Barata, Alexandre- Locus- Maçons e Movimento Republicano

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Os Maçons e o Movimento

Republicano (1870 - 1910)*


Alexandre Mansur Barata **

Abstract
The puipuse of this article is to apprehend and to rescue the activity of
Brazilian Free-Masonry between 1870 and 1910, when happened intense
debates searching to build a new national identity. It was looking for
civilization and progress, expressed in defense of conscience freedom,
abolition of slave work and the republic. The Brazilian Free-Masonry, with
its peculiar organization. Knew, at that time, an important growing of its
activities around all the country. The sociability proporcionated by Free-
Masonry lodges, putting together expressive sectors of the society, ended up
to transform them in important spread centers discussing on the republican
project.
Key words: Free-Masonry; Republic; Liberalism

Resumo
Este artigo apreende e resgata a atuação da Maçonaria brasileira entre
1870 e 1910, período marcado pelos intensos debates que procuravam
estruturar uma nova identidade nacional. Buscava-se a civilização e o pro
gresso, encarnados na defesa da liberdade de consciência, na abolição do
trabalho escravo e na República. Marcada por uma estrutura organizacional
peculiar, a Maçonaria brasileira conheceu, no período, um importante
crescimento das suas atividades em todo o território nacional. Aglutinando
setores expressivos da sociedade, a "sociabilidade" proporcionada pelas
lojas maçónicas acabou por transformá-las em importantes centros de di¬
vulgação e discussão do projeto republicano.
Palavras-cbave : Maçonaria; República; Liberalismo

"Para cólera-que-espuma da sogra (“Cachorrào! Coitada da minha filha...”),


repugnância das cunhadas (“Pobre de nossa irmã, casada com bode pre¬
to!”), consternação de minha Mãe (“Nossa Senhora, que pecado!”) e escân¬
dalo da Cidade (“Pobre moça! Também, casar com nortista ...”) e
animado por nosso Primo Mário Alves da Cunha Horta, pedreiro livre
emérito, meu Pai ousara tripingar-se! Primeiro, Cavaleiro da Rosa Cruz.
Depois, da Águia Branca e Negra. E freqíientava noitantemente a casa
maldita, sempre escura, de janelas e portas herméticas. Lembro-me bem:
quando lhe passava em frente, com minha Mãe, ela descrevia uma curva

Artigo elaborado a partir da dissertação de mestrado 'Luzes e Sombras: a ação dos pedreiros
livres brasileiros (I87O-I9IO)', defendida junto ao programa de pos-graduação em História
Social da Universidade Federal Fluminense.
Professor do Departamento de História da Universidade Federal de Juiz de Fora.
126

prudente, largava o p3Sseio e 1om:iva a sarjem par:l distanciar-se dos


óculos gr.ideados do porno onde, dl?l:un, h:ivia um nl!gro oprlno cev-,1-
do rom carne podre de anjinhos e cujo lr,1fo cnxofrado era faul. •
(Pedro Na,o:i - Bal1 de Ossos)

Introdução
A década de 20 deste século conheceu um importante proces-
so de reflexão sobre os caminhos da pesquisa histórica. Ao questio-
nar a hegemonia da História política na produção historiognffica fran-
cesa, os historiadores dos Annales passaram a defender uma nova
concepção de história onde o econômico e o social ocupavam lugar
fundamental.
Nos anos 60, com o crescimento do marxismo nos meios ac-<1-
démicos, acentuou-se na pesquisa histórica a margmalii.ação dos es-
tudos políticos.
Contudo, este quadro vem se modificando. O crescente diá-
logo entre a Historia e as outras ciências sociais (Ciência Política,
Sociologia, Llngülstica) contribuiu para que a dimensão política
voltasse a ocupar um espaço fundamental nos estudos históricos,
num processo que R. Remond chamou de "renascunenlo da his-
tória política" 1.
11, portanto, neste contexto de renovação historiogr:ifica e de
crescimento cios estudos políticos que as reflexões deste artigo se
inserem. Nosso objetivo é repensar a atuaç-Jo da instituição maçôni•
ca no final do século XIX e início do século XX no Brasil, pcr{odo
marc-Jdo pelos grandes debates que procuravam estruturar uma nov,1.
identidade nacional, tentando compreender a especificidade da ·so-
ciabilidade" proporcionada pelas lojas maçônicas que acabou por
transform1-las em importantes centros de djvulga~'ào e discussão do
ideário liberal, a despeito dos cuidados que devem ser guardados de
uma identificação simplista.

A Maçonaria e a "Ilustração brasileira»


A partir de 1870, a sociedade brasileira conheceu profundas
transformações. A crise do escravisn,o e o crescimento da propagan-
da republicana, aJjados ao surto de "idéias novas", como se referiu

1 REMON'D, R.. Po, qYC • liiltoti. politka.T Lt,n/o, His1tfncos. Rio de Jan,rho. -,,1. D.13. 199.t. p 7-19,
O. Maçoo, e o Movõmcato 11.cpublinno • (1170 • 1910) 127

Sílvio Romero, possibiliraram a maior consciência dos problemas do


país, bem como a busca pela definição de um novo padrão de iden-
tidade nacional. Para Roque Spencer Maciel de Barros, este período
viu surgir uma elite intelectual que se propunha a "ilustrar" o país, a
liberalizar de fato as instituições e que, portanto, acreditava no po-
<lcr das idéias - da ciência - como o único mecanismo legítimo
de transformação do país. Em síntese, buscava-se a colocação do
pais ao "nível do século".
( ...) estes homens buscar:im Instrumentos capaz.cs de lntcgr:ir-nos, de
vez, na gr:indc comunidade curo-americana; 20 Invés de se entrega•
rcm 2 uma suposta realidade bruUelra, procur:avam crlí•la pela 2~0
cduc:uiva da lei, da escola, da imprensa, do livro. ( ...) Ccnamcntc,
( ... ) 25 ldélas que triunfam sào cxat:uncntc aquelas que melhor ser•
vem ao propósito de lntcgr:i~o do pais ru culrur:a ocidental, confun•
dld3 com a humanidade; s~o 25 doutrinas que nos tr.1zcm uma filoso-
fia progressista da história e qucdao um sentido ccumênico aos acon-
tecimentos que se verificam no pais,.
Repensar a identidade nacional, para esta geração de inte-
lectuais, era um "esforço <lc universaliza~'ào" e de conseqüent e
negação do passado marcado pela her.inça ibérica, pelo escravismo,
pelo colonial, pelo singular. Nicolau Sevcenko destaca que a pa-
lavra de ordem da "geração modernista de 1870" era condenar a
sociedade "fossili7.ada" do Império e pregar as grandes reformas
3
redentoms: a abolição, a república e a democracia .
Segundo Roque Spencer, o liberalismo brasileiro do final do
século X1X enfrentava uma luta semelhante à vivida pelo libera-
lismo do século xvm europeu. Seu conteúdo era jurídico-pol.íti-
co, e era em nome do direito natural que condenava a escrava-
tura e a ordem imperial. Todavia, para realizar a sua tarefa
precfpua de liberalizar de fato as instituições do período, a "llus-
tração brasileira" encontrou, na Igreja Católica, baluarte do
conservadorismo, importante obstáculo.
Os liberais clássicos, tipo dominante na "Ilustração brasilei-
ra", segundo Roque Spencer, fundados em uma visão jurídica do
homem, possuíam, como ponto de partida teórico, a crença fun-
damental na liberdade humana. Se discordavam quanto à forma
de governo (república ou monarquia constitucional) mais ade-

2 BARJtOS, RoqN s. M A lla.nror4o bra.11/,iro r a ldlía dr IJ■,.,ttsld•tlr. $lo Pnlo: Conyfvlo/


&1..-p. 1986. p.. 13.
J SBVCENXO. N U1tra11m1 e-o.a •l.ulo, l.e4. Slo PHlo: 9,._.m,ue, 1919. p.71.
128

quada para a realização do ideal liberal, todavia eram unãnimes


na crítica à excessiva centralização do sistema imperial brasileiro
via Poder Moderador, na defesa da abolição do trabalho escravo e
na defesa da livre manifestação do pensamento. •sua tarefa era
libenar o trabalho, a consciência e o voto.•◄
S<:rgio Buarque de Holanda, ao analisar este período assina-
lou o declínio da instituição maçônica, o que, de certa maneira,
teria possibilitado o crescimento da doutrina positivista. Se, nos
anos 20 e 30 do século XJX, ser maçom era sinónimo de ser
patriota, nos anos finais do Império generalizou-se a crença na
regeneração da Humanidade pela Cié!ncia, viga mestra da filoso-
5
fia de A. Comte .
Mesmo sem apresentar as razões desse declínio, a
posição do autor vem sendo corroborad a pela historiografia,
que insiste em considerar a Maçonaria como uma instituição
que atuou de forma mais efetiva apenas durante o processo
de emancipaç ão brasileira, possuindo, posteriorm ente, uma
presença inexpressiv a. Minha proposta de repensar o papel
desempenh ado pela Maçonaria no final do s(:culo XIX e início
do século XX, procurando vinculá-la à "Ilustração brasileira",
visa justament e a questiona r essa posição comum à
historiografia brasileira. Evidentem ente, esta perspectiva não
busca excluir a atuação dos positivistas na estruturaçã o e na
legitimação do regime republican o, como bem demonstrar am
Jos(: Murilo de Carvalho e Roque S. M. de Barros. Entretanto,
ela quer destacar a necessidad e de se levar em consideraç ão
o inegável cresciment o organizacio nal maçónico e o seu pa-
pel na formação de uma expressiva parcela da elite política
6
do período .
Resgatar a Maçonaria como uma instituição formadora de opi-
nião implica na necessidade de pensá-la, antes de mais nada, como
uma forma específica de sociabilidade que possui no caráter secre-
to/fechado um elemento definidor, mas que, ao mesmo tempo, im-
põe um fone limite às suas ações. Esta limitação diz respeito às
dificuldades em administrar as divergências entre seus membros,

BARROS. Roqw $. M op cit. p.11,


HOl..AN"OA,. Su16o O. d• •D• lhçOf\&N ao PotUl"U"'°"" ln -. 111.stdn-, C,,at li• Ctrll1tor~•
8ro11lttt1t <& <td !Ao Pulo; Dl(tl. 19U. Lll,Y.$. p. 219
6 Vw CARVAU•O. JOM ).twrilo d«:. A J,•t-af"4 4m -1MO.r· o 1••11.Mno th R,p.hl,c11 H llhUJL S&o
P.uSo· Ccxni:-n.bla d.u Ldt.u,. 1990 p. 129-140, 8AkROS. Roque S M. ck. tJtUh., p.107-19.f.
0r M~•• e O MO'fim<IIIO Republicano• (1870 • 1910) 129

evitando as constantes cisões e o consequente enfraquecimento da


instituição. Tal risco, entretanto, não pressupõe que ela não possuís-
se um projeco de ação, como bem expressou Quintino Bocaiúva,
em 1897, por ocasião de sua posse no cargo de grão-mestre Adjunto
do Grande Oriente do Brasil. Embora longa, a citação é exemplar:
( ...) se nós nos llmlt:lsscmos a fazer 3 caridade, a dar pensões, :i ser
sociedade de benencc:ncl3, c:airi3mos no ridículo de uma organluç~o
tão complicada e lào :iparatosa, com ccrimoni:11 lào minucioso de pa-
lavras. sinais, toques e passos, com sessões noturnas secrct2s, tão pro-
longadas, para fins tào lnslgnific:rnte.\ plenamente preenchido, sem
untas fonn:llidades, por quant'JS associações, estr.1ngeiras ou nacio-
nais, que se acham, para esse fim, estabelecidas entre nós. É esta a
contraprova da asserção, tantas vezes por mim afirmada nesta Assem-
bléia. - A Maçonaria é uma associação :1h:imente política. Mas, qual
é essa política? Tendes o direito de pergunt:ir-me. Responderei, co-
meç:indo por definir os termos da controvérsia: - Política é a arte de
educar o povo e dirigi-lo nas vias do progresso e do engrandecimen-
to, até a consecuç-lo dos seus fins no selo d:1 humanld2de. ~ Isto que
nós M:içons eh2m:11nos de alta pol(tfca; tal qual deline:ida na noSS3
constltuiçào. (...) A nossa política, tão grande como a no~a lnstituiçào,
é aquela que nos faz amar o cristianismo, e detestar o 1~11/tlsmo: que
nos Impele a estudar e ouvir os socialistas e rebater os a11arqulstas:
que nos obriga a aceitar e m2nter a RepúbllC'J e repelir a monarquia;
que nos d:\ a diferença profunda entre o Jacoblrismo e patriotismo-;
pois este é um sentlmen10 de amor, e é aquele um mau sentimento
de ódio, conuirio ao nosso lema de fratemldade universal, dos ho-
mens e dos povos.'
Assim, toma-se fundamental perceber o grau de penetração que
o ideário maçônico possuía junto aos grandes debates que sacudiram
a sociedade brasileira do período, ou seja, perceber sua ação en-
quanto grupo de pressão política e instrumento de controle ideoló-
gico. Destacar, portanto, a instituição maçônica enquanco um impor-
tante mecanismo de intermediação de interesses que se constitui na
relação entre o Estado e a sociedade.

Estrutura organizacional
da Maçonaria brasileira
De modo particular, a estrutura organizacional da Maçonaria em
nosso país, neste período, apresentou três fases bastante distintas.
Na primeira, de 1863 a 1883, o poder central da Ordem estava divi-
dido em dois grupos: o Grande Oriente do Brasil da rua dos

7 Vu: llol,11• do Cra11dt o,,,,.,, do /lroslL Rio d~ Janeiro. 22(l•<I): 144. malo-Ju,Vll97.
130

Beneditinos e o Grande Oriente do Brasil da rua do Lavradio. Essa


divisão, iniciada em 1863, sofreu um pequeno intervalo entre maio
e setembro de 1872, devído à formação do Grande Oriente Unido e
Supremo Conselho do Brasil. A segunda fase, de 1883 a 1890, é
marcada pela união oficial entre o Grande Oriente do Lavradio e o
Grande Oriente dos Beneditinos, formando, novamente, o Grande
Oriente do Brasil. E a terceira, a partir de 1890, com a formação dos
Grandes Orientes estaduais, vinculados ou não ao Grande Oriente
do Brasil, com sede no Rio de Janeiro.
A grande divísão nas fileiras do Grande Oriente do Brasil ocor-
reu durante o Grão-Mestrado do Visconde de Cayru, em 1863.
Sete Lojas, com aproximadam ente mil e quinhentos membros,
formaram uma nova Obediência - o Grande Oriente dos
Beneditinos - e elegeram para grão-mestre Joaquim Saldanha
Marinho, político e jornalista bastante conhecido por suas posi-
ções anti-clericais e pela defesa do regime republicano. Tal divi-
são certamente pode ser atribuída a descontentam entos quanto
ao processo eleitoral ocorrido para a direção do Grande Oriente
do Brasil. Mas é preciso ressaltar que o grupo liderado por Saldanha
Marinho sofria grande influência da corrente maçônica francesa e
não aceitava a idéia que identificava exclusivamente Maçonaria
com filantropia. Esta perspectiva pode ser apreendida no artigo
de A. F. Amaral publicado no Boletim do Grande Oriente, editado
pelo círculo dos Beneditinos em 1873:
A Maçonaria é mais alguma coisa do que uma companhia de socorro
mútuo: é urn2 lnslltul~o nlantróplca no sentido mais lato da palavra.
( ...) Compreendeu. pois, a Maçonaria criada pan proteger a humani-
dade e dar-lhe pleno desenvolvimento, que a sua mimo era dupla,
como dupla é a natureza do homem. Para rcallz:1-13 cumpria-lhe, por•
tanto, n~o só dar pão aos famintos, vestir os nus e abrigar os que n~o
tivessem teto, como 12mbém procurar dar toda expanslo às faculda-
des morais do homem - a lnteUgência, o llvre-2rblrrio -,dons 52gra-
dos que o elevam acima da natureza criada, e o tomam cio vlslvcl
entre ela e a dMndade.(...) Mas cultivar a lntcllgj!ncia das massas,
ensinar-lhes os seus direitos, dizer ao tnfimo dos pãrias, ao último dos
hllotas, ao mais degradado dos vilões, - tu és homem, e portanto és
livre -. foi sempre coisa grave e perigosa: a flustraçJo e a liberdade
das massas fere e derruba os Interesses llegltimos dos fones e dos
espenos·'.

1 Ve.r. lol,11111 do C,o,,d~ Orf,,.,, U•lllo ~ S•prt•o Coa,,llto do Bnull.. Rio d• Jne.lro. 2(2•l):
lo.t. fe..-•mar/111>.
O. M'l'ODJ e o Mowimc:nto l\q,ub!laoo • (1870 • 1910) 131

Se o círculo dos Beneditinos, chefiado por Saldanha Marinho,


defendia uma atuação mais vigorosa e política da Maçonaria na defe-
sa do racionalismo, da liberdade de consciência, enfim, dos prinó-
pios caros à •modernidade", o círculo do Lavradio assumia uma posi-
ção regalista e monarquista.
Apesar dessas divergências, entre maio e setembro de 1872,
ocorreu uma breve união entre os dois círculos - Lavradio e
Beneditinos - diante da necessidade de combater o inimigo co-
mum, tendo em vista a grande agitação provocada pela •Questão
Religiosa" ou "Questão episco-maçônica" do Segundo Reinado, que
culminou com a prisão dos bispos O. Vital e O. Antõnio Macedo
Costa, respectivamence bispos de Olinda e Belém. A partir da se-
gunda metade do século XIX, a Igreja Católica no Brasil, seguindo
uma tendência internacional, iniciou um processo de reorganização
interna conhecido como romanização do clero católico. A
romanização significou o fortalecimento da Igreja como instituição,
iniciando um movimento de condenaç-lo aos chamados "erros mo-
dernos": o progresso, o racionalismo, o liberalismo, a liberdade reli-
giosa. Esboçava-se, concretamente, um novo contexto. A Maçona-
ria que, até então, poderia ser considerada como uma das institui-
ções mais organizadas do país, passava a sofrer fortes ataques da
Igreja Católica ultramontana/conservadora, que era a Igreja •ofici-
al" do Estado. Foi desta forma que, a 20 de maio de 1872, o Grande
Oriente do Lavradio, presidido pelo Visconde do Rio Branco, e o
Grande Oriente dos Beneditinos, presidido por Saldanha Marinho,
fundiram-se numa única Obediência: o "Grande Oriente Unido e
Supremo Conselho do Brasil".
Entretanto, a derrota do Visconde do Rio Branco, no pleito
para a escolha do grão-mestre da nova Obediência, foi suficiente
para o retomo à situação anterior, o que se prolongaria até 1883.
Em março de 1882, Saldanha Marinho pediu demissão do
cargo de grão-mestre do círculo dos Beneditinos, possibilitan-
do, dessa forma, as negociações para a fusão definitiva dos
dois Grandes Orientes. A união oficial da Maçonaria brasileira
foi então realizada em 18 de janeiro de 1883, sob a direção de
Francisco José Cardoso Júnior. No contexto de crescimento da
propaganda ultramontana da Igreja Católica, as razões que pos-
sibilitaram essa união, em cena medida, relacionam-se com a
fragilidade da instituição, após um longo período de divisões
internas.
132

A década de noventa do século passado marcou, contudo, uma


nova etapa para a organização maçônica brasilei.ra. Paralelamenle à
instalação da ordem republicana federalista, o Grande Oriente do
Brasil agitou-se novamente. Muitas Lojas passaram a questionar a
autoridade do Grande Oriente do Brasil como Obediência central,
ocorrendo também uma federalizaçào da Maçonaria brasileira com
a criação de vários Grandes Orientes estaduais autônomos e inde-
pendentes, como: Grande Oriente Paulista (1893), Grande Oriente
e Supremo Conselho do Rio Grande do Sul (1893), Grande Oriente
Mineiro (1894). A Maçonaria, como a República, federalizava-se.

A organização do espaço maçónico


Durante o período estudado, constatou-se inequivocamen-
te a grande expansão da sociabilidade maçônica por quase todo
o território brasileiro. A Maçonaria possuía uma extensa rede
de lojas instalada s nos mais diversos e distantes núcleos
populaci onais. Estas lojas se articulav am de forma a defender
seus princípios, consubst anciados na busca do aperfeiço amen-
to moral do homem e na luta por uma sociedad e mais secula-
rizada. Tal constatação singularizava a organização maçônica em
relação a outras instituições do período, como a Igreja, o Exérci-
to e o próprio aparelho de Estado que possuíam bases espaci-
ais muito frágeis.
A evolução da presença maçônica no território brasileiro,
apesar de ininterru pta, ocorreu num ritmo bastante peculiar.
Os dados apresenta dos na Tabela 1, que mostram a evolução
do número de lojas em cada Estado brasileiro no período entre
1860-1920, indicam uma expansão quantitat iva e espacial da
atividade maçônica. Se na primeira metade do século XIX, essa
atividade se concentr ava no Rio de Janeiro, na Bahia e em
Pernamb uco, no final do século XIX e início do século XX, ve-
rificou-se a criação de um grande número de lojas em diversas
regiões do pais, em pequenas e grandes cidades, especialm ente
em São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. Apesar das
oscilaçõe s quanto ao número de Lojas em atividade , o que se
pode constatar, efetivame nte, é a consolida ção da Ordem Ma-
çônica em todo o território nacional. Se, entre 1861-1865, fun-
cionavam 180 lojas, este número cresceu para 417 no
qüinqüên io 1916-1920.
O, M,çoao < o MOWO<nt0 R<pu1>1icano • (1170 • 1910) 133

TABELA 1: EvoluçJo do nOmuo de loju maçónlcu oo Brull, po< csudo, <m quinqütnioo
(1861-19'20)

1861 1866 1'11 1176 11181 1186 11'11 1'96 1!1)1 1906 1911 1916

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Fonte: PROEBER, K. C:lda5tro ~,:,J das loja$ nuçõnlc:u no 812sll:2tiv:u, ,b:nl•


das e inatlv:as. Rio de Janeiro, cd.autor,1975: Col~o dos Boletins do
Grande Oriente do 812sll (1871• 1910).

Até 1890, a cidade do Rio de Janeiro - capital do país e sede


do Grande Oriente do Brasil - era o ntklco maçónico mais desen-
volvido, possuindo cerca de 35% das lojas maçônicas em funciona-
mcnto de todo o país.
No litoral nordcstino, Recife e Salvador constituíam os tradicio-
nais centros maçónicos. Entretanto, enquanto em Pernambuco ocor-
ria uma maior propagação das idéias ma<,-ônicas pelo interior do Esta-
do, na Bahia, até 1910, Salvador permanecia, praticamente, como o
único núcleo maçónico.
Já nas regiões Sudeste e Sul, o movimento maçónico se des-
tacou por sua extensão e homogeneid ade. Em Minas Gerais, du-
ranre a década de 70 do século passado, ocorreu um crescimento
bastante expressivo, com a fundação de aproximada mente 37
novas lojas maçônicas, a maioria delas instaladas pelo Grande
Oriente dos Beneditinos. Ouro Preto constituía o núcleo mais im-
134

portante, sendo ultrapassado, no início do século XX, por Belo


Horizonte e Juiz de Fora. No Rio de Janeiro, excluindo a capital
do país, a atividade maçônica se concentrava nas cidades de Niterói
e Campos. A partir de 1890, a Maçonaria paulista assumiu uma
posição de liderança dentro do movimento, contando com uma
extensa rede de lojas espalhadas, sobretudo, no eixo que ligava
as cidades de Ribeir-Jo Preto, Campinas e São Paulo. Acompa-
nhando a expansão paulista, os últimos anos do século XIX marca-
ram uma intensa atividade maçónica no Rio Grande do Sul em tomo
das cidades de Porto Alegre, Pelotas, Santa Maria e Rio Grande.
Sem sombra de dúvida, com a República, a Maçonaria conhe-
ceu importantes transformações no seu processo de
institucionalização. Além do expressivo aumento do número de
lojas cm funcionamento, verificou-se um processo de •nacionali-
zação" e de •federalização" do movimento maçónico. Se, durante
o Império, as atividades maçónicas se concentravam, principal-
mente, no Rio de Janeiro, o periodo republicano presenciou o
fortalecimento da Maçonaria, não por acaso, cm São Paulo, Minas
Gerais, Rio Grande do Sul, Pernambuco e Bahia, estados que pos-
suíam significativas representações no Congresso Nacional.

A Maçonaria e o movimento republicano


O crescimento do movimento republicano insere-se neste
contexto de grandes transformações, verificadas na segunda me-
tade do século XIX. A partir de 1870, acentuou-se no país um
anseio renovador. A Monarquia passava a ser considerada inade-
quada, ultrapassada, atrasada. Assim, o golpe de Deodoro, em
novembro de 1889, encerrava um processo de deílniç11o de uma
nova estruturação do Estado brasileiro.
Em 1868, ocorreu a queda do gabinete liberal de Zacarias de
Góis e a entrega do poder aos conservadores, liderados pelo Vis-
conde de ltabora!, contra uma Câmara unanimemente liberal. Con-
siderada por Saldanha Marinho como um "estelionato político•, a
queda do Ministério Zacarias abriu espaços para graves manifes-
tações contra a validade e a representatividade das instituições
monárquicas. Como decorrência, em 1869, uma ala mais extre-
mada do Partido Liberal rebelou-se e deu publicidade ao "Mani-
festo Liberal Radical", que exigia amplas reformas eleitorais,
descentralização, total liberdade religiosa, ensino livre, Senado
temporário e eletivo, substituição do trabalho escravo pelo livre,
o, M - < o MoYÍOlCfllO ll,publlano • (1170 • 1910) 135

extinção do poder moderad or. Todavia, os "liberais radicais" não


consider avam o término da monarqu ia como pré-requisito neces-
sário à implantação de seu program a. Essa perspcctiva começou a
ganhar significado em 1870, com a formação do Partido Republicano
9
e a consequ ente divulgação de seu "Manifes to" .

limar R. de Matcos assinala que a formação do Partido Republi-


cano representou a formulaç.1o de um projeto político alternativo à
ordem imperial e, de forma conseqilente, a contestação a uma dire-
ção política, intelectual e moral, responsável por esta ordem impe-
rial - a direção saquarcma. Para os "republicanos históricos", a monar-
quia não mais representava os interesses da sociedad e de realizar o
bem comum e defende r a coisa pública, de garantir as liberdades
fundamentais dos cidadãos brasi.leiros. Em10sfntese, a Monarquia nllo
se coadunava com a "causa do progresso• .
Elaborado por Saldanha Marinho, Quintino Bocaiuva, AriStides
Lobo, Salvador de Mendonça e outros, o "Manifesto Republicano• é
considerado por vários historiadores, derurc eles Sérgio Buarque de
Holanda, como anti-revolucionário e contemporizador, por defender
que as mudanças institucionais que deveriam ocorrer se processas-
sem sem convulsões, ou seja, dentro da ótica da "revolução pacifica,
11
da revolução da idéia" •
Publicado no jornal A República do Rio de Janeiro, a 3 de de-
zembro de 1870, o "Manifesto Republicano" estrutura-se numa lon-
ga critica à concentr ação de poderes no Imperador, o que acabava
por nulificar a representação nacional. A fórmula polltica baseada
no princípio de que o imperad or reina, governa e administra era
incompatível com a soberania popular, única fonte da legitimidade.
Após as duras críticas à Monarquia, o "Manifesto• enuncia seu
princípio cardeal: o federalismo. Buscava-se a constituição de uma
República federativa, baseada na soberania do povo e administrada
por um governo representativo, expressa na fórmula "Centralização-
Oesmembramento. Descentralizaç:ão-Unidade".
Autonomia das províncias é, pois, par:, nós mais do que um ln1c~
Imposto pet. solldarie<bde dos direitos e das relações provinciais, é um
prindplo cardc:al e: solene que Inscrevemos na nossa bandeir:i. O regime
da fcder:içào base2do, po,un10, na lndepcnót nd2 recíproca das provfn-

iUo d•
f SANTOS, Wandt.1ley. G. do. Ord,• 6•'1"''-"" , LJb-tr•tu. . l'olltlt.o. Sio Pn1~ Vir1ke-,
Juclro: nJPERJ. 1911. p.. 90.
10 MAlTOS, Um.ar, R. de 'Oo lfflpc-rio i JlepUblka'", '-'••~os m,,6,ltu. M:io
de Jeo•Uo. l (4):161,
U HOLANDA, UrsJo 8. de. '"O 1n11iifuto de ll7CY, ln,----•. Hl,"'lrlo Gnf.J/
dJ Cifft,:,a('lo a,uil,ln,,
, ed. sw .,...1o: Oir..1, 1v1s. ,. n. .,, ,. p. 1'6.
136

elas, elevando-as ~ c:itegorfa de Estados próprios, un.lcamente ligados


pelo vínculo da mesma naclonaJJdade e da solidariedade dos grandes
Interesses da representação e da defesa exterior, é aquele que adolamos
no nosso programa,
12
corno sendo o único capaz de m:intcr a comunhão da
íamllla brasUeira •
À fundação do Partido Republicano na cidade do Rio de Ja-
neiro segue-se uma mulliplicação de clubes e partidos, decidi-
dos a defender a causa republicana. Essa propaganda republi-
cana se concentrava sobretudo nas provfncias do Centro-Sul do
país. Além da Corte, destacavam-se as províncias de São Paulo,
Minas Gerais e Rio Grande do Sul. Neste contexto, destacava-
se a fragilidade da penetração das idéias republicanas na pro-
vinda do Rio de Janeiro. Ainda que algumas das principais li-
deranças republicanas nacionais no perfodo da propaganda
fossem fluminenses, sua atuação se fazia essencialmen te na
Corte. Somente em 1888, o Partido Republicano da Província
do Rio de Janeiro foi fundado e seu grande impulso relaciona-
se à adesão de monarquistas insatisfeitos com a abolição do
trabalho escravo. • A lentidão com que se expandiu o movi-
mento republicano na província do Rio de Janeiro explicava-
se, pela força do conservadori smo, e esta era garantida em
13
grande pane pela coesão em torno da escravidão" .
O mesmo aconteceu em Minas Gerais. Antônio Olinto dos
Santos Pires, primeiro presidente interino do Estado de Minas
Gerais, em um artigo publicado na Revista do Arquivo Publico
Mineiro em 1927 - "A fdéfa republicana em Minas; sua elJOlu-
çao; organização definitiva do Partido Republicano" , informa
que o Partido Republicano só teve uma organização definitiva
em Minas, em 1888. Apesar de participarem da luta eleitoral,
em Minas Gerais, desde 1880, a trajetória dos republicanos mi-
neiros poderia ser assim descrita: •(...) se concentrava, às vezes,
fonnando núcleos, para se dissolver depois, em movimento cons-
tante, dividindo-se, fragmentando-se, avolumando-se, mais tar-
14
de, pelo encontro de elementos dispersos ( ...)" .
Por sua vez, a adesão dos fazendeiros paulistas à causa repu-
blicana transformou o movimento em uma força politicamente ex-

11 O Manlftato Rcpubllc•r.o uta reprodru.ido r1n, 8RASlLIENSI!.. A. Os prozro•CJS "" portldoJ.


, o S<1a11do lh1ttado. llrullla: Senado Ptdtr11, 1917. p. 7t
13 FERREIRA.Matw de (Ofl). A ~ ,., Vrl/•1 /',o,,{Nlo
~L
J - Rio fwido.
Rio de 1919. p.)5.

14 ln: R~úra do Ardh'O ~bllto Mi•~,,o~ 6clo H.orl%0Dtt, li (19'21): 24


O. MIÇOl>I < o MOYim<Z>to Rcpllbho.no • (1170 • 1910) 137

pressiva. Representantes de uma zona económica em expansão,


os fazendeiros paulistas criticavam a excessiva centralização admi-
nistrativa do Império, que propiciava o controle do poder por
representantes de áreas econõmicas inexpressivas. Da mesma for-
ma que na Corte, após a queda do gabinete Zacarias de Góis em
1868, na província de São Paulo formaram-se Clubes Radicais em
várias localidades. Com o surgimento do "Manifesto de 1870", es-
ses clubes declaram-se republicanos. Em 1873, com a Convenção
de rtú surgia o Partido Republicano Paulista.
Na proporção em que crescia a propaganda republicana, co-
meçavam a fermentar nas lojas maçónicas os debates referentes à
superação ou não do regime monárquico. ~ bem verdade que a
idéia de república não era nova para a Maçonaria pois, desde o
período da emancipação política do Brasil, já existia uma facção
maçónica que a desejava. A partir de 1870, os maçons republica-
nos encontravam no "Grande Oriente do Brasil - ao Vale dos
Beneditinos", liderado por Saldanha Marinho, importante meio de
divulgação de suas teses. Se analisarmos o número de lojas maçô-
nicas criadas entre 1870 e 1880, iremos perceber que a maioria
delas estava ligada ao Círculo dos Beneditinos e localizava-se so-
bretudo naquelas províncias que possuíam expressivos movimen-
tos republicanos: 24 em São Paulo, 29 em Minas Gerais e 27 no Rio
Grande do Sul, além de 18 na Corte. I:'. interessante observar que
apenas 08 lojas foram criadas na província do Rio de Janeiro, o que
demonstra, mais uma vez, a fragilidade da penetração da propa-
ganda republicana no interior da província fluminense e do vínculo
entre Maçonaria e República.
Como os Clubes Republicanos, muiras lojas maçónicas se trans-
formaram em autênticos centros de efervescência republicana. Em
São Paulo, as Lojas"Amizade" e •América" se destacavam. Em seus
quadros podemos encontrar os seguintes nomes: Américo Brasiliense,
Américo Campos, Bernardino de Campos, Luis Gama entre outroS.
No Rio de Janeiro, destacam-se Saldanha Marinho, Quintino Bocaiuva,
Ubaldino do Amaral.
Em Minas Gerais, o crescimento de Clubes Republicanos e
Lojas Maçõn!cas, como em São Paulo e Rio de Janeiro, também foi
bastante expressivo. Recorrendo a um segundo texto de António
Olinto - A proclamação da República em Minas-, ele assinala
que em virtude de perseguições por parte dos liberais/monarquis-
138

tas, vários Clubes Republicanos em Minas Gerais se uansformaram


1
em sociedades secrccas s.
Ao agrupar setores baseantes diversos, o movimento republica-
no evidentemente não poderia suscitar um amplo consenso quanto
à definição da natureza do novo regime. Segundo José Murilo de
Carvalho, havia três modelos de república à disposição dos republi-
canos brasileiros. O primeiro era o dos proprietários rurais,
especialmente os proprietários paulistas. Para estes homens, a repú-
blica ideal era a do modelo americano basc.,ado na predominância do
Interesse individual, na liberdade dos direitos de ir e vir, de proprie-
dade, de opinião, de religião e no caráter feder-ativo da organização
do Estado. O segundo modelo era o dos setores urbanos, formado
por pequenos proprietários, profissionais liberais, jornalistas, estu-
dantes. Para estes, república era sinônimo de intervenção direta do
povo no governo. influenciados pelo jacobinismo à francesa, eram
atraídos pelos apelos abstratos em favor da liberdade, da igualdade,
da participação. O terceiro modelo era a versão positivista de repú-
blica, que influenciava sobretudo os militares, com seu apelo a um
executivo forte e intervencionista, consubstanciado no princípio da
16
"Ordem e Progresso" .
Para os maçons, sobretudo aqueles ligados ao Círculo dos
Beneditinos, a forma de governo republicana oferecia uma oportu-
nidade de romper com o centralismo monárquico e, acima de rudo,
equacionar os problemas relativos às liberdades individuais. Neste
sentido, creio que Saldanha Marinho possa ser considemdo aquele
que melhor traduziu as expectativas desse segmento.
Em 1869, Saldanha Marinho publicou um folheto com o
título O Rei e o Parlfdo Liberal, onde expressou o seu diagnósti-
co da realidade brasileira, destacando a necessidade de liberali7.ação
real das instituições políticas através da adoção do regime repu-
blicano. Segundo ele, a monarquia, estruturada pela Carta outor-
gada de 1824, poderia ser responsabilizada pela decadência mo-
ral e material em que se encontrava o país. Em 1885, esse folheto
foi reimpresso com alguns comentários adicionais e recebeu um
novo titulo: A Monarcbfa ou a Po/ftica do Ref.

IS Ibidem, p. 149,
16 CARVALHO. Jos~ M. op. clt. p. 2•·9.
O. MIÇOOI < o Movu,icoto ll.<p,,t,li<1m •(li;()• 1910) 139

"Harmonizar a autoridade com a liberdade, o direito com o fato


-condição eterna da ordem e prosperidade". Tomando como base
essa premissa, Saldanha Marinho analisou o processo histórico brasi-
leiro, assinalando os obstáculos impostos à evolução natural da naci-
onalidade brasileira: o regime republicano, único regime dcmocrãti-
17
co e consonante com a índole americana .
Esses obstáculos impostos à construção de uma nacionalidade
livre e independente tiveram início com a repressão aos movimen-
tos de caráter emancipacionista, principalmente à Conjuração Minei-
ra de 1789. Mas foi com o processo de Independência que as forças
ligadas ao absolutismo revelaram todo o seu poder.
Um vfclo de origem nos comprometeu desde a Independência até
hoje. A ,·on12de daqueles que quiser2m ter de pronto um rei, preva-
leceu sobre o dos que procurav:im comcç:ir regularmente, por uma
asscmblfia constlrulnte, para que esta exprimindo a vontodc soberana
do po,•o, determinasse a forma do governo a adotar, e estabelecesse
os princípios políticos a que devia a naÇllo subordinar-se. O panldo
liberal, receoso das penurbaçõcs que lhe podia opor a lnnu~nela
ponugucsa, anuiu a Isso para poupar sacrifícios, e chegar a seu fim
11
com nuior scguranç:i e rapidez •
Se a Independência com D. Pedro I não significou a adoção de
um regime representativo - portanto mais democrático - a disso-
lução da Assembléia Constituinte e a outorga da Constituição de 1824
apenas conflrmar.un que:
Er.i mister nào olvkbr que Rei e dcmocr.acb s:1o coisas que se repelem: um
é o permanente dc&ruidor do outro; e quando, por cxccç;lo, se consegue
c:a~-lo5, <li-se ao mundo um cs~culo repugnante, e sempre irrisório,
po<quant0 um dos assim consorciados dc,·c sempre nullr!Clr o outro".
Com a abdicação de D. Pedro 1, inaugurou-se o primeiro período
em que os ideais republicanos triunfaram. E.icemplifica-se o rato com a
adoção do Código do Processo e a aprovação do Ato Adicional de
1834. Entretanto, a maioridade do principe-herdeiro inaugurou um
perfodo marcado pelo domínio incontestável do Poder Moderador e,
conseqüentcmcme, do governo cemrali7.ado nas mãos do Imperador.
O despotismo triunfava, impedindo a constituição de um sistema de
governo livre e garantidor dos direitos do povo. Os partidos politicos
nada mais eram do que um joguete nas mãos do Imperador. Os perio-

n MAR1NHO, J, Stldaftks A Mot1ardla o.a o polftlco Jo lfn Rio de. Janeiro. Tup. de- O, Lcudasc•
A fdbol, UU p. 01
li lbldent, p. 09.
19 lbldrn,. p 32.
140

dos em que dominaram os gabinetes núnisteriais de maíoria liberal


eram neutralizados pelo Imperador, que utilizava-se do artifício da
composição com membros do Panido Conservador.
Sempre que o Rei emende conveniente aproxim:ir-se dos libcraís, lhes
ajusw logo um antídoto que nullflca-lhcs a açllo: e eles se sujcitami'"'.
Ao trabalhar com estas especificidades, Saldanha Marinho pro-
curava destacar a força mobilizadora exercida pelo Imperador e,
em contrapartida, o caráter meramente formal do regime constitu-
cional em vigor. O Segundo Reinado não cumpriu sua finalidade
maior, que seria a construção da nação brasileira pois, restringindo
sua ação ao âmbito da luta contra as conquiStas liberais, teria contri-
bufdo para o processo inverso: o da ausência da nação.
Nilo temos governo representa!lvo. só h:I uma vontade, o governo é um
só homem, o poder /fssoal se ostenta; e: o poder pessoal é o absolulis•
mo. O Esudo é elel .
Estas considerações revelam uma postura em sintonia com a
necessidade de construção de um projeto polftico que possibilitasse
a consolidação de uma identidade nacional. E esta viria atr.1vés da
adoção de reformas sociais e polfcicas. Portanto, a defesa do regime
republicano, para Saldanha Marinho e para os maçons t!lTl geral, era
a possibilidade de conquistar instituições polfticas mais representati-
vas e garantir as liberdades individuais, sobretudo a liberdade de
pensamento.
Promulgada em 1891, a primeira Constituição republicana aca-
bou por consagrar os princípios liberais clássicos, tais como o direito
de associaç-Jo. de pensamento e de expressão, e a garantia de um
governo eleito pelo voto majoritário. Contudo, a consolidação da
República foi marcada pelo signo da exclusão dos setores populares
do cenário político.
Considerações finais
Contrariando a tradição historiográfica que julgava a Maçonaria
uma instituição com uma atuação inexpressiva no final do século
XIX e início do século XX. o que procurei demonstrar foi que ela se
colocou como uma das principais instituições na luta pela estruturação
de uma nova identidade nacional.
Possuindo uma cilnãmica de crescimento e de atuação bastante
específica, a Maçonaria brasileira se mostrou estreitamente ligada à

20 lbldu,, p.J6.
21 tblclcra. p.103.
O. Maçoa, e o Mo-rimcnto lcpublitano • (1170 • 1910) 141

vida política do país. Foi obseivado o quanto ela estava ativa e influ-
ente, revelando-se como um autC:ntico grupo de pressão. Aglutinando
expressiva parcela da elite, debateu, quer nas suas Lojas, quer na
imprensa, quer no Parlamento, os principais temas que abalaram a
sociedade brasileira do periodo. Desta forma, ser maçom, para cer-
tos setores da sociedade, significava uma forma de influir, de partici-
par na estruturação do Estado brasileiro.

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