Ao Som Sa Viola (Folklore) - Gustavo Barroso PDF
Ao Som Sa Viola (Folklore) - Gustavo Barroso PDF
Ao Som Sa Viola (Folklore) - Gustavo Barroso PDF
^LisbO.^
Digitized by the Internet Archive
in 2010 with funding from
University of Toronto
http://www.archive.org/details/aosomdaviolafolkOObarr
Gustavo BARROSO
(tToo do ISLoite)
AO SOM DA VIOLA
(Foik-lore)
EDIO DA
Livraria Editora Leite Ribeiro
Ruas Bthencourt da Silva ns. 16, 17 e 19
(jDt. Santo Antnio)
oso
do M^^i
/*> f ( <J-<ts'?
DA VIOLA
(Foik-lore)
- - RIO DE JANEIRO - -
1 9 ? 1
^Wvi
OBRAS DO MESMO AUTOR
PUBLICADAS
!
Rio, esgotado.
A Ronda dos Sculos, contos de todas as pocas, editores Leite
Ribeiro &. Maurillo, Rio, segunda edio.
Fausto, de Goethe, traduco^para vulgarisao da obra, edito-
res Ganiier Frres, segunda edio.
Instruco Moral dejarach, adaptao ao ensino bra-
e Civica,
sileiro, obra adoptada pela Directoria Geral de Instruco
Publica do Rio de Janeiro, 5. milheiro, editores Grnier
Frres.
Vocabulrio das Creanas, de Fournier, adaptao, 5^ milheiro,
editores Garnier Frres.
lY
Semanal
Bucnos-Aires.
Ao som da viola, folk-lore, editores Leite Ribeiro A\aurillo,
l'? edio.
XO PRELO
Pergaminhos, contos niedicvaes, grande edio illustrada a co-
res pelo artista Corra Dias, illustraces premiadas com
medalha de ouro pela Escola Nacional de Bellas Artes,
tiragem reduzida de 200 exemplares numerados, em papel
imperial do Japo, editores o auctor e F. Briguiet . Cl,
Paris.
EM PREPARO
A Intcliigencia das celsas, trabalhos de erudio litteraria, socio-
lgica, philofophica e histrica.
AO MEU AMIGO
ALBERTO FARIA
A Viola
Nosso Sinii, quando andava
Pelo deserto a ver,
Gostava de ouvi So Pedro
Na viola punli.
num desafio
Foi feita
Da canoa em que elle andava
Com Christo a pescd no rio.
(Caniiga popular.)
I
os CYCIOS SERTANEJOS
os CYCLOS SERTANEJOS
(INTRODUCOAO)
Escreveu Paui de Saiiit Victor que a alma de
urna raa inteiramente se resume nas suas trovas
alegres ou tristes. Com effeito, em todas as ma-
nifestaes do folk-lore dum paiz, a terra col-
labora com o homem. E o prprio Augustin Thierry,
com aquella proiundez de conceitos que todos lhe
reconhecem, acha que a prpria historia deriva de
trs grandes escolas: a popular, a clssica e a phi-
k)sophica, sendo que a ultima decorre das duas pri-
meiras segunda da popular, base de todo o edi-
e a
fcio espirito dum povo atravs
das tradies e do
os tempos, edifcio que se queira continuar.
Desta sorte, quem tiver de conhecer a alma e
a vida dos nossos sertes de Nordeste, to aoita-
tados pelas misrias das sccas, deve sem falta es-
( c Poik-Lorc .
-^ 14 -^
l -~
R |VIapio de Alenear
l)
LENDA DO BATATO
LENDA DO QORJLA
LENDA DO PESCADOR
Noite de lua ouve-se nos rios ou nas lagoas
o rumor dum homem que pesca de tarrafa. Ouve-se
distinctamente a sua marcha cautelosa dentro d'agua,
espalhando circulos concntricos, marulhosos, sob o
luar triste. E no se v ningum. Nessas noites,
HISTORIAS DE ONAS
As onas outrora, como actualmente em Matto
Grosso, encheram os sertes de Nordeste. Eram tal
vez mais numerosas que os ndios e duma audcia
ainda maior que a das tabas guerreiras. Dahi o
terem ficado perpetuadas no .folk-lore) em dois cy-
clos differentes: no dos Bandeirantes, em historias
das lutas contra ellas; no dos Vaqueiros em canes
sobre as devastaes por ellas praticadas nos reba-
nhos.
b
34
pela valentia dum homem, faca! Ainda hoje se
perpetua o gosto por esse trao de heroismo. As
gestas sertanejas pintam Antnio Silvino lutando bra-
o a com uma ona. Entre as
brao historias de
ona do serto, ha uma que pela sua veia satyrica
merece meno especial:
35
Ao
ouvir aquelle estampido debaixo de si, a
ona no esteve pelos autos, deu s de Villa Diogo!
Dizem que ainda hoje corre . .
a)
I')
o CYCLO DO NATAL
.
o eyco do Mata!
I
:
PERSONAGENS
a) christos
Tenente-generai
Ca pi to- patro
Immediato
Piloto
Capito da artilharia
Medico
Capei Io
Contramestre
Sargento de mar e guerra
Cabo da maruja
Calafate
Gageiro
Laurindo, Vassoura e Rao, marinheiros.
I
48
b) mouros:
Rei mouro
Embaixador, Ferrabraz de Mauritnia.
Coro de meninos e de guerreiros mouros.
Adeus,meus amores,
Que vou embarcar.
At segunda feira,
Tera ou quarta, ao mais tardar.
Piloio.
Despeam-se. marujos,
Qut? ns vamos embarcar.
49
Vamos todos p'ra Mourama,
Bem alegres pelejar!
Coro:
Quem embarca? etc.
Despeam-se, etc.
PHoto.
J me vou, j me despeo,
J larguei velas ao vento.
No achei quem me dissesse: -
Coro.
J me vou, etc.
Piloto.
Permitta Deus que achemos
Bom terral p^ra o mar, de terra!
L se vae de barra afora
Esta nossa nu de guerra.
Coro.
Permitta Deus, etc.
50
Piloto:
L se vae de barra atora
Esta nossa nu de guerra,
Velejando pelo mar
At chegar na Inglaterra.
Coro,
L ise vae de barra afora, etc.
Piloto:
Atraca a nu!
Sobe gageiro
General:
Vejo o inimigo proa,
Para nos dar a batalha!
Eu no sei o que farei
Para a nau virar de bordo! ( !)
Coro:
Vejo o inimigo, etc.
O General ao Immediato:
Immediato.
Alerta estou,
Meu general,
De armas na mao,
Defendendo a ptria!
0\ d-me c o estandarte,
Por tudo venho jurar
Que quem meu chefe agrave
I
52
A sete lguas irei buscar!
Derramarei todo o meu sangue
Pelo chefe general. (5)
Coro:
Alerta 1 Alerta I
O* da sentinella!
Que l Vm mouros
Da Inglaterra!
hmmediato:
Alerta estou,
Meu general,
De armas na mo,
Defendendo a ptria T
Piloto.
Coro:
Vejo argelino, etc.
53
Como se viesse doutro navio,
que encostasse na
nu christ,apparece no convz o embaixador mouro,
armado, de capa e turbante.
Embaixador:
E' o sultoda Mauritnia, rei-senhor de meio
mundo, de meio-sol e meia lua, que s por mim
manda embaixada! Ouve-me, general, e attende este
illustre embaixador, que em tua presena espera! (Q)
General:
Embaixador:
Bem deves te lembrar que hontem, ha poucas
horas, meu monarcha recebeu tuas atrevidas e so-
berbas embaixadas (11). Portanto, general, emquanto
elle no vir a tua cabea cortada, a sua coroa e o
seu sceptro resgatados (12), no deixar que vejas
teus deuses e que tenhas valor pelas tuas armas.
Emfim, general, d^me a resposta para que ao meu
monarcha torne (13).
General:
Embaixador:
Para que, general?
General:
Embaixador, raivoso:
General:
Sim, embaixador! Olha como dizes e repara
<x)mo falas, que as embaixadas so dadas mais mo-
55
deradas!... Sc no fosse eu attender que s um
illustre embaixador, pela fora do meu brao e pela
ponta da minha espada j te tinha feito retirar tuas
atrevidas e soberbas embaixadas!
Piloto:
Deixa e parte, embaixador!
Sem temor e sem pavor,
Que fazes grande ameaa
Ao nosso governador!
Coro:
Vejo o inimigo proa,
Para nos dar a batalha!
Eu no sei o que farei
Para a nau virar de bordo!
Coro:
Vejo o inimigo, etc.
General:
Jesus, neto de SanfAnna,
Filho da Virgem Maria!
No permitta Deus que eu seja
Prisioneiro na Turquia!
56
pada em quantas horas defendo a honra de meu
general
Piloto:
Coro:
Vejo argelino, etc.
General.
Tu s o mouro argelino,
Sou a fragata do rei!
Embaixador: ,
I
d9 -^
Embaixador:
Se tu a guerra venceres,
No me has de me matar!
Que a aninha f pura
E no ha de me faltar!
Cro:
Entrega-te. bravo mouro! etc.
Embaixador:
Se tu a guerra venceres,
No ser por valento,
E' porque no te traspasso
Este duro corao!
Cro:
Entrega-te, bravo mouro! etc.
Embaixador:
Se tu a guerra venceres,
No me has de me matar!
Que eu tenho o matto livre
E no me ha de faltar!
Cro
Entr-ega-te, bravo mouro! etc.
Ai! j no posso
Mais combater!
Que a christandade
Me quer vencer!
60
Ai! j no fK)sso
Mais pelejar!
Que a christandade
Me quer matar!
Coro.
Preso ests!
Entrega-te j!
E por ordem
Do general (16)
General:
j est prisioneiro
Quem com ns veio pelejar!
Era um mouro pirata
Que nos queria matar.
Embaixador:
Senhor, digo que queria
Pelo meu grande valor
Levar-vos prisioneiros
Ao guerreiro meu senhor!
General:
Cala-te, bravo mouro,
No te faas valento!
Olha que eu te arrumo
Um horrendo pescoo!
:
- >' - ' .[
Coro:
Cala-te, bravo mouro, etc.
Embaixador
Senhores, no me mateis
Sem eu primeiro falar,
L vem chegando meu pae.
Que me vem j resgatar!
Embaixador:
Coro.
Adeus, meu pae, adeus!
Adeus, minha gerao!
S canto vicloria
Se viro eh ris to!
\
62
Senhores, no me mateis
Pela vossa piedade,
Que eu sou filho de reis (17)
Tambm tenho magestade!
var a vida:
Senhor general,
Pela magestade,
Dae-me o baptismo
Da christandade!
General:
Embaixador:
General:
Canta, aps:
Rei:
Ningum de mim tenha medoi
'Eu no venho fazer mal.
Venho dentro desta nu
O meu filho resgatar.
Rei:
Agora venho saber
Do triumpho da vicfra,
Como foi preso em combate
O filho que o pae adora!
General.
No conheo nem reconheo
Da lurquia o Imperador.
Como no sois baptisado,
Para mim no tens valor!
!
- 65
Coro.
No conheo, etc.
Rei:
Tu s o mouro
J baptisado,
Que procura o reino
Da christandade ;
Mas, se tu queres
No ser louvado,
Volta ao imprio,
Rei coroado
Ferrabraz:
Sim, soberano pae,
Por esse titulo me assigno
Vim dar este combate
P<.lo meu grande destino!
Rei:
J ests na lei divina,
Que eu tinha tanto odiado!
Como deixaste meus deuses,
P'ra mim est tudo acabado!
Coro:
Tu s o mouro, etc.
Rei:
Era melhor que tu fosses
Imperador da Turqi;ia,
Como eu queria que fosses
E com toda a senhoria!
Ferrabraz:
De me vr na christandade
Tenho j consolao.
Soberano pae, baptisa-te
E larga a tua nao!
Rei.
Esta penna que tu trazes
Amarrada na cintura
E' para escrever no inferno
Esta tua f impura?
^ 67
Ferrabraz.
O coro canta:
O mouro morreu
Com sua mo se matou
Porque noquiz viver
Na lei de Nosso Senhor!
General.
68
O mouro morreu!
Lancemos ao mar!
O dinheiro delle
E' p^ra ns gastar!
Coro
loca, toca a embarcar,
Rema p'ra nossa fragata,
Que o mar se vira em rosas
E a embarcao em prata.
J me de o corao
E os olhos de chorar.
Quando o contramestre manda.
Toca, toca p'ra embarcar.
Putro
Embarca, embarca
A toda pressa,
I
!
^ 69
Que a nossa nu
Deu um tiro de pea.
Cro:
J no posso aturar
Do contra-mestre o rigor.
Vou vr se o immediato
Me amostra mais amor.
Patro.
Embarca, embarca
Sem mais demora,
Larguemos vela
De barra afora
Cro:
J no posso aturar
Do immediato o rigor.
Vou vr se o general
Me amostra mais amor.
Da nu Catharineta, (22)
Noticias te quero dar.
Sete annos e um dia
Andou por cima do mar.
No tinha mais que comer
Nem to pouco o que manjar!
Botamos sola de molho,
P^ra no domingo jantar.
A sola era to dura
Que a no pudemos tragar.
Botamos as sete sortes
Para vr a quem matar.
As sete sortes cahiram
No tenente general.
No me matem, marinheiros,
Gente do meu natural,
Antes quero que me comam
Peixe, toninha do mar!
. .
-^ 71
Assobe, arriba, gageiro,
Nesse teu tope real,
No me matem, marinheiros,
Gente do meu natural.
Antes quero que me corncim
Peixe, toninha do mar!
Avisto mais trs donzellas
Debaixo do parreiral,
Uma procura uma agulha,
Outra procura um dedal,
Uma tece caa fin:^
Esta nu Catharineta
E^ do rei de Portugal.
Dar-te-ei lguas de terra
Aonde queiras morar.
Eu no quero as tuas terras
Que te custaram a comprar.
S quero a Catharineta
Para nella navegar.
,
Esta nu Catharineta
E^ do rei de Portugal.
Dar-te-ei tanto ouro e prata
Que tu no saibas contar.
No quero ouro nem prata
Que tu no podes me dar.
Quero a nu Catharineta
Para nella navegar.
Esta nu Catharineta
E' do rei de Portugal.
Dou-te o meu rico capote
Que de ouro pesa um quintal.
No quero o teu capote
Que te custou a ganhar.
S quero a tua alma
Para ao inferno levar.
Sae-te daqui, co sujo!
Mofino e arrenegado,
Que minha alma de Deus,
Meu corpo do mar sagrado 1
73
A mulher do capito
E^ uma santa mulher!...
Vae missa de manh,
Volta s horas que ella quer ...
74
Que at o mastro treme!
Capito
Senhor tenente piloto,
Mande ferrar algum panno,
P'ra depois no ir dizendo
Que se perdeu por engano!...
Piloto.
Sobe, sobe, meu gageiro,
Vae o Joanete!
ferrar
Ferra a gvea e a sobregavea,
Ferra' l em cima o traquete!
Valha-me Deus,
Com tanto vento!
Nos defenda da tormenta
O divino Nascimento! (27)
Quem me mandou
Eu embarcar?
P'ra passar tormentos
Como vim passar!
Se eu soubesse da tormenta
Que haveria de passar,
Dentro desta nau de guerra
Nunca houvera de embarcar!
76
Desde que apanhei tormenta
Dum terrvel temporal,
A minha Virgem do Rosrio
Pedi p'ra nos ajudar.
Gageiro:
O' l da proa!
Senhor contra-mestrel
Contramestre:
Que queres tu?
Gageiro:
Grande tormenta
Contramestre:
Que queres tu?
Gageiro.
Grande tormenta
E o vento tanto
Que nos atormenta
O^ l da proa!
lenente piloto!
Piloto:
Que queres tu?
Gageiro:
Mande algum para arriar.
Piloto:
Que queres tu?
77
Gageiro:
Mande algum para arriar.
Que o vento tanto
Capito.
7S
teno de atirar-se da gvea no mar, para morrer,
porque perdeu a nu com a tempestade. Canta:
Gageiro, alegremente:
1
.
79
puxando cabos, dando s bombas, cessa de repente.
O capito d a sua ultima ordem de manobra por
causa da tempestade:
Capito:
Remae, remae, meus marujos,
Remae que temos bonana!
Deixemos, deixemos no mar
Leva remos!
As nossas tristes lembrp^^^-^s.
Coro:
Remae, remae, etc.
Capito:
Senhor tenente piloto.
Trate da navega io,
Que depois no ir dizendo
p'ra . .
Leva remos!
L se foi o remo da mo.
: ! .
80 -^
Coro:
Senhor tenente piloto, etc.
Capito:
Eu e os meus camaradas
No cansamos de remar,
Que p- ra no dia da festa ...
Leva
remos
Ns no podermos faltar.
Coro:
Eu e os meus camaradas, etc.
Capito
Senhor tenente piloto.
Aproveitemos o vento.
Para festejarmos em terra . .
Leva remos!
O divino Nascimento.
Coro:
Senhor tenente piloto, etc.
I
81
Vm-me sempre lembrana
As meninas de Lisboa...*
Fragatinha hollandeza
Que andas no mar de Lisboa,
Com vento su-sudoestc
J te passei pela proa!
82
Quero bem sinh dona Rosa.
Eu a venero por ser formosa.
E minha alma:
E minha alm.a!
Don! Don!
- 83
As nossas necessidades
Nos obrigam a embarcar,
Passando o tempo no mar!
Erp aguas e aguaceiros.
Em aguas e aguaceiros.
Don! DonI
Calafate:
Apparea, meu commandante,
Para esta nu commandar. (bis)
Capito :
Que tendes, calafatinho,
Que te ouo resingar? (bis)
Calafate :
E' o tenente piloto
Que de mim se quer vingar! (bis}
85
Capito.
Senhor tenente piloto,
Tenha cuidado commigo, (bis)
Mande dar as raes
A quem estiver carecido! (bis)
Piloto:
Olhe, senhor capito.
No me venha agoniar, (bis)
Olhe que eu estou vendo
A agulha de marear! (bis)
Capito.
Olhe, senhor piloto,
No seja to malcreado, (bis)
Onde ha campo e espadas
As razoes so escusadas! (bis)
Piloto:
Arreda, arreda, gente!
Que eu quero me vingar! (bis)
A cara deste bregeiro
Eu j vou arrebentar! (bis)
Capito:
Arreda, arreda, povo!
Que eu quero me vingar! (bis)
Com esta minha espada
O piloto hei de matar! (bis)
- 86
Piloto, cabido sobre o convz:
- 87 -^
- 88
Piloto:
Foi o capito-patro
Que a vida me quiz tirar.
Capello :
Eu ja com isso
contava
Que quem te deu,
fosse elle
E' impossivel quem foi mouro
No ter sangue de judeu
Se me livrares a cra.
Minha mo sagrada est,
D-me um jogo de pistolas
Que le ajudarei a matar!
pellindo-os:
Senhores guarda-marinha
E sargento mar e guerra.
Prendam o senhor capito,
Para conselho de guerra I
- 90
Os dois avanam para elle, que entrega a espada
Puiro:
Obedeo-vos pela ordem
Do chefe de mar e terra.
Agora, j que estou preso,
Faam conselho de guerra!
Vem c, Laurindo!
Vae na botica.
Com todo o cuidado
Traz de la arnica.
loto:
Dnguento enorme! (35)
Cura esta ferida!
!
- 91 -^
Piloto, levantsndo-se:
General.
Graas a Deus,
De todo o corao,
Que escapei de morrer
Nesta embarcao
Capito :
Graas a Deus,
De todo o corao;
Que no estou mais prezo
Nesta emb'!rca<^o!
- 92
A nau chegada a porto de salvamento. A tri-
canta em coro
Acerta o remo
De r pela proa!
Ns j estamos
No mar de Lisboa.
I
94
Se no tiveres cuidado,
L vae o remo perdido.
Venham c, guardas-marinha,
Dizei-me porque razo,
- 95
. Vendeis os contrabandos
Sem licena do patro?
Coro de guardas-marinha:
Guarda marinha,
Soffre tua dr!
A semelhante homem
No peo favor.
S. Francisco o piloto,
S. Jos o capito,
Ambos levam a porto certo
A feliz embarcao!
-. %
Notas ao Auto dos Fandangos
- 97
bnco. Quando a rima se no fizesse assim, far-se-ia
pela prosdia tanto dos verbos em ar como dos
vocbulos em ai.
6. V. a nota 4.
V se vs terras de Hespanha,
As praias de Portugal.
-- 101
Acima, ao top< reai!
Olha se enxergas Hespanha,
Areias de Portugal.
Alviaras, meu capito,
AAeu capito general
J vejo terras d' Hespanha,
Areias de Portugal.
Mais enxergo trs meninas
Debaixo dum laranjal:
Uma sentada a coser,
Outra na roca a fiar,
A mais formosa de todas
Est no meio a chorar.
Todas trs so minhas filhas,
O' quem m^as dera abraar!
A mais formosa de todas
Comtigo a hei de casar.
A vossa filha no quero
Que vos custou a criar.
Dar-te-ei tanto dinheiro
Que o no possas contar.
No quero o vosso dinheiro
Que vos custou a ganhar.
Dou-te o meu cavallo branco
Que nunca houve outro igual.
Guardae o vosso cavallo
Que vos custou a ensinar.
Dar-te-ei a nu Catharineta,
Para nella navegar.
I
102
No quero a nu Catharineta
Que a no sei governar.
Entrai, pastorinhas,
Entrai em Belm, (bis)
Que j nascido
Jesus nosso bem! (bis)
Entraremos, entraremos
Nesta casa de alegria.
Onde mora o Bom Jesus,
Filho da Virgem Maria.
Viva, viva o Menino Deus!
Meu corao todo teu!
Vamos vr os montes
E os valles tambm.
Publicando as glorias
Feitas em Belm.
Noite bemventurosa 1
J deu meia-noite,
Vae romper o dia.
Que bello menino
Nasceu de Maria!
J resplandeceu,
Que bello menino
Na lapa nasceu!
Alviaras, pastoras.
Que nascido est,
Resposta do coro:
Coro:
Todos os anjos, todos os anjos
Desam do seu throno
108
E neste prespio
Nos sirvam de abono I
O sol c a lua
Com seu resplendor
Esclaream o throno
Do meu Creador!
L no cu brilhou a estrella,
Que esplendor a noite tem!
Vamos, lindas pastorinhas
A' lapinha de Belm!
passagem.
Anjo,
Sou o archanjo Gabriel,
Espirito anglico sou,
109
Que desci dos cos
Pelo vosso a m!
As pastoras, ajoelhando:
Cheias de prazer
E contentamento,
Viemos louvar
O seu nascimento.
I
- 110
Prostradas todas por terra,
Coro.
Cantem.os pastoras
Com muita alegria,
Adorando o filho (bis)
Da Virgem. Maria, (bis)
Estes louvores
Que damos a Maria
111
Tocar uma marcha
Em vosso louvor.
Eu no sou, pastoras,
Quem no saiba amar,
Sou menino dengoso
Que s quer brincar!
Eu me chamo. Zabumba,
Zabumba do Fonseca
Sou piloto duma barca,
Para toda a scca . .
^
Levo um dez reis p'ra bebida.
Que so mais de vinte legiias
Desde aqui ate Belm,
E preciso fazer trguas . . .
Eu no sou, pastoras.
Quem no sabe amar.
Sou menino dengoso
Que s quer brincar.
Mestra:
Vejam que horas so estas
E as meninas sem chegar!
Deixem ellas virem
Que ho de logo apanhar!
I
113
Uma das pastoras bate palmas.
Mestra:
Quem ?
Pastora:
Mestra:
Pastora:
Diga me sua
Que aprompte os cobres
E deixe as meninas chegar^
Em breve ser cosida.
A fazenda no m,
E' ha de durar.
fina,
Eu sem culos no enxergo
Elias que vm cortar...
(5)
114
<115
Deixo aqui uma espia, (7)
Emquanto vou conversar.
Golosa:
Zabumba, a mestra disse
Fizesse a lettra deitada,
Aparasse bem a penna,
No a fizesse rasgada.
Uma pasioriiJia:
Zabumba.
}olosa:
Zabumba.
I
- 117
As pastoras levantam-se, fazem uma roda de
mos dadas como a da Ciranda, Cirandinha, can-
iani em coro:
Mestra:
O' que calor est fazendo!
Vejam como estou suada!
A costura que deixei
j ter sido acabada?
Creio que brincaram muito
E coseram pouco ou nada!
Mestra:
Quem me puxa? E' bicho ou gente?
Quem est me beliscando?
Acuda-me todo o mundo!
Que j esto me matando!
:
- 119
Visnha:
Que alarido grande esse?
Quem soccorro est chamando?
Que isso, minha visinha?
Porque voc est gritando?
Pastoras
Tendo acanado a tarefa,
Estvamos aqui brincando.
A Senhora Mestra pensou
Qut ns lhe estvamos dando.
Mestra.
Se no me deram, sinto
Que queriam me espanca .. .
Visinha.
Visinha, perdoe as meninas,
Que hoje noite de^ Nata.
Mestra.
S isso, minha visinha,
Fazia eu me alegrar.
As meninas esto perdoadas
Vamos a Jesus louvar!
Coro:
O' peccado, olha l,
Cigana:
Passando por certas portas,
Rico cheiro rescendeu.
Dizei-rrie, lindas pastoras.
Se o Deus Menino nasceu?
Coro.
Ai! ai! que dr, etc.
Cigana.
Dizei-me o que significa
Numa bandeira uma cruz,
Cigana:
Eu j vinha de to longe
E j ouvia me chamar:
Vinde, vinde, ciganinha
O Deus Menino adorar.
Coro:
Ai! ai! que dr, etc.
Cigana:
Ciganinha do Egypto
A caminho de Belm,
Vinde vr o Deus Menino,
Que nasceu p'ra nosso bem.
Cro:
Ai! ai! que dr, etc.
Cigana:
Acordae, pastoras,
Do somno em que estaes.
Vinde vr nascido
O Deus dos mortaes!
Cro:
Ai! ai! que dr, etc.
Cigana:
Nasceu hoje, na Verdade
Quem do co da luz veio
E que para nosso bem
Vae morrer sobre uma cruz!
Os passarinhos gorgeiam,
Annunciando este dia.
E^ chegado o Messias!
E' chegado o Messias!
Cigana:
O Menino Deus meu! c meu!
Aucena, avanando:
123
Cigana:
O Menino Deus meu! meu!
Aucena:
O Menino Deus o meu amor!
A Cigana, enfurecida com a disputa, corre so-
bre a Aucena, ameaarido-a com um punhal!
Aucena:
Valha-me o Menino Deus,
Que ha muito tempo meu!
Cigana:
A quem a vida por eile d!...
'
Elle deve saber paga
Aucena:
Eu, peia defesa do Bom Jesus,
Delle mesmo terei a luz!
Cigana:
Deus uma outra me dar!
Aucena:
Aucena, a morte temida.
No queiras perder a vida!
- 124
Aucenu:
'
Cigana, apunhalando-a:
Venham vr e admirar
Um throno cheio de luz
Para Jesus festejar!
Coro:
V^cnha logo! venha logo!
Nosso querido doutor!
Cigana:
O' como engraado!
Rio-me desta priso . . .
lesira:
Cigana:
Fugir eu? Porque razo?
Que delicto commetti?
Mestra:
Com teu punhal amolado
A outra foste matar.
Pensando que do castigo
Livre .havias de ficar. ,
Mestra:
No sabes arranjar desculpas
Nem mesmo o que ests dizendo;
Condemnada por ti mesmo,
Tu ests toda tremendo!
Cigana:
No tenho raiva de voc
Seu doutor Cip!
Seu meirinho ruim
Que no tens d!
I
- 127 -^
129
J vem mudando de cr
Nossa pastora querida!
O pulso da Aucena
J est com seu valor.
Levantai-vos, companheiras,
P'ra dar graa ao Creador.
Aucena^ levantando-se:
I
131
Isto c para ns! (bis)
No para vs.
Vamos guardar Belm.
Isto c para ns!
Cigana:
Se o Deus Menino nasceu,
Pastoras, que negar, (bis)
p^ra
Que eu sou Cigana
do Egypto,
Venho de longe adorar! (bis)
Coro:
Cigana do Egypto, etc.
Cigana:
Deus vos salve, D. Olga,
No logar em que estaes!
D. Olga: ,|
Deus te salve, Egypcia,
No caminho em que vaes!
Cigana:
Dizei-me, .rica senhora,
Com gosto e alegria.
Se este caminho errado,
Vinde servir-me de guii.
D. Olga:
Suba naquelle outeiro,
Desa naquelle logar,
Dentro duma mangedoura
L o haveis de encontrar.
I
132
Em busca do Deus iMenino,
Adorar o Summo Bem.
Cigana:
Eu sou cigana direita, (13)
De Portuguez no tenho nada,
Venho lr a buenadicha
Do Menino Deus humanado.
Seus beicinhos rubicundos,
Seus olhinhos engraados
So signaes de conhecer.
Parae, pastoras, parae,
Pedi licena primeiro!
j que somos creaturas
Daquelle Deus verdadeiro.
Dai-me, linda Senhora,
Este menino p'ra inim.
Nascido de nove mezes,
Ha de ser to paciente,
Ha de ser to padecente! (14)
Adeus, pastorinhas.
Que j vou embora.
P'ra o Apenino Deus
V^ou tirar esmola.
Cro:
Adeus, ciganinha,
Que j vaes embora!
P'ra o Menino Deus
Vaes tirar esmola.
133
Ciagna:
Adeus, pastorinhas,
Volto p'ra as florestas,
P^ra o Menino Deus
Vou tirar as festas.
Coro :
Adeus, ciganinha, etc.
Ciagna:
Quem d uma esmola
A' pobre da cigana,
Que vs bem sabeis
Que ella no engana.
Vossos cabellinhos
So de ouro fino,
So galantesinhos,
Desde pequenino!
Verdades puras
Efla vae dizer.
Pastoras, eu j cheguei
Bastantemente canada,
Das esmolas que tirei
J estou muito enfadada. (1 7)
Coro de pastoras:
Coro,
Emquanto o menino dorme,
O boi arranja as palhinhas.
Vamos beira do rio
Lavar suas camisinhas.
L na fonte, ao p da cruz.
Lavar os nossos peccados.
Assim como de Magdalena
Lavou os seus perdoados.
Alevantai-vos, pastoras.
Que o cantar demasia.
Vamos pagar a offerta
Do verdadeiro Messias.
136
reco lapinha.
Coro:
Naquellas longes campinas
Ha um pobre lavrador,
Com seu saquinho de trigo,
Offereccido ao Senhor.
Vamos a Belm,
Vamos caminhando;
Porm, como longe,
'
Vamos cantando.
D licena, ba gente.
Somos pastoras de Belm,
Que uns festejam em Nazareth,
Outros em Jerusalm.
Mestra:
Desde hontem venho
Por valle e monte,
I
Desgostosa e consumida
I
l.^S -
E tecer capellas!
Flores mimosas
Que no jardim temos!
Flores mimosas
Que no jardim, temos!
Lindo ramalhete
Ns colheremos!
Lindo ramalhete
Ns colheremos!
Dai-nos a manguinha
E o maracuj,
A laranja doce,
Que um doce mann!
Mestra:
A rom de bom preo
Que das tructas rainha.
I
139 -
Caboclos:
Joven sinh
O meu bem me chama
E eu no vou l.
Fasse p'r'aqui,
Passe p-r'aqui,
Passe p'ra c!
Caboclos,
Estando eu no meu
Mocambo de palha, (24)
Ouvi l de dentro
Uma voz nascer. (25)
Todo o corpo estremecia
E todo o povo gemia.
Subi de rede acim.a,
Desci de rede abaixo,
Avistei a luz do facho.
De alegre fiquei contente, (26)
Vendo o verdadeiro home
Que nestes tempos de fome
Por escripto se dizia
Que elle vinhal
: ,
Cro
Sou menina bella, etc.
Caboclos:
0\ quanta gente tenho
No mocambo de palha!
Se isso tudo fosse meu
Mas s parenta lha ...
Eu venho do Ass,
E s como tati,
De machado nas costas
E cabaa ki m
As apr gata {21) no p.
Graas a Deus
E a todas creados,
J vimos o Messias
Por ns desejado,
To lindo elle c
E to engraado!
Coro :
Cantemos alegres
O to festejado,
A ojoria do rei
Por ns coroado!
To lindo elle
E to engraado!
So chegadas as gallegas
La dessas terras de alem.
142 -
Uma pastora:
i
143
Gallegas:
Vejam as duas gallegas de Orar,
De longe vieram a p, assim ,
Pastoras:
Vejam as duas gallegas de Orar,
De longe vieram a p, assim .
Queimemos, queimemos,
Lindas pastorinhas.
Queimemos, queimemos,
As nossas palhinhas.
As nossas palhinhas.
J vo se queimar
E ns pastorinhas
J vamos chorar.
Celeste menino.
Que incenso de pobre
No pode ser fino.
Louvemos, louvemos
A Nosso Senhor
E at para o anno
Se eu viva fr.
145
Notas ao Auto das Pastorinhas
PERSONAGENS:
A Caridade, de vestido branco, com um corao
vermelho, bordado ou applicado sobre o peito, man-
to azul celeste semeado de lantejoulas e estrellas,
coroa, ramo de oliveira na mo.
O Mendigo, esfarrapado, de chapu desabado,
bordo, sacola e barbas venerveis.
O Galan, de rico traje de pastor, meias de seda,
cajado doirado.
Dois anjos, que acompanham a Caridade, um
de cada lado, trazendo coroas de flores em peque-
nas bandejas.
Quatro pastoras, de branco, com pequenos ca-
jados floridos.
(A scena se passa deante da lapinha, como nas
Pastorinhas. Em frente ao prespio, deve haver um
tamborete ou um tronco, onde o mendigo se senta.
A musica muda continuamente de rythmo e doce
e saudosa.)
Mendigo:
Triste de mim nesta vida,
Tive por sorte soffrer!
jl
:
- 149
Meu corao desfallece,
Canado de padecer.
Mendigo
Creio, porm, que debalde
Tambm invoco o bom Deusl
Talvez me esteja fechada
A immensa porta dos cos!
Cro:
Ai! soffro debalde, etc.
Mendigo:
Pobre, cercado de magoas.
Sem amigos e sem po,
Sou desprezado no mundo,
Valho menos que um co!
Coro:
Ai! soffro debalde, etc.
*150
Mendigo.
A fome, o frio me affligem,
A doena me faz soffrer!
Que vida triste esta vida
Que longo o meu padecer!
Coro:
Ai! sofro debalde, etc.
Mendigo:
Trs filhinhos tenho em casa.
Coitadinhos! l esto,
Chorando a falta de roupa,
Morrendo de inanio!
Coro:
Ai! soffro debalde, etc.
Mendigo:
I
:
151
Coro de pastoras:
Cantemos, todas cantemos
Graas ao Menino Deus.
Rendamos graas, rendamos,
Rendamos graas aos cos.
Galan *
\
Mendigo:
Pelo amor do Deus Menino
Uma esmolinha pequena!
Meus filhos choram com fome . . .
GaLan
Pena? Eu tenho de mim prprio!
Porque no vae trabalhar?
1
.
15.^^
Mas a doena me
opprime,
O brao no mais supporta.
.
Galan:
"''"'^'^'' ^'''"'
'
sentar-se. O galan, abor-
recido^-
Galan, cumprimentando-as:
Pastoras:
Galan.
Primeira pastora:
MuRo obrigada! Mas taa
O favor de se arredar
Um bocadinho p'ra o lado,
Porque queremos passar.
Galan
Onde vo assim to cedo
Quando a aurora mal desponta?
155 -
Segunda pastora:
Ns vamos assim to cedo
Onde no da sua conta.
Galan:
Acceitam por companheira
A minha humilde pessoa?
Primeira pastora:
Que esperana? Coitadinho!
Ns sabemos o caminho
E' alem disso a estrada ba.
E s pressas corremos
A' gruta feliz,
Primeira pastora:
Terceira pastora:
Desejavas companheiras?
Ento, vamos embora.
Segunda pastora:
No vs que este sujeitinho
Est no caminho plantado?
Terceira pastot a
Este fedelho? O' menina
P'ra que serve teu cajado? .
Qaaria pastora:
Pois se a Belm que vae,
No vejo inconxeniente.
Primeira pastora:
Porque, ento, nao disse logo
E se pz a tagarellar?
Em nossa jornada santa
No se deve vadiar . . .
Concedemos-lhe a licena,
Com tanto que v calado
E serio, seno lhe dansa
Nas costas o* meu cajado.
Primeira pastora:
pudermos ser teis.
Se lhe
Teremos satisfao.
Mendigo
Uma esmolinha, senhoras,
Mendigo:
Como s compadecida!
Como s ba e feliz!
\
161
Dirigindo-se s outras trs:
E vs, anjos de
bondade
Que attendestes mendigo ao
Deus largamente vos pague
O bem que fazeis commigo.
E a recompensa segura
Na eternidade dos cos.
Porque, bem sabeis: quem d
Aos pobres empresta a Deus!
Escutai, escutai!
Gloria no eco se deu! (5)
Vamos louvar o Salvador,
I
lo2
Que j nasceu,
Que j nasceu,
Demos louvor!
Mendigo, tambeni:
Bemdito seja o Senhor!
Quarta pastora, tambm:
Silencio! escutemos todas
Com respeito e santo amor.
Caridade:
163
Sou a rainha das virtudes,
Sou a excelsa caridade!
Baixei do co hoje
Com o doce Jesus,
P'ra trazer aos homens
Paz, amor e luz.
Primeira pastora:
Gloria Caridade!
Todos:
Gloria
Segunda pastora:
Gloria suprema bondade!
Caridade:
Caridade:
Entre vs, povo escolhido
Desde o Sinai sou a lei,
inteiro
Mas para o Universo
Com Jesus Deus Verdadeiro
exultai, 6 povos!
Portanto,
E approximai-vos de mim.
Pobres, tende confiana,
vim!
P'ra consolar-vos eu
Caridade, s pastoras:
- 167
Aprende a achar conforto na esperana
E na f a melhor consolao.
Caridade, admirada:
Para adorar o Messias?
Como? pobre filho meu,
Se to duro aos infelizes
Se mostra o corao teu.
No sabia, senhora!
Caridade:
Pobre moo! Tem razo.
Caridade:
Qraas a Deus que
desponta
Hoje em Belem nova
luz!
De agora em deante os
homens
Sao ensinados por
Jesus.
Vo por um novo trilho
Enveredar meu filho!
Iro amar uns aos
outros
Com esse amor que produz
Do sacrificio a belleza,
Vendo que o Deus das
dturas
Quiz,para honrar a pobreza,
Pobre, mui pobre nascer.
.Quebraro do orgulho os
laos
E se estendero os braos,
Cheios de immenso prazer,'
Como amig-os, como irmos,
Para terem a enorme dita
De formar agrei bemdita,
A santa grei dos christos!
creatura ingrata!
Rico!
benefcios Deus faz..
V que
Pois imita a Deus e, quando
comtigo
Fores ao templo,
me//digo.
Leva a beno do
no vsl...
Se no a levares,
assis-
voltando-se para a
A Caridade, termina,
tencia:
Filhos da terra, remidos
Pelo Christo Salvador,
171
Galan, ajoelhado:
Primeira pasora:
Gloria Caridade!
Coro.
Gloria!
Segunda pastora:
Glorin suprema bondade!
:
^- 173 i
:
1"
Coro.
Gloria!
Caridade:
Sim! Gloria a Deus nas alturas \
infante divino,
Querido Senhor,
Que pobre nascestes
Pelo nosso amor,
Sc nossa ventura,
lodo nosso bem,
O' luz da altura,
O' flor de Belm!
12. V. as notas S e 9.
AUTO DA P3R?IA DAS FLORES
PERSONAGENS:
Rosa, cantando:
Flor de laranja:
Ao Encarnado
Verbo de Deus,
Que fez as aguas,
A terra e os cos!
Ao poderoso
Seu Creador
Tragam as flores
Culto de amor.
Dirigindo-se Rosa:
Rose:
Logo vi pelos teus modos
Que no s tlr de salo.
Flor de laranja:
Rosa^ rispidamente:
Flor de laranja:
~ .181
Setnpre-Viva, entrando em scena a cantar:
Meu canteiro abandonando,
Cheia de immenso prazer,
A Sempre-Viva,
Constante flor.
Ama e adora
Seu Creador,
E toda humildade
Vae neste instante
Beijar as plantas
Do Deus Infante.
Rosa.
S bem vinda, - Sempre-Viva!
Sempre-Viva:
Como passaes, linda Rosa!
Rosa:
Passo bem, muito obrigada.
Sempre-Viva:
Sempre querida e formosa,
No assim?
Rosa:
Mais ou menos . .
Sempre-Viva:
Dizei-me: ides a Belm?
182
Rosa:
Vou.
Sempre-Viva:
Quem nos dera que chegasse mais algum!
Convidei o Cravo e o Lyrio,
Que me disseram que sim
Mas julgo que ainda esto
Quietos l no jardim.
Rosa:
Aposto que elles no tardam
A ter comnosco tambm,
E pelo aroma que sinto
Cuido que o Lyrio ahi vem.
Lyrio, cantando:
O L\rio timido,
Com alegria,
Vem vr a pura
Virgem Maria.
E com delicias
Servir de alfombra
A quem como Elle
Nasceu na sombra.
:
183
Sempre-Viva:
Porventura branco Lyrio
Vem o Cravo por ahi?
Lyrio
No sei, cara Sempre-Viva,
Porque sosinho sahi.
Sempre-Viva:
Rosa.
Ora, que sentia
disse o
E bem entendo o que vejo.
Sempre-Viva:
Que dizes, Flor de laranja,
To bei la e to reservada?
Flor de laranja:
Que a conversar com a Rosa
Prefiro ficar calada.
- 185
Sempre-V iva
Diz bem o cndido lyrio,
Trgua a inimizade agora.
L vem o Cravo esperado.
Chegue elle, vamos embora.
Cravo, cantando:
Sempre-Viva:
Illustre cravo encarnado.
Foi grande a vossa demora,
Aconteceu-vos transtorno
Ou estaes preguioso agora?
Cravo,
Minha bella Sempre-Viva
Cor de ^<aro como o sol,
C no estou ha mais tempo,
- 186
Porque achei um rouxinol
A cantar.no meu caminho...
Sempre-Viva:
Rosa.
Diga logo, senhor Cravo,
Com franqueza e bizarria,
Que cavalheiros galantes
J no os ha hoje em dia..
Cravo:
Pois eu me preso de sl-o
E geral a opinio
Que mais delicado principe
No pisa em nenhum salo.
Rosa, zombanao:
E deixe-sc de presumpo!
Cravo, enrgico:
I
188
Respeito tua pessoa!?
Quem que te chama rei?!
Soberana proclamada
Em todo o jardim sou eu,
Pelas graas, pelo encanto
Que a natureza me deu!
Cravo, resoiutameni, :
Rosa.
Um escravo revoltado
E' o que s, traidor!
Cravo.
Rosa, 'no queiras zangar-me.
J sabes quo forte sou.
Teme minhas justas iras,
as
V que ningum me curvou!
No ha ornato de flores,
Ou fingidas ou reaes.
Que despensem meus encantos,
Elegantes, sem eguaes!
No se poupa sacrificio:
E o que se d para iiavl-o.
Ningum chama desperdcio.
De direito a primasia.
Flor de laranja:
Mais que a flor de laranjeira
Nos de noivado?
enfeites
Protesto, Cravo! tu nunca
Foste nem s estimado!
Senipre-Viva.
Svmbolis<L) a eternidade
E sou a flor da constncia!
193
O firme amoi entre os homens
E' tido em estimao,
E raro achar-se na terra
Uma perenne affeiao.
Se a mocidade e a belleza
Pudessem durveis ser,
Para os homens, que ventura!
Para as moas, que prazer!
Cravo, rindo
Vae chamar tuas cohortes,
Vae buscar teus esquadres,
Que os porei daqui p'ra fora
Com dois ou trs caxaesl...
Rosa.
A zombar de mim te atreves
Vassallo atrevido e louco?!
Cravo.
A to grande soberana
Castigar-me custa pouco.
J de joeelhos, covardes!
Para pedir-me perdo.
I
195
Lyrio, contendo a Rosa que avanava contra
o Cravo :
Deixa-me!
Cravo, rindo: ,
Se no guardas o espinho,
Vaes espetar-te tamoem.
Rosa:
Sou a Rainha, a Senhora,
Posso punir um delicto!
Cravo:
Pois quando achar quem te ature
Tenha l seu faniquito!
Lyrio:
Esperae, caras amigas,
No fiqueis to enfadadas,
Terminae o vosso pleito,
Dando a mo de camaradas.
Sempre-Viva:
E sejam to razoveis
Os dois quanto so gentis.
Cravo:
Sempre-Viva:
Pois j que no quiz, humilde,
Suas graas exaltar,
Proponho em que ns todos
Falemos em seu logar.
Flor de laranja:
Perfeitamente!
Cravo:
Apoiado!
Lyrio:
Caras flores, obrigado!
Mas tratemos de seguir
Para Belm.
Sempre-Viva:
Pacincia!
Meu senhorsinho, ha de ouvir!
Flor de laranja:
Ha de ouvir! No tem remdio.
Cravo:
Duas palavras somente.
Comea tu, Sempre-Viva,
Porque foste ^ proponente.
201
Sempre-Viva:
Entre as flores mais notveis
Que brilham no verde liastil
O lyrio elegante eleva
Seu magestoso perfil.
A me de Jesus Infante,
De Jesus, nossa alegria,
Tem nelle o ornato mais bello
O Lyrio a- flor de Maria!
E o Cordeiro Immaculado,
Que pureza nos conduz.
Entre lyrios se apresenta:
O Lyrio c a fr de Jesu!
Cravo
Bravos, Rosa!
Sempre-Viva:
Muito bem!
Flor de laranja :
Viva o Lyrio! Viva a Rosa!
Cravo Rosa, estendendo-lhe a mo:
Agora, sim, foste grande,
Porque toste generosa!
Rosa, apertando a mo do Cravo:
Raiou em meu corao
A luz do co e vos peo.
Irmos, a todos perdo!
Cravo, Sempre-Viva e Flor de laranja:
E ns, querida Rosa,
Perdo pedimos tambm.
Pelo amor do Deus-Humilde,
Do Deus nascido em Belm! ^
204
Cravo:
Esqueamos o passado
E, em signal de unio,
Abracemos-nos contentes,
Com sincero corao!
Sempre-\'iva:
Viva a Unio!
Todos:
Viva! Viva!
205
(
ii
Rosa:
Viva o Amor que no Bem conduz!
Flor de laranja:
Viva a Paz!
Cravo:
Viva a Humildade!
Lyrlo:
Viva o nome de Jesus!
Cravo:
Vamos a Helem depressa
E seja o Lyrio querido
Quem nos guie Santa Gruta
De Jesus reeem-nascido!
Noite, bemdizemosl
O' noite feliz!
Lyrio, falando:
Em honra do Deus Menino,
Flor do co immaculada,
Em torno de sua gruta
Formemos uma grinalda!
Dansam a cantar:
A Rosa engraada,
O Cravo cheiroso.
Gentil Sempre-Viva,
O Lyrio mimoso,
A Flor de laranja
A 'Jesus consagram
Seus puros amores.
A constante Sempre-Viva,
Cheia do mais firme amor,
Offerece ao Deus Menino
O seu eterno louvor!
Cro:
A Rosa engraada, etc.
Louvemos, flores!
O Deus das Alturas
- 21U
Que vem confundir-se
Com as creaturas!
Vimos e adoramos
Nosso Creador,
O Deus das Alturas,
O Eterno Senhor!
Voltemos, voltemos
Ao nosso jardim!
Cantando louvores,
Hossannahs sem fim!
J
AUTO DOS PAG3
PERSONAGENS:
D. Henrique Cariongo, rei dos Gongos.
Prncipe Sueno, (1). herdeiro da coroa. '
Secretario:
Nossa licena j temos,
l l!
Da me de Deus do Rosrio,
o l l!
- 215
Se no querias os Gongos,
i\x
J chegado, j chegado
Nosso rei do seu passeio.
21h
*
Secretai io :
I
:
217 ~~
De ir ao throno de Maria,
Neste instante, nesta hora.
Hoje mesmo, neste dia!
Coro:
Arreda, deixa passar, etc. *
Secretario
Secretario:
Alma perdida anda no mundo,
No mundo sem alegria,
Somente porque no reza
O rosrio de Maria.
Coro:
Arreda, deixa passar, etc.
Secretario:
Minha V^irgem do Rosrio,
Cantemos vossos louvores
Os anjos cantam no co
E na terra os peccadores.
Coro, cantando:
Maracond, maracond!
E* de bombai! (tris)
Amul, amulequ,
Amulequ, amul,
Temos muito que faz!
Secretario :
Senhor! SenliorI Acudo a sua chamado.
Rei:
Secretario, tudo est prompto?
Secretario:
Prompto est!
Rei:
Rabeca, viola, pandeiro, marac?
Secretario
Rabeca, viola, pandeiro, marac!
Rei-f
Ento, pode comea.
Secretario, cantando e dansando:
De imbam[)aic.
Este p, este p
Me mandaram vende.
Secretario
O' baio do aratu,
O' quixamb!
O' lel, lel!
Cy quixamb!
Coro.
Quatro ps, etc.
Secrct ano.
Senhor cadete
Da gola encarnada.
V
?9')
Coro.
No rxamore a moa
Que ella casada.
Secretario:
Senhor cadete
Da gola azul.
Coro:
No namore a moa
Que ella do sul.
Secretario:
Senhor cadete
Da gola branca.
Coro:
No namore a moa
Que ella de Frana.
Secretario.
Senhor cadete
Da gola preta.
Coro.
No namore a moa
Que ella sujeita. (17)
Secretario
Maria, teu pae no quer
Que eu converse com voc:
Sacuda-lhe areia nos olhos,
Que cego no pode vr . .
Coro.
Maria, parte o baralho, (bis)
Quem ama no tem trabalho (bis)
-- 223
Tr-tr-tr, tr-ri-ra! (bis)
O' Maria Camungr (bis) (18)
Secretario:
L na praia do pharol
Eu vi Maria assentada,
Esperando pelo fresco
Da serena madrugada.
Cro:
Maria, parte o baralho, etc.
Secretario:
Secretario e coro:
Secretario
Tomba dacol!
Coro.
Nunca vi quem est tonto
Saber lyail!
225 -
Secretario:
Mariquinha,
Sinht-
Eu no sei bailai
Cro:
Mas porm (22) tique-tiqiie,
Tome l, d c!
Secretario:
Sinh Mariquinha,
No coma meu arroz!
Coro:
Este arroz, sinhsinha,
P de ns dois!
Secretario:
Secretario:
Secretario:
O cannavial fraquinho.
Coro:
O' Macambira!
Secretario:
O cannavial pegou fogo!
Coro:
O' Macambira!
Secretario:
Grita, negro Salvador!
Coro:
O' Macambira!
Secretario:
Abro a boca, apago logo!
Coro:
O' Macambira: (24)
Secretario:
Catharina, minha negra,
Teu senhor quer te vender,
Para o Rio de Janeiro,
Para nunca mais te vr!
Coro:
O' lel, lel!
O^ lel, j me vou!
Secretario:
Santo Antnio bom santo,
227
Que livrou seu pae da morte,
Mas no livrou me Maria
Da ponta do caiabrote! (25)
Coro:
O' lel, lel! etc.
Secretario.
Chabariri est doente,
Est doente duma dor.
Chabariri s merece
Lapada de chiquerador! (26)
Coro:
O' lel, lel! etc.
Secretario:
Chabariri est doente,
Est de cabea amarrada,
Chabariri s merece
Uma poro de lapada.
Coro:
O' lel, lel! etc.
Secretario:
Que santo aquelle
Que anda acol?
E' So Benedicto
Que vac p'r'o alta!
Cro:
Meu So Benedicto,
Cabello de ouro!
Livrai-me, meu santo,
De terra de mouro!
228
Olhas para o co
E vs uma luz?
Avistas a cama
Do Senhor Jesus!
Coro.
Meu So Benedicto, etc.
Secretario:
Olhas para o co
E vs um andor?
Avistas a cama
De Nosso Senhor!
Coro:
'
Meu So Benedicto,
Cabello de vo,
Levai-me, meu santo,
Da terra p'r'o co!
Secretario
Se partes o coco,
Me d um pedao.
Espreme o leite,
Coro.
Piriquiti!
Piriquiti!
O' quixob!
Secretario:
Certa mulatinha
Mandou-me chamar,
: :
229
Puxou a cadeira,
Mandou-me sentar!
Coro:
Piriquiti! etc.
Secretario:
Certa mulatinha
Mandou-me dizer
Que uma noite destas
Ella vinha me ver!
Coro:
Piriquiti! etc.
Secretario:
Secretario
Meu padrinho Santo Antnio
Me bote sua abeno. (29)
S peco que Deus me ajude
E bote a jaca no cho.
Cro
Piriquiti! etc.
Secretario:
Se a perpvl-a cheirasse,
Era a rainha das ioic^,
\
230
Mas como elia no cheira
E' rainha dos amores.
Coro:
Piriquiti! etc.
Secretario
Santa Catharina
Do cabello louro,
Eu no quero morar
Em terra de mouro!
Coro:
Ai! santinha! ai! lol (bis)
Minha gente venha vr
A massa do po de l (30)
Secretario:
Eu subi de pu acima,
Fui pegar um papagaio.
Minha Santa Catharina,
Me segure, seno caio!
Coro:
Ai! santinha! etc.
Secretario,
Eu desci do pu abaixo
Com risco de despencar.
Minha Santa Catharina,
Faz papagaio falar!
Coro:
Ai! santinha! etc.
Secretario.
Papagaio morreu,
I
231
Afogado no mar.
Papagaio morreu,
Sem saber falar!
Coro:
Ai! santinha! etc.
Secretario:
Papagaio morreu,
Afogado no m. (31)
Papagaio morreu,
Porque no dava o p!
:
Secretario.
Ningum pisa milho
Gomo pisa ella!
Pisa todo o dia,
No pisa uma panellal...
Secretario.
Peneirou! peneirou! (bis)
Peneirao milho (bis)
Negro trovado! (bis)
Secretario.
Ningum pisa milho
Como me Antonlia!
Pisa todo o dia,
No pisa uma pamonha!.
Coro:
Peneirou! peneirou! etc.
Secretario.
Ninguefn pisa milho
Como o pae Joo!
2;;: _
Pisa todo o dia,
No pisa um po!... (32)
Coro:
Peneirou! peneirou! etc.
A creoula na feira...
Tambm, tem.
Mas s p^ra quem leva
Seu vintm
:
Secretario .
O beijinho de amor
Faz chorar,
Soluar!
Coro:
Faz chorar!
Faz chorar!
Faz soluar!
Secretario
A despedida do amor
Faz chorar,
2.^3
Coro:
Faz chorar! etc.
Coro:
O' lel, lel!
grita:
Embaixador:
Eu por este reino adentro
Entro com grande valor,
Sem temer de D. Henrique
Nem dos ministros o pavor!
Embaixador:
Senhor, eu no sou guerreiro,
Nem da guerra trago instrucao.
Sou um iliustre cavalheiro.
Representante da nao!
Embaixador:
Henrique, rei Cariongo, magno Henrique,
forte rei, manda dizer-te minha monarchia que, se
no retirares as tuas tropas e no baixares as tuas
armas deante da sua bandeira de trs estrellas, no
ficars ix)r muito tempo sentado no throno!
D. Henrique esboa um gesto vago de respos-
ta. O embaixador avana, ferozmente, para elle. O
apontam as pon-
prncipe, o secretario e os officiaes
tas das espadas ao peito do embaixador e de seus
companheiros, cantando:
Prncipe:
Presos esto,
Bravos gu erreK
Entreguem as armas.
Esto prisioneiros I
Coro.
Presos esto, etc.
Prncipe:
Quem te mandou
Vir combater?
233
Agora, infeliz,
Tens de morrer!
Coro:
Quem te mandou, etc.
Embaixador , suppiicante:
Levanta-te, embaixador
E dize-me tu quem s.
Embaixador, no temas
Que tua arrogncia e orgulho
!
241
Faam cahir nossas armas
Quando houver o barulho!
Sou no esmoreo,
forte,
Guerreiro forte, afamado!
O forte so teme a Deus
E no pode temer mais nada!
Principe tyranno,
S para dar-te
O desengano!
Secretario :
0\ quem fr guerreiro,
Venha com.bater,
Que esse embaixador
243
Prncipe:
Prncipe e coro:
Secretario:
Embaixador: _
Retirem-se, rebeldes I
Embaixador:
Quando de casa sahi,
Foi-me bem recommendado
Pegasse o rei Cariongo,
Levando-o preso e amarrado!
Coro de soldados:
Avante! etc.
Errtbaixador:
[
240
So horas de combater,
So horas, ningum descana,
Vamos vencer ou morrer!
Pelejar at ganhar
Com minha arma segura.
Pegar os inimigos
E levar sepultura!
Esta batalha
Ns ha de vencer!
Esta batalha
Ns ha de vencer!
Esta batalha
Ns ha de ganhar!
Prncipe:
Entregou diadema
A's mn i u vencedor.
Perdeu > , e a batalha!
O povo rni^ 'v- de dr!
4
Adeus! Adeus!
Principe:
Adeus, meu secretario!
Adeus! Adeus!
249
Carrasco, suspende o golpe!
Para sempre, vou morrer!
Vinde c, embaixador!
Vem commigo ao meu thesouro.
Dou-te )rata e diamantes,
Dou-te dois milhes de ouro!
mentoso:
12. Idem.
13. Idem.
14. Ginlirias. De ginitriar, fazer passos curio-
tinham vindo.
42. Alviaras.
43. Loandistas.
44. E^ assim que a gente rude do Nordeste
pronuncia o nome da celebre orao Magnificat.
45. Logares d'Africa, cuja memoria se perdeu
com morte dos negros da Outra Banda.
a
Alluso a qualquer lenda de cavallaria, das
46.
muitas que, como a dos doze pares de Frana,^ cor-
rem por entre o povo do Nordeste.
47. V. a nota 41.
48. Nestes versos a reminiscncia da linguagem
africana c completa.
AUTO DO ''BUMBA MEU BOI!"
PERSONAGENS HUMANOS:
Capito ou Cavallo- Marinho.
Vaqueiro.
Matheus, negro escravo.
Sebastio, caboclo escravo. (1)
Valento ou Capito de mato.
Man-Gostoso ou feiticeiro.
PERSONAGENS ANIMAES:
O Boi-suruby.
As emas.
O urubu.
Coro
Toca bem esta viola
No bahiano cremcd,
Que o AAathcus e o Pasiio
So dois cabras dansad.
^ 258 -^
No passo da jurity,
No passo do roxin,
Se Bastio dansa bem,
O Matheus dansa mia.
O tocador de viola
Tem os oihos muito esperto.
O som da sua viola
Parece com o cu aberto.
Coro:
Tome seu chapu barraca,
Que quasi um barraco.
Estasmocinhas de agora
S querem usar balo.
Estribilho:
I
259
Quem no tem balo de ferro
Bota balo de cip.
Valento:
'
Xalento:
Sou valento afamado,
Todo o mundo pode vr,
\alento:
Atireino limo verde,
L na torre de Belm,
Deu no ouro e deu na prata,
Deu no peito de meii bem! (11)
Coro:
Ai! ai! meus canrios, etc.
\alei\iao:
Coro:
Ai! ai! meus canrios, etc.
261
Primeira dama:
De onde vindes, mana?-*
Segunda dama:
Eu venho da missa.
As duas:
Vamos-nos einhora,
Que l vem a justia ! . . .
Primeira dama:
Se a justia vem,
EUa ira embora,
Porque eu sou a dama
Do Juiz de Fora . .
Segunda dama:
"
Se a justia vem,
Perde seu valor,
Porque eu sou a dama
Do seu ouvidor . .
As duas:
Mana, vamos por aqui
Pelo quartel encostada,
Que eu estou vendo o amante
Que me traz inquizi liada!
O ouvidor e o juiz
Andam bem doentes . . .
E ns somos damas
E)os seus escreventes ... (12)
262
Surge Sinh^Anninha (13;, a negra bbeda, com
cuja vidaningum pode e que vive a dar escndalos.
Sinh'Anninha v embora,
No venha me abodegar,
Quando for para outra sala
Voc tem de apanhar!
I
:
263
vara de ferro em punho e uiiia bexiga de boi,
cheia de vento, na mo, com a qual aoitam todos
aquelles que surgem no terreiro, depois que acabam
a sua cantiga. A Sinh''Anninha se, corrida a pan-
cadas, Vae entrar o Cavallo-Marinho ou Capito.
E' um mestio alto, de chapu armado com plu-
mas, casaco de enfeites dourados, montado num ca-
vallo de pu, com saiote comprido, que envolve as
pernas do individuo. Sobre a garupa traz uma bo-
neca de panno, a Zabelinha, sua filha. Seguem-n'o,
ladeando-o, dois meninotes de roupas berrantes: Ga-
lante e Arrelequinho.
Cavallo-Marinho :
Coro:
Cavallo-Marinho
Vem se apresentar,
A pedir licena
Para dansar.
Cavallo-Marinho:
Appareo, meu amor,
Agora com novo alento.
Deixo de estar escondido
Ao ronco deste instrumento.
Coro
Cavallo-Marinho
264
Dansa bem bahiano,
Bem parece ser
l'm pernambucano!
Ctvallo-Mannlw:
Coro.
Cavallo-Marinho
Vae para a escola
Aprender a lr
E a tocar viola.
Ca\fallu-MariiiIio.
Cavallo-Morinho:
O' lua que alumias
Este mundo de meu Deus,
Alumia a mim tambm,
Que ando perdido dos meus!
: :
~ 265
Coro:
Cavallo-Marinho
Dansa na calada,
Que o dono da casa
Tem gallinha assada.
Ca vallo-Marinh o
Senhor dono da casa,
Varra bem o seu terreiro,
Para o meu boi dansar
Mais o seu vaqueiro.
Coro:
Cavallo-Marinho
Por tua merc,
Manda vir o boi
Para o povo vr.
Cantam:
Cavallo-Marinho:
Vou-me embora, vou -me embora!
Coro
Balaio meul
Cavallo-Marinho:
Para minha terra vou.
266
Coro :
Balaio meu!
Co vallo-Aiarin h o
Que eu aqui no sou querido . .
Coro:
Balaio meu!
Cav alio- Marinho:
E na minha terra eu sou!
Coro
Balaio meu!
Cav ali O' Marinho:
Na estrada passo eu.
Cro:
Balaio meu!
Cav alio- Marinho
Louvado seja Deus!
Cro
Balaio meu!
Man Gostoso,
Perna de pu,
Elle dansa, elle toca
No seu birimbu!
i
267
Coro.
lodo rio caudaloso (16)
Vae fazer barra no mar,
J te dei meu corao,
Para que me vens falara
Eu sou o Man
Que mora na lata.
Que casado
E tem a mulata!..
Coro.
Todc/ o rir), etc.
cantando dolentemente:
Deste monte vou sahindo,
A' procura domeu gado,
Qut: deixei, la nas campinas,
Enterrado e afogado!
Sapateiro novo,
Fazei-me um sapato
Da sola bem fina,
Pastorinha:
Deus te salve, c maninho.
Em vosso ca vai lo!
Cavallo-Marinho:
Deus te salve. Rosa,
Pastorinha:
Deus te salve, maninho,
Em vosso caminho!
:
269
Ca vallo-Marin ho
O' gentil menina,
Pastoreando o gado!
Pastorinha:
Eu nasci, maninho,
Para esse fado!
Ca vallo-Marin ho:
Por essa montanha
Corres grande perigo.
Uize, pastora, maninha,
Se queres vir commigo?
Pastorinha:
O senhor v embora,
Saia-sc daqui,
Que vim vr meu gado, (> maninho!
Que aqui perdi!
Xl x! x! girimanha!
Somos caboclos da ilha Romanha.
ndios:
Somos caboclos guerreiros
De l da Vrzea do Cisco,
Que fazemos toda guerra
Para frechar pae Francisco.
Coro :
X! x! etc.
ndios:
Cantando e chorando
Por essa montanha,
Procuramos pae Francisco,
Nariz de pamonha.
Coro:
X! x! etc. ^
ndios:
Cantando e chorando
Por essa biboca,
Procuramos pae Fraiicisco,
Nariz de taboca.
d
271
Coro:
X! x! etc.
ndios.
Cantando e chorando
Por essa campina,
Procuramos pae Francisco
t" me Catharina.
Cro:
Xl x! etc.
ndios.
Caboclo, rei dos bichos,
Natural de Culumin,
Caboclo no vae missa.
Porque no tem borzeguim,
Cro:
X! xi etc.
ndios.
Caboclo, rei dos bichos,
Jsatural do Quixel,
Caboclo no vae missa,
Porque no tem palet.
Cro:
X! x! etc.
ndios.
Caboclo, rei dos bichos,
Natural de Carrapato,
Caboclo no vae missa,
Porque no usa sapato.
Cro.
X! x! etc.
~ 272
I
ndios:
O',mus caboclos guerreiros,
Eu quero bem te dizer,
Se tu fores para a guerra,
E^ morrer ou vencer!
Coro:
X! x! etc.
L do meu serto,
Peneiro !
S a ema no!
Peneiro !
S a ema no!
Peneiro !
Vaqueiro:
Dansa de frente!
Cro.
Eh! bumba!
Vaqueiro:
Eaz uma mesura!
Cro
Eh! bumba!
Vaqueiro
Espalha essa gente!
I
:
275
Coro
Eh! bumba!
^
Meu
Meu
boi
Eh! bumba!
laranjo!
boi bargado!
Eh! bumba!
D volta e meia!
Eh! bumba!
Fica socegado!
Eh! bumba!
Do mesmo modo, o boi dansa, levanta-se, deita-
, torna-se a levantar e, por fim, comea, sempre
)ediente, a dar marradas em quem o vaqueiro
ianda:
D de fingimento! (22)
Eh! iumba!
No teu vaqueiro!
Eh! bumba!
D no Matheus!
Eh! bumba!
E
no seu companheiro!
.
Eh! bumba!
Toda a vez que o Suruby avna para dar
chi-
das em algum, o vaqueiro
previne, cantando:
Matheus, olha o boi!
Eh! bumba!
276
Emquantoo boi vae fazendo as suas brincadti
ras, a negra Catharina, uma
preta rebelde, terrvel
O coro rccebe-a:
277
Chame o capito do matto,
Que d todas providcuu
Para trazer essa negra
A' minha nobre presena!
Senhor PrcveLegio
Ek)s caraces,
Tu s s ferreiro
-ara fazer anzes!... (23)
adre:
Quem me ver assim dansando
No julgue que fiquei louco.
No sou padre, no sou nada,
Secular sou como os outros .
Coro.
O' gentes, que quer dizer
Um padre nesta funco?
278
E^ signal de casamento
Ou d^alguma confisso?
Romaite de fuL
Isto l para o sacristo.
Quem tiver moa bonita
E' pV^o padre capello . .. (24)
Coro
O' gentes, que quer dizer, etc.
Vnlento:
Um valento afamado
Como eu no pode haver:
Qualquer susto que me fazem
Logo me ponho a correr . .
Coro:
Eu te amarro, etc.
- 279
O capito do niato corre para o seu servio
e o coro anniincia o medico:
Medico:
O' negro, teu desaforo
J chegou aonde foi.
Quando fores me chamar
' p^ra gente e no pVa boi!
Matheus:
Ai! u! seu doui!
Seu doui ^ ai! u!
Um troquinho mido
Tu vaes receber ...
I
280
chuada. Dahi o horror dos meninos. Os dois es-
cravos, ao s approximarem do boi para lhe dar a
; ajuda , param surprezos. A negra Catharina ou
Catita vem, trazendo amarrado o valento.
Catharina.
No nada, no nada
Que mal ao cor-^rof
,i"a ;a
Cavallo-.\]ariuho:
Pasi or infla:
I
281
Cavallo-Marinho:
O meu boi morreu.
Que ser de ns?
Pasiornha:
Manda buscar outro, maninho,
L no Piancs!
Mathcus:
E' o boi Suruby do senhor capito Beio-
Mole, que a negra Catita matou.
fiscal:
Retirem j essa carnia dahi!
No me prenda,
Que eu bano! (28)
Fiscal:
bkirtc a rua, negro!
Bane a rua!
Fazendeiro:
Eu pago o boi,
Pago o vaqueiro
E
Coro.
: :
283
Coro
Bate nellc
Ai! que gosto!
Na cacunda
Do camello!
Vem
o advogado, mandado buscar para
derimir
a contenda entre o fazendeiro e o capito.
Canta,
dansando deante do banco das iradeiras.
Avogado:
Ouvi os seus instrumentos,
Gostei de ouvil-os tocar,
E lembrei-me de meu pae
Que fora fez-wr estudar!
Capito:
Tenho commigo uma questo
Que me traz atropellado,
Esta questo se procede
Duma roa e dum gado.
Advogado:
Responda ao que lhe pergunto
E no me fique calado:
O gado comeu a roa
Ou a roa comeu o gado?
Capito
Nenj o gado
comeu a roa.
Nem acomeu o gado.
roa
Mandei chamar o doutor,
f^orquc es(/j airaj^alhado!
284
Advogado:
Responda ao que lhe pergunto
E no me fique calado:
Se a roa comeu o gado.
Voc est condemnado! . . .
Capito :
O gado comeu a roa,
Que a roa no come gado.
Da Bahia me mandaram,
O' tear de aroeira:
Olha a negra Catharina,
Que est na lanadeira!
Coro.
Cy tear! O' tear!
O' tear de aroeira!
Da Bahia me mandaram,
(.)' tear de junqueira!
Venham vr a (^.atharina
No voltar da lanadeira.
Caro:
CV tear! O' tear!
CV tear de junqueira!
Cantoras:
Bravo do Cavailo-Marinho,
Lol!
mo I, pagina 2b7).
25. Quebrando de palet. No interior do Nor-
outrora mais do que hoje, s se
andava de
deste,
calas e camisa, de camisa e ceroulas, quasi
mesmo
das cerou-
sempre a camisa por fora das calas e
las/ At havia o habito de se pr um
soldado de
Matuto besta.
Bota a camisa p'ra dentro,
Bota o olho no sargento
Da guarda-municipal . .
fraldas da
Chamava-se ao acto de guardar as
camisa -
passar o pantio e, ao entrarem
roceiros
a ordem do ron-
nos povoados, era commum ouvir-se
dante:
Passe o panno, cabra!
que vem que-
Dahi a importncia do doutor,
brando de palet . .
Janeiro vae,
janeiro vem,
Feliz daquelle
A quem Deus quer bem
Janeiro vem,
Janeiro vae,
Feliz daquelle
Que tem seu pae!
Janeiro vem,
Janeiro foi
Feliz daquelle
Que tem seu boi!
Janeiro foi,
Janeiro era.
Feliz daquelle
Que tem sua terra!
Janeiro ia,
Janeiro vinha,
293 -.
Feliz daquelle
Que tem gallinha!
Janeiro vinha,
Janeiro ia,
294
RESUMO DO CYCLO DO NATAL:
versas partes da
Itlia. algumas va-
Ferraro achou
riantesno mesmo paiz. Wolf apanhou outra variante
em Veneza. F Bujeaud foi apanhal-a no oeste francez.
O serto, no tendo lobos nem javalis a per-
petuar, perpetua a memoria ensanguentada das on-
as vorazes.
A ONA DO SITIA
Eu sou a celebre ona,
Maaroca destemida,
Que mais poldrinhos comeu.
Apesar de perseguida!
Achando-me perto da morte,
Vou contar a minha vida.
Z Machado blasonava
Que vida eu s gosaria,
Em quanto lhe no comesse
Um poldro de sua cria.
Passeiando no Pez,
la bem distrahida,
eu
Quando cahi na gaiola,
Que para mim tora erguida.
L deixei a minha unha,
Quixeramobim
302
Falta-me um olho e um dente;
O quarto desconjuntado . . .
Seriema me furava;
(*) Escambimba'io
es^andalhacir.
(**) Vaqueijada - perseguida, anj^ida.
. .
303
O Destemido mordia (*)
Se pudesse, eu te matava!
L estarei te esperando!
J pensavam em me uiatar
Com arma desmantelada.
Quando eu os fui avistando,
Grande foi minha risada!
O Matheus e o Rodrigo,
Por terem morto um gatinho,
Espalharam que era eu.
Porem era um meu sobrinho,
Que, por falta de experincia,
Morreu como um passarinho.
Felistribina Faco,
Ando solta no serto,
De bode cheia a barriga,
Aos donos fazendo figa,
Como porco com fartura,
Chumbo ou faca no me fura!
(rRAG^EXTO)
m
O BOI MOLEQUE
( FRAGMENTO)
Na fazenda da Ea-Agua,
No termo do Quixad,
Na catinga do Espinheiro
Nas aguas do Seti,
Havia um boi afamado
Que no podiam pegar.
O Justino cncomme!idava
A quem alli campeasse,
Se visse o garrote preto
Que o no esperdiasse, (*)
Lhe fizesse o beneficio (**)
Apresentou-se o Cazuzinha
(*) Esperdiasse
deixasse perder-se.
(**) Beneficio
Castrar e ferrar com a marca do fazendeiro.
(***) Amocambado
escondido.
(****) No foi possvel obter algumas estrophes que faltam
entre esta e a seguinte.
310
E na casa do Justino
Disse ainda no terreiro:
O nome de seus vaqueiros.
Por favor diga primeiro. 4
E^ corda de barbato!
O resto da vaqueirada
Sai acamando o cip,
Derriando o marmeleiro
E faxiando morr,
Quebrando po pelo meio
E da rama tirando o n.
(*)
o BOI MYSTERIOSO
( FRAGMENTO )
**)
Eu fico penalisado.
No digo que se demore,
Os faladores diziam
Que elle foi assassinado
E talvez o coronel
Tivesse mesmo mandado
Matar elle e a mulher,
Para ficar com o gado.
O coronel a principio
Inda no acreditou,
Porem, depois, reflectindo
Uma aco que o indio obrou;
Quando rastejavam o boi
O indio no foi, voltou,
O coronel Si/:enando
Tinha como devoo
Festejar todos os annos
A imagem de So Joo.
Todo o anno era uma festa,
No havia excepo.
O coronel Sizcnando
Derrubou uma aroeira
E vinte e oito pessoas
Carregou essa madeira
Para o pateo da fazenda,
E fizeram uma fogueira.
I
319
O gallo, pai do terreiro,
Estava perto de cantar,
Quando viram um touro preto
No pateo se apresentar.
A VAQUEljADA (
(FRAO.WENTO)
Antnio tarrafiando
E Joo fazendo esteira . .
Antnio, ao fazer mo
Na < bassoura do animal,
Atirou-o sobre o cho
Num choque descommunal! . .
^rXJ^^^^^^^''
~ iPProxniar-.se do boi, correndo a cavalln
^^J-)
^.s...r. - borla de cahelios a ponta Sa caudatas
^"^/C^- empuxo con, que se derruba o boi pelo
rabJ.**^
(**"
)
Bode amarrado - de cara amarrada.
322
O quinto formado
preo,
Por Francisco Damasceno
E pelo Joaquim Antnio,
Perseguio um boi pequeno.
Que cahio logo adeante,
Antes de tomar terreno. (* )
Perseguiram um novilho
Que pelo pateo estirou . .
325
Cruel a rez derribava,
A musica harmoniosa,
Um dobrado executava,
Dando mais solemnidade
Ao drama que se passava . .
A festa continuou
Sem o menor incidente;
Todo o povo que ai li estava
Mostrava-se alegremente:
Ento, um. doutor inspirado
Fez um discurso imponente.
embora, a pintura.
Borrei,
Mas no fugi da verdade. (*)
O NOVILHO DO 43U1XELO
(FRAGMENTO)
o CYCLO HERICO
o Cyclo Herico
!r^
Onde esse homem morava
No se faziam, pagodes, {''')
t: a feio desse homem
Era igual de
Herodes:
Tinha um palmo de barba
ii um e meio de bigodes!
Dirigio-sv- um alferes,
Cercado de muita gente.
Hoje o valento do mundo
Trago inquirido na frente, ( ^^*)
E, apressado, ajuntou
Sua afamada escolta.
Ao sahir foi avisado:
Muito vae, porem no volta!
O homem l no se entrega,
Pode contar com a derrota! .
O delegado falou
Como alferes de couraa:
Voc est arrodeado
Por cento e oitenta praas;
Me renda as armas, Vilella,
Se no quer vr a desgraa!
i
335
Falia com muita arrogana;
Amigo, falar folgo, (*)
Obrar precisa sustana.
O delegado falou
Com boa comportaao: (**)
Se quer ser preso com honra,
Se renda, no faa aco. (***)
O delegado de revolver,
Sentia o queixo tinindo,
O dedo am.olegando
E o fumaceiro subindo:
Bala batia em Vilella,
Voltava p^ra traz zunindo!!
Vilella se dirigio
De feio enfarruscada:
Conhea l, seu alferes,
Que no sou de caoada
No estremea que morre.
Renda as armas, camarada!
De brigar o delegado
Estava muito canado,
Se embaraou no punhal
E ficou )arali:sado.
Vilella tomou as armas:
Morra agora, delegado!
(*) Initde
?
**) Tem. O sertanejo, na maioria dos casos, emprega o
verbo ter pelo verbo haver.
341
Voc deve se lembrar
Que Deus no foi vingativo -
Se ha de matar a elle,
Mate a mim, deixe elle vivo!
342
Eu me vou para as montanhas,
Vou morrer de sede e fome,
Vou comer as hervas brabas
Que os bichos do matto come.
O Cyrino s morreu
Por ser muito confiado.
Quando sahio do Teixeira,
Elle sahio avisado.
Bacamarte de Cyrino
A escorva ahi derramou.
No me atire de treio!
O cavallo de Cyrino
Ahi correu enfreiado,
Chegando no Jatob,
Sellado,. enfreiado e solto, (*)
Guabiraba foi dizendo:
Meu mano foi preso ou morto!
Montaram a cavallo,
Pegaram a consultar:
Vamos logo ao Salo
Antonho Tavares matar?
Voc no se confessa,
Quem lhe diz isto sou eu.
347
Voc hoje ha de morrer
Como meu mano m.orreu!
Liberato se escondeu
Em cima da Pedra d' Agua,
O cavallo de Cyrino
Enfreiado chegou solto.
Ou caso de priso,
Ou Cyrino j foi morto!
Guabiraba levantou-se.
Apertou a cartucheira:
Vamos ver um caso novo
Qu'aconteceu no Teixeira!
Cabra, tu no te enganas
Piso na ponta da rama!
Joo Quabiraba!
Ai! ail seu
Eu no lhe peo perdo,
S quero que no me mate
Sem a Alinha confisso!
Cabra, tu no te confessa,
Quem te diz isto sou eu!
Tu has de morrer hoje
Que nem Cyrino morreu!
No terreiro do Baptista!
351
Aquelle serto inculto
Tinha essas feras creado. (*)
Delfino no obtendo
Auxilio do Presidente,
Ento, chamou Liberato,
Que era primeiro supplente,
Que ia s ao Teixeira.
354
Disse Liberato: Eu juro,
Por minha honra e critrio,
Deus me mate n'esta hora,
Se eu no estou falando srio,
Se elle vier, fica preso,
Ou morto no cemitrio.
O coronel Ildefonso
Veio e disse a Liberato:
Voc inda muito moo,
Convm que seja pacato,
Uma fera como aquella
S se cerca bem no matto.
Liberato, conhecendo
Que o parecer ia bem, (*)
i
-- 355
Ento disse ao coronei:
Cercai-o aqui no convm.
E prevenio sua gente
Que no sahisse ningum.
A policia do Teixeira!...
ii
Ento, Liberato disse.
Quando Cyrino passasse,
Chegando ao meio do piquete,
Um da tropa assobiasse,
Dsse-lhe voz de priso,
Antes que nelle atirasse.
Cyrino ia prevenido.
Quando no piquete entrou,
Vio quando Jos do Carmo,
Atraz delle assobiou.
O cavallo de Cyrino,
Dando dous passos, parou.
358
Foi quando Joaquim do Couto,
Gritou-lhe: Cabra, se renda!
Cyrino, disse: Cabrito,
A mim no vejo quem prenda,
Esse milato, aqui morre,
Mas no afrxa contenda 1
359
Voc deu-me agora um tiro
Que estou quasi liquidado!
No tem nada, se eu morrer,
Desse tiro s perdoado!
O cavallo de Cyrino
De toda forma pulava,
Dava saltos para traz
E at no cho se deitava,
Com a sombra dos ininiigos
fres, quatro metros saltava.
Quizeram se dirigir
A' casa do delegado;
Esse estava prevenido,
Tinha o povo entrincheirado.
Combinaram uns com os outros
Vamos logo ao mais culpado.
363
Np garganta de um soldado.
Fe/ tanta fora nos queixos
Morreu e ficou pegado!! (*)
- Prendeu as autoridades,
P'ra sua casa as levou
Mas quando vio que a policia
Pernambucana ajudou
A's foras da Parahyba,
P^r^o Joazeiro arribou.
Ia derrubando as casas,
Incendiando os cercados.
E aquelles que se oppuzessem
Seriam assassinados!
No logar Carrapateira,
Deram os combates primeiros
A^ fora parahybana.
Ficando prisioneiros
Da policia onze soldados
Em poder dos cangaceiros.
L
366
Dizia, Genuino:
ento,
Aqui s fome rne atraza!
I
367
Porem quem for governista
Commigo se tem de haver.
Em So Jos do Egypto
E^ seu quartel general,
Onde d as suas ordens
Ao seu feroz pessoal.
Devido a isso o governo
Recorreu ao Federal.
(*) Vexados
apressados.
(**) A expresso significativa.
(***) A extincta 4" companhia isolada de caadores.
(****) A' disposio prompta para tudo.
36Q
Vendo o coronei Eufrasio
Que o doutn- Joo Machado (*)
No dispensou o governo
To grato offerecimento
E nomeou-o delegado,
Lhe facultando elemento,
P'ra elle em todo o Estado
Fazer policiamento.
NOTA O poeta matuto no deixou passar despercebido
e"guardou-o para a$ geraes futuras, em versos rudes, o facto
da primeira invaso da Parahyba peies cangaceiros de Santa
Cruz. E' mais uma tradio da pobre raa sertaneja que fica,
assim, perpetuada. Esse testemm^o valioso. E' de notar que
nelle no ha nenhuma paixo, nenhum parti-pris. O autor no
se deixa levar seno pela verdade, que se destaca brilhante de
naturalidade e de esncntaneidade de suas rimas.
371
CANO DE ANTNIO SILVINO
'
' je travou a luta,
Bala vae e bala vem.
Um dos paisanos que ia
Fazia fogo tambm.
Mataram Pilo Deitado,
Que o nome mais frexado (-*)
Que nos cangaceiros tem!
i
Morreram na rectaguarda
Os dois sargentos guerreiros
Istolano e Nestor,
Que atiraram primeiro.
Foram quem recebeu a offensa
Da morte, a dura sentena
Das balas do cangaceiro.
t
374
Daquelles bravos heres,
Que, na luta mais temida,
Perderam ambos a vida
Pela defesa de ns.
No bacamarte eu achei
que decidem questo,
Leis
Que fazem melhor processo
Do que qualquer escrivo.
As balas eram os soldados
Com que eu fazia priso.
376
Minha justia era recta
Para qualquer creatura,
Sempre prendi os meus ros
Em casa riiuito segura,
Pois nunca se viu ningum
Fugir duma sepultura . .
Estvamos acalmados,
Quando inesperadamente,
377
Por cento e vinte soldados
Eu e os meus companheiros
Nos vimos todos cercados ! . .
No tiroteio, os soldados
Seis cangaceiros mataram,
E pegaram nove s mos
Que tambm assassinaram
Como se sangram animaes,
Elles aos homens sangraram!!
Em novecentos e cinco
Eu metti-me em questo feia,
A pedido de um amigo.
Dei uma surra de peia
Em ceroulas as deixei;
Ento, da Mesa de Rendas
Eu logo me apoderei:
O dinheiro que l havia
Para o meu bolso passei.
Incendiei os papeis
Todos da arrecadao,
Deixei nus os empregados!
Conduzi a munio
Dos soldados e os deixei
Sem farda, Comblain e faco!
Ergui-me subsaliado
E um tiro disparei
Contra o fantasma, e, ento,
Muito ligeiro acordei,
E ouvindo um grande rugido
Quasi assombrado fiquei.
379
At o mais fundo reconco (*)
Da furna, a serra tremeu
Desde do cimo ao tronco!...
Percebi rapidamente
Que duma ona era o ronco! (**)
Continuei a pular.
Me desviando da fera,
Que tentava me agarrar!...
Dizendo: se eu no morrer,
Mato este audaz animal!
Eu no voava, porem.
Mal sentava os ps no cho!.
Compreendi que em matal-a
Estava a minha salvao.
E ento no p da gula
Tal punhalada lhe dei.
Que o punhal enterrado
No corpo delia deixei!...
Na Lagoa do Remigio,
Fui Agencia do Correio,
Botei p'ra tora o agente.
S porque este era feio,
Tomei-lhe o cobre dos sllos
E contra mim ningum veio.
A dezoito de novembro
Eu em Pocinho cheguei;
Que o Padre Antnio Oaldino
Me desse um jantar, mandei,-
E que, servisse mesa
Ao mesmo Padre obriguei.
Lanou-me a excommunho,
Missa de corpo presente
Celebrou em minha teno.
Na noite do mesmo dia.
Me appareceu uma viso.
382
I
383
Tinha o dia amanhecido
Quando a policia chegou;
Ento o alferes Teofanes
De mim se aproximou,
Mas, devido ao meu estado,
Elle no me interrogou.
Os mdicos j conseguiram
Meus ferimentos curar...
O resto de minha vida
Vou na priso descanar,
Porque dos crimes qne tenho (*)
No espero me livrar.
"''^ '""^'^'""^"'^
noltiv;"'!Ht4"eB'^d'd;'" ''-"P*"
384
ANTNIO SILVINO E DESIDERIO
(FRAGMENTO)
Se no me mandarem logo
De presente ao cemitrio,
Ou Desiderio me mata,
Ou eu mato Desiderio!
OS COMPANHEIROS DE ANTNIO
SILVINO
o primeiro desses cabras
E' o compadre Tempestade.
A hyena no iguala
A sua ferocidade!
l
O segundo um negro,
Que acode por Serrote.
Este uma ona na furna,
Uma officina de morte!
Seu riffle no perde tiro,
O terceiro um n:ulao,
Este s se alimenta
Do que vc sua rrente.
Quando tem sede, por agua.
S bebe sangue de gente!
O seu tiro mais certeiro
Do que o bote da serpente!
O quarto um caboclo
Que acode por Violento.
A carne do curur
E' seu nico alimento!
387
Este quando est brigando
E' ligeiro como o vento!
Este caboclo to mu
E. tem a cara to feia,
O quinto um mestio
Que attende por Gato Brabo.
Este cabra tem pegado
Muita ona pelo rabol
E j tem dado de peia
Ate no prprio diabo!
Ajoelhei-me, benzi-me.
Contei os peccados meus.
O padre acabou, dizendo:
Que peccados so os seus?
Ento, matou
voc j
Algum ministro de Deus?
Filho, me d o dinheiro,
Que o entrego ao sacerdote.
Padre, no caio de cavallo
Nem embarco nesse bote.
Serei um menino tolo
Que basta mostrar-lhe um bolo
E elle vem para o xicte?
Eu c dizia commigo:
Quem sabe se este patife
No anda enchendo os ouvidos
Da policia do Recife?
Eu c dizia commigo:
Quem sabe se e?te patife
No anda enchendo os ouvidos
Da policia do Recife?
397
xonada, mas o fundo c idntico, o sentido o mes-
mo, o elemento moral no mudou.
Antes desses versinhos francezes, j se cantava
na Siclia, entre a gente do povo, a caminho dos
Voghiu a Turridu
Nun voghiu curuna!
vtico: j
1 Cano do Cabelleira
2 Cano do Filgueiras
3 Cano do Lucas da Feira.
Poesias publicadas por R. de Carvalho
no Can-
cioneiro do Norte:
8 Dialogo do Cabelleira
9 Pelo signal do Luiz do Rego.
I
o CycJo dos Caboclos
No acervo riquissimo do -woik-lore.>
brasileiro
os caboclos deixaram, coho
tradio de sua vida
de sua aco na formao da
nacionalidade, um vasto
cyclo de canes, trovas,
lendas e relatos, no qual
apparecem sempre como preguiosos ou
toleirces
Releva dizer que essas historias
e cantigas no so
de autoria dos prprios ndios
domesticados que se
encostavam s fazendas incipientes,
ne-n daquelles
que
se
agrupavam, sob a cruz jesutica ou
sob a es-
pada dos capites mores, nos
aldeiamentos officiaes
que deram origem a muitas das
villas e cidades do
Nordesl.e brasileiro. Quasi todas
essas produces
folk-loristicas, que gyram em
torno dos pobres ca-
boclos, vm do elemento branco,
que o desprezava e
combatia por duas maneiras -- a
guerra de corso c
a diffamao, vistocomo elle se no submettia ao
eito como o africano, nem era physicamente
capaz
de tanto esforo. Muito poucos
se originam do ne-
gro, influenciado nesse sentido
pelos "remoques do
branco ou mesmo procurando levar
a palma ao in-
dio amansado, numa natural
emulao.
^
As qualidades de preguia e de
moamba do
indio so constatadas pelos
espritos mais srios.
404
Varnhagem no se canou Boehmer,
de descrevel-as.
na sua <^ Historia dos baseado em decla-
Jesutas,
raes dos padres da Companhia, que tinham obser-
vado os indigenas do nosso continente demorada e
profundamente, affirma que elles so preguiosos,
de intelligencia limitada, sensuaes, gulosos e srdi-
dos, somente trabalhando sob o aguilho da neces-
sidade e do medo, indifferentes a tudo desde que se
no sintam vigiados. So essas as qualidades que o
folk-lorc) se encarregou de ridicularisar e transmit-
A DEFESA DO CABOCLO
405
Nem tambm tomado em guerra.
Toda a vida o conheci
Poi dono mesmo da terra.
Se ha outra gerao,
Quero que me digam onde,
Pois de Ado foi que nasceram
Duques, marquezes e condes . .
A CERTIDO DO CABOCLO
I
406
Qi3iz casar-se, e o Vigrio
Exigio-ihe a certido.
Eu vigrio descollado,
<-
O mez e data no vo
Devido a pagina estragada,
407
O mais que achei escrevi
Sem que constasse mais nada.
O negro no vae ao co
Nem que seja resador.
Que o negro catinga muito,
Offende Nosso Senhor!
Xique-xiquje po de espinho,
Umburana po de abcia;
Gravata de boi canga.
Palet de negro peia!
i
409
Coberto de carrapato, ^
Parece '
tempestade,
Quando para chover!...
O CABOCLO E O OVO
O CABOCLO E A GUA
411
Quero.
Que , que que cacareja aqui e no canto
pe um ovo? E' muito difficil e parece fcil. Tome
cuidado.
Aps longa meditao, o tlo replica:
Meu amo, isto s sendo cabo de foice ou
caiapua de alambique.
E perdeu a gua.
O CAEOCLO E O AVARENTO
Um avarento tinha cono crcado um caboclo.
Duas, trs vezes por semana, para poupar
dinheiro,
obriga va-o a jejuar^ dando como pretexto
que era
dia deste ou daquelle santo muito
milagroso. No
dia de todos os santos tambm o
obrigou ao je-
jum. Dahi a dias quiz fazel-o jejuar de
novo. O ca-
boclo respondeu que no, que j jejuara
um dia
por todos os santos . .
O CABOCLO E A QUEIMADA
Um caboclo traz ao amo a noticia de que en-
controu uma cerca de plantao, sendo destruda pelo
fogo nascido duma ponta de cigarro de qualquer
pas-
sante descuidado. O fazendeiro pergunta-lhe:
- Porque voc no derrubou as pontas do lance
da cerca, com essa foice que trazia ao hombro,
para isolar o fogo?
O outro rio idiotamente e retrucou:
412
Eu no tinha ordem de vosminc . . .
O patro, furioso:
Ento, porque no esfregou a bunda em cima
das labaredas para apagal-as?
E elle; espantado:
Credo! patro, eu no tenho bunda d'agua,
no senhor!
O (^ABOCLO E O RECEAl-NASCIDO
Numa fazenda, um
desmazelado servia
caboclo
de creadO' e sobre elle se lanavam as culpas de tudo
quanto apparecia de mal feito. Nasce uma creana,
filha do dono da casa. O caboclo dirige-se ao pae
e indaga, curiosamente, se o menino nasceu direiti-
nho, sem defeito algum.
Para que voc quer saber? pergunta o dono
da casa.
E' porque, responde o caboclo, o senhor
1
.
- 413 -
Dois.
Dois. s! E onde pegaram?
O caboclo, atrapalhado com a mentira, explicou
sem pensar:
Um na cabea e outro no p.
Imj)Ossivel! compadre. Voc disse que a ar-
ma era ajuntadeira, como que nessa distancia ella
espalhou assim esses dois caroos?
O caboclo no soube o que responder. Mas a
mulher veio em seu auxilio:
No te lembras, Mati, que, quando atiras-
tes no bicho, elle coava a orelha com o p? . .
O CABOCLO E A VERRUMA
415
O CABOCLO E O SOL
Um fazendeiro apostou com um caboclo tantos
nT^n
nascen r/mT"'.'^
t Ambos foram
""'"'''
"^""- ^^ ^^
de madrugada para
re.ro da razenda.
o ter-
Estava escuro, O branco
f.cou de
' "''''' "^ -=^-' -ntou!
se'nl"V'
se numa pedra, T'"'''
de costas para e!le,
olhando o poen-
te^ Int.mamen e,
o fazendeiro r,a da
asneira do ou-
tro. De repente,
o caboclo grita:
Meu amo, o sol! o sol!
Espantado que o outro
visse o sol nascer
poente, o fazendeiro no
volta-se e, com effeito,
um bri-
I ho de luz clareava ao
longe, vindo do nascente
sobre as nuvens amontoadas, por
os talhados de granHo
das serras, nra o
primeiro raio do sol. O
ganhou cabdo
t-aDocio
a aposta.
em Tyro.
O CABOCLO E A MOA
O CABOCLO E A REDE
I
.
-117
pequena e a sala muito larga. O dono da casa
zom-
bou muito delle, que donnio no cho.
Chegando em sua casa, o caboclo,
para vingar-
se, mandou fazer uma rede enorme e
voltou a hos-
pedar^se no mesmo logar.
Dessa vez no poude ar-
mar a rede, porque era grande
demais, ficava arras-
tandr. no cho .. .
A LGICA DO CABOCLO
Disse como?
Elle falou: Adeus, caboclo pu. Ora, pau
duro, duro chifre, chifre corno, logo aquelle
homem (juiz di/er que voc estava me enganando...
418
MOTTES E GLOZAS
Alm das historias sobre caboclos, ha ainda a
incluir no mesrao cyclo as celebres glozas que os ca-
boclos fazem, desde que lhes dm um motte, com a
que lhes peculiar no serto.
facilidade -repentista
Uma feita, indo de viagem, um fazendeiro notou que
toda a vez que partia um pedao dum bolo, que
levava, um caboclo de mais ou menos
para comer,
quatorze que lhe servia de arrieiro, appro-
annos,
ximava-se da sua cavalgadura no emtant, quando :
1> A B C
2) Pelos Signaes
Poesias mnemnicas
A. B. C. do Bdc:
'
.4. R. C. da Pobrpza:
O til lettra pequena,
Ponto de interrogao,
B. C,
. :
425
Escripto por minha mo.
Se com clle aggravo aos ricos,
A todos peo perdo!
A. B. C. da Revolta de 191 2:
Serve de composio,
Se ?.' 1 fez e eu falei,
Com o de razo,
E' porque poeta no deixa, ''
A. B. C. do Arajo (idem)
O til no fique de fora,
Entre j sem dilao;
Venham ver o Arajo
Que j teve e hoje no!
A. B. C. do Frade (idem)
427
A. B. C. do Bode dos Grossos
A
Avia um bode aos Grosoos
Do senhor Francisco Gome.
Para pegal-o no matto
Nunca nasceu esse home. (1)
Se no como Jhe digo
As apparencias me consome.
(2)
B
Boi corredor de fama,
Sendo brabo em demasia,
No era capaz de fazer
O que esse bode fazia:
Quando avistav^a vaqueiro
Avoava^ no corria!
C
Corria pelos serrotes
E o povo se admirava.
Parecia que a esse bode
O capirio ajudava, (3)
Pois cavallo bom de gado
A elle no se chegava.
D
Dizia elle comsigo,
(4) Mora
moral.
(5) Imbua, espcie de c:;nto':)eia, qsie, quando toc-ia, para
e enrosca-se.
.
-;2<^
H
Homem que me perseguia
Era Man Victorino,
Com uma uria muito ^^rande,
No cavallo do Cyrino;
Mas eu ti sebo nas unhas (6)
E o tirei desse destino. (7)
L
Lino Pereira Cacundo,
Com os seus ps de pavo,
Em cima do Caraba (9)
Veio a mim unia occasio;
Mas eu dei geito no corpo,
Tirci-o dessa i Iluso.
M
Meus amigos no se cancem
Nem faam taiio zuni-zum,
l (6)
(7)
Dar crho nus unhas - correr, fugir.
Desiino
man a i
N
No direi me peguem,
que no
Nem que chumbo no me mate,
Mas se Lino me pegar
O demnio me arrebate,
Pois no sou sapo peiado
Que se pegue em qualquer parte.
P
Perseguio-me fortemente
O senhor Man Victorino,
Todo cheio de crgullio .
Q
Quiz e pude me livrar
TIL
O til lettra do fim,
Afindei meu recorte,
o
O senhor Man Maturino
Conferio a minha sorte,
A. B. C. da Pobreza
A
A pobreza neste mundo
Lamenta trabalhos seus.
Eu falo com causa justa,
Que tambm lamento os meus.
Resta-me s a esperana
Que o pobre c filho de Deus.
B
Bem sei que onde ha riqueza,.
A pompa e a fantasia,
C
Coitado de todo aquelle
Que quer ter moeda forte
E se enche de orgulho e sobe.
No penso assim, desta sorte.
Pois ser sem resultado
Quando Deus mandar a morte.
D
Devemos amar a Deus
E abandonar a avareza,
Adorar com a fc mais pura
O autor da natureza,
Pensando ao mesmo tempo
Que no co no vae riqueza.
E
Eu quero bem pobreza,
Porque delia sou irmo,
Embora ella me atraze;
Mas eu conheo a razo,
Pois que herana minha,
Devido culpa dt Ado.
F
Feliz do pobre que soffre
Seus males com pacincia,
Com ba resignao.
- 434
Com juizo e com prudncia.
O que soffre neste mundo
No outro Deus recompensa.
Q
Grandeza neste mundo
Facilita a momento,
cada
E' como sombra da nuvem
a
Demuda-se com o vento.
Por ahi se reconhece
Que no rico omnipotento.
H
Homem pobre c na terra
E' tido como ningum.
Segundo o riao antigo,
Na terra vale quem tem.
Mas o que Der:S tem p'r^o pobre
No seu tempo certo vem.
1
K
Kalendario dos christos,
Aberto, perfeito e puro,'
Conselheiro da pobreza,
Caminho certo e
seguro
Luz para cfuem anda errado,
Clareza para o futuro!
L
Louvemos Deus de sennos
pobres,
De gosto e de boa vontade.
Trabalhemos pela f,
Esperana e caridade,
Para ver se ns herdamos
A feliz eternidade.
M
Maria sempre foi pobre,
Jesus nada possuio.
Seus tormentos dolorosos
Com pacincia cumprio.
Triumphante e
glorioso
Nos altos cos assubio.
N
Ningum fale por ser pobre,
Que fala contra a razo.
Ainda que Deus nos desse
A cada um um milho
436
Tornava-se um eirbarao
No caminho da salvao.
O
O trabalho mais horrivel
Que eu acho a soffrer
E' o trabalho do pobre,
E' querer e no poder;
Porem queai soffre por Deus
Tudo nada vem a ser.
P
Pilatos foi grande homem I
Q
Quero ouvir algum dizer
Porque me vejo atrazado,
Imagino ao mesmo tempo
Que ha muitos no niesnto estado.
No sou s eu que padeo,
Com isto estou consolado.
R
Rico julga ser aquelle
Que tem bom regulamento,
Ama os preceitos divinos
E adora os dez mandamentos.
437
Se nesse mundo o desprezou^
No outro tem apozenos.
S
S quero crer, sendo pobre.
Que ha um Deus universal,
Que me livra de tentaes,
Me purifica do mal
E me separa um cantinho (1)
Na Gloria Celestial!
T
Todo o homeT! fosse rico,
V
V-se uma arvore revestida
De flores arrodeada.
(1877)
(POESIA DE ANTNIO BAPTISTA DE VELLO, POETA
PARAHYBANO, NA VVR L DA vTLLA DO TEIXEIRA
'
)
]nthoi)l'(;(;ao
B
Bens de fortuna jio tenho
Parame remediar,
Quem me deve no me paga
(*) Este abe no fala de tal scca, mas, como nella que
o cantador foi reduzido pobreza, o povo assim o cliama.
440
E a ningum posso pagar.
Tenho pejo de pedir,
Muito medo de roubar.
C
Considerando na vida,
No se pensa um s miomento,
Sinto meu peito abrazado,
Meu corao sem alento,
Remorso na natureza,
Variar meu pensamento!
D
Dizem que o mesmo Deus
E' amante da pobreza.
Que uns vivem como pobres
E outros gozam de riqueza.
Deus abomina somente
A desgraada avareza.
E
Eu padeo mais que todos,
No tenho consolao,
Emquanto pude, fiz bem.
Falo com toda a razo,
Aquelles a quem m.ais fiz
Hoje desprezo me do.
F
Figurei perante todos
Como sendo illustrado.
De camarada e amigo
441
Sempre fui bem visitado,
Dos melhores do logar
Onde vivia socado. (2)
O
Ganhei muitas amizades
S<^ pelos meus possudos.
''
's que me occupavam
; foram bem servidos,
= ^ ^
elles passam por mim,
Fazendo-se desconhecidos.
H
Honrado s.) o homeni
Que bens de fortuna tem.
Amisade, - fiquei certo.
S de adulao provm.
Um velhaco faccinoroso
Dizem que homem de bem.
I
Jurar no necessrio.
Para falar a verdade.
(2) Recolhido.
__ 442
Vejo com adulao
Muitos terem amisade,
Vejo muita tyrannia
Em logar de santidade.
K
Klice de cruel rigor
Com que hoje sou contemplado!
Tendo todos contra mim,
De todos sou desprezado.
At pobres orgulhosos
De mim se tm afastado.
L
Lamentando a minha sorte,
Pelos transes que padeo,
A Deus eu peo soccorro,
Porem sei que no mereo.
Tenho que achar recurso
Na misria de que careo.
M
Morto ando sem morrer.
No se fala mais em inim.
No tempo em que eu podia,
No me tratavam assi n.
Eu j ando quasi morto,
Venha, morte, dar-me fim!
N
No posso resistir mais,
Os meus passos so baldados.
443
Procuro, porem encontro
Todos os portos tomados.
Meu Deus, que ser de mim?
Grandes so os meus peccadosi
O
Onde esto os camaradas
Que me faziam festejo?
Como vivo na pobreza,
Fogem de niim, no os vejo.
At os prprios parentes
Commigo falam com pejo.
P
Pacincia- tive at *^oje.
Q
Queria ter um logar
Para nelle residir,
R
Rasgado hoje me vejo,
Descalo, de p no cho,
444
Sem ter geito de comprar
E, se pedir, no me do.
T
Todo aquelle que zombar
Deste meu penoso estado
Pea a Deus felicidade,
(*) Acabrunhamento.
<**) Sociedade por solidariedade.
445
V
Vejo a minha famlia,
Soffrendo necessidade.
Eu, afflicto, sem poder,
Na mesma conformidade! '')
Assim como Deus servido,
Cumpra-se a sua vontade!
X
Xaropadas amargosas
I'or vezes tenho bebido!
Boccados bt.-m aniargosos,
Calado, tenho comido!
S Deus sabe o que padeo,
Soffrendo sem un; gemido!
Z
Zeloso eu sempre fui
De compaixo e de amor.
Daquelles, que se encostaram
Em mim, consolei a dor.
De muito bom corao
Sempre fui animador.
EPlLCXiC)
Contricto, quero findar
Me lembrando do passado.
Eu s no sou peccador (**)
A, B, C. do Nicandro
(POESIA DO POETA PARAHYbANO NiCANDRO NUNES
DA C jS TA )
A
A. B. C. cantae agora
A minha biographia,
Apontando aqui no Norte
Minha fulgente magia.
E me assista em todo tempo
Nossa Senhora da Guia!
B
Bom Deus e pae to meu ser,
C
Com dois mezes j falava,
Mostrando a intelligencia. (*)
I
Os meus pes me creavam
Com perfeita pacincia,
Eu a ambos respeitando
Com a mais pura reverencia.
D
De seis annos, com bom gosto,
No trabalho me applicava.
Achei ba a profisso;
Sem preguia trabalhava,
No sabendo meu porvir,
Nem para onde marchava.
E
Extranhando ern minha vida
Essa sina maviosa,
Quiava-me a m.inha estrella,
urea fonte cuidadosa.
Guiava-me, parece, o fado
A' puberdade amargosa.
F
Foram oitenta e oiio annos (*)
De uma grande fartura,
Muito leite, muito queijo.
Muita carne com gordura.
j
vinte annos contava,
J
Tive um desgosto mortal
T antes.
_ 44Q -
E determiiiei-L;e a deixar
A minha terra natal,
Por via dum inimigo,
Para evitar tantos mal!
K
Kdifn dos poetas antigos
Do tempo da idolatria,
Com Radhamanto e Eaco ('')
O
O presente eu estou vendo!
Que ser o meu futuro? (**)
Neste vale de amargura
No ha quem viva seguro.
Se Deus no guiar meus passos,
No sei como andar no escuro.
R
Repouso na minha vida,
No tive em pequena idade,
Soffrendo mil dissabores
Em grande calaiiidade,
Sem encontrar uma ra
Que me d prosperidade.
S
U
Usura, rc, c o tempo
De tu bem te aproveitar,
452
Dos objectos dos pobres
Por baixo preo comprar.
Quem morrer nesse peccado
Ter muito que penar!
V
Vejo as cousas como vo
E tico muito admirado:
A Nova-Seita vae andando (*)
De Estado para Estado.
O fim do mundo enganoso
Eu j vejo approximadol
X
Xiro^^raphia parece (*""')
A
Agora se revoltou
Hermc em Rio de Janeiro, (1)
Com muita fora e talento,
Como chefe verdadeiro.
Valente ou morre ou arriba, (2)
No Estado ,da Parahyba
Quer acabar cangaceiro!
B
Batalho vive subindo, (3)
Cada hora, cada instante.
Como os rio:-.
454
Nem os valentes guerreiros .
C
Combinaram dois Estados,
Parahyba e Pernambuco,
Vir de encontro a essa gente, ()
E o rebate o sueco!
Vae-se ver um bom servio.
Quem entender menos disso
Ou est doido ou maluco!
D
Dei ordem a todo valente,
Alferes, sargentos, soldados,
P^ra fazer esse servio.
Apois elles so mandados
No iogar onde se encontram
Homens de riffle e punhal.
Que sero afusilados.
E
E^ este o tempo chegado.
O acto agora est sio! (6)
Vo uns presos, outros mortos,
Isto quero porque quero!
Os que andam no cangao
G
Guerra foi annunciada.
Ento, o grupo correu.
Por causa de muito aperto,
Quem no devia soffreu.
J no primeiro ensaio
Houve um grande esbandaio (8)
F a maior parte morreu.
H
Horroroso estava o tempo!
No havia mais respeito,
Apertavam rico e pobre,
Levavam tudo de eito! (Q)
Parecia que este mundo
Era uma cousa sem geito.
K
Kcitucado pelas foras, (13)
Quando um pegam e tm nas unhas,
Para saber se c cangaceiro,
Apertam-lhe bem as cunhas.
P'ra os soldados os no matarem
Precisam que no so provarem
Com nove e dez testemunhas!
O
Opprimidos, esto vendo
Na- mais terrvel afflico.
Por causa da m conducta
Esto nessa obrigao, (18)
Sem ter para onde correr.
A felicidade morrer.
E de Deus haver perdo!
P
Perdoados podem ser,
Pela justia divina,
No por esta c da terra.
Tm de cumprir sua sina.
Que por elies ningum fala, (19)
S cadeia, refle e baia (20)
De Manulicha e carabina. (21)
Q
Quem se acha crirr.inoso
V^ive triste e descontente,
Por causa da obrigao (22)
Que ha hoje no presente.
V
Veio a do governo,
fora
Tudo prompto e bem armado,
Espancando cangaceiro
E guarnecendo o Estado.
Faiando de modo sro
De tudo quanto quizero
Era o tempo chegado.
X
Xilota, dando servio, (25)
Matou gente at de pisa. (26)
Os terrenos duns p'r'os outros
J -hoje esto sem divisa. (27)
A fora de Castro Pinto
Aonde vae no ctllsa. (28)
Z
Zangados contra o governo.
TIL
O til lettra final,
Serve de composio,
Se algum i'e/ e eu falei
Com m Oliva de razo
E' porque poeta no deixa, (31)
E, se algum de n.i.ri tem quei.xa,
A todos peo perdo 1 (32)
(2Q) Commero
comni-.rcio. A rua das casas de negocio
nas villas e povoados do interior ou o mercado. E' ahi que o
cangaceiros, quando occupatn uni logarejo, passam o tempo a
beber, jogar e fazer distrbios. Do mesmo modo procedem os
toldados. Assim, quando um dos dois partidos aili se acha
que o outro foi derrotado.
(30) Arribou arribaram, foram embora.
(31) No deixa no esquece.
(32) Esta poesia e refere grande invaso da Parahyba,
em 1012, pelos bandidos de Santa Cruz, Neco Janucio, Dantas
da Immaculada, .Antnio Silvino, etc, a qual motivou a remes-
sa de muita tropa estadoal e mesmo federal para o serto, No
fundo, o caso era poli.ico.
464
Pelo Signal do Sertanejo
Se no chuver em geral
Logo no mez de Janeiro,
No fica um s fazendeiro
Da Santa Cruz.
Se no me cnchugarem o pranto,
Eu, que morrer no desejo,
Me mudarei para o Brejo,
Amen
Ao futuro presidente
Offerecemos, ento,
O nosso pelo signfl,
Que serve de petio.
469
Vamos procurar um canto,
Onde no v cangaceiro
P^ra guardar nosso dinheiro,
Amen!
Ao futuro presidente
Offerecemos, ento,
O nosso pelo sigr,r>l
E^ francez o general,
Impostor e usurrio,
E ainda mais adversrio.
Da Santa Cruz.
Inimigos.
cano .
ANTHOLOGA
.
eiassicismo sertanejo
Na Relao de Cupido
Eu fui desembargador,
Mas no me lembra ler dado
Sentenas contra o Amor . .
MOTE
Justos cos, por que me destes
Uma alma capaz de amar?
478
GLOSA
Si homem vs me fizestes,
Podendo fazer-me um gato,
Beios grossos, nariz chato,
justos cos, por que me deste?
Uma peile me puzestes
Cor da noite sem luar
, me piiya
qual casar
Com uma branca que me atia;
Dar-me, pois, foi injustia
Uma alma capaz de amar!
MOTE
Quebrar ferros, romper brenhas
No acho ser valentia,
Valente meu- corao
Por te amar, cruel impal
479
GLOSAS
MOTE
. Deixa-mc, triste cuidado.
Da minha lembrana voa
Deixa esquecer esta ingrata,
Esta fera, esta leoa!
GLOSAS
Memoria, triste memoria,
Lembrana, triste lembrana.
No me envie esta esperana,
4S] --
J no me lembra a pessoa
A quem amei com engano^
Attende meu prprio dam no.
Da minha lembrana voa!
Da terra o movimento
Diurno de rotao;
Tambm o de translao
No pra um s momento,
Segue sempre em andamento,
Tendo seu eixo por guia;
E' egual theoria
Do tal movimento ao meu;
Sayras e motejos
O PROCURADOR DO IMPOSTO
Desesperada, exclamava
Que se sujeitava a tormentos,
Mas que se no coUectava.
Diziam assim os pobres,
Porem voc os obrigava!
489
Sem dinheiro aqui estou.
E respondeu o diabo:
V buscar o que roubou.
Voc dos pobres no mundo
Nunca um tosto perdoou.
Disse a alma:
Que ataque!
Antes no fosse nascida!
O' maldita Eternidade,
To horrorosa e temida!
Disse o co: A tua gloria
Gosaste na outra vida . .
Collectou-se e estampilhou-se,
Com grande toTnento e horror;
Os diabos a agarraram,
490
Com grande ira e furor;
Lanaram ella no poo
Do fogo devorador!
^
O Maioral caoou:
~~ Canta, canta, meu canrio!...
4gi
Maldito seja o imposto!
Exclama alma tambm.
a
Respondcu-lhe o cao coxo:
Voc canta muito bem ! . .
Malditos o pae e a me
Que a mim me deram o ser!
Disse o diabo: Que graa!
Como aprendeu a dizer!...
Accrescentou o Maioral:
Inda mais tem de aprender .
O Maioral affirmou:
Quem fala assim no mente ...
493
- O^ desengano terrivel!
O^ que tamanha desgraa!
Respondeu-lhe o diabo:
- Nunca vi to grande graa!
Todo o que for como foste
Pelo mesmo gosto passa!
Os procuradores de imposto.
Antes peio contrario:
Se a ouvem, viram o rosto.
At acciescenta assim:
Destas culpas manda mais . .
495 -
Alerta! rapasiada!
O tempo no est de graa!
Moo, velho, cego, e coxo,
Tudo agora assenta praa,
Bispo, e vigrio collado
Vai tudo ao pao de fumaa .
Disse-lhe o delegado:
Voc vae, meu camarada,
Tem-se preciso de doido,
Que para atirar pedrada . .
Um velho caximboseiro.
Que tem ali no agreste,
At eu disse ac juiz:
Aquelle queira Deus preste.
Disse o juiz: vai tambm,
E leva o ca>dmbo mestre . .
O governo no te quer
;. . . .
497
O juiz disse: este eu levo,
Arrume outro se quizer.
E, se no estou enganado,
Os padres tambm iro,
E ha de ficar bonito
Um padre com cinturo
Naquella batina preta
Fica de luxo o latol . .
E o melado da mulher . . .
No quizeram dispensar
Nem o porco do papae . .
E no escapa ningum,
Vai tudo a sola de vacca.
Est o Brasil imprensado
. . .
499
Entre a porca e a macaca!.
E o governo, bem quieto,
Dizendo: Phiiippe ataca!...
Z Churumella j disse:
O
governo me sorteia,
Eu pego minha niuHier
Vou liquidal-a na peia,
Fico livredo sorteio,
Morra embora na cadeia.
AS MOAS SOLTEIRAS
503
Quando pegam a se enfeitar,
Olham logo para os moos,
Com vontade de casar . .
As de desesete annos
Trazem a cabea confusa.
S querem andar moderna
Do bom uso que se usa.
As de dezoito annos,
Ainda na flor da idade,
S querem andar moderna
Com tudo que vaidade!
As de dezenove annos
Trazem o juizo tonto,
S querem achar quem as queira,
Esto j com tudo proiaplo . .
As moas de vinte e um
Fazem consigo a ida
De que as outras mais moas
J as esto chamando veias... (1)
505
A de vinte e sete aniios
Toque logo para o convento.
Sendo pobre, sendo feia,
No acha mais casamento.
(f7 Parelha.
506
O ministro respondeu:
Minh^alma aproveitada;
Pelos anjos do Senhor
Ha de ser ao ceu levada.
O urubu respondeu:
Isto loucura, vae nada!
ii porque a nova-seita
Detesta Nossa Senhora?
Sendo mais ciara que o dia,
Sendo mais pura que a aurora?
O nova-seita morrendo,
No v o co nem por tora.
Agora, eu e a guia,
Santos Dumont, Ferramenta, (3)
Vamos muito em cima,
at
No logar onde no venta
E numa viagem dessas
L um dia um de ns entra!
quer em^bales. ..
511
Respondeu o nova-seita:
Eu conto com a victoria;
Quando morrer, vou ao cu,
Fico morando na Gloria.
O urubi respondeu:
Vae mal com a sua historia..
Agora, eu e a guia,
Santos Dumont, Ferramenta, (3)
Vamos muito em cima,
at
No logar onde no venta
E numa viagem dessas
L um dia um de ns entrai
Na rua do P Quebrado .
H) Quengo plano.
.
519
Quando no inferno chegou,
O maioral lhe gritou:
Aqui no podes entrar!
Ento j no me cCihece?
Perguntou elle ao maioral
Conheo, porm aqui
No entras com este signal:
Ests com uma cruz na testa!
Disse elle - que historia esta?
O que que ests dizendo?
Mirou-se num espelho luz.
Quando distinguio a cruz,
Sahio damnado, correndo!
E na carreira em que ia
Precipitou-se num abysmo,
Perdeu o espirito diablico
E virou-se no caiporismo,
Pela terra se espalhou,
Em todo logar se achou
Ao caipora encaiporando,
Embaraando seus passos
E com traioeiros laos
As sogras auxiliando . .
As Oraes
Quatreiages fala-nos no seu livro monunienta
L'espce humaine , dos Arepos da Nova Zeln-
dia. So elles os homens-archivos, os individuos es-
colhidos pela tribu para guardar a memoria dos en-
salmos, dos cantos religiosos com que se invocam os
espiritos e das palavras secretas dos mysterios sa-
grados. O serto de Nordeste possue tambm o seu
Arepo, que o curandeiro.
E' elle quem sabe todas as oraes fortes
e quem faz que botar feitio em
cousas-feitas,
algum. Fabrica com hervas do matto beberagens
teis e perniciosas. As primeiras, para curar de mo-
lstias, para evitar que se continue a beber fumo
zendo:
Mouro! Mouro!
Toma meu dente podre,
Manda meu dente so
(2) Ingua glndula.
T9
DZO
ANMAES
Jos e Maria!
Jos e Maria!
E Sanf Anna tambm,
E So Joaquim
Para sempre, Amen!
Hanat!
Huat!
Esta pista,
Sista!
Domiabo!
Damnanstra!
531
i
532
sertes do Cear; o fazendeiro desempenhando o
papei de officiante; a famlia, os vaqueiros, os ag-
gregados, os visinhos mais prximos, formando o
coro que acompanhava a sua ladainha; e uma grande
e sinceracompunco enchendo todos os presentes
novena ou ao tero da fazenda. E sempre ouvi, aps
as rezas costumeiras das trezenas de Santo Antnio
oi! do mez de Maria, o fazendeiro pedir oraes .
tanejos.
Em iodo o serto cearense, o dono duma fa-
No Estado de Pernambuco,
Na villa de Vicencia,
O tal Menino Gigante
Viu a luz aa existncia;
Nasceu em mil novecentos
Cheio de vio e potencia.
Tem os
beios muito grossos,
Sobrancelhas arqueadas,
Dentes alvos e pequenos,
Ventas grandes, achatadas.
A fala como de homem,
c
543
a historia duma pobre mulher que teve um filho
deformado, e que a sua imaginao potica affirma
ter sido um cavallo. Eis o poemeto da Mulher que
teve um cavallo:
Ou filho de tatu,
Ou delles tem descendncia!
A me no tinha conforto.
Felizmente nasceu morto,
Deixaram o urubu comer!
E, tambm os insectos
assim,
Vo mudando a gerao:
Imbo pare 'morcego,
A lagarta ao scorpio,
Cobra pare caranguejo,
Pulga pare persevjo,
Cupim pare formigo!
547
Grillc pare curur,
Aranha pare mosquito,
Aru pare barata (*)
E ningum acha esquesio,
Tudo fica demudado.
E, assim, desconchavado,
O mundo fica bonito.
Um cavallo no commercio,
Sendo j filho de gente,
Se diz: E' bom para carga
E p'ra sella, principalmente,
E tem mais a favor seu
Que puchou de quem nasceu
Ser um pouco intelligente . .
E se pretende casar-se,
E onde foi baptisado,
Vai tirar seu baptistrio,
Fica o pobre envergonhado,
Pois o sachristo reclama:
Sua me como se chama?
Eu quero tudo explicado!
O filho soccorrer a me
30 O
E' de grande obrigao.
Se o rapaz com a gua,
Peial-a de p e mo,
Com devida cortezia
Laval-a ao meio dia,
Poupando-lhe o espinhao . .
Sahiram me e filho
Por esta forma emfim.
Chegando a uma casa,
DOl
Sainte Rosalie .
A VACCINA OBRIGATRIA
Meus curiosos senhores,
Vou contar-vos a historia
Que os jornaes annunciaram
Da vaccina obrigatria.
Esse caso que no Rio
Ficou para eterna memoria!
Mandou o presidente
33 4
Da nossa Republica
Que na praa publica
Se pegasse a gente,
Obrigadamente,
Para vaccinar.
Quiz assim livrar
O povo da inimiga
Peste de bexiga
Que o vem devastar!
Correu a noticia
Que quatro doutores
Vinham com a policia,
Cheios de malicia,
Cortando igualmente
E o talho inda quente
De vaccina enchendo . .
555
Se curve aos vaccinadores!
A Escola Militar
Se armou contra os impostores!
O povo damnou-se
E se revoltou!
Ningum vaccinou
E a vaccina acabou . .
O tempo fechou
E a bala zunio!
O g-overno vio
A coisa atrapalhada
Porm a Armada
Logo o acudio.
O governo armado
Com o /exercito e a policia,
Disse com malicia:
Quem fr revoltado
Seja agarrado
E posto na cadeia!
A lucta foi feia,
Do povo revolto
556
O que no foi morto
Deu o pulso peia!...
Os presos revoltados,
Sem pagar embarque.
Foram para o Acre
Todos exilados.
Esto perdoados
Os que l ficarem,
E se acostumarem,
O governo dizia.
Porque j sabia
Qu'iam se acabarem
A QUESTO DO ACRE
(trechos)
557
Achou que era um acto vil^
Sujeitar-sc a estrangeiros.
Alegra-vos, Brazileiros,
Que a victoria ser nossa;
Contra o Brazil, gente grossa,
Se levanta, porm cai!
O que no quzer correr
Logo dos primeiros golpes
Terminar como o Lopes
Na guerra do Paraguay
No vedes, Bolivianos,
Que jiiegro o vosso futuro?
Que to triste e escuro,
Como as noites de Janeiro?
No vedes que para ns,
Todos os vossos escudos
So como foram em Canudos
Os de Antnio Conselheiro? .
FoIk=Lore repentista
A Joo ^ibeipo
os DESAFIOS
Os desafios
Da feio repentista do oik-lore de Nordeste
a parte mais interessante a do desafio entre dois
cantadores, num terreiro de samba, ao som da viola,
luzido luar ou das fogueiras de So Joo, ro-
deados pelo silencio ou pelos applausos enthusias-
ticos da assistncia. Nesses desafios em que as sa-
tyras so muito mais frequentes que os louvores, ha
a reminiscncia duma velha tradio de disputas em
verso. Faziam-n'as e ainda as fazem os cantores
po-
pulares das aldeias portuguezas. Fi?eram-n'as sempre
na lingua sonora e doce de Mireille, os trovadores
provenes, sustentando as suas opinies contrarias
sobre a belleza duma dama ou a valentia dum cam-
peo, deantedos fidalgos reunidos nas salas go-
thicas dos castellos.
At hoje so celebres as suas f.er?sons, nas quaes
muita vez chegaram s mais speras censuras. Idn-
tico costume seguiam os menestris das regies
do
Mosa do Mosella com os seus curiosos dayemans.
e
O desafio
, porm, ainda mais antigo. \\ o
praticavam em Roma, para gudio dos convivas dos
banquetes, os bufes da moda. Horcio conta no
livro I das suas Satyras o desafio entre os bufes
564
Cheguei tm Laga-Nova,
Peguei Pedro Passarinho,
Cortei-lhe o bico e as azas
Deixei-o sem canho no ninho,
Tomei os beccos da rua
Fiquei cantando ssinho.
Cheguei na Ba-Esperana,
Encontrei o Campo Alegre,
569
Esse me disse: Seu mal
Estou com medo no me pegue,
Se voc vem aqui mordido,
Por caridade no negue!...
1 S' cantador
2.^^ cantador
Cantador, se s to damnado,
Me destrinche esta tambm:
Dzia e meia de cangalhas
Quantos cabeotes tem?
2.^ cantador
i
.
571
Joaquim
J.
O diabo deste pitorra
S estando atacado de loucura
Infeliz, desgraado, sem ventura,
Teu martello no faz com que te soccorra,
Embora que no tenhas sentimento.
Mas eu dar-te at a morte meu intento,.
572
Que vergonha p'ra ti nunca se fez:
Ou o diabo te leva desta vez,
Ou se acaba este teu atrevimento.
A.
Todo negro diz que duro,
Quando esi entre os parceiros delle;
Mas, mostrar.do-se uni chicote a elle,
J.
^No falle de minha cr
Que voc tem a sua aiuareilaa.
E^ branco, porm tem a desgraa
De ser sem respeito e adulador.
E' chaleira, seja de quem for,
J.
Antes disso eu lhe obrigo
A dizer por sua prpria bcca
Que a sua sorte foi to pouca,
.Que o diabo seu tio e seu amigo,
Que nasceu por desgraa e castigo,
E de Poncio Pilatos irmo.
Foi Herodes quem lhe deu educao
E o co para elle no agrada,
Que o inferno ser sua morada
E Judas foi seu mestre e seu patro! -
J.
O diabo lhe attenta
P'ra commigo cantar em desafio
374
Mas, apanha, pinota, fica esguio,
Cria sarna e lepra rabugenta!
Dou-lhe um unto de soco com pimenta,
Voc corre, os moleques dao-ihe vaia,
Endoidece e no sabe onde caia,
Chega em casa, a inulher no o moraliza,
Lhe toma a cala e a camiza
J.
Vou tambm ser positivo
Descobrir a sua santa vidinha;
Uma vez que voc boliu na minha,
Foi mesnio quem deu este motivo.
Chaleirar quem inda o traz vivo,
Leva e traz, mexericas pela rua.
575
SILVA DE CANTGAS SOLTAS DE DESAFIO
O capito delegado
E^ um moo de valor,
E' bonito e lettrado.
Sabe mais do que um doutor!
~ 578
Senhor doutor Nascimento,
Carinha que Deus pintou,
Metta a mo nas algibeiras
TROVAS DE AMOR
(AMOR. CIUMF., CASAMrNTO, DESPEDIDA, SAUDADE
GOSTO, IRONIA)
10
11
13
Em cima daqiiella serra
Tem um p de fulo preta.
Quando dois chrisos se amam,
Apparece quem se metta.
14
Quando uma flor desabrocha,
Parece sentir amor;
Quizera vr o teu seio
Desabrochar como a flor.
15
Se eu pudesse ser o sol,
Com que prazer te daria
Todo o encanto da manha,
Toda a luz do meio-dia.
17 /
Meu corao anda triste,
19
No sei que tenho no peito,
Mas sinto as frias do mar,
Se por acaso te vejo
Com outro homem falar!
20
~.S9
24
Arrenego de quem diz
Que nosso amor se acabou.
EUe agora est mais firme
Do que quando comeou.
25 -
Se eu promettesse e no desse,
Cousa de pouca valia,
Se eu promettesse e faltasse,
Nunca mais te apparecia!
26
Quem roubou o meu amor
Deve ser um meu amigo . .
27
Os olhos dessa menina
So bonitos benza-os Deus!
Ningum lhes bote quebranto
Que ainda podem ser meus.
28
Gallo, deixa de cantar.
Que a tristeza me procura.
Tu tambm s creatura
Tem pena do meu penar.
2^
Eu comprei uma camisa
Por quatro mil e quinhentos.
5'K.)
A primeira vez que a vesti
Contra ctei meu casaiento.
30
Esta casa no minha,
Se nella quizer mora;
Mas se nella tiver amor
Quem delia me tirar?
31
32
Adeus, 6 sombra das flores
Deste jardim to florido.
To triste de ti se aparta
Quem to alegre tem sido!
33
Dentro de meu peito tenho
Duas pombas-jurity:
Uma m.orreu de saudades
De tanto chorar por ti.
34
-A outra, mais infeliz,
36
O annel cahio na pedra,
Retinio mais duma hora.
O amor que no firme
No faz mal que v embora.
37
Meu bemzinho, de to longe
Que vieste aqui buscar?
Vieste me encher de pena,
Acabar de ine matar?
38
Eu plantei e semeei
Verduras de todo o anno.
Ou me ame com firmeza
Ou me d o desengano.
39
Minha mulata bonita,
Sapateia no tij^o.
A barra do teu vestido
E' prata e parece ouro.
40
Candieiro de dois bicos
Que alumias duas salas,
592
Alumia meu bemzinho
Que passa por mim e no fala.
41
Manjerico miudinho,
Salpicado de a, b, c,
42
Um beija-flr me disse,
Outro mandou-me dizer,
Que no fim desta semana
Meu amor vinha me vr.
43
Suspiros que vo e voltam
Dm-me novas de meu bem:
Se elle vivo, se elle morto.
Se anda nos braos de algum? (*)
43-A
No vivo, nem c morto,
Nem anda em braos de algum.
Deitado na sua rede,
Est s, sem mais ningum.
44 .
45
Papagaio louro,.
Do bico dourado,
Leva esta carta
Ao meu bem amado!
46
Eu fui l no Itarar,
Fui vr agua e no achei,
Eu fui vr morena bella
48
Ningum se confie em homem,
Nem quando promette amor.
Que Judas tambm foi homem
E vendeu Nosso Senhor.
49
Ao pobre tambm se ama,
Ao pobre tambm se adora,
O pobre tambm convive,
Por pobre tambm se chora!...
594
50
S. Gonalo de Amarante,
Santo bem casamenteiro,
Antes de casar as outras,
Casae-me a mim primeiro.
51
52
53
595
55
Alecrim de beira d' agua,
Bemtevi de gamelleira.
Se no casarem commigo,
Pretendo morrer solteira . .
56
Meu bemzinho, v embora,
Que no tenho o que lhe dar.
Toii plantando macaxeira, (*)
P^r^o anno venha buscar.
57
Vou-me embora, vou-me embora,
P^ro serto do Cariry,
Vou buscar quem bem me ama,
A Maria Patury.
58
Quando eu aqui cheguei,
Achei violas tocando
E umas meninas bonitas
Na dansa se desmanchando.
59
(*) Aipim
I
596
60
Tenho raiva, tenho ira
Tenho paixo de matar
De quem dansa e no me atira,
De quem bebe e no me d!...
6
63
Limoeiro pequenino,
Tira o galho do caminho,
Que eu costumo andar de noite,
Tenho medo dos espinhos , .
64
As meninas l de casa
So meninas cavilosas . .
5Q7
65
As meninas l de casa
So meninas de aco . .
66
Pintor que pintou Maria
Tambm pintou Isabel;
Quando quiz pintar Josepha,
Ail meu Deus, cad pincel?
67
Menina, casa commigo,
Que sou bom trabalhado,
Boto a enxada no hombro
E l na roa no vou . . .
68
Torrada,meu bem, torrada,
Torrada no me d mais,
Por causa dessa torrada
Morreu a filha dos pes . .
69
Peguei na perna da velha,
Cuidando fosse da fia:
Perna de velha cascuda,
Pwna de moa macia!...
70
Coitadinho de quem ama,
Andando atraz de favor,
59S
S logrando ser ladro
Do que pode ser senhor!
TROVAS DE AMIGO
(CONCEITOS, MOTEJOS, TRADIES, SUPPLICAS, CREN-
DICES, CONSELHOS, SATYRAS, ALLUSliS)
71
73
De Salomo a sciencia
Eu trago toda de cr:
Pae e me muito bom..
Barriga cheia melhor.
74
O tempo pedio ao tempo
Que lhe desse largo tempo.
O tempo lhe respondeu:
Tudo no mundo tem tempo!
. ;
75
Quem tiver sua filha virgem
No mande apanhar caf. (*)
Se for menina, vem moa
Se for moa, vem. mui.
76
Quem tiver filha l^onita
Traga -a nresn ra corrente,
Que tambeyn j' 1ive a minha,
Jacar levou no dente . .
77
Quem tiver a sua casa
Bote reparo de vista,
82
O coco para ser cgo,
Deve ser de catol.
O homem para ser homem
Deve ier cinco min.
83
Sendo eu de prata fina,
8-1
85
6U 1
86
Onem tiver raiva de mim
Cante e grite pela rua,
Que eu como na minha casa,
Cada qual coma na sua . .
87 ,
88
Ningum se julgue feliz
Por qv tudo em bom estado,
Pois vem tyranna sorte,
a
Faz dum Jeliz desgraado.
89
Quem corta e prepara o po.
Quem cava e faz a gamei la,
Toma a si todo o trabalho
E, depois, fica sem ella . .
90
S. Gonalo de Amarante,
Feito do po de alfavaca,
91
93
Coitadinho de quem perle
Semvergonha no passado.
95
603
96
O dinheiro s quem faz
homem ficar senhor,
Ser baro, ser deputado
E, depois, ser senador.
97
No quero Sanf Antnio grande
Dentro do meu oratrio.
S quero o meu pequenino
Que attende o meu peditrio.
98
Bacuro anda de noite.
De dia porque no anda?
Porque foi notificado
Pelo Panella de Miranda. (*)
99
Eu sou o Deus Sabe Tudo,
Moro na ponta da rua,
Falando da vida alheia,
Cada qual cuida da sua . .
100
Ningum se confie ao vento.
Que vento no tem que dar.
Quem se vira numa penna
O vento ha de carregar. ^
Tengo! t"engo!
O ferreiro bate o ferro.
Amolado!
O ferreiro j malhou!
Ou "ento:
Eu recebi um convite
Do general Arthur Oscar,
Mde ir para Canudos
O Conselheiro acabar.
Vou-me embora, vou-me embora,
Quando acabar de dansar . .
Pedro Paulino,
Bezouro, Floriano,
Decreto republicano
609
Que creou guarda local
Roda livre a manivella,
Bota azeite no mancai.
Matuto besta,
Quando chega l de fora.
Sua faca, sua pistola,
D na venda p^ra guardar.
Tengo! tengo!
O ferreiro bate o ferro.
Tengo! tengo!
O ferreiro quer malhar.
Matuto besta,
Bota a camisa pVa dentro,
Bota o olho no sargento
Da Guarda Municipal.
Peixe, piaba,
Tubaro, baleia, serra,
Meu maninho vem por terra,
Vamos tarrafiar no mar!
Maneiro paul
Maneiro pau!
Negra damnada,
De que chora este menino?
611
Chora de barriga cheia,
S p^r\) mde me tentar.
Negra damnada,
A palmatria est no torno,
Metta a peia nesse corno,
Mande elle se aquietar!
V-se o nevoeiro
Subir com alento,
612
Com pouco o vento,
O tempo amoroso,
O ar caloroso
E o ceo alvacento!
O sertanejo conhece
No dia que quer chove,
Nevoeiro ningum v.
O feijo grosseiro.
Mas no porqueira,
Se vende na feira,
Recebe o dinheiro,
Se compra tempero,
Carne com gordura,
Caf, rapadura,
Legume de planta, (?)
A fome se espanta
E chama a fartura!
Estou na carretia,
Estou na embolada,
A^ulher preguiosa
No cose nem fia,
Se deita de noite
Acorda a meio dia!
Se no fosse o homem,
Mulher no comia!...
III
R ^agahes de Azeredo
HISTORIAS
a)
^iSTMIAS 0 OE^TE
o avarento Joo de Velos
A ifinptts k nenlno
621
Est no arrependimento.
Que arrependimento, menino?
E' o roado,porque quando vem a scca a
gentia se arrepende de tl-o plantado
E tua me, menino?
Est pagando os gastos do anno
passado.
Que isso, menir.o?
Est dando a luz . .
O homem
no se lembrou que o astucioso me-
nino em linguagem symbolica e cuidou
s falava
que o rio fosse vadeavel. Metteu o cavallo
n'agua
pars passar e quasi morre afogado. O
gado a que
o pequeno se referia era um bando de
patos que
os pars criavam.
O viajante regressou casa do menino, todo
molhado, furioso. Encontrou o pae que tornava
do
roado e pedio-lhe o ncti?. Achava-o esperto,
era
rico e sem filhos, desejaria educal-o. Tantas disse
que convenceu o outro e carregou com o garoto.
Na sua casa, resolveu vingar-se delle. Agarrou -uma
palmatria e comeou a fazer-lhe perguntas, cujas
respostas tinham, de ser figuradas como aquellas que
o menino lhe dera.
Que padre?
E' um homem.
Errou. No no. Padre F em Deusi.
E applicou-lhe meia dzia de bolos,
Que mulher?
E' mulher.
- Errou. E^ Folgazona .
Gritra-lhr:
Marido de Deus!, voc Dvz o olho com a
627
HiSTORiAS DE ANiMAES
A isita do Julgado
633
O antioto do l^mn
Os sertanejos do Cear contam que o tejaisii
o inimigo mais figadal das cobras que existe no
matto. Segundo o que affirmam, esse lagarto, que
gosta immensamente de se aquentar ao sol de meio-
dia nas veredas dos taboleiros ou sobre os folhi-
os, mal presente uma cascavel ou jararaca prepara-
se para lhe dar combate^ sahindo muitas e muitas
vezes vencedor.
Contra a sua feroz inimiga dispe de varias ar-
mas: as unhas, o ltego espinhento da cauda, que
manobra com rara habilidade, e os dentes. A serpente
s pde mordl-o e envenenal-o. Mas os matutos
asseguram que o veneno da cobra, por mais violento
que seja, nada pode contra o valente tejass. Por-
634
D Bsn-t?-\'! dainclU
tando parasitas.
O Gamella vive mais nas arvores do que o ou-
tro e talvez de pousar muito nos galhos altos das
gamelleiras lhe tenha vindo o seu appellido, como
disso se originou aquelle estribilho de coco praieiro,
registrado por Antnio
Rodrigues de Carvalho e
Bem-te-vi derrubou
Gamelleira no cho.
Os bil95 ^9 ^M
A symbolica christa perpetuou em todos os po-
vos que o catholicismo influenciou as historias len-
eai
cadamente:
Solha, a mar enche ou vasa?
E a solha, ao invs de responder-lhe. arreme-
dou-a, fanhosa, torcendo a cara numa careta:
Solha, a mar enche ou vasa?
Desde esse dia, por castigo, a solha ficou toda
torta, com os olhos dum lado s.
E, dessas historias, de origem europa, ha cen-
tenas.
FABULAS
As fabulas
Fabulario
A preteno do sapo
O Gato e a Ona
No comeo do mundo, dizem os vaqueiros, a
ona no sabia saltar e tinha inveja do gato, que
era mestre em acrobacias. Fez amizade com elle,
648
A Ona e o Bode
A onabode resolveram um dia morar
e o
juntos, embora o bode tivesse um medo terrvel da
sua amiga, que a dmiravelrri ente disfarava.
- 649
Constriiiram umi\ casa de pallias de carnahnba,
ao meio diiina com dois grandes quartos, se-
v-arzea,
barbas de molho.
Ao outro dia foi caar. Como no era forte,
coma.
Qual! compadre, eu gosto muito de vr os
outros morrerem para mim; mas no sei derramar
sangue. Comtudo, como a fome terrivel, se o com-
padre me dr uma lio, talvez eu aprenda.
O gavio promptificou-se a dar a lio. Passava
um pica-pu em vo veloz e rasteiro, a poupa es-
.
653
655 -^
)*) Telha
O Romance da Raposa
o Rotnattce da iapo$a $<rtao(ja
A RAPOSA E O SAPO
O -terreno prepararam
Sem o menor contratempo, \
.
665 -
As sementes semearam,
.Fazendo a colheita em tempo.
Da original sociedade
Foi feliz o resultado,
Havendo fertilidade
Nos productos do roado.
E l comsig-Q, pensando.
Pz em pratica, sem mais,
Um plano bem miservel
Do seu talento sagaz.
671 :
terbury
Zombe desses
> villes. Diga-lhes: aqui
mesmo vou comer o vosso gallo!
A raposa abre a bcca para gritar. E o gallo
voa, vae pousar num ramo de arvore, s gargalha-
das, emquanto toda a malta perseguidora vaia a en-
fiada rappsa.
No <: Roman de Ren.ar ha episodio semelhante",
entre a Raposa e d. Mesange, pssaro que a en-
gana e a faz fugir vaiada.
Commentando Geofroy Chaucer, que com to
eruditas roupagens veslio uma singela fabula medie-
val, Emilio Qebhart diz que ella a victoria do es-
pirito sobre a perversidade, do camponez sobre o
baro feudal, de Cicero sobre Cato e da Renascena
talvez sobre a Idade Media. symbolismo exagge- O
rado. E de todos esses symbolos s o primeiro se
poder talvez applicar variante sertaneja, que, pela
sua singeleza, apezar no tempo e no
da distancia
espao, approxima mais da que
espiritualmente sq^
est nos fabliaux medievos do que as formas cultas
dos poetas e esctiptores europeus.
Alem dos episdios em que a raposa directa-
mente toma parte, o Roman al- de Renart guarda
guns outros acontecidos com outros animaes, estando
embora ausente Mestre Raposo, como os da Pesca de
Ysengrin ou de Tybert (o gato) e dos dois padres.
Assim, no serto de Nordeste. Temos presente
o exemplo:
674
CASAMENTO DUM CALANGRO
Papavento respondeu-lhe:
Tua linhagem descobre,
Ainda s meu parente
E descendes de sangue nobre,
Mas no te dou minha filha,
Porque tu s muito pobre.
Papavento respondeu:
Em vista de teu assumpto,
Eu, como pae de farnilia,
E, se o senhor no dr um geito,
Eu me queixo ao delegado,
Meu pai tem dinheiro e gasta
E feio o resultado!
Seu filho est bem moo
Tem de ser recrutado!
Vo em casa do juiz.
679
Se elle pegar em armas,
Mata hoje muita gente!
O Gato pulou de c
E pegou-o pelo rabo,
E foi dizendo: Se renda,
Seno eu j o acabo!
Eu no queria casar,
Porque me vejo em atrazo,
E no quero assentar praa
Para ser soldado razo.
Em vista do que me diz,
Foram vr o tejass,
P'ra do noivo ser padrinho,
Esse disse ao portador,
Quando vinha no caminho:
Se houver ovos, eu vou, (9)
Sabem que no bebo vinho!
(8) Vr buscar.
(9) Olagarto chamado tejass .L^osta de beber os ovos ds
gallinhas onde os encontra.
(10) Intricado \n\m'\^o.
682
Finalmente se juntaram
Raposa e tejass,
O Papavento e a mulher,
A Seriema e o Urubu,
Padre, noivos, convidados,
S faltando o Curur.
Disse a Kaposa:
Eu no saio,
Deixando o meu prato cheio.
Tejass disse: Eu corro.
Que o barulho aqui feiol
Nisto o Caxorro pegou-o
E cortou-lhe o rabo ao meio!
Tamandu levantou-se
E falou no p da guella,
Do Caxorro, lhe dizendo:
Um de ns se desmantela.
Voc no pde acabar
Festa em que eu estiver nella!
Ta c -peba coliecior.
(*) Cammond n
687
Cavallo era estudante,
O gallo era insolente,
E o pmnar negociente.
Afinal, tudo
que os homens
So na actualidade
Os brutos tambm j foram
No tempo da antiguidade,
Quando o Destino era Deus
De poder e magcstade.
O rato determinou-se
A pedir a mo da amada,
E foi a casa do punar
Pedir-lhe a filha estimada,
Visto ella tambm j estar
Por elle apaixonada.
689
De sua filha Catita,
Para casar-me com ella,
Pois acho-a muio bonita
O Punar respondeu-lhe:
S no te dou minha filha,
Porque tu no tens recursos
Para sustentares familia;
E um pobre casar com um rico
E' at uma mara\iha!
Se o senhor me proteger,
Proponho-lhe um negocio:
Faa de mim seu caxeiro,
Pois no sou muito becio,
E, depois, quando casar
Poderei ser o seu scio.
O rato desconfiou
E tratou logo de fugir.
Roabou o cofre do tio
r : ! !
69i
E, quando cs^e o qiiiz perseguir,
No o encontrou na loja
Nem no quarto de dormir.
O delegado prometteu
Que faria o que pudesse,
Mandava prender o moo
Embora ele no quizesse
Casar-se com a otfendida.
Casava houvesse que houvesse
Os soldados perguntaram
O que quer, seu delegado?
Este respondeu: Eu quero
Que o rato seja intimado,
Se elle fizer resistncia.
Tragam -no morto ou amarrado !
Os soldados se armaram
E foram em busca do rato.
Este, com medo da tropa,
Estava occulto no matto;
692
Porem isto no o livrou
De cahir nas mos do Gato.
693
Eu disse para o pae uella
Que procurasse outro noivo
Para casar-se com ella.
O respondeu:
rato lhe
No
preciso matar-mC;
Eu j estou arrependido;
E visto querer castiga r-me,
Mande chamar um padre
Quero hoje mesmo casar^Tle.
O delegado respondeu-ihe:
No precisa se vexar,
Ainda falta correr banhos
E a moa se apromptar.
Eu dou-lhe um mez de prazo
Para tudo se arranjar.
Convidou o Urubu,
Para a festa cozinhar.
Este preparou os guisados
E, quando estavam a jantar,
O delegado chegou,
Que na festa vinha danar.
695
Na cabeceira da mesa
Estavam a catita e o rato.
Quando ouviram o i>aruho,
Quizeram correr p'r m.atto;
Mas, antes disso fazerem,
Foram mortos pelo gato
VERSOS DE BICHOS
Vi um tejuass escrevendo,
Vi um tamandu fiando.
'
Vi quaty marcineiro.
Vi um porco agricultor,
Vi timb entalhador.
Vi veado sapateiro;
Um velho fei:ciro,
furo
Uma tocando,
cotia
Trs preguias dansando,
Um guar vendendo covos,
Um coelho batendo ovos
E um jaboty cosinhando;
Vi cassaco com tenda,
Vi cameleo cantando,
Um peru demarcando;
Vi glio vender fazenda,
Um rato fazendo renda,
Vi bode serrando ripa.
Vi burro fazerxdo pipa,
Um co fazendo papel,
Dois saguins comprando mel
E um gato vendendo tripa;
Vi formiga de chocalho,
Formigco de granadeira.
Vi dois camares na feira
Comprando queijo de coalho;
Um calangro no trabalho,
Melado de mel de furo;
Duas bribas no buraco (*)
(*) Bribas, corruptela de vboras: so assim chamadas pe-
quenas lagartixas.
697
Plantando maravilha ;{*)
Imbo na freguesia
Tomando dinheiro a juro;
Vi mosca batendo sola,
Mucuim tocando flauta,
Carangueijo de gravata;
Vi pulga tocar viola,
Vi cobra batendo bola,
Catita tocando buso,
Punar fazendo fuso,
Lacrau no desempate,
Besouro como alfaiate
Talhando roupa de uso;
Vi mosquito fumar cigarro
Dois mocs puxando um carro,
Cururi Ccintando moda,
Duas gias cTima roda,
Calafetando um barco;
Ckias moricas c um -sacco,
Comprando peixe na praia;
Lagartixa de navalha, {**)
699
Sou o bicho Flharal.
Podes beber.
Desceu a rampa do bebedouro, metteu-se n^agua,
sorvendo-a com delicia e a ona l de cima, desconl
fiada, vendo-a beber demais, como quem trazia sede
I de vrios dias, murmurava,:
Quanto bebes, Flharal
Mas a agua amoleceu o mel e as folhas foram!
cahindo s pores. Quando fartara as entranhas
re-
seguidas, a ultima folha cahira, a ona reconhecera
a
mimiga esperta e pulara ferozmente sobre ella, mas
a raposa conseguira fugir.
Infelizmente estas e outras pequenas historias
no
foram feitas em verso e, se o foram,
j a memoria
collectiva os perdeu, guardando somente o
enredo da
narrao, segundo ahi fica succintamente
exposto.
O Romance da Raposa sertanejo quasi to rico
e to interessante quanto o Romance
admirvel do
Renart medieval, que fez a delicia dos troveiros e
tio
povo em geral.
3
LENDAS
Os lobis-homens
700
bem est consubstanciada nesta historia sertaneja :
chamou:
^
,Vem c ! Li\ra-me deste mondu e te recom'-
pensarei.
Approximou-se, ento, mais calmo e pedio, como
recompensa, para libertai-a, o direito de \iver at avan-
ada cdade, sem doenas nem transtornos, querendo
tambm saber quanto deveria viver se no lhe ti-
vesse de prestar aquelle favor. Ela disse, com accento
sincero, batendo as maxiillas estralejantes como as do
caetets e dos queixadas famintos :
Devias viver at cincoenta e dois e trs mczcs.
Mas at quando queres vida e sautiie, afim de me sol-
tares ?
Meio confiante, a sorrir, pensando nos seus rijos
trinta annos, o matuto replicou:
To forte quanto estou, at cento e vinte
o DIABO
O diabo o heroe de mil e^trepolias ou tropelias
cm todo o serto.
Oseu asp^c^o o aspecto christo: chifres, olhos
de fogo, f>s de pato ou de bode. Tem dezenas de no-
mes e appellidos, verdadeiramente originaes do ser-
to, porque alli no se deve nunca chamal-o* pelo
!
711
L vem a compadecida
Mulher com -tudo se importa.
Todos fazem seu negocio
E a mim fecham a porta
No fim de todas as coisas
Eu sempre le\o taboca
713
O DIABO E OS MENINOS
O VAQUEIRO MYSTERIOSO
Tendo morrido numa cidade do serto um ho-
mem., cuja riqueza era de origem Imysteriosa, veri-
ficou~se que o mesmo a tinha obtido com uma pauta
infernal. Esta\'am lodos os convidados de roupa preta
na sala, rodeando o caixo, j fechado, quando alli
entrou um vaqueiro aito. moreno, de 'olhos brilhantes,
cuja roupa de couro de veado cajxyeiro produziu ver-
dadeiro contraste no meio daqueiles trajes de luto.
Todo o mundo pensou que fosse o vaqueiro duma
das fazendas do morto, chegado de surpreza. Mas o
extranho personagem no faiou com ningum, no ti-
rou da cabea o seu pesado chapu de couro de bode,
olhou algum tempo o caixo e desappareceu. Quando
abriram o caixo, para a viuva despedir-se a ultima
vez do marido, estava vasio . . .
OS C.4VALL05 DO DIABO
715
Sabendo disso, o rapaz montou no seu cavallo de
campo castanho escuro, fechado, sem signal desco-
berto nem encoberto de espcie alguma, o animal de
maior fama na ribeira e dirgiu-se ao inferno, deci-
dido a tudo. L chegou na hora em que os fiiabos
dormiam, abriu Com uma chave falsa a torre, poz a
moa garupa e fugiu a galope.
Quando acordou e pela mulher soube do auda-
cioso rapto, o diabo chefe teve um violento accesso
de fria. Mandou sellar um dos seus melhores cavallos
e atirou-se em perseguio dos fugitivos. A moa, que
ia garupa, meio voltada para traz, avistou ao longe
o vuUo uO pae. Preveniu o amante, que esporeou ^
sua cavalgadura e perguntou
Em que ca\'allo vem teu pae?
No gazeo.
Cavallo gazeo-sarar (1) no presta nem pres-
tar, respondeu elle, rindo.
A.S rimas dos rifes sobre cores de cavallo so
meios mnemnicos para retl-as. O demnio, sentindo
escapar-lhe a preza, muda de cavallo. A moa previne
o rapaz.
Em que cavallo vem teu pae?
No alazo.
Trazes o freio na mo, onde deixaste o teu
alazo?
Nova mudana, nova p>ergunta:
Emque cavallo vem teu pae?
No bebe-em-branco (2)
Quem monta em bebe-em-branco mlonta em ca-
vallo manco.
O Maioral verifica pela prpria experincia que
(1) Gazeo-sarara
albino.
(2> Bebe em branco, cavallo que tem o queixo e as narinas
brancae
71
e:-
E cavallo castanho escuro pisa no mole c no
duro.
Essa lenda dum Orpheu sertanejo o habitante do
Nordeste a aproveita para enumerar as qualidades que
julga terem os cavallos pela sua cr, desmentindo o
velho aphorismo dos maquignons francezes tout :
723 -^
S. Pedro, soccorrei-nos ?
ablixo
'"''^'''' '^''"'''^'
^' -^''' ^ ^^' ^'^'^
A's vezes, os padres pediam
ao povo que esoerasse
mais vinte e quatro horas pelo
milagre do santo e da-
vam caues para isso. Os navarros
esperavam; po-
rem, se.dlentro das vinte e /quatro
horas no dhovia o
primeiro bispo de Roma i parar ao rio.^
O meu conhecido de Baturit era menos humano
para com santo Antnio do que
a populao de Navarra
para com S. Pedro. Es^a lhe
dava tcmco de penslr
no castigo, gritando-lhe trs vezes
o que queria e -s
vezes mesmo o caucionava por
um dia. O cearense, no
Nao prevenia nem esperava. Desde que
at data
que marcara, o inverno nao vinha, no
hesitava amar-
724
OS PROCURADORES D'AGUA
Em todo o paiz que sente frequentemente effeitos
de scca, os feiticeiros, mgicos e exprcismadores se
attribuem o papel de descobridores de agua. Desses
procuradores d'agua no serto de Nordeste disse eu
o seguinte numa pagina do meu primeiro livro Terra
de Sol.
Na quadra angustiosa da scca, quando o ser-
tanejo procura agua, cavando a terra, o curandeiro
vae acurvado, de olhar fixo, batendo com um cacete
sobre o cbio. Pra, olha em torno para os sertanejos
magros que o seguem e assegura que, se cavarem
naqueile logar, encontraro agua.
Roberto de )a Sizeranne, prefaciando as Pedras
de Veneza >, de Ruskin, na sua traauco franceza, es-
creve isto:
j encontrastes talvez no interior dos nossos cam-
pos camponezes que caminham de braos estendidos
com uma varinha na mo pelas solides ooide falta
a agua. procurando uma fonte. A's vezes param e a
\arinha treme nas suas mos. E' um lenol de agiia
subterrneo que age sobre seus nervas e os faz vibrair.
Cava-se ahi .Encontra-se- uma fonte profunda, jsta-
menie onde ningum respeitava que ella exisri"sse ,
725
Quando escrevi a Terra do Sol ainda no lera >/
ABUSES
Uma chinella emborcada chama a desgraa.
A URINA DA MULHER
Vm da mais remota antiguidade as supei-sties
sobre os bons ou maus ef feitos da urina das mulheres.
Herdoto, em Euterpe , CXI, e Deodoro de Sicilia,
no seu livro 1, contam dum filho de Sesostris ou Ram-
ss que, tendo ficado cego, lavou os olhos, por man-
dado do orculo de Buto, com a urina duma mulher ho-
nesta, recobrando a vista. Vaie a pena informar, de
accrdo com esses historiadores, que comeou a ex-
perincia por sua prpria esposa e que s conseguio
tomar a vr, depois de ter experimentadio alguns mi-
lhares de creaturas do sexo fraco. Herdoto conta
mais (Clio CVI) que Astyage, rei dos medas, so-
nhou que a urina de sua filha Mandana inundava toda
a sia. Os magos interpretaram o sonho, affirmandQ
!
729 ^
que delia sahiria um grande dominador de paizes e
de povos. Com ef feito, o seu filho foi Cyro.
J se v que remontam s mais antigas pocas
as supersties a respeito dessa urina, com uma dif-
ferena, porm, para as sertanejas. E' que ella no
serto jaiiiais considerada benfica e sim capaz e
malficios terrveis. Affirmam os matutos do interior
do Cear, Piauhy, Parahyba, Pernambuco, Rio Grande
do Norte e Alagoas que a urina duma mulher em cer-
tas pocas do mez, no seu feinpo ou na Lua, como elles
dizem, a cousa mais perigosa do mun db. Essa fora
passa at para a prpria p^essa. Garantem que um
mulher, nesses momentos, pisando em cima duma cas-
cavel, a cascavel morre As mesmas cobras que por
!
A URINA DA MULHER
(versos de Pedro Pereira)
[
^ 730
Que quem \iver no quizer
Beba morre de repente
e
E' veneno, fogo ardente
Que Deus no mundo deixou.
Quem em tal urina pisou
Curar-se mais no precisa,
Pois no escapa quem pisa
Onde a mulher mijou
Eu vi um velho, coitado!
Por pisar em tal urina,
Ficar com a perna fina
E o p todo chagado
Ficou caspento, pellado,
Emfim disforme ficou
Tudo que teve gastou
Em mil remdios que fez,
Por pisar uma s vez
Onde a mulher mijou
Se acaso fr de creana
O mijo que algum tocar,
Pode ter, para escapar,
731
Ainda alguma esperana;
Mas de moa ou de carranca,
Diga logo: Morto estou!
Porque ningum encontrou
Remdio ainda em botica
Que curasse o mal que fica
Onde a mulher mijou
A MOA E O SAPO
No serto dos Carirys VeHios, numa antiga fazenda,
havia uma moa bastante bonita que tinha o habito
de ficar todas as tardes horas seguidas debnada ,
janella do seu quarto, que dava para um terreiro todo
coberto de malva. Sem que se soubesse por que, de
repente ella comeou a d-efinhar. Chamaram-se curan-
deiros, fizeram-se oraes fortes e prepairaram-se m^
zinlias. Nada deu resultado. Ella continuava sempre a
emmagrecer e a empallidecer.
Um dia, por acaso, o fazendeiro mandou capinar o
terceiro. Limpo elle todo da relva que o cobria, ve^
rificou-se que no meio. dentro dum buraco, havia um
enorme sapo-curur, inxiado de gordura. E chegou-ise
concluso de que todo o mal da pobre moa delle
pro\'inha. Emquanto ella ficava na janella, o sapo a
namorava e toda susta nela delia passava para elle.
Mataram-n'o com um foiao. Do dia seguinte em
deante, ella comeou a melhorar e escapou morte.
Namoro de sapo, no modo de pensar do niatuto, s
no peor que urina de mulher.
O SAPO E A CHALEIRA
OS CORISCOS
G. B
ik
NDiCE
:
ndice
Paginas
FOLK-LORE TRADICIONAL. 21
III
Paginas
o caboclo e o avarento . . .
411
O caboclo e a queimada . .
411
O caboclo e o recm nascido . 412
O caboclo a mull^er e a espingarda 412
O o paidiie e o estudante
caboclo, .
413
O caboclo e a verruma 414
O caboclo e o sol 415
O caboclo e a moa 416
O caboclo e a rede 416
A lgica o caboclo 4r^
Mottes e glozas . .
418
Resumo do cyclo dos caboclos 419
1) A-. B. C.
A. B. C. do Bode dos Grossos
427
A. B. C. dia Pobreza ..." 432
A. B. C. da S^cca dos Dois Setes
439
A. B. C. do Nicandro
446
A. B. C. da Revota da Parahyba
453
A. B. C. dos Rifes . . .
462
Lista geral dos A. B. C. . .
463
2) P^los Signaes
g) Airtlwlogi,
473
Paginas
Oraes :
As 'oraes . . ....
Orao para inguas .... 524
Orao para dente arrancado 524
Orao para dr de dentes . 525
Orao para bicheiras . . . 525
Orao contra usagre . . . 526
Orao forte contra os espiritos . . 526
Orao para luxaes ...... 527
A cura das mordeduras de cobra . . 528
Uma orao egypcia nos sertes . . 530
Monstrengos, Prodigios e Abortos 536
A opinio publica no serto ... 552
Os desafios : . . . . . . 563
Desafio entre dois cegos . . . 566
Cantigas de Ferino ...... 567
Fragmento dum desafio .... 569
Martellos . ........ 570
Silva de cantigas soltas de idesafio . 575
Trovas de amor e de amigo . 583
.......
.
1 Historias: 615
A
O
gaita do kgado
antdoto do tejuass
.......
.....*.
631
633
O bem-te-vi Qamella 636
......
A trahyra e a isca . 937
Os bichos do Natal ...... . 638
O burro o Padre Eterno .....
e 639
Nossa Senhora Slh^ ......
e a 639
2 Fabulas: 641
Paginas
3 Letidas 701
Os lobis-homens . . . 703
A lenda da Morte . . 708
O diabo : . . . . 710
O diabo e Hossa Senhora 711
O diabo e os meninos 713
Um pacto com o diabo 713
O vaqueiro mysterioso 714
Os cavallos do diabo . 714
4 Supersties 1\1
.
725
728
A moa e o sapo . . 731
Os coriscos . .... 732
,
4^,
i
f
i-,
t
/
u
ooococo oooooooo
S o
o o
o EDITORA g
O A GRANDE LIVRARIA O
O L21TS RIBBIRO ^
O
X Sede e oficinas typographicas O
O Ruas Bthencourt da Silva,l5, 17 e 19 O
X ( Antiga Santo Antnio Q
g e 13 de Maio 74 e 76
g
O RIO DE JANEIRO Q
O O
OOOOOOOOOOOO OOOOOOOOOOOOOO
^
/
^^
^^'- ""
r
GR Barroso, Gustave "^'^'