perde seu prestígio e pode ser alvo de feitiçaria.
Ganhamos assim alguma percepção sobre a natureza das forças
mentais e sociais que transformam algumas regras de conduta em
lei vinculante.

As regras com uma obrigação vinculante definida, destacam-se


das simples regras de costume. A lei civil é muito mais
desenvolvida do que o conjunto de meras proibições.

Toda a estrutura da sociedade de Trobriand está fundada no


princípio do status legal. As reivindicações do chefe sobre os
cidadãos, do marido sobre a esposa, do pai sobre o filho, e vice-
versa, não são exercidas arbitrária e unilateralmente, mas de
acordo com regras definidas e organizadas em cadeias bem
equilibradas de serviços recíprocos.
 Uma definição antropológica da lei:

As regras da lei se destacam das outras à medida que elas são


sentidas e vistas como sendo obrigações de uma pessoa e
reivindicações legítimas da outra. Elas são sancionadas não por
um mero motivo psicológico, mas por uma maquinaria social
definida com força vinculante, baseada na dependência recíproca.

A maneira ritual como a maioria das transações é executada, que


impõe controle e crítica públicos , aumenta ainda mais a sua força
vinculante.

Podemos, portanto, destituir a visão de que o “sentimento de


grupo” ou a “responsabilidade coletiva” é a única e mesmo a
principal força que assegura a adesão ao costume e que o torna
vinculante e legal.
O selvagem não é nem um extremo “coletivista” nem um
“individualista” intransigente – ele é, tal como é o homem em
geral, uma mistura de ambas as coisas.

Isto resulta também da explicação aqui dada de que a lei primitiva


não consiste exclusivamente, nem mesmo principalmente, de
determinações negativas, e que nem toda lei selvagem é uma lei
criminal.

A “lei civil”, a lei positiva que determina todas as fases da vida


tribal, consiste então de um corpo de obrigações vinculantes,
vistas como um direito por uma parte e admitidas como dever por
outra, mantidas à força por um mecanismo específico de
reciprocidade inerentes à estrutura de sua sociedade.

Estas regras da lei civil são elásticas e possuem uma certa


extensão. Elas oferecem não somente penalidades pela falha, mas
também prêmios por uma “superdose” de cumprimento.
CRIME PRIMITIVO E SUA PUNIÇÃO

 A lei na violação e na restauração da ordem:

Diário de campo: o suicídio de Kima’i.

“sistema bem-estabelecido de evasão”.

O feiticeiro da tribo utiliza magia como força legal genuína, pois


ela é usada cumprindo as regras da lei tribal, evitando o uso da
violência e restaurando o equilíbrio.

A lei primitiva não é um corpo de regras homogêneo. A lei desses


nativos consiste, ao contrário, de uma série de sistemas mais ou
menos independentes, somente em parte ajustados um ao outro.
Cada um deles – o matriarcado, o direito paterno, a lei do
casamento, as prerrogativas e os deveres do chefe, e assim por
diante – tem um determinado campo completamente próprio, mas
que pode também ultrapassar os seus limites legítimos.

Nenhum delito desempenha qualquer papel considerável na vida


dos nativos de Trobriand. O roubo é classificado em dois
conceitos: kwapatu, palavra que é aplicada para a apropriação
ilegal de objetos de uso pessoal, utensílios e objetos de valor; e
vayla’u, uma palavra específica, aplicada ao roubo de comida
vegetal, também usada quando porcos ou frangos são roubados.

As penalidades em ambos os casos consiste na vergonha e no


ridículo que cobrem o culpado.
REFERÊNCIAS

 HAVILAND, Willian. Princípios de antropologia. São Paulo:


Cengage Learning, 2011.

 MALINOWSKI, Bronislaw. Crime e costume na sociedade


selvagem. Petrópolis: Editora Vozes, 2015.

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