Salazarismo e o Homem Novo
Salazarismo e o Homem Novo
Salazarismo e o Homem Novo
4
Cf. José Carlos Valente, Estado Novo e Alegria no Trabalho — Uma História Política
da FNAT (1935-1958), Lisboa, ed. Colibri/INATEL, 1999.
5
Cf. Irene Flunser Pimentel, Contributos para a História das Mulheres no Estado Novo —
As Organizações Femininas do Estado Novo. A «Obra das Mães pela Educação Nacional» e
a «Mocidade Portuguesa Feminina» (1936-1966), tese de mestrado, curso de mestrado de
História dos Séculos XIX e XX, secção Século XX, Lisboa, FCSH/Universidade Nova de
Lisboa, 1996, policopiado (no prelo); v. ainda Anne Cova e António Costa Pinto, «O salaza-
1032 rismo e as mulheres. Uma abordagem corporativa», in Penélope, n.º 17, 1997, pp. 71-94.
O salazarismo e o homem novo
6
Cf. F. Rosas, Salazarismo e Fomento Económico, Lisboa, Editorial Notícias, 2000.
7
C. Sérgio Campos Matos, História, Mitologia e Imaginário Nacional. A História no
Curso dos Liceus (1895-1939), Liv. Horizonte, Lisboa, 1990. 1033
Fernando Rosas
8
Cf. Daniel Melo, ob cit., pp. 43 e segs. e pp. 173 e segs.
9
Entrevista de Irene Pimentel com Roger Griffin, «Definir o turismo», in História, III
série, n.º 23, Março de 2000, pp. 10-14.
10
Cf. Rui Ramos, «A segunda fundação», in História de Portugal (dir. José Mattoso) vol.
VI, Ed. Estampa, Lisboa, 1994, pp. 565 e segs.
11
Acto Colonial, promulgado pelo Decreto n.º 18 570, de 8-7-1930, quando Salazar
1034 ocupava interinamente a pasta das Colónias.
O salazarismo e o homem novo
12
Armindo Monteiro, Para Uma Política Imperial, ed. Agência Geral das Colónias, Lisboa,
s. d., p. 56.
13
Oliveira Salazar, Discursos e Notas Políticas, vol. V, Coimbra Editora, Coimbra,
pp. 104-105. 1035
Fernando Rosas
orgânica e regida por essa máxima que Carneiro Pacheco com tanta felicida-
de sintetizara: «Um lugar para cada um, cada um no seu lugar.» O que
comportava, no discurso propagandístico dos ideólogos e teorizadores do
regime, simultaneamente, uma certa visão infantilizadora do povo português,
gente conformada, respeitadora, doce, algo irresponsável e volúvel, mutável
nas suas opiniões, sonhadora, engenhosa mas pouco empreendedora, obvia-
mente insusceptível de ser titular da soberania ou fonte das grandes decisões
nacionais, necessitada, portanto, como coisa natural e naturalmente aceite, da
tutela atenta mas paternal do Estado. Diria Salazar no começo da sua carreira
política que «a adulação das massas pela criação do povo soberano não deu
ao povo nem influência na marcha dos negócios políticos nem aquilo de
que o povo mais precisa, soberano ou não, que é ser bem governado»14.
O reencontro do Estado com a solução orgânica, corporativa e antiliberal
permitia, assim, revelar outra vocação da essencialidade portuguesa: uma
vocação de ordem, de hierarquia e de autoridade natural.
O sétimo e último, o mito da essência católica da identidade nacional,
entendia a religião católica como elemento constitutivo do ser português, como
atributo definidor da própria nacionalidade e da sua história. Separando as
águas quanto a este assunto, diria Gustavo Cordeiro Ramos num texto de
193615: «Sob o disfarce do laicismo fez-se uma obra criminosa, anti-social e
antipatriótica de descristianização [...] A religião tem de ser considerada uma
necessidade do Estado [...] A ordem nova, com os seus conceitos dominantes
de autoridade e de nação, só se compreende admitindo uma ordem superior.
É inaceitável sem a ideia e a prática de Deus.» Esclarecia ainda Carneiro
Pacheco na sequência deste raciocínio: «Uma coisa é a separação do Estado
e da Igreja que a Constituição de 1933 mantém, outra o espírito laico que é
contrário à Constituição, à ordem social, à família e à própria natureza huma-
na. Muito pior do que a treva do analfabetismo num coração puro é a instrução
materialista e pagã que asfixia as melhores inclinações16.» Portanto, e final-
mente, uma vocação religiosa, cristã e católica da nação portuguesa.
Salazar resumiria esta axiologia ao proclamar, no célebre discurso do ano
X, durante as comemorações do 10.º aniversário do «28 de Maio», em Braga,
as «verdades indiscutíveis» da revolução nacional. «Não discutimos», dirá
ele, «Deus e a virtude», não discutimos a «Pátria e a sua História», não
discutimos a «Autoridade e o seu prestígio», «a Família e a sua moral», «o
trabalho e o seu dever»17.
14
Id., ibid., vol. I, Coimbra Editora, Coimbra, p. 91.
15
Gustavo Cordeiro Ramos, Os Fundamentos Éticos da Escola no Estado Novo, Lisboa,
ed. União Nacional, 1937, pp. 371, 373 e 378.
16
Carneiro Pacheco, «Na recepção ao pessoal do ensino primário», in Escola Portuguesa,
n.º 69, 1936, p. 3.
17
1036 O. Salazar, ob. cit., vol. II, p. 130.
O salazarismo e o homem novo
Convirá salientar que os «valores de Braga» não eram uma simples pla-
taforma de unidade político-ideológica no quadro do Estado Novo, ou uma
moral abstracta e genericamente informadora dos comportamentos em socie-
dade. Significavam uma moral de (re)educação, de regeneração colectiva e
individual, da qual resultaria, pela acção do Estado nos vários níveis das
sociabilidades públicas e privadas, o moldar desse especial «homem novo»
do salazarismo, capaz de interpretar e cumprir a alma e o destino ontológico
da nação que o antecedia e se lhe sobrepunha, vinculando-lhe atitudes, pen-
samentos e modos de vida, redefinindo e subordinando o particular ao im-
pério do «interesse nacional». Não só, nem principalmente, como sujeição do
individual ao colectivo, mas como padronização tendencial dos espíritos e
dos «modos de estar» de acordo com os «valores portugueses» de sempre,
que o regime definia, representava e tinha como missão fazer aplicar.
Esse ser renovado, expurgado dos vícios do liberalismo, do racionalismo e
da contaminação marxista, esse ser reintegrado, por acção tutelar e condutora
do Estado, no verdadeiro «espírito da Nação», haveria de ser temente a Deus,
respeitador da ordem estabelecida e das hierarquias sociais e políticas como
decorrências do organicismo natural e imutável das sociedades, pronto a servir
a pátria e o império, cumpridor dos seus deveres na família e no trabalho,
destituído de «ambições doentias» e «antinaturais» e satisfeito com a sua
honrada modéstia. Tais eram as «virtudes da raça», expressão mesma desse
referencial essencial da ruralidade, dessa terra regada pelo suor dos que sobre
ela labutavam, mãe da riqueza, da temperança e da ordem.
18
Id., ibid., vol. I, p. 309. 1037
Fernando Rosas
19
Jorge do Ó, ob. cit., p. 50.
20
Cf. a sua «Conferência sobre a Restauração», proferida em 1909 no Liceu de Viseu, in
M. Braga da Cruz (coord.), A. O. Salazar, Inéditos e Dispersos, vol. I, Escritos Político-
-Sociais e Doutrinários (1908-1928), Lisboa, ed. Bertrand, pp. 68 e segs.
21
António Ferro, Salazar, o Homem e a Sua Obra, Lisboa, ed. Fernando Pereira, 1982,
1038 p. 114.
O salazarismo e o homem novo
22
Luís Nuno Rodrigues, ob. cit., p. 55.
23
J. Carlos Valente, ob. cit., pp. 39 e segs.
24
J. Ramos do Ó, ob. cit., pp. 53 e segs. 1039
Fernando Rosas
25
Cf. António Nóvoa, «A educação nacional», ob. cit., e «Ensino universitário», in F. Rosas
e J. M. Brandão de Brito (coord.), Dicionário de História do Estado Novo [...], pp. 305 e segs.
26
Cf. Daniel Melo, ibid.
27
António Nóvoa, «Educação nacional», in Dicionário de História do Estado Novo [...],
1040 p. 305.
O salazarismo e o homem novo
28
G. Cordeiro Ramos, ob. cit., p. 364.
29
Carneiro Pacheco, «Declarações de Sua Excelência o Ministro da Instrução Pública no
acto de posse», in Escola Portuguesa, ano II, n.º 69, Fevereiro de 1936, pp. 1 e 2.
30
J. R. do Ó, ob. cit., pp. 39 e segs. 1041
Fernando Rosas
31
J. C. Valente, ob. cit., pp. 180 e 181.
32
O. Salazar, ob. cit., vol. I, p. 259.
33
1042 António Ferro, «Política do espírito», in Diário de Notícias de 21-11-1932.
O salazarismo e o homem novo
34
G. C. Ramos, ob. cit., pp. 364 e 367. 1043
Fernando Rosas
35
Id., ibid., pp. 370 e 375.
36
Diário das Sessões da Assembleia Nacional, n.º 147, de 27-11-1937, pp. 13 e segs.
37
Ibid., n.º 175, de 24-3-1938.
38
1044 C. Pacheco, «Na recepção...», pp. 117 e 118.
O salazarismo e o homem novo
39
Marcello Caetano, A Missão dos Dirigentes. Reflexão e Directivas pelo Comissário
Nacional, Lisboa, ed. Mocidade Portuguesa, 1942, pp. 7 e 31.
40
Cf. Irene F. Pimentel, ob. cit., pp. 211 e segs. e 303 e segs. 1045
Fernando Rosas
41
J. C. Valente, ob. cit., pp. 62 e segs.
42
1046 Cf. Daniel Melo, ob. cit., pp. 61 e segs.
O salazarismo e o homem novo
43
Luís Nuno Rodrigues, ob. cit., p. 107.
44
J. C. Valente, ob. cit., pp. 107 e segs.
45
Cf. António Costa Pinto e Nuno Afonso Ribeiro, A Acção Escolar de Vanguarda (1933-
-1936), Lisboa, ed. História Crítica, 1980. 1047
Fernando Rosas
46
1048 É o que se fará na LP em 1938 (cf. L. N. Rodrigues, ob. cit, pp. 114 e segs.
O salazarismo e o homem novo
47
Luís. N. Rodrigues, ob. cit, p. 116.
48
Id., ibid., pp. 114 e 115. 1049
Fernando Rosas
49
J. C. Valente, ob. cit., pp. 66-80.
50
Id., ibid., p. 109.
51
1050 Id., ibid., pp. 107 a 120; v. também D. Melo, ob. cit., pp. 345 e segs.
O salazarismo e o homem novo
52
Cf. M. B. da Cruz, ob. cit., pp. 39 e segs. 1051
Fernando Rosas
53
Cartas do cardeal Cerejeira ao ministro da Educação Nacional Carneiro Pacheco, cit.,
in M. B. da Cruz, ob. cit., pp. 42-44.
54
1052 M. Caetano, ob. cit., pp. 35 e 36.
O salazarismo e o homem novo
55
Cf. Maria Inácia Rezola, O Sindicalismo Católico no Estado Novo (1931-1948), Lisboa,
Ed. Estampa, Lisboa, pp. 117 e segs.
56
Cf. J. C. Valente, ob. cit., pp. 107-120, e D. Melo, ob. cit., pp. 345 e segs. 1053
Fernando Rosas
57
Cf. Philippe Burrin, «Hitler et le nouvel homme nazi», comunicação ao colóquio inter-
1054 nacional L’Homme nouveau dans l’Europe fasciste (1930-1945), Paris, CHEVS, 2000.