Educação Sob Múltiplos Olhares

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EDUCAÇÃO E FORMAÇÃO DOCENTE
SOB MÚLTIPLOS OLHARES

-3-
Comitê Científico - Alexa Cultural
Presidente
Yvone Dias Avelino (PUC/SP)
Vice-presidente
Pedro Paulo Abreu Funari (UNICAMP)
Membros
Alfredo González-Ruibal (Universidade Complutense de Madrid/Espanha)
Ana Paula Nunes Chaves (UDESC – Florianópolis/SC)
Barbara M. Arisi (UNILA – Foz do Iguaçu/PR)
Benedicto Anselmo Domingos Vitoriano (Anhanguera – Osasco/SP)
Carmen Sylvia de Alvarenga Junqueira (PUC/SP – São Paulo/SP)
Claudio Carlan (UNIFAL – Alfenas/MG)
Cristian Farias Martins (UFAM – Benjamin Constant/AM)
Denia Roman Solano (Universidade da Costa Rica)
Diana Sandra Tamburini (UNR – Rosário/Santa Fé – Argentina)
Edgard de Assis Carvalho (PUC/SP – São Paulo/SP)
Estevão Rafael Fernandes (UNIR – Porto Velho/RO)
Fábia Barbosa Ribeiro (UNILAB – São Francisco do Conde/BA)
Fabiano de Souza Gontijo (UFPA – Belém/PA)
Gilson Rambelli (UFS – São Cristóvão/SE)
Graziele Acçolini (UFGD – Dourados/MS)
Heloisa Helena Corrêa (UFAM – Manaus/AM)
José Geraldo Costa Grillo (UNIFESP – Guarulhos/SP)
Juan Álvaro Echeverri Restrepo (UNAL – Letícia/Amazonas – Colômbia)
Júlio Cesar Machado de Paula (UFF – Niterói/RJ)
Karel Henricus Langermans (Anhanguera – Campo Limpo - São Paulo/SP)
Kelly Ludkiewicz Alves (UFBA – Salvador/BA)
Leandro Colling (UFBA – Salvador/BA)
Lilian Marta Grisólio (UFG – Catalão/GO)
Lucia Helena Vitalli Rangel (PUC/SP – São Paulo/SP)
Luciane Soares da Silva (UENF – Campos de Goitacazes/RJ)
Mabel M. Fernández (UNLPam – Santa Rosa/La Pampa – Argentina)
Marilene Corrêa da Silva Freitas (UFAM – Manaus/AM)
María Teresa Boschín (UNLu – Luján/Buenos Aires – Argentina)
Marlon Borges Pestana (FURG – Universidade Federal do Rio Grande/RS)
Michel Justamand (UFAM – Benjamin Constant/AM)
Odenei de Souza Ribeiro (UFAM – Manaus/AM)
Patricia Sposito Mechi (UNILA – Foz do Iguaçu/PR)
Paulo Alves Junior (FMU – São Paulo/SP)
Raquel dos Santos Funari (UNICAMP – Campinas/SP)
Renata Senna Garrafoni (UFPR – Curitiba/PR)
Rita de Cassia Andrade Martins (UFG – Jataí/GO)
Thereza Cristina Cardoso Menezes (UFRRJ – Rio de Janeiro/RJ)
Vanderlei Elias Neri (UNICSUL – São Paulo/SP)
Vera Lúcia Vieira (PUC – São Paulo/SP)
Wanderson Fabio Melo (UFF – Rio das Ostras/RJ)
Conselho Editorial da Obra
Ana Cristina Alves Balbino (UNIP – São Paulo/SP)
Leandro Infantini (UAlg – Portugal)
Patrícia Bayod Donatti (LAP/UNICAMP – Campinas)
Patrícia Sposito Mechi (UNILA – Foz do Iguaçu/PR)
Rita Juliana Poloni (UFPEL – Pelotas/RS)

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Vanessa Pinto Rodrigues Farias
Jarles Lopes de Medeiros
(Organizadores)

EDUCAÇÃO E FORMAÇÃO DOCENTE


SOB MÚLTIPLOS OLHARES

Embu das Artes - SP


2020

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© by Alexa Cultural
Direção
Yuri Amaro Langermans
Nathasha Amaro Langermans
Editor
Karel Langermans
Imagem de capa
O voo das bruxas (1798)- Francisco Goya
Revisão Técnica
Jarles Lopes de Medeiros e Vanessa Pinto Rodrigues Farias
Editoração Eletrônica
Alexa Cultural
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
C371t CRUZ T, S,
M488j - MEDEIROS, J. L.
F224 v - FARIAS, Vanessa Pinto Rodrigues

Educação e formação docente sob múltiplos olhares. Jarles Lopes de


Medeiros e Vanessa Pinto Rodrigues Farias. Alexa Cultural: São Paulo,
2020
14x21cm - 272 páginas
ISBN - 978-65-87643-44-1

1. Educação - 2. Multidisciplinaridade - 3. Ensino - 4. Aprendiza-


gem - I. Índice - II Bibliografia

‘ CDD - 370

Índices para catálogo sistemático:


Educação
Ensino
Aprendizagem
Todos os direitos reservados e amparados pela Lei 5.988/73 e Lei 9.610

Os artigos publicados são de inteira responsabilidade de seus autores. As opiniões neles


emitidas não exprimem, necessariamente, o ponto de vista da editora e dos organizado-
res.

Alexa Cultural Ltda


Rua Henrique Franchini, 256
Embú das Artes/SP - CEP: 06844-140
[email protected]
[email protected]
www.alexacultural.com.br
www.alexaloja.com
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“O conteúdo de um livro guarda o poder da educação e
é com esse poder que conseguimos moldar
o futuro e mudas vidas”.

Malala Yousafzai

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PREFÁCIO
A discussão em torno da educação e da escola brasileiras é am-
pla e polimorfa, dotada de complexidades que ultrapassam questões rela-
cionadas apenas ao conhecimento científico e ao ensino. Exemplo disso é o
cenário atual, que já vinha em marcha há anos, mas que teve um marco em
2020: a pandemia da Covid-19.
Há décadas, as discussões acerca do uso das tecnologias edu-
cacionais e da modalidade de ensino Educação a Distância vêm figuran-
do entre alguns dos temas mais controversos no campo educacional. De
repente, neste ano, o mundo inteiro se viu imerso no uso das tecnologias
educacionais para lidar com o ensino remoto: nunca falamos tanto, nunca
usamos tanto as tecnologias digitais com fins educacionais.
Os impactos que a pandemia têm causado no sistema educacio-
nal têm sido grandes, o que não quer dizer que não tivemos tido ganhos,
pois os diversos sujeitos envoltos da escola têm aprendido bastante a con-
ceber novas possibilidades educativas para além dos muros escolares e do
livro didático. Hoje, mais do que nunca, compreendemos que tudo o que
acontece no mundo diz respeito e interessa à educação.
O livro em questão, Educação e formação docente sob múltiplos
olhares, apresenta discussões distintas acerca da educação, em seu sentido
mais amplo, e do processo de ensino e aprendizagem, a partir de ópticas
sofisticadas de especialistas e profissionais, os quais apresentam aos(às)
leitores(as) resultados de pesquisas desenvolvidas tanto no âmbito da gra-
duação quanto no da pós-graduação lato e stricto sensu.
Sob a perspectiva transdisciplinar, o livro reúne 21 artigos, divi-
didos em quatro unidades temáticas, que ilustram de forma honesta e deli-
cada alguns dos fenômenos que circundam a educação, trazendo impressa
aquela complexidade inerente a esse campo.
A obra é um convite a imergir no enredado itinerário educa-
cional. Fornece-nos pistas acerca dos elementos que compõem a paisagem
da educação brasileira, englobando temas como: educação inclusiva e di-
versidade; política, história e educação; formação docente, metodologias e
didática; tecnologias educacionais e experiência no ensino remoto.
Aproveitem a leitura!
Jarles Lopes de Medeiros
Vanessa Pinto Rodrigues Farias

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SUMÁRIO

PREFÁCIO
Jarles Lopes de Medeiros
Vanessa Pinto Rodrigues Farias
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CAPÍTULO I
EDUCAÇÃO INCLUSIVA E DIVERSIDADE

A PANSOFIA DE COMENIUS E SEUS DESDOBRAMENTOS PARA A


EDUCAÇÃO INCLUSIVA
Nádja Diógenes Maia
Mádja Diógenes Maia
Marcos Adriano Barbosa de Novaes
Maria das Dores Mendes Segundo
- 19 -

“É PRECISO AMOR PRA PODER PULSAR”: A PSICOPEDAGOGIA


E A ARTE DE TRANSFORMAR A EDUCAÇÃO
Kawslávya Araújo Bessa
Sidarta Nogueira Cabral
Ana Paula Vasconcelos de Oliveira Tahim
- 31 -

AUDIODESCRIÇÃO NA SALA DE AULA REGULAR: ESTRATÉGIAS


PARA ACESSIBILIZAR IMAGENS PARA ALUNOS NÃO VIDENTES
E VIDENTES
Nádja Diógenes Maia
Mádja Diógenes Maia
José Ernandi Mendes
- 47 -

O DISCURSO PUBLICITÁRIO COMO VIA DE DESCONSTRUÇÃO


DO RACISMO NO BRASIL
Maria Regislane Frota Félix
Francisco Moura Valente Junior
- 61 -

- 11 -
PATRIARCADO, TRABALHO E EDUCAÇÃO: AS QUESTÕES DE
GÊNERO E RAÇA/COR NO MERCADO DE TRABALHO
Maria Helena Rodrigues Campelo
José Cristiano Lima Pereira
- 73 -

SIGNOS E SIGNIFICADOS ENTRE EDUCAÇÃO E SAÚDE MEN-


TAL: APROXIMAÇÕES PRÁTICAS E LEGAIS DA PERSPECTIVA
INCLUSIVA
Ana Cristina Silva Soares
Ana Paula Soares Gondim
- 85 -

CONTRIBUIÇÕES DAS TECNOLOGIAS DIGITAIS PARA A CONS-


TITUIÇÃO DE UMA ESCOLA INCLUSIVA
Gabriela Lopes de Sousa
Maria Gabriela Cunha Appleyard
Vivian Kelly Pereira Lima
- 95 -

CAPÍTULO II
POLÍTICA, HISTÓRIA E EDUCAÇÃO

O PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO PARA UMA EDUCAÇÃO


DE QUALIDADE
Alana Cristina Maciel Matos
Maria José Gonçalves Bernardo
- 109 -

NOS TRILHOS DA PEDAGOGIA DE FERRO DO CAPITAL:


EDUCAÇÃO E (DE)FORMAÇÃO DO TRABALHO
Fábio José Cavalcanti de Queiroz
Nivânia Menezes Amâncio
- 119 -

AS MISSÕES RELIGIOSAS E AS INSTITUIÇÕES ESCOLARES NA


BAIXADA E LITORAL OCIDENTAL MARANHENSE (1957-1967)
Alda Margarete Silva Farias Santiago
- 131 -

- 12 -
INFÂNCIAS E O ROMANCE MEMORIALÍSTICO MENINO DE EN-
GENHO: LITERATURA COMO FONTE À HISTÓRIA DA INFÂNCIA
Thatianny Jasmine Castro Martins de Carvalho
Vanessa Pinto Rodrigues Farias
- 141 -

CAPÍTULO III
FORMAÇÃO DOCENTE, METODOLOGIAS
E DIDÁTICA

PROCESSOS CRIATIVOS E FORMATIVOS DA CIA. ORTAET DE


IGUATU: POR UMA PEDAGOGIA DA CENA
José Brito da Silva Filho
Antonio Juscelino Barbosa dos Santos
José Cláudio Leôncio Gonçalves
- 155 -

PRODUÇÃO TEXTUAL NO ENSINO FUNDAMENTAL I:


REFLEXÕES DOCENTES
Polyana Nogueira Dias
Jarles Lopes de Medeiros
- 169 -

METODOLOGIAS ATIVAS PARA A EDUCAÇÃO: REFLEXÕES


INICIAIS
Ana Paula Vasconcelos de Oliveira Tahim
Liege Santos Soares
Luiza Isabel Alencar Mota
- 175 -

OLHARES SOBRE O PROCESSO DE FORMAÇÃO E IDENTIDADE


DOCENTE: UMA ARTICULAÇÃO A PARTIR DA DIDÁTICA
Antônia Edivaneide de Sousa Gonzaga
Antônio Marcone de Oliveira
Maria Elizângela da Penha
- 185 -

- 13 -
(TRANS)FORMAÇÃO PEDAGÓGICA: A COLABORAÇÃO NA FOR-
MAÇÃO DE PROFESSORES ALFABETIZADORES NO PROGRAMA
RESIDÊNCIA PEDAGÓGICA (RP)
Aurinete Alves Nogueira
Vanessa Pinto Rodrigues Farias
- 197 -

CAPÍTULO IV
TECNOLOGIAS EDUCACIONAIS E EXPERIÊNCIAS NO
ENSINO REMOTO

MOBILE LEARNING: O SMARTPHONE COMO FERRAMENTA DE


APRENDIZADO E TREINAMENTO CORPORATIVO
Francisco Jaques Morais de Oliveira
- 209 -

EDUCAÇÃO EM TEMPOS DE PANDEMIA: AS REDES SOCIAIS


COMO INSTRUMENTOS PEDAGÓGICOS DE COMUNICAÇÃO
ENTRE ALUNOS, FAMÍLIAS E ESCOLAS
Karyanne Moreira da Silva Nogueira Rosa
Keyllyanne Desterro Cardoso
Suzana Andréia Santos Coutinho
- 217 -

REFLEXÕES SOBRE O ENSINO DA LEITURA: CONCEPÇÕES E


PRÁTICAS DE PROFESSORES ALFABETIZADORES DURANTE AS
AULAS REMOTAS NO MUNICÍPIO DE FORTALEZA
Milene Kinlliane Silva de Oliveira
- 227 -

POR UMA PEDAGOGIA DA AUTONOMIA NO ENSINO REMOTO


Edvaldo Costa Rodrigues
Maria Carla dos Santos Nogueira
- 239 -

- 14 -
EDUCAÇÃO E ENSINO REMOTO NO CONTEXTO DA PANDEMIA:
A EXPERIÊNCIA DA EEMTI DESEMBARGADOR RAIMUNDO DE
CARVALHO LIMA
Walnysse Maria Rodrigues Gonçalves
Ramon Fernandes Ramos
Rosângela Nascimento Da Silva
Jarles Lopes De Medeiros
Alexsandra Dos Santos Barbosa
Tiago Souza de Jesus
- 251 -

SOBRE OS(AS) AUTORES(AS)


- 261 -

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CAPÍTULO I

EDUCAÇÃO INCLUSIVA
E DIVERSIDADE

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- 18 -
A PANSOFIA DE COMENIUS E SEUS
DESDOBRAMENTOS PARA A
EDUCAÇÃO INCLUSIVA1
Nádja Diógenes Maia
Mádja Diógenes Maia
Marcos Adriano Barbosa de Novaes
Maria das Dores Mendes Segundo

Introdução
A sociedade capitalista contemporânea, em crise estrutural é
marcadamente destrutiva, exploradora e excludente, provocando severos
danos à classe trabalhadora, tanto nos aspectos sociais, físicos e intelec-
tuais. Em contraponto a essa realidade, estudos acadêmicos dos últimos
30 anos, resultantes de demanda social, tem debatido o tema da inclusão,
principalmente a educacional.
Dentre os vários intelectuais que pensaram sobre a inclusão
educacional, abordaremos as ideias de Comenius por considerar pioneira
e original, ao defender uma educação para todos, em mundo medieval, em
que o conhecimento era exclusivamente para nobres e clero.
Antes de apreender as categorias principais idealizadas por Co-
menius na sua compreensão de mundo, sociedade e individuo, resgatamos
em linhas gerais, no contexto histórico a Vida e Obra de Jan Amos Come-
nius.
Natural da Morávia, atual República Checa e Eslováquia, Co-
menius nasceu em 1592, período em que o protestantismo estava em fase
de desenvolvimento e conflito com o catolicismo. Esses acontecimentos
foram significativos para a formação de Comenius que frequentou a es-
cola Unitas Fratum Bohemorum, em 1604-1605; a escola latina da Unitas
Fratrumem Prerov, de 1608 a 1611; com estudos teológicos na Faculdade
calvinista de Herborn, em Nassau, em 1611. Em 1613, matricula-se na Fa-
culdade de teologia de Heidelberg a fim de aperfeiçoar seus conhecimentos
de astronomia e matemática, posteriormente, em 1614, influenciado pelas
ideias pedagógicos que teve acesso em Prerov.
Dentre as muitas obras produzidas por Jan Amos Comenius,
grande parte foram destruídas, em decorrência das constantes persegui-
ções sofridas pela família de Comenius, conhecidos como irmãos Morá-
1 Artigo apresentado no III Congresso Nacional de Educação (Conedu), de 2016.

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vios da qual ele fazia parte, inclusive a obra Didática Magna2.
Baseado nas ideias da Didática Magna, objetivamos com o pre-
sente trabalho analisar a influência da pansofia de Comenius para a trajetó-
ria da educação inclusiva na contemporaneidade, bem como compreender
o que seria a pansofia de Comenius.
Para isso, dividimos o trabalho em duas questões fundamentais:
o que seria essa concepção educacional de ensinar tudo a todos? Quais as
influências de Comenius sobre as formulações das políticas públicas edu-
cacionais voltadas para a inclusão?
Com o propósito de responder a tais inquietações, utilizamo-
-nos de estudos bibliográficos, na luz de Nowill (2009), Brasil (2001, 2005,
2008, 2012), Comenius (1997), Fortaleza (2010), Salvi (2002), declaração
de Salamanca (1994), Declaração Universal Dos Direitos Humanos (1948).
De maneira que nos fosse possível averiguar como os pensa-
mentos pioneiros de Comenius em relação a educação inclusiva foram
sendo introduzidos no decorrer da história das políticas educacionais, a
inclusão começou a ganhar foco na agenda educacional e pode realmente
começar, minimamente, a modificar uma realidade excludente.

Comenius e a arte de ensinar tudo a todos


Para começarmos a falar da perspectiva pedagógica de Come-
nius se faz necessário apresentarmos a sistematização da sua principal obra
a Didática Magna3 considerada importante obra que versa sobre seus prin-
cípios pedagógicos, formação humana. A obra recebeu como título inicial
“Didática Theca”, começou a ser escrita em 1628 e concluída em 1632 ten-
do como foco o povo checo. A obra comeniano é caracterizada pela sua
analogia da natureza com seu ideário educacional.
Publicada inicialmente na Opera Didáctica Omnia, em Amster-
dam em 1957, vale ressaltar que a obra foi publicada somente após a morte
de Comenius:
A Didática tcheca nunca foi publicada durante a vida de Comenius:
conservado em Leszno, o manuscrito original foi encontrado em
1841 por J. Purkyně, e, com ajuda de Fr. Palacký, levado da Polônia
para a Biblioteca do Museu Nacional de Praga, onde ainda se encon-
tra. Foi publicado pela primeira vez em Praga no ano de 1849, por W.
W. Tomek (COMENIUS, 1997, p. 4).

2 Esta obra, iniciada em 1628 e finalizada em 1632, traz os pensamentos fundamentais de Comenius e
sua Pansofia, que seria a arte de ensinar tudo a todos, num propósito educacional de que o saber fosse
universal. Vale ressaltar que este tratado foi escrito sobre a luz das influencias dos autores protestantes,
principalmente Martinho Lutero, Filipe Melanchthon e João Calvino.
3 Estruturalmente a Didática Magna é composta por trinta e três capítulos que tratam dos fundamentos
teológicos e filosóficos da educação, apresentando a religião como único vetor para se conquistar vida boa
e feliz. Comenius discute a formação do homem para ele o homem para ser homem necessita ser formado
e que a educação se dará pela educação e que essa formação deve iniciar na primeira idade.

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Comenius já pensava em algumas questões que hoje se fazem
presentes nos debates no campo educacional, como a educação inclusiva,
a educação para a mulher “[...] as mulheres assim como os homens, são
imagens de Deus, participam da graça divina e do reino do século futuro;
também são dotadas de inteligência aguçada e aptas ao saber [...]” (CO-
MENIUS, 1997, p. 91). Este grande pensador já defendia uma formação
continuada, tema que se faz presente nas políticas educacionais, em âmbito
mundial, reeditada como se fosse uma ideia original, mas conforme foi
dito, Comenius, atribuía a educação um processo contínuo.
A concepção educacional de Comenius marca desde modo o
nascimento da pedagogia moderna, em defendia que todos são passiveis de
aprender, almejando, nesta direção, que a educação alcançasse a todos, dos
lugares mais distantes do interior, pois, assim afirmava que nunca se sabe
onde estará o melhor engenho das pessoas, onde estará o melhor cérebro,
que poderia nascer no meio muito rico ou no meio pobre, ou seja, todos os
jovens, independentes da sua condição social, devem ser enviados a escola.
Comenius fazia crítica à escola da sua época, denunciando os
métodos didáticos utilizados por ela, a aprendizagem “[...] eram à base de
chicotadas, pancadas, com métodos violentos, obscuros, confusos, duros,
tornando as escolas ineficientes, transformando-as em locais de tortura
[...]” (FORTALEZA, 2010, p. 75). Neste sentido é que Comenius propõe
a criação do seu próprio método4 que objetiva ensinar tudo a todos. To-
davia, dado os limites históricos, o ensino de todos limitava-se aos jovens
cristãos.
Além do método, Comenius elaborou alguns princípios para se
alcançar um ensino rápido e conciso. Defendia um que para cada escola,
ou ao menos para cada classe, deverá ser designado apenas um preceptor.
Buscava um ensino que propiciasse ao educando uma educação de qua-
lidade. Para ele o importante era para cada matéria estudada seria traba-
lhado apenas um ator com a finalidade de que o educando apreendesse
melhor o conteúdo, para ele o uso de vários autores poderia culminar na
distração do educando diante tanta informação, para ele “[...] o tempo que
seria gasto no estudo de muitos autores seria melhor aproveitado se dedi-
cado ao estudo de um único autor [...]” (FORTALEZA, 2010, p. 89).

4 O método de ensino e aprendizagem comeniano é composto de três etapas denominadas por ele de análi-
se, síntese e síncrise. Segundo Fortaleza (2015), a síntese se refere à recomposição das partes no seu todo,
a importância está por ser integradora e globalizante. Ainda conforme Fortaleza (2015), a segunda etapa a
análise já parte da decomposição das partes que até então era ocultas, mas que são apresentadas a percep-
ção dos olhos e a compreensão da mente [...]. Uma vez, distinguindo as coisas, surge a luz; ao contrário
geram confusão. A análise faz perceber as coisas de forma clara e distintamente [...] (FORTALEZA, 2010,
p. 78). Por último a síncrise serve para comparar uma coisa com outra realizada mentalmente, é através do
método sincrético que o educando poderá [...] discernir o que é o melhor de todo o resto. Ou seja, consiste
na comparação de coisas semelhantes [...] (FORTALEZA, 2010, p. 78).

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Comenius defendia que o uso mesmo método para o ensino de
todas as disciplinas e línguas, pois, o uso de vários métodos dificultaria o
aprendizado do educando.

Os métodos eram múltiplos e variados: cada escola, aliás, cada pre-


ceptor, tinha um; acontecia até mesmo de um preceptor usar um
método para determinada arte ou língua, outro para outra e – o
que é pior – mudar de método até para ensinar a mesma matéria, e
por isso raramente os alunos entendiam do que se estava tratando.
Daí derivavam dúvidas e atrasos, e às vezes certas disciplinas causa-
vam tanta náusea e enjôo antes mesmo que os alunos fossem postos
diante delas que muito sequer sentiam vontade de experimentá-las
(COMENIUS, 1997, p. 205).

Comenius pensou numa educação que fosse caracterizada por


um ensino rápido, que não fosse cansativo. O ensino deveria ser sólido,
instruído articulando teoria e prática. Defendia uma formação completa
do ser humano, que abrangesse o saber filosófico, metafísico, pedagógico,
religioso e social todos esses conhecimentos, Comenius chamou de Panso-
fia que seria um saber universal.
Nesta direção, Comenius pensou em uma reforma do sistema
de ensino, estruturou a divisão da organização escolar de acordo com a
idade do educando, ele acreditava que para o ensino da arte, ciência e lín-
gua era necessário, aproximadamente, vinte e quatro anos divididos em
períodos sempre tendo a natureza como parâmetro.
Comenius divide o período do crescimento em quatro momen-
tos são eles: infância, meninice, adolescência e juventude cada um deles
compreende a seis anos tendo uma escola específica. Para infância (I) e
meninice a escola deve ser o regaço materno, o exercício literário (escola
vernácula pública). Para a adolescência (III) e a juventude (IV) estariam
destinados a escola latina, ou ginásio, a academia e as viagens. “[...] A es-
cola materna deve estar em todas as casas; a vernácula, em todas as comu-
nidades, burgos ou aldeias; o ginásio, em todas as cidades; a Academia, em
todos os reinos e nas províncias maiores [...]” (COMENIUS, 1997, p. 320).
Comenius atenta para as diferenças entre essas escolas.
Segundo Comenius (1997), a primeira diferença consiste em
ensinar às crianças menores as coisas de modo mais geral e elementar, e
mais adiante nas outras escolas posteriores, o ensino deve ser dado de for-
ma mais particularizada e distinta.
O filósofo destaca outras diferenças, na escola materna, o edu-
cando deve ser formado a exercitar os sentidos externos para que se use de
maneira correta no conhecimento dos objetos. Na escola vernácula seriam
trabalhados os sentidos internos “[...] que são a imaginação e a memó-

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ria, seus órgãos respectivos, que são a mão e a língua: lendo, escrevendo,
pintando, cantando, contado, medindo, pensando, aprendendo de cor etc
[...]” (COMENIUS, 1997, p. 321). Já no tocante ao ginásio e as academias,
Comenius afirma:

[...] No ginásio formam-se a inteligência e o juízo sobre as coisas


captadas através dos sentidos, com o uso da dialética, da gramática,
da retórica e de todas as outras ciências e artes ensinadas segun-
do o ‘como’ e o ‘porquê’. As academias, enfim formarão as coisas
que pertencem à vontade, ensinando a manter as faculdades em
harmonia (e a restabelecer a harmonia daquilo que dela se afas-
tar), possibilitando o estudo da teologia no que se refere à alma, da
filosofia no que se refere à mente, da medicina no que se refere às
funções vitais do corpo, da jurisprudência no que se refere aos bens
externos (COMENIUS, 1997, p. 321).

A terceira e última diferença, Comenius propõe o público alvo


para cada escola, a materna e vernácula seria destinada aos jovens de am-
bos os sexos. Para este pensador, a escola latina5 estaria à disposição daque-
les que desejam trabalhos mais elevados que os manuais, já as academias
seriam responsáveis pela formação dos professores e dirigentes “[...] para
que na Igreja, na Escola e no estado nunca faltem pessoas aptas a assumir
funções de direção [...]” (COMENIUS, 1997, p. 322).
Por fim, Comenius compara todos estes tipos de escolas com
a natureza, mais uma vez se referindo às quatro estações do ano. A escola
materna lembra a primavera com seus botões e flores cheirosos, a vernácu-
la refere-se ao verão tendo como característica as espigas maduras e frutos
precoces. O ginásio assemelha-se ao outono que agrega os ricos frutos do
campo, pomares e vinhas e a academia ao inverno que colhe os frutos para
usá-los por todo o sempre.

A influência de Comenius para a trajetória da educação inclusiva


No atual discurso de inclusão educacional e social das pessoas
com deficiência, nos questionamos sobre a efetivação desse direito social,
visto que mesmo tendo passado por diversas mudanças de nomenclaturas,
a educação inclusiva ainda é algo que remete a preconceitos.
Não é a toa que esse tema é tão delicado de abordar, todo novo
conceito traz em si vestígios de uma história, muitas vezes pejorativa, e
5 A escola latina era voltada para os adolescentes de doze e dezoito anos, onde seriam ensinados conteúdos
que eram considerados como Artes, aprendendo quatro idiomas: o vernáculo, latim, grego e hebraico.
Assim esses adolescentes estariam aptos para ocuparem funções de gramáticos, dialéticos, retóricos ou
oradores, aritméticos e geômetras, músicos e astrônomos. A escola latina buscava também alcançassem
o mais alto grau de formação, capacitando-os para se tornarem físicos, geógrafos, cronologistas, historia-
dores, éticos e teólogos.

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o termo Aluno com Necessidade Educacional Especial não assume uma
posição muito diferente a isso. Como nos afirma a citação:

A história aponta e registra as diversas etapas de abandono, exter-


mínio e estigmatização sofridas pelas pessoas com deficiência [...]
Que experimentaram um duro processo de desvalorização e de ex-
clusão social. [...] Por não haver conhecimento e maior divulgação de
esclarecimentos sobre a problemática da deficiência, os que por ela
são acometidos se veem desprezados pela comunidade a qual estão
inseridos. Assim, diferentes povos em diferentes épocas dedicaram
formas e atitudes sociais diversas às pessoas com deficiência (NO-
WILL, 2009, p. 30).

Durante um longo período na história da humanidade, as ações


e expressões que rotulavam e estereotipavam as pessoas com deficiência
traziam consigo uma ideologia muito marcante do período e local de de-
terminada sociedade. Em períodos como a antiguidade pagã encontramos
relatos de isolamento e até mesmo extermínio. Até o século XV, os recém-
-nascidos que apresentavam alguma deformação tinham que ser jogados
nos esgotos da Roma Antiga. Com o apogeu do cristianismo, principal-
mente durante a Idade Média, transformou-se a maneira como a socieda-
de via os deficientes que passaram a ser tratados de forma assistencialista
como meio de barganhar a salvação celestial. A partir do século XVI, em-
bora reclusas e escondidas em lugares distantes, essas pessoas passaram a
ser recebidas em asilos, conventos e albergues.
A questão da inclusão educacional se coloca como uma temáti-
ca nova, embora sempre tenham existido pessoas deficientes. É no emer-
gir do século XX que os indivíduos com deficiências vão vivenciar novas
atitudes, passando a ser considerados como cidadãos, sendo a Declaração
Universal dos Direitos Humanos, em 1948, um passo importante no longo
processo de reconhecimento da pessoa com deficiência.

Artigo I: Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e di-


reitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação
umas às outras com espírito de fraternidade.
Artigo II: Toda pessoa tem capacidade para gozar os direitos e
as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de
qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião
política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza,
nascimento, ou qualquer outra condição (DECLARAÇÃO UNI-
VERSAL DOS DIREITOS HUMANOS, 1948).

Percebemos que a Declaração Universal dos Direitos Humanos


entra em concordância com os pensamentos de Comenius, quando este
afirmava que o nosso cérebro tem o potencial para aprender tudo e não se

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exclui ninguém já que todos podem aprender, seja mulher, homem, esteja
em qualquer condição social são sempre possível aprender e em conjunto,
pois seus princípios são pautados no respeito e a arte do respeito também
se faz na escola.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos trouxe em si o
incentivo às diversas outras políticas e legislações que surgiram posterior-
mente na tentativa de estabelecer uma vivência mais digna para as cha-
madas “Minorias Sociais”, dentre essas condições de qualidade de vida, a
educação passa a ser um dos focos, segundo vemos na década de 1990
tanto com a Declaração de Jontien (1990), de Educação Para Todos (EPT),
quanto com a Declaração de Salamanca (1994), sobre Educação Especial.

Reconvocando as várias declarações das Nações Unidas que cul-


minaram no documento das Nações Unidas ‘Regras Padrões sobre
Equalização de Oportunidades para Pessoas com Deficiências’, o
qual demanda que os Estados assegurem que a educação de pes-
soas com deficiências seja parte integrante do sistema educacional.
(DECLARAÇÃO DE SALAMANCA, 1994).

Dessa maneira, notamos claramente a influência dos preceitos


da Didática Magna estão presentes tanto para a Declaração de Jontien,
quando propõe uma igualdade que parte da diferença e a sustenta enquan-
to diversidade; quanto na Declaração de Salamanca, sobre educação es-
pecial, quando compreendemos que as oportunidades educacionais para
as pessoas com deficiência, expressadas em ambas declarações, estão de
acordo com o pensamento de Comenius de pansofia, ou seja, a arte de
ensinar tudo a todos, pois ele acreditava que todos tinham a capacidade de
aprender e que tudo deveria ser ensinado a todas as pessoas estivesse ela
qual fosse sua condição física, social ou financeira.
O Brasil nas últimas décadas passou por significativas mudan-
ças em termos de políticas públicas voltadas para as pessoas com deficiên-
cia tendo como base as referidas declarações já citadas, embora a nossa
Constituição Federal (1988) que já trazia em si os vestígios da Declaração
Universal dos Direitos Humanos. Um avanço que podemos considerar,
apesar da barbárie que vivenciamos, cotidianamente, impregnadas de pre-
conceitos e intolerância com as diversidades, e é que documentos elabo-
rados em fóruns mundiais relativos a educação e saúde das pessoas com
algum tipo de deficiência, tem evoluído na direção de apresentar novos
conceitos e definições, organização social e de trabalho, e a necessidade do
respeito aos seus direitos fundamentais que ganham visibilidade, embora
esta ainda seja pequena.

- 25 -
Com a Declaração de Salamanca que trata sobre a educação es-
pecial, questiona a integração social dessas pessoas, defende que a inclusão
social começa a ser abordada nacionalmente, em cada país. Mesmo con-
siderando que a referida declaração ainda se se paute no modelo de inclu-
são sob o cunho medicinal, sendo, aos poucos adotado a perspectiva do
modelo social nas políticas públicas, se consistiu em avanços importantes,
por influenciar significativamente marcos legais de países como o Brasil,
a exemplo da nossa própria Lei de Diretrizes e Bases (LDB) (1996) e dos
Parâmetros Curriculares Nacionais de Adaptações Curriculares (1999).
Posterior à Declaração de Salamanca, a nossa Legislação educa-
cional passa a ampliar os direitos dos deficientes com a criação da Política
Nacional de Educação Especial, visto que é por meio da educação que se
inicia a inclusão social, “inclusão essa que pode ser compreendida como o
processo de criar um todo, de juntar todas as crianças e fazer com que to-
das aprendam juntas” (STAINBACK apud SALVI, 2002, p. 3). Esse ideário
de que todas as crianças têm a capacidade de aprender tudo e em conjunto,
nos remete novamente a Comenius e seus princípios de pansofia.
Os movimentos em defesa da inclusão das pessoas com defi-
ciência passaram a ter relevância nacional ao longo do século XX, na dé-
cada de 1990, o que significou avanços sociais para todos, e só assumiu
tamanha repercussão quando os vários grupos de pessoas com deficiência
se posicionaram frente às reivindicações políticas, bem recentemente, nos
anos 2006 e 2008 essa luta se mostrou ainda estar viva, conforme Brasil
(2012, p. 12 - 13):

Com o lema: ‘nada sobre nós sem nós’, a defesa dos interesses polí-
ticos dos grupos que representam as pessoas com deficiência con-
seguiu, ao longo dos últimos anos, ampliar o seu espaço também
no cenário político nacional. A participação efetiva de pessoas com
deficiência na definição de políticas públicas denota um aumento
na maturidade brasileira em torno dessa temática. É singular cons-
tatar que ações, planos e programas que vem sendo desenhados
pelo governo federal tem se orientado pelo resultado dessa parti-
cipação, com destaque para as deliberações das I e II Conferências
Nacionais sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, realizadas
respectivamente em 2006 e em 2008.

Os direitos das pessoas com deficiência passam a ter amparo


legal de cunho mundial, com a Convenção de Guatemala Interamericana
(2011), que os considera cidadãos igualmente livres. Outros países basea-
ram-se nessas disposições que passaram a caracterizar suas legislações com
o pensamento fraterno e humanista disseminado.

- 26 -
A discussão sobre a inclusão escolar e social ampliam horizonte
de atuação e vários dispositivos são lançados para fortalecer o pa-
radigma em construção. Dentre eles, a (Convenção de Guatemala
Interamericana para a Eliminação de todas as formas de discrimi-
nação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência – 2011) reafirma
que: ‘as pessoas portadoras de deficiência têm os mesmos direitos
humanos e liberdades fundamentais que outras pessoas e que estes
direitos, inclusive o direito de não ser submetidas à discriminação
com base na deficiência, emanam da dignidade e da igualdade que
são inerentes a todo ser humano’. (NOWILL, 2009, p. 32).

Todo esse percurso histórico revelam traços do pensamento que


Comenius a respeito de inclusão de educação para todos, que, consideran-
do os limites da sociabilidade em que viveu, em consonância a prática co-
tidiana e principalmente com sua religião, apresenta avanços até hoje ree-
ditados, na elaboração de soluções para além de seu tempo, o que o fez ser
um pioneiro sobre as questões de inclusão, segundo Fortaleza (2015, p. 50):

Todos esses motivos fortaleceram para que Comenius se tornasse


um grande inovador e antecipador de problemas e soluções que são
próprios da Modernidade, mas isso não pode levar a separá-lo da
cultura de seu tempo. A sua grandeza se manifesta no fato de ser
um pensador comprometido com novos ideais numa época trágica.
(FORTALEZA, 2015, p. 50).

Dentre os avanços que a obra Didática Magna traz, destacamos


a construção do conhecimento em Comenius, inerente a educação formal
na escola, em deveria atender as seguintes necessidades: ter prontos os li-
vros e todos os outros instrumentos didáticos; que o intelecto seja formado
antes da língua; que não se aprenda nenhuma língua a partir da gramática,
mas apenas a partir de autores apropriados; as disciplinas reais devem pre-
ceder as lógicas; os exemplos devem preceder as regras.
Asseveramos que as ideias de Comenius trouxeram significa-
tivas mudanças para a educação. Antes a implementação das ideias dele,
as coisas interligadas por natureza sempre foram consideradas sem nexo;
ensinava-se apenas a ler, adiando-se em meses o ensino da escrita; as ar-
tes e as ciências eram ensinadas de modo enciclopédico; os métodos eram
múltiplos e variados: cada escola, aliás cada preceptor, tinha seu próprio
método; faltava um método para ensinar ao mesmo tempo todos os alunos
de uma mesma classe, enquanto se fazia grande esforço para ensinar a cada
um em particular. No entanto, posterior à Didática Magna notamos alguns
avanços importantes, como vemos a seguir:

Para cada escola, ou mesmo para cada classe, deverá ser designado
apenas um preceptor; Para cada matéria, um só autor; Um úni-

- 27 -
co e idêntico trabalho deverá constituir empenho comum de toda
classe; Todas as disciplinas e línguas devem ser ensinadas como
um único método; Tudo deve ser ensinado a partir de princípios
primeiros de modo breve e essencial, para que o intelecto se abra,
como uma chave e todas as coisas se exponham diante dele; Tudo
deve ser ensinado segundo graus ininterruptos, de tal modo que o
que for apreendido hoje, reitere o de ontem e abra caminho para o
amanhã (COMENIUS, 1997, p. 208).

Além da inclusão escolar, Comenius pode ser ovacionado por


tratar de questões que para nossa época já são polissêmicas e polêmicas,
quanto mais para a época em que ele se situava. Dentre essas questões po-
demos destacar as de Gênero, visto que Comenius cita as grandes mulheres
do Egito que governavam com maestria; ele falava em educação integral a
qual deveríamos dedicar 33 anos das nossas vidas exclusivamente à forma-
ção educacional pautado na humanidade, pois “somos autores do mun-
do”, assim como também de incentivar uma relação ensino-aprendizagem
como prazerosa e criativa.
Dessa forma Comenius torna-se um autor tanto atual quanto
válido e fundamental para a agenda educacional contemporânea que busca
equacionar a educação inclusiva em contraste com o bojo da exclusão de
um sistema capitalista que grita pela convivência e aceitação do entendi-
mento do outro em qualquer situação em que esteja, pois, ainda conforme
Comenius, a educação deve estar no subúrbio, na cidade, nos lugares mais
distantes, porque nunca se sabe onde estará o melhor “engenho” e esse só
poderá ser aproveitado se colocada a educação à serviço de todos, pois o
homem para ser do gênero humano precisa ser formado, pois não nasce-
mos prontos, vamos sendo construídos subjetivamente e objetivamente,
no e pelo trabalho, até nos tornamos um ser social. Neste processo de for-
mação do homem, a educação tem papel primordial para geração futuras,
na transmissão dos conhecimentos, habilidades e potencialidades adqui-
ridas pelo homem, enquanto gênero humano, no processo de trabalho e
domínio da natureza.

Considerações finais
A obra de Comenius foi de estrema importância por já pensar
em temas polêmicos abordados na atualidade que vai desde o direito ao
acesso a escola para mulheres, jovens, deficientes, até o atual discurso de
Educação Para Todos. Comenius defendia que o ensino eficaz se daria
mediante a atenção e cuidado na organização das tarefas e o princípio da
aprendizagem partiria do mais simples ao mais complexo, do concreto ao
abstrato.

- 28 -
Sua proposta de ensinar tudo a todos era baseada no ideal da
pansofia ou saber universal onde se esperava que fossem dadas as mesmas
condições de aprendizado a todos sobre todos os assuntos. A escola deve-
ria, assim, respeitar o ritmo individual a tal ponto que estava previsto na
Didática Magna, em que Comenius indicava 33 anos exclusivos aos estu-
dos e com carga horária bem dividida de forma que não estressasse o aluno
e que o processo de ensino aprendizado se desse de maneira prazerosa e
fluida.
Em meados do século XX, quando a conjuntura passa a exigir
um posicionamento mais ativo contra o gritante quadro de exclusão so-
cial e econômica das populações pobres no contexto da crise do capital, as
ideias de Comenius ganham destaque e voltam a ser discutidas com mais
afinco na tentativa de amenizar ou reverter tamanha desigualdade e injus-
tiça social. As diversas declarações e conferencias ou encontros mundiais
de educação que ocorreram no final do século XX e início do século XXI,
bem como as modificações legais em decorrências dos mesmos, revelam
que não só a obra de Comenius foi visionária, por abarcar temáticas que
se mostram deveras atuais, como também nos proporcionou lançar novos
olhares para a perspectiva de lutas e persistência na busca por melhoria da
qualidade de vida das minorias sociais.

Referências
BRASIL. Avanços das políticas públicas para as pessoas com deficiência
– uma analise a partir das conferências nacionais. Secretaria Nacional de
Promoção dos direitos da Pessoa com Deficiência e Secretaria de Direitos
Humanos da Previdência da República, 2012.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. São Paulo. Sa-
raiva, 2005.
BRASIL. Ministério da Educação. Política Nacional de Educação Espe-
cial na Perspectiva da Educação Inclusiva. Secretaria de Educação Espe-
cial – MEC/SEESP, Brasília, 2008.
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Reso-
lução n. 2 de 2 de setembro de 2001. Estabelece as Diretrizes Nacionais
para a Educação Especial na Educação Básica. Secretaria de Educação Es-
pecial – MEC/SEESP, 2001.
COMENIUS. Didática Magna: tradução de Ivone Castilho Benedetti. São
Paulo: Martins Fontes, 1997.
DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS. Adotada e
proclamada pela resolução 217 A (III) da Assembleia Geral das Nações

- 29 -
Unidas em 10 de dezembro de 1948.
DECLARAÇÃO DE SALAMANCA. Sobre Princípios, Políticas e Práticas
na Área das Necessidades Educativas Especiais. UNESCO, Salamanca, Es-
panha, 7-10 de Junho de 1994.
FORTALEZA, Weliton Carrijo. Educação e Religião em Comenius na
sua Didática magna. 2010. 142f. Dissertação (Mestrado em Ciências da
Religião). Faculdade de Humanidades e Direito, Universidade Metodista
de São Paulo, São Bernardo do Campo, 2010. Disponível em: http://ibict.
metodista.br/tedeSimplificado/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=2544
> Acesso em: 15 abr. 2015.
FUNDAÇÃO DORINA NOWILL. Sobre a deficiência visual no
Brasil. Disponível em: http://www.fundacaodorina.org.br/deficien-
cia-visual/?gclid=CIHz-b2kn74CFWIF7AodrBgA9w. Acessado em: 09 de
maio de 2014.
SALVI, Inez. A inclusão da pessoa com necessidades educativas especiais
no contexto educacional. Revista Leonardo pós órgão de Divulgação
Científica e Cultural do ICPG., v.1, n.1, jan./jun, 2002.
SUCHODOLSKI, B. A Pedagogia e as Grandes Correntes Filosóficas.
Lisboa: Livros Horizonte, 1984.

- 30 -
“É PRECISO AMOR PRA PODER PULSAR”:
A PSICOPEDAGOGIA E A ARTE DE
TRANSFORMAR A EDUCAÇÃO
Kawslávya Araújo Bessa
Sidarta Nogueira Cabral
Ana Paula Vasconcelos de Oliveira Tahim

Introdução
A Psicopedagogia é uma área de atuação profissional que tem
como principal objeto de estudo o sujeito que constrói sua aprendizagem.
Essa construção se dá de modo singular, através de uma dinâmica de re-
lacionamento com o mundo e na integração do sujeito com seus aspectos
emocionais, cognitivos, sociais, físicos, familiares, dentre outros.
A psicopedagogia é uma área de conhecimento e prática de
avaliação e intervenção que está envolvida com uma visão integral do ho-
mem e com a dinâmica do encontro na situação de aprendizagem. Assim,
o olhar e a postura terapêutica são condições necessárias na dialógica pro-
fessor-aluno e psicopedagogo-cliente (GAGALI, 2005).
Para tanto, a psicopedagogia deve atuar nos processos de edu-
cação e saúde no que diz respeito aos processos de aprendizagem, deve
ainda, pensar no sujeito considerando seus aspectos familiares, escolares,
sociais e sócio-históricos (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PSICOPEDA-
GOGIA, 2019).
A psicopedagogia desenvolve seus estudos e aprimora seus ins-
trumentos com o intuito de compreender mais precisamente o processo
de aquisição do conhecimento pelo homem, percebendo a dimensão de
ressignificar o saber e essa construção vivida entre o homem e o mundo em
constante movimento (OLIVEIRA, 2014, p. 12).
Tratando especificamente sobre a psicopedagogia institucional,
o profissional deve lidar com a aprendizagem significativa, ou seja, ir além
da simples transmissão de conteúdos e traçar estratégias que alcancem os
alunos (PATERRA; RODRIGUES, 2014).
Diante do que foi exposto, propomos como objetivo desse estu-
do investigar as contribuições da arte como instrumento psicopedagógico
de transformação dos processos educativos nas instituições escolares. Para
tanto, torna-se necessário: apresentar como a arte afeta o sujeito aprenden-
te nos seus aspectos globais; tratar sobre o papel da arte nos processos de
ensino e aprendizagem; apontar para o lugar da arte na psicopedagogia.

- 31 -
É necessário salientar que não nos referimos aqui ao ensino da
arte na educação, ou seja, ao ensino de técnicas artísticas como desenho,
pintura, bordado e outros. Consideramos, para este propósito, a arte como
instrumento que possa facilitar o encontro do sujeito consigo mesmo,
como forma de se expressar, de se identificar. Não entendendo a arte-edu-
cação como o treino para que alguém seja artista, mas uma educação que
permita sensibilidade ao mundo que nos cerca (DUARTE JÚNIOR, 2012,
p. 12).
Góis (2005) considera a arte como um caminho para expressão
e recriação da identidade pessoal. O autor coloca que a arte nos faz homens
e cita o exemplo das pinturas rupestres, afirmando que por elas o homem
evoluiu do “homo sapiens” para noção de homem atual. Assim, o homem
tem consigo um enorme potencial de vida, projetando-a em inúmeras pos-
sibilidades de realização.
A arte é um meio de expressão e de encontro consigo mesmo.
É também um instrumento facilitador do reconhecimento de potencial
de vida. Através da arte as pessoas conseguem se expressar de uma forma
mais espontânea, mais autêntica.
A estrutura desta pesquisa divide-se em introdução, metodo-
logia, desenvolvimento, referencial teórico e conclusão. Na introdução
expomos a apresentação do assunto, justificativa da escolha do tema e
objetivos a serem alcançados. Na metodologia descrevemos os métodos e
instrumentos utilizados para alcançar os objetivos desta pesquisa. No de-
senvolvimento demonstramos as reflexões e os resultados da pesquisa e no
referencial teórico dispomos os fundamentos que serviram de base para a
construção e sustentação deste artigo. Finalmente, na conclusão, temos um
breve fechamento sobre o que foi investigado, os ganhos com a pesquisa e
o que conseguimos aprender e descobrir.

Metodologia
A pesquisa desenvolvida possui caráter descritivo e costuma ser
redirecionada ao longo do seu desenvolvimento, permite a obtenção de
dados em contato direto com o objeto de estudo e seu interesse está nas
subjetividades, nos significados que as pessoas dão aos fenômenos que vi-
venciam (NEVES, 1996).
Quanto ao objetivo da pesquisa, esta é também de caráter explo-
ratório. As pesquisas deste tipo possibilitam uma maior aproximação com
as ideias e os aspectos que envolvem o problema e maiores informações
sobre o assunto (GIL, 2002).
Como técnica de coleta de dados utilizou-se uma entrevista se-
miestruturada com uma professora que é psicopedagoga e arte-educadora,

- 32 -
possui extensa experiência como psicopedagoga e também como arte-e-
ducadora no ensino fundamental em instituições de ensino particulares.
A entrevista permite conhecer mais sobre o sujeito, a respeito de
suas atitudes, sentimentos, valores e outros aspectos. (BRITTO JÚNIOR;
FERES JÚNIOR, 2012). As perguntas dirigiram a entrevista foram: 1) Qual
a sua formação? 2) De que modo a arte pode contribuir com os processos
de ensino e aprendizagem na escola? 3) Quais as contribuições da arte para
a prática psicopedagógica?
Após a coleta de dados foi elaborada uma análise de conteúdo
com o intuito de buscar nas falas a compreensão de como os entrevistados
utilizam-se da arte na sua práxis psicopedagógica e os possíveis resultados
das intervenções. A análise de conteúdo tem como foco o apontamento de
variáveis de ordem psicológica, sociológica, histórica, bem como outras.
Essa analise utiliza mecanismos de dedução com base em indicadores per-
cebidos nas falas coletadas (BARDIN, 2012).
A partir da análise de conteúdo do material coletado com a en-
trevista, foi possível observar algumas categorias na fala da entrevistada.
Destacamos aqui as mais relevantes de acordo com o objetivo deste estudo:
Para que ou para quem se usam os elementos artísticos; Os diferentes tipos
de aprendizagem dos alunos; As dificuldades encontradas pelo arte-educa-
dor no seu trabalho na escola; Arte com propósito e a formação do profes-
sor; A inclusão na sua experiência profissional.

Da industrialização aos dias atuais: uma reflexão sobre o sistema edu-


cacional
Precisamos pensar na educação fora dos moldes tradicionais:
conteudista, pré-fabricada, engessada, competitiva e individualista. Di-
versas experiências coletivas precisam ser levadas em consideração para a
construção do sujeito.
Mosé (2013) ao criticar a escola e a fragmentação da vida faz
uma pequena retrospectiva histórica e nos lembra que o ensino básico vol-
tado para as massas só surgiu a partir do século XIX para atender as neces-
sidades da sociedade industrial que precisava de mão de obra. Esse modelo
educacional foi justamente inspirado nas linhas de montagem, com o tra-
balho sendo dividido em partes e visando a produtividade. Tratava-se de
uma educação instrumental que era voltada especificamente para atender
as necessidades do mercado de trabalho.
Reflete ainda que, até hoje, nós mantemos esse modelo de edu-
cação e exemplifica isso através da organização da vida escolar em séries e
disciplinas, ou seja, conteúdos isolados que não se conectam uns com os
outros (Ibidem, 2013).

- 33 -
Acrescenta, Duarte Júnior (2012), ao abordar o contexto cultu-
ral da educação, coloca que, com o avanço do processo civilizatório, houve
profundas transformações no nosso modo de aprender. A medida em que
o conhecimento do homem foi se ampliando, a sociedade foi se dividindo
em classes sociais e o conhecimento também foi acompanhando essa sepa-
ração, também de modo desigual. Nesse momento surgem as escolas como
espaços de transmissão de determinados conhecimentos, que, a princípio,
são restritas às classes dominantes.
Assim sendo, com a separação de razão e emoção, o ambiente escolar
tornou-se um espaço para adquirir conhecimentos, decorar informa-
ções, datas, fórmulas e teorias que são desagregadas da vida cotidiana e
concreta dos alunos. De modo geral, a escola treina o ser humano para
executar um determinado trabalho parcial e mecânico com visão no
lucro sem ter consciência das profundas ligações no interior da nossa
sociedade.
Durante a entrevista, ao ser questionada sobre as dificuldades
do trabalho com arte-educação nas escolas, nossa Entrevistada apontou
que a escola possui seu tempo demarcado e a necessidade de dar notas,
e esses são os fatores que atrapalham o processo de desenvolvimento do
aluno. Diante disso, ela explica:

É um processo, mas é um processo lento e a escola ela é muito


dentro das caixinhas, tudo tem um prazo e esses alunos no processo
de dificuldade de aprendizagem, as coisas não acontecem assim.
Ah, é nesse mês ele vai ler! Não é assim! Tem que descobrir qual é
a condição. Então até identificar em que situação ou qual dimensão
tá esse aluno, a gente tá fazendo os experimentos e aí a escola tá:
nota um, nota dois, nota três (ENTREVISTADA).

É possível compreender, portanto, que o modelo de educação


vigente pouco se transformou. Os prazos, o tempo demarcado, a separação
disciplinas que não interagem entre si, a necessidade de quantificar e de
dar notas, de mostrar produção e resultados são características fabris
que se apresentam também na escola. Esse modelo de educação não olha
para o indivíduo como o ser singular, ao contrário, pretende normatizar,
generalizar e excluir o diferente, aquele que não se encaixa e tudo isso afeta
os processos de ensino e aprendizagem.

Sobre ensinar e aprender


Ensinar, apreender e aprender são elementos essenciais do ofí-
cio docente, bem como a compreensão desses significados é também es-

- 34 -
sencial para o processo ensino-aprendizagem. Ensinar significa despertar
para o conhecimento. Aprender significa tomar conhecimento ou reter
na memória. Apreender significa entender, assimilar mentalmente, com-
preender. Para apreender é necessário que haja uma ação, informar-se ou
apropriar-se (ANASTASIOU, 2007).
Neste sentido, compreendemos que não basta, simplesmente, ao
aluno assistir às aulas ou ao professor dar aulas. Para o real aprendizado é
necessário um método que envolva a ação conjunta de fazer aulas. Para
Anastasiou (2007), o processo de ensinagem é uma ação que resulta na
aprendizagem do aluno e neste processo o envolvimento dos sujeitos é fun-
damental. A ensinagem deve possibilitar o pensar, que cada aluno possa
reelaborar o conteúdo.
Freire (1960) tece uma crítica à concepção bancária de educa-
ção. Para o educador, a educação bancária é um “ato de depositar”, ou seja,
os alunos são sujeitos passivos que recebem a informação, memorizam e
repetem. Os professores são os detentores do conhecimento que depositam
a informação, seu objetivo é encher os alunos de conteúdo.
Para que a educação seja, de fato, transformadora é necessário
ampliar o grau de consciência dos educadores de modo que estes reflitam
sobre a prática do seu trabalho (FREIRE, 2002).
Em consonância com esta perspectiva, Duarte Júnior (2012),
nos fala que nossa mente é seletiva, portanto, só aprendemos aquilo que
percebemos como importante para nossa existência. Pensando deste
modo, uma educação que só pretenda transmitir os significados que estão
distantes da vida dos alunos não consegue produzir aprendizagem.
Nossa entrevistada considera que no processo de ensino-apren-
dizagem devemos considerar as várias dimensões do aluno e destacou,
inicialmente três tipos de alunos: o aluno psicomotor, o aluno cognitivo
e o aluno afetivo. O aluno psicomotor precisa do movimento, precisa da
prática para conseguir aprender. O afetivo precisa gostar, precisa da emo-
ção no processo de construção da aprendizagem. O aluno cognitivo, na
perspectiva da profissional, é o que é mais tranquilo, pois ele consegue ler e
interpretar com muita facilidade. Em seguida, ela também comentou sobre
os alunos visuais e auditivos:

Esse aluno é visual, então ele vai aprender melhor com essa ima-
gem. É diferente do aluno cognitivo que ele lê e interpreta [...] mas
aquele aluno que é visual ele precisa da imagem e o aluno auditivo
precisa do som, então eu posso usar a música. Eu quero falar de
alguma coisa eu pego uma música pra esse aluno (ENTREVISTA-
DA).

- 35 -
Ainda abordando os diferentes tipos de aprendizagem do aluno,
nossa entrevistada colocou como uma das dificuldades encontradas pelo
professor no seu trabalho. Ela pensa que, nem sempre, o professor consi-
dera esses diversos modos de construção da aprendizagem e não percebe
que não tem só um tipo de aluno.
Ele tem vários tipos de aluno, então ele precisa, se ele quer promo-
ver uma aprendizagem significativa, ele tem que contemplar todos
os alunos: auditivo visual cognitivo. Porque aí ele vai atender todo
mundo. Se eu sou um aluno visual e meu professor nunca botou
um vídeo, nunca botou uma imagem, eu vou estar sempre aquém
dos outros. É a mesma coisa do aluno auditivo que ele não é aquele
aluno que escreve, é aquele aluno que precisa falar, se movimen-
tar, então é taxado de hiperativo de mal educado, mas ele é um
aluno do movimento, ele aprende dessa forma. Então se eu fizer
uma aula castradora, todo mundo sentado, engessado esse aluno
não vai aprender, elementos vão ficar com ele. Mas se o professor
disser assim: vamos nos movimentar! Tô falando aqui de matemá-
tica, vamos falar de distância, de mais de menos, vamos fazer um
jogo, usar os jogos lúdicos, essas brincadeiras que possam trazer
esse conhecimento que o professor deseja que o aluno tenha (EN-
TREVISTADA).

Neste sentido, Mosé (2013) coloca que o aprender deve estar


sempre vinculado ao ato de criar, do contrário não há aprendizado, há ape-
nas treinamento. Traz ainda que, infelizmente, nas escolas, a arte não é
considerada como elemento fundamental, mas sim como um mero aces-
sório, uma distração.
A entrevistada considera ainda o tempo singular de cada crian-
ça, pensando que todos aprendemos em ritmos diferentes e não podemos
generalizar uma sala de aula colocando objetivos únicos que não contem-
plem a todos.

É uma dificuldade por causa do tempo, mas a gente sempre chega


pro professor e diz: esse aluno aprende, esse aluno sabe, só que ele
tem um ritmo diferente, ele não vai ter o mesmo ritmo que os ou-
tros. Talvez ele não atinja o que você contemplou para os outros,
ele vai atingir um objetivo um pouco menor, mas que isso não quer
dizer que seja inferior (ENTREVISTADA).

Somente ao considerarmos o sujeito com a sua singularidade,


podemos acessá-lo, compreendê-lo para enfim ajudá-lo: “Ao entendermos
e apreciarmos as experiências do outro, estabelece-se uma relação que nos
permite adentrar o universo dele e encontrá-lo lá. É buscarmos o outro onde
ele está e não onde gostaríamos que estivesse.” (SANTOS, 2005, p. 107).

- 36 -
Contribuições da arte para educação
Diante desta problematização, pensamos que a arte teria muito
a contribuir com o contexto educacional como um todo e, principalmente,
para a prática psicopedagógica, pois é capaz de mover o ser humanos em
direção à sua inteireza (FAGALI, 2005).
Sobre esta integração entre emoções e conhecimentos, Duarte
Júnior (2012) faz um retrospecto do nosso paradigma científico e edu-
cacional cartesiano que separa razão e emoção. O autor considera que as
emoções não atrapalham nosso desenvolvimento intelectual e que, ao con-
trário, as duas se complementam. Assim sendo, o autor nos apresenta uma
educação que parte da expressão dos sentimentos e emoções, uma educa-
ção através da arte.
Assim, a arte é uma maneira de despertar o indivíduo para que
este dê mais atenção ao seu próprio processo de sentir, visto que o intelec-
tualismo da nossa civilização só dá importância ao que é concebido pela
racionalidade (Ibidem, 2012).
Para Zanin (2004) arte é também conhecimento e envolve o
pensamento, o estético e a formação intelectual do aluno, desempenhando,
portanto, um papel vital na educação.
Acrescentamos aqui ainda o olhar da entrevistada sobre o uso
dos instrumentos artísticos na educação. Segundo ela, esses instrumentos
são muito importantes para aqueles alunos que apresentam algumas di-
ficuldades de comunicação, de produção textual e de interpretação, pois
a partir deles sentem-se mais livres para fantasiar, criar sem o medo dos
julgamentos. Com este pensamento ela nos relata sua própria experiência
no trabalho de criação em sala de aula:
Então eu não tinha um roteiro pra gravar. As histórias que eles co-
nheciam a gente fazia as esquetes teatrais. Aí também trabalhava
com fantoche, com teatro de sombras, com os dedoches pra que
eles pudessem ir criando. E quando ele vai criando as histórias, co-
meçam a produzir textos, aí fica fácil, melhor. Aí eu digo, agora
vamos escrever, vamos contar essa história. Quando tinha dificul-
dade... vamos gravar! Hoje, vamos gravar o que vocês estão contan-
do! Agora, o que vocês gravaram, vocês vão se ouvir, bota o fone no
ouvido e vamos escrever essa história! Aí eu tava trabalhando pra
produção textual deles, pra eles saberem que sabiam construir as
ideias e as histórias, entendeu? (ENTREVISTADA).

Na perspectiva da entrevistada, as intervenções em arte-educa-


ção podem ainda auxiliar a descobrir como o aluno aprende, quais são
os interesses dele e quais dimensões sociais, culturais ou emocionais que
possam estar afetando o aprendizado do aluno que está com dificuldade.

- 37 -
O que acontece na escola quando eu sou arte-educadora é iden-
tificar determinados problemas que aparecem na hora da prática,
através do desenho, por exemplo eu encontrava alunos que quando
a gente ia trabalhar com as práticas de teatro queriam ser os per-
sonagens que sofrem mais, nunca queriam ter um final feliz. Então
são manifestações psicológicas que a gente vai repassando pro setor
da escola [...] (ENTREVISTADA).

Quanto a isto, Duarte Júnior (2012) nos mostra um retrato poé-


tico do aspecto intraduzível dos sentidos expressos através da arte:

A arte, em todas as suas manifestações, é, por conseguinte, uma


tentativa de nos colocar diante de formas que concretizem aspectos
do sentir humano. Uma tentativa de nos mostrar aquilo que é ine-
fável, ou seja, aquilo que permanece inacessível às redes conceituais
de nossa linguagem. As malhas dessa rede são por demais largas
para capturar a vida que habita os profundos oceanos de nossos
sentimentos. Ali, quem se põem a pescar são os artistas (p. 49).

Conforme Gomes (2005), o trabalho educacional que se utiliza


de recursos expressivos possibilita uma ampliação do olhar do educador
sobre como se manifesta a arte na sua dimensão social, partindo dos sig-
nificados e valores que cada povo atribui em sua cultura. Deste modo, a
autora ainda coloca:
[...] Ao dialogar com as várias linguagens expressivas, o educador
tem a possibilidade de experimentar um rito de iniciação aos sen-
timentos e próprio afeto. Os afetos aparecem envolvidos em tintas,
desenhos, construção de histórias, poesias, dramatizações; enfim, a
atividade expressiva pode tornar-se lúdica pelo prazer que o edu-
cador sente ao encontrar um caminho de expressão dos próprios
sentimentos, o que é possível graças aos recursos artísticos e ex-
pressivos (p. 70).

Em suma, a arte tem a capacidade de ampliar as condições do


indivíduo de aprender, de criar e integrar suas emoções e conhecimentos.
A arte pode contribuir para o desenvolvimento da criança na medida em
que possibilita o contato com as emoções, com as experiências sensoriais e
com o ambiente. O próprio educador também se beneficia, pois coloca em
cena os seus afetos, emoções, expressividade e prazer.
Precisamos evidenciar, ainda, a importância de um trabalho in-
terdisciplinar com os profissionais da educação. Já sabemos que a arte pode
dar conta de conteúdos que outras disciplinas não dão, mas é necessário
também sabermos dos limites. Quando as manifestações psicológicas sur-
gem, como uma situação de intenso sofrimento, por exemplo, o arte-edu-
cador trabalhar em conjunto com o psicólogo ou psicopedagogo.

- 38 -
Arte, educação e inclusão
Sobre sua experiência profissional a arte-educadora e psicope-
dagoga destacou a temática da inclusão como principal benefício do seu
trabalho com os alunos, que se refletia nas diversas disciplinas:

Outra coisa que acontecia é que esses alunos tinham muitas dificul-
dades nas outras disciplinas, na minha eles não tinham. Na minha
eles gostavam de participar, eles gostavam de fazer porque eram
experiências diferentes que eles eram inclusos. Ali não tinha o me-
lhor aluno ou o aluno que se destacasse, era todo mundo que tava
envolvido com tudo. Por exemplo, eu trabalhava com abstração,
então não tinha necessidade de fazer um desenho realista, perfeito.
Trabalhava com desenho abstrato, que trata muito mais das emo-
ções (ENTREVISTADA).

Então eles se sentiam incluídos. Quando eu ia pras práticas teatrais


não tinha o protagonista ou antagonista, todo mundo era persona-
gem principal e a gente fazia um rodízio ou então fazia um reconto.
Vamos fazer um reconto aqui da história da Chapeuzinho, Cha-
peuzinho na atualidade quem seria ela? Eles iam criando a história
e a gente fazendo a movimentação. Ou então a gente ia trabalha-
va com a construção de figurino, levava tecidos pra ver como é a
manifestação dele na criatividade, como ele coloca aquele corpo. E
nessa perspectiva eles evoluem lá na sala de aula porque eles come-
çam a se sentirem incluídos, eles se sentem inteligentes, eles perce-
bem que são criativos porque todo mundo aprende, mas aprende
dentro do seu ritmo (ENTREVISTADA).

Conforme Oliveira-Menegotto; Martini; Lipp (2010) a inclusão


é um processo que trabalha com a singularidade de cada sujeito e requer,
portanto, um olhar que ultrapasse as metodologias pedagógicas atuais.
Para Mantoan (2015) o modelo tradicional escolar se preocupa
muito com formalidades, racionalidades, burocracias e padrões de ensino.
Para que haja inclusão é necessário romper com este paradigma e trans-
cender as questões pautadas no mérito individual. Na inclusão deve haver
desigualdades no tratamento dos alunos, mas no sentido de restituição da
igualdade. Diante da afirmação a autora explica:

Para instaurar uma condição de igualdade nas escolas, não se con-


cebe que todos os alunos sejam iguais em tudo, como é o caso do
modelo escolar mais reconhecido ainda hoje. Temos de considerar
as suas desigualdades naturais e sociais e só estas últimas podem/
devem ser eliminadas (MANTOAN, 2006, p. 57).

Além desse reconhecimento das diferenças, é preciso de um


cuidado para que a criança com necessidades especiais de aprendizagem

- 39 -
não venha a ser visto com o olhar preconceituoso de incapaz, pois, como
enfatiza Magalhães e Dias (2005 apud SILVEIRA; ENUMO; ROSA, 2012)
essas atitudes poderão impossibilitar o aluno com necessidades especiais
de perceber suas próprias capacidades e de fazer com que o professor ve-
nha a trabalhar com elas.
Gomes e Rey (2008) enfatizam que os alunos com deficiência
são, inúmeras vezes, desconsiderados como sujeitos ativos perante as ca-
pacidades de aprendizagem, sendo que, a própria escola desacredita nesses
alunos, colocando-os em um lugar de proteção e excluindo dos outros alu-
nos do grupo.
Para Maia-Pinto e Fleith (2002 apud SILVEIRA; ENUMO;
ROSA, 2012), a necessidade de um tratamento diferenciado é relevante,
pois partindo desse pressuposto, essa diferenciação é onde se encontra o
respeito às suas necessidades especiais.
É necessário garantir o respeito às diferenças modificando o
pensamento de que a aprendizagem deve ser homogênea, de que todos os
alunos devem adaptar-se a “normalidade”, ao que é esperado.

A formação dos professores


Diante de tudo que foi colocado até então, evidencia-se a neces-
sidade de uma real transformação dos paradigmas educacionais, de modo
que educador tenha a oportunidade de experienciar novas formas de ensi-
nar e aprender (CARVALHO, 2005, p. 82).
Para a entrevistada, a arte não está mais presente em sala de aula
porque os professores não têm a formação ou a sensibilidade que são ne-
cessários. Para ela, cabe às coordenações ou a gestão escolar fazer com que
a arte entre na sala de aula utilizando-a como recurso pedagógico.
O maior desafio é que os professores também utilizem a arte como
recurso pedagógico na sala de aula. O professor de história poderia
fazer uma peça, podia pedir pra eles montarem uma coreografia
que contasse a história do que ele tá falando. Tá estudando o Egito,
pq não desenhar? (ENTREVISTADA).

A entrevistada julga que essa falha não é culpa do professor, mas


da falta de uma formação continuada na escola. A formação inicial do pro-
fissional na faculdade não é suficiente, a escola precisa ajudar o professor a
ser um pesquisador. Para a profissional, a escola deveria instrumentalizar o
professor de modo que ele trabalhe com as deficiências, para que ele saiba
como e que instrumentos utilizar na prática com seus diversos alunos.
Gomes (2005) diz que para a promoção da qualidade na educa-
ção, a formação dos professores é um dos fatores mais importantes. Essa
formação, por sua vez, deve promover uma reflexão e uma integração entre

- 40 -
teoria e prática. Enfatiza também a necessidade de ajudar o educador a de-
senvolver suas capacidades e, assim, melhorar as relações entre educadores
e educandos.
Nossa entrevistada acrescenta ainda na sua fala que a arte na
educação precisa ter um propósito, uma consciência crítica por parte do
arte-educador para que este venha a ter resultados. Diante disso, frisa ain-
da mais a importância da formação do professor:

Brincar com conhecimento e com proposta. A arte é muito impor-


tante, mas não é todo mundo que sabe dar aula de artes. Não é todo
mundo que conhece. Eu preciso saber o que estou fazendo, que
conteúdo que estou usando, como vou usar essa linguagem aqui
(ENTREVISTADA).

Então por isso que estudar arte para utilizar com recurso na psico-
pedagogia é preciso ter uma consciência crítica. Preciso ter uma
consciência teórica e uma consciência crítica e uma consciência
humanística pra eu saber até onde eu posso ir com esse recurso
porque eu posso tá criando outro problema (ENTREVISTADA).

Pra ser arte-educador preciso estudar, como pra ser psicopeda-


gogo precisa estudar. E se eu quero estudar as duas coisas eu vou
estudar duas vezes pra eu não ficar só usando como recurso pe-
dagógico. Ah, vamos pintar! vamos colar! Qual o objetivo disso?
Tô trabalhando a praxia porque meu aluno tem dificuldade global,
trabalhando a concentração pq esse aluno é muito disperso, é mui-
to ativo. Ah, eu to trabalhando a sensibilidade porque ele é muito
agressivo, porque ele bate nos colegas e aqui quando ele vai cortar
na linha, vai colar ele tá começando a desenvolver um cuidado.
Tem a questão da estética, ele é um aluno que não tem cuidado com
o corpo, com a higiene e aqui na nossa aula de artes a mesa tem que
estar limpa, os pincéis tem que estar lavados. Tudo isso tem uma
simbologia, sincronizado! (ENTREVISTADA).

Carvalho (2005) trata sobre a construção de espaços educacio-


nais de qualidade, da formação de professores críticos mais reflexivos e
sobre o resgate da cidadania no nosso contexto histórico. Para que isto
ocorra é necessário dar espaço para que os seres humanos possam emergir
por inteiro:

[...] Espaços em que os educadores, homens e mulheres, possam


religar os fios que constituem a sua identidade, interligando-os ao
seu movimento existencial como um todo. São necessários, portan-
to, recursos que diminuam o hiato entre trabalho e prazer, educar e
aprender, refletir e intuir, sistematizar e criar (p. 99).

- 41 -
A arte e a psicopedagogia institucional: um encontro em benefício da
educação
Fagali (2005) coloca como um desafio a reflexão de uma práti-
ca integradora entre psicopedagogia institucional e arte, pois é necessário
pensarmos em novas condições de ensino e de aprendizagem partindo de
uma coparticipação dialogal.
Se pensarmos no psicopedagogo como um profissional que pos-
sua um olhar crítico diante da realidade educacional e que perceba que
nosso paradigma educacional foi construído ao longo da história, pode ser
dele, então, o papel de apontar novos rumos para a construção da aprendi-
zagem nas instituições de ensino.
O psicopedagogo pode esclarecer a escola a respeito dos diver-
sos aspectos do processo de ensino-aprendizagem. Pode instruir os profis-
sionais sobre as diversas dificuldades de aprendizagem e como promover
o desenvolvimento do aluno. Além disso, ainda pode desenvolver projetos
visando a mudança educacional utilizando-se da arte como recurso (BAR-
BOSA, 2019).
Oliveira (2019) nos fala sobre o status interdisciplinar da psico-
pedagogia que exige do profissional um aprofundamento em áreas de estu-
do que antes pareciam distantes das explicações que se davam para as di-
ficuldades encontradas no processo de aprendizagem. Demanda também
uma transformação que vai além da configuração do papel do profissional,
atingindo suas estruturas afetivas, cognitivas e sociais. Mais uma vez a arte
se coloca como recurso, visto que ultrapassa a dimensão da razão e atinge
as demais estruturas dos sujeitos envolvidos (BARBOSA, 2019).
O psicopedagogo pode se dedicar a formação ou a preparação
dos professores, promover orientações metodológicas, mobilizar a equipe
escolar para a construção de um espaço adequado às condições de aprendi-
zagem. Como já colocado neste estudo, torna-se necessária uma formação
crítica e continuada aos professores para que a arte seja um instrumento
efetivo para os processos de aprendizagem (BARBOSA, 2019, P. 249).
Em suma, gostaríamos de ressaltar dois papéis pertinentes ao
psicopedagogo. O primeiro é o movimento deste profissional frente às mu-
danças necessárias à estrutura escolar e ao modo como a educação vem
sendo construída. O segundo é a prática da formação continuada dirigida
aos demais atores da instituição escolar, a orientação de uma forma mais
sensível de perceber o aluno, de apreciá-lo na sua inteireza e de uma me-
todologia mais expressiva, como a arte, que facilite seu processo de apren-
dizagem.

- 42 -
Considerações Finais
Esta pesquisa nos possibilitou uma reflexão crítica acerca da
educação, sua construção histórica e seus fatores culturais. Sem estas con-
siderações seria mais difícil a compreensão do lugar em que a educação
ocupa hoje, tampouco poderíamos repensar nossas ações enquanto atores
da aprendizagem rumo a um modo de construção de aulas mais inclusivas,
sensíveis, criativas e que considerem as diversas formas de aprender e que
pensem em cada sujeito como ser único em seu modo de ser e aprender.
Diante dos resultados, podemos concluir que, para favorecer o
aprendizado é necessária uma ação dialógica entre professores, psicope-
dagogos e demais atores da educação no exercício de construir aulas. A
ensinagem deve possibilitar que o aluno pense e reelabore o conteúdo, e
não, simplesmente memorize. Neste sentido, o modelo tradicional de en-
sino, cujo professor, detentor do conhecimento, repassa o conteúdo para
que os alunos decorem, precisa ser reavaliado. É necessário utilizar novas
estratégias que permitam a construção de um conhecimento mútuo, que
permita ao aluno ser o protagonista do seu próprio processo de aprender.
É neste sentido que colocamos a arte como um instrumento
que tem muitas contribuições para a educação. A arte move o ser humano,
mobiliza e amplia as condições de criar e se expressar. A arte nos traz
a possibilidade de uma forma de ensinar e aprender profundamente
conectada com as emoções e não somente com a racionalização. A arte
pode despertar o sentir em cada ser de modo particular e de modo tão
verdadeiro que a real aprendizagem se torna uma consequência. A arte
pode ainda ajudar ao profissional entender como o aluno aprende de modo
a construir as aulas com o aluno e direcionadas ao aluno, ao invés de tentar
inseri-lo numa perspectiva generalizante e excludente. Deste modo, os
alunos sentem-se importantes e capazes, pois sabem que podem aprender.
A inclusão é um dos principais benefícios no trabalho com a
arte, pois esta transcende as barreiras formais e racionais que são tão ca-
racterísticas da escolarização. As crianças com dificuldades de aprendiza-
gem, muitas, vezes, são colocadas no lugar da impotência, da incapacidade,
por não conseguirem se adaptar ao que é esperado da maioria dos alunos.
Como a arte tem a capacidade de se dirigir ao sujeito de modo singular,
sem o conceito de certo ou errado e livre de julgamentos, os alunos se sen-
tem mais livres para criar e explorar seu potencial.
Percebemos a necessidade de uma formação direcionada aos
professores para que estes venham a ter estas reflexões críticas e possam re-
pensar suas formas de ensinar. A arte, no contexto da educação, não pode
ser colocada de qualquer modo, sem um preparo e sem a sensibilização do
profissional. Para além da graduação, a escola deve ser responsável por essa

- 43 -
formação continuada, por favorecer um espaço para o profissional repen-
sar sua prática com seus diversos alunos.
Diante de tantas colocações, ponderamos sobre o fazer do psi-
copedagogo institucional como o profissional que pode lutar por romper
com as práticas educacionais castradoras, generalizantes e excludentes.
Pensamos no psicopedagogo como o profissional que promova nos espa-
ços educacionais um espaço de reflexão voltado para os professores, coor-
denadores, gestores e demais atores da educação sobre suas práxis. Não
se trata de um caminho fácil, pois, como vimos, a educação como temos
hoje tem uma construção histórica e cultural, mas podemos dar o primeiro
passo para uma mudança significativa no modo como contribuímos para a
construção da educação e aprendizagem dos nossos alunos.
Colocamos aqui, como abertura para futuros estudos, a
formação do próprio psicopedagogo. Para que este seja o agente de mu-
danças, ele precisa ter primeiro este olhar mais sensível e crítico para a
realidade educacional e não ser um mero reprodutor do sistema vigente.

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- 46 -
AUDIODESCRIÇÃO NA SALA DE
AULA REGULAR: ESTRATÉGIAS PARA
ACESSIBILIZAR IMAGENS PARA ALUNOS
NÃO VIDENTES E VIDENTES6
Nádja Diógenes Maia
Mádja Diógenes Maia
José Ernandi Mendes

Notas Introdutórias
Desde os primórdios da humanidade a segregação das Pes-
soas com Deficiência tem marcado vários momentos históricos que, em
algumas sociedades da antiguidade, remete inclusive ao extermínio. A
superstição para com esses sujeitos gerou intolerância e preconceito que
se perpetuam até hoje e expressam a rejeição e exclusão contra as quais
os movimentos sociais de familiares e pesquisadores que se compadecem
com a causa lutam para romper.
Desde essa época até a contemporaneidade, foram diversos
avanços tecnológicos, experimentos e estudos que objetivavam a divulga-
ção da forma de vida dessas pessoas, a ampliação dos seus direitos e pos-
sibilidade de viverem plenamente em comunhão e experimentarem com
equidade a inclusão social, cultural e, sobretudo, educacional.
A real inclusão das Pessoas com Deficiência Visual (PcDV) tem
sido estudada no Brasil como reflexo de uma população que tem cresci-
do, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), são
506.337 brasileiros que afirmam ser cegos, ou seja, 0,3% da sociedade; além
de 35.774.392 com alguma dificuldade de enxergar mesmo após a melhor
das correções com lentes, em outras palavras, 18% de cidadãos que en-
frentam barreiras de convivência em um mundo tão guiado por mídias e
audiovisuais (IBGE, 2010).
A temática da deficiência visual está presente no percurso aca-
dêmico da autora deste trabalho desde a graduação em Pedagogia até a
especialização em Educação Inclusiva e perpassando o mestrado em Edu-
cação e Ensino pela Universidade Estadual do Ceará (UECE), no qual
dissertou-se sobre as pessoas cegas em âmbito de inclusão social, sempre
percebendo que tanto os sujeitos escolares quanto os familiares das pes-
soas com deficiência visual possuem diversas dúvidas, tabus e paradigmas
6 Artigo adaptado do Trabalho de Conclusão de Curso da especialização em Tradução Audiovisual Aces-
sível (TAVa) – Audiodescrição, pela Universidade Estadual do Ceará (UECE) (2018).

- 47 -
a serem quebrados, mas que apenas a informação é capaz de tal feito, daí a
grande responsabilidade dos conhecimentos advindos da escola.
No entanto, o processo de efetivação da educação inclusiva das
Pessoas com Deficiência Visual ainda enfrenta diversas barreiras, dentre
elas a acessibilização das mídias e audiovisuais em sala de aula devido à
falta de conhecimento de estratégias de audiodescrição por parte do pro-
fessor da sala regular.
Em uma das entrevistas coletadas por ocasião de dissertação de
mestrado acima referido, as sujeitas pesquisadas revelaram que dentre suas
grandes barreiras a serem rompidas em âmbito escolar era o de compreen-
der as imagens tantas vezes utilizadas como recursos didáticos em sala de
aula pelos professores que desconheciam sobre os parâmetros básicos da
audiodescrição. Até aí, o termo “audiodescrição” era bastante distante, mas
a partir de então, buscou-se a realização de estudos e pesquisas que culmi-
naram na especialização em Tradução Audiovisual Acessível (TAVa) - Au-
diodescrição pela Universidade Estadual do Ceará (UECE).
Com base nos saberes adquiridos ao longo da especialização e
com a proposta da pesquisa, temos expectativa de contribuir social, acadê-
mica e profissionalmente com o crescimento das pessoas com deficiência
visual e pesquisadores que se debruçam sobre esta importante temática,
podendo assim retribuir o tanto que essas pessoas propiciam de cresci-
mento humano a quem com elas convivem e pesquisam.
Nos deparamos com muitas inquietações que só aumentaram o
interesse pela temática da audiodescrição no contexto escolar das pessoas
com deficiência visual. Alguns dos questionamentos que surgiram foram:
De que forma o professor sem formação em tradução audiovisual pode se
instrumentalizar na audiodescrição de imagens? Quais parâmetros exis-
tentes para a realização de audiodescrição de imagens podem ser úteis a
esse professor?
Dessa forma, o objetivo deste trabalho é vislumbrar estratégias
para que o professor-audiodescritor acessibilize imagens para pessoas com
deficiência visual na sala de aula regular. E como desdobramento deste,
pretende-se construir diretrizes para a elaboração de audiodescrição di-
dática de imagens no contexto da sala de aula, bem como identificar parâ-
metros de audiodescrição úteis ao professor leigo em tradução audiovisual
acessível, além de adaptar parâmetros de audiodescrição de imagens para
a prática docente.
O presente texto, decorre de uma pesquisa, cuja abordagem
qualitativa de cunho bibliográfica, aponta estratégias para que o professor-
-audiodescritor acessibilize imagens para Pessoas com Deficiência Visual
na sala de aula regular, por meio do Esquema Síntese de Análise de Ima-

- 48 -
gem construído na disciplina de “Audiodescrição de Obras de Artes” ins-
pirado no modelo semiótico de Aderaldo (2014 e 2017) e O’Toole (1994),
respectivamente, autores de renome nacional e internacional, na audiodes-
crição de imagens no contexto escolar.

Afinal, o que é Audiodescrição?


A audiodescrição surge como uma forma de expressar não
apenas acessibilidade, mas também de respeito às diversidades e inclusão
social tanto para as Pessoas com Deficiência Visual, quanto para outros
públicos, como pessoas disléxicas, idosas ou com síndromes de Down e até
mesmo pessoas videntes que objetivem obter mais detalhes que passaram
despercebidos ampliando a percepção do que é visual e imagético. Segun-
do Carpes e Soster (2016, p. 127):

A audiodescrição é um recurso de acessibilidade e, uma ativida-


de de mediação linguística, que transforma o visual em verbal,
abrindo possibilidades maiores de acesso à cultura e à informação,
contribuindo para a inclusão cultural, social e escolar. A reflexão a
respeito dessas barreiras é pertinente para remoção de entraves à
construção de uma sociedade justa e sem discriminação (CARPES;
SOSTER, 2016, p. 127).

De modo geral, apesar de atualmente ser abordada em diversas


áreas como linguística, linguística aplicada, educação e comunicação so-
cial, as origens da descrição do mundo visual para pessoas não-videntes
remete a antiguidade clássica, entretanto, apenas na década e 1970, nos
Estados Unidos, a dissertação de mestrado de Gregory Frazier desenvolveu
ideias que deram sequência às atividades técnicas e profissionais da Audio-
descrição que se encontra nos estudos da tradução, mais especificamente a
subárea da Tradução Audiovisual Acessível (TAVa), termo ligado a Jimene-
z-Hurtado (2010). Conforme explica Lima (2016, p. 21):
Sob as classificações de tradução propostas por Jakobson (1995),
poderíamos enquadrar a AD como uma tradução intersemiótica,
isto é, uma tradução na qual o meio semiótico do texto de par-
tida é diferente do meio semiótico de chegada [...]. Jakobson, no
entanto, não preconizou esse sentido da tradução, considerando
apenas o sentido inverso, que é o da tradução de um texto verbal
em outro não-verbal, o que ele chamou de transmutação. Foi Júlio
Plaza (1987) quem propôs que a tradução do meio semiótico visual
para o verbal fosse incluída também nessa categoria (LIMA, 2016,
p. 21).

A audiodescrição é uma modalidade de tradução intersemiótica


que transforma imagem em texto verbal por meio da descrição feita pelo

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tradutor-audiodescritor que cria um roteiro e o locutor-audiodescritor
transmite ao vivo ou em áudio gravado revelando as impressões visuais do
objeto, seja este oriundo do cinema, teatro, dança, obras de arte, perfor-
mances, eventos esportivos, culturais, paisagem e até mesmo mídias e au-
diovisuais educacionais. Conforme reafirma o guia orientador para acessi-
bilidade de produções audiovisuais produzido pelo ministério da cultura
(2015, p. 07):
A audiodescrição é uma modalidade de tradução audiovisual,
de natureza intersemiótica, que visa tornar uma produção audiovisual
acessível às pessoas com deficiência visual. Trata-se de uma locução adi-
cional roteirizada que descreve as ações, a linguagem corporal, os estados
emocionais, a ambientação, os figurinos e a caracterização dos persona-
gens (BRASIL, 2015, p. 07).

Em tese, essa atividade de mediação linguística intersemiótica


possibilita transformar o visual em verbal ou vice-versa, havendo portanto
quatro diferentes signos: “áudio-verbal (palavras faladas), áudio-não ver-
bal (todos os outros sons), visual-verbal (escrita), visual-não verbal (todos
os outros signos visuais)” (NUNES, 2016, p. 26). Isso proporciona acesso
à cultura e informação e, consequentemente, inclusão social com o desen-
volvimento e ampliação do letramento visual de diversos sujeitos da socie-
dade, com utilização mais comum para as Pessoas com Deficiência Visual.
A audiodescrição segue algumas diretrizes principalmente so-
bre o que é importante ou não ser traduzido da obra original, visto que em
geral o tempo de inserção da fala do locutor é restrita, pois precisa apro-
veitar os silêncios entre as falas dos personagens (quando se trata de cenas
de cinema ou teatro) ou ser breve para não se tornar exaustiva (quando se
trata de obras de arte ou slides), por isso na maioria das modalidades de
Audiodescrição o tradutor utiliza-se de roteiro ou pré-roteiro para guiar e
dar maior controle na hora da locução.
Existe ainda uma discussão muito grande que gira em torno da
possibilidade ou não de haver neutralidade para a construção e locução
da audiodescrição pouco expressiva e sem inflexões sob alegação de não
atrapalhar ou tornar confusa as falas da cena com as inserções de audio-
descrição. No entanto, por outro lado, há uma forte corrente e pesquisa que
defende a impossibilidade de haver neutralidade na audiodescrição por
tratar-se de uma tradução e, como tal, não ser possível negar sentimentos e
interpretações por parte do audiodescritor na elaboração do roteiro, além
de afirmarem que toda locução deve trazer em si expressão para contribuir

- 50 -
uma melhor recriação de aspectos estéticos e poéticos, conforme afirma
Lima (2016, p. 22):
A AD pode ser uma forma de arte literária, com cunho poético
(SNYDER, 2004), ou seja, um produto que, além de cumprir com o seu
papel de instrumento de acessibilidade, também é um elemento estético,
pois, ao traduzir, dá subsídios ao ouvinte para recriar uma obra de arte
audiovisual. Baseado no que foi exposto acima, percebe-se que a AD não
deve se contentar em descrever meros detalhes físicos e ações que não po-
dem ser vistos, mas sim buscar chegar ao cerne da obra e recriar a expe-
riência estética que tal trabalho realiza (LIMA, 2016, p. 22).

Desse modo, a corrente teórica que defende a não neutralidade


na audiodescrição sustenta suas bases a partir da premissa de que é possí-
vel tornar as PcDVs críticas sobre o que é audiodescrito por meio de uma
roteirização e locução interpretativas, pois esses recursos apenas estariam
reforçando meios de facilitar a comunicação.
Além de afirmar que mesmo àquelas traduções que se dizem
neutras e propõem seguir a regra “descreva o que vê” não são exatamente
neutras porque foram elaboradas por pessoas e, como tal, de uma forma
ou de outra traz em si interpretações, análises críticas do texto de origem,
visões culturais e ideológicas daquele que está traduzindo, assim como a
influência do contexto em que a tradução é realizada e, no caso da audio-
descrição, devem ser considerados também as questões técnicas, estéticas
e mercadológicas.
Por isso, compreendemos que a audiodescrição é mais que uma
tecnologia assistiva7 que objetiva suprir as lacunas que a comunicação vi-
sual deixa para as pessoas cegas, é também uma conquista política e social
desses sujeitos que já são politizados e lutam todos os dias para assegura-
rem e expandirem seus direitos à inclusão social, comunicacional e, sobre-
tudo, educacional.

Diretrizes para elaboração de audiodescrição de imagens


A audiodescrição de imagens exige uma série de técnicas e pro-
cedimentos a serem seguidos para que possa fazer sentido e proporcione à
PcDV uma autonomia na interpretação imagética. Quando trata-se do uso
de imagens no contexto escolar em que o próprio professor de sala deve-
7 Compreendemos como tecnologia assistiva os recursos e serviços que objetivam vida independente e
inclusão sócio educacional para as Pessoas com Deficiência de modo a proporcionar e ampliam determi-
nadas habilidades funcionais.

- 51 -
rá ser o audiodescritor e locutor, compreendemos que esta deve integrar
o planejamento da aula, mas, ainda assim, deverá seguir todo o aparato
técnico-teórico que os estudiosos do assunto elencaram como sendo fun-
damentais para a criação desse tipo de roteiro que, para Michael O’Toole
(1994), proporcione uma visão geral do objeto da imagem estudada utili-
zando a semiótica funcional da comunicação pautada em 3 funções bási-
cas: “1) chamar nossa atenção e interesse, 2) transmitir informações sobre
a realidade, e 3) estruturar estas informações em um texto coerente” (OLI-
VEIRA JUNIOR, 2011, p. 26).
O’Toole (2011) acreditava que para se falar de uma obra de arte,
deve-se focar em apresentar como e em que essa imagem chama a atenção,
os pensamentos e as emoções. Dessa forma aplicamos esses parâmetros
no contexto da sala de aula com a utilização de imagens de modo que o
professor-audiodescritor seja capaz de fazer os alunos não videntes e os
videntes se adentrarem no universo da imagem ou obra de arte trabalhada
em sala de aula.
Quando trata-se de obra de arte, a audiodescrição deverá pro-
porcionar uma experiência estética a partir de um roteiro que siga 3 fun-
ções estudadas por O’Toole (1994, 2011), Aderaldo (2014) e Nunes (2016):
Modal, enquanto a descrição dos elementos que podem ser visualizados
pelo espectador; Representacional, que trata da representação advinda da
leitura dos elementos da obra; e a Composicional, que trata da estrutura
da obra. Este esquema de análise deverá adotar 4 unidades para cada uma
dessas funções: a Obra, o Episódio, a Figura e o Membro, podendo ser usada
tanto em conjunto como separadamente, uma vez que, segundo O’Toole
(1994) “cada categoria de unidade tem sua própria forma de contribuir
para nosso envolvimento no mundo da obra, conforme veremos mais de-
talhadamente adiante na imagem do Quadro 1 – Funções e Sistemas da
Linguagem Visual em que cada função será melhor explanada a seguir.

Quadro 1 – Funções e Sistemas da Linguagem Visual


UNIDADE/ REPRESEN-
MODAL COMPOSICIONAL
FUNÇÃO TACIONAL
Temas Ritmo
Gestalt: Proporção
Narrativos Modalidade
Enquadramento Geometria
Cenas Olhar
OBRA Horizontais Linha
Retratos Enquadramento
Verticais Ritmo
Interação de Luz
Diagonais Cor
episódios Perspectiva

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Ações, eventos
Agentes
pacientes – Proeminência
metas relativa Posição relativa na obra
Foco/sequência Escala Alinhamento
EPISÓDIO
focal Centralidade Interação das formas
Sequência Interação das Coerência
secundária Modalidades
Interação de
ações
Personagem Olhar
Objeto Postura
Posição relativa no episódio
Ato/Postura/ Caracterização
FIGURA Paralelismo/Oposição
Gesto Contraste:
Subenquadramento
Componentes Escala/Linha/
do Vestuário Luz/Cor
Parte do corpo/
objetos Coesão: Referência
MEMBRO Estilização
Formas (Contrate/paralelismo/ritmo)
naturais
Fonte: Traduzido de O’Toole, 2011, p. 25.

A Função Modal
Embora O’Toole (1994) tenha afirmado que uma audiodescri-
ção possa começar por qualquer função em qualquer unidade, na aborda-
gem que apresenta em suas pesquisas ele inicia pela Modal porque se mos-
tra revelar mais sobre as figuras, uma vez que na função representacional há
as representações visuais dos eventos, objetos e participantes envolvidos, ou
seja, é a partir dela que o artista estrutura seu trabalho.
A função modal trata sobre as relações de quem vê e daquilo, ou
quem, é visto, está subdividido em 6 subitens na unidade Obra: Ritmo, mo-
dalidade, direcionamento do olhar, em qual plano se enquadra, luz e pers-
pectiva. Que fazem com que o audiodescritor possa analisar inicialmente os
aspectos que chamam a atenção e indicam a harmonia da obra.
Quanto à unidade Episódio da função modal, existem 4 subitens
a serem observados: proeminência relativa, escala, centralidade e intera-
ção das modalidades. Vale lembrar que “Obras consistem de Episódios [às
vezes, um único episódio] e Episódios consistem em Figuras” (O’TOOLE,
1994, p. 279).
Enquanto que na unidade Figura (que estão contidas nos Episó-
dios) também existem 4 subitens a serem levados em conta: olhar, postura,
caracterização, contraste (escala, linha, luz e cor). Esses itens são capazes

- 53 -
de direcionar a visão do observador sobre determinadas figuras, as quais
considera mais apelativas ou impressionantes que outras.
Já na unidade Membro a função Modal “(...) os elementos que
aparecem são mais abstratos, por isso, a Estilização ou a forma como o
Membro é retratado, poderá afetar nossa relação com as figuras e a obra
como um todo” (OLIVEIRA JÚNIOR, 2011, p. 32).

A Função Representacional
Nesta função, na unidade Obra, existem 4 subitens: temas narra-
tivos (as várias histórias contidas na pintura), cenas (ações em que humanos
não estão retratadas), retratos (ações em que seres humanos estão retrata-
dos) e interação de episódios.
Na Unidade Episódio o autor retrata sobre ações enquanto mo-
vimentos que as personagens retratadas, já os eventos são aqueles em que
pessoas não estão retratadas e quando ele menciona os subitens agentes,
pacientes e metas, está falando sobre o contato visual das personagens com
quem observa a obra. Além destes, ainda são citados os seguintes subitens:
foco, sequencia focal, sequencia secundária e interação de ações.
Na unidade Figura o professor-audiodescritor irá identificar o
personagem quanto as suas características de ato e ações típicas, postura,
gestos, expressões e vestuário, bem como objetos da cena. Desse modo o
espectador poderá ter uma compreensão básica sobre o status quo, local
em que está e ações de cada personagem.
Por fim, na unidade Membro se subdivide em partes do corpo e
objetos para aqueles elementos que podem ser analisados por partes, já os
indivisíveis foram chamados por O’Toole de formas naturais.

A Função Composicional
Na função composicional a estrutura e os detalhes da obra pas-
sam a compor um todo coeso do texto visual. Embora a função compo-
sicional seja considerada por O’Toole como de ímpar relevância para a
obra de arte e por Aderaldo (2017) como sendo a função que deverá vir
primeiro; a harmonia e diálogo entre todas as funções fazem com que a
análise, consequentemente, a realização do roteiro de audiodescrição seja
mais esclarecedora.
Na primeira unidade, Obra, O’Toole enfatiza o uso de uma teo-
ria artística que harmoniza as micro com as macroestruturas, pois para
compreender as partes é necessário compreender anteriormente o todo.
Essa teoria é a Gestalt, de origem alemã que também é conhecida como
teoria da forma, por isso, o autor utilizou vários elementos dessa teoria
com enquadramento (eixos horizontais, verticais e diagonais), proporção,
elementos geométricos, linha, ritmo e cor.

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Na unidade Episódio ele cita a posição relativa na obra, tais como
alinhamento, interação das formas e a coerência. Enquanto que quando se
trata de Figura, a posição relativa diz respeito ao episódio e seu contraste
com a figura, seja pelo paralelismo ou oposição, e também o subenquadra-
mento. E, por fim, na unidade Membro, o que é analisado é a coesão textual
enquanto contraste, paralelismo e ritmo.

Esquema Síntese de Análise de Imagem – uma adequação para o uso


escolar
Apesar deste sistema ser uma base consistente para compor
uma audiodescrição de obras de arte e imagens, quando o contexto desta é
a sala de aula em que o professor-audiodescritor interage diretamente com
o usuário, é necessário que sejam feitas as adequações que se considerar
necessárias, mas sem esquecer de elencar algumas informações básicas da
obra sobre gênero, hierarquia clássica dos gêneros da pintura, matéria, téc-
nica escola/movimento/estilo (ADERALDO, 2017).
No momento que o professor-audiodescritor vai fazer o roteiro
de audiodescrição de imagens, deve considerar também os seguintes as-
pectos: as informações de etiqueta, como o nome do artista, nacionalidade,
título, data, técnica, dimensões e detentor da custódia da obra; tamanho
(caso considere relevante); uma apresentação geral do tema e da composi-
ção da obra (tonalidade das cores e o tipo de clima que cria); os materiais,
técnicas e suporte empregados na obra, pois pode facilitar na identificação
da escola, movimento ou período; evitar expressões ambíguas e que não
condizem com a faixa etária do público; abordar o valor histórico e social
da obra.
Além disso, para melhor elaborar um roteiro de audiodescrição
de imagens como gravuras, fotografias e obras de arte, o professor-audio-
descritor poderá utilizar-se do Esquema Síntese de Análise de Imagem, cria-
do pela autora deste trabalho seguindo e adaptando os modelos de O’Toole
(1994) e Aderaldo (2014), e que apresenta a mudança de não trazer clara e
separadamente as funções Modal, Representacional e Composicional previs-
tas nestes outros modelos, e, nas Unidades, também foram feitas modifi-
cações, pois ao invés de chamar de Obra, o Episódio, a Figura e o Membro,
a denominamos de Elementos da Obra, das Personagens e dos Membros,
conforme se pode observar no Quadro 2 Esquema Síntese de Análise de
Imagem e na qual detalharemos melhor a seguir.

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Quadro 2 - Esquema síntese de análise de imagem
TIPO DE IMAGEM: OBRA DE ARTE, GRAVURA E FOTOGRAFIA
• Contexto, técnicas e materiais usados pelo autor;
• Linhas e formas geométricas: abstratas, humanas ou
naturalistas;
ELEMENTOS
• As cores: cromáticas, harmônicas, contrastantes, sim-
DA OBRA
bólicas, textura.
• Cenário: representa temporalidade, lugar ou cultura;
• Tamanho e formas comparadas ao mundo da PcDV.
• As personagens: interação, agrupamento, individualis-
mo;
ELEMENTOS • Elementos dominantes: alguém se destaca;
DAS • Ações e sentimentos;
PERSONAGENS • Expressões faciais, corporais e posturas;
• Percepções sensoriais;
• Enquadramento, foco, escola.
• Simétrico ou assimétrico;
ELEMENTOS • Nexo entre os elementos: paralelismo, oposição, ritmo;
DOS MEMBROS • Olhar: direção, emoção, interrelação com o espectador;
• A relação da parte com o todo: significado, harmonia.
Fonte: Elaborado pela autora.

A Função Composicional
Iniciar uma análise pela função composicional impõe-se que se
visualize inicialmente a composição do todo ao invés de se ater aos deta-
lhes. Isto parece algo óbvio, mas se não se atenta passa-se despercebido.
Para melhor compor a análise e elaboração da audiodescrição da imagem
tentaremos responder as perguntas de sistematização pré-análise semiótica
de Aderaldo (2014).
Enquanto na Unidade Obra as questões elencadas por Aderaldo
foram: Há predomínio de linhas, formas ou cores? Existem formas geomé-
tricas? As cores são distribuídas por peso cromático? Elas demarcam espa-
ços físicos ou sugerem temporalidade? O material e a técnica contribuem
para revelar a semiótica social do artista? As cores estão em harmonia ou
em contraste cromático?
A autora unifica em um mesmo bloco de perguntas as Unidades
previstas por O’Toole como Episódio e Figura a qual Aderaldo passa a cha-
ma de Figura ou Conjunto de Figuras que, nessa função, possui duas inda-
gações: As figuras formam agrupamentos? As figuras se interrelacionam?
Sobre a Unidade Membro, a supracitada autora elencou as se-
guintes questões: Existem relações de nexo entre os elementos? Existe si-
metria? Os elementos se relacionam por paralelismo ou por oposição?

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A Função Modal
Na Função Modal, Aderaldo (2014) elencou para cada unida-
de uma série de questões que pudessem levar o professor-audiodescritor a
elaborar um roteiro que fizesse tanto o aluno não vidente quanto o vidente
perceberem qual foi a relação que o espectador/audiodescritor teve com o
quadro, a cena e os personagens nele retratados.
Na Unidade Obra a autora nos leva a indagar: Entre possíveis
elementos dominantes, algo ou alguém se destaca entre os demais? Há in-
formações que dependam do background do observador? São informações
relacionadas à intertextualidade, simbolismo, ironia ou omissão? As cores
sugerem forma ou textura? Sugerem sensação física?
Na Unidade Figura ou Conjunto de Figuras os questionamentos
são: Entre possíveis elementos dominantes, algo ou alguém se destaca en-
tre os demais? Há informações que dependam do background do observa-
dor? São informações relacionadas à intertextualidade, simbolismo, ironia
ou omissão? As cores sugerem forma ou textura?
Na Unidade Membro as perguntas são: É possível definir o vetor
do olhar das figuras? O olhar é obliquo, direto, compartilhado entre os
componentes ou é do tipo não-olhar? De que modo o olhar engaja o espec-
tador? As cores estão relacionadas às emoções?

A Função Representacional
A representatividade textual da imagem do quadro nos leva a
pensar em alguns elementos que são fundamentais e devem ser conside-
rados para que essa mensagem seja passada para o aluno com deficiência
visual.
Dentre esses elementos, na Unidade Obra o professor-audiodes-
critor deverá se atentar em responder: Quem ou o quê está representado?
São figuras humanas? Abstratas? Antropomórficas? As figuras são natura-
listas como nas fotos ou não? Existe alguma pista sobre a época e o lugar
da representação? Qual? O cenário contribui para informar dados sobre a
cultura representada? As cores são relacionadas a algum tipo de represen-
tação?
Já na Unidade Figura ou Conjunto de Figuras, Aderaldo (2014)
apenas nos leva a indagar: Alguém está fazendo algo? É possível identificar
“estados de espírito” pelas expressões faciais ou gestuais?
Na Unidade Membro as indagações que a autora nos leva a fazer
são: Trata-se de parte significativa em relação ao todo? Por quê? A parte do
corpo, do objeto ou da figura geométrica se destaca em relação ao todo? A
soma das partes é harmônica em relação ao todo?
Todas essas questões devem ser consideradas relevantes e adap-
tadas adequadamente para cada caso, contexto de sala de aula, conteúdo

- 57 -
programático, disciplina e imagem/obra de arte utilizada no contexto es-
colar.

Para não concluirmos [...]


A pintura tem a qualidade de ser silenciosa e estática, mas inin-
terruptamente. É como se os diversos fatores que a compõem formassem
um corredor que liga o momento que a obra foi feita e o telespectador na
hora que olha para o quadro, como se fosse uma viagem no tempo através
do silêncio e imobilidade da imagem.
Quando o espectador é privado daquele que é o sentido mais
aguçado e que tem predomínio no quesito aquisição de mundo, torna-se
ainda maior o desafio de se compreender uma obra de arte ou uma imagem
com sentidos ambivalentes, complexos e, algumas vezes, de ampla repre-
sentatividade.
Nesse contexto a audiodescrição apresenta-se como um recur-
so de acessibilidade muito válida e que as pesquisas têm mostrado ser de
relevantes significados para as Pessoas com Deficiência Visual, tanto no
contexto escolar quanto sociocultural, mas que ainda necessita de muitos
investimentos para que se amplie a disponibilidade de formação de profis-
sionais e capacitação docente como forma de garantia dessa acessibilidade.
Entendemos, que esta pesquisa conseguiu atingir o intuito de
apontar estratégias para que o professor-audiodescritor acessibilize ima-
gens para pessoas com deficiência visual na sala de aula regular. Muitas
questões e indagações como as levantadas por O’Toole são imprescindíveis
à facilitação da ação docente no tocante a elaborar, analisar, socializar e
reavaliar uma audiodescrição de imagens/obra de arte. Todas essas ques-
tões e elementos são pontos cruciais e que podem fazer a diferença na ação
docente do professor-audiodescritor que necessita e assume a responsabili-
dade de atuar em sala de aula em prol da efetivação da inclusão das pessoas
com deficiência visual no contexto escolar e que, consequentemente, pode-
rá tornar esses sujeitos seres mais ativos e letrados capacitados para serem
cidadãos de deveres e direitos, mas, acima de tudo, capazes de mudar o
mundo e sua realidade.

Referências
ADERALDO, M. F. Audiodescrição de Obras de Artes Visuais. UAB/
UECE – Especialização em Audiodescrição. Fortaleza: EdUECE, 2017.
ADERALDO, M. F. Proposta de parâmetros descritivos para audiodes-
crição à luz da interface revisitada entre tradução audiovisual acessível
e semiótica social: multimodalidade. 2014. 189f. Tese (Doutorado em Le-
tras) – Faculdade de Letras, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo

- 58 -
Horizonte, 2014.
BRASIL. Ministério da Cultura. Guia orientador para acessibilidade de
produções audiovisuais. Brasília: Minc/SAV, 2015.
CARPES, D. S.; SOSTER, D. de A. Audiodescrição no jornalismo labo-
ratorial. In: CARPES, D. S.; SOSTER, D. de A. (Org.). Audiodescrição:
práticas e reflexões. Santa Cruz do Sul: Catarse, 2016.
IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Brasília, 2010.
LIMA, P. V. B. de. A dança das palavras: Uma proposta de etiquetagem
para a análise do roteiro de audiodescrição de dança. 2016. 145f. Disserta-
ção (Mestrado acadêmico em Linguística Aplicada) - Universidade Esta-
dual do Ceará, Fortaleza, 2016.
NUNES, M. da S. Uma proposta de audiodescrição de pinturas de Brue-
gel sob a perspectiva dos estudos da tradução e da semiótica social mul-
timodal. 2016. 187f. Tese (Doutorado em Linguística Aplicada) – Centro
de Humanidades, Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada,
Universidade Estadual do Ceará, Fortaleza, 2016.
OLIVEIRA JÚNIOR, J. N. de. Ouvindo imagens: a audiodescrição de
obras de Aldemir Martins. 2011. 125f. Dissertação (Mestrado Acadêmico
em Linguística Aplicada) – Centro de Humanidades, Programa de Pós-
-Graduação em Linguística Aplicada, Universidade Estadual do Ceará,
Fortaleza, 2011.
O’TOOLE, M. The language of displayed art. Rutherford, Madison, Te-
aneck: Fairleigh Dickinson University Press. 1994.

- 59 -
- 60 -
O DISCURSO PUBLICITÁRIO COMO
VIA DE DESCONSTRUÇÃO DO
RACISMO NO BRASIL8
Maria Regislane Frota Félix
Francisco Moura Valente Junior

Introdução
Estruturado em nossa história desde os tempos da colonização,
o racismo no Brasil influencia a maneira de funcionamento da sociedade,
baseando-se na crença de superioridade de raças e tendo como principais
consequências: exclusão social, opressão, desigualdade e violência tanto
física quanto psicológica contra o povo negro. Abordando o lado da comu-
nicação, o racismo foi e ainda é propagado através de representações, uso
de estereótipos e discursos que sustentam a ideologia racista no país, de-
terminando a visão de mundo, características e posicionamentos brancos
como modelo ideal de sociedade e com isso, desconstruindo os elementos
que constituem a identidade cultural do povo negro do país.
No âmbito da comunicação, a propaganda possui uma grande
responsabilidade na disseminação do pensamento racista, seja pelos
seus diversos elementos preconceituosos em sua execução ou em seu
discurso aliado ao seu poder de alcance. Para Silva (1976) a propaganda
pode funcionar como elemento político e age com a função de divulgar
doutrinas, opiniões e informações baseadas em fatos (reais ou não) com a
finalidade de influenciar o comportamento do público atingido.
A escolha do nosso objeto de pesquisa parte de uma subjetivi-
dade, por ser negra e publicitária e por observar a maneira como o racismo
está enraizado em nossa sociedade, percebeu-se o quanto esse estudo se
faz necessário na nossa realidade hoje. Ao refletir sobre esse objeto nos
deparamos com a seguinte problemática: Em que medida o discurso pu-
blicitário corrobora para a desconstrução do racismo no Brasil? Embora
seja complexo romper com o problema definitivamente, o fato de tocar no
tema e apontar soluções se torna fulcral, contribuindo, assim, para uma
desconstrução do ideal branco, ressignificando, até mesmo, o papel da pro-
paganda na sociedade brasileira.
O presente artigo tem como objetivo geral identificar o discurso
publicitário como uma via de desconstrução do racismo no Brasil. Para

8 Artigo apresentado para a conclusão do curso de Comunicação Social – Habilitação em Publicidade e


Propaganda.

- 61 -
atingir tal objetivo traçamos os seguintes objetivos específicos: estudar
sobre o racismo- o que é a sua definição, quais as suas consequências na
construção do pensamento das massas e em que ele afeta na construção
da identidade cultural do negro no país- identificar a parcela de culpa da
comunicação na propagação dessa ideologia; analisar o racismo presen-
te nas entrelinhas do discurso de propagandas previamente selecionadas
e analisar propagandas que coadunam com nossa tese de que o discurso
publicitário pode funcionar como um artefato educativo no processo de
desconstrução da ideologia racista no País e, dessa maneira, dar um pro-
pósito e reposicionar a imagem do negro na mídia, além de ressignificar a
maneira de se comunicar com o público consumidor.
Apontamos neste trabalho que por mais que o racismo seja um
problema estrutural, é necessário que os profissionais da comunicação ini-
ciem o debate sobre essa ideologia, visto que os meios de comunicação
possuem grande influência na formação do pensamento das pessoas e que
revejam a forma de transmitir uma mensagem.

Racismo e identidade cultural


Podemos definir o racismo como um sistema de dominação ba-
seado em uma ideologia de superioridade de raças. Para Van Dijk (1993)
essa dominação resulta em um abuso de poder de um grupo sobre outro,
que se manifesta em sistemas inter-relacionados de práticas sociais e cog-
nitivas, através das diversas formas de marginalização, discriminação, ex-
clusão, violência física e psicológica e por ideologias estereotipadas.
Supõe-se que as pessoas reproduzem tais comportamentos, por-
que elas acreditam que esses indivíduos são inferiores, considerando que
possuem menos direitos e por essa razão, as suas práticas são justificadas.
É válido ressaltar que o pensamento racista é algo que é aprendido pelo
homem por meio do discurso, seja ele repassado pelas pessoas do seu con-
vívio ou pelos estímulos recebidos dos meios de comunicação, cujos ele-
mentos que constroem a identidade cultural do negro no país são, muitas
vezes, tratados de forma pejorativa e caricata.
[...] O discurso é a prática social que relaciona esses dois campos
de racismo. Ele próprio é uma prática social que se destaca entre
outras sendo quase que exclusivamente a prática das elites e das
instituições simbólicas [...] Os processos de produção e reprodução
públicas de conhecimento, opiniões e ideologias deveriam, então,
ser essencialmente definidos em termos de práticas discursivas de
instituições dominantes e de suas elites [...] Devido a resistências
das minorias ou a opressão externa alguns agentes de mudança, en-
tre as elites políticas midiáticas e acadêmicas podem começar a for-
mular discursos alternativas que questionam, criticam e se opõem
a discursos dominantes e outras práticas. (VAN DIJK, 1993, p. 33).

- 62 -
Hall (2003) considera que o racismo biológico, determina-
do pela cor da pele é disseminado pelo discurso para denotar diferenças
sociais e culturais. Segundo ele, existe um discurso enraizado de que os
negros são preguiçosos e indolentes, os quais também são caracterizados
inferiormente em termos físicos.

O racismo biológico privilegia marcadores como a cor da pele. Es-


ses significantes têm sido utilizados também, por extensão discur-
siva, para conotar diferenças sociais e culturais. A “negritude” têm
funcionado como signo da maior proximidade dos afro-descen-
dentes [sic] com a natureza e, consequentemente, da probabilidade
de que sejam preguiçosos e indolentes, de que lhes faltem capa-
cidades intelectuais de ordem mais elevada, sejam impulsionados
pela emoção e o sentimento em vez da razão, hipersexualizados,
tenham baixo autocontrole, tendam a violência etc. Da mesma
forma, os estigmatizados por razoes étnicas, por serem “cultural-
mente diferentes” e, portanto, inferiores, são também caracteriza-
dos em termos físicos (embora talvez não tão visivelmente quanto
os negros), sustentados por estereótipos sexuais (os negros seriam
excessivamente masculinizados, os orientais afeminados etc.)- O
referente biológico nunca opera isoladamente, porém nunca está
ausente, ocorrendo de forma mais indireta nos discursos de etnia.
Quanto maior a relevância da “etnicidade”, mais as suas caracterís-
ticas são representadas como relativamente fixas, inerentes ao gru-
po, transmitidas de geração em geração não apenas pela cultura e a
educação, mas também pela herança biológica, inscrita no corpo e
estabilizada, sobretudo, pelo parentesco e pelas regras do matrimo-
nio endógamo, que garantem ao grupo étnico a manutenção de sua
“pureza” genética e, portanto, cultural (HALL, 2003, p. 70).

Mas afinal, o que é identidade cultural?


A identidade cultural é uma construção em constante transfor-
mação que é fundamentada em um conjunto de práticas e crenças cul-
turais, onde o indivíduo se identifica sentindo-se parte integrante de tal
comunidade ou cultura, ou seja, identidade cultural é um processo de
identificação através de um conjunto de elementos que uma pessoa ou um
determinado grupo entende como características que moldam a sua histó-
ria e personalidade. “As identidades culturais são pontos de identificação,
os pontos instáveis de identificação ou sutura, feitos no interior dos discur-
sos da cultura e da história” (HALL, 1996, p. 70).

Utilizo o termo “identidade” para significar o ponto de encontro,


o ponto de sutura, entre, por um lado, os discursos e as práticas
que tentam nos “interpelar”, nos falar ou nos convocar para que
assumamos nossos lugares como os sujeitos sociais de discursos
particulares e, por outro lado, os processos que produzem subjeti-

- 63 -
vidades, que nos constroem como sujeitos aos quais se pode “falar”.
As identidades são, pois, pontos de apego temporário às posições-
-de-sujeito que as práticas discursivas constroem para nós (Hall,
1995) [sic]. Elas são o resultado de uma bemsucedida articulação
ou “fixação” do sujeito ao fluxo do discurso [...] (HALL, 2000, p.
111).

Partindo do pressuposto observado anteriormente, no que se


refere ao racismo e identidade, duas questões se fazem necessárias: Como
o pensamento racista é disseminado na sociedade? Qual o papel da comu-
nicação nesse processo de propagação?
Considerando que o homem não nasce racista, sabemos que os
estímulos do ambiente onde ele vive e dos meios de comunicação o tor-
nam. Estamos imersos numa sociedade onde o racismo é um problema
estrutural, pois desde os tempos da colonização está inserido na constru-
ção do pensamento das pessoas.
Segundo os profissionais da linguística e da semiótica, as dife-
renças é que fazem o mundo ter sentido para o homem, assim um indiví-
duo adquire a sua identidade é colocado na frente de outro indivíduo. De
acordo com Landowski (2012) o outro do ponto de vista social faz o papel
do estrangeiro que foge dos padrões e por essa causa é interpretado como
“exótico” “selvagem” e como na nossa sociedade a figura do homem branco
europeu é o ideal a ser conquistado em todos os aspectos, o negro acaba
exercendo o papel do “estrangeiro”. É justamente desse choque de diferen-
ças que nascem os discursos de identidade que na maioria de suas vezes
são intolerantes e embasados em preconceitos.
A busca constante por esse padrão acaba desvalorizando e ca-
racterizando tudo aquilo que não pertence ao padrão europeu como algo
“feio”, “exótico” ou “anormal”, se considerarmos o ponto de vista estético.
Analisando outros aspectos como as manifestações culturais, quase sempre
a cultura negra é vista como algo marginal e sempre associado ao “ruim”,
“perigoso”, “errado” e que possui influência negativa para a sociedade.
Notavelmente, a comunicação possui uma grande parcela de
culpa no processo de disseminação da ideologia racista, pois explicitamen-
te ou não ela, acaba abraçando em sua construção elementos que exaltam o
ideal branco em detrimento da cultura negra, aprofundando cada vez mais
a mentalidade racista ao disseminar o conceito do branco como “puro”,
“belo” e “bom” enquanto o negro é relacionado a algo “ruim”, “mal” e “sujo”.
Para compreendermos como esse processo foi construído é ne-
cessário que entendamos como isso se deu. O racismo chegou ao Brasil
através das caravelas dos portugueses que aqui se instalaram, trazendo sua
cultura, religião e seus preconceitos. Dessa forma implantaram seus valo-

- 64 -
res e ideologias na construção do pensamento e juízo de valor em nossa
cultura. Pinsky (1988) aponta que a utilização dos escravos afrodescenden-
tes no País se deu como forma de compensação frente à perda da mão-de-
-obra da população indígena que, por sua vez, não estava dando conta da
demanda exploratória das lavouras de café e cana-de-açúcar. Relata, ainda,
que além de se confundirem vida e mercadoria nesse regime escravista, as
condições de trabalho eram péssimas, cuja jornada de trabalho chegava
a dezoito horas por dia, sendo insuficiente a alimentação que recebiam,
assim como o tempo de descanso necessário ao ser humano. Relata, ainda,
que, existia uma clara divisão de classe nesse curto espaço de tempo em
que não estavam a serviço da Casa Grande, no qual viviam nas Senzalas,
em condições de existência deploráveis e desumanas.
A escravidão não é um fato do passado. A herança escravista con-
tinua mediando nossas relações sociais quando estabelece distin-
ções hierárquicas entre trabalho manual e intelectual. Assassinar a
memória, escondendo o problema, é uma forma de não resolvê-lo
(PINSKY JAIME, 1988).

Todo esse processo que se deu no início da nossa história re-


sultou em sérias consequências na sociedade contemporânea brasileira.
Devido ao discurso racista ter sido repetido tantas e tantas vezes na nossa
sociedade, as pessoas acabam reproduzindo através de comportamentos,
expressões e estereótipos o pensamento racista, pois como essa ideologia é
estimulada desde sempre no nosso inconsciente, acabamos tomando como
hábito tais práticas de maneira involuntária e sem saber acabamos contri-
buindo para a perpetuação desse pensamento.
É importante ressaltar que a comunicação por meio do
seu discurso dissemina e reforça identidades e que a recorrência da
representação do negro em papéis de subserviência, apenas de forma
integrante, ou até mesmo a falta da representatividade do negro nas mídias
é um reforço à ideologia racista. Van Dijk (1993) afirma que “Quase tudo o
que a maioria das pessoas sabe sobre países não europeus, sobre imigrantes
e minorias, elas aprendem com as mídias. O mesmo acontece em relação as
suas opiniões e atitudes que por sua vez são a base de práticas de discrimi-
nação e exclusão.” Tal afirmação nos leva a refletir sobre a função educativa
que as mídias também exercem.
Diante disso, podemos analisar que o indivíduo que não se per-
cebe nos meios de comunicação, consequentemente, se sente parte excluí-
da do ambiente em que está inserido e passa a não aceitar as características
que compõem a sua identidade. Por isso, comumente identificamos exem-
plos de meninas negras e adolescentes que amedrontadas com o bullying
por parte da sociedade passam a alisar os cabelos e a se submeterem a

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procedimentos estéticos para se enquadrar no ideal branco ou, ao menos,
disfarçar a sua negritude, pois como é possível se identificar em algo que
você não se enxerga?
Partindo desses pressupostos referentes à identidade e represen-
tatividade é hora de analisarmos a propaganda no seu contexto publicitário
e refletir sobre como ela atua na propagação do racismo na sociedade e na
formação do pensamento das massas.
Entendido o processo do racismo, nosso próximo capítulo será
entender o papel da comunicação na disseminação desse processo, tendo
como objeto de estudo a propaganda no contexto publicitário, sua defini-
ção, e como o negro é representado na mídia.

A propaganda
Uma das ferramentas de persuasão na comunicação com maior
poder de alcance e influência é a propaganda, por essa razão nós a escolhe-
mos como objeto de estudo. Nossa proposta é identificar a sua função no
processo de transmissão da mensagem e analisar os elementos presentes
em sua linguagem final que corroboram para disseminar o pensamento
racista no Brasil. Além disso, nos propomos analisar como o negro está
sendo representado na mídia atualmente.
Segundo Silva (1976 apud BRANDÃO, 2006, p. 50-51) a pro-
paganda pode ter duas funções: política e comercial. No âmbito político,
a propaganda dissemina doutrinas, opiniões, informações e afirmações,
baseados em fatos, verdadeiros ou não, com o propósito de persuadir e in-
fluenciar o pensamento do público alcançado. No âmbito comercial, a pro-
paganda divulga a mensagem final, com o intuito de influenciar o público
consumidor, gerando uma necessidade de compra. Em ambos os casos,
nota-se que a propaganda divulga uma mensagem com fins educativos, ou
seja, no processo de comunicação, a propaganda instrui o seu público de
acordo com as suas ideologias.
Diante do fato de que a ideologia racista está enraizada em nos-
sa cultura, percebemos que, não por raras vezes, o discurso racista é propa-
gado até mesmo inconscientemente por pessoas que não se dizem racistas,
o que confirma a naturalização do racismo nesse País, cujas ocorrências
se dão explicitamente ou implicitamente por meio do discurso. Por isso,
é importante estarmos atentos às ideologias que são propagadas por meio
das propagandas, pois não existe uma que esteja livre de um discurso ideo-
lógico.
Orientada por esse racismo culturalmente enraizado, a comuni-
cação trata o negro, em sua maioria, como algo caricato ou estereotipado,
exemplo disso são as várias representações de “black face” ou da “mulata

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passista” das escolas de samba, que, constantemente, os meios de comuni-
cação representam por meio do humor tentando justificar tal caricatura
preconceituosa como algo engraçado e que, por isso, não deve ser encarado
como manifestação racista. Se observarmos a representação do negro na
hierarquia social em propagandas ou novelas, veremos que a situação não é
diferente, pois também nesses cenários, ele sempre é retratado em posições
de subserviência como empregadas domésticas, babás, motoristas, segu-
ranças, ou seja, o negro nunca possui uma posição de destaque.
Embasados nessa percepção, selecionamos dois comerciais na-
cionais que ficaram conhecidos por apresentar conteúdos de cunho racista,
analisamos o propósito e identificamos os elementos que o tornam precon-
ceituosos. A análise dessas peças permitiu-nos refletir sobre a parcela de
culpa que a comunicação tem na perpetuação da ideologia racista. Sobre
esse aspecto, consideramos que a reflexão crítica das propagandas permite
apontar um caminho para uma mudança estrutural e ideológica na forma
de transmitir uma mensagem.
Os comerciais que escolhemos para analisar não foram bem
aceitos pelo público e até alvo de denúncias no CONAR (Conselho Nacio-
nal de Autorregulamentação Publicitária). Dentre os elementos observa-
dos o que mais chama atenção são os usos de estereótipos negros.
De acordo com a sua própria definição disponibilizada em seu
site, o CONAR é “[...] uma instituição que fiscaliza a ética da propagan-
da comercial veiculada no Brasil, norteando-se pelas disposições contidas
no Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária [...]”, ou seja, o
CONAR é um código que avalia o teor das propagandas de acordo com as
suas denúncias. Embora não possua poder para multar ou fazer com que a
peça saia do ar, geralmente as agências e os meios de comunicação costu-
mam atender as suas reivindicações.
Para analisar os elementos das peças escolhidas é necessário en-
tender o contexto em que elas estão inseridas, e o que cada representação
significa e, dessa forma, identificar onde estão os elementos racistas das
peças para, em seguida, apontarmos soluções.
Escolhemos como objetos de estudo as propagandas “É pelo
corpo que se reconhece uma negra”, da cerveja Devassa e a campanha “Dia
da mulher Brasileira”, campanha veiculada pela Riachuelo, em 2015. Fa-
zendo um contraponto, para analisamos as peças antirracistas, as quais es-
colhemos, “Jovem negro vivo”, anunciado pela Anistia Internacional, outra
peça feita pela Unicef, intitulada “Thiago”, na qual denuncia os efeitos cau-
sados pelo racismo e outra “Todas as cores contra o racismo” anunciado
pela Fox Sports. Para interpretar as informações escolhemos a categoria de
Análise do Discurso, pois a mesma contribui para um olhar mais crítico,

- 67 -
entendendo o discurso em suas diversas camadas que o compõe, o dito, o
interdito e não dito, que são elementos intrinsicamente ligados à cultura.

Análise das peças


Na campanha publicitária da cerveja Devassa Negra, veiculada
no ano de 20129, podemos perceber a objetificação da mulher negra que
vestida em trajes sensuais é comparada a cerveja. A frase de efeito da peça
“é pelo corpo que se reconhece uma verdadeira negra”, além de realizar
erroneamente um trocadilho com a composição da cerveja, reforça o este-
reótipo de que toda mulher negra é sensual e com muitas curvas e que, por
isso, é reconhecida por todos devido ao seu corpo escultural. Mais uma vez
a imagem da mulher negra é generalizada e estereotipada.
Vale lembrar que no ramo das bebidas a mulher, em geral, é tra-
tada de maneira vulgarizada, “bonita”, “corpo de violão”, “sedutora”. A ideia
da mulher negra sensual e relacionada com o sexo bebe de nossa heran-
ça colonial, cujo período considerava as negras como aptas à fornicação.
Freyre (1973) relata sobre o papel sexual desempenhado por essas mulhe-
res, reproduzindo o ditado popular da época, que dizia: “Branca para casar,
mulata para foder e negra para trabalhar.”
Na contramão desse discurso estereotipado, consideramos que
é preciso encontrar uma forma de vender o produto focando nas qualida-
des e particularidades do produto sem associar a algo ou alguém de forma
pejorativa, pois a mulher no contexto desta peça só está sendo usada como
elemento apelativo para a venda da cerveja como se ela mesma também
fosse um produto para ser consumido. O comercial foi retirado do ar após
denúncias alegando racismo, fato que revela que os consumidores também
assumem papel importante nessa desconstrução do racismo.
Em 2014, uma campanha em homenagem ao Dia da Mulher,
as Lojas Riachuelo veicularam um vídeo10 que retrata uma mulher sendo
vestida e adornada. O problema identificado é que durante todo o vídeo a
mulher (branca) é arrumada por braços e mãos negras, e dessa forma colo-
cando-a em posição de subserviência, ou seja, ela apenas serve, e em mo-
mento nenhum é colocada como consumidora. Esse é mais um exemplo de
como o negro é representado na mídia, em posição coadjuvante, serviçal.
Baseados nas duas peças que avaliamos constatamos que a mu-
lher e o homem negro precisam começar a serem vistos com mais respeito
na mídia, uma vez que durante muitos anos eles foram explorados, violen-
tados e minimizados pelos povos brancos, Independente do preconceito
retratado nesses dois exemplos ser implícitos ou explícitos, é inadmissível
9 Disponível em:https://www.geledes.org.br/e-pelo-corpo-que-se-reconhece-a-verdadeira-negra-devassa-
-negra-deve-alterar-conteudo-racista-e-sexista-de-propaganda/. Acesso em: 10 set. 2020.
10 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=3GPFMI5WtFI. Acesso em: 10 set. 2020.

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que tais pensamentos ainda sejam propagados pelos meios de comunica-
ção. É necessário ter muito cuidado e, principalmente, procurar desvincu-
lar a imagem do negro dos estereótipos que a ele é associado.
O racismo só será desconstruído no Brasil se a comunicação
entender que precisa mudar a maneira do seu discurso. Sabe-se que esse
processo acontecerá de maneira lenta e gradual, mas positivamente exis-
tem marcas que entendem a importância desse processo e trabalham para
romper com essa ideologia. Nesse sentido, selecionamos três campanhas
antirracistas para analisarmos os elementos em seu discurso.
Percebendo a necessidade do debate, a Anistia Internacional
decidiu lançar a campanha “Jovem negro vivo”. O filme11 faz uma crítica
social sobre a invisibilidade do negro na sociedade. Durante todo o vídeo,
o jovem caminha por diversos ambientes e estranha o fato de observar vá-
rias pessoas invisíveis realizando atividades comuns, sujeitos esses que são,
na verdade, vítimas de violência. No final do filme o protagonista sofre a
violência e passa a ser mais um “invisível” entre vários outros na nossa
realidade. Essa invisibilidade faz referência a indiferença que o assunto
possui nas agendas públicas.
A campanha da Unicef intitulada “Thiado”12, produzida pela
agência Ogilvy, que foi premiada em Cannes com o Leão de Bronze, aborda
os efeitos que o racismo causa na sociedade, as desvantagens que o negro
possui em relação às crianças brancas e algumas das várias formas de vio-
lência que o personagem Thiago está sujeito a sofrer apenas por não ter a
pele branca. A campanha também visa alertar a sociedade sobre o reflexo
negativo que o racismo causa na infância e na adolescência, buscando mo-
bilizar a sociedade brasileira para a necessidade de assegurar a equidade e
a igualdade étnico-racial entre os indivíduos.
Por fim, temos a campanha “Todas as cores contra o racismo”13,
veiculada em 2014. A ideia da ação surgiu após o Jogador Tinga sofrer
ofensas racistas por parte dos torcedores durante o primeiro jogo contra o
Real Garcilaso, no Peru. No jogo de volta, a Fox Sports colocou a escalação
dos jogadores representadas por desenhos pintados por crianças, alegando
que devido sua inocência a cor das pessoas não importa, e para a sociedade
também não deveria importar.
Iniciativas como as citadas anteriormente corroboram para a
desconstrução do racismo no Brasil. A ideologia racista não pode ser na-
turalizada. Devemos refletir sobre os discursos, identificar as ideologias
existentes por trás deles para descontruir as que são preconceituosas e nes-
11 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=lM2To-4c51M. Acesso em: 10 set. 2020.
12 Disponível em: https://elosdasaude.wordpress.com/2011/07/06/campanha-do-unicef-sobre-racismo-
-ganha-premio-internacional/. Acesso em: 10 set. 2020.
13 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=CpOMjw0CxQA. Acesso em: 10 set. 2020.

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se âmbito, consideramos a propaganda como importante instrumento de
desconstrução.

Conclusão
Por meio dessa pesquisa verificamos que a comunicação em seu
discurso contribui para a disseminação do racismo no Brasil. Em contra-
partida percebemos que este mesmo meio pode ser utilizado para propa-
gar a desconstrução dessa ideologia. Um discurso antirracista deve ser vin-
culado. A comunicação deve assumir uma postura mais crítica e humana,
tendo em vista que essa também exerce a função de educar, e a educação,
por sua vez, deve formar o indivíduo em sua plenitude para o exercício
da cidadania. No âmbito acadêmico, deve-se tocar no assunto com mais
afinco, a fim de que os novos profissionais do mercado publicitário estejam
preparados para uma mudança na construção do pensamento da socieda-
de.
Conclui-se que da mesma proporção que o discurso publi-
citário atua na propagação do preconceito explícito ou não, ele pode ser
transformado em um artefato educativo no processo de desconstrução dos
valores racistas na mente da sociedade. Avaliamos que a desconstrução do
racismo deve ser uma busca diária e constante e que deve partir de cada
indivíduo. A comunicação possui grande importância nesse processo e,
por isso, possui a obrigação de rever a maneira como constrói as suas cam-
panhas e passar a produzir seus conteúdos baseados em propósitos iguali-
tários, não apenas o colocando o negro de forma integrante.
Afinal, consentir em continuar representando a figura do negro
de forma estereotipada e caricata, focando apenas no lucro, é uma forma
de perpetuação do racismo, É necessário entender que as pessoas negras
assim como as pessoas brancas, participam ativamente do processo de
compra, opinam sobre posicionamento das marcas, possuem sua cultura
e seus valores, se organizam, se manifestam e, principalmente, que seguem
resistindo as formas de preconceitos impostos. Portanto, a nova orienta-
ção que propomos contribui para dar fim à propagação dos estereótipos,
acabando também com a objetificação e sexualização do negro nas mídias.
Referências
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o regime da economia patriarcal. 49 ed. São Paulo: Global, 2003. Dispo-
nível em: https://gruponsepr.files.wordpress.com/2016/10/freyre_gilber-
to_casa_-_grande__senzala.pdf. Acesso em: 16 jun. 2018.
HALL, S. Identidade cultural e diáspora. In: Revista do Patrimônio Histó-

- 70 -
rico e Artístico. nº 24 ,1996. p. 65.
HALL, S. Da diáspora: identidade e mediações culturais. Belo Horizon-
te: UFMG, 2003. Disponível __em: < https://iedamagri.files.wordpress.
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HALL, S. Quem precisa da identidade? In: SILVA, Tomaz Tadeu da (Org.).
Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais. 6.ed. Petrópo-
lis: Vozes, 2000.
HASENBALG, Carlos -Alfredo. Discriminação e desigualdades raciais
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LANDOWSKI, E. Presenças do outro. São Paulo: Perspectiva, 2012.
PINSKY, Jaime. A escravidão no Brasil. 21 ed. São Paulo: Contexto, 1988.
SILVA, Zander Campos da. Dicionário de Marketing e Propaganda. Rio
de Janeiro: Pallas S.A, 1976.
VAN DIJK, Teun A. Discurso e Desigualdade social. Cidade: São Paulo
Contexto, 2015.

Locais de acesso das propagandas utilizadas


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tps://www.geledes.org.br/e-pelo-corpo-que-se-reconhece-a-verdadeira-
-negra-devassa-negra-deve-alterar-conteudo-racista-e-sexista-de-propa-
ganda/. Acesso em: 10 jun. 2018.
Dia Internacional da Mulher Brasileira. Produção: Lojas Ria-
chuelo veiculação nacional Ano. 2014 Propaganda, 30”. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=3GPFMI5WtFI. Acesso em: 13 jun. de
2018.

Jovem negro vivo. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=l-


M2To-4c51M. Acesso em:12 jun. 2018.
Thiago. Disponível em: http://elosdasaude.com.br/campanha-do-unicef-
-sobre-racismo-ganha-premio-internacional/. Acesso em: 12 jun. 2018.
Todas as cores contra o racismo. Disponível em: https://www.youtube.
com/watch?v=CpOMjw0CxQA. Acesso em: 20 jun. 2018.

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PATRIARCADO, TRABALHO E EDUCAÇÃO:
AS QUESTÕES DE GÊNERO E RAÇA/COR
NO MERCADO DE TRABALHO
Maria Helena Rodrigues Campelo
José Cristiano Lima Pereira

Introdução
A interação entre construção social do gênero e as relações de
trabalho evidenciam condição de subordinação histórica das mulheres no
trabalho. Considera-se como influências nesse contexto: processo de rees-
truturação produtiva como potencializador da inserção das mulheres no
mercado de trabalho; lógica de acumulação flexível do capital; luta femi-
nista pela emancipação feminina; queda da taxa de fecundidade; escolari-
dade das mulheres; inserção das mulheres nas universidades participação
das mulheres nas relações produtivas do mercado de trabalho; precari-
zação dos contratos de trabalho: subcontratação, terceirização, empregos
temporários e informais.
Outra perspectiva com enfoque no gênero é desenvolvida por
Saffioti (2004) que compreende as desigualdades como reflexo de uma so-
ciedade patriarcal, regida por um sistema hierárquico de poder que privi-
legia os homens, oprime, domina e explora as mulheres. Nesse contexto,
as diferenças físicas, sexuais e biológicas são utilizadas para justificar a
construção sociocultural da identidade feminina e dos papéis sociais, bem
como os lugares de passividade, submissão e violência das mulheres. A do-
minação nesse caso se revela nos conceitos de gênero, classe, raça e etnia,
orientação sexual, identificando os privilégios e a manutenção de poder e a
dominação do sistema binário, patriarcal e capitalista.
Wolff e Saldanha (2015) comentam a existência da luta das mu-
lheres pelos direitos desde o século XVIII, mas foi no século XIX que as
lutas ganharam força com o movimento social feminista, que tinha como
principal reivindicação o voto para as mulheres. As mulheres se organiza-
ram visando o direito de participação política, realizaram manifestações
públicas, petições, escreveram manifestos e realizaram pressões política,
isso possibilitou o reconhecimento das mulheres como sujeitos sociais. A
partir desse movimento as mulheres passaram a questionar padrões e ques-
tões consideradas privadas, como exemplo: a violência doméstica, os direitos
reprodutivos, a autonomia das mulheres quanto ao seu corpo, o direito ao
prazer, a escolha da maternidade, os cuidados com as crianças e os serviços
domésticos, bem como a exigência de intervenção de políticas de Estado.

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Para Wolff e Saldanha (2015) a primeira categoria utilizada nos
estudos sobre as diferenças entre mulheres e homens foi “sexo”, a subordi-
nação das mulheres era naturalizada, atribuída a seu sexo. O movimento
de mulheres questionou a composição da categoria mulher, uma vez que
não dava conta da complexidade das mulheres. Para as autoras, a partir dos
anos 1990, houve visibilidade da interseccionalidade entre as formas de
dominação: classe, raça, gênero, geração. Nesse contexto, segundo as auto-
ras, o termo gênero é usado na linguística para designar se um objeto ou
pessoa é feminino ou masculino, nas línguas latinas, mas em outras línguas
existe também o gênero neutro, expresso pelo pronome “it” em inglês, por
exemplo, ou “das” em alemão.
De acordo com Wolff e Saldanha (2015) o gênero foi configu-
rado como o primeiro critério de identificação das características sexuais
com papéis sociais. As mesmas ressaltam que essa hierarquia é “patriarcal”,
cujo poder foi privilégio dos homens sobre as mulheres. No sentido em
que tem sido usado recentemente, como uma categoria teórico-metodo-
lógica nas ciências humanas e sociais, seu uso remonta a 1968, quando o
psicólogo Robert Stoller empregou o termo para diferenciar a “identidade
sexual” construída por pessoas que hoje seriam chamadas de transexuais
ou intersex, de sua “identidade anatômica”.
Segundo Wolff e Saldanha (2015) outra perspectiva de análise
sobre gênero é a teoria queer que surgiu nos Estados Unidos, no fim da
década de 1980, como forma de oposição e crítica aos estudos sociológicos
sobre gênero e minorias sexuais, com o anseio de tentar entender a dinâmi-
ca da sexualidade e do desejo na organização das relações sociais. Para as
autoras, a teoria queer e a sociologia “compreenderam a sexualidade como
uma construção social e histórica, sob o pressuposto da normalidade da
sexualidade ser a heterossexualidade” (p. 37).
Em outra perspectiva de análise, Castro (1992) compreende os
impactos das relações de gênero no mundo do trabalho evidenciado como
as desigualdades impactam a vida das mulheres. Ressalta que o conceito
de gênero se desnaturaliza a categoria sexo, defende que “as relações de gê-
nero são relações sociais, plasmadas na cultura, por assimetrias de poder,
sustentadas por símbolos, por um mundo sensível, e por razões, por um
mundo inteligível, racional” (CASTRO, 1992, p. 17).
Castro (1992) analisa a participação feminina no mercado de
trabalho, relacionando a alguns aspectos que afetaram a entrada da mu-
lher no mercado de trabalho: “a diminuição das taxas de fecundidade; a
proletarização/pauperização da família trabalhadora, com o rebaixamento
do poder de compra do salário do homem, obrigando outros membros da
família” (CASTRO, 1992, p. 09). A autora comenta que os fatores culturais

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e as mudanças nas relações de gênero “tem articulação com o recrutamen-
to das mulheres no mercado de trabalho, em espaços que contribuem para
alterar significados e relações simbólicas” (CASTRO, 1992, p. 10).
Para Castro (1992), aliado ao debate sobre divisão sexual do
trabalho, deveria haver o debate sobre as divisões de poder e do prazer,
as suas articulações na delimitação de gênero. A autora explica que existe
uma forte representação masculina no espaço de defesa dos direitos tra-
balhistas, expresso: “no limite do público o versus privado; na antinomia
entre o social e o natural; na relação entre a reprodução e a produção; a
ênfase na família como de estrutura lócus razão e identidade feminina e
condicionante da forma como a mulher se apresenta e é representada no
mercado de trabalho” (CASTRO, 1992, p. 13)
Já Machado (2000) explica que as relações patriarcais resistem
na contemporaneidade, com novas configurações e diversidade das rela-
ções. Expõe que o termo patriarcado “remete em geral a um sentido fixo,
uma estrutura fixa que imediatamente aponta para o exercício e presença
da dominação masculina”. Enquanto o termo gênero “remete a uma não fi-
xidez nem universalidade das relações entre homens e mulheres”. A autora
ao diferenciar os termos explica que “gênero corresponde a ideia de que as
relações sociais e simbólicas são construídas e podem ser transformadas”
(MACHADO, 2000, p. 03).
Machado (2000) questiona a naturalização e a biologização
das relações entre homens e mulheres e das diferenças sexuais, define que
“Gênero é uma categoria engendrada para se referir ao caráter fundante
da construção cultural das diferenças sexuais”, de forma que ocorre uma
inversão, na qual “as definições sociais das diferenças sexuais é que são
interpretadas a partir das definições culturais de gênero” (MACHADO,
2000, p. 05).
De acordo com Machado (2000), essa categoria contri-
bui para a definição que evidencia como as sociedades estabeleceram as
relações sociais entre os sexos e classificaram as relações de gênero. Para a
autora o termo gênero instaurou um novo paradigma metodológico, pois
questiona “as formas simbólicas e culturais do engendramento social das
relações sociais de sexo e de todas as formas em que a classificação do que
se entende por masculino e feminino” (MACHADO, 2000, p. 05).
Sobre as relações desiguais entre homens e mulheres, Macha-
do (2000) afirma que para os homens, se instaurou a lei da permissão em
nome da honra, da função de provedor, podendo controlar, fiscalizar e
punir suas companheiras. Tal condição permitiria aos homens: “cercear o

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direito de ir e vir, de impedir o acesso ao trabalho de suas companheiras,
de inspecionar órgãos sexuais para garantir que não houve traição, bater se
sentem ciúmes ou se não recebem a atenção requerida, à ilegitimidade da
violência” (MACHADO, 2000, P. 14).
Conforme Machado (2000) esse aspecto se consolida pelo viés
cultural, pois atua no âmbito das representações, na construção do simbó-
lico. A autora explica que em função dos direitos da companheira, “preva-
lece a legitimidade do valor da honra e do poder derivado de sua função
de provedor, em nome do qual consideram legítimo o seu comportamento,
minimizando e marginalizando o (re)conhecimento dos direitos indivi-
duais das companheiras” (MACHADO, 2000, P. 14).
Por outro lado, em relação as mulheres, o contrato conjugal tra-
dicional supõe deveres diferenciados, implica poderes desiguais entre ho-
mens e mulheres. Para os homens, na socialização, na divisão de poderes
na sociedade conjugal, a liberdade do acesso ao trabalho e ao estudo são
legitimados como direitos naturais. Para as mulheres, aplica-se a obrigação
e a necessidade de permissão.
Nessa perspectiva da relação entre educação, cultura e traba-
lho na realidade brasileira, Diniz (2006) apresenta uma perspectiva para
a história das mulheres das famílias, em que “as mulheres são ensinadas a
sacrificar e a negligenciar suas próprias necessidades para suprir as neces-
sidades ou potencializar os projetos de vida dos maridos e dos filhos” (p.
01). A história da vida conjugal na sociedade brasileira se constituiu por
segmentos com formas de organização familiar baseada em dois modelos:
“o primeiro tem origem ibérica e foi trazido para o país com a colonização
portuguesa: trata-se da família patriarcal, tradicional e extensa. Posterior-
mente, surge família burguesa, introduzido no Brasil após a proclamação
da república, e coincide com a urbanização e a modernização da socieda-
de” (DINIZ, 2006, p. 02)
Observamos, com base em Diniz (2006) que na formação da
sociedade brasileira, o casamento oficial tinha uma clara função social “era
importante para as camadas abastadas, preocupadas com a legitimidade da
prole e com a herança” (DINIZ, 2006, p. 03). Todavia, para as famílias po-
bres, como a mulher escravizada, esta raramente casava-se. Haviam outros
elementos que impactavam na vida familiar: “a liberalização dos costumes;
uma nova sensibilidade e uma maneira diferente de pensar a conjugalidade
e o amor; e a valorização da maternidade e do cuidado dos filhos” (DINIZ,
2006, p. 03).
De acordo com Diniz (2006), no século XX, este modelo de fa-
mília reorganizou a vida doméstica, o tempo, e as atividades femininas na

- 76 -
sociedade brasileira, predominou o modelo dominante de família configu-
rado à imagem do casal e seus filhos vivendo sob o mesmo teto. Na divisão
sexual desse grupo, do trabalho e de papéis houve uma assimetria, o ho-
mem reconhecido como provedor e a mulher como responsável pela casa
e o cuidado dos filhos.
Segundo Diniz (2006) esse modelo de família constitui a heran-
ça das mudanças sociais que ocorreram nos séculos XVIII e XIX e que
promoveram a privatização da família burguesa. A autora explica que essas
mudanças ocorreram na passagem para unidade econômica, passou a ser
um lugar de expressão de sentimentos entre o casal e os filhos. Assim, fo-
ram os processos de modernização, industrialização e urbanização que le-
varam ao surgimento da nova família nuclear, que imprimiu uma ênfase na
maternidade e no cuidado com os filhos. Dessa forma, a função primordial
das mulheres passou a ser “uma boa mãe, uma vez que o exercício pleno da
maternidade pressupunha o não exercício de trabalho remunerado fora do
lar” (DINIZ, 2006, p. 05).
A partir da década de 1980, comenta Diniz (2006) que a vida
familiar e social brasileira foi afetada pela crise econômica mundial, isso
implicou uma diminuição no tamanho e diversificação nos arranjos fami-
liares, assim ganharam visibilidade a expansão de famílias monoparentais,
reconstituídas, homossexuais. Para Diniz (2006) há indícios dessas mu-
danças: “O primeiro deles é que a organização familiar é profundamente
afetada pelos processos econômicos. O segundo é que o processo de colo-
nização foi um processo massivo de aculturação e europeização” (DINIZ,
2006, p. 04). A autora explica que os modelos familiares do Brasil desde a
colônia até os tempos atuais têm raízes profundas no patriarcalismo, este
se expressa de várias formas, como a exemplo: no controle da sexualidade
feminina, nas diversas formas de violência interpessoal, no abuso da auto-
ridade masculina” (DINIZ, 2006, p. 05).
Na perspectiva de estudo sobre a relação família e trabalho, ob-
servamos a participação feminina no mundo do trabalho e as transfor-
mações culturais e sociais, com impactos sobre as interações familiares,
o casamento e a relação conjugal. Consideramos que alguns indicadores
influenciam as configurações familiares, tais como: famílias compostas, e
chefiadas, por mulheres; sobrecarga de trabalho doméstico para as mu-
lheres; diminuição na quantidade de filhos; divórcios, separações e reca-
samentos; tempo de convívio entre casais; dentre outros. Ressaltamos as
diversas configurações e dinâmicas familiares, bem como as demandas e
desafios que se apresentam a classe trabalhadora, na contemporaneidade,
tais como a apropriação da força de trabalho produtiva e a disposição sub-
jetiva dos trabalhadores(as). Destacamos que só é possível alterar a confi-

- 77 -
guração da desigualdade de gênero no mundo do trabalho se houver uma
mudança cultural a partir da educação.

Impactos do patriarcado para trabalho feminino das mulheres negras


Morar em um bairro de baixo Índice de Desenvolvimento Hu-
manos – IDH e ser ativista dos direitos humanos, graduado em Ciências
Sociais me permite olhar de perto a dinâmica de ocupação trabalhista das
mulheres da comunidade. D. Iracema, mulher negra de baixa escolaridade,
mãe de 6 filhos e solteira, trabalhou como lavadeira em casas de famílias
para sustentar a família. D. Simone, mulher negra não letrada, também
mãe de 6 filhos, casada, trabalhou como diarista para diferentes familiais,
com serviços gerais e como merendeira (terceirizada com carteira assina-
da) para sustentar os filhos e as filhas. O marido de Dona Simone sempre
foi contra ela trabalhar fora de casa e contra o desejo dela de aprender a
ler. Temos representado no marido de D. Simone o que Machado (2000)
chama de “função de provedor, podendo controlar, fiscalizar e punir suas
companheiras”. O tralho fora de casa foi o que permitiu que hoje, D. Simo-
ne, tenha uma renda de aposentadoria de um salário-mínimo e sustente a
si e ao marido.
Concordando com Saffioti (2004), a narrativa acima é reflexo
das desigualdades de uma sociedade patriarcal. Ambas as mulheres eram
vítimas da violência doméstica, tinham trabalhos terceirizados, empregos
temporários e informais. O movimento de luta das mulheres ao longo dos
séculos XVIII ao XIX e o reconhecimento das mulheres como sujeitos
socais certamente é o combustível que movimenta de forma subjetiva as
mulheres e permite o empoderamento e a resistência da D. Simone e da D.
Iracema para que elas, mesmo em trabalhos precarizados e/ou informais,
pudessem ter renda e sustentar os filhos e as filhas.
As narrativas descritas por mim não são únicas das mulheres
negras da minha comunidade. Silva (2018) aponta em seu livro um pouco
da vida de D. Cila que foi adotada por seu padrinho e começou a trabalhar
ainda na infância.

[…] D. Cila, de 92 anos de idade, cozinheira por profissão, que tra-


balhava uma média de quarenta horas por semana. Pouco frequen-
tou a escola. Ela se considera analfabeta. Já trabalhou como cozi-
nheira para várias famílias de influência social e política do estado
do Ceará. Hoje, tem uma renda de aposentadoria de um salário
mínimo (SILVA, 2018, p. 43).

Segundo Silva (2018) D. Cila teve uma infância de poucas brin-


cadeiras e muito trabalho, além de assumir na adolescência o que ela cha-

- 78 -
ma de responsabilidades de mulher. Creio que Silva esteja se referindo des-
ta forma aos cuidados que as mulheres têm com as crianças e os serviços
domésticos. Ainda na fase da adolescência são atribuídas as mulheres as
atividades domésticas. Isso ocorre mesmo se houver entre os filhos e filhas
um do gênero masculino com mais idade. Em minhas observações perce-
bo que ao ser masculino nunca são atribuídas as responsabilidades pelos
cuidados da casa ou com os mais novos. Fato que confirma segundo as
autoras Wolff e Saldanha (2015) a identificação das características sexuais
com papéis sociais.
A pesquisa com mulheres negras com mais de setenta anos rea-
lizada por Silva (2018) afirma que as interlocutoras tiveram que trabalhar
cedo, ainda na infância. Na pesquisa de Silva há relatos da função contro-
ladora e fiscalizadora que vimos em Machado (2000). O homem aparece
como o que “chama o tempo todos”, que a mulher crianças trabalha em
propriedade de um homem da família. Como consequência deste trabalho
ainda na infância, segundo Silva e outros pesquisadores da educação, ocor-
re o abandono dos estudos.
A saída da escola para trabalhar e manter o sustento ainda
criança é um fator que determina a posição das mulheres no mercado de
trabalho. Segundo Silva (2018, p. 49) a D. Cila, “[…] uma mulher negra,
em idade avançada vem sendo tratada como serviçal doméstica […]”, “[…]
sem a consideração do valor monetário do serviço prestado”. Há assim a
representação da estigmatização e manifestação afirmativa da ocupação
das mulheres negras no mercado de trabalho definido por raça/cor e es-
colaridade.
As mulheres negras jovens também são estigmatizadas pelo pa-
triarcado racista. Além dos problemas da precarização do trabalho, há o
assédio sexual e o assédio moral. Ainda é muito presente em nossa socie-
dade a ideia de que as mulheres negras são sinônimos de sexualidade. Isso
vem do tempo da escravidão. As mulheres negras escravizadas raramente
casavam-se (DINIZ, 2006). Não é por acaso que as mulheres negras jovens
são as que mais tem dificuldades para entrar no mercado de trabalho for-
mal. Elas abandonaram a escola para cuidar sozinha dos(as) filhos(as). O
fato de serem mães solteiras e de pouca escolaridade as colocam em postos
de trabalhos precários. Essas mulheres são maioria nos trabalhos domésti-
cos, nos telemarketings, no chão das fábricas e nos postos de trabalhos com
menores remunerações.
O local de trabalho da mulher negra é consequência do regime
escravocrata que agia sobre o modelo de educação da mulher e definiam
os rumos de suas vidas. Segundo Reis (2018, p. 02), “manuais que difun-
diam os novos modelos de comportamento […] defendiam uma educação

- 79 -
que deveria direcionar as mulheres ao seu destino natural: casarem-se e
tornarem-se mães dedicadas, esposas exemplares e boas administradoras
do lar”. Assim, as mulheres brancas exerciam poder sobre as mulheres ne-
gras escravizadas, porém, no ambiente doméstico. Percebo desta forma a
dominação patriarcal sobre a condição social feminina, sobre tudo, das
mulheres negras que no período escravocrata trabalhavam e ainda hoje
são mantidas, em maioria, nos trabalhos domésticos (renumerados e não
renumerados).
O patriarcado escravagista tinha domínio sobre os corpos das
mulheres escravizadas. Esse controle garantia a reprodução e lucro prin-
cipalmente por conta dos tratados de proibição do tráfico de escravos. Se-
gundo Reis (2018, p. 07) “se para os homens escravizados a ameaça maior
estava na força física, as mulheres na mesma condição ameaçavam em ou-
tras esferas das relações de poder, as afetivo-sexuais”. Haviam rivalidade
entre mulheres. O tratamento das mulheres brancas era mais cruéis com as
escravizadas pois os senhores não se davam por imoral o fato de se relacio-
narem sexualmente com mulheres não brancas.
Ainda segundo Reis (2018, p. 07) “as mulheres escravizadas […]
resistiram aos diversos processos de violências que estavam submetidas”.
As mulheres se esterilizavam, realizavam abortos provocados ou acidentais
por conta do trabalho pesado e adquiriam benefícios por filho concebido
(REIS, 2018).
Assim como D, Cila, D. Simone e tantas outras mulheres negras,
as mulheres filhas de escravas eram condicionadas desde de cedo ao traba-
lho doméstico. A religião era uma ferramenta de educação que reproduzia
a imagem da Virgem Maria como a mulher pura, caridosa e submissa. Por
meio do cristianismo, os homens brancos garantiam a disciplina das crian-
ças escravizadas (REIS, 2018)
Para Henriques (2017, p. 02) “[…] os escravos não tinham aces-
so à educação”. Complemento tal fala dizendo que a educação religiosa não
cumpria nem cumpre o que as escolas têm como função social, emancipar.
A tal educação (religiosa) para o povo preto escravizado, na verdade, era
uma forma de alienação da condição de ser livre e de manutenção doa
logica patriarcal europeia. Nem o período pós abolição deu condições de
acesso a educação ou a vida digna. Henriques (2017, p. 02) afirma que
“para as mulheres negras libertas foi concedida a submissão e a exploração,
inerentes à escravidão, pois somente lhes foram ofertadas as atividades do-
mésticas, onerosas, mal remuneradas que exigiam apenas uma formação
prática – não intelectual”. Assim são os locais de trabalho das mulheres
negras na atualidade.
Como no período da escravidão, na contemporaneidade, as
mulheres negras cuidam do lar e dos filhos das mulheres branca que estu-

- 80 -
dam e lutam por sua emancipação política e social. De acordo com Hen-
riques (2017, p. 02) “tal opção social e política pela instituição do trabalho
doméstico, [...], corroborou para a intensificação da exploração informal
das mulheres negras na sociedade brasileira”. Sem acesso à educação as
mulheres negras dispõem apenas de seus corpos para garantir o sustento
financeiro próprio, dos filhos e das filhas. Um copo que sofre privações.
O acesso da população negra ao ensino superior ocorre com
mais densidade após a implantação do sistema de cotas raciais e sociais.
Antes disso, ações de governo não priorizavam as classes trabalhadoras.
O que tinha para os trabalhadores(as) era uma lógica de educação voltada
para o trabalho. Modelo questionado e rejeitado pelos movimentos sociais
e principalmente os movimento negro que propunha, segundo Henriques
(2017, p. 05), a “educação popular, baseada nos pressupostos de Paulo Frei-
re”.
Enquanto o povo negro era treinado por meio do sistema de
educação para o trabalho, aos brancos era ofertada uma educação huma-
nística e científica. O ensino superior era espaço de privilégios da classe
média e altas. Restava aos os jovens e adultos das classes trabalhadoras o
ensino profissionalizante de nível médio. A restrição do acesso da classe
trabalhadora ao ensino superior é para mim um meio de manutenção da
dominação patriarcal racista que “[…] não reconhecia o trabalho domésti-
co como um trabalho digno de direitos e obrigações (HENRIQUES, 2017,
p. 06)”.
A luta do movimento negro e dos movimentos sociais por conta
raciais e sociais permite o acesso da população negra ao ensino superior
e consequentemente a ocupação e permanência no mercado de trabalho
de forma digna. Mas não foi só políticas públicas de ações afirmativas,
o movimento negro organizou cursinho pré-vestibular voltado ao povo
negro em vários estados do Brasil. Esses cursinhos visavam prepara os ne-
gros e negras para ocuparem uma vaga na universidade pública. As mulhe-
res negras aproveitaram a oportunidade e frequentavam tais curso fortale-
cendo o movimento negro e se formando criticamente para o debate que
envolve temáticas como educação, trabalho e raça/cor. Henriques (2017, p.
09) destaca que os cursinhos:

[…] se constituíam em importantes espaços de resistência e rei-


vindicação que deflagravam o embate entre os alunos e o poder
público, na busca por políticas públicas para um contingente de
negros da classe trabalhadora que embora tivessem concluído o
ensino médio, estavam alijados do ensino superior.
[…] tais cursos preparatórios cumpriram um importante papel

- 81 -
social - a capacitação profissional do alunado negro com escassos
recursos financeiros, em especial das trabalhadoras domésticas ne-
gras para o ingresso no Ensino Superior, com vistas a uma inserção
mais qualificada no mercado de trabalho. Nesse sentido, exerceram
uma função que foi preterida historicamente pelo poder público.

A educação (básica e superior) é uma ferramenta de luta das


mulheres negras contra o patriarcado racista e uma chave que abre as por-
tas das do mercado de trabalho qualificado e bem renumerado. Educação
é o que liberta as mulheres da função de provedora, controladora, fiscali-
zadora e punitiva exercida pelos homens. A educação reconfigura o histó-
rico escravocrata de negação dos direitos sociais e políticos das mulheres
negras e as tiram dos serviços domésticos impostos.

Conclusão
Buscamos dialogar nesse estudo sobre o tema “Patriarcado, tra-
balho e educação: as questões de gênero e raça/cor no mercado de traba-
lho” refletindo sobre o contexto da realidade brasileira na contemporanei-
dade. Observamos que existem desafios e dificuldades vivenciados pelas
mulheres no mundo do trabalho, as quais, principalmente, as mulheres
negras são mais afetadas quanto as desigualdades, devido ao processo his-
tórico de desigualdade de gênero e discriminação racial. As mulheres, com
recorte para as mulheres negras, buscam no cotidiano mediar a construção
de sua identidade e representação social nos espaços públicos e privados,
reafirmando seus papeis e funções relacionados a vida pessoal e os impac-
tos das dimensões da família, educação, trabalho.

Referências
CASTRO, Mary Garcia. O conceito de gênero e as análises sobre mulher e
trabalho: notas sobre impasses teóricos. Cad. CRH, Salvador, (17): 80-105,
1992. Universidade federal da Bahia.
DINIZ, Gláucia R. S. Modos de ser femininos, relações de gênero e socia-
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HENRIQUES, Cibele da Silva. Do trabalho doméstico à educação supe-
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ro ou Patriarcado Contemporâneo. Brasilia, 2000.
REIS, Adriana Dantas. A “imoralidade” das mulheres negras e os parado-

- 82 -
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xualidade: categorias do debate contemporâneo. Revista retratos da esco-
la, Brasília, v. 9, n. 16, p. 29-46, jan -jun 2015.

- 83 -
- 84 -
SIGNOS E SIGNIFICADOS ENTRE
EDUCAÇÃO E SAÚDE MENTAL:
APROXIMAÇÕES PRÁTICAS E LEGAIS DA
PERSPECTIVA INCLUSIVA
Ana Cristina Silva Soares
Ana Paula Soares Gondim

Introdução
Este estudo apresenta os resultados de uma investigação multi-
cêntrica entre a Universidade Estadual Vale do Acaraú, curso de Pedago-
gia, localizada em Sobral e a Universidade Federal do Ceará, curso de Far-
mácia, em Fortaleza, com o intuito de desenvolver estratégias pedagógicas
por meio da construção do sistema de signos, significados e práticas frente
aos eventos adversos, efeitos colaterais e contraindicações entre crianças
com transtornos mentais que fazem uso de medicamentos psicotrópicos
na rede de saúde, visando a promoção da saúde relacionada à segurança.
O campo das ciências da educação, a pedagogia é uma ciência
da prática. De acordo com Pimenta (2005; 1999) a especificidade não se
constrói com discurso sobre a educação, mas a partir da prática na cons-
trução dos saberes, no confronto teórico e na prática social. A autora cita
Schmied-Kowarzik (1983 apud 2005) que fundamenta a pedagogia como
uma ciência prática da e para a práxis educacional. Isto é, a educação é
um fenômeno móvel, histórico e inconclusivo. Mas, a finalidade da prática
educativa é a humanização dos homens, a sua razão de ser. Neste caso, a
compreensão de signos e significados em crianças com transtornos men-
tais e o aprofundamento sobre (des)medicamentalização, atenção psicos-
social e uso de psicotrópicos.
A Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da
Educação Inclusiva, de 200814, reconhece que “as dificuldades enfrentadas
nos sistemas de ensino evidenciam a necessidade de confrontar as práticas
discriminatórias e criar alternativas para superá-las, a educação inclusiva
assume espaço central no debate acerca da sociedade contemporânea e do
papel da escola na superação da lógica da exclusão”. (BRASIL, 2008, p.1).
Para falar sobre inclusão escolar é preciso repensar o sentido que se está
atribuindo à educação, além de renovar nossas concepções e refletir o pro-
cesso de construção de todo o indivíduo, compreendendo a complexidade
e amplitude que envolve essa temática.
14 Em 2018, esta política foi submetida a consulta pública para ser revisada intitulada por Política Nacio-
nal de Educação Especial: Equitativa, Inclusiva e ao longo da vida.

- 85 -
As determinações dessa Política orientam os sistemas de ensi-
no no sentido de se garantir o acesso à escola comum, com participação,
aprendizagem e continuidade nos níveis mais elevados de escolaridade.
Trata da transversalidade da modalidade da educação especial desde a
educação infantil até à educação superior. A política possui ações ofereci-
das pela Educação Especial, tais como: oferta e instituição do Atendimento
Educacional Especializado (AEE); formação de professores e demais pro-
fissionais da educação para o AEE; estímulo à participação da família e
da comunidade na escola; ações de acessibilidade arquitetônica; acesso à
escola com apoio de programa de transporte, acessibilidade de mobiliá-
rios, comunicações e informação; além da articulação intersetorial para
a implementação de políticas públicas (BRASIL, 2008). Neste caso, apro-
ximando o olhar para as determinações das crianças com Transtorno do
Espectro Autista (TEA).
Nos últimos anos, a perspectiva inclusiva na educação vem sen-
do ressignificada, em alinhamento com temáticas emergentes que se for-
mam pela articulação de saberes, subjetividades humanas, transformações
culturais e sociais (MITTLER, 2003). Provocando-se um repensar radical
da política e da prática, a qual reflete um jeito de pensar diferentes origens
da aprendizagem e as dificuldades de comportamento. Dessa forma, obser-
va-se a necessidade da escuta na área de Psicopedagogia para crianças com
transtorno do espectro autista sobre o atendimento e outros desdobramen-
tos da temática. Este estudo visa compreender a inclusão, diagnóstico e
(des)medicamentalização em crianças com TEA e entre os atores sociais
- usuários e suas famílias, que frequentam o Centro de Apoio Psicossocial
(CAPS), um espaço não escolar.
Pensar a criança no campo da saúde mental no Brasil, ocorreu
somente após movimento da Reforma Psiquiátrica, no início da segunda
metade da década de 1970 do século XX e, apresenta como principal carac-
terística o estabelecimento dos direitos e da cidadania do “doente mental”,
sedimentado com a construção do Sistema Único de Saúde (SUS) (TENÓ-
RIO, 2002). Enquanto o movimento em defesa de uma política pública de
saúde mental infanto-juvenil surgiu, somente em 2001, através da III Con-
ferência Nacional de Saúde Mental, que apontou a necessidade de estender
as iniciativas da Reforma Psiquiátrica à população infanto-juvenil. Nesse
mesmo ano, publicou-se a Lei Nº 10.216, que dispôs sobre a proteção e os
direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais redirecionando o
modelo assistencial à prevenção e à atuação familiar e comunitária (CAR-
VALHO; GONDIM et al., 2014; TENORIO, 2002).
Esse movimento consolidou-se com a constituição do Fórum
Nacional de Saúde Mental Infanto-Juvenil, em 2004, que deliberou sobre a

- 86 -
institucionalização das crianças e adolescentes com transtornos psíquicos,
formulando princípios e diretrizes para a caracterização da política pública
de saúde mental infanto-juvenil (BRASIL, 2005).
De onde partimos: que concepções de signos e significados se
adotam? Parte-se da perspectiva da Teoria Histórico-Cultural, que expli-
ca o ser humano como sujeito histórico e social e a aprendizagem, como
um processo partilhado mediante o qual os sujeitos se apropriam do co-
nhecimento produzido pela humanidade. Compreendendo que a cultura é
ao mesmo tempo produto da vida social e da atividade social do homem
(VIGOTSKI, 1998). Assim, o contexto envolve aspecto histórico, cultural
e biológico.
Historicamente, as pessoas com deficiência, transtornos ou
síndromes foram excluídas de vários contextos, como o estabelecimento
tardio das políticas públicas no campo da saúde mental infanto-juvenil.
Já no âmbito da educação especial, observou-se uma preponderância de
concepções que situam o desenvolvimento biológico como determinan-
te do desenvolvimento do indivíduo. Decorrente dessas raízes históricas
e a despeito dos avanços alcançados, ainda é recorrente entre educadores
pensar que muitas crianças não conseguem aprender por razões orgânicas,
ignorando ou desconsiderando o papel da organização social e da forma
como se efetivam as relações de produção na sociedade capitalista (JANU-
ZZI, 2004; MENDES, 2010).
No campo da saúde, como exemplo, o Manual Diagnóstico e Es-
tatístico de Transtornos Mentais (DSM) V (2014), o Transtorno do Espec-
tro Autista é definido como um transtorno que se manifesta das seguintes
características: prejuízo de interação social, problemas de comunicação e
atividades e interesses repetitivos, estereotipados e limitados (AMERICAN
PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2014).
Para Whitman (2015) o processo de avaliação começa determi-
nando se a criança tem ou não algum tipo de transtorno do desenvolvi-
mento; por exemplo, após o estabelecimento de um diagnóstico, outros
procedimentos de avaliação são necessários para se definir o perfil de as-
pectos positivos e limitações da criança; como ajuda na comunicação entre
profissionais e pais. A perspectiva cientifica, um diagnóstico é essencial
para a condução de estudos.
Nesse sentido, o nosso foco será a criança com diagnóstico de
transtorno mental e família, que devem ser incluídas nas ações interseto-
riais entre saúde e educação. Por exemplo, no campo da saúde mental, a
assistência adequada para as crianças e adolescentes com Transtorno do
Espectro Autista (TEA) a organização dos serviços, o papel da família e o
atendimento são artefatos imprescindíveis.

- 87 -
O CAPS geralmente oferece acolhimento diurno e, quando pos-
sível e necessário, noturno. Devem ter um ambiente terapêutico e acolhedor,
que possa incluir pessoas em situação de crise, muito desestruturadas e que
não consigam, naquele momento, acompanhar as atividades organizadas
da unidade. Um dos objetivos do CAPS é atender aos transtornos psíqui-
cos graves e evitar as internações. Sendo previsto atividades para os usuários
(crianças, adolescentes e adultos), do tipo individual ou em grupo, que ou-
tras sejam destinadas às famílias destes usuários, ou, até mesmo, que sejam
comunitárias. (BRASIL, 2004, p. 17).
Este estudo busca responder a seguinte questão: que evidências
surgem através do sistema de signos e significados das experiências viven-
ciadas entre o campo da saúde mental e da educação, no que se refere ao
diagnóstico, (des)medicalização e inclusão escolar, sobre o atendimento
da criança com TEA de um Centro de Apoio Psicossocial Infantojuvenil
- CAPS?
Portanto, este estudo tem como objetivo compreender o sistema
de signos e significados articulando as ações entre saúde mental e educa-
ção sobre diagnóstico, (des)medicalização e inclusão escolar da criança e
adolescentes com TEA, a partir da dimensão da infância e do papel da
escola. Desse modo, essa discussão teórica tece elementos para analisar as
categorias empíricas e temáticas desse estudo.

Metodologia
A presente pesquisa trata-se de uma investigação de natureza
qualitativa com fundamentação em Bogdan e Biklen (1994) confirman-
do sua utilização para melhor conhecer a realidade de uma determinada
sociedade e/ou fenômeno, obtendo informações em modo intersubjetivo.
Também, a análise documental dos seguintes documentos: “Política Nacio-
nal de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva” (BRASIL,
2008) e “Diretrizes de Atenção à Reabilitação da Pessoa com Transtorno do
Espectro Autista” (BRASIL, 2014).
Este estudo é um recorte definido a partir do projeto15 de pes-
quisa intitulada por “Práticas educativas construídas a partir do sistema de
signos, significados e ações em crianças com transtornos mentais”, desen-
volvido pelo Grupo de Pesquisa e Estudo sobre acessibilidade, deficiên-
cias, formação de professor e educação inclusiva – GEPADEP, vinculado
ao curso de pedagogia, da Universidade Estadual Vale do Acaraú, Ceará e
Laboratório Interdisciplinar em Saúde Coletiva, Farmácia Social e Saúde
Mental Infanto-Juvenil (LISFARME), da Universidade Federal do Ceará
com o projeto de pesquisa intitulado “Eventos adversos dos psicotrópicos
15 Projeto aprovado pela agência de fomento Fundação de Apoio a Pesquisa do Estado do Ceará – FUNCAP.

- 88 -
em crianças na atenção primária à saúde e na atenção psicossocial: signos,
significados e práticas do manejo para promoção da saúde relacionada à
segurança”. Salienta-se que esse Projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética
em Pesquisa da Universidade Estadual Vale do Acaraú, através da Plata-
forma Brasil e assinado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
(TCLE) pela participante.
Para alcançar o objetivo proposto neste trabalho foi realizada
uma pesquisa qualitativa. O trabalho foi desenvolvido através de levanta-
mento bibliográfico e análise do campo para compreensão do problema de
pesquisa, no município de Sobral – CE.
A participante da pesquisa é uma profissional na área de Psico-
pedagogia para crianças com transtorno do espectro autista, do Centro de
Apoio Psicossocial - CAPS do município supracitado. A coleta dos dados
ocorreu no período de janeiro a junho de 2019, cujo instrumento foi uma
entrevista semiestruturada para compreensão do problema de pesquisa e
análise documental. Posteriormente, foi realizada uma leitura do material
gerado a partir do texto da transcrição da entrevista; sendo necessários
vários momentos de estudo do discurso até que a fala da participante fosse
relacionada ao objetivo da pesquisa, emergindo e possibilitando a apreen-
são das unidades de significado dessa fala.
A análise e a interpretação dos resultados da pesquisa serão rea-
lizadas por meio da Análise de Conteúdo (BARDIN, 2009). Esse procedi-
mento de análise pode ser entendido como um conjunto de técnicas, com
o objetivo de compreender o sentido das mensagens produzidas no con-
texto pesquisado. Por fim, foram organizadas duas categorias temáticas,
realizando uma descrição consistente da estrutura do fenômeno estudado,
para o tratamento dos dados coletados, a técnica de análise de conteúdo
(BARDIN, 2011).

Resultados e Discussões
A partir da análise dos registros da transcrição sobre o atendi-
mento psicopedagógico as crianças com transtorno do espectro autista no
CAPS foi possível organizar os dados em duas categorias temáticas:

1. Fala sobre como ‘as crianças com TEA chegam até esse serviço’
A primeira resposta mostrou que “[...], por exemplo, todos os
casos que chegam aqui pra gente, [...] o fluxo é através da unidade básica
né, que ai existe o matricialmente, que eles ou são vistos, [...] avaliados no
matricialmente da equipe de saúde mental junto à equipe do posto de saú-
de...” Nessa direção pensar o atendimento no CAPS, como um espaço não

- 89 -
escolar tem papel fundamental na prática de atividades com finalidades
educativas. Em 2008, o Governo Federal assumiu um papel relevante com
a divulgação da proposta da Política Nacional de Educação Especial na
Perspectiva da Educação Inclusiva, defendendo a inclusão como uma ação
política, social, pedagógica e cultural. Neste campo surge a cobrança pela
inclusão de alunos com deficiência em sistemas de ensino e apoio as ações
intersetoriais, como no campo da saúde e educação.
Dessa maneira, a escuta psicopedagógica se fez presente en-
quanto estratégia de acolhimento e de planejamento das atividades de-
senvolvidas nos atendimentos da criança com TEA; e desse modo o papel
do CAPS “pode articular cuidado clínico e programas de reabilitação psi-
cossocial. Assim, os projetos terapêuticos devem incluir a construção de
trabalhos de inserção social, respeitando as possibilidades individuais e os
princípios de cidadania que minimizem o estigma e promovam o protago-
nismo de cada usuário frente à sua vida”. (BRASIL, 2004, p. 18).

2. Fala sobre ‘sua rotina de trabalho no CAPS’


A outra análise do tema evidenciou que “todo atendimento
que eu faço com o paciente, como a família vem sempre, porque assim,
o número de atendimentos que faço aqui é mais com criança, voltado pra
criança e adolescente, embora a gente saiba que tem alguns adultos com
essa demanda, mas não é um atendimento como os de criança que eu faço,
por isso, tô falando sempre da criança [...]”. Esse dado revela que entender
as necessidades e demandas em relação à família (ao seu filho) é bastante
válido, principalmente quando se observa que um dos objetivos do CAPS
é fortalecer o vínculo entre a família e o serviço do centro.
Nessa ligação pode facilitar no acompanhamento do paciente as
terapias, no cumprimento do tratamento terapêutico e no seu entendimen-
to em relação ao trabalho proposto. Para Vicente “a convivência com uma
criança com transtorno mental exige da família um esforço no sentido de
se adaptar à nova situação, permeada por inúmeros sentimentos e neces-
sidades relativas ao cotidiano de cuidado” (VICENTE et al, 2015, p.110).
É importante, ressaltar que os estudos são preliminares, ain-
da requer mais aprofundamentos empíricos e teóricos. No entanto, para
compreender as práticas educativas para inclusão, diagnóstico e (des)me-
dicamentalização e atenção psicossocial em crianças com Transtorno do
Espectro Autista (TEA), observou-se os objetivos dos documentos oficiais:
Na “Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da
Educação Inclusiva” define-se público-alvo da educação especial, alunos
com os seguintes quadros e características: Deficiência: possuem impedi-

- 90 -
mentos de longo prazo de natureza física, intelectual, mental ou sensorial;
Transtornos Globais de Desenvolvimento (TGD): apresentam alterações
no desenvolvimento neuropsicomotor, comprometimento nas relações so-
ciais, na comunicação ou estereotipias motoras, tais como nos casos de
Autismo Clássico, Síndrome de Asperger, Síndrome de Rett, Transtorno
Desintegrativo da Infância (Psicoses) e Transtornos Invasivos Sem Outra
Especificação; Altas Habilidades/Superdotação: demonstram potencial
elevado e grande envolvimento, de forma isolada ou combinada, nas áreas
de liderança, psicomotora, artes, criatividade e intelectual (BRASIL, 2008,
p. 10).
As determinações dessa Política orientam os sistemas de ensi-
no no sentido de se garantir o acesso à escola comum, com participação,
aprendizagem e continuidade nos níveis mais elevados de escolaridade.
Trata da transversalidade da modalidade da educação especial desde a
educação infantil até à educação superior. A política possui ações ofereci-
das pela Educação Especial, tais como: oferta e instituição do Atendimento
Educacional Especializado (AEE); formação de professores e demais pro-
fissionais da educação para o AEE; estímulo à participação da família e
da comunidade na escola; ações de acessibilidade arquitetônica; acesso a
escola com apoio de programa de transporte, acessibilidade de mobiliá-
rios, comunicações e informação; além da articulação intersetorial para a
implementação de políticas públicas (BRASIL, 2008, p.9).
Nas “Diretrizes de Atenção à Reabilitação da Pessoa com Trans-
torno do Espectro Autista” (BRASIL, 2014) tem o objetivo de “[...] oferecer
orientações às equipes multiprofissionais dos pontos de atenção da Rede
SUS para o cuidado à saúde da pessoa com transtornos do espectro do au-
tismo (TEA) e de sua família nos diferentes pontos de atenção da Rede de
Cuidados à Pessoa com Deficiência” (BRASIL, 2012; 2014, p.7).
Ambos os documentos contemplam, de maneira geral apoio
a criança com TEA, no entanto, não se cria elemento para o desenvolvi-
mento de bases sólidas de estudos e evidências empíricas, por exemplo, na
questão do diagnóstico do TEA nos anos iniciais da escolarização. Neste
sentido, essa pesquisa vai continuar na compreensão de sobre inclusão,
diagnóstico e (des)medicamentalização em crianças com TEA.
Assim, os resultados apontam para a relevância do planejamen-
to no atendimento psicopedagógico, o encaminhamento da criança ao
serviço, bem como o apoio para esse acompanhamento, que geralmente
é o único apoio que a família tem acesso, e que merece ser aperfeiçoado e
ampliado.

- 91 -
Considerações Finais
Diante do dado analisado no que se refere à compreensão do
sistema de signos e significados articulando as ações entre saúde mental
e educação sobre diagnóstico, (des)medicalização e inclusão escolar da
criança com TEA, emerge-se uma série de conflitos no seio familiar, por
mudanças impostas pela condição e, neste contexto tão adverso, a família
necessita de fontes de apoio para conseguir restabelecer o equilíbrio e não
adoecer, e o CAPS exerce esse papel; embora, tenha tido alguns avanços
no campo da legislação, a política que propor projetos terapêuticos para
construção de trabalhos de inserção social das crianças, por exemplo, mas
o olhar para infância ainda requer uma nova forma de atendimento aos
pequenos.
Também, percebemos nessa reflexão que a investigação da te-
mática, principalmente, a “Política Nacional de Educação Especial na Pers-
pectiva da Educação Inclusiva”, de 2008, define o público-alvo da educa-
ção especial, os alunos com quadros e características e nas “Diretrizes de
Atenção à Reabilitação da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista”, de
2014. Compreende-se que ainda requer a definição de iniciativas multi e
interdisciplinares no sentido das políticas educacionais e de saúde, a partir
de um diagnóstico local e individual, identificação de problemas reais e
soluções, acompanhamento e o atendimento de crianças com TEA.

Fonte de financiamento: Fundação Cearense de Apoio ao De-


senvolvimento Científico e Tecnológico - FUNCAP

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- 94 -
CONTRIBUIÇÕES DAS TECNOLOGIAS
DIGITAIS PARA A CONSTITUIÇÃO DE UMA
ESCOLA INCLUSIVA
Gabriela Lopes de Sousa
Maria Gabriela Cunha Appleyard
Vivian Kelly Pereira Lima

Introdução
O estudo revelado neste artigo almeja evidenciar a comunhão
existente entre as tecnologias digitais16 e a educação inclusiva, destacando
a atribuição do currículo escolar brasileiro como alicerce para a promoção
da aprendizagem significativa de alunos com deficiência17. Neste intuito,
para viabilizar a consolidação desta investigação e apontar a imprescindi-
bilidade da ressignificação destas temáticas em meio escolar, empreende-
mos uma pesquisa bibliográfica e de abordagem qualitativa.
A ascensão das tecnologias digitais nos diversos setores da so-
ciedade promove cotidianamente a imersão na cultura digital. Essa apro-
ximação cultural concebe um renovado perfil de alunato, que demanda o
suporte de um espaço educativo onde a inserção das tecnologias digitais no
processo de ensino e aprendizagem se constitua.
A convergência entre o universo tecnológico digital e o proces-
so educativo sugere possibilidades pedagógicas que fomentam transforma-
ções relevantes para a vida em sociedade, como o impulso à integração
social por meio do manuseio significativo das tecnologias digitais.
Ademais, compreende-se como substancial o estímulo das potencialidades
educacionais presentes nas tecnologias digitais, promovendo neste
percurso de aprendizagem valores pertinentes à promoção da democracia
e da inclusão social.

Educação básica e as tecnologias digitais


A propagação de computadores e demais aparelhos pertencen-
tes ao universo digital (smartphone, tablet, notebook etc.) sugerem a indis-
pensabilidade de um processo educativo que promova a atuação cidadã
crítica e reflexiva, hábil para o enfrentamento das demandas sociopolíticas.
Freire (1992) acentuou esta ideia ao propor que todos os cidadãos se posi-
16 A tecnologia se constitui, sobretudo, a partir da concepção de conhecimentos que se materializam por
meio da produção de ferramentas. Destarte, os processos de transformações tecnológicas e culturais com-
puseram a concepção digital, que viabilizou o surgimento de renovadas formas de comunicação (SILVA,
2005 apud GARCIA et al., 2011).
17 A pessoa com deficiência apresenta restrições que podem ser de ordens variadas - física, mental, inte-
lectual ou sensorial (BRASIL, 2015).

- 95 -
cionem criticamente defronte das tecnologias, visto que “nunca, talvez, a
frase quase feita – exercer o controle sobre a tecnologia e pô-la a serviço
dos seres humanos – teve tanta urgência de virar fato quanto hoje, em defe-
sa da liberdade mesma, sem a qual o sonho da democracia se esvai” (p. 68).
Castells (1999) ressalta que as tecnologias digitais possuem uma
linguagem específica e que o afastamento desta cultura digital, por falta de
conhecimento ao manusear estas tecnologias ou pela escassez de recursos,
pode constituir um sistema de exclusão social. De outro modo, para im-
pulsionar a inclusão social neste cenário, é primordial a administração da
linguagem digital e a atuação neste espaço por meio do letramento digital,
que se constitui enquanto um processo de apreensão dos conhecimentos
específicos para o uso crítico e reflexivo das tecnologias digitais (SOARES,
2006).
A transformação digital viabiliza possibilidades pedagógicas
que se erguem na contemporaneidade com celeridade, destarte, é relevante
que o currículo escolar18 acolha esta oportunidade e esteja apto para incluí-
-la de forma significativa nas práticas escolares, possibilitando o exercício
da cidadania.
Outrossim, a inserção das tecnologias digitais no currículo in-
dica alternativas pedagógicas que demandam o suporte de uma estrutura
escolar adequada para a recepção e para a promoção educativa destas tec-
nologias. Além disto, a formação apropriada dos profissionais da educação
também é uma solicitação fundamental para a utilização significativa das
tecnologias digitais na educação. Concomitantemente, esta conjuntura di-
gital evidencia que a ressignificação dos conteúdos escolares, bem como
a reformulação de sua apreensão e utilização, é relevante para a prática
cidadã na contemporaneidade.
A Base Nacional Comum Curricular (BRASIL, 2017) salienta a
importância de inserir as tecnologias digitais de informação e comunica-
ção no contexto vivencial dos educandos, promovendo a sua utilização de
forma ética, crítica, reflexiva e significativa. Frisa-se, no Art. 214 da Cons-
tituição Federal, que a educação brasileira deve considerar o desenvolvi-
mento dos conhecimentos científicos e tecnológicos e a sua importância
para o progresso do país (BRASIL, 1988).
Em conformidade a isto, as Diretrizes Curriculares Nacionais
Gerais da Educação Básica ressaltam também que o projeto pedagógico
da instituição escolar deve orientar o desenvolvimento de metodologias -
desde a educação infantil - que utilizem em sua estruturação as novas tec-
18 Destaca-se que o currículo escolar é capaz de impulsionar a democracia através da conscientização do
cidadão, tratando-se do agrupamento de “valores e práticas que proporcionam a produção e a socialização
de significados no espaço social e que contribuem, intensamente, para a construção de identidades sociais
e culturais dos estudantes” (BRASIL, 2013, p. 27).

- 96 -
nologias de informação e comunicação, a fim de aproximar os partícipes
do processo escolar às ferramentas tecnológicas e às suas possibilidades
educacionais - como o impulso da aprendizagem e da cidadania por meio
da interatividade virtual (BRASIL, 2013).
A tecnologia digital figura, assim, enquanto um recurso peda-
gógico que conduz a produção de conteúdos personalizados e agrega inte-
ratividade ao processo educacional, possibilitando ao docente e ao discente
novas perspectivas de interação. Neste aspecto, os recursos tecnológicos e
o seu espaço digital - propiciado pela internet - expandem-se para além do
espaço escolar e fomentam redes e ambientes para a aprendizagem (GAR-
CIA, 2011).
Torna-se gradualmente perceptível a aproximação das institui-
ções escolares às possibilidades pedagógicas disponibilizadas pelos espaços
digitais. Tal indicação compreende que a prática educativa se ressignifica
à medida que se integra à cultura digital, posto que, instiga o desenvol-
vimento de renovadas formas de comunicação e acesso às informações,
impulsionando, assim, a aprendizagem significativa dos estudantes.
É pertinente destacar que as formas de comunicação nos
espaços digitais dividem-se em síncronas e assíncronas, sendo a primeira
referente à comunicação sincronizada e simultânea, onde os sujeitos
interagem concomitantemente; e a segunda pertinente à comunicação que
se estabelece em um período não determinado, onde os sujeitos interagem
em momentos diversos. É imprescindível destacar que estas comunicações
atuam de formas diversificadas de acordo com os contextos educacionais
(MORAIS; CABRITA, 2007).
As possibilidades comunicativas viabilizadas pelas tecnologias
digitais apontam traços característicos das interações sociais na contem-
poraneidade. O acesso à cultura e ao espaço digital constitui recursos e
ações importantes para os processos educacionais realizados na educação
básica brasileira. Assim, a convergência tecnológica e educacional ampara
também dinâmicas significativas para a constituição de uma escola inclu-
siva, visto que ao fomentar a interatividade presente no meio digital, con-
tribuem diretamente para a socialização e para a participação social dos
estudantes com deficiência.

Tecnologias digitais e a escola inclusiva


A cultura social permeia e reflete a diversidade de perspectivas
acerca do processo educacional da pessoa com deficiência no decurso da
história. Foram identificadas formas diversas de tratamento para com estes
indivíduos, desde a situação de tortura e abandono até processos que pos-
sibilitaram a inclusão por meio do acolhimento social e da escolarização.

- 97 -
Um breve histórico indicado por Santos; Pequeno (2011) aponta
que na sociedade grega, até 476 a.C, o indivíduo com deficiência não tinha
acesso ao processo educacional e possuía uma expectativa de vida reduzi-
da, dado que eram considerados deformados e, devido a isto, sacrificados.
Também para compor o percurso histórico das pessoas com deficiência, é
importante destacar que as punições excruciantes previstas pela Inquisição
vitimaram estas pessoas em razão de suas deficiências.
De acordo com Santos; Pequeno (2011) a Idade Média consti-
tuiu para a pessoa com deficiência um período marcado por abandonos,
ridicularizações e isolamentos. Rompendo com esta situação, a partir do
século XIX, renovadas ideologias inspiradas na inclusão se estruturaram
com a constituição de escolas residenciais para alunos com deficiência. E,
em seguimento, o estabelecimento da Declaração Universal dos Direitos
Humanos, no século XX, destinou renovada perspectiva para a escolariza-
ção das pessoas com deficiência.
Momentos históricos repletos da ignorância e da perversidade
humana compuseram o percurso doloroso de reconhecimento da identi-
dade da pessoa com deficiência. Períodos em que os obstáculos se estabe-
leciam em todos os contextos vivenciais e a participação social das pessoas
com deficiência inexistia. Episódios deploráveis que foram e estão sendo,
felizmente, ultrapassados pelo despertar da inclusão e da democratização.
Ao longo das décadas, inúmeras ações voltadas para o fortale-
cimento do movimento pertinente a uma educação inclusiva foram sendo
configuradas mundialmente. Porquanto, o processo de inclusão se fun-
damentou a partir da necessidade de incluir as pessoas com deficiência
no convívio social, possibilitando-lhes o acesso às informações e a uma
aprendizagem que respeitasse as diferenças e investisse em suas habilida-
des (ARANHA, 2001).
A análise desta composição histórica ressalta a importância de
uma educação escolar que acolha as demandas sociais e políticas pertinen-
tes à constituição de um espaço inclusivo e democrático. O ato pedagógico
- também social e político – deve almejar a formação de um cidadão críti-
co, que tenha autonomia e possua acesso às informações. Assim, deve ser
promovida uma perspectiva educacional inclusiva que ampare o educan-
do, considerando e respeitando as suas especificidades dentro do processo
educativo.
O percurso traçado pela escolarização da pessoa com deficiên-
cia em âmbito nacional destaca a relevância da Constituição Federal de
1988, que garantiu os direitos da pessoa com deficiência; e da Lei de Dire-
trizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394/96), que alicerçou a educa-
ção especial e assegurou a escolarização dos alunos com deficiência.

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O processo de inclusão educacional e social adquiriu ainda mais
consistência com o surgimento das Diretrizes Nacionais para a Educação
Especial na Educação Básica (BRASIL, 2001), das Diretrizes Curriculares
Nacionais Gerais da Educação Básica (BRASIL, 2013) e da Lei Brasileira de
Inclusão da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015). Estes documen-
tos legais floresceram conduzindo a trajetória das pessoas com deficiên-
cia para a prática da inclusão social plena e da cidadania, compreendendo
a igualdade de oportunidades; instituindo a educação especial enquanto
uma modalidade de ensino; garantindo a escolarização dos estudantes com
deficiência nas classes do ensino regular e no atendimento educacional es-
pecializado (AEE); orientando a composição dos currículos e projetos pe-
dagógicos da instituições educativas para a inclusão; indicando estratégias
para o afastamento das barreiras19 que limitam a acessibilidade das pessoas
com deficiência; dentre outras propostas.
A investigação acerca da história educacional brasileira das
pessoas com deficiência indica uma perspectiva que se processa dentro de
uma dinâmica ascendente. Este delineamento histórico apresenta aspectos
significativos para a promoção da igualdade de condições de acesso e par-
ticipação entre as pessoas, promovendo, assim, o despertar social para a
relevância em compor espaços de escolarização inclusivos.
É substancial destacar que a composição de uma escola inclusi-
va solicita a participação de todos os presentes no processo educacional em
prol do impulsionamento de práticas pedagógicas inclusivas. Estas práticas
podem configurar-se por meio da ressignificação do projeto pedagógico a
fim de viabilizar o acesso ao currículo escolar; da promoção de uma for-
mação docente adequada; do desenvolvimento de metodologias de ensino
e avaliações significativas; do provimento de recursos específicos20; e do
impulso constante da socialização, interação social e acessibilidade (BRA-
SIL, 2001).
Guarulhos (2015) aponta que a acessibilidade se refere também
ao acesso às tecnologias da informação e comunicação21:

[...] é tornar algo acessível e tomar medidas apropriadas que


assegurem às pessoas com deficiências o acesso, em igualdade de
oportunidades em relação às demais pessoas, ao meio físico, ao

19 As barreiras são obstáculos que limitam a acessibilidade da pessoa com deficiência na sociedade e são
classificadas em: barreiras urbanísticas, barreiras arquitetônicas, barreiras nos transportes, barreiras nas
comunicações e na informação, barreiras atitudinais e barreiras tecnológicas (BRASIL, 2015).
20 É tudo aquilo que favorece a aprendizagem dos alunos com deficiência de forma eficiente como a es-
trutura física acessível, o material didático adequado às necessidades físicas, sensoriais ou cognitivas dos
alunos e o atendimento com uma equipe multidisciplinar.
21 Em conformidade, o Art.3º da Lei nº 13.146/2015 (BRASIL, 2015) destaca a necessidade de eliminar
as barreiras tecnológicas, provendo as condições adequadas de acesso a comunicação e a informação por
meio das tecnologias.

- 99 -
transporte, à informação e comunicação, inclusive aos sistemas e
tecnologias da informação e comunicação (p. 21).

Dessa forma, compreende-se que as vivências escolares dos alu-


nos com deficiência devem priorizar atividades significativas que se com-
prometam com a acessibilidade em seus diversos aspectos constitutivos.
Ressalta-se, assim, como imprescindível para o processo educativo o aco-
lhimento das tecnologias digitais de informação e comunicação para o pro-
vimento da interação e da aprendizagem dos estudantes com deficiência.
Ademais, o Art. 78 da Lei nº 13.146/2015 evidencia que devem
ser propiciados “o emprego de tecnologias da informação e comunicação
como instrumento de superação de limitações funcionais e de barreiras
à comunicação, à informação, à educação e ao entretenimento da pessoa
com deficiência.” (BRASIL, 2015). Portanto, em consenso, a Base Nacional
Comum Curricular (BRASIL, 2017) e a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa
com Deficiência (Lei nº 13.146/2015) pontuam a relevância dos recursos
didáticos e tecnológicos de informação e comunicação para o desenvolvi-
mento do processo de ensino e aprendizagem na educação especial, bus-
cando, através da aproximação aos conhecimentos produzidos pelo mun-
do digital, exaltar a constituição de uma sociedade justa e inclusiva.
A comunhão entre as tecnologias digitais e a educação inclusiva
trouxe alternativas pedagógicas inovadoras e dinâmicas favoráveis ao de-
senvolvimento dos alunos com deficiência. Dessa forma, as possibilidades
educativas presentes na utilização das tecnologias digitais versam acerca
da constituição da acessibilidade, da valorização das potencialidades estu-
dantis, da criação e compartilhamento de conteúdos, do acolhimento da
diversidade, e, dentre outras, do fomento da participação social destes es-
tudantes em prol da cidadania.
A escola inclusiva pode compor suas práticas educativas e
usufruir pedagogicamente de software, plataformas digitais conectadas
à internet, aplicativos de celular e demais meios e artefatos digitais que
configuram-se como ambientes significativos para o desenvolvimento da
aprendizagem dos estudantes com deficiência. Ademais, os espaços digi-
tais disponibilizam para a educação presencial a ampliação de sua atuação
pedagógica para além das fronteiras físicas escolares, expandindo a comu-
nicação e o acesso às informações e despertando o interesse estudantil para
a vivência neste novo espaço.
Estas considerações acerca dos artefatos tecnológicos digitais e
da sua utilização na educação recupera o debate sobre a importância das
tecnologias assistivas para o processo de escolarização e para a promoção
da inclusão social. Destarte, conforme Brasil (2015) as tecnologias assisti-

- 100 -
vas se constituem enquanto ferramentas e estratégias pedagógicas funda-
mentais, pois promovem a autonomia da pessoa com deficiência.
Igualmente, a integração das tecnologias assistivas no espaço
educativo fornece a reflexão acerca do uso das tecnologias digitais enquan-
to ferramentas de interação. Além disto, a aplicabilidade das tecnologias
assistivas na educação escolar comunga diretamente com um dos preceitos
que circundam as tecnologias digitais na educação: a inclusão social por
meio da interatividade.
Ribeiro (2003) assegura que a aprendizagem é edificada através
da interação do alunato com o mundo. Posto que, as ferramentas de inte-
ração devem manifestar-se em suporte da acessibilidade com o objetivo
de constituir um processo educativo inclusivo e significativo para todos os
integrantes da instituição educativa.
A aplicabilidade significativa das tecnologias digitais em âmbito
escolar impulsiona a interatividade e, por meio disto, obtém proveitos fun-
damentais para a constituição da integração social e da cidadania, como
o desenvolvimento da autonomia e da capacidade crítica e reflexiva dos
estudantes; e o compartilhamento e a criação de conteúdos/informações.
Assim, percebe-se que a interatividade conduz traços pertinentes à com-
posição de uma escola inclusiva e oportuniza a participação dos estudantes
com deficiência no espaço social.
Ademais, estudos apontam que as tecnologias digitais e os dis-
positivos móveis podem fazer parte de estratégias pedagógicas que impul-
sionam, mediante sua interface intuitiva, os processos de acessibilidade,
inclusão escolar e aprendizagem de alunos com Transtorno de Espectro
Autista (SANTAROSA; CONFORTO, 2015).
Outras pesquisas como a de Galvão Filho (2016), revelam que as
tecnologias na educação estimulam a aprendizagem e a inclusão de alunos
com deficiência intelectual. Além destes estudos22, Sonza; Santarosa (2003)
também ressaltam que a utilização favorável da informática, software e de-
mais ferramentas podem promover a autonomia e a inclusão nos ambien-
tes digitais para os deficientes visuais23.
Portanto, a escolarização que se compromete com a utilização
das tecnologias digitais propõe a efetivação de uma dinâmica de inclusão
digital, que excede os espaços físicos escolares e fornece aos estudantes com
deficiência o compartilhamento de vivências digitais, o acesso a diversas
informações, a ampliação da autonomia e dos momentos de comunicação
e, dentre outros, o desenvolvimento de suas habilidades e potencialidades
(SANTOS; PEQUENO, 2011).

22 Brasil (2001) também destaca que a informática, dentre outras estratégias, é capaz de promover a
aprendizagem de alunos com paralisia cerebral.
23 Em conformidade, Guarulhos (2015) ressalta que estudantes cegos, com baixa visão ou com surdez
podem dispor de software específico para favorecer a sua inclusão social.

- 101 -
A ação significativa referente à inclusão digital ultrapassa o uso
habitual das tecnologias digitais, ela integra a imersão social em uma cul-
tura digital, promovendo a releitura de um novo contexto vivencial. Esse
processo complexo indica a necessidade da mediação pedagógica para que
se estabeleçam posturas sociais críticas, reflexivas e atuantes em meio digi-
tal. Para tal, é relevante que a instituição educacional observe seu espaço e
reconsidere as formas mais adequadas para receber e apoiar esta inserção
tecnológica em prol do desenvolvimento da aprendizagem de seus edu-
candos.
A qualidade deste processo educativo demanda também a for-
mação dos professores, visto que o processo de informatização sugere a
ressignificação da atuação docente mediante a modernização das técnicas
de ensino. Desta forma, o educador deve participar ativamente deste pro-
cesso, formando-se para a utilização das ferramentas digitais e aproximan-
do-se das possibilidades pedagógicas interativas disponibilizadas por elas à
esfera educativa (SOARES; MOUZINE; PEQUENO, 2011).
O fortalecimento da cultura digital na sociedade torna-se im-
portante para a composição de uma educação inclusiva, pois apoia a inte-
ratividade e a inclusão social e digital das pessoas com deficiência. Logo,
o estabelecimento do diálogo entre as tecnologias digitais e a esfera edu-
cacional impulsiona a participação social e sugere alternativas para a con-
cepção da cidadania.
Brasil (2001) enfatiza que o estabelecimento de uma escola in-
clusiva atua diretamente para a constituição de uma sociedade inclusiva
- essencial para a promoção da democracia. Portanto, para promover a in-
clusão educacional e social, a instituição escolar deve assegurar, por meio
do seu projeto pedagógico, que os estudantes com deficiência tenham aces-
so ao currículo escolar em sua integralidade.
Uma escola inclusiva se constitui através da ação curricular, que
tem em sua concepção a capacidade de incentivar a democracia por inter-
médio dos processos de formação estudantil para a cidadania. O currículo
escolar transpassa e agrega em si concepções e saberes edificados pela cul-
tura e pela sociedade, materializando-se através dos conteúdos e das práti-
cas educativas. Assim, o currículo contemporâneo deve acolher e sustentar
a utilização significativa das tecnologias digitais para o fomento de práticas
pedagógicas inclusivas e emancipadoras.

Considerações Finais
As habilidades e as especificidades dos alunos com deficiência
devem ser consideradas em seu percurso educacional, bem como devem
ser oportunizados o acesso ao currículo escolar e a uma educação de qua-

- 102 -
lidade. Estas são premissas evidentes e fundamentais para a constituição
de uma escola inclusiva, onde todos os partícipes do processo educacional
devem comprometer-se em incentivar a aprendizagem e a interação dos
estudantes com deficiência.
Nesse sentido, a linguagem digital estrutura-se e oferta à educa-
ção especial novos arranjos de ensino e aprendizagem, promovendo, den-
tre outros apontamentos, a criatividade, a curiosidade, a reflexão e a criti-
cidade. Assim, o letramento digital deve ser impulsionado pela educação
escolar e transversalmente situado em todos os níveis e modalidades de
ensino, com o intuito de aproximar a cultura digital aos estudantes e efeti-
var a utilização significativa das tecnologias digitais na esfera educacional.
Entretanto, alguns fatores demonstram-se imprescindíveis para
a efetivação expressiva das tecnologias na área da educação inclusiva,
como a disponibilização de uma infraestrutura escolar apta para o acesso
a estas tecnologias; o apoio pedagógico concedido pelas redes de ensino; a
formação docente adequada às propostas inclusivas; o acesso a diversos re-
cursos pedagógicos; o cumprimento das políticas educacionais em prol da
acessibilidade, da qualidade da educação escolar e da defesa de seus inte-
grantes; a estruturação de um projeto pedagógico inclusivo que viabilize o
acesso ao currículo escolar por meio da interação e da socialização; enfim,
elementos que reunidos convocam a edificação de uma educação inclusiva,
dialógica e habilitada para a formação de cidadãos.
Em síntese, a complexa e dinâmica manifestação das tecnolo-
gias digitais transpassa por problemáticas sociais e agrega à educação de
estudantes com deficiência variadas e significativas possibilidades educa-
cionais inclusivas. Portanto, o presente estudo assinala a necessidade da
contínua aproximação com outras pesquisas relativas à tematica, com o
propósito de prosseguir as investigações e assimilar a trajetória que as tec-
nologias digitais percorrem junto ao desenvolvimento da aprendizagem
das crianças com deficiência.

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- 105 -
- 106 -
CAPÍTULO II

POLÍTICA, HISTÓRIA E EDUCAÇÃO

- 107 -
- 108 -
O PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO PARA
UMA EDUCAÇÃO DE QUALIDADE
Alana Cristina Maciel Matos
Maria José Gonçalves Bernardo

Introdução
Consideramos que a escola está inserida em uma sociedade, que
está sempre em transformação por ser constituída por pessoas que pensam
e refletem em diversos setores da sociedade. Se analisarmos a sociedade
e as instituições escolares têm uma relação de mão dupla, influencia e é
influenciada uma pela outra diretamente. O Projeto Político Pedagógico
(PPP) define a identidade da instituição escolar e indica os caminhos para
o ensino de qualidade, por isso é importante perceber as mudanças ocorri-
das e não esquecer a missão/visão da instituição.
Nessa perspectiva, é importante debatermos sobre essa temática
uma vez que compreendemos que ao estudar o Projeto Político Pedagó-
gico (PPP) contribuímos para o debate sobre os fatores que contribuem
para uma educação de qualidade, ampliando e discutindo a sua função e
relevância.
O objetivo de estudo aqui em foco é oriundo de uma vivência
como profissional da educação infantil no ensino público municipal. Vin-
culada durante dois anos ao município de Pacatuba, atuando como profes-
sora em um Centro de Educação Infantil (CEI), tendo a oportunidade de
vivenciar a reformulação do Projeto Político Pedagógico.
Fernandes (2000, p. 33), ressalta que:

O conhecimento do que, hoje em dia, se passa nas escolas revela,


todavia, que a mudança idealizada não se impõe facilmente e que,
mesmo que os conceitos evoluam no sentido pretendido, isso não
se traduz necessariamente numa mudança de práticas, evoluindo
os sistemas educativos muito lentamente. Os professores não ade-
rem facilmente às reformas propostas centradas pelos governos
nem se empenham na mudança se eles próprios não participarem
na definição do que deve ser mudado, compreenderem o sentido
da mudança e perceberem os seus benefícios.

Percebemos as mudanças ocorridas durante os seis anos que o


documento não passou por uma revisita. Ao concluirmos a construção do
novo Projeto Político Pedagógico (PPP) é que se tem uma dimensão das
mudanças ocorridas no pensamento, organização e aspectos físicos da ins-
tituição. Compreendemos que o pensamento do tipo de aluno que os esta-

- 109 -
belecimentos de ensino colocam em ênfase, ainda é aquele que continuam
a direcional para uma atuação social mínima, é igual aos outros momentos
da história da educação e da sociedade, pouca participação e autonomia na
tomada de decisões são marcadas na vida dos alunos.
O interesse por essa temática ocorreu pela indagação de que
será que o Projeto Político Pedagógico apresenta mudanças perceptíveis/
significativas de um PPP para o outro durante a revisão pela instituição
escolar? O Projeto Político Pedagógico é uma necessidade na instituição
escolar? Nosso objetivo neste artigo é debater sobre o PPP na escola.
De acordo com Fonseca (2002, p. 32), que apresenta:

A pesquisa bibliográfica é feita a partir do levantamento de referên-


cias teóricas já analisadas, e publicadas por meios escritos e eletrô-
nicos, como livros, artigos científicos, páginas de web sites. Qual-
quer trabalho científico inicia-se com uma pesquisa bibliográfica,
que permite ao pesquisador conhecer o que já se estudou sobre o
assunto. Existem, porém pesquisas científicas que se baseiam uni-
camente na pesquisa bibliográfica, procurando referências teóricas
publicadas com o objetivo de recolher informações ou conheci-
mentos prévios sobre o problema a respeito do qual se procura a
resposta.

Desse modo, o presente trabalho tem como proposta de ser um


artigo bibliográfico que será realizado com a contribuição de autores como
Veiga (2002), Lopes, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
9.394 de 1996, entre outros que contribuem para melhor compreendermos
o que é educação infantil e seu público alvo e o que é o Projeto Político
Pedagógico (PPP) e sua importância para a instituição escolar na busca por
uma educação de qualidade.
Ainda de acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, nº
9.394 de 1996, define sobre o projeto político pedagógico, que;

Art. 12°. Os estabelecimentos de ensino respeitando as normas co-


muns e as do seu sistema de ensino, terão a incumbência de:
I – elaborar e executar sua proposta pedagógica;
II – administrar seu pessoal e seus recursos materiais e financeiros;
III – assegurar o cumprimento dos dias letivos e horas-aula esta-
belecidas;
IV – velar pelo cumprimento do plano de trabalho de cada docente;
V – prover meios para a recuperação dos alunos de menor rendi-
mento;
VI – articular-se com as famílias e a comunidade, criando proces-
sos de integração da sociedade com a escola;
VII – informar os pais e responsáveis sobre a frequência e rendi-
mentos dos alunos, bem como sobre a execução da proposta peda-

- 110 -
gógica da escola;
VIII – notificar ao Conselho Tutelar do Município, ao juiz com-
petente da Comarca e ao respectivo representante do Ministério
Público a relação dos alunos que apresentem quantidade de faltas
acima de cinquenta por cento do percentual permitido por lei.
Compreendemos a partir do art. 12° incisos que abordam a
construção e a implementação do Projeto Político Pedagógico (PPP) tendo
a participação como foco de interesse, evidenciando que a instituição es-
colar tem obrigações que devem ser realizadas para a construção de uma
educação de qualidade, uma vez que as instituições são autônomas para
confeccionar o seu Projeto Político Pedagógico devemos entender que as
ações são muitas vezes direcionadas pelas escolhas dos profissionais que
estão inseridos nessas instituições educacionais, ou seja, a escolha de per-
mitir e participar de todo processo.
Muitos autores reconhecem a importância do projeto político
pedagógico (PPP). Veiga (2002, p. 13), considera o “Projeto Político Pe-
dagógico como um processo permanente de reflexão e discussão dos pro-
blemas da escola, na busca de alternativas viáveis de à efetivação de sua
intencionalidade”, propiciando a necessária participação democrática de
todos que estão envolvidos na comunidade escolar.
Portanto, desde sua exigência legal por meio da Lei de Diretri-
zes e Bases da Educação Nacional (LDB) – Lei 9.394/96, o projeto político
pedagógico (PPP) vem se tornando objeto recorrente nos estudos na área
da educação, no sentido de buscar melhorias para a educação e aliar ao que
está posto na legislação.
O projeto político pedagógico (PPP) não é um documento que
deve ser construído para ser arquivado. Ao pensar, falar e escrever sobre
esse apontamento devemos ter o foco na sua contribuição educacional
para a instituição. Superando a visão que é um documento exigido por
determinado setor da Secretária de Educação como forma de cumprir a
burocracia dos sistemas educacionais. O projeto político pedagógico deve
ser uma construção coletiva e acessível a todos que fazem parte da comuni-
dade escolar, que possa ser lido e relido sempre, que possa possibilitar uma
reflexão se as atividades desenvolvidas dentro da instituição caminham no
dia a dia de acordo com o documento.
Para Veiga (2002, p. 22) “O projeto político pedagógico é en-
tendido, como a própria organização do trabalho pedagógico da escola”
ele é político no sentido de estar intimamente articulado ao compromisso
sociopolítico da educação, dos interesses sociais, principalmente daqueles
que frequenta a escola pública.
A participação de todos é considerada uma perspectiva pedagó-
gica, considerando a intencionalidade da escola, ações educativas na pers-

- 111 -
pectiva de formação de um indivíduo participativo da sociedade, crítico e
responsável com o seu papel de cidadão, na definição das atividades e pro-
jetos educativos que irão acontecer no processo de ensino e aprendizagem.
Nesse sentido, o político e pedagógico são indissociáveis e ganham força
porque dizem da função social da escola, como democrática, inclusiva e de
qualidade social.
A autonomia aparece como elemento presente para a constru-
ção do projeto político pedagógico (PPP) da escola, a definição da identi-
dade escolar, o que também significa a aceitação e compreensão da cultura
escolar que está instituída. “Isso significa resgatar a escola como espaço
público, lugar de debate, do diálogo, fundado na reflexão coletiva” (VEI-
GA, 2002, p. 22).
O projeto político pedagógico (PPP) é um documento impor-
tante e um fundamental instrumento que propicia a organização da pro-
posta pedagógica da escola com a participação da comunidade escolar, o
que sugere funcionários, professores, pais e alunos, discutindo os proble-
mas da instituição e possíveis soluções, tornando-se fundamental para que
a escola seja constantemente refletindo sobre as dificuldades e potenciali-
dades.
A construção do projeto político pedagógico (PPP), segundo
Veiga (2002) parte dos princípios de igualdade, qualidade, liberdade, ges-
tão democrática e valorização do magistério. “Toda escola tem objetivos
que deseja alcançar, metas a cumprir e sonhos a realizar. O conjunto dessas
aspirações, bem como os meios para concretizá-las, é o que dá forma e vida
ao chamado projeto político-pedagógico – o famoso PPP” (LOPES, 2010).
A construção de um projeto político pedagógico demanda a definição de
sua finalidade, que apareçam os interesses reais e coletivos, baseado nos
objetivos que ela tem.
Dessa forma, precisamos debater sobre a importância do proje-
to político pedagógico (PPP) na escola, uma vez que compreendemos na
sociedade atual que esse instrumento de aprimoramento educacional para
uma escola de qualidade, está muitas vezes colocado como sendo apenas
uma questão que envolve as relações institucionais, ou seja, as instituições
educacionais vista de forma burocrática.
A busca por uma educação de qualidade existe várias vertentes
de pensamento, de atuação, como o Plano Nacional de Educação (PNE)
se volta para os esforços e investimentos numa tentativa da melhoria da
educação no nosso país. Estabelece diretrizes, metas e estratégias para a
política educacional que em alguns casos pode ou não serem seguidas,
principalmente quando se trata de diretrizes e parâmetros educacionais.
O Plano Nacional de Educação é um documento que enfatiza
algumas definições e metas, entre elas: Previsão de investimento público na

- 112 -
educação de 10% do produto interno bruto, erradicação do analfabetismo,
ampliação da oferta de educação infantil, alfabetização até os seis anos,
entre outros.
Sabemos que a Educação Infantil é a primeira etapa da educação
básica, normatizada pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional,
Lei nº 9.394/96 e com finalidades especificas na formação das crianças,
como discorre o texto da sua seção II, artigo 29: “A educação infantil, pri-
meira etapa da educação básica, tem como finalidade o desenvolvimento
integral da criança até seis anos de idade, em seus aspectos físico, psicoló-
gico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comuni-
dade” (BRASIL, 1996).
E um dos instrumentos que contribui para o alcance desse pro-
pósito é o PPP que toda instituição escolar tem que elaborar e pôr em práti-
ca, as instituições de educação infantil também têm que ter e se preocupar
em retratar as especificidades da creche ou da pré-escola.
De acordo com a LDB 9.394/1996, artigo 30, “A educação infan-
til será oferecida em: creches, ou entidades equivalentes, para crianças de
até três anos de idade; pré-escolas, para as crianças de quatro a seis anos de
idade”. Portanto mesmo as crianças sendo atendidas pela educação infantil,
a diferença de idade entre elas influência o tipo de estimulo e aprendiza-
gem que se esperam delas, e precisa de uma reflexão mais elaborada de
como melhorar o atendimento/serviço ofertado a essas crianças.
O PPP é um documento importantíssimo que representa a
proposta educacional de uma escola/CEI e que, portanto, norteia as ações
de toda a comunidade escolar, por isso deve ser considerada como sendo
fundamental a sua utilização.
Um PPP deve apresentar a possibilidade para que a instituição
escolar possa trabalhar seus recursos, ter de forma mais evidente as suas
necessidades estruturantes e de profissionais, além da sua organização fí-
sica e de atendimento a comunidade escolar, entre outros aspectos que ao
se visitar o documento de modo mais participativo podemos visualizar a
instituição.
A construção ou reformulação do PPP deve ser realizada com
toda comunidade escolar, através de uma dinâmica mais participativa
numa escola aberta a ideias e aos inúmeros saberes existentes, porém sa-
bemos que existe uma ideologia de centralização das ações que deve ser
trabalhada e discutida de forma constante com todos os participantes.
Muitas pessoas não entendem o valor desse momento, algumas
pela questão de não terem formação e motivações para participar e debater
com a escola. Esse e outros aspectos de construção e diálogo entre todos
que constroem a comunidade escolar ficam fragilizados. Nem todos que

- 113 -
trabalham na instituição querem contribuir, apenas se mostram presentes
nessas reuniões. Conforme Bezerra (2010, p. 58 – 59:

O espaço escolar tem que ser dinâmico, comprometido e motiva-


dor da participação de todos os atores que atuam junto às nossas
crianças e adolescentes, não somente aqueles próprios do ambiente
escolar, mas também todos os atores que fazem parte da comuni-
dade extra-escolar. Os profissionais da educação têm de adquirir a
consciência necessária do seu papel como educador, uma vez que
estas crianças e adolescentes são confiadas a eles.

Desse modo, ainda não conseguimos descontruir uma cultura


de participação isolada, fragmentada e construir uma cultura de debates,
de diálogos e de vivências pedagógicas, que inicie nas ações desses profis-
sionais para que possa abranger a todos. Assim, a instituição escola deve
disponibilizar o seu PPP e deixar de fácil acesso a todos da comunidade
escolar. Para que tomem ciência da forma de organização escolar e de tudo
que a mesma acredita.
De acordo com Mendel (2008, p. 58), “Como cada escola é úni-
ca em sua realidade, todo Projeto Político Pedagógico (PPP) requer, antes
de qualquer outro procedimento, que sejam levantados dados relevantes
que a retratem”. Com o documento pronto é interessante à escola ou CEI
estipular um prazo para revisitar o documento de forma mais cuidadosa
e com o maior número de membro da comunidade para poder revisar e
verificar se ainda está de acordo com as leis e orientações vigente sobre
educação. Se sofreram mudanças no quadro de funcionários, no quantita-
tivo e organização das turmas, os aspectos físicos, entre outras mudanças
que interferem na dinâmica da instituição.
O registro PPP no papel é fundamental para garantir a memória
do trabalho pedagógico das instituições de educação infantil e das institui-
ções escolares em geral. Quando a instituição compreende a sua importân-
cia, a sua construção ou reformulação deixa de ser uma obrigação buro-
crática para ser a concretização da instituição a quem esses profissionais ou
participantes fazem parte, deixam a sua marca e história. Demonstra aos
outros o compromisso com uma educação de qualidade. Conjectura sobre
os erros cometidos no passado reflete sobre a sociedade/comunidade atual
que o CEI ou escola está inserido.
O PPP deve ser a base estruturante da gestão democrática. A
LDB 9.394/1996, traz em seu artigo 14:

Os sistemas de ensino definirão as normas da gestão democrática


do ensino público na educação básica, de acordo com as suas pecu-
liaridades e conforme os seguintes princípios:

- 114 -
I – Participação dos profissionais da educação na elaboração do
projeto pedagógico da escola;
II – Participação das comunidades escolar e local em conselhos es-
colares ou equivalentes.

Com a autonomia dada às instituições na construção do PPP,


percebemos que não existe um modelo pronto, ele deve refletir a socie-
dade e instituição escolar a que pertence, sem esquecer que cada etapa da
educação básica possui uma especificidade, e os CEI´s ou creches devem
tratar de valorizar a infância vivenciada por bebês, crianças bem pequenas
e crianças pequenas – sendo que esses sujeitos requerem necessidades de
cuidado e de práticas educativas específicas. Para Bezerra (2010, p. 60):

A escola faz parte da sociedade atual e constitui um poderoso ins-


trumento de mudanças sociais; o que está no centro das discus-
sões são as dificuldades que essas escolas enfrentam e as barreiras
institucionalizadas pelos poderes públicos que interferem de modo
significativo na sua autonomia e na construção de uma escola de-
mocrática, e, consequentemente, participativa, sendo assim, neces-
sárias algumas mudanças no espaço escola como a valorização e a
descentralização dos seus espaços educacionais, tornando-os mais
autônomos.

Está ideologia da participação de construção do projeto numa


sociedade educacional tem cada vez mais criado divisões funcionais nos
espaços educacionais, principalmente quando pensamos sobre os profes-
sores contratados, os funcionários terceirizados, os gestores que são indi-
cados para exercerem suas funções entre outros aspectos que se criam cer-
to distanciamento com relação à apropriação de compreender a dinâmica
da comunidade escolar.
A contratação ou terceirização dos profissionais pelas secreta-
rias de educação dos municípios tornam as pessoas um pouco apreensivas,
no sentido de terem vinculadas a suas ações a ideia de por quanto tempo
vão permanecer naquela instituição. O não vínculo acaba trazendo a tona
a ideia de não pertencimento aquela instituição, e que não se sentem im-
portante na construção da contribuição de uma educação de qualidade da
instituição escolar.
Por isso, uma revisão com curto tempo possibilita que o nome
dos funcionários e sua função possam aparecer no quadro de funcionários.
Valorizando e identificando esse profissional que trabalha em sua função
específica, mas contribui de forma reflexiva na construção de uma educa-
ção de qualidade.
Consideramos que o momento de construção e de acompanha-
mento do PPP pela instituição escolar é um momento importantíssimo

- 115 -
para a compreensão da importância de cada funcionário, da qualidade de
atendimento oferecido as crianças que frequentam o estabelecimento, que
tipo de cidadãos estão sendo formados, quais os melhoramentos possíveis
em sua estrutura física ou organizacional, enfim, possibilita uma autoava-
liação.

Considerações finais
Durante o decorrer do estudo reforçamos a nossa visão de que o
PPP é um documento importante e um instrumento que contribui a orga-
nização da proposta pedagógica da escola/CEI que deve contar com a par-
ticipação da comunidade escolar, que compreende os funcionários, profes-
sores, pais e alunos (a seu modo), discutindo os problemas da instituição e
possíveis soluções, tornando-se fundamental para que a escola/creche este-
ja constantemente refletindo sobre as suas dificuldades e potencialidades.
Com a autonomia dada às instituições na construção do PPP,
percebemos que não existe um modelo pronto, ele deve refletir a socie-
dade e instituição escolar a que pertence, sem esquecer que cada etapa da
educação básica possui uma especificidade, e os CEIs ou creches devem
tratar de valorizar a infância vivenciada por bebês, crianças bem pequenas
e crianças pequenas.
Consideramos que o momento de revisão do PPP pela institui-
ção escolar possibilita uma autoavaliação. Quando a instituição compreen-
de a sua importância, a sua construção ou reformulação deixa de ser uma
obrigação burocrática para ser a concretização da instituição a quem esses
profissionais ou participantes fazem parte, deixam a sua marca e história.
Ainda existem muitas barreiras na elaboração/revisão do PPP,
uma vez que nem todos que trabalham na instituição querem contribuir,
apenas se mostram presentes nessas reuniões, cabe ao núcleo gestor o pa-
pel de conciliar todos os envolvidos para enriquecer o projeto.
Enfim, ressaltamos que preciso que continuem as pesquisas nas
áreas, a fim de proporcionar reflexões e reforçar a valorização desse mo-
mento pelas instituições escolares. O PPP vai além do burocrático, ele traz
a identidade das escolas e CEIs e deve ser sempre discutido sua importân-
cia e contribuição para uma educação de qualidade.

Referências

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de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação
Nacional. Disponível em: https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/han-
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MENDEL, Cássia Ravena M. de Assis. Projeto político pedagógico: cons-
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VEIGA, Ilma Passos Alencastro (org). Projeto político-pedagógico da es-
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- 117 -
- 118 -
NOS TRILHOS DA PEDAGOGIA DE FERRO
DO CAPITAL: EDUCAÇÃO E
(DE)FORMAÇÃO DO TRABALHO

Fábio José Cavalcanti de Queiroz


Nivânia Menezes Amâncio

Introdução
Definitivamente, a análise das relações que opõem o capital e o
chamado mundo do trabalho, mediada pela educação, não nos parece uma
questão esgotada. Ao contrário, impele o pesquisador a retomar sempre, e
uma vez mais, estudos que unam as pontas de fios ainda soltas, trazendo
à luz questões relacionadas aos contatos, dissensões e sociabilidades pró-
prios aos encadeamentos que, de maneira conflitiva, atam capital e traba-
lho, notadamente no que se referem às condições específicas da educação
do trabalhador. De modo sumário, diríamos que esse desenho inicial fun-
damenta as diligências teórico-históricas a que nos propomos.
Nesse sentido, nosso objetivo passa por examinar os elos que
articulam a ação do capital e os processos de formação que têm como alvo
prioritário o adestramento e a instrução da classe trabalhadora. Do mesmo
modo, analisamos o lugar da educação nos movimentos promovidos pelos
trabalhadores e suas representações de classe. Para respondermos a essas
questões, partimos de duas hipóteses: primeiramente, ao se valorizar, o ca-
pital atua de modo violento. É como se trouxesse consigo não somente a
voracidade econômica, mas a força de seus intentos e a brutalidade de seus
métodos. Junto disso, o capital oferece uma educação fragmentada, ele-
mentar e predominantemente técnica aos que trabalham; em última ins-
tância, esse modelo de instrução se mostra não só mitigado, mas, também,
alicerçado na restrição à liberdade do trabalhador.
Ao desenvolver essas hipóteses avançamos no sentido de reafir-
mar que, malgrado os limites dos processos de educação formal, no capita-
lismo, os trabalhadores não podem abdicar de uma reivindicação-chave: a
luta pelo acesso às objetivações históricas produzidas pela humanidade ao
longo do tempo. Essa inferência implica pleitear o direito à educação pú-
blica como condição necessária da formação humana daqueles que vivem
da venda de sua força de trabalho. Seguramente, o artigo se debruça nessa
problemática desafiadora.
Por fim, no que se refere à questão metodológica, realizamos a
revisão bibliográfica e concentramos a abordagem teórica, sobretudo, no

- 119 -
livro I de O capital (2013), de Karl Marx, tomando-o não como uma receita
para os problemas do século XXI, mas, um ponto de partida para estudos
nos quais os laços entre capital, trabalho e educação, em seus múltiplos
aspectos, possam ser perscrutados e desenvolvidos.

Ferocidade do capital, trabalho e deformações na instrução


Quando Marx publicou o livro I de O capital (2013), efetiva-
mente, o capitalismo havia se erguido como sistema “puro” quase que uni-
camente na Inglaterra. Com tal característica, foi esse país que, em última
análise, serviu de ilustração aos estudos do modo de produção especifica-
mente capitalista. As conquistas e horrores do capital, que se espalhariam
pelo mundo, nos decênios seguintes, se revelaram ali em primeiro lugar.
Nesse contexto, quando se afirmaram exigências de que o Esta-
do promovesse a instrução pública dos filhos da classe trabalhadora, não
só afloraram instituições escolares que receberam os rebentos dessa classe,
mas, nesses estabelecimentos de ensino, testemunharam-se, pela primei-
ra vez, como a burguesia entendia a natureza desses espaços de formação
voltados ao atendimento das demandas das famílias proletárias; demandas
que, aliás, tornaram-se exigências apenas no momento em que certos ra-
mos da produção industrial sentiram a necessidade de ter uma mão-de-o-
bra que arranhasse superficialmente o saber escolar.
Desse modo, em torno da produção, diretamente,

Surge a simples separação dos trabalhadores em qualificados e não


qualificados. Para estes últimos, os custos de aprendizagem desapa-
recem por completo e, para os primeiros esses custos são menores,
em comparação com o artesão, devido à função simplificada. Em
ambos os casos diminui o valor da força de trabalho (MARX, 2013,
p. 424).

Como se observa, o capital consegue reduzir o valor da força


de trabalho sob o manto de sua adequação às condições da maquinaria.
As máquinas descomplicam as tarefas e essa simplificação define o lugar
e a profundidade do processo formativo do trabalhador, sendo que nem o
mais habilitado deles requer despesas exageradas, intrínsecas às exigências
de qualificação. Hoje, principalmente, certas tarefas da indústria exigem
trabalhadores qualificados, embora a preferência patronal seja de que isso
se faça no grau mínimo. De modo complementar, uma parte da atividade
produtiva pode ser realizada pelo trabalhador cujo aprendizado, não raro,
ocorre no âmbito da própria experiência fabril. O proletário tarimbeiro
não é uma exclusividade do século XIX. Ainda hoje, ele é reclamado pelo
sistema industrial. Ramos inteiros da produção capitalista, a exemplo da
construção civil, frequentemente requerem o trabalhador não qualificado.

- 120 -
O aparecimento de funções novas, complementares ou distintas
das até então existentes, durante certo tempo, exige novos investimentos
a fim de equilibrar a oferta de profissionais qualificados em relação à de-
manda industrial. Por exemplo: quando a maquinaria começou a ocupar
espaço privilegiado, ao longo do século XIX, ocorreram situações que, à
primeira vista, impeliram os capitalistas a cobrar do Estado uma solução
para o impasse transitório que se abriu. Essa questão não deixou de ser no-
tada por Marx: “Exceções ocorrem na medida em que a decomposição do
processo de trabalho gera funções novas e abrangentes que no artesanato
não existiam, ou pelo menos não na mesma extensão” (2013, p. 424).
Nesses casos, a indústria experimenta situações nas quais a
elevação momentânea do custo da força de trabalho é uma possibilidade
tangível. Trata-se, no entanto, de circunstâncias contingentes e, provavel-
mente, são resolvidas no curso de poucos anos. Além disso, a história de-
monstra que os dispêndios de aprendizagem nem sempre são pagos pelos
capitalistas. Grande parte das vezes, o capital mobiliza o Estado que ou
subsidia de modo parcial a aprendizagem ou simplesmente a patrocina
diretamente. Nos dois casos, o financiamento do exercício inicial de ins-
trução da mão-de-obra se realiza mediante a utilização do fundo público.
A questão é: até que ponto podemos falar desses processos
como exemplos de formação humana?
Na Inglaterra, da primeira metade do século XIX, cresceu o nú-
mero de pedidos insistentes em prol do ensino público para as famílias
proletárias, e já à época, não faltaram oportunidades de se demonstrar que
o capital e o Estado tratavam o problema com desrespeito e despudor, tan-
to em referência à qualidade do ensino quanto aos locais onde se realiza-
vam o conjunto de atividades considerado institucionalmente formativo.
Assim, “Antes que se promulgasse a lei fabril de 1844, não era raro que os
certificados de frequência escolar viessem assinados com uma cruz pelo
professor ou professora, pois eles mesmos não sabiam escrever”. (MARX,
2013, p. 473) Na esteira dessas deformidades elementares, “os inspetores de
fábrica denunciaram a situação vergonhosa dos locais chamados de escolas
e cujos certificados eles tinham de aceitar como plenamente válidos do
ponto de vista legal” (idem).
Esses fatos testemunham como os capitalistas estampavam viva-
mente o seu real descontentamento no que respeita às cláusulas educacio-
nais que, de certo modo, vinham ao mundo, não pelo entusiasmo dos in-
dustriais, mas apesar de seu desconforto e repulsa. Confirmam igualmente
que a qualidade da formação humana não constitui um genuíno propósito
dos capitalistas e daqueles que representam seus interesses no âmbito das
instituições estatais. Agora, à medida que a aprendizagem se torna indis-

- 121 -
pensável a fim de se cumprir certas funções produtivas, o capital não deixa
de se empenhar com vistas a pleitear que o Estado se encarregue de instruir
o trabalhador ou a futura mão-de-obra, tendo em mente um adestramento
da capacidade sujeitado à produção.
As mudanças que aconteceram na educação pública, não só na
Inglaterra, mas no mundo inteiro, desde meados do século XIX, não nos
autoriza, no entanto, a crer que a instrução para a família trabalhadora
tenha se tornado qualitativamente distinta e naturalmente humana. A si-
tuação atual não dista inteiramente do período histórico que se seguiu à
aplicação da maquinaria, em larga escala, no processo de produção.
Do século XIX para cá, essa aplicação mudou significativamen-
te; mas, do ponto de vista da classe trabalhadora, a dupla determinação
- maquinaria e grande indústria -, ao invés de aumentar o tempo livre da
classe que vive do trabalho, a tornou ainda mais refém de sua potência
hostil. A intensificação da jornada de trabalho, ao lado de horas extras so-
fridas e alienantes, apenas demonstram que o capital maneja o progresso
técnico, não a favor, mas contra aqueles que vivem da venda de sua força
de trabalho. No caso da educação para o trabalhador, as mudanças que
se deram ao longo de mais de um século e meio, desde a publicação de O
capital, não conseguiram dotar o dono da força de trabalho de uma prática
que fizesse com que ele acrescentasse um novo significado à sua existência,
humanizando a sua natureza, naturalizando a sua humanidade. Esses fatos
somente reforçam que o capital maneja a praxe educativa, não em prol,
mas contra aqueles que vivem da venda de sua capacidade de trabalho.
No que diz respeito à essa questão, a leitura de O capital nos
autoriza a emitir um juízo inicial: a educação do trabalhador reflete um
brilho quase opaco, pois funciona mais como indício do que obra comple-
ta. Esse padrão de violência não é inteiramente tipificado. Ao trabalhador
é oferecido um meio-estudo quando, com efeito, um meio-estudo não é
exatamente o estudo de que necessita aquele que produz a riqueza material
da sociedade e recebe dela unicamente a pobreza instrutiva. Numa socie-
dade fundada na desigualdade, a instrução desigual é a norma que se im-
põe. Essa compreensão se alicerça no pressuposto de que a educação não
pode ser igual para classes sociais cujos interesses e papéis históricos são
radicalmente distintos. A esse respeito, os exemplos que emanam da obra
magna de Marx são, a nosso ver, suficientemente apropriados e coerentes.
Assim, em situações nas quais o Estado opera esteado nas polí-
ticas públicas de formação de mão-de-obra, ou de constituição de escolas
profissionais, nota-se, nos casos em tela, ora a mão invisível do capital,
ora a sua intervenção explícita,indicando e propondo direções que o fa-
voreçam; tendo em vista essa perspectiva, as deformidades desse tipo de
formação sugerem que estamos perante uma caricatura daquilo que se pre-
tende elevar até o topo - onde deveria se instaurar a riqueza humana. Mas,

- 122 -
do alto da montanha, distingue-se unicamente a caricatura capitalista da
formação humana, sorridente e plácida, como se não cansasse de repetir
o mesmo velho estribilho: “trabalhador, não te esquece de tomar nota de
teus deveres”!

A pedagogia de ferro do capital: capitalismo, violência e formação hu-


mana
A tolerância do capital tem como limite a sua existência. A se
referenciar nesse limite, a violência tácita se torna aberta. Logo, não há
como superar o capital sem conjurar a violência que o acompanha. Essa é
uma lição impregnada de história.
Posto isso, a pedagogia do capital é uma pedagogia de ferro. Aos
que atuam ativamente no mercado de trabalho, ela reserva a mais feroz
exploração. Aos que são atirados além de suas fronteiras, ela sinaliza a mais
sanguinária das expropriações, a do próprio direito ao trabalho. A violên-
cia transfigura de forma, mas a sua raiz é igual, e se relaciona aos métodos
violentos com os quais o capital submete o trabalho. As tentativas de re-
formas, desprezando a necessidade de ruptura inexorável com essa ordem
de coisas, apenas aparentam mudar o que, em última análise, permanece
intocado.
A redução de salários, o desemprego, a escassez e a precarização
são os meios pelos quais a violência do capital se manifesta em seus múlti-
plos efeitos. Essas modalidades de coerção, entretanto, não são raios no céu
azul; elas são inerentes a esse sistema, que não existe sem elas, que, afinal,
constituem o chão que o sustenta. As tentativas de pacificar e abrandar o
regime social capitalista tem a mesma eficácia de subir ao céu escalando
um pé de feijão. Enquanto reformadores, de todo tipo, formulam remédios
milagrosos a fim de restaurar a paz, sem demolir o sistema do capital, a
exploração da força de trabalho se torna mais inescrupulosa. Esse é outro
enunciado da pedagogia de ferro do capital.
Do trabalho domiciliar à fábrica, da fábrica ao trabalho domi-
ciliar, da empresa-mãe às empresas associadas, e mutuamente, por fios in-
visíveis, o capital se move e submete o corpo do trabalhador à condições
usurpadoras que revigoram e valorizam este mesmo capital. Nesse contex-
to, a pobreza rouba do trabalhador não só as condições de trabalho mais
essenciais, mas o aliena de usufruir das capacidades que o seu corpo opera.
Doutro lado, o sonho de enriquecer mediante o trabalho domiciliar ilude o
corpo e a alma, até que ambos derrapem e o corpo desça à terra, enquanto
a família reza para que a alma suba ao céu.24 Eis outro ensinamento – esse
bem prático – da pedagogia de ferro do capital.
24 Nessa passagem, dialogamos com uma passagem de célebre poema de Alphonsus de Guimarães inti-
tulado “Ismália”. Disponível em: http://www.releituras.com/alphonsus_ismalia.asp. Acesso em: 10 set.
2020.

- 123 -
Não é de espantar que as doenças, os baixos salários e o desem-
prego que atingem os trabalhadores, apareçam como “condições vitais do
capital” e não expressões de sua brutalidade regular, sem contar que a vio-
lência da produção capitalista é incompatível com o que Marx denomina
de “produção de seres humanos desenvolvidos em suas múltiplas dimen-
sões” (2013, p. 554). De fato, a plena formação humana é um desejo que
passa ao largo das preocupações do capitalista em relação ao trabalhador,
que é retido em uma teia de sutilezas e ciladas, que mais esconde do que
revela o conteúdo da brutalização intrínseco ao domínio do capital.
Com efeito, a violência do modo como se organiza o processo
de valorização do capital implica a utilização de métodos que induzem à
“ignorância” e ao “embrutecimento”, ou, dito de outro modo, determina a
degradação física e espiritual da classe que vive da venda de sua força de
trabalho. Nesses termos, dir-se-ia que a indústria moderna, eixo em tor-
no do qual se desenvolve o modo de produção especificamente capitalista,
impõe um “rito sacrificial ininterrupto da classe trabalhadora” (MARX,
2013, p. 557). Eis outro modo de mostrar o significado preciso da noção
de pedagogia de ferro. Aqui, a força dos fatos ajuda a evidenciar os pontos
mais de fundo dessa pedagogia.
Com o surgimento das máquinas, a conquista da redução da
jornada de trabalho e a legislação social e trabalhista, efetivamente, ain-
da que por um instante, acreditou-se que o capital se civilizara, deixando
enterradas no passado as suas explosões bárbaras. Os resultados, de certa
maneira, são bem distintos das expectativas que se tinha.
Acontece que a grande indústria, ao incorporar os avanços tec-
nológicos, o faz sempre em detrimento do trabalho e em prol do capital. As
utopias de uma sociedade de tempo livre, de ócio, a cada passo, sucumbem
ante as asperezas reais do vampiro sedento. Os capitalistas vestem a sua
máscara de civilidade, e para provar a coerência entre rosto e máscara, em-
purram para regiões mais distantes um punhado de indústrias que ignora
limites no que diz respeito às questões sociais e ambientais. Esse é outro
elemento que pertence ao modelo pedagógico que guia o sistema capitalis-
ta. No âmbito desse modelo, o que podem esperar os trabalhadores? Certa-
mente, os extensos regimes de trabalho nas minas, a solidão de plataformas
sem fim e o submundo de fábricas semiclandestinas, que abusam da mão-
-de-obra de retirantes e refugiados, e esses são apenas retratos cortados de
uma fita interminável de filmes de horror. O que se passa debaixo da terra
dura e do galpão aquecido foge aos olhares até dos deuses mais generosos.
Desse inferno ninguém há de subir ao céu.
Assim, à violência física se soma a crueldade no terreno espi-
ritual, no qual consta a formação humana, que, no caso do conhecimento

- 124 -
escolar do trabalhador, obedece às premências próprias da ordem capita-
lista, o que desnuda porque o ensino e a educação da classe trabalhadora
não constituem um sistema prostrado para todo o sempre. Ele se modifica
e se diferencia ao longo do tempo, adaptando- se às vicissitudes do capital.
Estudando o sistema de instrução pública, à sua época, Marx
mostra o caráter cômico do processo de interrogatório dos juízes quanto às
exigências formativas dos trabalhadores das minas e de seus filhos. Em sua
análise, ele demonstra que, tangidos pelo embrutecimento do trabalho, os
operários se deparam com dificuldades básicas. Em certas oportunidades,
os empresários exigem certificados de adultos e crianças que residem em
distritos onde sequer existem escolas noturnas. O excessivo trabalho nas
minas completa a obra na qual a violência social deixa ver como o alvo
determinado do capital não é a instrução escrupulosa dos trabalhadores
e de seus filhos, até porque, não raro, para o trabalhador, o processo de
produção se converte, liminarmente, não em fonte de desenvolvimento
humano, mas de degeneração e escravidão. Esse fato influi decisivamente
na questão da escolaridade e da formação humana de milhões de homens,
mulheres e crianças.
A esse respeito, os representantes da burguesia não se enfastiam
de elaborar e aprovar leis que, na aparência, sugerem soluções ao drama
que envolve à instrução do proletariado. As legislações eloquentes podem
tranquilizar governos e parlamentares, mas, frequentemente, pouco delas
conta diante “as espantosas monstruosidades da exploração capitalista”
(MARX, 2013, p. 560). Assim, governos e parlamentares ressarcem a sua
consciência sem resolver questões de fundo que dizem respeito à forma-
ção humana da massa de operários submetida ao processo de produção.
O domínio direto e indisfarçado do capital não anula à legislação fabril,
nomeadamente no terreno da educação, mas, decerto, a torna profunda-
mente insuficiente como ferramenta de emancipação do proletariado.
No livro Germinal (1996) de Émile Zola, o personagem Deneu-
lin, virtualmente conservador, adverte que, assim como a nobreza, “pelo
seu amor às novidades filosóficas”, se torna cúmplice da Revolução Fran-
cesa de 1789, a burguesia pode se tornar conivente com a revolução do
proletariado. Para ele,

[...] a burguesia faz hoje o mesmo jogo imbecil, com o seu ardor de
liberalismo, a sua fúria de destruição, as suas bajulações ao povo...
Sim, é a burguesia que afia os dentes ao monstro para ele nos devo-
rar. E há de nos devorar, estejam certos disto! (ZOLA, 1996, p. 190).

O que quer dizer Deneulin é que o capital não só martiriza o


proletariado, mas, paradoxalmente, também instrui o seu plantel, e essa

- 125 -
instrução é condição necessária para sua formação, ainda que nos limites
em que os capitalistas buscam sempre ter o controle dos trabalhadores.
Nesse processo de formação, os que vivem da venda de sua força de traba-
lho afiam os dentes e, em todo tempo no qual eles defrontam o poder de
seu inimigo e instrutor, crescem como ameaça à ordem social existente,
ainda que esse processo não seja linear, mas se interrompa e siga o seu
curso à base de fluxos e refluxos que se alternam. Todo esse quadro, no en-
tanto, aguça e amadurece um sem número de contradições e antagonismos
da forma capitalista e, “ao mesmo tempo, os elementos criadores de uma
nova sociedade e os fatores que revolucionam a sociedade velha” (MARX,
2013, p. 571).
Nesse cenário, em oposição à pedagogia de ferro do capital,
plasmada em todo um séquito de violências, assomam elementos de uma
formação humana habilitada a ajudar o trabalhador na sua luta contra as
brutalidades de seu antagonista. A luta de classes se converte em momento
de grande significado formativo. A ação comum pontifica, educa e disci-
plina o proletariado. Lentamente, são esmeradas as organizações da classe
que reforçam o trabalho de educação básica e de educação política. As pau-
tas das instituições operárias alcançam reivindicações de defesa das escolas
públicas e de mais verbas para educação da prole. Mobilizações despertam
contingentes inteiros para essa luta. A velha sociedade, então, ainda que
por alguns instantes, hesita perante os fatores que ameaçam subvertê-la.
Uma nova pedagogia pede passagem. A sua letra é nítida, o seu conteúdo,
cristalino, o seu devenir, explícito: os expropriadores serão expropriados.
Nesse cenário, os conflitos de classe se intensificam e o caráter dialético e
antagônico da educação se faz notar com maior veemência.

Luta de classes, trabalho e educação


O usufruto negativo do trabalho no sistema sociometabólico do
capital não pode nos induzir a esquecer de que “o trabalho desempenhou
na história do homem um papel eminentemente educativo”, conforme nos
recordam Albuquerque e Menezes (2009, p. 94). Como desdobramento
desse raciocínio, embora admitam que, na sociabilidade capitalista, o tra-
balho é fonte de exploração, ressaltam que, mesmo nesse sistema, lado a
lado com a negação da dimensão humana, observa-se a presença da afir-
mação de uma medida humana, que, obviamente, está contida no idêntico
trabalho, dado o seu caráter dialético. Ademais, ao questionarem o ponto
de vista que ignora a dupla determinidade do trabalho na ordem do capi-
tal, os autores avançam em sua análise, e alcançando o campo da educação,
serenamente indagam:

- 126 -
Mesmo no interior da sociabilidade capitalista, tendo o trabalho
uma dupla determinidade – autoprodução humana e deformação
(estranhamento) – não poderia ser entendido ele também como
uma dupla determinidade do ponto de vista educativo: fonte de
educação (autocompreensão de si e da natureza) ao mesmo tempo
que fonte de alienação e destruição humana? (ALBUQUERQUE E
MENEZES, 2009, p. 95).

Nessa compreensão subjaz a ideia de especificidade da esfera


educativa, embora isso não implique negar que o complexo da educação,
como complexo social, efetivamente, seja tributário do trabalho. Nesse
sentido, no âmbito da luta de classe, os trabalhadores não devem desprezar
- quando da elaboração de suas pautas reivindicatórias – o lugar de suas
propostas no campo da educação. Assim, nas palavras de Albuquerque e
Menezes (2009), a classe que vive da venda de sua força de trabalho não
pode se esquivar da inquietante pergunta: “que proposta educativa, afinal,
deve os trabalhadores reivindicar para si como parte de sua luta emancipa-
tória contra o regime do capital?” (p. 98). Nessa acepção, os trabalhadores
não podem se limitar às reivindicações políticas e econômicas corriquei-
ras, mas devem também fazê-lo no campo do ensino escolar, tornando a
educação uma trincheira da luta, o que implica na imposição ao Estado de
um projeto educacional politécnico, no espírito proposto por Marx. Acon-
tece que essas exigências só adquirem sentido na medida que abram cami-
nho “para o florescimento de uma nova sociabilidade livre de toda forma
de opressão e de exploração do homem pelo homem” (idem, p. 98).
Em suma, qualquer proposta de educação, do ponto de vista da
classe trabalhadora, não pode estar dissociada de um projeto estratégico
de luta por uma transformação radical da sociedade e, consequentemente,
não deve estar desvinculada do embate político calcado nos interesses dos
trabalhadores e de suas respectivas organizações. Do contrário, esse tipo de
proposição leva água ao moinho dos que almejam separar as contendas em
torno de reformas sociais das diligências com vistas à superação da ordem
do capital.
Evidentemente, há suspeitas e objeções a esse olhar mediatizado
à volta dessas questões que, em última análise, dizem respeito à formação
humana, notadamente do trabalhador. Grosso modo, duas tendências se
destacam quando a discussão toma esse trilho. Há os que pensam que a
educação abarca uma legalidade própria que, de modo algum, deve ser to-
mada de modo relativo. É quase como se esse campo da vida social pudesse
tudo, inclusive oferecer uma formação integral, não ao indivíduo-trabalha-
dor, simplesmente, mas ao trabalhador como classe. Na trincheira oposta,
há os que, mediante a admissão dos limites peculiares da esfera educati-

- 127 -
va, costumam situá-la num plano de tal maneira secundário, que é quase
como se pedissem desculpas de reivindicá-la ou a deixassem na condição
de última escolha, num plano mais do que acessório.
O marxismo clássico, de modo geral, trata essa questão den-
tro de um equilíbrio analítico, admitindo os limites da educação como
complexo social; mas, ao mesmo tempo, reconhecendo a importância de
torná-la acessível aos trabalhadores; não somente tornando-a formalmen-
te franqueável aos que vivem da venda de sua força de trabalho; porém,
fazendo com que ela aporte, também, no plano do seu desenvolvimento
humano. A esse respeito, Costa (2010, p. 177) assinala que:
A educação é o solo particular onde se articula o processo de hu-
manização por parte do indivíduo, que se apropria de valores, ha-
bilidades, conhecimentos, costumes, formas de pensar e agir, entre
outras objetivações produzidas pelo desenvolvimento histórico da
humanidade.

A questão se coloca concretamente nos seguintes termos: as


objetivações produzidas pelo desenvolvimento histórico da humanidade
devem se achar ao alcance da classe trabalhadora, que não pode receber
unicamente o que deriva de um modelo de educação em que o princípio
norteador é o próprio trabalho, não em sua perspectiva emancipatória, po-
rém, em sua versão estranhada, inerente ao domínio do capital, que nega
ou limita as potencialidades humanizadoras do trabalhador.
Isso evoca, uma vez mais, os pressupostos que embasam o pen-
samento de Costa (ibidem), para quem “O complexo da educação é muito
mais do que um simples canal de continuidade histórica do ser social, ele
é um mecanismo essencial para a entificação do homem historicamente
determinado”. Para esse autor, a sociedade burguesa enseja um sistema de
educação formal que pode oferecer a possibilidade da “aquisição de obje-
tivações genéricas necessárias”. O problema é que esse sistema específico
tem como horizonte histórico não a superação, mas a preservação da so-
ciabilidade burguesa. Esse limite histórico é a linha demarcatória extrema
do complexo da educação. Reivindicá-lo como direito público não é o mes-
mo que se deixar ofuscar pela direção que lhe é imposta pelos interesses
sociais das classes dirigentes. Superar a fronteira da ordem social vigente,
que corresponde a esse período histórico, é condição necessária para que
a humanidade, enfim, possa usufruir de uma educação definitivamente
emancipadora.
Demonstrado esse fato, resta ainda enfatizar como a luta de
classes e o chamado mundo do trabalho devem focar o combate em torno
de reivindicações que compreendam e abarquem temas e propostas que
tomem a educação, não como simples reverberação da sociabilidade capi-

- 128 -
talista, mas condição necessária ao desenvolvimento do ser social. Malgra-
do os limites desse processo, é ele que pode oferecer aos trabalhadores(as)
a possibilidade de contato com as objetivações históricas produzidas, em
escala densa, pela humanidade. Esse contato é necessário para que o tra-
balhador – ao longo de sua trajetória - possa ver além da sociedade de
mercadorias. No quadro das limitações existentes, essa, certamente, não é
uma questão de todo desprezível.
Conclusões
Neste artigo, buscamos trazer a lume as contradições do pro-
cesso de formação humana no âmbito do capitalismo, mostrando que este
concebe o trabalho unicamente como fator de valorização do capital, e isso
não só exclui, mas, também, reforça o elemento da violência contra o indi-
víduo humano trabalhador e, finalmente, os modos de manifestação desses
processos no complexo da educação.
Depreendemos do estudo que, embora a aspereza e a crueldade
do capital cobrem seu preço no que diz respeito à formação dos indiví-
duos, redundando em deformações nas atividades de instrução daqueles
que vivem da venda de sua força de trabalho, é essencial e decisivo que os
trabalhadores e as suas entidades representativas não se furtem a incluir
na sua pauta reivindicatória à exigência de que o Estado ofereça ensino
público, gratuito e de qualidade.
Por dentro dessa luta, a demanda de uma crítica às formas ins-
titucionais conservadoras de instrução pública deve vir acompanhada da
defesa de uma educação que aponte não para a preservação da ordem so-
cial existente, mas, antes de tudo, no sentido de investir, com ímpeto, além
de seus toscos limites, quando a educação, por fim, deixará de lado a condi-
ção de certo adestramento para o trabalho e passará a ser entendida como
a expressão mais candente da liberdade humana.

Referências
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ZOLA, Émile. Germinal. São Paulo: Nova Cultural, 1996.

- 129 -
- 130 -
AS MISSÕES RELIGIOSAS E AS
INSTITUIÇÕES ESCOLARES NA BAIXADA
E LITORAL OCIDENTAL MARANHENSE
(1957-1967)
Alda Margarete Silva Farias Santiago

Introdução
No Brasil, a educação formal, esteve determinada pelas condi-
ções sociais, econômicas e políticas nos diferentes momentos da sua his-
tória e nas diferentes localidades. Daí porque, a importância das novas
perspectivas historiográficas para maior compreensão acerca dos proces-
sos educativos e seus sujeitos em diferentes épocas, assim como as reper-
cussões destes, com reflexos no conjunto da sociedade.
Assim, este artigo se caracteriza por uma pesquisa qualitativa,
com a abordagem da História Cultural que tem nos permitido o diálogo
com as fontes documentais e orais que informam sobre o surgimento de
instituições escolares na Baixada e no Litoral Ocidental maranhense, a par-
tir da vinda de duas Ordens Religiosas, integrantes da Missão Canadense,
a saber: as Irmãs da Assunção da Santa Virgem – Diocese de Nicolet e as
Irmãs de São José – Diocese de Saint Hyacinthe.
Cabe esclarecer, que a presença da missão canadense em terras
maranhenses, decorreu de um apelo da Igreja Católica, por meio da Carta
Encíclica “FIDEI DONUM” do Sumo Pontífice Papa Pio XII, na década de
1950, do século XX, que convocava os religiosos a superarem a dimensão
territorial de suas ações sacerdotais e partirem em missão pelo mundo,
prioritariamente, a servir aos desassistidos e cita particularmente, o conti-
nente Africano. Tal apelo, se estendeu a outros continentes como a Amé-
rica Latina, e fez com que os religiosos do Brasil buscassem auxílio para as
paróquias de suas Dioceses, no exterior.
Dessa forma, Dom Afonso Maria Ungarelli, à época Bispo da
Diocese de Pinheiro, estado do Maranhão, encaminhou correspondência
ao Bispo de Nicolet no Canadá, solicitando o envio de religiosos e reli-
giosas para atuarem nas comunidades circunscritas à sua Diocese, face as
grandes dificuldades enfrentadas pelo povo, com a ausência de serviços de
saúde e educação, entre outros elementos que configuravam a situação de
profundo atraso social.
Tal solicitação foi aceita, e a partir da metade dos anos 1950 do
século XX, começaram a chegar os primeiros missionários, padres e freiras

- 131 -
da Diocese de Nicolet, tendo sido o município de Guimarães, o primeiro
destino dos mesmos, onde as Irmãs da Assunção assumiram o Jardim de
Infância, até então, mantido pela Paróquia de São José, e fundaram o Gi-
násio e a Escola Normal Nossa Senhora da Assunção, já nos anos 1960,
fundaram a Escola Normal Nossa Senhora da Conceição no município de
Viana. Em seguida, as Irmãs de São José chegaram em Cururupu e lá fun-
daram a Escola Sagrado Coração de Jesus e o Colégio Dom Bosco.
Ao colocarmos em relevo estas instituições educativas, preten-
demos preencher algumas lacunas existentes em espaços pouco pesqui-
sados, pois os trabalhos nesta área são poucos representativos, apesar das
lembranças ainda presentes na memória coletiva, a passagem das missões,
merece uma análise atenciosa, talvez a permanência desses religiosos nos
municípios da Baixada e do Litoral maranhense pode não ter sido tão tran-
quila quanto parece, tendo em vista as intencionalidades e as repercussões
dos seus efeitos.

Aspectos Educacionais na Baixada e no Litoral Maranhense


A educação tem sido tema presente em diferentes projetos e em
diferentes períodos da história do Brasil, porém faz-se necessário recordar
as razões que ao longo do tempo impossibilitaram a efetivação desses pro-
jetos, muitos formulados por atores em certos contextos, porém, não por
qualquer ator, mas por aqueles que, a despeito de sua inserção social, trans-
cendem os seus contextos específicos apontando para projetos futuros.
Outros, apenas para a reestruturação e manutenção de uma dada ordem.
Desse modo percebemos que em algumas localidades do Bra-
sil, a educação escolar surgiu tardiamente como prática social formal, com
tempos e espaços definidos que caracterizam uma escola, daí porque a im-
portância de se analisar cuidadosamente o contexto de surgimento de cer-
tas instituições, sua estruturação e relação com o contexto social, histórico,
cultural e geográfico que a envolve, pois,

As instituições educativas são organismos vivos, cuja integração


numa política normativa e numa estrutura educativa de dimensões
nacional e internacional é fator de conflito entre os campos de li-
berdade, criatividade e sentido crítico. As instituições educativas
transmitem uma cultura (a cultura escolar) não deixam de produ-
zir culturas, cuja especificidade lhes confere uma identidade histó-
rica (MAGALHÃES, 2004, p. 124).

Nesse sentido, torna-se fundamental caracterizar o contexto das


escolas criadas pelas missões, quais culturas eram produzidas por elas e
seus desdobramentos no cotidiano dessas localidades. Para Nóvoa (2009,

- 132 -
p. 48), “em educação, a história não tem lições para dar, mas tem certamen-
te, matéria suficiente para nos dar o que pensar”. Nesse sentido, é funda-
mental considerar alguns antecedentes históricos da educação brasileira,
com reflexos no Maranhão, senão vejamos.
Com o advento da República, foi inaugurado um período de
transformações no Brasil, onde a nova ordem social, política e econômica
buscava atender ao projeto de modernização e, nesse contexto, a educação
passou a ser destaque preferencial do Estado. No entanto, no Maranhão,
os ares dessa renovação pouco alteraram o cenário educacional dominado
por inúmeros obstáculos, entre os quais as estruturas de poder, nomeada-
mente o poder político.
E apesar do estado do Maranhão ter sido um dos pioneiros na
implantação de Grupos Escolares (1903), isto não significou avanços no
ensino primário, tendo em vista que “a principal causa das deficiências e da
desqualificação do ensino primário no Estado era, sem dúvida, o descom-
promisso do poder público com a questão da educação” (SALDANHA,
2008, p. 143).
A proposta dos Grupos Escolares representou uma inovação
no campo educacional por suas características administrativas, culturais e
arquitetônicas, que visavam a implantação de uma consciência educativa
com as transformações em curso. Diferente das Escolas Isoladas, os Gru-
pos Escolares deveriam obedecer a uma dinâmica capaz de proporcionar
aos educandos, além da escolarização, novas formas de sociabilidades, o
que exigiria também uma completa reestruturação da escola.
Desse modo, podemos inferir que no Maranhão prevaleceu a
permanência das Escolas Isoladas, especialmente nas localidades de difícil
acesso e à revelia dos órgãos normativos reguladores da educação. Assim,

[...] produzia-se a representação da “escola isolada” aquela que fun-


cionava na casa dos professores e em outros ambientes pouco adap-
tados ao funcionamento de uma escola pública de qualidade, como
sendo um obstáculo quase que intransponível à realização da tarefa
educativa e salvacionista republicana, materializada na educação
primária (FARIA FILHO, 2003, p. 30).

Já os Grupos Escolares caracterizaram-se pelo ensino seriado


e aprendizado por meio dos sentidos e o método intuitivo era a base da
proposta que previa também espaços e materiais adequados, além de do-
centes qualificados. Silva (2011), afirma que o ensino intuitivo era defen-
dido principalmente pelos políticos, que sempre discursavam em prol da
instalação da nova metodologia de aprendizagem, embora os resultados
apresentados tenham sido contrários, tendo em vista que:

- 133 -
Nas primeiras décadas republicanas foram feitas algumas tentati-
vas de reorganização do ensino público no Estado do Maranhão,
cujos resultados ficaram a desejar, segundo apontam as próprias
críticas contidas nos relatórios oficiais da Instrução Pública e nos
jornais da época. Essas medidas estavam em sintonia com a ideo-
logia republicana que a instrução era o remédio para o progresso
e modernização do país, especialmente no combate ao analfabetis-
mo (ABRANTES, 2012, p. 142).

Nesse contexto, observa-se a diferença entre os discursos em


prol da educação e as condições objetivas para a sua concretização face as
intencionalidades da classe política. Para Chartier (1990), as percepções
do social não são discursos neutros, mas produzem estratégias e práticas
(sociais, escolares, políticas) que tendem a impor uma autoridade à custa
de outros, por elas menosprezados, a legitimar um projeto reformador ou a
justificar, para os próprios indivíduos, as suas escolhas e condutas.
Lacroix (1982), ao apresentar a obra “Educação na Baixada
Maranhense – 1822/1889” afirma que a educação formal inserida na re-
gião, refletiu as relações de dependência social e econômica existente e,
ao mesmo tempo, produziu um complexo de regras que contribuiu para
a manutenção do sistema de dominação vigente. O ensino escolarizado
era ministrado por professores de primeiras letras em algumas residências.
De acordo com o Relatório da Instrução Pública do Maranhão,
no ano de 1942, 44 municípios dos quais se dispunha de informações con-
tabilizavam 28 grupos escolares, sendo 12 na capital, São Luís, e outros
16 localizados em 15 municípios, e destes apenas 01 na região Norte, no
município de Pinheiro (MARANHÃO, 1948, p. 85).
Somente com a chegada dos missionários canadenses, é que o
cenário educacional foi sendo gradativamente modificado. Os municípios
foram recebendo as missões masculinas e femininas, que se ocuparam das
atividades de evangelização e também nas áreas de educação e saúde, com
a construção de escolas e ambulatórios.

As instituições escolares
A ação educacional da missão canadense, notadamente as Con-
gregações Irmãs da Assunção da Santa Virgem e Irmãs de São José, teve
como elemento propulsor o Carisma Religioso assumido por essas Con-
gregações desde a fundação de cada uma delas, ambas foram fundadas no
século XIX, e elegeram a educação como Carisma principal, o que garantiu
o êxito do empreendimento educativo, apesar das diferenças sociais e cul-
turais entre o Brasil e o Canadá.
Desse modo, a primeira instituição foi fundada em Guimarães
no ano de 1957, a Escola Normal Regional Nossa Senhora da Assunção e

- 134 -
em seguida, o Ginásio de mesmo nome. A Escola Normal, teve por ob-
jetivo a Formação de Professores, tendo em vista a grande demanda por
educação no município de Guimarães e na região, a escola recebeu um
significativo número de alunos dos municípios vizinhos.
Por oportuno, ressaltasse que além de Guimarães, a missão de
Nicolet passou a atuar no município de Alcântara. Outra missão canaden-
se, a missão de Sherbrooke, liderada pelos religiosos Gérard Cambron e
Robert Lessard, assumiu as atividades pastorais nos municípios de Bequi-
mão e Peri-Mirim, a partir do ano de 1958, período em que passaram a
estimular a ida de jovens para a Escola Normal em Guimarães, a fim de
receberem a formação docente e garantir o desenvolvimento educacional
nos respectivos municípios.
Também no ano de 1958, a missão canadense chega ao muni-
cípio maranhense de Cururupu, tendo à frente desta missão, as Irmãs de
São José, que no ano de 1961 fundam a Escola Primária Sagrado Coração
de Jesus e o Ginásio Dom Bosco, ambas as instituições de ensino repre-
sentaram um grande avanço social no município por atender um grande
número de alunos.
No ano de 1965, com várias turmas de professores normalis-
tas formados pela Escola Normal Nossa Senhora da Assunção, o que ga-
rantiu destaque ao trabalho das Irmãs da Assunção, as notícias corriam
todo o litoral e baixada maranhense, o que fez com que o Bispo da Dio-
cese de Viana, o italiano Dom Hamleto de Angelis, solicitasse à Superiora
da Congregação Irmãs da Assunção da Santa Virgem, no Canadá, a vinda
das missionárias/professoras ao município de Viana, o que foi prontamen-
te atendido e assim em janeiro de 1965 chegaram em Viana, as Irmãs da
Assunção: Lucille Labarre, Mônica Dallaire e Eileen Pratt que no mesmo
ano fundam a Escola Normal Regional Nossa Senhora da Conceição, um
importante marco para o município que naquela época contava com duas
escolas primárias e o Ginásio Antônio Lopes, este último pertencente à
uma instituição filantrópica, denominada, Campanha Nacional de Edu-
candários Gratuitos – CNEG, que anos mais tarde, recebeu a denomina-
ção, Campanha Nacional de Escolas da Comunidade – CNEC, com raízes
no estado de Pernambuco e filiais por diversos estados brasileiros.
Para Dalabrida (2005), após a separação entre a Igreja Católica
e o Estado brasileiro, iniciou-se um processo de reestruturação, por meio
de novas diretrizes para o catolicismo na América Latina o que estimulou
a vinda de Congregações e Ordens Religiosas masculinas e femininas para
o Brasil na segunda metade do século XX, com o objetivo de fortalecer
a evangelização e atuação por meio de ações educativas com a criação e
administração de escolas.

- 135 -
Porém, é preciso analisar os contextos de atuação dessas religio-
sas na criação dessas escolas, assim como a ação dos religiosos que atua-
vam em diversas frentes, o que fez surgir novas formas de sociabilidades e
modos de organização, que favoreciam instâncias de inserção em espaços
antes interditados a determinados grupos como os negros, as mulheres, os
velhos, lavradores e demais sujeitos anteriormente excluídos, daí a impor-
tância de trazer à lume a saga desses missionários em terras maranhenses.
Le Goff (2003, p. 53), alerta que os silêncios da História são re-
veladores de mecanismos de manipulação da memória, o esquecimento e
a ausência de investigações chamam a atenção para a necessidade de sua
desmistificação, sob o risco de perdas irreparáveis da memória histórica.
E sobre a atuação dos missionários e das missionárias canaden-
ses, no processo de construção e gestão de instituições educativas no Ma-
ranhão, concordamos com Bourdieu (2005, p. 189), ao explicar a trajetória
“como série de posições sucessivamente ocupadas por um mesmo agente
(ou mesmo grupo) num espaço que é ele próprio um devir, estando sujeito
a incessantes transformações”, acrescentando que:

[...] não podemos compreender uma trajetória [...] sem que tenha-
mos previamente construído os estados sucessivos do campo no
qual ela se desenrolou e, logo, o conjunto das relações objetivas que
uniram o agente considerado [...] ao conjunto dos outros agentes
envolvidos no mesmo campo (BOURDIEU, 2005, p. 190).

Com base no conceito de campo definido por Bourdieu (2005),


convém recordar os desdobramentos decorrentes da Encíclica Fidei Do-
num, assim como as orientações do Concílio Vaticano II, no processo de
requalificação das atividades sacerdotais através das ações sociais desen-
volvidas pelos agentes religiosos em um momento histórico singular para
o Brasil e para a América Latina, com os regimes ditatoriais assolando todo
o continente.
E sobre os efeitos da ação educativa das religiosas, destacamos a
formação profissional das mulheres que pela educação foram inseridas no
mundo do trabalho e puderam reformular novas perspectivas para as suas
existências, superando assim, antigos obstáculos, só para citar alguns: as
percepções historicamente construídas sobre homens e mulheres, e as ca-
racterísticas sociais, geográficas e econômicas desses municípios. Somente
a educação seria capaz de reverter tais condicionantes.
Além da formação profissional, com ênfase à questão das mu-
lheres, citamos o fortalecimento das organizações sociais, através da in-
tensificação do trabalho desses religiosos por meio das ações pastorais,
muitas delas criadas para garantir atenção primária e direitos a lavradores,

- 136 -
mulheres, crianças, pessoas em situação de vulnerabilidade social e outros
segmentos. Estas ações juntamente com a ampliação da educação formal
ajudaram a diminuir a situação de profundo atraso social a que essas po-
pulações estiveram submetidas por séculos.
No entanto, foi possível observar que a atuação dos/as missio-
nários/as não ocorreu de modo tão tranquilo, quando da implantação e
durante o funcionamento das instituições educativas, tendo em vista, os
constantes enfrentamentos políticos e ideológicos entre estes e os repre-
sentantes do poder local, em cada um dos municípios citados, assim como
uma ala da Igreja Católica no Maranhão. Pois nunca é demais lembrar,
os acontecimentos decorrentes das transformações políticas no país, bem
como os intensos processos de reestruturação eclesial no período investi-
gado.
Todos esses condicionantes, indicam a vitalidade da obra da
missão canadense por meio da contribuição para o desenvolvimento edu-
cacional e social dos municípios investigados, considerando as lacunas
histórias no campo da educação, deixadas pelo poder público, além de evi-
denciar as novas faces da Igreja Católica no Brasil, coerentes com as novas
diretrizes advindas da reestruturação empreendida pelo Vaticano, notada-
mente a partir da segunda metade do século XX.

Conclusão
Esta pesquisa aponta vários elementos que caracterizam a im-
portância da obra educativa instalada pelas missionárias canadenses, assim
como o trabalho de evangelização realizado, que demonstram a opção da
Igreja pelas populações mais desassistidas do mundo. Contribuiu para a
concretização dos objetivos da missão, o alto nível intelectual, a disponi-
bilidade e sensibilidade das religiosas para com as populações dos municí-
pios da Baixada e do Litoral maranhense.
Desse modo, as escolas conferem aos municípios, até os dias
atuais, um lugar privilegiado no cenário educacional maranhense, além de
serem elas mesmas, lugares de memórias, consagradas que são pela histó-
ria que produzem na longa duração, tendo em vista as trajetórias de seus
ex-alunos que trazem as suas marcas e reafirmam os seus objetivos, que é o
desenvolvimento e a emancipação social.
Portanto, vale a pena revisitar os percursos da missão canaden-
se, a partir de referenciais teóricos que subsidiem a compreensão acerca
desse momento da história da educação maranhense, impulsionada que foi
pelo movimento transnacional, favorecido pela Igreja Católica em um de
seus momentos de realinhamento global, em que seus agentes foram cha-
mados a participar de forma mais efetiva da vida das pessoas em diferentes
realidades sociais.

- 137 -
Logo, a história da educação do Maranhão, foi significativamen-
te marcada pela ação de uma missão religiosa católica estrangeira, que me-
diante a ausência do poder público em todos os níveis educacionais dos
municípios investigados, possibilitou às populações dos mesmos, o acesso
e a permanência de crianças, adolescentes e jovens na escola.

Referências
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em São Luís na Primeira República. In: CASTRO, César Augusto; CASTE-
LHANOS, Samuel Velazquez;
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- 138 -
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- 139 -
- 140 -
INFÂNCIAS E O ROMANCE
MEMORIALÍSTICO MENINO DE ENGENHO:
LITERATURA COMO FONTE À
HISTÓRIA DA INFÂNCIA
Thatianny Jasmine Castro Martins de Carvalho
Vanessa Pinto Rodrigues Farias

Introdução

A distinção entre história e ficção parece bem clara e bem definida se


admitirmos que, em todas as suas formas (mítica, literária, metafó-
rica), a ficção “é um discurso que informa o real sem pretender nem
representá-lo nem creditar-se a capacidade de tal representação”.
Nesse sentido, o real é igualmente o objeto e a garantia do discurso
da história. (CHARTIER, 2014, p. 65).

A História da Infância como campo de investigação constituiu-


-se na originalidade de Philippe Ariès quanto ao recurso às fontes icono-
gráficas, às lápides e aos diários de educadores da nobreza francesa. O que,
certamente, não apenas trouxe à cena social a infância ignorada, como am-
pliou o manancial de fontes e possibilidades investigativas.
A tradição da história cultural tem o livro como uma de suas
fontes/objetos privilegiados e muitos historiadores têm recorrido à litera-
tura para entrecruzamento com documentos oficiais, ampliando a cons-
trução historiográfica com diferentes gêneros literários. No que se refere à
História da Infância, há muitos exemplos da utilização da literatura como
fonte de pesquisa histórica, aos quais podemos citar alguns que nos ser-
viram de apoio: Benjamin (2018), com suas narrativas radiofônicas dire-
cionadas às crianças em Berlim; o texto memorialístico Infância, de Gra-
ciliano Ramos (2020) e o conjunto da obra de José Lins do Rego, dentre
elas a que nos deteremos com alguns pormenores nesta ocasião, Menino
de Engenho. Ademais, há produções com utilização de diários, literatura
infantil – direcionada ao público infantil – e, inclusive, instrumentos orais
com a mesma intencionalidade. Nesta investigação, utilizar-se-á exclusi-
vamente a obra literária Menino de Engenho, a qual está caracterizada no
gênero romance memorialístico.
Menino de Engenho, consagrada obra de estreia de José Lins do
Rego, foi publicada em 1932 e escrita em 1929, como teia artística das me-
mórias de infância do autor. O cenário em que a narrativa se faz é o En-

- 141 -
genho Santa Rosa (município do Pilar, Paraíba), propriedade do Coronel
José Paulino, avô de Carlinhos. Em sua infância no engenho, um mundo
repleto de peraltices, carinhos com os criados, descobertas, passeios com
seu carneiro Jasmim, primeiras paixões, momentos de solidão e a forte ad-
miração pelo seu avô são alinhavados à descrição do contexto histórico da
Primeira República.
Pretende-se, pois, apreender a realidade social pensada neste
texto literário, e o contexto histórico de produção e circulação da escrita, de
modo a encontrar caminhos possíveis para resgatar o ideário de infância,
as práticas culturais infantis e os elementos das interações criança-criança
e criança-adulto neste contexto e período histórico.
Metodologicamente, esta pesquisa caracteriza-se como qua-
litativa, em virtude do interesse de trabalhar com dados subjetivos, que
não podem ser quantificados; de caráter exploratório e com utilização do
método bibliográfico. Adota-se a Análise de Discurso como instrumento
de análise, que nas últimas décadas tem contribuído para as pesquisas em
diversas áreas do conhecimento, na recomendação de que os enunciados
sejam confrontados discursivamente, pelo papel que exercem na rede so-
cial de sentidos (FOUCAULT, 1986).
A inquietação epistemológica subjaz-se no problema de pesqui-
sa: Quais os sentidos de infância suscitados na obra Menino de Engenho?
Que práticas culturais infantis podem ser percebidas nesta obra literária?
Como podem se relacionar as apropriações e os desdobramentos históri-
cos, sociológicos e literários entre este romance memorialista e o contexto
em que ele está inserido?
Faz-se necessário ressaltar que este trabalho não pretende es-
vaziar o texto ficcional, isolá-lo ou tomá-lo como pura realidade histórica.
Esta investigação compreende parte de nossas pesquisas de doutoramento
no campo História da Infância e, portanto, a análise da obra Menino de
Engenho, em par com o suporte historiográfico, estará justaposta às fontes
oficiais. Igual modo, a iniciativa desta produção veio após a apreciação do
texto literário com a consequente fruição estética, sem, contudo, utilizá-lo
como documento qualquer a predizer a realidade histórica. Como função
secundária, a literatura pode vir a ser fonte de pesquisa histórica, mas, an-
tes de tudo, é arte, beleza e imaginação.

Tessituras teórico-literárias e o “ser criança”

História e memória são formas de entendimento do passado que


nem sempre se confundem ou mesmo se complementam. A his-
tória não só carrega consigo algumas lacunas e incompreensões
frente ao passado, como se comporta, muitas vezes, qual campo

- 142 -
de embates, de desavenças e disputas. Por isso ela é, por definição,
inconclusa. Já a memória traz invariavelmente para o centro da
análise uma dimensão subjetiva ao traduzir o passado na primeira
pessoa e a ele devotar uma determinada lembrança: daquele que a
produz. (SCHWARCZ; 2019, p. 19-20).

Nesta seção, abordaremos aspectos centrais do romance memo-


rialista Menino de Engenho, no que toca às práticas culturais infantis na fic-
ção e na realidade de sua produção, ao “ser criança” e às interlocuções com
o momento histórico em que foi escrito e ao qual se refere. É imperioso
destacar que a todo momento a análise da obra literária estará em diálogo
com a historiografia, de modo a limitar incompreensões e equívocos entre
a construção ficcional da memória e os fatos históricos reais. O excerto
acima vem a confirmar a clarividência dos limites postos nesse diálogo e a
possibilidade, no entanto, de vir a ser proveitoso tanto para compreender
o contexto histórico, político e econômico na construção da obra como,
no caminho inverso, os impactos da produção literária na construção da
realidade histórica desse período.
Esta seção está fragmentada em três pequenas partes, que se
desdobram e articulam entre as memórias de infância do autor, as inferên-
cias de construção social da infância no Nordeste Brasileiro e a situação
econômica, política e social do Brasil no período da Primeira República
(1889-1930).

Temporalidades e Espacialidades da obra Menino de Engenho


A história tem início com a morte da mãe de Carlinhos, vítima
de violência do pai, aos seus quatro anos de idade. Após essa tragédia fa-
miliar, o pai é internado num hospital e Carlinhos, órfão de pai e mãe, é
levado pelo seu tio Juca aos cuidados de sua tia Maria e seu avô materno
José Paulino. Geográfica e historicamente, a narrativa acontece no interior
da Paraíba, no município do Pilar, no Engenho Santa Rosa, propriedade de
José Paulino. É nessa espacialidade que Carlinhos, personagem principal
do romance, passa toda sua infância e início da adolescência.
José Lins do Rego, escritor modernista, nascido na mesma loca-
lização espacial da obra, em 03 de junho de 1901, constrói seu romance de
estreia no ano de 1929 e a obra é publicada apenas em 1932. Muitas con-
fluências entre a infância do personagem Carlinhos e a memória de infân-
cia do narrador são marcas visíveis do romance. Entretanto, tentaremos,
nesta ocasião, selecionar os episódios mais marcantes e/ou imprescindíveis
quanto ao sentido de infância.

Incursões bibliográficas do autor


Esta ficção absorve algumas nuanças do contexto econômico e

- 143 -
político do cenário pós-abolição e da situação de miséria para a qual a abo-
lição de nada serviu; além das diretrizes do patriarcalismo e as formas de
tratamento e entrelaçamentos entre casa-grande e senzala, com certo liris-
mo, graça e até beleza. Mas não era de se esperar menos, uma vez que José
Lins do Rego participou do Movimento Regionalista do Nordeste, liderado
por Gilberto Freyre, e conseguiu concretizar essa perspectiva nacionalista
do Modernismo com Menino de Engenho, que é o primeiro livro da saga
“Ciclo da cana-açúcar” do autor.
Antônio Carlos Villaça, no prefácio do livro destaca que, apesar
de Menino de Engenho ser considerado um instrumento de crítica socio-
política, o autor em si não tinha pretensão política, nem mesmo a de es-
crever um romance, pois a meta era escrever a biografia de seu avô, a fim
de mostrar que o velho representava o típico senhor de engenho da região
açucareira do Nordeste. Contudo, durante o processo de escrita, a própria
narrativa se impôs, convertendo-se em romance.
Na leitura de um romance, somos conduzidos pela voz do nar-
rador que é literário e, ao mesmo tempo, social, se considerarmos que a
própria escolha de quem vai narrar parte do posicionamento do autor em
relação à sociedade, e sobretudo, à realidade histórico-social; acerca disso,
Lukács (1965) afirma a necessidade de representação da realidade, que, por
sua vez, é superada no confronto com a imaginação do escritor e/ou artista.
Tanto o romance memorialístico como a autobiografia articu-
lam os campos História e Memória25, salvaguardadas as suas particulari-
dades. Os dois gêneros partem de experiências subjetivas de quem escre-
ve, que organiza, seleciona, reformula, interpreta sua história ou situações
específicas de formas diferentes ao longo da sua vida. No entanto, isto nos
permite inferir que tal romance memorialístico revela o conhecimento da
biografia do autor, uma vez que o mesmo utiliza de personagens e narra-
dores fictícios, assim, não saber da biografia do autor é indiferente à com-
preensão da obra, mas essencial para extrapolar o deleite que a literatura
proporciona para a dimensão da crítica histórico-literária.

A autobiografia permeia o campo da memória. A formulação de


textos sobre a própria trajetória de vida se faz através do recurso
da memória, resultado da lembrança que se transforma em lingua-
gem, adicionada à imaginação e ao olhar particular sobre aquilo
que se passou, recriando situações a partir do ponto que se fala, do
presente que se escreve e se lembra (PIOVESAN, 2007, p. 3).

A partir disso, é possível dizer que na autobiografia temos um


narrador que se reinventa por meio do discurso situado no momento da
25 No verbete de Le Goff (1990), Pierre Nora postula que a autobiografia é um dos vastos lugares funcio-
nais da Memória, que fazem parte do campo historiográfico, seja ela científica ou cronística.

- 144 -
fala ou da escrita, preenchendo as lacunas da memória com imaginação
e, ao mesmo tempo, analisando sua própria atuação no passado como se
fosse um narrador observador. Quem lê uma autobiografia sabe que está
diante de uma análise que o autor faz de si mesmo, ao contrário do ro-
mance memorialístico, que não nos permite dizer que os fatos narrados e
seus personagens são verídicos. Logo, a posição que o leitor assume diante
dessas duas narrativas é o que mais as distinguem, uma vez que uma situa-
-se no âmbito da ficção, utiliza-se de personagens e situações imaginadas,
porém inseridas dentro de um determinado espaço-tempo real; a outra
situa-se no âmbito do real, o autor identifica-se como narrador e perso-
nagem e o leitor ganha o aval para tomar aquilo como um fato verídico
(LEJEUNE, 1996).

Ser “menino de engenho sinhôzinho” e ser “menino de engenho


moleque”

Nas sabatinas, nunca levei um bolo, mas quando acertava, manda-


vam que desse nos meus competidores. Eu me sentia bem com todo
esse regime de miséria. Os meninos não tinham raiva de mim. Mui-
tos deles eram de moradores do engenho. Parece que ainda os vejo,
com seus bauzinhos de flandres, voltando a pé para casa, a olharem
para mim, de bolsa a tiracolo, na garupa do cavalo branco que me
levava e trazia da escola (REGO, 2018, p. 55).

No imaginário infantil revelado pelo autor adulto há situações


de pertencimento à vida dos criados e, ao mesmo tempo, certo distancia-
mento e reconhecimento dos privilégios que as crianças da casa-grande
tinham em relação às outras. É interessante perceber que José Lins do Rego
descreve o personagem Carlinhos como sensível às desigualdades sociais,
o que, na perspectiva do contexto e da realidade, alheia à ficção, as crianças
pertencentes a determinada classe social tendem a se sentir confortáveis
com o grupo ao qual pertencem. Contudo, sabe-se que a lógica infantil e as
sensibilidades das crianças são fortemente influenciadas pelos adultos que
as educam e o contexto em que vivem.
Conforme assevera Freyre (2009, p. 78):

O grande engenho patriarcal ou a grande fazenda brasileira era


uma comunidade que se mantinha por conta própria - econômica
e socialmente - poucas vezes, abrindo para o mundo exterior suas
enormes cancelas, por necessidade de caráter econômico. Possuía
canaviais ou cafezais e plantações de mandioca, feijão-preto e ou-
tros produtos, utilizados no consumo interno. A população incluía,
além do proprietário e da sua família, feitores ou superintendentes,
vaqueiros ou pastores, algumas vezes um capelão e um precep-

- 145 -
tor, carpinteiros, ferreiros, pedreiros e uma multidão de escravos
(FREYRE; 2009, p. 78).

Gilberto Freyre revela uma visão positiva que tinha a respeito


deste período, ao considerar que apesar dos elementos antagônicos entre
si, senhores de engenho e os negros escravizados tinham uma relação har-
moniosa. No senhor feudal estava a centralidade da formação brasileira e
ao negro que, literalmente, em muitos casos, coube a função de servir de
alicerce para o triunfo da casa-grande (FREYRE, 2009).
De igual modo, nota-se a adesão de Jose Lins do Rego à tese
do sociólogo Gilberto Freyre, que foi um precursor nacional no campo
da História da Infância, sobretudo pelo olhar de que a criança era vista
como um adulto precoce e ao condicionar a constituição do sujeito “meni-
no” ao modelo patriarcal; assim como ele, tudo ao seu redor, se constituía
em função do senhor de engenho que detinha o poder sobre tudo, ainda
que o Coronel José Paulino seja descrito como um homem bom e justo.
O menino percebia as desigualdades sociais, mas as via como naturais, e
até harmônicas. Ali, negros e negras continuavam trabalhando em troca
de alimentação e vestuário, “com a mesma alegria da escravidão” (REGO,
2018, p. 109).
Ser “menino de engenho senhorzinho” e “menino de engenho
moleque” evidenciava claras diferenças. Carlinhos, no primeiro dia que
chegou brincou com os moleques no copiá e no dia seguinte não pôde
brincar com eles novamente, porque estavam ocupados, uns pastoreando
no curral, outros carregando as latas de leite. Diante disso, ele não se com-
padece, pelo contrário, recorda o quão delicioso era aquele leite da hora,
bem cedinho, combinado com a imagem alta e solene de seu avô.
De tanto brincar no engenho, descalço e sob o sol, imitando os
“moleques”, Carlinhos é criticado pela tia Maria:
Você está um negro — disse-me a tia Maria. — Chegou tão alvo,
e nem parece gente branca. Isto faz mal. Os meninos da Emília já
estão acostumados, você não. De manhã à noite de pés descalços,
solto como um bicho. Seu avô ontem me falou nisto. Você é um
menino bonzinho, não vá atrás destes moleques para toda parte. As
febres andam por aí. O filho do seu Fausto, no Pilar, há mais de um
mês que está na cama. Para a semana vou começar a lhe ensinar as
letras (REGO, 2018, p. 27).

As crianças que eram filhas dos empregados do engenho faziam


parte de um grupo só, intitulado “moleques da bagaceira”. Estes não faziam
parte da casa-grande, viviam por toda a parte descalços, eram livres, solta-
vam pipa, pião, jogavam castanha, só não sabiam ler, o que não era muita
coisa, segundo o narrador. Por isso, Carlinhos sentia inveja deles.

- 146 -
A visão de Carlinhos sobre a vida boa e feliz dos moleques será
contrastada pela visão d’O “Moleque Ricardo”, publicado em 1935, em ou-
tro livro da série do autor, quando vai refletir sobre a discriminação pela
qual passava desde a infância, pois ali, ele e os outros moleques eram como
o lixo do engenho; tinham que estar brincando, pois não podiam estar na
casa-grande, nem com as mães que estavam trabalhando. Espetavam os
pés atrás de boi para os senhores, no entanto, tinham que se contentar com
um jacá. Sabia que tinha uma alma igual a de Carlinhos, mas que quando
ambos crescessem, um seria patrão e ele um empregado de enxada. Não
tinha raiva do menino de engenho, mas sentia vontade de ser como ele,
andar de carneiro, e não ter nenhuma obrigação.
Com a morte de sua prima Lili, a quem ele compara a um anjo,
pois nem brincar ela brincava, sempre recolhida e calada, a sua tia Maria
passou a ter mais cuidados com ele e proibiu as brincadeiras com os mole-
ques e pôs-se a ensinar-lhe o alfabeto durante o dia inteiro, mas a atenção
de Carlinhos estava do lado de fora, com o rumor da vida que ele perdera,
por isso não aprendera nada. Mas nesses momentos, outra coisa chamava-
-lhe a atenção: as conversas das costureiras sobre a intimidade de outras
famílias para as quais trabalharam em outros engenhos, pelas quais soube
da decadência de engenhos de outros coronéis.

Sentidos de infância, patriarcalismo e escravidão


A narrativa é construída a partir de memórias de Carlinhos
adulto, que narra com nostalgia a infância no engenho de seu avô, Coronel
José Paulino, que era quem mais tinha terras em Santa Rosa, a quem ele
muito admirava e considerava um exemplo de patriarca.
A infância no engenho é descrita com nostalgia, contudo, o que
mais se destaca nessas lembranças é a tristeza pela perda dos pais, princi-
palmente de sua mãe, que morrera pelo excesso de cólera de seu pai. Anos
depois, sabe da notícia da morte do pai, motivo pelo qual o narrador irá
dizer que essas perdas os tornaram cético e atormentado de visões ruins.

ERA UM MENINO TRISTE. Gostava de saltar com os meus pri-


mos e fazer tudo o que eles faziam. Metia-me com os moleques por
toda parte. Mas, no fundo, era um menino triste. Às vezes dava
para pensar comigo mesmo, e solitário andava por debaixo das ár-
vores da horta, ouvindo sozinho a cantoria dos pássaros (REGO,
2018, p. 80).

Nesse espaço, os sentidos de infância estarão fortemente rela-


cionados à vida junto ao engenho. Assim como o engenho, que representa
a moenda responsável pela transformação da cana em açúcar, a infância

- 147 -
no engenho possibilita a transformação do menino da cidade em menino
de engenho senhorzinho. A palavra “engenho” que dá nome ao novo lar de
Carlinhos remete também à engenhosidade, à capacidade de inventar, ao
lúdico, tão comum ao universo da criança.
Um novo mundo se abre ao menino Carlinhos ao transitar por
entre a casa-grande e a senzala, ao brincar com os primos e com os mole-
ques, ao inserir-se na realidade dos adultos, no contato com as superstições
e crenças populares, com as experiências sexuais precoces com animas, e
com negras do engenho, antes dos doze anos de idade, com a doença se-
xual adquirida. Tudo isso, aliado à perda dos pais, irá construir diferentes
sentidos de infâncias vividos pelo protagonista.
O Engenho Santa Rosa é descrito como se fosse um mundo,
uma sociedade completa e que vive em harmonia, mesmo com as claras
divisões étnico-raciais, de classe e gênero. O menino Carlinhos chega a
esse mundo na condição de órfão, quando vai morar com o avô, sobre o
qual sua mãe contava tantas histórias parecidas com contos de fadas. No
Coronel José Paulino verá um modelo de patriarca.
Percebe-se na narrativa uma infância dividida entre o bem e o
mal, na qual ora Carlinhos se revela como um menino terno, quando está
com seu avô ou com sua tia Maria. Já quanto a sua tia Sinhazinha, vai ali-
mentar um sentimento de ódio, chegando até a cogitar alguma forma de
matá-la. A velha Sinhazinha não gostava de ninguém, era a tia má, escon-
dia as frutas para que não comessem e andava com a chave da dispensa no
cós da saia, e tinha uma negrinha só para maltratar.
Certo dia, sem querer, Carlinhos desenrolou o seu pião bem em
cima do pé da velha, que, furiosa, enche-lhe o corpo de palmadas terríveis.
Era a primeira vez que apanhava de alguém, por isso chorou como um
desenganado, mais pela vergonha de apanhar do que pela dor, segundo o
narrador. Vendo-o chorar, a negra Luísa, diz-lhe algo que vai doer muito
mais: “Ela só faz isto porque você não tem mãe” (REGO, 2018, p. 37). Com
isso, Carlinhos desaba, pois era verdade.
Carlinhos admirava seu avô por ser um homem bom, justo e
leal, nunca o vira com uma arma no quarto, mas queria mesmo que ele fos-
se um velho severo, assim como outros senhores de engenho, “que prote-
gesse assassinos, tivesse guarda-costas, gente de rifle” (REGO, 2018, p. 86).

Ouvia falar no dr. Quincas do Engenho Novo, num seu Né do Cipó


Branco que, com cabras armados, arrombara a cadeia para tirar um
protegido das grades. Estes sim, que eram senhores de engenho de
verdade. Quando chegavam os parentes do Itambé, o seu Álvaro da
Aurora, o Manuel Gomes do Riacho Fundo, com os filhos peque-
nos de botas e faca no colete, me punha a admirá-los como os meus
grandes modelos (REGO, 2018, p. 86).

- 148 -
No entanto, o velho José Paulino era temido muito mais pela
sua bondade. Ninguém nem ousava a enfrentar a sua mansa autoridade
de chefe. Logo, nota-se que, por um lado, o menino admira a bondade de
seu avô, contudo, escolhe como modelos os homens maus, contraventores,
cangaceiros, aqueles que resolviam as desavenças com apenas uma bala.
Carlinhos e seus primos gostavam de brincar de bando de can-
gaceiros, e nessa brincadeira todos queriam brincar de ser o cangaceiro
Antônio Silvino, o mais temido, e tido como herói entre eles. Em uma tar-
de, um informante veio anunciar a visita deste cangaceiro e seu bando. Os
meninos ficaram eufóricos, porque estariam diante de um mito.
Ao cair da noite chega o bando de cangaceiros para fazer uma
visita de cortesia, jantam dormem e vão embora. As crianças olhavam
admiradas todos os adereços que o herói cangaceiro carregava, os obser-
vavam em silêncio durante o jantar; só ele falava, seus cabras calados te-
mendo alguma repressão. As histórias que o cangaceiro contava não im-
pressionaram muito, conhecer o mito foi decepcionante para Carlinhos,
pois o imaginava arrogante e impetuoso e não com “aquela fala bamba”.
Nota-se nesse trecho a aliança entre senhores de terras e cangaceiros. A
esse respeito, Mansur (2019) analisa que o autor trabalhou com os dois
tipos de representação que se tem do cangaço, na lenda popular do nordes-
te brasileiro e o cangaço real. No caso da lenda, considera que toda lenda
possui certa verdade, e, acidentalmente, segundo ele, em casos isolados, o
cangaço fez justiça para alguns oprimidos enfrentando coronéis, contudo,
“coronelismo e cangaço andavam em harmonia simbiótica” (MANSUR,
2019, p. 8).
O menino antecipou suas experiências no amor precocemente
no cercado do engenho, pois a primeira experiência que teve foi no cur-
ral, com animais, na companhia dos “moleques da bagaceira”. Sobre isso,
Freyre (2006) aponta que tanto o clima tropical quanto o sistema escravo-
crata foram responsáveis pela iniciação precoce de filhos de coronéis no
sexo. Segundo ele, nessa prática, as primeiras vítimas eram sempre os mo-
leques, animais domésticos e só depois a negra e a mulata.
O narrador conta que o desejo pelo sexo crescia muito mais rá-
pido que os braços e as pernas. Depois dos animais, veio a negra Luísa, a
quem ele caracteriza como anjo mau de sua infância. Ela o iniciara no sexo,
fazendo coisas que ele nem sabia explicar, mas que sujavam a sua castida-
de de criança, segundo ele. Logo depois, a mulher deixa de procurá-lo e
surge prenha. Era comum essa cena no engenho; negras grávidas sem que
soubessem quem era o pai, mas geralmente, era de um senhor de engenho.
Carlinhos vê-se sujo diante dessa fase da infância, a qual analisa
que não aprendeu as letras, mas em porcarias era um menino prodígio.

- 149 -
Porém, será aos doze anos que irá deitar com uma “grande mundana dos
cabras do eito”, da qual irá adquirir a “doença do mundo”, que pode ser
entendida como uma forma de naturalização da doença para os homens.
Seu avô orgulhava-se do neto namorador, e Carlinhos sentia-se respeitado
entre os homens depois de contrair gálico.
Portanto, os sentidos de infância expressos na obra estão direta
e indiretamente relacionados ao ideário de infância no contexto de trans-
formação social e mental que carecia a sociedade pós imperial: a criança
como principal motor da História. No contexto da Primeira República,
que compreende o tempo retratado na memória de Carlinhos e a escrita
da obra, “seguiu-se empurrando a criança para fora da escola, na direção
do trabalho na lavoura, alegando que ela era ‘o melhor imigrante’” (DEL
PRIORE, 2018, p. 13).
Para Ariès (2019) essas duas novidades aceleraram a supervalo-
rização da criança. No contexto brasileiro do final do século XIX, a alter-
nativa para os filhos dos pobres não seria a educação, mas a sua transfor-
mação em cidadãos úteis e produtivos, enquanto os filhos de uma pequena
elite eram ensinados por professores particulares; “nesse período, o tra-
balho infantil continuava sendo visto pelas camadas subalternas como a
‘melhor escola’” (DEL PRIORE, 2018, p. 10).
Nesse contexto, a escola surgirá como alternativa para corrigir a
criança que ele se tornou. Contudo no livro seguinte, Doidinho (1933), de
José Lins do Rego, a escola se converterá em um pesadelo e Carlinhos se
tornará um menino revoltado, chegando até mesmo a fugir do colégio para
voltar para o engenho.

Considerações Finais
Para além da beleza estética da escrita literária, o que intuímos
como de maior relevância ao trabalho historiográfico é a possibilidade de
apreensão do contexto histórico e das representações sociais utilizadas
pelo autor para descrever práticas sociais, morais e culturais em determi-
nado período. Há de se considerar que, salvos os elementos meramente
ficcionais - próprios da fantasia - e os critérios de recepção estética que o
leitor deverá, pois, lançar mão, como assevera Chartier (2011), a literatura
poderá ampliar a compreensão da realidade social, sendo possível destacar
tensões e confrontos da vida social e, no caso particular desta investigação,
as práticas infantis, a concepção de infância e as culturas infantis no Nor-
deste Brasileiro, durante a Primeira República – recorte espaço-temporal
de produção desta obra.
Consideramos que a literatura, como fonte de pesquisa histó-
rica e, em diálogo com documentos oficiais, possibilita uma visão mais

- 150 -
abrangente de determinado contexto histórico e das representações sociais
utilizadas pelo autor para descrever práticas sociais, morais e culturais em
determinado período. Nesse sentido e nesta produção, o romance Menino
de Engenho, publicado em 1932, por José Lins de Rego, permitiu refletir
sobre a realidade social neste texto literário, e o contexto histórico de pro-
dução e circulação da escrita, em busca de caminhos possíveis para resga-
tar o ideário de infância, as práticas culturais infantis e os elementos das
interações criança-criança e criança-adulto na primeira metade do século
XX no nordeste brasileiro.
Ao longo deste texto foi possível perceber as “Tessituras teóri-
co-literárias e o ser criança”, a partir da relação entre texto literário e histo-
riografia no tocante ao “ser criança” nesse espaço-tempo, o ideário de in-
fância, as práticas culturais infantis e as condições da escrita, publicação e
influências do autor; além disso, ao abordar a relação entre os “Sentidos de
Infância, Patriarcalismo e Escravidão”, com esparsas reflexões e incursões
sócio-históricas, ressalta-se a importância de discutir o tema Infância, tão
recente como preocupação social e mais ainda como inquietação episte-
mológica, em virtude das profundas carências teóricas pela natureza real-
mente difícil do objeto (que não é objeto), por se tratar de quase sempre -
salvo os trabalhos do campo Sociologia da Infância ou História da Criança,
que tomam como ponto de partida a própria criança em relação com as
outras crianças, os adultos e a realidade social - são resultados da percep-
ção do adulto sobre a infância, é de fundamental relevância científica e so-
cial. Científica, tendo em vista, as dificuldades metodológicas inerentes ao
campo e a própria escassez de fonte documental sobre o que há bem pouco
tempo não tinha importância social, e, social, porque desde que se conheça
mais sobre as culturas infantis e a criança como ser de sociabilidades, exis-
tirão prerrogativas para maiores intervenções civilizatórias, de redução das
desigualdades e verdadeiramente emancipadoras.

Referências
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Flaksman. 2. ed. Rio de Janeiro: LTC, 2019.
BENJAMIN, Walter. A hora das crianças: narrativas radiofônicas. Rio de
Janeiro: Nau Editora, 2018.
CHARTIER, Roger. A mão do autor e a mente do editor. São Paulo: Edi-
tora Unesp, 2014.
DEL PRIORE, Mary. História das Crianças no Brasil. 7. ed. São Paulo:
Contexto, 2018.

- 151 -
DELVAL, J. Crescer e Pensar: a construção do conhecimento na escola.
Trad. Neves, B. A. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998.
FOUCAULT, M. A Arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Forense, 1986.
FREYRE, Gilberto. Casa-grande & Senzala: formação da família brasileira
sob o regime da economia patriarcal. 51. ed. São Paulo: Global, 2006.
FREYRE, Gilberto. Vida Social no Brasil nos meados do século XIX. 4.
ed. São Paulo: Global, 2009.
LEJEUNE, Philippe. Le Pacte Autobiographique. Paris: Seuil, 1996.
LE GOFF, Jacques. Memória. In: Memória e História. Campinas: Unicamp,
1990. Disponível em: https://www.ufrb.edu.br/ppgcom/images/Hist%-
C3%B3ria-e-Mem%C3%B3ria.pdf. Acesso em: 19 set. 2020.
LUKÁCS, Georg. Narrar ou descrever? In: Ensaios sobre Literatura. RJ:
Civilização Brasileira, 1965.
MANSUR, J. P. Literatura ou Antropologia criminal: o cangaço em Pedra
Bonita e Cangaceiros. Mana, 25, v. 2. p. 427-455, 2019.
PIOVESAN, Greyce Kely. Biografia trajetória e história. Florianópolis:
s/ano,p. 1-8 2007. Disponível em: http://www.cfh.ufsc.br/abho4sul/pdf/
Greyce%20Kely.pdf. Acesso em: 24 ago. 2020.
RAMOS, Graciliano. Infância. 50.ed. Rio de Janeiro: Record, 2020.
REGO, José Lins do. O moleque Ricardo. Rio de Janeiro: José Olympio,
2011.
REGO, José Lins do. Doidinho. 36. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1996.
REGO, José Lins do. Menino de Engenho. 110. ed. Rio de Janeiro: José
Olympio, 2018.
SCHWARCZ, Lilia Moritz. Sobre o Autoritarismo Brasileiro. São Paulo:
Companhia das Letras, 2019.

- 152 -
CAPÍTULO III

FORMAÇÃO DOCENTE,
METODOLOGIAS E DIDÁTICA

- 153 -
- 154 -
PROCESSOS CRIATIVOS E FORMATIVOS
DA CIA. ORTAET DE IGUATU: POR UMA
PEDAGOGIA DA CENA
José Brito da Silva Filho
Antonio Juscelino Barbosa dos Santos
José Cláudio Leôncio Gonçalves

Considerações iniciais
O tema a ser discutido no presente trabalho refere-se às con-
tribuições dos processos pedagógicos presentes na dinâmica desenvolvida
pela Cia. Ortaet de Iguatu na formação de seus próprios integrantes, em
oficinas e workshops voltados para algumas comunidades do município e
junto ao público no ato da recepção dos espetáculos. Dessa maneira o ob-
jetivo geral do trabalho é evidenciar os processos criativos e formativos
da Cia. Ortaet de Teatro de Iguatu, enquanto que os objetivos específicos
são: refletir acerca da pedagogia da cena construída no fazer teatral e com-
preender os projetos formativos enquanto contribuições para novos para-
digmas no panorama do teatro brasileiro.
Nas últimas décadas muito tem se discutido sobre a pesquisa
em artes cênicas, buscando traçar caminhos, analisar métodos e propor
encaminhamentos no que concerne às especificidades ligadas ao desenvol-
vimento das linguagens que a compõem (teatro, dança, circo, performan-
ce). Embora, atualmente, o problema entre a criação artística e a produção
científica esteja avançando, ainda existem ruídos alinhados a essa dicoto-
mia entre pesquisa acadêmica e os processos criativos das artes cênicas.
(CARREIRA, 2010, p. 16), bem como o lugar do pesquisador e do criador
neste campo. Para oferecer esclarecimentos a essa questão, a relação dico-
tômica entre a criação cênica e a produção acadêmica em Artes Cênicas, o
diretor, pesquisador e professor, André Carreira afirma que devemos negar
essa divisão entre artistas e pesquisadores:

[...] Não se pode supor que os primeiros fariam a arte, e os outros


produziriam os conhecimentos que seriam organizados e estru-
turados segundo os cânones da pesquisa científica. Na arte essas
fronteiras são bastante frágeis, e ambos os lados se interferem mu-
tuamente (CARREIRA apud TELES, 2012, p. 16).

No que diz respeito à metodologia, este trabalho é uma pesqui-


sa bibliográfica de cunho qualitativo, descritivo e investigativo e pretende
realizar o levantamento acerca dos procedimentos vivenciados pelo refe-

- 155 -
rido grupo na construção de seus processos criativos e formativos. Atra-
vés da investigação dos registros e relatos dos artistas, utilizo este mate-
rial como aporte necessário para a análise do percurso de existência da
companhia, tais como: documentos, material de imprensa, programas de
espetáculos, entrevistas e projetos realizados. Assim sendo, a escrita que
se segue tem nas entrevistas o arcabouço norteador das análises doravan-
te realizadas. É importante evidenciar a relevância da presente discussão
no que concernem as contribuições reflexivas para o debate acerca da luta
por políticas públicas de cultura, voltadas para a formação, valorização e
visibilidade dos grupos de teatros que residem no interior do estado do
Ceará.

Processos criativos e formativos da cia. Ortaet de Iguatu


A Cia. Ortaet de Teatro está situada na cidade de Iguatu e foi
fundada no ano de 1999, motivada pela necessidade de oferecer um espaço
para a criação e o aprendizado do teatro no interior cearense. Atualmente,
a Cia. vem atuando de forma consistente na cena teatral da região Centro
Sul cearense, através de formação continuada e na realização de mostras de
espetáculos, voltados para a comunidade. A partir da história da atuação
da Ortaet na formação de artistas e espectadores, faremos um relato de
como o processo de formação é uma via de mão dupla na sua trajetória,
pois, ao mesmo tempo, que forma seus profissionais realiza paralelamente
a formação de público, num processo dialético onde ao ensinar através do
discurso da cena, também aprende pelas devolutivas do público no instan-
te da recepção. Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao
aprender. (FREIRE, 1996, p. 23)
Um dos pilares desta formação é a questão do espaço não con-
vencional. O fato da cidade de Iguatu não ter um prédio teatral propiciou
experiências diversas em um galpão, que atualmente é a sede do Grupo e a
investigação de outros lugares possíveis e facilitadores de encontro com o
público. A rua é um destes espaços, mas não só. Graças ao projeto “Teatro
de Rua contra a AIDS”, promovido pela Secretaria de Saúde do Estado do
Ceará, na década 1990, houve um crescente movimento de teatro de rua
no Ceará. “Tal projeto financiava ações de cunho educativo para a comuni-
dade, utilizando o teatro de rua como ação formativa” (HONÓRIO, 2002,
p. 33).
Além desta ação da Secretaria de Saúde, o Instituto Dragão do
Mar de Arte e Cultura26, ligado à Secretaria de Cultura do Estado propiciou
o surgimento de vários grupos de teatro no Ceará por meio de políticas
26 Disponível em: http://www.dragaodomar.org.br/. Acesso em: 10 set. 2020.

- 156 -
públicas de fomento à arte. Por meio destas ações foram oferecidas diversas
oficinas de formação teatral para os municípios em parceria com as prefei-
turas. Mas como todo projeto tem um período de vigência, as ações de for-
mação não tiveram continuidade e os grupos que surgiram nesse período
ficou à mercê de políticas municipais, o que resultou, ocasionalmente, na
extinção de vários grupos.
Dessa forma, a realidade de teatro de grupo no Ceará não se
diferencia daquela vivida em outras partes do Brasil, em que os coletivos
teatrais, quando existem, vivem de forma precária e sem investimentos ne-
cessários para sua subsistência e manutenção de suas atividades. São pou-
cos os coletivos que dispõem de um espaço físico onde podem desenvolver
suas poéticas. A falta de um processo de formação em teatro nas cidades do
interior cearense, ainda é uma realidade desoladora. Infelizmente, o poder
público, nas suas mais diversas esferas, não enxerga a necessidade de inves-
timento nas expressões artísticas, como forma de possibilitar a melhoria de
vida dos seus munícipes27.
A Cia. Ortaet surge nesse cenário e com todas estas dificuldades
busca encontrar modos de criação estético-poéticos, que ajudem a poten-
cializar a identidade artística do grupo e concomitantemente encontrar
maneiras de sanar a falta de formação teatral em nossa cidade. Todos nós,
atores e atrizes, sentíamos a necessidade de termos um trabalho mais téc-
nico e teórico, que nos ajudasse a compreender melhor o que fazíamos e,
consequentemente, nos auxiliassem a desenvolver nossos processos cria-
tivos com maior qualidade. Nesse sentido, vale destacar as atividades do
Projeto Palco Giratório promovido pelo SESC – Serviço Social do Comér-
cio, que tem uma política de oferecer apresentações e oficinas nas cidades
por onde passa. Nos primeiros anos da Companhia, boa parte de nossa for-
mação artística se deu por meio destas atividades promovidas pelo SESC.
Possibilitando aos partícipes, seja como artista ou espectador,
vivenciar, discutir e problematizar questões que são pertinentes à realidade
do interior do Ceará. Assim, a poética de criação da Cia. Ortaet de Teatro
se baseia na premissa de uma pedagogia da cena, que compreende todas as
etapas de criação como espaços pedagógicos, e que possibilitam a forma-
ção dos artistas e do público. A necessidade de desenvolver esta pesquisa se
dá pela atuação da Cia., não apenas como um espaço promotor de proces-
sos criativos teatrais, mas também como um espaço de promoção de pro-
cessos de ensino e aprendizagem. Acreditamos nisso porque compreen-
demos que a experiência teatral é prática educativa nas suas mais diversas
27 Essa realidade começou a mudar no ano de 2008, graças à criação do Curso de Licenciatura em Teatro
pela Universidade Regional do Cariri – URCA, que desde sua implantação vem possibilitando a inser-
ção de profissionais com formação acadêmica nas escolas. O que tem mudado de forma significativa a
realidade do ensino de teatro nas escolas e ONGs, bem como, alterando a dinâmica dos grupos e cias do
Cariri cearense, assim como de outras cidades do interior do estado do Ceará e de estados circunvizinhos.

- 157 -
dimensões. Nesta perspectiva, o pesquisador brasileiro Flávio Desgranges,
em seu livro “A pedagogia do espectador” corrobora para este entendimento
quando afirma que:

Tomar a experiência com arte como relevante atividade educacio-


nal constitui-se em proposição que vem sendo investigada ao longo
dos tempos, e que continua a estimular o pensamento e a atua-
ção de artistas e educadores contemporâneos, já que as respostas
para essa questão apresentam-se, enquanto formulações históricas,
apropriadas para as diversas relações estabelecidas entre arte e so-
ciedade nas diferentes épocas. Em nossos dias um dos aspectos
marcantes do pensamento acerca do valor pedagógico da arte está
no desafio de tentar elucidar em que medida a experiência artística
pode, por si, ser compreendida enquanto ação educativa. (DES-
GRANGES, 2011, p. 21).

O projeto de atuação da Cia. Ortaet vai além de sua produção


teatral, pois é um espaço de difusão e encontro das mais diversas lingua-
gens (dança, teatro, música e audiovisual). Trata-se de artistas que buscam
abrigo e desenvolvem suas produções na sede do grupo, e que dialogam
com a proposta da poética do grupo. Em seus vinte e um anos de existên-
cia, a atuação da Cia. está centrada em preencher as lacunas deixadas pela
ausência de políticas públicas na área da cultura.
No entanto, a atuação do Galpão das Artes foi reconhecida ape-
nas no ano de 2014, quando se tornou entidade de utilidade pública no mu-
nicípio. Vale salientar que a presente pesquisa contribuirá para dar maior
visibilidade à produção teatral existente no interior do estado do Ceará.
Uma vez que a história demonstra, os crescentes privilégios da produção
da capital do estado em detrimento ao do interior. Já que os investimentos,
bem como o foco de observação e análise da maioria dos pesquisadores
estão voltados para a capital (MATIAS, 2016, p. 25).
Fazer teatro no interior do estado do Ceará é viver na contra-
mão, no que se refere aos mecanismos de sustentabilidade necessários à
manutenção dos coletivos. Visto que as demandas de produção e manuten-
ção são infinitamente maiores ao que entra nas bilheterias dos espetáculos,
isso quando gera algum dinheiro. Não há uma política de manutenção de
grupos ou coletivos teatrais na esfera estadual, e muito menos, no âmbito
municipal. Vivemos uma realidade de teatro, fora do eixo, que resiste e
reforço, na contramão das adversidades, e, porque não dizer, da própria
realidade.
Desse modo, um coletivo teatral permanecer em atividade por
mais de duas décadas nestas condições de subsistência e adversidades é
um feito que merece registro indubitavelmente. Poucos são os coletivos

- 158 -
que possuem essa longevidade na cena teatral cearense, mais ainda quando
se trata do interior do estado. A Companhia Ortaet de Teatro é um desses
poucos coletivos que persistem e subsistem em fazer teatro no Estado do
Ceará, sendo um dos coletivos mais antigos em atividade. De maneira que
para o encenador italiano radicado na Dinamarca, Eugênio Barba:

Numerosos grupos renunciaram ou se desintegraram por dificul-


dades externas, por discórdias internas ou por relações interpes-
soais murchas. A experiência ensina que é muito mais difícil para
um grupo manter-se em vida por mais de dez anos. Não são suas
desaparições o que pode surpreender-nos. Deveríamos, ao contrá-
rio, surpreender-nos os grupos duradouros e fazer-nos refletir so-
bre as causas de sua longevidade (BARBA, 1991, p. 216).

Atualmente, a Cia. Ortaet busca encontrar estratégias de sobre-


vivência e consolidação de seu agrupamento, não apenas na construção
de uma poética de criação, mas também na manutenção do Galpão das
Artes, ou seja, luta cotidianamente pelo seu direito de existir. O processo
de mudanças e permanências no que concerne ao movimento de teatro de
grupo em nosso país é uma constante. Seja nas mentalidades em torno de
abordagens teórico-metodológicas, nas práticas de organização enquanto
coletividades autônomas, ou na construção de suas poéticas de criação e
procedimentos artísticos.

Pedagogia da cena
Nas práticas contemporâneas, muitos coletivos desenvolvem um
projeto artístico-pedagógico que orienta suas práticas internas e externas.
No caso da Ortaet, temos desenvolvido esses processos que tem fortaleci-
do o ensino e aprendizagem, tanto para quem faz, quanto para quem nos
assiste. Os processos artísticos abordam temáticas de cunho social como
forma de tensionamento do contexto ao qual estamos inseridos. Dessa
forma, nossas apresentações geralmente vêm acompanhadas de debates
com os espectadores. Nestas conversas costumamos relatar um pouco do
processo criativo, o tema e possíveis desdobramentos para os assuntos que
são tratados em cena. Após as apresentações onde os espectadores são
convidados a conversar com o elenco sobre o processo e colocarem suas
impressões acerca da encenação. Em relação a esse momento de interação
com os espectadores e trocas de percepções os atores e atrizes nos trazem
os seguintes apontamentos:

[...] é um aprendizado muito grande quando a gente recebe um re-


torno da plateia. Quando recebe um retorno do público porque nos
engrandece individualmente, mas engrandece também o próprio

- 159 -
espetáculo. Porque esse processo de ensino e aprendizagem a gente
percebe de uma forma mais clara no debate. Porque é o momento
de ver como que chegou ao público. E aí a gente percebe o que o
público aprende daquilo nas falas deles. Foram muitas experiências
bacanas, de públicos diversos, que assistiram e de pessoas que mi-
litam dentro da causa (Entrevista com Aldenir Martins concedida
em dezembro 2019).

O depoimento indica apontamentos muito ricos na percepção


dos atores em relação ao feedback dado pelo público e também tem servido
de norte pedagógico para os atores do grupo. Essa troca de conhecimento,
de aprendizado se dá tanto para quem faz, quanto para quem assiste. É
uma via de mão dupla, onde se estabelece uma relação dialética rumo à
aprendizagem. Observo que, a princípio, a questão pedagógica era uma
preocupação com relação à formação dos artistas, porque como afirmei
anteriormente, apenas alguns tiveram a oportunidade de estudar em al-
guma escola de teatro. Porém, com o passar dos anos, e pela experiência
que adquirimos por meio dos debates após as apresentações vimos que era
necessário estender essa formação para o público, que muitas vezes via em
nós o primeiro e ou único contato com a linguagem teatral. O educador
Paulo Freire, em seu livro Pedagogia do Oprimido (1987) faz a seguinte
reflexão acerca da relação educador-educando:

Desta maneira, o educador já não é apenas o que educa, mas o que,


enquanto educa, é educado, em diálogo com o educando que, ao
ser educado, também educa. Ambos, assim, se tornam sujeitos do
processo em que crescem juntos [...] (FREIRE, 1987, p. 68).

O espetáculo se coloca, por assim dizer, nesse lugar de “educa-


dor”, porque problematiza questões sociais, estimula a imaginação, e pro-
picia uma vivência coletiva em que ambos, atores e espectadores podem
olhar e partilhar seus pontos de vista a partir de suas próprias experiências.
Essa relação promove um processo de certo modo, libertador e de apren-
dizagem mútua, que favorece a comunhão de saberes. Do encontro nasce
à partilha, da partilha os saberes em busca de uma sociedade mais justa
e humanizada para todos nós, que possa, a partir das suas experiências,
construir uma vivencia transformadora para cada indivíduo.
É preciso, sobretudo, e aí já vai um destes saberes indispensáveis,
que o formando, desde o princípio mesmo de sua experiência formadora,
assumindo-se como sujeito também da produção do saber, se convença
definitivamente de que ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as
possibilidades para a sua produção ou a sua construção. (FREIRE, 1996, p. 22).

- 160 -
Temos a compreensão de que a cena ensina. De que existe sim
um processo de ensino-aprendizagem que se estabelece no instante da re-
cepção. No encontro entre o espectador e a obra, que é o espetáculo, o que
exige do coletivo, um compromisso ético em conduzir processos criativos
levando em conta que o espectador é mais um elemento constitutivo desse
processo. Não é objetivo da Cia, que o espetáculo possa servir apenas de
consumo, como um produto, sem questioná-lo e/ou questionar-se acerca
daquilo que foi abordado em cena. Ele, o espectador, é uma peça crucial na
afirmação e legitimação do próprio discurso do espetáculo. Dessa forma,
os processos devem dar a ele autonomia de pensamento e ao processo cabe
permitir que todos os elementos de cena, precisam abrir-se para que o es-
pectador possa tecer relações. (DESGRANGES, 2017).

A proposição de análise feita ao espectador “consiste em viver a re-


lação criadora de um autor”, em pensar não apenas sobre a temática
social abordada, mas também, principalmente, em que termos se
efetiva a própria constituição da obra de arte. A revelação dos pro-
cedimentos cênicos adotados, rompendo com a forma dramática
habitual, opera tal efeito. [...] O espectador é convidado a refletir
sobre o fazer artístico, seus percursos criadores, seus meandros lin-
guísticos e sua finalidade em face do contexto histórico no limite,
o ato do espectador constitui-se como uma co-criação, na medida
em que, ao mesmo tempo, que observa como opera o autor, formu-
la sentidos possíveis para o acontecimento (DESGRANGES, 2017,
p. 119).

O espectador sai da posição de mera observação e contempla-


ção no qual se compreendia seu lugar no fenômeno teatral em tempos pas-
sados. Sobre a contribuição do espectador ao processo de criação, Aldenir
observou que:

[...] A gente aprende de uma forma muito interessante. Ouvindo e


vendo eles se pronunciarem sobre o espetáculo e ao mesmo tem-
po a gente dentro das falas dele também nos enriquecendo. Então
assim. É muito claro essa história do ensino-aprendizagem no de-
bate. (Entrevista com Aldenir Martins concedida em dezembro de
2019).

Desse modo, o processo de ensino-aprendizagem não está res-


trito apenas ao espectador, ele se dá também em relação às pessoas envol-
vidas no processo. O retorno dos espectadores é fundamental para que a
gente compreenda melhor o espetáculo que nos propusemos a fazer e o
quanto ainda pode desenvolver na estrutura espetacular. Trata-se de um
trabalho contínuo que também se transforma com base nas intervenções

- 161 -
do público e na realidade que está em volta. O ator Edceu Barboza defen-
de que o processo de ensino e aprendizagem no espetáculo: “Preta Bigode
Bar” que:

[...] outro aspecto que se dá enquanto ensino-aprendizagem. Se a


gente for pensar o processo de criação em si do espetáculo como
um momento em que você vai estudar. Você vai estudar a temática,
você vai estudar discursos que se relacionam com aquela temáti-
ca, inclusive, pra dar suporte. Porque pra ampliar, pra expandir a
criação, seja da cena, seja das personagens. Então no processo de
criação também aí que eu acho que o vértice fica mais profundo
ainda, essas trocas de aprendizagem. Que no caso se dá por hora
do encenador com os atores, mas também entre os atores, porque
cada um ali vai trazer uma voz, cada um vai ter uma visão muito
específica a partir de seus universos sobre sexo, sexualidade, gê-
nero, raça e aí são nessas trocas que se dá, se dão, na verdade esse
ensino-aprendizagem. E aí talvez o universo do espetáculo, talvez
não, certamente o universo do espetáculo vai ganhando corpo e se
expandindo. (Entrevista com Edceu Barboza concedida em dezem-
bro de 2019).

Enquanto encenadores, somos provocados a sair do nosso lugar


de conforto, a nos aventurar na busca de novos conhecimentos, de estudar
mais e mais, de ir além do que já tenho feito. Ao escutar nos depoimen-
tos de alguns espectadores após as apresentações dos espetáculos que eles
se sentem representados, enxergo o trabalho como um forte instrumento
de resistência e combate as desigualdades sociais. Sobre a percepção do
aprendizado enquanto sujeito envolvido no processo de criação de NECI,
Betânia Lopes afirma:

Tudo trouxe aprendizado que vou levar pro resto dos meus dias. O
aprendizado no sentido do respeito, do amor, da contribuição, da
alegria, da vida, da humanidade. É um aprendizado pra mim que
eu vou levar pra minha vida inteira. (Entrevista com Betânia Lopes
concedida em janeiro de 2020).

Sendo assim nos processos criativos, encontros de treinamen-


to, nas oficinas de reciclagem e nos processos formativos que foram e são
realizados na Cia., estes sempre estiveram agregados a procedimentos pe-
dagógicos, de ensino e aprendizagem, se não na metodologia empregada
na educação formal, mas na educação não formal, direcionados aos seus
integrantes e ao público. Existe cada vez mais firme no coletivo enquanto
ideologia de grupo a visão de que se faz necessário ao mesmo estar tran-
sitando nesses dois lugares, o artístico e o pedagógico. No campo artístico
isso se dá por meio dos processos criativos, mas principalmente pelas ações

- 162 -
formativas que são direcionadas ao próprio elenco e, que por vezes se es-
tende para integrantes de outros grupos da cidade. No campo pedagógico
nossa ação principal está centrada na formação de público, seja por meio
de oficinas culturais ou na promoção de debates após o espetáculo.

Projetos formativos
Os processos formativos realizados pela Companhia ainda que
com intervalos preservam uma continuidade. Como podemos observar no
“Núcleo de Pesquisa Olaria”, “Projeto Olaria Laboratório de Teatro”, “Ca-
leidoscópio um Olhar Teatro” e “Projeto pago pra ver”, os quais iremos
analisar a seguir.

Projeto Olaria Laboratório de Teatro


Movidos pela necessidade de um processo de formação para
seus próprios integrantes, a Cia. Ortaet começou a desenvolver, no ano
de 2009, o que mais tarde se tornaria o “Projeto Olaria”. A princípio, os
integrantes ministravam oficinas teatrais uns para os outros, algumas des-
tas práticas eram inspiradas em breves experiências que cada um já ha-
via vivenciado anteriormente. Além de exercícios práticos, realizávamos
a leitura de alguns textos dramáticos e outros mais teóricos sobre a his-
tória do teatro, jogos teatrais, Teatro do Oprimido, e sobre o Sistema de
Stanislavisky. Os encontros aconteciam semanalmente, e a cada semana
mesclávamos estudo teórico com trabalho de corpo, voz e interpretação.
Essa primeira experiência do núcleo de estudos, que foi chamado de Olaria
serviu como inspiração para a escrita posteriori do edital de manutenção
de grupo no qual a Companhia se inscreveu alguns anos depois.
No ano de 2010, a Cia. inscreveu e teve o “Projeto Olaria”, apro-
vado no VII Edital de Incentivo às Artes da Secretaria de Cultura do Es-
tado do Ceará, na categoria Manutenção de Grupo. Agora não mais como
um núcleo de pesquisa voltado apenas para os membros do coletivo, mas
aberto à participação de pessoas oriundas de outros grupos e comunidade
em geral. O que possibilitou ao coletivo um investimento financeiro no
desenvolvimento de ações artísticas e na ampliação do projeto de forma-
ção teatral no Centro-Sul do Ceará, bem como a obtenção da primeira
sede da Cia. O Projeto Olaria – Laboratório de Teatro foi uma proposta de
formação teórica e prática que aconteceu na sede da Companhia Ortaet de
Teatro, dividida em 12 módulos preparatórios de 20h/a cada totalizando
200 horas de pesquisa e estudo que envolveu de forma direta os artistas da
Companhia Ortaet de Teatro e artistas dos outros grupos ou companhias
de teatro da cidade de Iguatu, em média duas pessoas por cada grupo.

- 163 -
Caleidoscópio – um olhar teatro
Como forma de aprofundamento do processo formativo dos in-
tegrantes da Cia que tinham vivenciado várias experiências distintas por
meio do Projeto Olaria. O coletivo inscreve o projeto formativo “Calei-
doscópio – um olhar teatro”, que foi aprovado no IX Edital de Incentivo
às Artes do Ceará em 2014, na categoria de manutenção de grupo, que
consistiu na realização de intercâmbio entre a Cia Ortaet de Teatro e três
grupos teatrais dos estados do Ceará e um de São Paulo, e realização de
três oficinas de formação. Em sua proposta original a ideia era realizar o
intercâmbio entre a Companhia Ortaet de Teatro e os grupos Expressões
Humanas (Fortaleza), Coletivo As Travestidas (Fortaleza), Grupo Imagens
(Fortaleza), Grupo Bagaceira (Fortaleza), Grupo Ninho de Teatro (Crato),
Grupo Oficina (Sousa – PB). Após a aprovação e tentando diversificar a
participação de coletivos resolvemos condensar a proposta e por este moti-
vo, reduzimos a participação de alguns coletivos do Ceará e convidamos a
Cia do Tijolo, de São Paulo que já havia circulado na cidade Iguatu através
do Projeto Palco Giratório.
A escolha dos coletivos cearenses que participaram desse inter-
câmbio partiu de um critério de aproximação dos projetos artístico-peda-
gógico, do trabalho que estes têm desenvolvido em suas localidades e do
processo de existência/resistência desses coletivos. Outra razão foi perce-
ber que o intercâmbio com estes grupos possibilitaria o fortalecimento de
uma rede de teatro de grupo no estado como uma postura de afirmação
política no fortalecimento dessa rede. No que se refere a Cia do Tijolo,
houve uma boa aproximação ente os dois coletivos do que despertou o
interesse de aprofundar o diálogo acerca das experiências do coletivo pau-
lista e de como essa experiência poderia contribuir com o desenvolvimento
da Cia Ortaet. O intercâmbio aconteceu através da apresentação de um dos
espetáculos que compõem o repertório da Cia. Tijolo e uma troca de ex-
periências e vivências no dia seguinte. A cada rodada de intercâmbio eram
apresentados os espetáculos dos grupos convidados e no final, como cul-
minância do projeto, foi realizada a Mostra Ortaet de Teatro 16 anos com o
repertório da Companhia Ortaet. As apresentações foram gratuitas abertas
para a comunidade. No dia seguinte os grupos se encontravam para de-
bater sobre a percepção do espetáculo apresentado, modos de produção,
mecanismos de subsistência, processos criativos e pesquisa de linguagem
de cada coletivo.

Projeto Pago pra Ver


Após alguns anos de atividade na sede, entendemos que a ques-
tão do ingresso pago precisava ser revisto. A Cia. Ortaet sempre prezou

- 164 -
pelo diálogo com o público, dessa forma, criou o projeto de formação inti-
tulado: “Projeto Pago para Ver”, em que o público, após assistir as sessões
dos espetáculos, ficava à vontade para pagar o valor que pudesse por aquela
experiência. Esse projeto teve o propósito de formar um público pagante,
provocando nestes a valorização do trabalho dos artistas e o reconheci-
mento da atividade profissional dos trabalhadores da cultura. Pensar um
trabalho de formação de plateia de forma pedagógica era o próximo passo
da Cia. Os disparadores deste projeto foram: Como despertar no espec-
tador a compreensão de que ele é parte integrante da ação espetacular?
Como despertar nos espectadores a noção de que uma apresentação ar-
tística envolve o trabalho de diferentes profissionais e que esses também
precisam ser remunerados?
A realização do projeto foi como um tiro no escuro, pois não
era estipulado um valor específico para a apresentação, deixando o espec-
tador com total liberdade de ofertar aquilo que ele julgasse que seria justo
para o espetáculo assistido. A princípio acreditávamos que o projeto não
iria dar certo, que não iria sair quase nada em dinheiro da urna, mas for-
mos surpreendidos, tanto pela aceitação do público em relação ao projeto,
bem como pelos valores, às vezes bem consideráveis, que os espectadores
deixavam. Em alguns casos chegaram a depositar notas de vinte, dez e até
cinquenta reais pelo que assistiram. Esse projeto, além de contribuir para
a manutenção do espaço, nos permitiu perceber que o público que nos
acompanha se identifica com a nossa proposta e vê de maneira positiva,
o que fazemos na cidade de Iguatu. O público tem comparecido e contri-
buído em todas as edições deste projeto e pela maneira como estes contri-
buem após cada sessão, acredito que os mesmos estão compreendendo que
fazer cultura, fazer teatro, exige além de demandas humanas, necessidades
financeiras, e, que o trabalhador da cultura, também merece ser remune-
rado pelo seu trabalho.
Mediante o exposto percebo como muito exitoso este projeto,
visto que temos obtido bons resultados junto ao público como estratégia
de mobilização financeira do coletivo, formação de um público pagante
e formação de plateia. O que reforça cada vez mais, o valor que tem tido
nossas ações pedagógicas. Esta ideia serviu de inspiração para que outros
coletivos realizem projetos semelhantes, como é o Caso do Ninho de Tea-
tro que criou o “Pague Quanto Puder”.

Considerações finais
A proposta do presente trabalho era a de compreender, como
a Cia. Ortaet de Teatro, através de sua sede, Galpão das Artes, desenvolve
seus processos artísticos e pedagógicos para artistas e público por meio da

- 165 -
realização de oficinas culturais e espetáculos em espaços não convencio-
nais. Não obstante, a Companhia Ortaet de Teatro busca ao longo do seu
percurso de existência, se consolidar enquanto espaço criador e propositor
de poéticas de criação artística e de fomento de processos formativos, per-
cursos estes empreendidos por seus integrantes e pelo público da cidade.
Quanto aos processos criativos, o que se nota é que há um revezamento nas
funções que compõem uma montagem teatral.
Em relação a Cia Ortaet de Teatro, observa-se que existe um
projeto artístico-pedagógico bem consolidado com uma política de traba-
lho voltada para as demandas sociais. Há por parte do coletivo, uma pre-
missa de fazer um teatro que provoque nas pessoas envolvidas (integrantes
do coletivo e espectadores) processos de ensino-aprendizagem, com vista
à tomada de consciência no despertar da criticidade. Os processos criados,
projetos de formação desenvolvidos no grupo e oferecidos à comunidade
partem desse princípio norteador.
Por fim, concluo que, a experiência da Cia Ortaet tem me pro-
porcionado a oportunidade de conviver num território muito rico e diver-
so de aprendizagem. Ao longo destes vinte anos de trajetória, mergulhados
no estudo empírico de cada tema que envolve os processos criativos, no
dia a dia da preparação dos atores a cada projeto, nas relações de amizade
e companheirismo firmados no decorrer dos anos, na troca potente que
ocorre com o público por meio das conversas após as apresentações dos
espetáculos, nas aulas que ministramos nas comunidades. Um lugar que
nos alimenta e nos inquieta constantemente.

Referências

BARBA, Eugenio. Além das ilhas flutuantes. São Paulo: Hucitec, 1991.
CARREIRA, André. Teatro de grupo e a noção de coletivo criativo. Anais
[...]. ABRACE, 2010.
DESGRANGES, Flávio. A pedagogia do Teatro: provocações e dialogis-
mos. São Paulo: Hucitec, 2011.
DESGRANGES, Flávio. Pedagogia do teatro. Hucitec, 2017.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: Saberes necessários à prática
educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
HONÓRIO, Erotilde. História do Teatro no Ceará através de grupos e
companhias (1967 a 1997). Fortaleza, Ce: Governo do Estado do Ceará;
Secretaria da Cultura e Desporto; Bureau de Artes Cênicas do Ceará; Thea-
tro José de Alencar. 2002.

- 166 -
MATIAS, Bárbara Leite. Cotidiano de teatro de grupo no Cariri cearense:
Ninho de Teatro e Coletivo Atuantes em Cena. Anais [...]. ABRACE, v. 17,
n. 1, 2016.
TELLES, Narciso. Pesquisa em Artes Cênicas. Editora E-papers, 2012.

- 167 -
- 168 -
PRODUÇÃO TEXTUAL NO ENSINO
FUNDAMENTAL I:
REFLEXÕES DOCENTES28
Polyana Nogueira Dias
Jarles Lopes de Medeiros

Introdução
Muito se fala do processo para a aquisição da leitura e da escrita,
pois estamos imersos em uma sociedade letrada. Conforme Koch (2015),
leitura e escrita fazem parte da nossa vida e somos o tempo todo levados
a ler e escrever diferentes tipos de textos. Assim, forma como interagimos
com a mesma se relacionada como a forma que interagimos como o mun-
do.
Diante desse contexto, profissionais da educação — dentre os
quais nos incluímos —tentam dinamizar o ensino de várias formas a fim
de abrilhantar o olhar do aluno nesse caminhar e que eles possam se tor-
nar leitores atentos à sua realidade, à sua cultura, ao seu meio social e que
possam transcender os seus conhecimentos, tornando-se seres humanos
melhores e ativos na sociedade.
Nesse caminhar há uma vertente que vem preocupando os pro-
fissionais da educação, em específico os professores dos anos iniciais, que
é a busca por fazer com que o aluno compreenda a importância social da
escrita e que eles tenham uma maior determinação ou prazer ao praticá-
-la, pois, conforme Medeiros e Silva (2019, p. 60), “[...] é fundamental a
conscientização de que o processo de alfabetização não se dá de forma
isolada da vida. É fundamental ampliarmos esse conceito, ressignificando
o que se aprende dentro e fora da escola”.
Este artigo tem como objetivo refletir sobre as práticas de ensino
de escrita nas séries iniciais do ensino fundamental. Para tanto, partimos
das concepções docentes acerca do assunto, por meio de realização de en-
trevistas com três professores que atuação no ensino fundamental I.

Percursos metodológicos
Em um primeiro momento, o estudo utilizou como aporte me-
todológico a pesquisa bibliográfica, sob a abordagem qualitativa, uma vez
que esta permite uma investigação científica que foca no caráter subjetivo
28 Uma versão deste artigo foi apresenta no VI Congresso Nacional de Educação (CONEDU). O traba-
lho se encontra publicado nos anais do evento. Disponível em: http://www.editorarealize.com.br/editora/
anais/conedu/2019/TRABALHO_EV127_MD4_SA8_ID8111_27092019000140.pdf. Acesso em: 10 set.
2020.

- 169 -
do objeto analisado, levando em consideração, também, a subjetividade
dos pesquisadores. Dessa forma, Zanetti (2017, p. 159) destaca que:

O uso do método qualitativo gerou diversas contribuições ao avan-


ço do saber na dinâmica do processo educacional e na sua estrutura
como um todo: reconfigura a compreensão da aprendizagem, das
relações internas e externas nas instâncias institucionais, da com-
preensão histórico-cultural das exigências de uma educação mais
digna para todos e da compreensão da importância da instituição
escolar no processo de humanização.

Segundo o autor anteriormente citado, há relevância dentro do


contexto histórico-cultural que entende o espaço da escola dentro do pro-
cesso de humanização da pesquisa. Assim, a abordagem qualitativa nos
permite compreender o avanço do processo educacional de aprendizagem,
dinamizando o estudo e aproximando-se do objeto de estudo, em que se
procura refletir na pesquisa.
Para Cervo, Bervian e da Silva (2007, p. 61), o estudo biblio-
gráfico propicia o acesso a autores que venham a somar com a temática
de estudo, fomentando, de forma mais teórica, a pesquisa, para que poste-
riormente, como é este o caso, possa-se formular questões, trazer reflexões
sobre o foco da pesquisa.
Em um segundo momento da investigação foram realizadas
entrevistas com três professoras de turmas de terceiro e quarto anos do en-
sino fundamental de uma escola municipal de Fortaleza. Para tanto, utili-
zamos como metodologia o questionário com perguntas semiestruturadas,
as quais tinham foco na temática de produções textuais.
As entrevistas foram realizadas nos momentos de planejamento
das professoras. Entregamos para as mesmas um questiónario com per-
guntas que nos ajudassem a compreeender a organização, o planejamento
e as práticas desenvolvidas com as turmas em questão. Com o intuito de
preservar a indentidade e integridade das sujeitas, não identificamos as
mesmas, tampouco a instituição. Para identificar as docentes, utilizaremos
a seguinte nomenclatura: Professora A, Professora B e Professora C.

Leitura e escrita: processos indissociáveis


Dentre os objetivos estabelecidos pelos Parâmetros Curricula-
res Nacionais – PCNs (BRASIL, 1997) há a proposta de que o aluno de-
senvolva a sua criticidade de forma responsável e construtiva nas mais va-
riadas situações sociais, assim como desenvolver as diferentes linguagens
como meio de produzir, expressar e comunicar ideias e intenções nas mais
variadas situações de comunicação, estando sempre voltados à realidade
do educando.

- 170 -
A escrita, nesse contexto, torna-se fundamental para essa cons-
trução do educando como cidadão imerso em sua cultura, a fim de abran-
ger a sua linguagem para o mundo. Para isso, a leitura é um alicerce que
molda a escrita de forma a deixá-la mais rica de informações e vocabulário,
elementos esses que caminham praticamente lado a lado.

[…] elaborar um texto é uma tarefa cujo sucesso não se completa,


simplesmente, pela codificação das ideias ou das informações, atra-
vés de sinais gráficos. Ou seja, produzir um texto não é uma tarefa
que implica apenas o ato de escrever. Não começa, portanto, quan-
do tomamos nas mãos papel e lápis. Supõe, ao contrário, várias
etapas, interdependentes e intercomplementares, que vão desde o
planejamento, passando pela escrita propriamente, até o momento
posterior da revisão e da escrita. (ANTUNES, 2003, p. 54).

Antunes (2003) reforça a necessidade de se elaborar uma re-


lação com o processo de escrita, entendendo esse caminhar como algo a
ser construído, não apenas entregando uma folha e colocando o educando
para escrever, mas trazer um significado para essa produção, processo esse
a partir do qual a criança possa compreender o porquê praticar a escrita e,
consequentemente, a leitura.
Criando essa relação, será possível abranger os objetivos de o
porquê escrever, para quem escrever, o quê escrever, fazendo com que o
aluno entenda o plano de ação para aquela atividade e respeite o poder da
revisão de um texto, acrecentando ao seu conhecimento novas palavras
e entendimento da estrutura do texto, sem que isso o torne engessado ao
elaborar o texto proposto.
É imporatnte destacar que leitura e escreita são processos indis-
sociáveis. Concordamos com Medeiros e Silva (2019, p. 60) quando, ao re-
ferenciarem Paulo Freire, destacam essa questão: “Frequentemente, as prá-
ticas educativas estão pautadas em concepções teóricas e metodológicas
que dicotomizam, no processo de alfabetização, a leitura e a escrita, con-
tribuindo para uma concepção mecânica e fragmentada dos conteúdos”.
Nesse processo é interessante o educador procurar compreen-
der como se dá a alfabetização e o letramento do educando, processo esse
que engloba a escrita, pois, por ser processual e está ligada à aquisição da
leitura, é bom respeitarmos o tempo de aprendizagem da criança. Magda
Soares (2008, p. 34) destaca acerca da compreensão do docente em torno
do processo de escrita quando salienta que “[...] é muito importante, para
orientar sua atuação, que o docente saiba o que e como seu aluno conhece,
isto é, que o docente domine uma teoria da aprendizagem e, no nosso caso
particular, uma teoria da aprendizagem da linguagem escrita”.

- 171 -
Aproximações com a prática: concepções docentes
As atividades de letramento e alfabetização praticadas em sala
de aula devem propiciar o afloramento no educando da segurança da sua
escrita sem, contudo, apresentar grandes amarras quanto à ortografia, para
que ele possa desenvolver o ato criativo da escrita, possilitando-o com-
preender a funcionalidade de uma carta, uma receita, um bilhete, dentre
os outros gêneros.

[...] vivi intensamente a importância elo de ler e de escrever, no


fundo indicotomizáveis, com os alunos da primeira série do então
chamado curso ginasial. A regência verbal, a sintaxe de concor-
dância, o problema da crase, o sinclitismo pronominal, nada disso
era reduzido a tabletes de conhecimentos que devessevem ser en-
golidos pelos estudantes. Tudo isso pelo contrário, era proposto a
curiosidade dos alunos de maeira dinâmica e viva ( FREIRE, 1989
p. 11).

Nesse contexto, Freire afima que o caminho para uma boa escri-
ta está ligado diretamente ao aprendizado da leitura, e que fica complicado
olharmos com fluidez para o processo de produção textual quando ficamos
enrijecidos na ideia de uma métrica a ser passada para o aluno, como, por
exemplo, prender-se demais à ortografia, não que ela não seja importante
ou que não seja interessante o estudante saber das possibilidades gráficas e
fonêmicas das palavras, mas que essas dimensões não fiquei à frente da cons-
trução, da finalidade, do contexto e do prazer da escrita propriamente dita.
Essa problemática foi leva às professoras durante as entrevistas.
A primeira questão era sobre o espaço destinado à produção textual nos
planejamentos semanais das profissionais. As três reponderam que sepa-
ravam semanalmente um momento para a produção textual e que isso já
havia entrado na rotina dos estudantes, sendo que a prática da escrita é fei-
ta diariamente, com atividades explicativas, ditados, agenda, cópia de ex-
plicações e atividades no caderno. Esta última parte da resposta veio com
a indagação de quantas vezes na semana os alunos praticam a escrita e se
essa se insere em algum contexto e foi dita pela Professora A.
Já a Professora B acrescentou em sua resposta as atividades
propsotas pelo Programa de Alfabbetização na Idade Certa (PAIC), que
abrange a produção textual com diversas temáticas. A Professora C acres-
centou que utiliza o trabalho de rascunho, a partir do qual os alunos po-
dem escrever mais livremente, e que depois, segundo ela, seria feito um
trabalho de correção de escrita e ortografia, atividade essa que passariam
para a folha oficial da produção textual, desenvolvendo o poder da rees-
crita do seu texto. Nesse sentido, os PCNs de Língua Portuguesa citam a
reeescrita:

- 172 -
Um dos aspectos fundamentais da prática de análise linguística é a
refacção de textos produzidos pelos alunos. Tomando como ponto
de partida o texto produzido pelo aluno, o professor pode traba-
lhar tanto os aspectos relacionados às características estruturais
dos diversos tipos textuais como também os aspectos gramaticais
que possam instrumentalizar o aluno no domínio da modalidade
escrita da língua (BRASIL, 1998 p. 47).

A esse ponto, acrescentamos que o trabalho com a reescrita é


para além da estratégia de apenas copiar o texto, devendo ir para a busca
do entendimento estrutural do gênero textual. Quando falamos de crian-
ças de terceiro ou quarto ano, em específico, a ludicidade e o prazer ainda
estão muito atrelados à prática. Diferentemente de um adulto que se condi-
ciona mais facilmente à imposição de uma escrita, de um dever, no caso da
criança é preciso mais para que ela possa se ater ao objetivo do conteúdo.
Colocamos em pauta também os maiores desafios que as pro-
fissionais da educação encontram ao trabalhar com produção textual em
sala de aula, as respostas das professoras foram se complementando e che-
gando a dificuldades como: falta de interesse pela escrita, tendo obstáculos
para produzir textos, desenvolvendo uma resistencia ao hábito de escrever,
precisando ser estimulado costantemente para a realização da atividade;
não compreender a escrita dentro de uma coerência e com coesão; falta de
acompanhamento familiar nas demais atividades, prejudicando o aumento
do vocabulário, por exemplo.
Por último, foi mencionado o papel da escrita e se os alunos
compreeendiam-no. A Professora A traz a ideia de que a escrita precisa ir
além da capacidade de saber escrever, sendo preciso usar essa prática no
cotidiano de forma que ela tenha funcionalidade para a criança na socieda-
de. A Professora B complementa dizendo que há um trabalho feito em sala
de aula para que as crianças tenham a dimensão da importância da escrita
para o seu cotidiano. Porém, ainda assim, elas não entendem com ampli-
tude esse valor e que a construção para isso é feita arduamente todos os
dias. A Professora C finalisa descrevendo a função social da escrita como
a principal forma de registrar pensamentos, observações e expressões que
temos em nosso pensante.
Freire (1989) entende que não é possível escrever sem praticar
a escrita, um programa de alfabetização deve estimular a oralidade dos
alunos, assim como, desafiá-los e estimulá-los a escrever, trabalhando para
a compreenssão e o domínio da língua e linguagem.

Considerações finais
Concluímos essa nossa pesquisa, com o entendimento ainda
mais forte, que a palavra-chave para o processo de elaboração da escrita

- 173 -
é saber que não há uma possibilidade única, mas um vocabulário de pos-
sibilidades. Assim, devemos encarar a produção textual, principalmente
quando se trata de crianças, como uma situação que se faz necessário haver
a manutenção da ludicidade, para que então seja possível fazer com que as
mesmas cultivem em si o prazer da escrita e que possoa florescer essa habi-
lidade, relevando o que está ao seu redor e buscando comprender o poder
social da mesma. As regras ortográficas são importantes, mas não devem
ser mote para entraves na produção textual.

Referências
ANTUNES, Irandé. Aula de português: encontro e interação. São Paulo:
Parábola Editorial, 2003.
BRASIL. Introdução aos Parâmetros Curriculares Nacionais: Introdu-
ção aos Parâmetros Curriculares Nacionais. Secretaria de Educação Fun-
damental – Brasília: MEC/SEF, 1997.
BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro e quarto ciclos do
ensino fundamental – Língua Portuguesa. Secretaria de Educação Funda-
mental – Brasília: MEC/SEF, 1998.
CERVO, Amado Luiz; BERVIAN, Pedro Alcino; DA SILVA, Roberto. Me-
todologia Científica. 6. ed. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2007.
FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler. São Paulo: Autores Associa-
dos: Cortez, 1989.
KOCH, Ingedore Vilhaça; ELIAS, Vanda Maria. Escrita e Interação. In:
KOCH, Ingedore Vilhaça; ELIAS, Vanda Maria. Ler e escrever: estratégias
de produção textual. 2 ed. São Paulo: Contexto, 2015.,
MEDEIROS, Jarles Lopes de; SILVA, Samia Paula dos Santos. Formação
de professores e o pacto nacional pela alfabetização na idade certa: pela
valorização dos saberes docentes. In: SILVA, Samia Paula dos Santo; ME-
DEIROS, Jarles Lopes de. Perspectivas transdisciplinares em educação.
João Pessoa: Ideia, 2019.
SOARES, Magda. Alfabetização e letramento: caderno do professor /
Magda Becker Soares; Antônio Augusto Gomes Batista. Belo Horizonte:
Ceale/FaE/UFMG, 2005.
ZANETTE, Marcos Suel. Pesquisa qualitativa no contexto da Educação no
Brasil. Educar em Revista. n. 65, 2017. Disponível em: https://www.scielo.
br/pdf/er/n65/0104-4060-er-65-00149.pdf. Acesso em: 08 out. 2020.

- 174 -
METODOLOGIAS ATIVAS PARA A
EDUCAÇÃO: REFLEXÕES INICIAIS

Ana Paula Vasconcelos de Oliveira Tahim


Liege Santos Soares
Luiza Isabel Alencar Mota

Introdução
Com as transformações rápidas e constantes existentes num
novo cenário de exigências e necessidades estabelecidas pelo mundo do
trabalho as metodologias ativas têm surgido como uma proposta para tra-
tar essas novas tendências numa nova era de informação e tecnologias.
Muito se tem escrito e publicado eletronicamente sobre meto-
dologias ativas, com mais foco em áreas como a saúde, engenharias e infor-
mática, porém quando tratamos deste assunto ligados à educação de forma
ampla encontramos poucas produções vinculadas.
Este estudo se propõe a responder: Quais publicações têm sido
vinculadas eletronicamente sobre metodologias ativas para a educação?
Outras questões que orientam esta pesquisa versão sobre: O que se tem
tratado sobre as metodologias ativas para a educação?
Assim, podemos sinalizar como objetivo geral: apresentar os es-
tudos que abordam as metodologias ativas para a educação de forma geral
encontradas em vinculação eletrônica.
Esse estudo tratou de uma procura teórica que contou com a
estratégia de coleta de dados ancorada no Estado da Arte ou do Conhe-
cimento. As buscas aconteceram na plataforma Google Acadêmico, no
período de agosto de 2019, nas quais foram mapeados 39 artigos nas 5
páginas iniciais de consulta, dos artigos encontrados apenas 3 tratam espe-
cificamente sobre educação de forma geral, os demais abordavam os dire-
cionamentos para a saúde, engenharias e diversas outras áreas, em diversos
níveis de ensino ou disciplinas específicas. A categoria de pesquisa para a
busca foi: metodologias ativas na educação. Desta forma, para o estudo fo-
ram destacados três publicações, virtualmente disponibilizadas, a escolha
visa a ampliação do seu poder de alcance e disseminação.
Para tanto, este artigo está organizado em três seções: uma tra-
tando sobre o referencial teórico que discorre a respeito da educação e en-
sino; as metodologias ativas; a inovação; e Aprendizagem Significativa (au-
tonomia, mediação). Na sequência, trata-se da metodologia, continuando
com a apresentação e análise dos quadros sinópticos das perguntas trata-
das, concluindo com as considerações finais.

- 175 -
As metodologias ativas e a educação
Educação é um conjunto de bases para que uma pessoa adquira
conhecimento que leva a aprendizagem para dessa forma viver em socie-
dade, a educação engloba o ensino, assim, não existe educação, existem
educações, a educação nasce da relação com os contextos, a cultura e a ne-
cessidade da comunidade (BRANDÃO, 1999). Assim, falar sobre educação
nos remete a contextos amplos que trazem a percepção do que cada grupo
precisa para a efetivação desta. Sendo a construção da subjetividade de um
indivíduo, a educação não é feita apenas da escola, mas de todo um con-
texto social e familiar, de suas experiências e de tudo que permeia sua vida.
O ensino trata do saber sistematizado pela escola, que (LIBÂ-
NEO, 2013 p. 22) traduz com objetividade em seu livro, que o ensino cor-
responde a ações meios e condições para realização de instrução que se
refere à formação intelectual, formação e desenvolvimento das capacidades
cognoscitivas.
Para tanto, é preciso compreender que a aprendizagem é ativa
quando percebemos relações de experiência e o envolvimento entre a teo-
ria e a prática, para Moran (2015, p.2): “[...] aprendemos quando alguém,
mais experiente nos fala e aprendemos quando descobrimos a partir de um
envolvimento mais direto [...]”.
Complementando esse olhar, de acordo com Ausubel (FER-
NANDES, 2011) aprender de forma significativa é ampliar, fazer conexões
e reconfigurar ideias já existentes na estrutura mental do aluno, a fim de
ser capaz de relacionar e obter novos conhecimentos. No contexto escolar,
sua teoria considera a história de vida do sujeito e o papel de mediador do
docente, propiciando condições para a aprendizagem.
Para que a aprendizagem significativa ocorra, destacam-se duas
condições primordiais: o conhecimento a ser ensinado deve ser instigante
e o estudante precisa disponibilizar-se a estabelecer uma relação natural e
não imposta, a aprendizagem deverá fazer sentido para o aluno.
Ausubel (FERNANDES, 2011) definiu também o que seria uma
aprendizagem mecânica partindo de análises entre professor, aluno e co-
nhecimento. Nesse tipo de aprendizagem, os conhecimentos são superfi-
ciais ou mesmo isolados, não apresentando um significado para o aluno,
entretanto, deve-se considerar sua importância no processo de estrutu-
ração do conhecimento empírico, principalmente nas situações em que é
necessária a memorização, ressalta-se que a aprendizagem é um processo
contínuo, para tanto, considera as diversas formas de construção do co-
nhecimento, mas não de forma exclusiva e exaustiva.
Com o advento da tecnologia e as mudanças na forma de intera-
girmos com o mundo, houve um grande impacto provocado pelas inova-

- 176 -
ções e a educação não ficou de fora desse contexto. Os desafios são grandes
e complexos o que nos leva a pensar uma nova forma de ensinar para a
velocidade dos estilos de aprendizagem de nossos alunos (FILATRO; CA-
VALCANTI, 2019).
Para Moran (2015, p. 02), aprendizagem é ativa e significativa
quando conseguimos estabelecer conexões avançando em forma de “espi-
ral indo de níveis mais simples aos mais complexos em todas as dimensões
da vida”. Aprendemos o que nos interessa o que está próximo do estágio de
desenvolvimento que nos encontramos.
Nesse sentido, cada indivíduo aprende a partir do contexto em
que se encontra, do que lhe é significativo e relevante. Alguns autores como
Freire, Dewey, Ausubel, Rogers nos têm mostrado ao longo dos tempos
como cada ser humano, seja um adulto ou criança, aprende, questionando
também o modelo escolar de transmissão e avaliação da informação para
os alunos (MORAN, 2015).
As metodologias ativas então surgiram da necessidade de insti-
gar os alunos a aprenderem de forma participativa e autônoma, a partir de
simulações de problemas e situações reais. Nesse sentido o discente deve
estar no centro do processo, sendo o protagonista de sua aprendizagem,
participando ativamente como responsável pela construção do próprio co-
nhecimento (MORAN, 2019).

Metodologias se expressam em três conceitos-chave, tanto para


docentes como para aprendizes: maker (exploração do mundo de
forma criativo-reflexiva, utilizando todos os recursos possíveis: es-
paços-maker, linguagem computacional, robótica), designer (pro-
jetar soluções, caminhos, itinerários, atividades significativas de
aprendizagem) e empreender (testar ideias rapidamente, corrigir
erros, realizar algo com significado) (MORAN, 2019, p. 08).

Portanto, o uso dessas metodologias deve seguir um propósito


real na prática docente, onde o aluno é o principal ator de sua aprendiza-
gem, mediada pelo professor, transformando a sala de aula em um ambien-
te sadio, divertido e cheio de conhecimento.

Metodologia
Esta pesquisa trata de um estado da arte ou estado do conheci-
mento, esse tipo de estudo é definido como de caráter bibliográfico, e tem
como desafio mapear e discutir uma produção acadêmica definida obser-
vando diferentes campos do conhecimento, buscando respostas a aspec-
tos e dimensões destacadas e privilegiadas em diferentes épocas e lugares
(FERREIRA, 2002).

- 177 -
Assim, busca-se analisar acerca da totalidade de estudos e pes-
quisas em determinada área de conhecimento que apresenta crescimento.
A busca dos artigos aqui analisados surge a partir da categoria
de busca: “metodologias ativas na educação’. Os critérios de inclusão fo-
ram: artigos encontrados na plataforma Google Acadêmico, virtualmente
disponibilizados, o que amplia seu poder de alcance e disseminação, no
período de agosto de 2019. Após consulta, foram mapeados 39 artigos nas
5 páginas iniciais de consulta, dos artigos encontrados apenas 3 tratam es-
pecificamente sobre educação de forma ampla, fazendo poucas inferências
específicas aos níveis da área. Os demais, 36 artigos, abordavam os dire-
cionamentos para áreas da saúde, engenharias e outras em menor número,
em diversos níveis de ensino ou disciplinas específicas. Desta forma, foram
analisados 3 textos, levando em consideração sua estrutura e conteúdo
propostos, bem como, também os objetivos secundários propostos para
coleta dos dados.

Apresentação e análise de dados


Os textos aqui tratados são datados do período de 2015, 2016 e
2017, respectivamente e abordam as metodologias ativas como mudança
para a educação e para o ensino e aprendizado.
Observando estes estudos analisamos seus conteúdos com base
nas questões por hora apresentadas neste artigo. O trabalho de Diesel et
al (2015) discute sobre as metodologias de ensino e seus princípios; aluno
como centro do processo de aprendizagem; aproximações entre metodolo-
gias ativas e correntes teóricas. Seguido pelos estudos de Paiva et al (2016)
quanto a transformações do cenário educacional; rompimento do modelo
tradicional; os cenários de uso das metodologias ativas de ensino-aprendi-
zagem; modalidades e estratégias de operacionalização das metodologias
ativas; benefícios do uso das metodologias ativas. Finalizando o artigo do
autor Moran (2017) que trata sobre Mudanças no contexto da educação, as
metodologias ativas na educação; modelos educacionais mais inovadores;
modelos inovadores disciplinares; ensino híbrido: equilíbrio entre a apren-
dizagem individual e a grupal; a maioria das instituições educacionais ain-
da está no século passado.
Desta forma, são apresentados para a análise três quadros de
síntese que discorrem sobre as questões secundárias que direcionam esta
pesquisa e dão suporte base para o desvelar da questão principal desse es-
tudo.
Para atender o primeiro objetivo secundário desta análise, a
primeira questão versa sobre o aporte teórico, assim, é tratada a pergun-
ta: Que autores são trazidos para o debate teórico que trata do suporte a

- 178 -
compreensão sobre as metodologias ativas? Para observação quanto a esses
achados o quadro 1: Aporte teórico base, é apresentado tratando da síntese
das principais ideias, respeitando sua colocação na linha do tempo, do me-
nor ano para o maior ano de publicação da obra apresentada pelos estudos
aqui analisados. A ideia é de também buscar uma percepção temporal das
construções teóricas propostas pelos recortes dos estudiosos da área esco-
lhidos pelos trabalhos esmiuçados.

Quadro 3 – Aporte teórico base

Autor Achados
Shön (1995) explicita as diferenças entre ações e os discursos dos
professores. Bauman (2009) e a fluidez contemporânea, incerteza
e a imprevisibilidade como palavra de ordem contemporânea.
Berbel (2011) discute sobre o oportunizar ações que motivem
Diesel et al
o aluno. Freire (2011) define a educação como a interação entre
(2015)
sujeitos históricos. Bassalobre (2013) construção de um novo
sentido ao fazer docente.
Freire (1987) apresenta o diálogo do professor com o aluno como
ação de aprendizagem mútua. Delors (2000) aborda os pilares
da educação e formação continuada. Saibt-Onge (2001) discorre
Paiva et al
acerca do saber e promoção da aprendizagem como capacidade
(2016)
particular a ser adquirida. Bordenave (2001) fala quanto ao
conteúdo do ensino que informa e dos métodos de ensino que
formam.
Almeida e Valete (2012) tratam sobre a complexidade, a
necessidade e o assustador contexto de modelos que não temos
Moran (2017) para a aprendizagem flexível na sociedade conectada. Keller-
Franco e Masseto (2012) discorre sobre o currículo por projetos
que rompem com o conservadorismo.
Fonte: Do estudo.

Observando o quadro 1: Aporte teórico base, entendemos que


a construção teórica apresentada por estes estudos versa sobre a necessi-
dade de uma nova postura do professor diante da imprevisibilidade dos
novos tempos, desta forma, se preocupa com a formação de professores.
Também, é complementada por um novo olhar sobre a aprendizagem e os
novos direcionamentos que devem ser percebidos pelos sujeitos. Assim, a
percepção fica direcionada sobre a relação dos modelos para uma aprendi-
zagem mais flexível e atual.
Para Diesel et al. (2015) parte-se da ação e discussão docente
para a construção de uma nova postura de profissional ligado aos novos
contextos e necessidades. Paiva et al (2016) trata da aprendizagem mútua

- 179 -
vivida pelo diálogo entre os sujeitos do processo de ensino e aprendizagem
e as funções de conteúdos e métodos de ensino enquanto suporte para essa
promoção. Moran (2017) tem a preocupação voltada para a complexidade
de necessidades para o novo cenário educacional e a urgência de se pen-
sar novos currículos para atender essa demanda. Desta maneira, podemos
entender que os três autores apresentam questões pertinentes e se comple-
mentam na perspectiva de tempo de suas construções.
Outra questão, tratada neste estudo, também discorre sobre os
principais teóricos trazidos como aqueles que abordam teorias que dão su-
porte às metodologias ativas, a pergunta é: Que autores são trazidos para o
debate teórico que versa sobre metodologias ativas?

Quadro 4 – Aporte teórico sobre Metodologias Ativas

Autor Achados
Dewey (1978) com a Escola Nova e o estudante como centro
do processo de ensino e aprendizagem. Shöw (1995) aborda o
professor reflexivo e o olhar atento ao aluno. Jófili (2002) a postura
do professor interfere no desenvolvimento da autonomia do
aluno. Koch (2002) afirma que o aluno precisa saber entender a
realidade. Perrenoud (2002) aborda a necessidade de os problemas
poderem ser simulados, porém precisam de saberes acadêmicos,
especializados e da experiência do professor para essa elaboração.
Anastasiou; Alves (2004) fala da interação entre os alunos. Abreu
(2009) trata dos primeiros indícios que destacam a experiência em
Diesel et al Oliveira (2010) a forma de conceber o ensinar descreve a postura
(2015) do professor, detrimento a teoria, em Rosseau (1712- 1778). Berbel
(2011) aborda a autonomia do aluno como condição essencial
para o aprendizado do aluno e o professor como intermediador.
Hengemüjle (2014) disserta sobre a necessidade de os professores
conhecerem situações problemas ligados ao conteúdo para a
aprendizagem. Medeiros (2014) e as situações de ensino que
proporcionem uma aproximação crítica do aluno com a realidade.
Borges e Alencar (2014) a alegria de ensinar do professor, a
mudança de postura não deve ser impositiva. Freire (2015) com o
pensamento autônomo, crítico-reflexivo. Moran (2015) quanto ao
papel do professor de curador e orientador.

- 180 -
Freire (1987) com o diálogo, professor e aluno como sujeitos do
processo.

Freire (2008) um olhar não simplório sobre a educação excluindo-


se apenas a transmissão de conhecimento.
Paiva et al
(2016) Berbel (1998) ideia de uma educação problematizadora na
construção de um saber significativo.

Berbel (2011) ação ativa de professores e alunos durante o processo


para uma aprendizagem significativa para os sujeitos protagonistas
da ação.
Dewey (1950), Rogers (1973), Novack (1999) e Freire (2009) tratam
Moran sobre a necessidade de superação da educação bancária, tradicional
(2017) e voltar o foco para o aluno, e que o professor possa fazer com que
ele se envolva, motive e dialogue.
Fonte: Do estudo.

Após o fechamento do quadro 2, podemos inferir que há algum


tempo se fala de uma educação para o sujeito crítico, reflexivo e autôno-
mo, ligado à relação com a experiência como movimento de facilitador
do aprendizado. Assim, a problematização em sala exercida pelo docente
relacionada aos saberes desse, auxiliam na ampliação do alcance do apren-
dizado do aluno, porém é preciso que o docente perceba sua postura e
compreensão sobre a educação como algo que ampliará as possibilidades
de aprendizado.
Quanto às metodologias ativas, Diesel et al. (2015) traz no seu
estudo a percepção dos autores quanto ao aluno como centro do processo
junto ao professor que precisa criar situações de orientação e mediação
vinculadas às práticas e saberes docentes teóricos e de experiência prática.
Paiva et al. (2016) trata do professor como sujeitos dialógicos do processo
e o papel destes para uma aprendizagem significativa. Moran (2017) fala
da superação do modelo tradicional de ensino, propondo o foco no aluno.
Para fechar as metodologias selecionadas pelos estudos são ma-
peadas como forma de responder à questão: Que metodologias são apre-
sentadas?

- 181 -
Quadro 5 – Aporte teórico sobre metodologias apresentadas

Autor Achados

Oliveira (2010) o ambiente afetivo para a aprendizagem.


Descreve as abordagens pedagógicas e as contribuições destas
Diesel et al.
para a construção das aprendizagens ativas.
(2015)
Estratégia da problematização, do Arco de Marguerez, da
aprendizagem baseada em problemas, da aprendizagem baseada
em equipes, do círculo de cultura, seminários, trabalho em
Paiva et al. pequenos grupos, relato crítico de experiência, socialização;
(2016) mesa redonda; plenárias, exposições dialogadas., debates
temáticos, oficinas, leitura comentada, apresentação de filme,
interpretações musicais, dramatizações, dinâmicas lúdico-
pedagógicas; portfólio, avaliação oral.
Modelo híbrido (CHRISTENSEN; HORN; STAKER, 2013).
Aprendizagem por meio de projetos ou problemas; aprendizado
Moran por times; escrita por meio de disciplinas; estudo de caso
(2017) (MAZUR, 2014).
Fonte: Do estudo.

Moran (2017) mudando o modelo disciplinar, redesenhando


ambientes e modificar os conceitos de sala e de espaço. Trabalhando com
problemas e com projetos, aprendizagem por pares, projetos e aula inver-
tida, projetos semestrais temáticos, disponibilização de materiais em plata-
forma on-line, jogos e as aulas roteirizadas, blended de metodologias, com
desafios, atividades, projetos, games, grupais e individuais, colaborativos e
personalizados.

Considerações finais
Podemos observar, partindo de reflexões iniciais, que poucas
são as publicações que discutem as metodologias ativas vinculadas à edu-
cação sem direcionamentos para áreas específicas, tais como saúde ou en-
genharias. O que pode nos trazer lacunas quando pensamos na formação
de professores para estas áreas, um exemplo.
Assim, observando as contribuições trazidas pelos textos estu-
dados, percebemos direcionamentos quanto a uma nova forma de se colo-
car diante dessas metodologias, a serem adotadas pelo professor, propondo
uma nova forma de olhar o aprendizado, num modelo de aprendizagem
mais flexível e atual.
Também, destacamos a preocupação com uma educação para
o despertar de um sujeito crítico, reflexivo e autônomo, levando em con-

- 182 -
sideração uma relação entre teoria e prática em que a experiência é algo a
ser valorizado e tratado. Desta maneira, o professor e seus aprendizados
profissionais ampliarão a possibilidade de ensino e aprendizado.
Pensando, também, em uma mudança que reconstrói um mo-
delo disciplinar, redesenhando ambientes e modificando os conceitos de
sala e de espaço. Observando uma dinâmica que valoriza o trabalho com
problemas e com projetos, aprendizagem por pares, projetos e aula inver-
tida, projetos semestrais temáticos, disponibilização de materiais em plata-
forma on-line, jogos e as aulas roteirizadas, blended de metodologias, com
desafios, atividades, projetos, games, grupais e individuais, colaborativos
e personalizados, tantas outras metodologias ativas que redesenham uma
nova forma de aprender no mundo e para o mundo.
Entendemos que o objetivo ora proposto foi cumprido, mas que
muitas outras questões merecem aprofundamento, como o planejamento
ou avaliação destas metodologias, vinculados a áreas didáticas para a edu-
cação com vistas ao processo de ensino e aprendizado.

Referências
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MORAN, José. Metodologias Ativas de Bolso: Como os alunos atendem
de forma ativa, simplificada e profunda. Editora Brasil: São Paulo, 2019.

- 184 -
OLHARES SOBRE O PROCESSO DE
FORMAÇÃO E IDENTIDADE DOCENTE:
UMA ARTICULAÇÃO
A PARTIR DA DIDÁTICA29
Antônia Edivaneide de Sousa Gonzaga
Antônio Marcone de Oliveira
Maria Elizângela da Penha

Introdução
Os saberes ligados à docência não se constituem apenas no pro-
cesso de formação inicial, como passaporte único ao exercício docente,
muito pelo contrário, eles são nutridos continuamente por outros saberes,
que, por sua vez, vão se constituindo e se reconstruindo na prática e a par-
tir desta.
Pensar a formação do professor de forma generalizada, despro-
vida das experiências vivenciadas nos diversos espaços de atuação, reduz
consideravelmente o seu potencial criativo, tendo em vista o fato de que é a
partir da prática que o professor se constitui como tal; é a partir do contato
direto com as diversas relações que se estabelecem em sala de aula que o
docente vai recriando as suas formas de agir e/ou interagir com as diversas
possibilidades. Essas relações evidenciam os saberes com os quais se tem
contato, tanto na formação inicial quanto no processo de formação conti-
nuada, os quais precisam ser postos em prática, refletidos e recriados nas
diversas situações vivenciadas em sala de aula (CHARLOT, 2012).
A realidade da educação brasileira, mais do que nunca, tem exi-
gido dos professores saberes que os possibilitem interagir de forma criativa
com as diversas nuances que ora se apresentam, especialmente no contexto
educacional (IZA et al., 2014). Todavia, o cenário atual, no qual se confi-
guram as mais diversas questões de ordem econômica, social e política, ao
passo que gera motivos de indignação, serve também de motivação para as
retomadas de inúmeras discussões nos espaços acadêmicos.
De acordo com Iza et al. (2014), ainda faltam espaços para a
reflexão sobre a ação docente, especialmente quando se deve pensar nas
possibilidades de mudanças relacionadas aos formatos das iniciativas de
formação docente inicial – no caso, dos cursos de licenciatura. Esses, por
sua vez, ainda não atentam para a necessidade de uma formação mais cen-
29 O presente capítulo foi apresentado inicialmente pela primeira autora deste texto no VI Encontro Inter-
nacional de Jovens Investigadores (JOIN), no período de 4 a 6 de setembro de 2019, na cidade de Salvador,
Bahia.

- 185 -
trada nas diferentes realidades com as quais o professor terá contato ao
ingressar na atividade docente.
À educação são destinadas inúmeras atribuições no tocante ao
processo de formação de seres humanos críticos, capazes de interagir e
propor soluções para os problemas e demandas da sociedade como um
todo, quer nos aspectos sociais, políticos ou econômicos (PIMENTA;
ANASTASIOU, 2014). E como chegam essas questões ao professor? Como
se preparar para interagir com essas demandas da sociedade? Que posturas
adotar frente aos inúmeros desafios postos na e pela sociedade contempo-
rânea? Quais as relações estabelecidas das práticas motivadas pelos desa-
fios e a identidade do professor?
Por essas e muitas outras questões é que se constitui priorida-
de refletir sobre a prática docente, valorizando os diversos espaços de for-
mação, quer sejam formais ou informais, não numa perspectiva de buscar
respostas definitivas, mas sobretudo de se perceber como protagonista do
processo, capaz de assumir uma postura crítica diante das diversas realida-
des com as quais se tem contato no cotidiano de sala de aula.
A presente reflexão tem como proposta estabelecer elos entre
as diversas possibilidades de abordagem acerca da formação docente, da
identidade do professor e das práticas docentes, tendo como principal sub-
sídio as discussões propostas/realizadas nas aulas da disciplina de Didática
do Ensino Superior30.

Metodologia
A proposta de escrita deste capítulo tem como motivação inicial
as reflexões geradas a partir da disciplina de Didática do Ensino Superior.
A questão norteadora que fomentou a discussão sobre a temática foi a se-
guinte: qual a importância atribuída à Didática por parte dos docentes das
diferentes áreas e quais as relações estabelecidas entre a teoria e a prática
docente?
O estudo foi realizado em dois momentos distintos: inicialmen-
te se fez o apanhado de todo o material didático e das leituras propostas
para a realização da disciplina, bem como os autores que poderiam funda-
mentar a abordagem da temática em questão; posteriormente se configura-
ram as reflexões geradas a partir das diversas situações vivenciadas em sala
de aula ao longo do semestre, compostas tanto das percepções de uma das
autoras deste escrito quanto das reflexões do grupo como um todo. Nesse
segundo momento, foram utilizados os recursos de observação direta das
30 Disciplina proposta pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação da Uni-
versidade Federal do Ceará (UFC). Teve como participantes os alunos do programa de doutorado das
diversas áreas e cursos da UFC e professores que atuam na referida instituição, também das diversas áreas
de atuação.

- 186 -
aulas, seguidos das análises das práticas de ensino utilizadas nos encontros
por ocasião da disciplina.
Para a organização deste texto, foram considerados esses dois
momentos separadamente, nos quais se fez a abordagem inicial sobre a
temática em questão com base nos autores consultados, sendo situada na
sequência a proposta geral da disciplina, seguida das reflexões geradas a
partir de cada momento específico.

Olhares sobre a formação e a identidade docente


A formação docente não deve ser entendida como um processo
que se finda com a conclusão de uma licenciatura ou outra graduação, ela
precisa ser realimentada continuamente. Nesse processo, é preciso levar
em conta os saberes distintos que constituem a identidade do professor e
que precisam ser articulados de forma dinâmica no exercício da docência.
Como assevera Pimenta (2012), a formação mobiliza diversos saberes da
docência, dentre eles, os saberes da experiência, os saberes do conheci-
mento mais específico da área de atuação e os saberes pedagógicos. Acres-
cente-se o fato de que esses saberes se articulam de modo a formar um
conhecimento uno e ao mesmo tempo complexo sobre o fazer docente,
que se dá nos diferentes contextos de formação, seja em práticas de auto-
formação, seja em práticas de formação docente mais sistemáticas ou ins-
titucionalizadas.
Outro aspecto que precisa ser considerado é que cabe ao profes-
sor, pela posição estratégica que assume no contexto pedagógico, exercer o
elo entre o saber científico/acadêmico e a sociedade contemporânea, fator
esse que tem exigido tanto saberes quanto olhares diferenciados sobre o
seu processo de formação (TARDIF, 2014).
Dessa forma, há que se ponderar sobre as formas como os sa-
beres docentes são mobilizados no cotidiano docente; que tipos de saberes
precisam ser articulados no processo de formação inicial ou continuada;
como os saberes da prática serão articulados nas propostas de formação
continuada, dentre outros aspectos.
É importante destacar inicialmente como se concebe a identidade
docente, quais os fatores que estão envolvidos quando se fala em identidade
do professor e as formas como ela se constitui. Nessa perspectiva, convém
refletir sobre a seguinte questão: como alguém se torna professor e a partir
de que momentos ou situações passa a se reconhecer como tal?

É preciso entender o conceito de identidade docente como uma


realidade que evolui e se desenvolve, tanto pessoal como coletiva-
mente. A identidade não é algo que se possua, mas sim algo que se
desenvolve durante a vida. A identidade não é um atributo fixo para

- 187 -
uma pessoa, e sim um fenômeno relacional. O desenvolvimento da
identidade acontece no terreno do intersubjetivo e se caracteriza
como um processo evolutivo, um processo de interpretação de si
mesmo como pessoa dentro de um determinado contexto (MAR-
CELO, 2009, p. 112).

Nesse sentido, alguns aspectos merecem um destaque especial,


principalmente quando se considera que a identidade docente é algo que se
constrói continuamente, em interação com os pares, tanto nos espaços de
formação quanto nos espaços de desenvolvimento das atividades docentes.
Para Nóvoa (1991), esses espaços evidenciam os saberes e a experiência
dos professores. É nesse cotidiano que o profissional da educação aprende,
desaprende, estrutura novos aprendizados, realiza descobertas e sistemati-
za novas posturas na sua “práxis”.
Corroborando essa ideia, Marcelo (2009, p. 112-114) destaca
um estudo realizado por Beijaard, Meijer e Verloop (2004), em que estes
fazem uma revisão sobre as pesquisas relacionadas à identidade docente,
elencando algumas características, resumidas a seguir:

1 A identidade profissional é um processo evolutivo de interpreta-


ção e reinterpretação de experiências, uma noção que coincide com
a ideia de que o desenvolvimento dos professores nunca para e é
visto como uma aprendizagem ao longo da vida. [...] 2 A identidade
profissional envolve tanto a pessoa, como o contexto. A identidade
profissional não é única [...]. 3 A identidade profissional docente
é composta por subidentidades mais ou menos relacionadas entre
si. Essas subidentidades têm relação com os diferentes contextos
nos quais os professores se movimentam [...]. 4 A identidade
profissional contribui para a percepção de autoeficácia, motivação,
compromisso e satisfação no trabalho dos docentes, e é um fator
importante para que se tornem bons professores. A identidade é
influenciada por aspectos pessoais, sociais e cognitivos.

A construção da identidade docente não se dá num momento


único nem de forma estanque, ela é dinâmica, condicionada aos diversos
fatores que permeiam tanto a prática como a formação do professor. Ela é
recheada de concepções e percepções sobre como se desenvolvem as ati-
vidades docentes e sobre os meios utilizados para se conseguir alcançar
os objetivos previstos e os resultados gerados a partir de cada uma dessas
ações. Desse modo, uma identidade profissional é construída:

[...] tendo como base o significado atribuído à sua profissão, prin-


cipalmente no âmbito social; na revisão constante dos significados
sociais da profissão; na revisão das tradições. Mas também com
base na reafirmação de práticas consagradas culturalmente que

- 188 -
permanecem significativas. Práticas que resistem a inovações, por-
que prenhes de saberes válidos às necessidades da realidade. Iden-
tidade que se constrói com base no confronto entre as teorias e as
práticas à luz das teorias existentes, na construção de novas teorias.
(PIMENTA; ANASTASIOU, 2014, p. 77).

A forma como cada professor(a) se vê no exercício de sua profis-


são diz muito sobre as possibilidades de desenvolvimento das suas práticas
tanto em sala de aula quanto nos espaços externos à escola. Esses aspectos
da identidade docente devem ser levados em conta, principalmente quan-
do se pensa no professor universitário, que, por sua vez, pode vir a assumir
de forma concomitante outras funções além da docência, como, por exem-
plo, o engenheiro, o advogado, o médico, o assistente social, o psicólogo,
dentre muitas outras profissões que, muitas vezes, não têm a formação es-
pecífica para a docência, mas que acabam se deparando com as exigências
advindas do magistério. Daí a necessidade de se garantir um espaço de
diálogo, tendo como objeto de estudo as práticas pedagógicas desenvol-
vidas nos diversos contextos educacionais. A interação entre professores
das diferentes áreas torna rico o debate, em que se colocam as dúvidas, as
incertezas, as dificuldades, assim como as práticas exitosas realizadas em
cada área de atuação.

O elo estabelecido entre a formação acadêmica e as práticas docentes:


quais as contribuições para a formação do professor?
O momento de ingresso na atividade docente, por vezes, é
encarado como uma ruptura do processo de formação inicial, em que o
professor recém-formado se vê diante de situações nas quais deverá agir
individualmente, sem o olhar mais próximo de outro profissional que lhe
ofereça o suporte necessário ou a segurança na realização de sua prática.
São muitas as tensões que permeiam a formação docente inicial como um
todo, considerando-se os inúmeros desafios lançados aos professores no
cotidiano de sala de aula. De acordo com a pesquisadora Bernadete Gatti
(2017), a grande dificuldade se firma na insistência em articular propos-
tas de formação arraigadas em padrões culturais diferentes dos contextos
sociais com os quais esses professores irão atuar no cotidiano das escolas.
Desse modo, “Essas tensões se colocam em função de contextos sociais e
culturais diversificados, bem como pelo desenvolvimento de novas abor-
dagens em conhecimentos científicos, artísticos e letrados e de novas for-
mas de comunicação e das tecnologias como seu suporte” (GATTI, 2017,
p. 1154).
Daí a necessidade de se articular os diversos saberes pedagógi-
cos no estabelecimento de uma rede, em que as práticas docentes sejam

- 189 -
evidenciadas não como apontamento de possíveis erros, mas como poten-
cial formativo, como busca de melhorias, como meio de pesquisa sobre as
práticas e como elas poderão ser (re)significadas no cotidiano de sala de
aula.
Ao enfatizar a importância dos saberes pedagógicos na forma-
ção continuada do professor, Pimenta (2012) destaca a necessidade de se
pensar em projetos únicos, englobando a formação inicial e a continuada.
Dessa forma, a escola e o espaço de sala de aula passariam a ser considera-
dos objetos de estudo, trazendo-se para o debate as práticas desenvolvidas
na sala de aula, na busca da articulação dos diversos saberes em jogo na
prática docente. Assim, a escola deixa de ser apenas local de trabalho, pas-
sando a ser considerada e analisada como local de formação e, ao mesmo
tempo, como objeto de estudo, em que a própria prática é analisada, re-
pensada, refeita, a partir das reflexões geradas dos diálogos sobre a prática.
Essa necessidade não se resume apenas às práticas pedagógicas
realizadas na educação básica, ela notadamente se faz presente nas práticas
ligadas ao Ensino Superior, como já relatado anteriormente, na abordagem
sobre a formação docente. Esses fatores justificam a articulação de espaços
nos quais os professores das diferentes áreas, nas situações de atuação mais
diversas, dialoguem entre si, discutam suas práticas, suas dúvidas, suas ne-
cessidades, as incertezas advindas das práticas, numa busca constante de
articulação entre a teoria e a prática docente.
Ao tratar sobre o processo de profissionalização e a forma como
essa ocorre, tendo como base os subsídios e os saberes advindos da prática,
convém destacar que:

Se assumirmos o postulado de que os professores são atores com-


petentes, sujeitos ativos, deveremos admitir que a prática deles
não é somente um espaço de aplicação de saberes provenientes da
teoria, mas também um espaço de produção de saberes específicos
oriundos dessa mesma prática (TARDIF, 2014, p. 234).

Nessa perspectiva, é importante considerar o potencial existente


nos espaços em que se garante o princípio da socialização das experiências.
Ao falar sobre suas práticas, cada professor reflete, reprograma e ressigni-
fica a sua ação, o que lhe permite pensar de forma diferenciada o seu agir
em sala de aula e as possibilidades de alcance dessas ações, mesmo fora
dela. Além disso, quando se trata de professores de diferentes áreas, podem
ocorrer aprendizagens diversas em torno não só das experiências, mas de
linguagens e saberes diferentes, que ampliam o repertório formativo do
coletivo docente e de cada um(a) em sua singularidade.

- 190 -
A disciplina Didática do Ensino Superior
O Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de
Educação da UFC oferta anualmente a disciplina Didática do Ensino Su-
perior, sob a responsabilidade da professora Bernadete de Sousa Porto. Na
edição de 2019.1, a oferta foi direcionada apenas para alunos de doutorado
e professores da UFC, através da Comunidade de Cooperação e Aprendi-
zagem Significativa (CASa)31. Assim, a disciplina contempla alunos de dou-
torado das áreas de Educação e Saúde, bem como professores da UFC que
atuam em áreas diversas, como Engenharia, Matemática, Contabilidade,
Medicina, Odontologia, Jornalismo, dentre outras. A interação entre essa
multiplicidade de áreas tem como resultado um enriquecimento nos de-
bates, em que as situações de diálogo são permeadas por uma diversidade
enorme de experiências.
A disciplina tem como objetivo geral: analisar os elementos
teórico-metodológicos, contextuais e históricos da docência no Ensino
Superior, a partir da compreensão da didática como elemento mediador
dos processos de ensino e de aprendizagem. Os encontros aconteceram no
período compreendido entre fevereiro e junho de 2019.
Na sequência, serão descritas algumas das atividades realizadas
durante a disciplina, acompanhadas de breves relatos pertinentes à sua
condução, à abordagem dos conteúdos, às percepções e às reflexões gera-
das acerca de cada uma delas.

Resultados e discussão
O primeiro encontro teve como objetivos expor as expectativas
e conceituar a Didática, debatendo desafios e perspectivas para o Ensino
Superior. Inicialmente se propôs a cada participante refletir sobre a ques-
tão: “O que é ensinar?”. Para atender a essa consigna, a resposta deveria ser
registrada, seguida de um brasão que representasse o seu lema a respei-
to do que era sugerido. Essa seria a questão norteadora para a discussão
de outras propostas, como: “Quem somos nós?”; “O que estamos fazendo
aqui?”; “Aonde queremos chegar?”. A partir desses pontos iniciais, já era
possível se perceber uma imersão nas discussões acerca do papel da do-
cência na universidade sobre os desafios encontrados na prática docente
e a configuração do Ensino Superior a partir de suas proposições. Essas
questões foram bem provocativas, fomentando não só as discussões na-
queles momentos propostos em sala de aula, mas sobretudo as reflexões
direcionadas para virem à tona no encontro seguinte.
31 A CASa é o programa de formação docente da UFC, criado em maio de 2009 pela Pró-Reitoria de
Graduação (Prograd), que busca, por meio de proposta dialógica e colaborativa, proporcionar um espaço
favorável à troca de experiências, de maneira que valorize o protagonismo e a trajetória de cada docente.
Disponível em http://www.casa.ufc.br/o-que-e-a-casa. Acesso em: 8 set. 2020.

- 191 -
O segundo encontro teve como proposta retomar a discussão
sobre os desafios da docência universitária, destacando a importância da
Didática para o Ensino Superior. Foram abordadas temáticas como: os as-
pectos que norteiam a formação docente e suas principais características; o
plano de base da Didática (relação teoria-prática, relação conteúdo-forma,
relação professor-aluno), dentre outras temáticas afins. Como síntese das
discussões realizadas nesse dia, ficou a certeza de que “na sala de aula o
que mais importa é o processo”; de que “as perguntas são portas de entrada
para a curiosidade, para buscar conhecer sobre algo”; e de que “a didática
não é lugar de certezas, mas de perguntas, de reflexão”. Essas questões fun-
damentam o entendimento da base epistemológica da Didática, das orien-
tações pedagógicas para os dias atuais, as quais recomendam ao professor
substituir o ponto final de sua aula por pontos de interrogação, de modo
a trazer aos alunos questionamentos que tenham relação direta com suas
realidades concretas (FISCHER, 2009).
O que já era perceptível desde o primeiro encontro era que a
proposta de trabalho da professora responsável pela disciplina envolvia ati-
vidades essencialmente dinâmicas e reflexivas, nas quais cada participante
se sentia convidado a interagir de uma forma muito prazerosa, natural,
o que fazia de cada momento uma grande oportunidade de construção e
reconstrução de saberes.
É importante destacar que não há a pretensão de se relatar
aqui cada aula/encontro detalhadamente, mas sim de intentar evidenciar
momentos que se configuraram como potenciais de reflexão sobre a teoria
a partir das diversas práticas postas em discussão e que, por sua vez, se
constituíram como objeto de estudo, de reflexão e consequentemente de
formação.
Nessa perspectiva, uma temática abordada foi a relação entre a
educação e a sociedade, numa tentativa de caracterizar a sociedade como
um todo e situar o papel da educação nesse contexto. Com base nessas
visões de sociedade e de educação, estabeleceu-se como objetivo também
descrever o surgimento das tendências pedagógicas a partir das visões de
sociedade e do papel da educação. Refletiu-se especialmente sobre a educa-
ção de forma mais ampla, mas também de forma mais específica, destacan-
do-se os elementos do ensino, chamando a atenção para as especificidades
da docência e dos saberes envolvidos no exercício docente (conhecimento
curricular, pedagógico e experiencial). Nesse ínterim, realizou-se a ativi-
dade denominada Grupo de Verbalização x Grupo de Observação (GV x
GO). A proposta era a discussão de duas questões: “Quais os desafios da
docência universitária?” (GV1); e “Como preparar um professor para ser
capaz de resolver os problemas levantados pelo GV1?” (GV2). A partir

- 192 -
da socialização das discussões realizadas durante a atividade mencionada,
já era inserida a abordagem sobre as concepções Redentora, Reprodutora e
Transformadora da educação, em que, a partir de uma exposição dialogada,
eram descritas características básicas de cada uma dessas concepções de
educação em paralelo com o modelo de sociedade ou com a função de cada
concepção no âmbito social.
Na sequência de outras aulas, foram abordadas características
das tendências pedagógicas, tanto as liberais quanto as progressistas. Essa
temática foi muito bem explorada, tendo em vista que a professora utilizou
estratégias diferenciadas para abordar cada bloco de tendências, propor-
cionando uma imersão maior sobre a epistemologia de cada uma delas,
descrevendo suas características e toda a abordagem realizada de forma
muito dinâmica. Exemplo disso foi a realização da atividade Painel Inte-
grado, na qual cada grupo explorou textos do educador Paulo Freire, numa
situação de diálogos muito envolventes.
As discussões em sala de aula não se prendiam aos textos su-
geridos como aporte teórico para a disciplina. Todas as atividades eram
planejadas e desenvolvidas tendo como base os textos, todavia foram pou-
quíssimos os momentos em que se prendiam à leitura destes em sala de
aula. Eram leituras realizadas previamente, fator que favoreceu a garantia
de espaços maiores para o debate em sala de aula, aspecto muito positivo,
por sinal.
Foram propostas atividades que deveriam ser realizadas em gru-
po fora do espaço de sala de aula por ocasião da abordagem dos princípios
da educação numa perspectiva progressista. Os grupos teriam de articular
meios para dialogarem entre si, montar um roteiro de apresentação sobre
os temas propostos, em que cada grupo posteriormente abordou um dos
princípios. Foi bem desafiadora a atividade, considerando-se a rotina de
cada participante diante de suas atividades cotidianas. A sugestão era que
se fizesse uso da tecnologia como recurso para a garantia dessa interlocu-
ção. Foi uma atividade muito rica, tanto em termos de participação quanto
de construção e exposição das temáticas.
Os elementos do ensino foram postos em evidência quando se
discutiu cada um deles separadamente. Inicialmente a discussão foi sobre
o planejamento, atividade mediada pela dinâmica conhecida como Phil-
lips 66, em que, num grupo de seis participantes, cada membro tinha um
tempo para falar sobre a questão apresentada (o que é planejamento, para
que planejar, como planejar, com quem planejar, etc.). Na sequência, foi
a vez dos objetivos de ensino. A atividade consistia em elaborar objetivos
de ensino de acordo com o que era solicitado nas diversas especificidades,
em que cada membro do grupo sugeria um conteúdo a ser abordado. Essa

- 193 -
atividade foi bem complicada, visto que se percebeu através dela a grande
dificuldade que se tem em elaborar objetivos, de acordo com as diversas
situações pensadas ou desenvolvidas em sala de aula.
Outra abordagem marcante foi a série de reflexões geradas a
partir da temática metodologias ativas, em que a professora, trazendo para
a sala de aula experiências realizadas por alguns professores do grupo, cha-
mava a atenção para o fato de que são necessários alguns cuidados básicos
para se dizer adepto da metodologia ativa. Da mesma forma, há que se ter
o devido cuidado ao se autodenominar “professor progressista”. Não é uma
simples técnica isolada ou uma atividade pontual que define se o professor
segue uma tendência ou outra, mas um conjunto articulado de concepções
e práticas que garantem se o aluno pode ou não ser protagonista no seu
processo de construção da aprendizagem.
A avaliação da aprendizagem foi outro elemento importante
trabalhado por ocasião da disciplina. Numa perspectiva progressista de
educação, a avaliação foi pensada, articulada e desenvolvida em consonân-
cia com as abordagens realizadas ao longo de todo o semestre. De forma
dinâmica e participativa, os integrantes do grupo eram levados a refletir
sobre o processo de construção de conhecimento e, de forma gradativa, era
possibilitado a cada discente se perceber nos processos abordados em sala
de aula, tanto com base na articulação com os teóricos estudados quanto
com base nas práticas trazidas à baila nas discussões dentro de cada temá-
tica. Dessa forma, ficavam sempre claras as funções de regulação (inicial) e
de integração (final) da avaliação, tendo como foco os processos de ensino
e de aprendizagem do grupo como um todo, não desprezando as caracte-
rísticas individuais (ZABALA, 1998).
Ao final dessa disciplina, o que se pode afirmar é que todas as
propostas de atividades realizadas no percurso de sua construção foram de
extrema importância no processo de formação docente, de modo especial
pelo fato de possibilitar a reconexão com aspectos da formação inicial, em
paralelo com as práticas desenvolvidas nos diversos contextos de exercício
docente, reconstruindo concepções e saberes a partir de cada situação vi-
venciada.

Contribuições para as futuras práticas docentes


Participar de cada momento proposto em sala de aula propor-
cionou inúmeras reflexões, trazendo para esse diálogo todas as práticas
desenvolvidas ao longo da profissão docente. Para cada situação de intera-
ção, a tentativa era a de se estabelecer um diálogo primeiro com a forma de
abordagem em sala de aula de cada uma dessas temáticas, principalmente
pelo fato de retomar as formas de desenvolver determinados conteúdos nos
diversos momentos da prática docente.

- 194 -
Um exemplo marcante dessa reflexão se deu nas diversas situa-
ções em que se discutiram as tendências pedagógicas, pela possibilidade de
rememorar os meios utilizados para a abordagem desse conteúdo, de forma
cansativa, prendendo-se tantas vezes a textos. Com isso, não se conseguia di-
namizar a aprendizagem das tendências, deixando enfadonha para os alunos
uma atividade que poderia ser tão rica e prazerosa. Daí a necessidade de sair
um pouco do ambiente de atuação, da zona de conforto, e buscar constan-
temente a formação continuada, numa tentativa de ressignificar cada práti-
ca, cada aula planejada e/ou desenvolvida, cada proposta de atividade, num
movimento de sair de si, vislumbrando a possibilidade de um olhar de fora.
No que se refere às propostas de interação com as temáticas li-
gadas ao planejamento de ensino, não foi diferente! Foram muitas as si-
tuações nas quais se percebeu a necessidade constante de aprimoramento
das práticas em sala de aula, e não somente nela. O ato de planejar e os
resultados advindos dessa ação têm ganhado a cada dia novos significados.
Certamente os planos de aula e de curso terão novos tratamentos, numa
busca constante de maior eficiência. Pensar os objetivos de cada ação pla-
nejada, estabelecer relação com os conteúdos, essa atividade jamais acon-
tecerá sem que sejam trazidos à memória as discussões e os ensinamentos
propostos nessa disciplina.

Considerações finais
Neste momento em especial, é mais forte a certeza de que a for-
mação docente não acontece apenas em situações pontuais, de que não há
situação exclusiva em que os saberes docentes são movidos na constituição
da identidade docente. Esses constituem-se e reconstituem-se de forma
constante, contínua, num processo de retomada, de reflexões da ação, en-
carando-se esta como ponto de partida para se pensar novas possibilida-
des, tanto da formação como da ação propriamente dita.
Ter a certeza de que não se nasce pronto nem se estará pronto
em momento algum faz toda a diferença nesse processo, em que a única
certeza que se tem é a de que é necessário estar continuamente na busca
de novas possibilidades, de construir e reconstruir saberes, de estar atento
às necessidades dos diversos contextos nos quais se está inserido. É preciso
ter a plena consciência da realidade e das necessidades do aluno, da obriga-
toriedade de reflexão sobre o processo de aprendizagem, das formas como
se planeja e se avalia, dos resultados esperados e dos alcançados, enfim,
de todo o contexto pedagógico, todos esses fatores fazem dos(as) profes-
sores(as) seres em processo de constantes retomadas, tanto das práticas
quanto do alcance de cada uma delas.
Por todas essas razões já expostas, reafirma-se o fato de que cada
docente está sempre em processo de construção e reconstrução da identi-

- 195 -
dade, a partir da forma como enxerga o mundo, dos olhares sobre os pro-
cessos de ensino e de aprendizagem, dos contextos sociais que num dado
momento chegam a cada sala de aula, enfim, é preciso estar em constante
movimento de construção e reconstrução da identidade docente.

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1998.

- 196 -
(TRANS)FORMAÇÃO PEDAGÓGICA:
A COLABORAÇÃO NA FORMAÇÃO DE
PROFESSORES ALFABETIZADORES NO
PROGRAMA RESIDÊNCIA PEDAGÓGICA (RP)
Aurinete Alves Nogueira
Vanessa Pinto Rodrigues Farias

Introdução
Com o objetivo de aprimorar a formação inicial, o Governo Fe-
deral, por meio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (CAPES), instituiu, mediante a portaria nº 38/2018, o Programa
Residência Pedagógica (RP), que compõe a Política Nacional de Formação
de Professores, propondo-se fazer uma reformulação do atual modelo de
estágios supervisionados (BRASIL, 2018).
O Programa foi lançado em meio a uma conjuntura de crise po-
lítica no país, recebendo críticas de várias entidades da área da educação.
Uma das preocupações era que tivesse o seu objetivo desviado para o uso
dos licenciandos como mão de obra barata nas escolas, assim como, uma
prática deslocada da reflexão teórico-crítica, assumindo outra identida-
de. Contudo, o objetivo do Projeto vai de encontro à concepção de práxis
pedagógica de Paulo Freire, e nota-se que, após dois anos de existência,
muitos licenciandos e professores têm sido auxiliados em suas formações e
transformações por meio do Programa, ou seja, considera-se que todos os
envolvidos no processo ganham, principalmente o licenciando, chamado
de residente, e o professor preceptor, que é quem o acompanha na escola-
-campo, que nesse contato tem a oportunidade de também renovar a sua
prática pedagógica.
Desse modo, este artigo tem como objetivo analisar as contri-
buições do Programa Residência Pedagógica (RP) para a formação dos
licenciando em Pedagogia e para os professores preceptores nas salas de al-
fabetização32. Para tal realizei um levantamento bibliográfico de relatos de
experiências do referido programa, como Sousa et al. (2019), SANCHES
et al. (2019), e Gonçalves, Silva e Bento (2019). Outros autores formam a
base teórica deste trabalho, como Freire (1980), Soares (2018), Ferreiro;
Palácio (2003), e ainda o Regulamento Residência Pedagógica (2018), den-
tre outros.
32 Ao citar as “salas de alfabetização” faço referência às séries iniciais do 1º, 2º e 3º ano (ciclo da alfabeti-
zação), onde infelizmente, na realidade das escolas públicas de Fortaleza, ainda encontramos crianças que
não consolidaram seu processo de alfabetização.

- 197 -
A pesquisa bibliográfica realizada utilizou-se de uma aborda-
gem qualitativa, uma vez que esta oferece condições para uma visão analí-
tica dos fenômenos estudados. Do ponto de vista desta abordagem, Kuark,
Manhães e Medeiros (2013, p. 26) afirmam “que há uma relação dinâmica
entre o mundo real e o sujeito, isto é, um vínculo indissociável entre o
mundo objetivo e a subjetividade do sujeito que não pode ser traduzido em
números”. Assim, compreende-se que a utilização desta engloba questões
particulares voltadas aos fatos sociais, o que vai ao objetivo proposto neste
gênero.

Formação de professores e Programa Residência Pedagógica (RP)


Até meados dos anos oitenta considerava-se alfabetizada a
criança que sabia escrever o nome e ler palavras compostas por sílabas ca-
nônicas (REGO, DUBEUX, 1994). Hoje, o conceito de alfabetização mu-
dou. Espera-se que o aluno tenha consciência do uso social da sua leitura.
Compreender o que leu e ser capaz de refletir sobre sua ação leitora são ati-
tudes esperadas para os novos leitores. Saber ler e escrever com eficiência
é essencial para viver numa sociedade letrada, mas saber usar esses conhe-
cimentos nas diferentes práticas sociais e nas relações entre os sujeitos são
questões fundamentais que envolvem o processo de ensino-aprendizagem.
Diante desses paradigmas não podemos deixar de respeitar a
diversidade e o tempo de aprendizagem de cada criança. No entanto, todas
precisam ser igualmente estimuladas a adquirir suas habilidades leitoras
por meio de vários recursos que o professor precisa estar apto e sensível
para ofertar a sua turma e assim esperar que cada um se reconheça como
leitor, interpretando e sabendo olhar o mundo pela ótica da leitura.
E, ainda, segundo uma fala de Magda Soares (2014, p. 34), no
I Congresso Brasileiro de Alfabetização, cujo tema foi “Os sentidos da al-
fabetização no Brasil: o que sabemos, o que fazemos e o que queremos?”:

Queremos superar nosso reiterado fracasso na alfabetização de


nossas crianças; queremos formar alfabetizadores competentes;
queremos assegurar a todos o direito à leitura e à escrita, direito
essencial para o pleno exercício da cidadania, para a conquista de
equidade social e cultural.

A formação de professores se consolida como importante pilar


na busca por uma educação de qualidade, sendo imprescindível o aperfei-
çoamento profissional dos docentes já atuantes e dos que ainda estão em
processo de formação inicial. As Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Formação Inicial de Professores para a Educação Básica, no seu artigo 6º,
inciso II e VII, reconhecem como princípios relevantes à valorização da

- 198 -
profissão docente, o fortalecimento dos saberes e práticas específicas de tal
profissão e a articulação entre a formação inicial e a formação continuada.
Os autores Farias e Rocha (2016) conceituam a formação de
professores como uma área que estuda os processos em que os profissio-
nais de educação, em formação ou em exercício, se envolvem em experiên-
cias de aprendizagens que adquirem ou aprimoram seus conhecimentos,
permitindo, dessa forma, intervir profissionalmente no desenvolvimento
do seu ensino, do seu currículo e da escola, com o intuito de melhorar a
qualidade da educação que os alunos recebem.
A universidade fomenta projetos voltados para a práxis. Para
tanto, temos o Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência
PIBID e o Programa Residência Pedagógica (RP) que são projetos que
podem ser significativos para a formação docente (BRASIL, 2019). Libâ-
neo (2004) ressalta as dificuldades de educar fora da realidade concreta,
contudo esse processo é corriqueiro no âmbito escolar. A literatura aponta
uma fragilidade nessa formação inicial, em virtude da falta desse contato
desde cedo com a vivência nos ambientes escolares. O Projeto Residência
Pedagógica tem como objetivo proporcionar a vivência dos licenciandos
na escola-campo que pode ser a oportunidade de vivenciar uma formação
mútua.

Um dos grandes desafios que os estudantes de pedagogia enfren-


tam é a dissimilitude entre a realidade que ele encontrará no está-
gio e a teoria apresentada pelos professores em sala de aula durante
o curso, considerando ainda que a prática docente na academia é
majoritariamente voltada para o embasamento teórico, e neste sen-
tido a prática do aluno é um momento de extrema importância
(SANCHES et al., 2019, p. 4).

Segundo Goulart e Sousa (2015, p. 22), “[...] os processos di-


ferenciados de formação inicial e continuada, assim como os aspectos da
história pessoal das professoras, marcam as práticas docentes”. Logo, con-
sideramos, que durante o período de imersão na escola, os licenciandos
podem manifestar inúmeras aptidões ao realizar as incontáveis interven-
ções que são possíveis no ambiente escolar. Ao efetivar essas atividades
poderão desenvolver a autonomia e realizar diversos procedimentos para
apropriarem-se do ofício de educar. Segundo o Regulamento Residência
Pedagógica, além das formações na universidade, o residente precisa rea-
lizar uma observação participativa nas salas de aula das escolas-campo e
regências sob orientação do professor preceptor, como também elaborar
planos de aula de acordo com os documentos curriculares vigentes, como
no caso específico do Ceará, o Documento Curricular Referencial do Cea-
rá (DCRC) (BRASIL, 2018).

- 199 -
Segundo Almeida e Pimenta (2014, p. 25),

O desafio para os cursos de Licenciatura é justamente o de partir do


que trazem os estudantes, o conhecimento que têm da escola por
terem sido alunos por tantos anos, para começar a olhá-la como fu-
turos professores, considerando-a como objeto de conhecimento,
passível de pesquisas, análises, interpretações e, sobretudo, como
um espaço que tem possibilidade de ser diferente, melhor.

Para tanto, Costa e Fontoura (2015, p. 164) trazem a importân-


cia da docência quando afirmam que:

O período inicial da docência não apenas significa um momento


de aprendizagem do ofício de ensinar, em função do contato com
alunos. Significa, também, um importante momento de socializa-
ção profissional, da inserção na cultura escolar, da interiorização
das normas, valores institucionais, preceitos, comportamentos,
procedimentos. Algo que se efetiva no local de trabalho do pro-
fessor e, por acontecer na escola, propicia o desenvolvimento de
competências profissionais.

Considerado inovador, o RP traz o princípio da imersão inspi-


rado na residência médica, a qual prevê a permanência contínua do esta-
giário que passa a ser denominado residente. O aluno permanece na escola
para reconhecer os determinantes dessa organização pública, deixando de
ser apenas um observador e passando a ser um agente participativo do
cotidiano escolar e protagonista de uma práxis pedagógica.
O RP se insere no âmbito da Política Nacional de Formação de
Professores. Traz como objetivo promover a imersão do aluno dos cursos
de licenciaturas na educação básica, a fim de aperfeiçoar a sua formação
docente. Diferente do estágio curricular obrigatório para os cursos de li-
cenciatura, este programa conta com encontros semanais nos quais com-
partilham suas experiências, além de uma carga horária ampliada, partici-
pando ativamente da vida escolar, que permite que os licenciandos fiquem
mais tempo nas escolas-campo participantes, aprimorando, assim, a expe-
riência docente, interagindo com professores, gestão e alunos, para além
da regência, de modo que o licenciando passa a ser chamado de residente,
assim como ocorre nos cursos de medicina. Para tal, todos os envolvidos
no processo recebem uma bolsa, contemplados por meio de edital. Os resi-
dentes recebem bolsa no valor de R$ 400,00 (quatrocentos reais); o Coor-
denador Institucional das Instituições de Ensino Superior (IES) recebe R$
1.500,00 (um mil e quinhentos reais); Docente Orientador, R$ 1.400,00
(um mil e quatrocentos reais); e o Preceptor R$ 765,00 (setecentos e ses-
senta e cinco reais) (BRASIL, 2019) (BRASIL, 2018).

- 200 -
Ressalta-se que diferente da bolsa PIDID, destinada a alunos
dos cursos de licenciatura até o quarto semestre, a RP é destinada aos que
estão na segunda metade do curso ou quinto semestre em diante. Antes
de iniciar a sua atuação na escola-campo, o residente passa por dois meses
de formação inicial na própria faculdade. Na práxis, passa quatro meses
de observação participativa na escola, um período de dez meses de parti-
cipação e regência e dois meses para o relatório final e avaliação. Durante
todas essas etapas, inclusive as de participação dos licenciandos na escola-
-campo, poderão ser superadas muitas problemáticas do processo de en-
sino-aprendizagem e poderá ocorrer uma reflexão crítica e de articulação
teórico-prática sobre o fenômeno educativo (BRASIL, 2019).
Ao serem inseridos em contato direto com profissionais da edu-
cação e alfabetizadores experientes, os docentes e os licenciandos promo-
vem uma troca de saberes. Nesse sentido, a escola pode ser um espaço
formativo tão importante quanto aquele que se tem na universidade. A
escola sempre foi objeto de estudo na universidade, por isso a importância
de assumir esse protagonismo. O olhar da escola onde as coisas acontecem
e os professores assumindo o papel principal ao falar sobre as suas expe-
riências.
Ferreiro e Palácio (2003) reforçam que a escola é esse ambiente
que oportuniza vários momentos de convivência que podem estimular e
fazer desabrochar práticas leitoras. A presença dos residentes na sala de
aula das séries iniciais é uma possibilidade de ajuda para um atendimento
mais individualizado para as crianças com hipóteses de escrita diferentes
da maioria da turma. Esse contato com os alunos que precisam avançar na
leitura e escrita pode ser uma oportunidade de trazer para a prática o que
se estuda sobre o processo de aprendizagem da escrita na vida das crianças.

A colaboração entre preceptores e residentes nas salas de alfabetização


Sanches et al. (2019) relatam a experiência do primeiro ano da
aplicação do RP nas instituições parceiras Universidade Estadual de Lon-
drina e Colégio de Aplicação Campus UEL Colégio Professor José Aloísio
Aragão, analisando que a imersão na escola-campo possibilitou pensar nas
ações de regência desde a observação da turma, identificando suas neces-
sidades específicas para a formulação de um plano de aula, organização de
recursos, até a realização da aula. Nesse contexto, relatam que o trabalho
do residente em parceria com as professoras regentes aconteciam desde o
planejamento, no qual as regentes da sala realizavam apontamentos neces-
sários, até a regência, na qual observavam, não no sentido de julgar, mas
de colaborar na formação dos residentes, dialogando com estes a respeito
dos aspectos que poderiam ser melhorados. Além disso, destacam que a

- 201 -
experiência de imersão-regência permitiu suprir, em alguma medida, as la-
cunas referentes aos momentos de prática no currículo, considerado pelos
autores como majoritariamente teórico.
Gonçalves, Silva e Bento (2019) concordam que o distancia-
mento entre os discursos acadêmicos e as ações que acontecem no chão da
escola é um importante obstáculo a ser superado na estrutura curricular e
organização dos cursos de licenciaturas. Nesse sentido, consideram que o
RP “exerce um papel fundamental na qualificação da educação, o mesmo
aproxima teoria da prática, ou seja, fazendo com que os graduandos vão
até a escola campo, todos que estão envolvidos no processo adquiram co-
nhecimento por meio da troca de experiências” (GONÇALVES; SILVA;
BENTO, 2019, p. 681).
Ainda segundo eles, o PR tem o potencial de transformar não
só o espaço de aprendizagem do residente, mas também nas escolas parti-
cipantes do município de Penaforte-CE, de onde localizam suas experiên-
cias. Destacam ainda a proposta inovadora de trabalho em equipe entre
professores que permite a transformação da prática docente, pois tanto o
professor formando quanto o já formado passam a realizar as suas ações
de forma crítica e reflexiva. Diante disso, acrescento que, de fato, muitas
vezes, por diversos motivos inerentes à profissão, o professor desanima,
passando a não se importar tanto o exercício da docência crítica e reflexiva.
No entanto, quando chega um licenciando com aquele brilho no olhar de
quem tem ânsia de ensinar é como se este se visse no espelho e lembrasse
dos motivos pelos quais tornou-se professor. No caso da experiência rela-
tada, os autores concluem que a colaboração entre preceptores e residentes,
naquela localidade, foi formadora para ambos os lados, pois enquanto os
primeiros mediavam o conhecimento prático para os outros estes também
passaram a pensava em estratégias para minimizar as dificuldades encon-
tradas em sala de aula.

Os professores das escolas-campo transmitem a experiência faz


com que o residente rompa a intimidade da sala de aula e da escola
nos aspectos referentes aos seus espaços de trabalho para conviver
com aprendizes que alteram suas rotinas em alguns momentos e
que passam a integrá-las em outros. O contato inicial entre for-
mador e residente é superado pela dinâmica do trabalho na classe
e pela ação de colaboração que se desenvolve. Essa aproximação e
interação são facilitadas pela imersão do residente que acompanha
atentamente o trabalho do professor, na qualidade de colaborador
aprendiz, que tem como objetivo elaborar estratégias juntamente
com todos envolvidos, para que as dificuldades encontradas em
sala de aula sejam minimizadas (GONÇALVES; SILVA; BENTO,
2019, p. 680).

- 202 -
Sousa et al. (2019) também relatam suas experiências com o RP,
realizadas no âmbito da Educação Física, mas que podem ocorrer nas de-
mais licenciaturas. Ao realizar uma pesquisa que analisa a percepção das
professoras preceptoras a respeito do Programa, identificamos relatos que
confirmam, de certa forma, a hipótese que tínhamos com relação a trans-
formação das ações deste professor. Uma das entrevistadas, ao ser questio-
nada como se percebia na condição de preceptora, responde que, sentiu-se
privilegiada, pois “[...] com o passar dos anos, há um relaxamento natural
e, com a chegada dos residentes- motivados, acaba por motivá-los tam-
bém, fazendo com que procurem evoluir seus conhecimentos e metodolo-
gia” (p. 31589). Diante disso, os autores analisam que:

Quanto aos preceptores, estes se percebem como responsáveis em


relação a demonstrar aos acadêmicos/residentes, a importância
que estes têm e terão futuramente para com seus futuros alunos,
no campo profissional. Veem ainda o Residência como uma ferra-
menta para melhoria do próprio trabalho deles, pois retiram-nos
de possíveis acomodações e relaxamentos, buscando assim dar
exemplo para os residentes e, futuros profissionais (SOUSA et. al.,
2019, p. 31590).

Conclui-se, a partir das experiências apresentadas, que o RP


tem se revelado como uma oportunidade de aliar teoria e prática ainda du-
rante a formação, algo muito importante nos cursos de licenciaturas, prin-
cipalmente para os professores alfabetizadores que atuarão em uma das
fases mais importantes do desenvolvimento humana, na qual tornar-se-ão
mediadores no processo de aquisição da leitura e da escrita, o que será a
base para conhecimentos futuros desses sujeitos. Mas, para isso, eles pre-
cisarão muito mais que os conhecimentos teóricos aprendidos nos cursos
de pedagogia. Para cativar o seu público, que é exigente, precisarão desen-
volver outros saberes que são construídos na prática docente, no contato
com as crianças e nas trocas com outros professores alfabetizadores. Daí a
relevância e inovação do Programa Residência Pedagógica.

Considerações finais
Por considerar a relevância das experiências por meio de estra-
tégias colaborativas de ensino, onde professores preceptores e licencian-
dos realizam trocas de aprendizados com vistas a contemplar as diferentes
formas de ensinar e aprender, esta pesquisa teve como objetivo analisar
as contribuições do Programa de Residência Pedagógica na formação dos
licenciando de pedagogia e também na transformação ou renovação da
prática do professor preceptor.

- 203 -
Diante dos casos observados em diálogo com o referencial teó-
rico elucidado, a pesquisa constatou a relevância das experiências no que
se refere ao aprendizado, no qual a alfabetização se consolida buscando
uma co-construção de práticas pedagógicas inovadoras e interdisciplina-
res. Além disso, verificou-se que a imersão na escola pública pode ser um
salto na formação dos licenciandos que atuam nas séries iniciais com prá-
ticas alfabetizadoras, a fim de caminharmos na direção de compreender se
a questão do baixo rendimento na alfabetização pode ter origem na forma-
ção dos professores.
Finalmente, considera-se que o ensino e a aprendizagem acon-
tece em via de mão dupla, por meio de estratégias colaborativas de ensino,
onde preceptores e licenciandos realizam trocas de aprendizados com vis-
tas a contemplar as diferentes formas de ensinar e aprender, além de ser
um processo contínuo e inacabado, assim como são os seres humanos e a
realidade concreta. Logo, “A educação é, deste modo, continuamente refei-
ta pela práxis. Para ser, deve chegar a ser” (FREIRE, 1980, p. 81).

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- 205 -
- 206 -
CAPÍTULO IV

TECNOLOGIAS EDUCACIONAIS E
EXPERIÊNCIAS NO ENSINO REMOTO

- 207 -
- 208 -
MOBILE LEARNING: O SMARTPHONE
COMO FERRAMENTA DE APRENDIZADO E
TREINAMENTO CORPORATIVO
Francisco Jaques Morais de Oliveira

Introdução
A forte presença das tecnologias móveis traz inúmeras possibi-
lidades para nosso dia a dia, como o rápido desenvolvimento tecnológico
que está acontecendo sobre o potencial dos dispositivos móveis (Wi-Fi e
4G), junto com suas potencialidades originais já reconhecidas, como re-
cursos técnicos para o aprendizado. Na sociedade digital em que vivemos,
com a crescente portabilidade e a redução de custos de produtos e serviços,
os dispositivos móveis estão cada vez mais presentes na vida das pessoas
(BATISTA; BARCELOS, 2013).
Com a larga utilização dos smartphones, o mobile learning se
torna um elemento importante na aprendizagem, tanto de alunos, de esco-
las e universidades, como de funcionários de empresas que precisam pas-
sar por cursos de qualificação e/ou cursos de “reciclagem”. A flexibilidade
que a tecnologia mobile através dos smartphones oferece está sendo am-
plamente utilizada pelas pessoas para satisfazer suas necessidades variadas,
e o cenário não é muito diferente quando se trata da aprendizagem.
Para Lima Junior (2012), nas últimas décadas a sociedade
contemporânea absorveu as Tecnologias de Informação e Comunicação
(TICs) em todos os seus segmentos. Isso fortalece uma abordagem de ensi-
no voltada para as plataformas de tecnologia da informação e, mais especi-
ficamente, para a plataforma mobile na utilização de smartphones.
A qualidade das tecnologias de conectividade apresentadas nos
smartphones atualmente, o aumento das redes de cobertura das operado-
ras disponibilizando o acesso à Internet e a Wi-Fi-zones, possibilitando a
aproximação com conteúdos em qualquer lugar e em qualquer momento,
vem consolidando o mobile learning como grande ferramenta de acesso ao
conhecimento e à qualificação.
Para uma sociedade que busca diminuir as desigualdades entre
as pessoas dos vários níveis sociais, o ensino e a educação são de extre-
ma importância, sendo indispensáveis para esse objetivo. A utilização de
smartphones para possibilitar e facilitar o acesso ao ensino é ferramenta
cada vez mais importante nos dias atuais.
O objetivo deste artigo é apresentar um estudo sobre a utilização
de smartphones como ferramenta de aprendizagem que se consolida como

- 209 -
indispensável no aprendizado moderno de jovens e adultos, tanto nas es-
colas como no ambiente corporativo.

A utilização do smartphone na sala de aula


É inegável o crescimento das tecnologias móveis no cotidiano
das pessoas. Segundo a Agência Nacional de Telecomunicações (ANA-
TEL), o pico de quantidade de acessos do mercado foi no segundo trimes-
tre de 2015, com 283,4 milhões de acessos, terminando o ano de 2015 com
257,7 milhões.
Em um toque, as informações são acessadas em velocidades
cada vez maiores. Os aplicativos facilitam a vida das pessoas de tal for-
ma que essas tecnologias estão adentrando os portões das instituições de
ensino, seja elas da educação básica ou educação superior (BERNARDO,
2013). Nesse sentido:

O sistema educacional tem um grande desafio pela frente, encami-


nhar os jovens ao uso consciente e inserir veemente esta tecnologia
ao cotidiano das escolas, utilizado como eficaz recurso pedagógico
moldado na confiança e na ética por parte dos alunos e professores
(SOARES, 2015).

Tratar o smartphone como ferramenta educacional diante da


verificação de sua presença entre os alunos dos ensinos fundamental e mé-
dio tem se mostrado como uma estratégia agregadora de valor ao ensino
nas escolas. Outro fato que deve ser levado em consideração é que a maio-
ria dos:

[…] estudantes possuírem seus próprios aparelhos, proporciona


aos mesmos uma maneira de inserir a Ciência em sua realidade, e
oportuniza que estes repitam a experiência de maneira autônoma
no exterior da escola, possibilitando novas descobertas e dissemi-
nando o conhecimento entre seus pares, além de divulgar o conhe-
cimento construído em suas redes sociais (ROCHA et al. 2012).

O smartphone, por estar inserido no dia a dia dos estudantes,


torna acessível inúmeras ferramentas através da instalação de aplicativos
que permitem a realização de algumas experiências que normalmente só
poderiam ser realizadas em laboratórios. Tornar possível o acesso restrito,
por parte de muitas escolas, em acesso rápido e fácil através do smartpho-
ne, transforma-o em ferramenta indispensável nos dias atuais e futuros, já
que esses aparelhos são extremamente familiares para os alunos da educa-
ção básica do nosso país.
Para Moran, Masetto e Behrens (2000), “A construção do co-
nhecimento, a partir do processamento multimídia é mais livre, menos rí-

- 210 -
gida, com maior abertura, passa pelo sensorial, emocional e pelo racional”.
Utilizar o smartphone, que faz parte do cotidiano dos jovens, permite a
realização de tarefas e pesquisas, bem como o compartilhamento dos resul-
tados alcançados e de conhecimentos com os colegas de maneira natural
e sem dificuldades, permitindo um nível de integração elevado entre os
professores e alunos.
A possibilidade de fazer anotações no dispositivo móvel e a so-
cialização das anotações através de algum sistema de mural eletrônico tem
sido apontada como uma vantagem ímpar desse tipo de equipamento, tal
como destacado na pesquisa desenvolvida por Fischer (2007). Aplicati-
vos de chat, como o WhatsApp, Facebook Messenger e Skype, permitem
a troca instantânea de conhecimentos, dúvidas e perguntas que podem ser
respondidas imediatamente pelos professores, bem como possibilitam a
criação de salas ou grupos de conversas, proporcionando um alto nível de
integração.
Portabilidade, interatividade, sensibilidade ao contexto, conec-
tividade e individualidade sinalizam as condições favoráveis para que os
educadores estudem e desenvolvam abordagens de ensino que incluam
aplicações desses dispositivos na escola.
Um outro exemplo de aplicabilidade do smartphone é a possi-
bilidade de transformá-lo em uma biblioteca digital através da instalação
de um aplicativo. Dessa forma, o estudante pode ter acesso a inúmeros
livros digitais sem a necessidade de dispor de recursos financeiros para
tal. Iniciativas como o Projeto Gutemberg disponibiliza milhares de títulos
gratuitamente, dos mais variados temas, em língua portuguesa, incluindo
áudio books, o que permite que se ouça o conteúdo do livro enquanto se
realiza o trajeto de um lugar para outro, otimizando o período de apren-
dizagem.
Existem, ainda, outras metodologias comuns ao mobile lear-
ning, tais como:
• Videoaulas: gravadas em estúdio, geralmente de curta du-
ração, especialmente para o consumo em telas menores e em
pequenos intervalos de tempo. O fornecedor poderá disponi-
bilizá-las apenas on-line, o que limita o acesso, ou em modo
off-line.
• Aplicativos: desenvolvidos sob medida para dispositivos mó-
veis, podem combinar questionários interativos, conteúdo mul-
timídia e mecanismos de interação entre os usuários.
• Gamificação: jogos digitais completamente voltados à educa-
ção, que aproveitam mecanismos diversos, como personagens,
pontuação, prêmios e níveis de dificuldade, a fim de dinamizar

- 211 -
o processo de aprendizagem.
• Livros digitais: podem ser simples arquivos estáticos em
formato PDF ou explorar ao máximo os recursos multimídia
disponíveis em dispositivos móveis, incluindo a leitura, vídeos,
áudios, etc.
• Cursos e-learning: treinamentos desenvolvidos de acordo
com padrões de mobilidade, como adaptação a telas pequenas,
que funcionam a partir de ambiente virtual de aprendizagem,
também otimizado para mobile.
• Redes sociais acadêmicas: disponíveis em dispositivos mó-
veis por meio de aplicativos, possuem funcionalidades seme-
lhantes a esses, mas com foco principal na interação entre os
usuários.

Treinamento no ambiente corporativo utilizando mobile learning


Geddes (2004, p.1) define o m-learning (mobile learning) ou
aprendizagem com mobilidade como a “[...] aquisição de conhecimento
e habilidades por meio de tecnologia móvel em qualquer lugar e em qual-
quer tempo”. Tendo isso em mente, vê-se uma grande utilidade do mobile
learning também no ambiente corporativo.

A aprendizagem com Mobile Learning cumpre um papel importan-


te no próprio desenvolvimento dos métodos educativos, enquanto
seu advento é pauta de discussões das várias ciências, como as da
psicologia e as ciências da computação, por exemplo, que encaram
uma nova forma de relação entre indivíduos aprendizes e aprendi-
zado (CARVALHO, 2016).

Nos dias atuais as organizações se encontram em um ambiente


de mudanças rápidas e constantes, e por esse motivo se faz necessária uma
abordagem de aprendizado rápida e constante para o desenvolvimento de
competências fundamentais para o desenvolvimento do negócio. Nesse
contexto, o desenvolvimento de lideranças representa uma demanda ne-
cessária e uma das mais importantes em empresas que buscam expansão,
especialmente para aquelas que atuam em multisites, pois precisam disse-
minar sua cultura, gerir suas unidades, seguindo, para isso, um padrão e
uma estratégia comum em diferentes locais.

Os principais programas que têm demandado ações de educação


a distância estão especialmente ligados às áreas de serviços e aten-
dimento. Por exemplo, o varejo tem uma preocupação grande em
relação à qualidade em todos seus serviços, desde o supervisor da
operação até o profissional da limpeza e manutenção e isso deman-

- 212 -
da um programa de treinamento bem complexo em termos de qua-
lidade e atendimento, de modo que são trabalhadas ações mistas de
programas presenciais e à distância para atingir todo mundo. Tra-
dicionalmente a educação a distância é aplicada para o pessoal de
vendas, marketing e assistência técnica, mas tem havido um cresci-
mento nos investimentos na área de serviços (CARVALHO, 2016).

Com o tempo ficando cada vez menor, e os trajetos e desloca-


mentos de casa para o trabalho ficando cada vez mais demorados, a mobile
learnig vem ganhando papel de protagonista também nos treinamentos
corporativos.
A educação corporativa se estabeleceu no mercado para aten-
der à expectativa de vencer a concorrência com estratégias sustentáveis e
econômicas. Os prazos para alcançar as metas organizacionais estão mais
curtos porque as transformações são quase instantâneas.
A educação formal está saindo do espaço físico da sala de aula
para ocupar espaços virtuais. A figura do professor como centro da in-
formação passou a incorporar novos papéis, como mediador, facilitador,
tutor, gestor e estimulador, por influência da dinâmica interativa que as
TICs proporcionam às relações pessoais.
De acordo com Fernandes (2013), “[...] um dos espaços onde
a educação mais cresce é nas empresas. A Educação Corporativa ganha
presença forte e intensa dentro das organizações, que saíram na frente no
e-learning”.
Dentro desse cenário, a utilização de smartphones se faz neces-
sária por permitir acesso de forma rápida a conteúdos de ensino, uma vez
que a demanda por conhecimento aumenta na mesma proporção em que
o tempo diminui para adquirir-se novos saberes necessários para o desen-
volvimento profissional no ambiente corporativo.

O conhecimento está presente no mundo desde o surgimento do


homem. Uma das primeiras sociedades foi a agrícola, quando da
terra vinha a fonte de riqueza e o valor do homem era medido pela
força. A sociedade industrial tinha como base as máquinas, trans-
porte, energia e o Estado era o principal interventor da economia.
A sociedade do conhecimento tem a tecnologia e a informação
como alicerces. E concomitante a ela, caminha a sociedade da luz
que aborda e incentiva o uso dos recursos renováveis encontrados
na natureza (FERNANDES, 2013).

O ambiente corporativo, cada vez mais, exige profissionais mui-


to qualificados que possam desempenhar funções multidisciplinares. Esses
profissionais não são encontrados facilmente, o que obriga as empresas a
investirem na qualificação dos mesmos. Segundo Fernandes (2013), “A so-

- 213 -
ciedade do conhecimento demanda profissionais mais capacitados e mul-
tiespecializados em técnicas que, em muitos casos, não são formados em
instituições de ensino superior”.
Assim, torna-se necessária uma ferramenta que possibilite a
multiplicação de conhecimentos dentro das empresas. O aprendizado
móvel por suas características de mobilidade e fácil acesso à informação
e educação permite que profissionais adquiram qualificação em mais de
uma área sem comprometer os horários das funções já desempenhadas
pelo profissional. Ter um quadro de profissionais qualificados e multidisci-
plinares acaba sendo um diferencial competitivo.
Outro desafio é construir a cultura do conhecimento, pois os
departamentos de gestão de pessoas devem ter profissionais que sejam
agentes de aprendizado e consultores em desempenho. Administrar re-
sultados é mais um desafio para essa gestão, porque é preciso planejar a
melhor forma de gerir o conhecimento com economia e documentar o
retorno do investimento.
Fernandes (2013) sugere que “As competências técnicas, com-
portamentais e críticas precisam ser desenvolvidas para que o colaborador
esteja apto a entender as constantes mudanças na sociedade, às necessida-
des dos clientes e do público e os objetivos estratégicos da empresa”.

Análise dos resultados


A adoção de tecnologias móveis no aprendizado e qualificação
são extremamente necessárias nos dias atuais e no futuro.
Permitir que jovens tenham acesso à educação e experiências
científicas que não poderiam realizar sem a utilização do smartphone traz
muitas possibilidades para o ensino o ensino fundamental e médio.
Reproduzir experiências realizadas nas escolas, compartilhar
resultados e tirar dúvidas de maneira rápida por meio do smartphone con-
tribui para a promoção da integração professor-aluno e garante uma inclu-
são maior e incentivo à ciência.
No ambiente corporativo, a possiblidade de qualificação cons-
tante através da adoção do aprendizado móvel elevou o grau de competi-
tividade das empresas, sendo possível ter colaboradores com qualificação
constante e atualizada, elevando o nível de serviços prestados.

Conclusões
Este artigo buscou compreender a utilização do mobile learning
smartphone nas escolas e em ambientes corporativos, uma vez que esse
dispositivo móvel pode ser utilizado para a difusão do conhecimento e a
qualificação profissional.

- 214 -
O mobile learning tem se estabelecido como uma ferramenta de
difusão do conhecimento cada vez mais necessária nos dias atuas. Mostra-
-se como essencial para um futuro próximo, já que a popularização de tec-
nologias e a redução dos preços de dispositivos móveis aumentam o alcan-
ce do aprendizado móvel na sociedade como um todo. Seja no ambiente
escolar seja no ambiente corporativo, o aprendizado móvel se mostra como
diferencial favorável à qualificação e ao aprendizado.
Nas escolas, a utilização de aplicativos para a realização de ex-
periências pode prender a atenção de alunos que, com um smartphone
em mãos, podem reproduzir a experiência fora da escola e compartilhar o
conhecimento com colegas e amigos.
O ambiente corporativo também se beneficia grandemente com
a utilização do mobile learning através do smartphone, uma vez que a ne-
cessidade de qualificação de colaboradores de forma rápida para a obten-
ção de resultados também de forma rápida e de qualidade pode ser alcan-
çada através do dispositivo móvel.
Por fim, conclui-se que o aprendizado móvel caminha para um
estado de consolidação com o desenvolvimento constante de tecnologias
e adoção crescente por escolas e por ambientes corporativos, sendo um
caminho sem retorno, já que os resultados são extremamente favoráveis
para todos os envolvidos.

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smartphone como ferramenta pedagógica. Disponível em: https://eventos.
set.edu.br/index.php/enfope/article/view/2531. Acesso em: 05 maio 2020.

- 216 -
EDUCAÇÃO EM TEMPOS DE PANDEMIA:
AS REDES SOCIAIS COMO INSTRUMENTOS
PEDAGÓGICOS DE COMUNICAÇÃO ENTRE
ALUNOS, FAMÍLIAS E ESCOLAS
Karyanne Moreira da Silva Nogueira Rosa
Keyllyanne Desterro Cardoso
Suzana Andréia Santos Coutinho

Introdução
Neste artigo, teceremos alguns diálogos sobre a trajetória do-
cente na educação da rede municipal de São Luís – MA no período da
pandemia. Muitos foram e continuam sendo os desafios encontrados, vi-
vencia-se momentos de grandes aprendizagens, descobertas e um leque de
possibilidades no contexto escolar, além do compromisso social e político
no ato de educar.
Inicialmente elenca-se alguns desafios da pandemia no contex-
to educacional da rede pública de São Luís – MA, em uma perspectiva
enquanto professoras pertencentes ao sistema abordando alguns aspectos
legais que permeiam as tomadas de decisões da Secretaria Municipal de
educação (SEMED). Posteriormente, destaca-se algumas das estratégias
remotas de ensino por meio das diretrizes formuladas pela SEMED, para
orientação pedagógica das escolas, por meio de possibilidades de ativida-
des remotas virtuais, bem como impressas, para que as famílias que não
têm acesso à internet possam ser contempladas no mês de agosto.
Sabe-se que ainda não é o ideal a ser feito para educação, mas é
preciso compreender que a escola tem um importante papel social na vida
do indivíduo, além de ser responsável por educação igualitária para todos.
Por fim, destaca-se a importância de muitos outros diálogos que possam
nos conduzir para as múltiplas possibilidades de caminhos que a escola
poderá traçar nesse contexto de pandemia.

Os desafios da pandemia no contexto educacional da rede pública de


ensino de São Luís – MA
É notório que muitas escolas brasileiras, públicas e privadas,
foram forçadas a se adaptarem pedagogicamente a esse período de
isolamento social e esvaziamento escolar. Na rede de ensino pública de São
Luís – MA não foi diferente. No dia 23 de março de 2020, foi decretado
estado de calamidade pública no município, por meio do Decreto
Municipal nº 54.936.

- 217 -
Em meio a esse caos sanitário, vivencia-se uma troca de Mi-
nistros da Educação, no que se refere ao Governo Federal, e devido a um
“abandono político” da instância federal instaurado no Ministério da Edu-
cação (MEC), muitos Estados e seus governantes buscaram as estratégias
possíveis para se organizar com ações de combate ao coronavírus.
No âmbito federal, foi homologado o Parecer do Conselho
Nacional de Educação CNE – CP nº 5, de 28 de abril de 2020, que trata
sobre reorganização do calendário escolar e a possibilidade de cômputo
de atividades não presenciais para fins de cumprimento da carga horária
mínima anual, em razão da Pandemia da Covid-19 (BRASIL, 2020a). Uma
flexibilização de dias letivos (os duzentos dias mínimos) e uma fixação das
oitocentas horas mínimas não possibilita uma reorganização do calendário
escolar, se analisar que para cada dia letivo soma-se quatro horas diárias.
Portanto, a flexibilização deste modo só se daria se fosse relacionada tanto
aos dias letivos quanto a carga horária mínima anual.
Dessa maneira, o ano letivo de cada realidade escolar não será
computado dentro de um ano civil, sendo necessário um calendário esco-
lar estendido e adaptado. Após o parecer citado anteriormente, foi apro-
vado o Parecer CNE/CP nº 11/2020 no dia 07 de julho, com orientações
educacionais para realização de aulas e atividades pedagógicas presenciais
e não presenciais (BRASIL, 2020b).
E, diante de pareceres, decretos e demais dispositivos legais, a
escola foi bombardeada por inúmeras nomenclaturas da era digital: ensi-
no híbrido, aulas remotas, videoaulas, aulas assíncronas e aulas síncronas,
reuniões pelo Google Meet, plataformas digitais, Google Classroom e tan-
tas outras possibilidades que a tecnologia propicia para estreitamento dos
vínculos e distância. Mas, nesse movimento de contingência e transforma-
ções, reflete-se: o espaço escolar foi um local legítimo de formação para
desenvolvimento de competências e habilidades docentes relacionadas às
mídias e tecnologias da informação? Como mediadores do conhecimento,
busca-se apropriar-se didaticamente desses artefatos tecnoculturais?
Dessa forma, diante dessas indagações retóricas, reflete-se
a necessidade de investimentos em políticas de governo que atendam a
essa realidade tecnológica acentuada por um contexto de desigualdade e
atenuada por esta pandemia vivenciada no presente ano. Soares e Santos
(2012, p. 310) destacam que:

A integração ao mundo tecnológico, midiático e informacional im-


põe-se como uma exigência quase universal, embora se venha rea-
lizando de forma desigual, e até mesmo marginal, conforme as di-
ferenças sociais, econômicas, políticas e culturais entre regiões do
país e do planeta, entre grupos sociais e entre indivíduos. Em con-

- 218 -
sequência e apesar disso, essa integração vem se realizando tam-
bém por meio das práticas cotidianas de professores e alunos, em
consonância ou não com projetos singulares das escolas e com as
políticas públicas para educação. Dessa forma, consideramos que
o acesso aos artefatos tecnológicos, especialmente os relacionados
às indústrias da comunicação e da informação é, ao mesmo tempo,
uma exigência e um direito daqueles que praticam educação. Mais
do que refutar a intrusão desses artefatos nas escolas, cabe-nos in-
dagar o que estamos fazendo e o que vamos fazer com eles.

Quando se reflete sobre o cenário educacional referente às Tec-


nologias da Educação e Informação e a utilização das mídias, percebe-se a
fragilidade enquanto docentes em compreender e saber as técnicas de uti-
lização. Alguns professores, carecem de conhecimento sobre as TICs, não
tem um acesso livre de internet, a sociedade em geral não tem esse acesso,
e muitos alunos acabam ficando excluídos desse processo.
Diante desse contexto tecnológico e sanitário, no que concer-
ne a pandemia no município, a SEMED convocou a equipe pedagógica
composta por docentes coordenadores pedagógicos, apoio pedagógico e
cuidadores, das Unidades de educação Básica da Rede, para retornarem as
suas funções, em caráter não presencial, para realização de estudos, forma-
ção continuada, planejamento pedagógico e construção de estratégias de
ensino remoto na rede.
Como profissionais da educação e diante deste cenário, somos
desafiados a pensar em estratégias pedagógicas fora da escola, a proporcio-
nar vínculos e conhecimentos antes mediados no ambiente escolar dentro
de um espaço e “tempo tecnológico e fisicamente distantes dos estudan-
tes”; a buscar por meio próprios, recursos que possibilite a prática docente.
Prática que há tempos é discutida nas literaturas de formação de professo-
res como dinâmica, que deve ser repensada e ressignificada... A pandemia
nos obrigou a fazer essa transformação. Agora, o que conhecíamos como
prática pedagógica, deve ser repensada dentro e fora da escola, em outros
espaços e tempos, em outros formatos, pelos quais ainda nos restam muitas
dúvidas e desafios.

As estratégias de ensino remoto na Rede Municipal de São Luís – MA


Diante do contexto atual que acomete o país, por meio da pan-
demia do COVID 19 (Coronavírus) houve a necessidade de reestruturação
no sistema educacional no tocante processo ensino aprendizagem, o qual
teve que se apropriar de novas práticas pedagógicas para continuidade do
ano letivo nas escolas públicas e privadas. Essa apropriação de novas ações
pedagógicas fez com que a SEMED, organizasse metodologias de ensino
remoto como instrumento pedagógico para subsidiar o trabalho educativo
nas escolas. Sobre isso, Moran (2012, p. 13) aduz:

- 219 -
[...] o uso das TIC na escola auxilia na promoção social da cultura,
das normas e tradições do grupo, ao mesmo tempo, é desenvolvi-
do um processo pessoal que envolve estilo, aptidão, motivação. A
exploração das imagens, sons e movimentos simultâneos ensejam
aos alunos e professores oportunidades de interação e produção
de saberes.

Como bem salientado pelo autor acima as TICS têm um pa-


pel significativo na aprendizagem dos alunos e consequentemente em um
aprimoramento da prática educativa do docente possibilitando a ambos
uma construção do conhecimento baseado por uma ferramenta de ensino
atual e de acordo com os novos avanços tecnológicos na educação.
Para esta discussão faz-se necessário apropriar-se de concep-
ções teóricas referentes às Tecnologias da Informação e Comunicação se-
gundo alguns autores como apresentaremos a seguir: Para Mendes (2008),
as TICs são tecnologias utilizadas para reunir, compartilhar e distribuir
informações, ou seja, um conjunto de recursos tecnológicos. Já Moran
(2012) ressalva que a Tecnologia da Informação e Comunicação ou TIC,
é um campo que emprega instrumentos tecnológicos com o objetivo de
promover a linguagem comunicativa entre os indivíduos.
Imbernóm (2010, p. 36) por sua vez fortalece a ideia ao afirmar
que “o uso das TIC significa uma transformação educativa que promove
melhoria no cotidiano escolar e na aprendizagem. Para se efetivar de fato,
terá que ocorrer mudanças. Muitas estão nas mãos dos professores, que
terão que redesenhar seu papel na escola atual”.
Desse modo, a utilização das TICs vai além do uso de um com-
putador ou vídeo para complementação da aula, mas possibilita aumentar
o percentual de colaboração e participação de educandos que estejam tem-
poral ou especificamente separados e também um trabalho docente pau-
tado no saber fazer pedagógico auxiliado pelas ferramentas tecnológicas.
É interessante frisar que os professores precisam estar em
constante processo de formação diante das mudanças sociais, políticas
e culturais que transcorre a sociedade afim de que estejam capacitados
conforme os ditames impostos pelo processo de globalização que repercute
diretamente na escola e, por conseguinte na formação do sujeito (aluno).
Para tanto, ao pensar em formação continuada de professores se deverá
agregar todos os saberes, inclusive os que se direcionam a educação
tecnológica tornando-os fundamentais ao exercício profissional docente
visto que a educação é completamente alicerçada pelo uso frequente das
TICs.
Dessa forma, Almeida (2007, p. 160) destaca [...] a importân-
cia de analisar essas corporações nas redes de formação dos educadores,

- 220 -
criando situações e cenários que favoreçam vivências de integração das
tecnologias, reflexões sobre elas e contextualização em outras atividades de
formação com aprendizes (professores ou alunos). Dito isto, percebe-se o
quão relevante o planejamento das práticas docentes cotidianas voltadas às
tecnologias da informação, para que ocorra a contextualização com outras
atividades formativas.
A partir dessa discussão percebe-se que o sistema de ensino mu-
nicipal precisa reconfigurar-se perante as mudanças promovidas pelo uso
das tecnologias digitais, até porque conforme Castells (2005), o surgimento
da Ciência de Informação se deu por volta de 1970, consolidando-se de
maneira intensiva na década de 1980 e, evoluindo e ganhando cada vez
mais espaço nas décadas seguintes até os dias atuais. No contexto educa-
cional essa Ciência da Informação tem sua utilidade como recurso didático
facilitando e aproximando o conhecimento dos alunos, buscando estraté-
gias de ensino tornando-as presentes diariamente no espaço escolar.
Mas, cabe ressaltarmos que em alguns Sistemas de Ensino de
Educação do nosso país essas estratégias não aconteceram da mesma for-
ma, no mesmo espaço de tempo e em outros casos nem aconteceu de fato.
Reportando-nos ao Estado do Maranhão em específico a cidade de São
Luís – MA por intermédio da SEMED, as instituições de ensino municipal
são carentes de acesso ao mundo digital atualizado, limitando-se ainda a
utilização de ferramentas tecnológicas obsoletas como: quadro negro, apa-
relhos de TV, DVD, micro system e etc....
Para isto, faz-se primordial primeiramente a consciência de to-
dos os envolvidos no campo educacional na importância da Ciência da
Informação na aprendizagem dos estudantes, em seguida a organização es-
trutural das escolas para o desenvolvimento do ensino digital, adequando
o ambiente a receber os instrumentos tecnológicos, oferecer capacitação
aos professores para o uso desses instrumentos e proporcionar uma edu-
cação de qualidade, desconstruindo a ideia por muitas pessoas de que o
ensino aprendizagem não se consolida com o uso da tecnologia.
Nesse cenário pandêmico a SEMED, sentiu a necessidade de
adequar-se ao mundo digital com o fito de continuar o processo educativo
em uma crise sanitária que o ensino presencial é considerado inviável, ado-
tando a metodologia de aula remota como estratégia pedagógica de ensino
para retomada do calendário escolar.
De acordo com Santos (2020), o ensino remoto deixará marcas
tanto para o bem quanto para o mal. Referente ao bem permite encontros
afetuosos e boas dinâmicas curriculares, além de rotinas de estudos e en-
contros virtuais com as turmas. Já em relação ao mal repetem modelos
massivos e subutilizam os potenciais da Cibercultura no processo educati-

- 221 -
vo, podendo causar tédio, exaustão física ou mental e desânimo por parte
de docentes e discentes. Como expressado pelo autor acima, o ensino re-
moto apresenta-se de duas maneiras positivo e negativo, porém acredita-se
que o posicionamento negativo se dá em muitas situações pela falta de um
planejamento pedagógico consistente e dinâmico para o desenvolvimento
qualitativo do processo de ensino e aprendizagem na sua integralidade.
Desse modo, a ferramenta digital a ser utilizada nesse novo pro-
cesso educativo para desenvolver o ensino remoto será a rede social do
WhatsApp entre tantas outras plataformas existentes na ciência da infor-
mação. Essa escolha partiu em detrimento de uma parcela de pais de alu-
nos da rede municipal de ensino não terem acesso e nem conhecimento em
manusear outras ferramentas, sendo o WhatsApp mais acessível e popular,
apesar de alguns pais questionarem o uso do mesmo como sendo de cunho
pessoal, por muitos trabalharem no horário de aula dos filhos e também
pela questão da disponibilidade de internet, já que o acesso não é frequente
por ser um custo financeiro, haja vista que muitos não têm como subsidiar.
O aplicativo WhatsApp não se limita apenas em ser uma rede
social, mas uma mídia social que permite a criação de novas redes sociais,
com formação de grupos estimulando uma crescente interação entre os
participantes envolvidos (Lopes e Vaz, 2016). Assim, o uso dessa ferramen-
ta na educação tem sido amplamente desenvolvido em disciplinas de gra-
duação e pós-graduação, consistindo em um desafio para a educação básica
pública da rede municipal, principalmente pelo fato de a SEMED não ter
se apropriado de um aparato tecnológico anteriormente na construção do
conhecimento. Isso tem causado hoje um desgaste na utilização da ciência
da informação pela falta de familiaridade dos atores da educação com esse
tipo de linguagem digital voltada à educação.
Todavia, os autores Albuquerque e Bottentuit (2016) enfatizam
que a plataforma WhatsApp se constitui como um ambiente significativo
para a livre discussão de diversas temáticas. No qual o docente deverá sis-
tematizar conteúdos de interesse ou questões problematizadoras para pro-
mover a participação dos discentes. Considerando que, por se tratar de um
processo educativo comumente deve-se estabelecer regras para discussão
como forma de organização dos debates que envolvam as diversas temáti-
cas. Coadunando do pensamento supracitado, Mattar (2014) considera o
WhatsApp uma promissora ferramenta de comunicação rápida de apoio à
educação possibilitando uma linguagem acessível entre os participantes. Já
Moran (2015) menciona um aspecto positivo dessa ferramenta no tocante
a comunicação estabelecida, que é a utilização de uma linguagem familiar
e espontânea.
Compreende-se então, que mediante as dificuldades encontra-
das, a rede de ensino municipal de São Luís tenta viabilizar a melhor forma

- 222 -
para prosseguir as atividades educativas, almejando possibilitar o ensino
por meio das novas tecnologias da informação e comunicação, embora seja
um imenso desafio as escolas como um todo adaptarem-se a um cenário
digital, inovador, dinâmico e transformador, propiciado pela ciência da in-
formação sem uma preparação anterior para tal desenvolvimento.
Portanto, é necessária uma atenção imprescindível a capacita-
ção docente para que sua ação pedagógica esteja fundamentada nas novas
concepções de ensino, levando em conta que a educação é um processo
constante de transformação do conhecimento, em que os alunos estão cada
vez mais atuantes, críticos e fluentes no manuseio dos recursos digitais.

Considerações Finais
Diante da configuração atual que nos encontramos em que as
aulas presenciais nas escolas públicas municipais de São Luís-MA foram
suspensas devido a pandemia do novo coronavírus (Covid-19), houve a
necessidade de replanejamento pela Secretaria de Educação Municipal e
as escolas da rede, para dialogar sobre a forma de prosseguimento do pro-
cesso de ensino aprendizagem dos alunos. Dessa maneira, foram realizadas
reuniões para se chegar a uma decisão que se estenderia para toda rede
municipal, que dentre as possibilidades limitadas foi indicado à oferta de
ensino remoto como prática didática efetiva durante a impossibilidade das
aulas presenciais.
O processo de ensino remoto para as escolas municipais ficou
articulado entre o uso de redes sociais e material impresso de atividades
para os alunos, sendo que, no universo do uso das tecnologias da infor-
mação e comunicação, houve a limitação do uso de apenas um aplicativo
para desenvolvimento das atividades virtuais, o Whatsapp, pois consiste
em uma ferramenta digital muito utilizada e de fácil acesso pelos pais e
responsáveis dos estudantes. Tal aplicativo possibilita não apenas troca a
áudios entre os usuários, mas vídeos, documentos em diversos formatos e
realização de chamadas de áudio e vídeo.
Importante salientarmos que existem diversos outros aplicativos
digitais que estão sendo utilizados por muitas escolas particulares de São
Luís, porém conforme a estrutura e realidade de muitas famílias, o uso da
internet é limitado, e em muitos casos quase inexistentes. Assim, percebe-
mos que diante do advento das novas tecnologias e uma rede de informa-
ções que são repassadas aos usuários em um tempo quase que instantâneo,
nossas escolas públicas ainda não têm alicerces consolidados para o uso
dessas metodologias digitais em seu cotidiano escolar, além de formação
dos docentes para lecionar com os diversos instrumentos digitais.

- 223 -
Referências
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- 225 -
- 226 -
REFLEXÕES SOBRE O ENSINO DA
LEITURA: CONCEPÇÕES E PRÁTICAS
DE PROFESSORES ALFABETIZADORES
DURANTE AS AULAS REMOTAS NO
MUNICÍPIO DE FORTALEZA
Milene Kinlliane Silva de Oliveira

Introdução
Em uma sociedade letrada, aprender a ler é fundamental para
que a pessoa possa transitar de forma autônoma em diferentes práticas so-
ciais de leitura em nosso cotidiano e usufruir dos variados objetivos que
a ação leitora pode nos proporcionar. Diante desse direito, que deve ser
proporcionado a todos, o papel do professor alfabetizador é seguramente
necessário e importante para garantir que os discentes sejam capazes de ler
e compreender o que leem. Para isso, corroboramos com a premissa de um
ensino que seja dimensionado a partir de práticas alfabetizadoras na pers-
pectiva do letramento (SOARES, 2017). Sempre valorizando e tomando
como ponto de partida a leitura de mundo dos educandos (FREIRE, 1989).
O ano de 2020 entrará para a história marcado como o ano da
Pandemia de Covid-19. Essa virose, causada pelo aparecimento de um
novo Coronavírus bastante agressivo e com alta taxa de contágio e letalida-
de, teve o isolamento social como principal forma de controle. Isso que fez
com que a Internet se tornasse uma ferramenta essencial para trabalhado-
res de todas as áreas, notadamente a Educação.
Mas como garantir o ensino da leitura de forma a valorizar o
letramento, a leitura de mundo dos educandos, nesse contexto que temos
vivenciado durante a pandemia? É de conhecimento de todos que neste
momento, para proteger as vidas das pessoas devido ao contágio pelo Co-
ronavírus, devemos manter o distanciamento social como uma das ações
necessárias de prevenção e enfretamento ao vírus causador da Covid-19,
bem como o cumprimento de outras medidas que são imprescindíveis
para evitar a disseminação da doença, segundo a Organização Mundial
de Saúde (OMS). Esse cenário de mudanças que o mundo tem vivenciado
repercutiu em todos os âmbitos de nossa sociedade. Na educação não foi
diferente e a alternativa usada pelas escolas públicas no município de For-
taleza foi o desenvolvimento das aulas remotas.

- 227 -
Diante dessa perspectiva em que se encontram as escolas públi-
cas33, a questão norteadora que instigou a produção deste artigo foi: Quais
são as principais práticas de ensino da leitura que os professores alfabeti-
zadores têm usado em suas aulas no ensino remoto nas escolas públicas
do município de Fortaleza (CE)? Portanto, intencionamos dialogar com os
docentes sobre como tem sido o desenvolvimento das práticas de ensino da
leitura para as turmas do primeiro ano do ensino fundamental.
Neste artigo objetivamos refletir sobre a concepção de leitura e
as práticas de ensino da leitura desenvolvidas por professores alfabetizado-
res durante as aulas remotas no município de Fortaleza (CE). Conhecer e
compreender essas práticas de leitura utilizadas pelos educadores requer,
primeiramente, o entendimento da concepção leitora destes profissionais.
As suas concepções devem perpassar e respaldar as suas experiências de
ensino tanto em aulas presenciais quanto em aulas desenvolvidas através
do ensino remoto.
E, para o desenvolvimento desta investigação, realizamos uma
pesquisa de caráter qualitativo e que consistiu em um estudo de caso, o
qual intenta compreender um fenômeno dentro de um contexto, segun-
do Yin (2010). Participaram da investigação cinco professoras34 que lecio-
nam especificamente em turmas do primeiro ano do ensino fundamental e
atuam em escolas diferentes entre si. Selecionamos professoras alfabetiza-
doras atuantes destas turmas por enfrentarem especificidades em relação a
demandas destes educandos e que tivessem interesse em compartilhar suas
experiências.
A seguir apresentaremos os principais resultados dessa investi-
gação realizada com as professoras alfabetizadoras a fim de contribuir com
as reflexões acerca do ensino da leitura ainda que nas condições específicas
que estamos vivenciando neste momento com as aulas remotas por con-
ta da pandemia de Covid-19. Dessa forma conseguimos refletir, repensar
e contribuir com o diálogo sobre essa temática de forma a evidenciar e
valorizar as práticas e saberes dos profissionais que são responsáveis pelo
processo de alfabetização em prol da formação leitora dos educandos.

Concepção das professoras alfabetizadoras sobre leitura


Ao abordarmos o universo da leitura, mais especificamente
sobre o seu ensino, devemos considerar diferentes aspectos, como por
exemplo: hábitos e estratégias de leitura, formação e compreensão leitora,
33 As aulas remotas no município de Fortaleza iniciaram no final de março e prosseguiram até julho (pe-
ríodo referente ao primeiro semestre letivo). O nosso enfoque foi em relação ao trabalho desenvolvido por
professores alfabetizadores ao longo deste primeiro semestre.
34 Todos os sujeitos da pesquisa são mulheres, portanto, usaremos sempre as palavras referentes às par-
ticipantes no feminino. Para preservar a identidade das docentes, usaremos os seguintes codinomes: P1,
P2, P3, P4 e P5.

- 228 -
entre outros. Também é interessante compreendermos o que pensam as
professoras a respeito de tudo isso e, principalmente, qual a sua concep-
ção de leitura, pois a sua fundamentação teórica perpassa o seu caminhar
pedagógico, ou seja, as práticas que desenvolvem no processo de ensino e
aprendizagem da leitura. Por isso, em nossa investigação, questionamos o
que é leitura na concepção das professoras participantes da pesquisa.
Em nossa pesquisa, as professoras alfabetizadoras destacaram
em suas respostas que a leitura está além da compreensão do sistema de
escrita alfabética e envolve também a capacidade do alfabetizando de ler e
compreender o que lê. Uma das professoras destacou que “ler é uma forma
de interpretar o mundo” (P1). Concordamos com a ideia de que ler é uma
ação interativa com o texto de forma a compreendê-lo a partir do seu ob-
jetivo. Ler, portanto, é um processo de interação como explicita Antunes
(2003).
Devemos salientar que “[...] ler é aprender a utilizar o escrito
para levar a cabo diferentes projetos, quer dirigidos por propósitos de es-
tudo, quer orientados por lazeres existenciais” (SILVA, 2008, p. 2). Assim
sendo, as práticas de leitura desenvolvidas por professores alfabetizadores
devem ser orientadas a partir de ações leitoras reais e que atinjam práticas
sociais de uso da leitura. Pouco ou nada adiantam situações de leitura que
sejam apenas para a busca de respostas literais como em muitas atividades
realizadas no contexto escolar. Quando compreendemos isso, repensamos
continuamente as propostas de leitura e, inclusive, o auxílio quanto ao uso
de variadas estratégias de ensino da leitura.
Para a docente P2, a leitura consiste em “[...] um conjunto de ha-
bilidades cognitivas que auxiliam o indivíduo a interpretar, a compreender
e a se manifestar no mundo, tanto da forma mais simples como da forma
mais complexa.” Ou seja, na perspectiva dessa professora, são necessárias
competências diversas para contribuir com a formação leitora dos edu-
candos a fim de que possamos considerar que a “[...] leitura foi produtiva,
eficiente e bem feita quando ela realiza o projeto que inicialmente a provo-
cou.” (SILVA, 2008, p. 2), ou seja, atinja o seu real objetivo.
Nesse sentido, é imprescindível que quaisquer recomendações
de ensino da leitura sejam bem planejadas e considerem o seu uso social de
forma a valorizar propostas presentes no universo dos discentes para que
sejam significativas. Experiências mecanizadas de leitura de textos ou ape-
nas a audição leitora sem valorização das estratégias de leitura, bem como
as possibilidades de interpretação e compreensão leitora, por exemplo, não
são motivadoras e tampouco poderão contribuir efetivamente com a for-
mação de um leitor que seja crítico, reflexivo, autônomo e que seja capaz de
construir e desenvolver seu hábito de leitura, selecionando obras e textos

- 229 -
que sejam de seu interesse. Assim, é deveras promissor possibilitar “[...]
experiências vivas, práticas de leitura como cultura” (KRAMER, 2010, p.
144).
Por isso, em turmas que estão em seu processo de alfabetização,
é necessário que haja um planejamento que valorize essas vivências de lei-
tura como práticas culturais. Enfatizamos aqui as turmas de alfabetização
devido ao recorte do artigo que visa refletir sobre o ensino da leitura nas
séries do primeiro ano do ensino fundamental, todavia ressaltamos que o
processo de formação leitora do indivíduo perpassa toda a sua vida escolar
e para além dela, inclusive.
Segundo Silva (2008, p. 72), a condução em relação ao ensino da
leitura “[...] por ser política e pedagógica, obedece a um planejamento bem
pensado [...].” Logo, o papel do professor alfabetizador é fundamental. O
docente deve sempre ter essa sensibilidade e responsabilidade em relação
ao caminho que seleciona para o ensino da leitura, pois ler é um ato cog-
nitivo e complexo, como pondera a autora Kleiman (1989). Dessa forma,
ressaltamos que:

Para ler necessitamos, simultaneamente, manejar com destreza as


habilidades de decodificação e aportar ao texto nossos objetivos,
idéias e experiências prévias; precisamos nos envolver em um pro-
cesso de previsão e inferência contínua, que se apóia na informação
proporcionada pelo texto e na nossa própria bagagem, e em um
processo que permita encontrar evidência ou rejeitar as previsões e
inferências antes mencionadas (SOLÉ, 1988, p. 23).

Ao compreender toda essa dimensão que envolve a ação leitora


que cada pessoa deve dominar e explorar ao longo de suas experiências
leitoras, é preciso refletirmos junto aos professores sobre a relevância de
pensar e analisar práticas de leituras que sejam relevantes aos educandos
que estão aprendendo a ler os seus primeiros textos e investindo em estra-
tégias para desvendar o universo que envolve o ato de ler.
A partir do entendimento de que “ler é construir significados,
e quanto mais lemos, maior rede de sentidos podemos tecer.” (KLEIMAN,
1989, p. 13), vamos refletir sobre os desafios e experiências de leitura de-
senvolvidas pelas educadoras que tiveram que se reinventar e repensar
a sua forma de ensinar neste contexto das aulas remotas. As professoras
que participaram desta pesquisa ressaltaram a importância de se manter
o vínculo e a interação com os educandos e famílias e ressaltaram que as
orientações e a construção de hábitos de leitura foram experiências mar-
cantes de importante significado para todos os envolvidos: discentes e os
seus responsáveis. A autora França (2011, p. 17) destaca que:

- 230 -
[...] a leitura é um elemento primordial na nossa vida, pois é a partir
da prática leitora que desenvolvemos nossos pontos de visa e opi-
niões, bem como conhecemos pontos de vista de outras pessoas,
temos uma maior visão de mundo e adquirimos conhecimentos
relevantes para nosso desenvolvimento. À medida que entramos
em contato com a leitura, temos a memória ativada e exercitada,
melhoramos a comunicação, disciplinamos a mente e, por conse-
quência, alargamos as possibilidades de conhecimento.

Em consonância com a autora supracitada, reconhecemos as


inúmeras contribuições da leitura para cada pessoa. Por isso, precisamos
garantir esse direito – a aprendizagem da leitura – a todos os cidadãos.
Nesse sentido, a instituição escolar tem esse importante papel social que é
o de promover uma alfabetização crítica, significativa e para todos. Diante
dessa percepção, é necessário que os professores e a escola proporcionem
experiências leitoras de forma a incentivar a construção de hábitos de
leitura bem como estimular a formação leitora dos alunos, ampliando seus
pontos de vista e opiniões a respeito de diferentes temáticas e contribuições
com a aquisição de novos conhecimentos.
As professoras investigadas também ressaltaram a relevância da
aprendizagem da leitura para a formação dos educandos, a exemplificar
com trechos das próprias docentes: “por meio da formação leitora é possí-
vel transformar uma habilidade que poderia ser mecânica, em um hábito
prazeroso que iria acompanhar a vida do educando para sempre” (P1) e “o
acompanhamento e estímulo ao processo de leitura nas turmas de 1º e 2º
ano é importante para que a criança possa ter mais elementos que contri-
buam com a sua formação humana e intelectual” (P2). Ao reconhecerem
a importância da leitura para cada educando seja no âmbito escolar ou em
outros espaços de sua vida social, compreendemos o porquê da valorização
e promoção de práticas de leitura realizadas com compromisso, competên-
cia e dedicação pelas professoras. A seguir vamos refletir sobre os princi-
pais desafios enfrentados e as práticas de ensino da leitura que as docentes
desenvolveram ao longo das suas aulas remotas.

O ensino da leitura: principais desafios enfrentados e estratégias utili-


zadas por professoras alfabetizadoras durante as aulas remotas
Durante esse período de pandemia do Coronavírus foi necessá-
ria uma adaptação em relação ao trabalho desenvolvido nas escolas. Man-
ter o distanciamento social entre as pessoas é imperioso para diminuir o
contágio e, assim, evitar a proliferação da doença. Por isso, as aulas remotas
se consolidaram como uma saída para as escolas brasileiras. Assim, profes-
sores começaram a trabalhar a partir de suas residências e promover o en-

- 231 -
sino e a aprendizagem através do encaminhamento de atividades e orien-
tações para os discentes através das redes sociais. Dessa forma, puderam
manter o vínculo – educadores e educandos – e garantir a interação apesar
das condições adversas.
Essa breve explanação apresenta o contexto que professores al-
fabetizadores e alfabetizandos tiveram que vivenciar durante esses meses,
final de março a julho, relacionados ao primeiro semestre. Os desafios fo-
ram vários e as professoras destacaram algumas dificuldades enfrentadas
durante esse período, a saber: a falta de acessibilidade à internet por parte
de algumas famílias, a rotina diferenciada das famílias com as propostas de
orientações de estudo, pouca ou nenhuma interação com alguns educan-
dos, a falta da rotina escolar organizada e planejada para as demandas da
alfabetização e a dificuldade em avaliar continuamente como os discentes
estão avançando na leitura, por exemplo.
Estes são apenas os principais desafios apontados pelas profes-
soras que participaram da pesquisa. De fato, esses percalços são fatores
que dificultam de forma importante as aulas remotas; principalmente, em
relação ao acesso à internet de todos os educandos. Àqueles que não têm
esse acesso à internet, as professoras encaminharam atividades com roteiro
de estudos aos familiares e, por meio de ligações, algumas docentes conse-
guiam entrar em contato para conversar com o estudante e com a família
e, assim, tirar dúvidas e saber se estavam conseguindo ou não realizar as
atividades sugeridas para repensar as orientações sobre estas, caso fosse
necessário.
Para garantir o processo de ensino e aprendizagem todas essas
questões precisam ser levadas em consideração no planejamento das pro-
fessoras. E quando estamos tratando do ensino da leitura devemos efeti-
var esse planejamento com primazia. Para Silva (2008, p. 72), no que diz
respeito ao ensino da leitura, as atividades devem “obedecer a um plane-
jamento bem pensado e baseado em um conhecimento preliminar dos tex-
tos a serem oferecidos ao longo dos trajetos ou unidades de leitura”. Nesse
sentido, o ensino da leitura nas series iniciais do ensino fundamental deve
considerar o contexto dos educandos, a sua leitura de mundo e proporcio-
nar práticas e leitura na perspectiva de alfabetizar e letrar. Pois, “ler é dia-
logar com o autor, com seu contexto histórico social e cultural, é preencher
os vazios de modo ímpar utilizando seus conhecimentos prévios”. (KLEI-
MAN, 1989, p. 13).
Outro desafio do ensino remoto consistiu em como ensinar a ler
nesse contexto e as professoras precisaram repensar, adaptar as suas aulas e
elegeram algumas estratégias que valorizassem a aproximação com a leitu-
ra a partir do contexto dos discentes bem como a promoção de práticas de

- 232 -
leitura, inclusive envolvendo os familiares. As professoras alfabetizadoras
destacaram algumas práticas que desenvolveram ao longo das aulas remo-
tas para promover e desenvolver a formação leitora dos alfabetizandos,
como: leitura de palavras referentes aos objetos presentes nas residências,
identificação de materiais de leitura disponíveis em casa, leitura de rótulos
com o auxílio dos familiares, contação de histórias realizadas pelas profes-
soras e/ou a partir de canais disponíveis no YouTube®, sugestões de jogos e
produções de vídeos pelas docentes com orientações referentes ao uso do
material didático.
Essas foram algumas práticas relatadas pelas educadoras que,
mesmo diante do desafio de garantir o ensino da leitura nesse período das
aulas remotas, decidiram se reinventar e valorizar práticas efetivamente
contextualizadas e significativas para os discentes. Também destacaram o
uso de gêneros textuais que as crianças gostam: letra de música, parlendas,
cantigas de rodas, entre outros. Ademais, as docentes também procuraram
garantir a troca de ideias sobre os textos. Por exemplo, a professora P5 re-
latou que houve uma parceria muito articulada e extremamente relevante
com a professora responsável pela biblioteca da escola. Houve a proposi-
ção de contação de histórias sobre variados temas. Essas aulas aconteciam
uma vez na semana e os discentes eram convidados a compartilhar o que
compreenderam do texto, deixando-os bem livres para se expressar por
meio de desenhos e/ou vídeos, áudios, produções textuais para que pudes-
sem expressar o seu entendimento sobre o material. Assim, as crianças pu-
deram compartilhar as suas experiências de leitura e compreensão leitora
através de alternativas diferenciadas.
O exercício da compreensão leitora é um processo subjetivo,
pois, segundo Kleiman (1989), cada leitor agrega e imprime à atividade
leitora as suas experiências e, dessa forma, a leitura e a compreensão para
cada leitor, em diversos momentos, podem ser diferenciadas em relação à
apreensão e interpretação do texto. Por isso, deve haver uma variedade de
textos a serem explorados com os discentes e não impor apenas um tipo
de leitura. Portanto, “as atividades – ou situações – de exploração devem
ser as mais abertas possíveis, criadas pela imaginação criativa do professor
em função da realidade do grupo de leitores que tem na classe.” (SILVA,
2008, p. 58).
Para Silva (2008, p. 72) é importante e “[...] sempre recomen-
dável, depois ou durante a leitura de um ou mais textos, organizar espaços
para a troca de ideias, comentários e apreciações entre os leitores.” Essa
troca foi mantida pelas professoras na medida do possível e, inclusive, a
partir das respostas das docentes os familiares também puderam se envol-
ver, ler junto com seus filhos e compartilhar experiências leitoras. Efetivar

- 233 -
esses diálogos, essas trocas, é fundamental para que o educando que está
em seu processo de alfabetização não deixe o texto findar no ato da leitura
em si, pois é preciso ir para além e compreender o texto recorrendo ao
uso de diferentes estratégias. Afinal, “[...] As estratégias de leitura são pro-
cedimentos e os procedimentos são conteúdos de ensino, então é preciso
ensinar estratégias para a compreensão dos textos.” (SOLÉ, 1998, p. 70).
Nesse sentido, as professoras aproveitaram para estreitar ainda
mais o vínculo com as famílias e potencializar as práticas de leitura contan-
do com o apoio das experiências leitoras dos familiares. Devemos reiterar
que nesse processo de ensino da leitura foram valorizados o texto escri-
to, vídeos complementares, diálogos através de áudios com os familiares
e as crianças, as trocas de ideias, os recursos visuais (desenhos, vídeos)
e a valorização da produção oral dos estudantes. Essa variedade de ações
usadas pelas professoras é relevante e quem mais tem esse potencial por
justamente conhecer o seu público alvo é o professor. Portanto, devemos
garantir que “[...] os leitores em estágio de formação recebam orientação
segura e rigorosa por parte dos professores, evitando a improvisação, o tiro
no escuro [...]” (SILVA, 2008, p. 2).
Os professores precisaram nesse período (re)aprender outros
caminhos, outros meios para promover práticas de leitura com os discen-
tes. E compreender o que pensam estes profissionais sobre o ensino da lei-
tura nos faz entender e compreender as escolhas de suas práticas pedagó-
gicas. Concordamos com Garcia (1997) quando diz que “[...] difícil, difícil
mesmo é aprender o que não faz sentido, o que não atende à necessidade
e, não tendo utilidade, não vai ao encontro do interesse” (p. 22). Por isso,
as professoras participantes da pesquisa se propuseram a reorganizar as
orientações de estudo e a valorizar práticas de leitura situacionais e signifi-
cativa para os seus educandos.
O ensino da leitura é instigante e, ao mesmo tempo, desafiador
em turmas de alfabetização. No contexto das aulas remotas, as dificuldades
para lidar com o processo de ensino e aprendizagem consistiu em uma
experiência ainda mais desafiadora, sobretudo por conta do contexto pan-
dêmico que estamos enfrentando e que tem provocado a perda de vidas e
afetado a conjuntura social, educacional, cultural e econômica também.
As diferentes formas encontradas para interagir com os alfabetizandos de
forma a acessibilizar as orientações referentes ao ensino e aprendizagem
da leitura para todos não foi fácil. Tarefa árdua para todos da comunidade
escolar que precisaram colaborar uns com os outros a fim de possibilitar,
ainda que remotamente, este objetivo.
À guisa de finalização, consideramos frisar que é necessária a
reflexão contínua acerca da práxis alfabetizadora para que os objetivos

- 234 -
referentes ao processo de alfabetização sejam alcançados. No que diz
respeito ao ensino da leitura, as educadoras puderam promover práticas
reais e relevantes para os alfabetizandos e criar vínculos com eles a partir
das experiências leitoras com textos bem selecionados e bons livros de
literatura infantil. Para Silva (2008, p. 81), “ler, no fundo, não é apenas
contemplar, mas ser levado, pelo texto, a pensar e a fazer certas coisas que
nem tínhamos imaginado antes.” Esse encantamento, essa capacidade de
sentir, apreender o mundo, conhecer, questionar contribui com a formação
leitora autônoma, crítica de cada sujeito. E este papel foi desempenhado
com proficiência, empenho, disposição, criatividade e dedicação pelas
profissionais participantes desta investigação para que as práticas
leitoras continuassem a ser vivenciadas, ainda que de forma online, pelos
educandos com o apoio de seus familiares.

Considerações finais
Há muitas questões que permeiam o ensino da leitura em tur-
mas do ciclo de alfabetização e promover este ensino com qualidade deve
perpassar, dentre outros aspectos, a compreensão acerca das concepções
dos professores alfabetizadores sobre o que é leitura, bem como conhecer
e refletir sobre as práticas de leitura e as estratégias de ensino que utilizam.
Por isso, precisamos dialogar mais com estes profissionais e proporcionar
uma formação contínua que valorize os seus saberes e práticas; dessa for-
ma, será possível ressignificar o processo de alfabetização a partir da práxis
alfabetizadora.
As professoras alfabetizadoras, participantes da nossa pesquisa,
compreendem que ler é uma ação interativa e que está para além da apro-
priação do sistema de escrita alfabético. Ou seja, é preciso saber ler, mas
também compreender o que se lê. Essa percepção das educadoras justifica,
respalda e fundamenta o desenvolvimento das práticas pedagógicas reali-
zadas ao longo de suas aulas remotas.
Em nossa investigação, pudemos verificar que, mesmo diante
dos desafios inerentes ao contexto de pandemia do novo Coronavírus, hou-
ve muito empenho das educadoras em pensar, planejar e propor atividades
que contemplassem a leitura de forma a envolver as famílias e valorizar o
contexto dos discentes para que se sentissem envolvidos e verdadeiramente
partícipes das aulas, das atividades propostas.
Houve, em nossa interpretação, essa preocupação por parte das
docentes em proporcionar momentos de vivências leitoras como práticas
culturais, contemplando o uso de gêneros textuais dos interesses dos edu-
candos, valorizando o contexto destes e desenvolvendo atividades lúdicas
destinadas às demandas desse público alvo, turmas do primeiro ano do

- 235 -
ensino fundamental. Dessa forma, os estudantes estiveram envolvidos com
práticas de leitura variadas e puderam, principalmente, construir as suas
experiências leitoras, interagindo com o texto, utilizando as suas estraté-
gias para ler, bem como ampliando a sua leitura de mundo.
As práticas pedagógicas relatadas pelas professoras alfabetiza-
doras foram planejadas de forma contextualizada e significativa para os
educandos com o objetivo de envolvê-los no universo da leitura. Os desa-
fios foram vários e, provavelmente, tiveram discentes que não conseguiram
acompanhar as aulas e interagir conforme o desejo das professoras. Por
isso, será preciso pensar no retorno das aulas – sejam remotas, híbridas ou
totalmente presenciais – com muita cautela e a considerar as dificuldades
enfrentadas pelos estudantes nesse período de pandemia.
Em relação ao processo de alfabetização, o caminhar deverá ser
retomado com bastante sensibilidade e compromisso para avaliar os níveis
de leitura de cada alfabetizando a fim de direcionar o ensino, as interven-
ções pedagógicas e, assim, prosseguir garantindo esta aprendizagem. Afi-
nal, saber ler é uma necessidade da nossa sociedade letrada em diversas
práticas sociais e, por isso, a alfabetização consiste em um direito de todos.
Não pode, portanto, ser negado nem oferecido sem compromisso, sem pla-
nejamento e responsabilidade. Sendo assim, é necessário assegurar uma
formação leitora autônoma e crítica aos alfabetizandos.

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- 237 -
- 238 -
POR UMA PEDAGOGIA DA AUTONOMIA
NO ENSINO REMOTO
Edvaldo Costa Rodrigues
Maria Carla dos Santos Nogueira

Introdução
Dentre outras coisas, o ensino remoto, pode ser compreendido
como uma alternativa instrucional utilizada em situações específicas. No
Brasil, esse tipo de prática educativa tem sido aplicada aos casos em que
o aluno não pode frequentar à instituição de ensino devido problemas de
saúde. Aplica-se também aos casos em que a aluna se encontra de licença-
-maternidade. De todo modo, é uma assistência educacional temporária
que tomou mais evidência a partir de março de 2020 quando a pandemia
provocada pelo novo coronavírus (Covid-19) se espalhou pelo mundo e as
escolas, faculdades e universidades tiveram que fechar as portas para evitar
a contaminação de alunos, professores e funcionários. Nesse contexto, o
ensino remoto, então, foi a solução emergencial para substituir às aulas
presenciais e garantir um percentual mínimo do calendário letivo mesmo
com certas limitações.
Precisamos nos conscientizar que essa não é a primeira e pro-
vavelmente nem a última vez que o mundo enfrenta uma pandemia e que
cada calamidade sanitária tem especificidades e traz consequências dife-
renciadas para a população (AGABEN, 2020). Assim, enquanto o risco
de contaminação não diminui, “As pessoas ficam em casa, os governos
bloqueiam aglomerações públicas, as famílias estocam víveres, as bolsas
avaliam efeitos sobre o consumo futuro e... a realidade confirma a teoria”
(DUNKER, 2020, p. 18). Apesar de afetar todos os setores, é na saúde e na
economia que os estragos são mais evidentes. Charles Hodges, no texto
The Difference Between Emergency Remote Teaching and Online Learning,
ao descrever as consequências da pandemia nos Estados Unidos mostrou
semelhanças com o que aconteceu no Brasil, destacando que:

Devido à ameaça do COVID-19, faculdades e universidades estão


enfrentando decisões sobre como continuar ensinando e apren-
dendo enquanto mantêm seus professores, funcionários e alunos
protegidos de uma emergência de saúde pública que está se mo-
vendo rapidamente e não é bem compreendida. Muitas instituições
optaram por cancelar todas as aulas presenciais, incluindo labora-
tórios e outras experiências de aprendizagem, e determinaram que
o corpo docente movesse seus cursos online para ajudar a prevenir
a disseminação do vírus que causa o COVID-19. A lista de institui-

- 239 -
ções de ensino superior que tomam essa decisão vem crescendo a
cada dia. Instituições de todos os tamanhos e tipos - faculdades e
universidades estaduais, instituições da Ivy League, faculdades co-
munitárias e outros - estão movendo suas aulas online (HODGES
et al. 2020, p. 1, tradução nossa).

Decerto que o ensino remoto tem sido o assunto mais discutido


no meio educacional e talvez o será por alguns anos. Livros, lives, artigos e
reportagens estão concentrando o foco nesse assunto e procurando discu-
ti-lo a partir de várias perspectivas como, formação docente, precarização
do trabalho, tecnologias educacionais, coparticipação da família na educa-
ção dos filhos, papel do estado na educação, novas funções da escola. No
cerne da questão, é importante esclarecer que, apesar de o ensino remoto
ser realizado a distância, é equivocado concebê-lo como um homeschooling
ou a modalidade Educação à Distância (EaD).
Isto porque, no modo homeschooling, também chamado de en-
sino doméstico, a família estrutura e desenvolve todo o itinerário formati-
vo do aluno, podendo ter ajuda de outros profissionais como, professores
particulares. Na EaD, há toda uma metodologia e normatização para ensi-
nar a distância, conforme a LDB no 9.394/96, e o tempo de estudo é flexí-
vel. Quanto ao ensino remoto, não há regulamentação, as aulas acontecem
seguindo ao horário escolar/acadêmico, ou seja, no mesmo dia e hora que
anteriormente ocorriam presencialmente, portanto não há flexibilização
quanto ao tempo de estudos.
No contexto educacional em que se insere a pandemia, a preo-
cupação dos sistemas e instituições de ensino não se concentra apenas em
evitar a contaminação dos alunos, mas, também, salvar o calendário letivo,
ainda depois que o governo federal aprovou a Lei nº 14.040, de 2020, de-
sobrigando o cumprimento dos 200 dias de efetivo trabalho escolar/acadê-
mico e mantendo a obrigatoriedade das 800 horas. Tudo isto acarreta aos
professores o desafio de desenvolver nos alunos competências mínimas de
aprendizagem. No contexto dessa problemática vale lembrar que o ensi-
no remoto na realidade brasileira aparece em duas situações distintas: um
ensino que utiliza tecnologias para aqueles alunos que dispõem de dispo-
sitivos eletrônicos e outro ensino que conta apenas com material didático
impresso – atendendo aqueles que não dispõem de celulares, tabletes, no-
tebook ou mesmo computadores.
Essas duas situações só confirmam a desigualdade educacional
brasileira que se acentuou durante a da pandemia. Assim, este texto aborda
o ensino remoto, partindo da perspectiva de que por se tratar de uma prá-
tica educativa necessita de conhecimentos pedagógicos concernentes ao

- 240 -
processo de ensinar e aprender. E nesse sentido, trazemos algumas lições
de Paulo Freire, extraídas da obra Pedagogia da Autonomia, as quais se
mostram uteis tanto para o ensino de modo geral quanto ao que é realizado
de forma on-line – o que constitui o foco da discussão neste texto. A esco-
lha dessa obra fundamenta-se no entendimento de que as aulas remotas
não devem ocorrer descontextualizadas da realidade e sem planejamento,
mas providas de interação instrutiva e educacional.

Paulo Freire e sua pedagogia da autonomia


As obras de Paulo Freire constituem evidências de que ele foi
um homem desprovido de vaidade intelectual, embora com profundo
conhecimento sobre o ensinar-aprender. As experiências pedagógicas no
Brasil difundiram-se mundo a fora e cada obra trouxe, em si, uma mis-
tura de poesia, política e educação – extraídas da infância no Recife, do
exílio, das viagens internacionais e do trabalho após o regresso ao Brasil
(BRANDÃO, 2005). Ao longo da vida, Freire ocupou vários cargos impor-
tantes, foi alfabetizador de adultos, assessor, consultor e superintendente
de órgãos públicos, secretário de educação, professor de ensino médio e
superior, entre outras funções.
Por onde passou não deixou a oportunidade de criticar a edu-
cação bancária, ou seja, uma prática educativa descontextualizada da
realidade social e que domina e mantém a ingenuidade nos alunos. Pri-
meiramente, o reconhecimento educacional de Freire veio da experiência
com alfabetização de adultos realizada na cidade de Angicos, sertão do Rio
Grande do Norte, em 1958, onde alfabetizou mais de 300 pessoas através
de um método que combinava escolarização e consciência política. Discu-
tir politicamente a educação com os alunos possibilitaria a reflexão sobre
o papel de cada um na transformação da sociedade, partindo-se da análise
da própria realidade. Para ele, sua forma de ensinar:

[...] era uma mistura de formas didáticas tradicionais e críticas. Eu


explicava as regras da correção gramatical na sala de aula, mas, aci-
ma de tudo, estimulava-os a escrever pequenos trabalhos, que eu
lia e depois usava como texto, um por vez, durante toda uma aula,
usando seus próprios escritos como exemplos de gramática e sinta-
xe, analisando os temas sobre os quais escreviam. Eu lhes ensinava
gramática a partir do que escreviam, e não de um compêndio. E
utilizava também textos de bons autores brasileiros (FREIRE, 1986,
p. 24).

A repercussão dessa experiência foi tão positiva que “[...] o pró-


prio Presidente da República, por meio do Ministro da Educação, o convi-
da para replicar a experiência dos círculos de cultura no âmbito nacional”

- 241 -
(ROMÃO, 2018, p. 18). Impende salientar que, a posição crítica de Freire
em relação à educação foi causando descontentamento em muitas pessoas,
a ponto de ser acusado de subversão e preso pela Ditadura Militar em 1964,
ficou 72 dias detido, depois seguiu para o exílio no Chile. Aproveitou a
reclusão fora do Brasil para conhecer algumas experiências educativas pela
América Latina, África e Estados Unidos e escrever grande parte de suas
obras. Freire inquietava-se em saber por que o ser humano não mudava o
mundo em que estava inserido.

A vida de Paulo Freire envolve um peregrinar pelo terceiro mundo,


embora sua base resida, num período extenso desse caminho, no
primeiro mundo: depois do Golpe de 1964 e após uma rápida pas-
sagem pela Bolívia, ele mora vários anos no Chile, depois fica por
quase um ano nos Estados Unidos e, finalmente, vai para a Suíça,
onde, a partir do Conselho Mundial de Igrejas, em Genebra [...]
faz campanhas de alfabetização em países como Nicarágua, Guiné-
-Bissau, São Tomé e Príncipe, Cabo Verde e Tanzânia. Recebe deze-
nas de doutorados honoris causa e muitos prêmios, entre eles o da
Paz da UNESCO, em 1986 (KOHAN, 2019, p. 17).

Com um olhar investigativo, buscou identificar que tipo de edu-


cação estava sendo difundida na sociedade brasileira, se para o homem-ob-
jeto ou para o homem-sujeito (FREIRE, 1967). Para ele, a educação não é
neutra, muito menos acabada, mas uma “forma de intervenção no mundo”
(FREIRE, 1996, p. 98). A educação na perspectiva freiriana deve conduzir
a uma formação que possibilita aos sujeitos aprendentes a construção de
conhecimentos fundamentais para intervenção no mundo. E nesse senti-
do, a escola precisa formar cidadãos críticos e reflexivos para transformar o
mundo a partir da transformação de suas próprias realidades sociais.
Recebeu vários títulos doutor honoris causa em universidades
europeias e americanas. Todavia, deve ser colocado em relevo que, apesar
de toda contribuição para o campo da educação, aqui no Brasil ele conti-
nua sendo incompreendido por algumas pessoas que, inclusive, tentam lhe
tirar o título (patrono da educação) daquilo que o consagrou. É evidente
que como ser humano Freire teve seus defeitos e virtudes, acertos e equí-
vocos, mas não reconhecer sua contribuição pedagógica é um desrespeito
a pessoa humana e uma forma antidemocrática de agir. “Assim, para o bem
ou para o mal, a gosto ou a contragosto do próprio Paulo Freire, ele acaba
se tornando um ícone, um mito, um símbolo que extrapola, e muito, o
Brasil” (KOHAN, 2019, p. 17-18).
A relevância social das obras de Freire está no papel que atribuiu
a educação quanto a promoção da emancipação humana. E Pedagogia da
Autonomia é um exemplo disto, uma obra publicada em 1996 em que ele

- 242 -
empreendeu, ou tentou empreender, a tarefa de atualizar vários assuntos
escritos anteriormente por Freire como, autoritarismo, cooperação, conhe-
cimento, ensino, pesquisa, aprendizagem, cidadania, democracia, política,
ideologia, opressão, exemplificando-os através de questões concretas da
prática educativa. O ensinar-aprender é uma categoria muito destacada na
obra Pedagogia da Autonomia, sendo a relação harmônica entre o ensi-
no desenvolvido pelo professor e a aprendizagem construída pelo aluno.
Significa, pois, que embora sejam dois processos não devem estar disso-
ciados. Outro ponto interessante na obra é que, por vezes, Freire chama
professor de educador e aluno de educando, deixando evidente que ambos
são sujeitos do ato de conhecer, ou seja, aprende-se ensinando e ensina-se
aprendendo.
Freire organizou a obra Pedagogia da Autonomia em várias li-
ções sobre a prática educativa, tendo por base a ética, o respeito à digni-
dade humana, a liberdade e a autonomia de ensinar-aprender. Trabalhar
nessa perspectiva pedagógica exige constante reflexão sobre a prática, pois
professores e alunos precisam estar na condição igualitária de aprendizes,
o que não significa diminuir o papel de um em favor do outro, mas a to-
mada de consciência de que práticas autoritárias desfavorecem as relações
educativas e prejudicam a aprendizagem. As reflexões de Freire nessa obra
incidem sobre os saberes necessários à prática educativa, o que perpassa
pela formação e atuação dos professores.
Ao longo da leitura de Pedagogia da Autonomia percebemos
a importância que Freire atribuiu ao diálogo entre educador e educando,
destacando que, “Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina
ao aprender” (FREIRE, 1996, p. 23). Insistiu em ressaltar que todo conhe-
cimento é inacabado, pois decorre de um processo que se desenvolve con-
tinuamente a partir da incorporação de novos saberes e da autorreflexão.
Um dos esforços do educador é para que o educando compreenda que o
conhecimento, a cultura e a história são produções humanas e que se trans-
formam permanentemente a partir da ação dos sujeitos no mundo. Portan-
to, os conhecimentos escolares e a realidade concreta precisam vincular-se
a uma dinâmica, afinal, interferem no mundo e são influenciados por ele.

O ensino remoto e a pedagogia da autonomia


No caso brasileiro, as consequências da pandemia não são tão
diferentes do que é relatado por Hodges, pois com o fechamento unilateral
dos espaços físicos o ensino remoto foi uma saída encontrada pelas insti-
tuições de ensino para cumprirem o calendário letivo. Cabe lembrar que,
embora não seja uma modalidade de ensino como a EaD, o ensino remoto
está previsto no Art. 4o da LDB no 9.394/96, sendo destinado a comple-

- 243 -
mentação da aprendizagem ou em situações emergenciais. A similaridade
entre ensino remoto e EaD é que ambos podem ser realizados a distância
de modo síncrono e assíncrono. O diferencial é que as aulas tendem a ocor-
rer nos dias e horários em que aconteciam presencialmente, portanto não
há flexibilização quanto ao tempo de estudo, configurando como apenas a
transmissão de uma aula presencial.
No ensino remoto mediado por tecnologias, as instituições es-
tão se valendo de ambientes virtuais de aprendizagem, portais, platafor-
mas, ferramentas, entre outros. À exemplo: Moodle, Google Meet, Zoom,
Microsoft Teams, Google Classroom, Chat e Gmail. Ressalta-se que todo es-
forço não vai substituir o papel central dos professores na mediação entre
os conteúdos e os alunos. É importante destacar que a tecnologia apenas
amplifica o talento de professores e alunos, mas não garante que a aprendi-
zagem significativa aconteça, principalmente porque, na era digital:

Cada um pode ser o agente central que decide sobre as aprendiza-


gens que quer realizar e que realiza; sobre os conhecimentos que
considera essenciais para a sua vida e percurso pessoal, profissional
e/ou académico; sobre os modos de gerir e organizar os processos e
procedimentos que leva a cabo para aprender; e sobre os períodos
de tempo e os locais (físicos ou virtuais) em que o faz (VIANA;
PERALTA, 2020, p. 139).

É verdade que muitos pais estão aprovando as aulas remotas,


principalmente porque constituem uma forma de resolver o problema da
ociosidade dos filhos. Todavia, reclamam da quantidade de atividades que
precisam auxiliar. A esse respeito, Dunker (2020, p. 63) destaca que “[...]
despejar litros de trabalhos escolares vai fazê-las ficar quietinhas. Isso pode
funcionar por três semanas, mas depois você vai perceber que os sintomas
vão ficar mais complicados”. Decerto que professores e alunos precisam
se reinventar nesse atual contexto de pandemia, pois não basta saber li-
dar com tecnologias sem aceitá-las, não basta receber os materiais em casa
para estudar sem ter vontade e disciplinamento para organizar o tempo de
estudo.
Além disto, escola e os professores têm o desafio de decidir que
conteúdos e habilidades são mais essenciais e trabalhar com os alunos de
modo a mantê-los ativos intelectualmente durante o ensino remoto. E não
menos importante, ensinar os alunos a gerenciar o tempo de estudo. Emer-
ge, assim, a necessidade de trazermos algumas lições da Pedagogia da Au-
tonomia que podem ser uteis para os professores utilizarem na mediação
com os alunos em situações de ensino remoto. Uma das primeiras lições de
Freire para os professores é que:
Não há docência sem discência, as duas se explicam e seus sujeitos,

- 244 -
apesar das diferenças que os conotam, não se reduzem à condição
de objeto, um do outro. Quem ensina aprende ao ensinar e quem
aprende ensina ao aprender. Quem ensina, ensina alguma coisa a
alguém. Por isso é que, do ponto de vista gramatical, o verbo ensi-
nar é um verbo transitivo-relativo. Verbo que pede um objeto di-
reto – alguma coisa – e um objeto indireto – a alguém (FREIRE,
1996, p. 23).

Ao longo da obra Freire vai deixando evidente que ensinar é


uma especificidade humana e exige competência, segurança, curiosida-
de e apreensão da realidade. Os professores precisam conscientizar-se de
que ensinar não é transferir conhecimento, mas criar possibilidades para a
construção/produção do saber, o que pode ser atingido através da pesqui-
sa, autorreflexão e aprendizagem coletiva. Isto quer dizer que professores
se encontram num processo de aprendizado constante. Mas, o ensinar só
se torna útil ao aluno quando este é “capaz de recriar ou refazer o ensinado”
(FREIRE, 1996, p. 24). Os conteúdos de ensino não devem estar descontex-
tualizados da realidade social, pois se assim o for, os alunos apenas memo-
rizarão o que lhes é transmitido sem fazer relação com o mundo.
Para Freire (1996), conhecer é sempre um ato dialógico que
envolve sujeitos ativos numa ação transformadora que supere a educação
bancária, logo, a escola e os professores precisam respeitar os saberes dos
alunos. A partir dos conteúdos ensinados, é fundamental promover a re-
flexão da razão de ser dos saberes historicamente construídos, logo, os pro-
fessores precisam estar sempre abertos as indagações e as curiosidades dos
alunos. Além disto, é necessário predisposição à mudança, principalmente
porque toda prática educativa demanda ação dos sujeitos: um que ensinan-
do aprende e outro que aprendendo ensina.
O aprendizado do ensinante ao ensinar não se dá necessariamente
através da retificação que o aprendiz lhe faça de erros cometidos. O
aprendizado do ensinante ao ensinar se verifica à medida em que
o ensinante, humilde, aberto, se ache permanentemente disponível
a repensar o pensado, rever-se em suas posições; em que procura
envolver-se com a curiosidade dos alunos e dos diferentes cami-
nhos e veredas, que ela os faz percorrer. Alguns desses caminhos
e algumas dessas veredas, que a curiosidade às vezes quase virgem
dos alunos percorre, estão grávidas de sugestões, de perguntas que
não foram percebidas antes pelo ensinante. Mas agora, ao ensinar,
não como um burocrata da mente, mas reconstruindo os caminhos
de sua curiosidade – razão por que seu corpo consciente, sensível,
emocionado, se abre às adivinhações dos alunos, à sua ingenuida-
de e à sua criatividade – o ensinante que assim atua tem, no seu
ensinar, um momento rico de seu aprender. O ensinante aprende
primeiro a ensinar, mas aprende a ensinar ao ensinar algo que é
reaprendido por estar sendo ensinado. (FREIRE, 2001, p. 259).

- 245 -
Isto quer dizer que o ensinar não deve ser algo improvisado, mas
uma ação planejada e voltada para a conscientização social. Autoritarismo
e paternalismo também não devem fazer parte da prática educativa, pois
impedem os alunos de desenvolverem sua autonomia na aprendizagem. É
importante que os alunos sejam motivados a assumir o papel de protago-
nistas na construção do conhecimento, compreendendo que os professores
são mediadores nesse processo, motivação essa que não ocorre sem uma
“rigorosidade metódica” (FREIRE, 1996, p. 26).
Ao longo da obra Pedagogia da Autonomia, Freire (1996) ressal-
tou que o ensino não deve ser algo mecânico, neutro, mas uma prática edu-
cativa que desafie os alunos a duvidar, relacionar informações e raciocinar
sobre aquilo que se apropriam. Isto confirma que ensinar exige “pesquisa”
(p. 29), valorização dos “saberes dos alunos” (p. 30), “criticidade” (p. 31),
“estética e ética” (p. 32). E como os professores podem contemplar essas
dimensões na prática educativa? Através da “palavra pelo exemplo” (p. 34)
e da “reflexão crítica sobre a prática” (p. 38).

Uma das tarefas mais importantes da prática educativo-crítica é


propiciar as condições em que os alunos em suas relações uns com
os outros e todos com o professor ou a professora ensaiam a expe-
riência profunda de assumir-se. Assumir-se como ser social e his-
tórico, como ser pensante, comunicante, transformador, criador,
realizador de sonhos [...] (p. 41).

É fato que, durante o ensino remoto, pode ocorrer que


alguns professores por estarem distanciados espacialmente dos alunos
acabem internalizando em sua prática educativa que ensinar é transferir
conhecimento, o que é um equívoco pedagógico. Nesse sentido, devem
estar preparados para interagir nos ambientes virtuais de aprendizagem,
ou seja, estarem abertos “[...] a indagações, à curiosidade, às perguntas dos
alunos, a suas inibições” (p. 47). Caso os alunos façam algumas perguntas
das quais não tenham respostas imediatas, precisam respondê-las poste-
riormente, sem constranger-se, afinal, “Ensinar exige consciência do ina-
cabado” (p. 50).
O ensino presencial e remoto se diferencia muito mais na forma
de ensinar-aprender, pois continuam as responsabilidades de professores e
alunos para com o processo de construção do conhecimento. Decerto que
o desafio de estimular os alunos aumentou, mas nada inatingível, afinal,
“Ensinar exige o reconhecimento de ser condicionado” (p. 53). Isto quer
dizer que os professores precisam elaborar atividades desafiadoras, criati-
vas, que desperte nos alunos o desejo de aprender. E esse desejo perpassa
pelo “respeito à autonomia do ser do educando” (p. 59).

- 246 -
Na verdade, os professores precisam tomar consciência de que
“Ensinar exige bom senso” (p. 61), então não adianta planejar situações
didáticas apenas para cumprir com as responsabilidades docentes e não le-
var em consideração o nível de aprendizagem dos alunos. A experiência de
Paulo Freire com a educação de adultos em Angicos mostra que é possível
ensinar tudo a todos, respeitando o tempo de aprendizagem das pessoas.
No atual contexto da pandemia é oportuno destacar que a relevância não
está na quantidade de informação transmitidas aos alunos, mas no que
é significativo apreender. Isto porque, ensinar exige “bom senso” (p. 61),
“humildade, tolerância e luta em defesa dos direitos dos educadores” (p.
66”) e “apreensão da realidade” (p. 68).
No momento em que os professores estiverem interagindo com
os alunos através da web nas plataformas virtuais precisam mostrar empatia
e convicção de que aquele momento é de suma importância para a apren-
dizagem, pois ensinar exige alegria e esperança, logo é preciso acreditar
que professores e alunos, podem “aprender, ensinar, inquietar-se, produzir
e juntos igualmente resistir aos obstáculos” (p. 72). Por isso, “Ensinar exige
a convicção de que a mudança é possível” (p. 76). Outro ponto importante
com relação as webs é que o professor precisa mostrar “segurança, compe-
tência profissional e generosidade” (p. 91), pois as experiências de aprendi-
zagem vão repercutir nos percursos formativos dos alunos pós-pandemia,
inclusive deixando de gostar de alguns componentes curriculares como,
por exemplo, a matemática.
O mesmo empenho nas atividades on-line deve ser demons-
trado nas atividades impressas que vão para os alunos que não possuem
acesso à Internet, os professores precisam elaborar um material interes-
sante, desafiador e atrelado aos interesses dos alunos, vale inserir jogos,
figuras, entre outros. Ao mesmo tempo em que o ensino remoto resolve
emergencialmente o problema da falta de aulas presenciais ocasiona déficit
de aprendizagem nos alunos de baixa renda, pois não são beneficiados com
a interação com os professores. As duas realidades de alunos mostram que
o desnível de acesso à educação fica ainda mais acentuado no contexto da
pandemia.
Uma questão que merece atenção em meio a essa realidade é a
avaliação da aprendizagem e a recuperação paralela. Afinal, como avaliar
e recuperar os alunos de uma mesma turma diante de itinerários remotos
diferentes? Certamente essa é uma inquietação que levará a muitas dis-
cussões e múltiplas soluções, o que de certo modo vai servir para provar
que os testes constituem instrumentos para um momento na avaliação da
aprendizagem e não todo o processo avaliativo.
O medo, a tristeza, a insegurança, a ansiedade, a angústia e a
incerteza, são sentimentos que alguns professores e alunos certamente vão

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desenvolver durante o ensino remoto, afinal, não estavam preparados para
lidar com essa situação inusitada. Existem alunos que sentem alegria em
estar na escola, rever os amigos, brincar, conversar, construir conhecimen-
to, e a falta dessa rotina mexe com a saúde mental deles. Nesse sentido, os
professores precisam atentar também para essas demandas, pois “Ensinar
exige querer bem aos educandos” (p. 141).

Considerações finais
A pandemia pegou todo mundo de surpresa, apesar de outras
calamidades sanitárias já terem ocorrido. Muita coisa se reconfigurou, o
cuidar e educar, por exemplo, que eram uma das funções sociais delegadas
à escola voltou às famílias nesse momento de isolamento social, devido à
falta de presencialidade. No contexto educacional, a qualidade e o acesso
à educação mais uma vez tornaram-se desigual em se tratando de ensino
público e privado, afinal um detém maior aparato tecnológico que outro e
nesse momento isto está sendo fundamental quanto a mediação pedagógi-
ca entre professores e alunos.
A realidade educacional tem mostrado que cumprir o calendá-
rio letivo não significa garantir aprendizagem, e nesse ponto concordamos
condicionalmente com Freire quando destaca que ensinar não é transferir
conhecimento. E as experiências com o ensino remoto vão provar isto. O
sucesso dessa experiência dependerá em parte da corresponsabilidade das
famílias, das condições estruturais das escolas, da autonomia dos estudan-
tes quanto `aprendizagem e do preparo dos professores – que precisam
estar livres para fazer uso dos recursos didáticos/tecnológico que mais do-
minam.
Especificamente quanto as instituições de ensino, é visível o to-
tal despreparo para lidar com questões educacionais em caráter emergen-
cial. No que se refere aos professores, a responsabilidade aumentou, pois
precisam saber adaptar conteúdos ao formato do ensino remoto. Além dis-
to será necessário diversificar as práticas educativas, o que implica integrar
atividades on-line com off-line, como acontece no ensino híbrido e na EaD,
de modo que os alunos não se enfadem da metodologia utilizada e, respei-
tando a faixa etária, desenvolvam a autonomia necessária a construção do
conhecimento. Isto quer dizer que a conectividade não é só com a Internet,
mas sobremaneira com os conteúdos ensinados. Vale lembrar que recursos
tecnológicos não garantem aprendizagem on-line.
Por fim, é importante destacar que os efeitos do ensino remoto
pós-pandemia é algo que não se consegue prever, mas uma certeza que
professores e alunos terão de agora para frente é que as possibilidades de
ensinar e aprender são múltiplas, além disso provavelmente não vão re-

- 248 -
ceber com tanta perplexidade situações inusitadas. À guisa destas consi-
derações finais e nos colocando como educadores, precisamos perceber
que a experiência com o ensino remoto configura uma oportunidade de
aprendizado que, certamente, nos possibilitará repensar nossas práticas
educativas.

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ção, Lisboa, v. 33, n. 1, p. 133-157, maio 2000. Disponível em: https://revis-
tas.rcaap.pt/rpe/article/view/18500/15332. Acesso em: 04 set. 2020.
KOHAN, Walter. Paulo Freire, mais do que nunca: uma biografia filosófi-
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ROMÃO, José Eustáquio. Razões oprimidas. Revista portuguesa de edu-
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rcaap.pt/rpe/article/view/13985/10568. Acesso em: 20 ago. 2020.

- 249 -
- 250 -
EDUCAÇÃO E ENSINO REMOTO
NO CONTEXTO DA PANDEMIA:
A EXPERIÊNCIA DA EEMTI
DESEMBARGADOR RAIMUNDO DE
CARVALHO LIMA
Walnysse Maria Rodrigues Gonçalves
Ramon Fernandes Ramos
Rosângela Nascimento Da Silva
Jarles Lopes de Medeiros
Alexsandra dos Santos Barbosa
Tiago Souza de Jesus

Introdução
O surgimento de século se dá, efetivamente, em um contexto
em que apareçam transformações em todos os campos da atividade huma-
na, isto é, um rearranjo das forças produtivas, gerando um efeito dominó
sobre as relações sociais, econômicas, tecnológicas, políticas, etc. Os ata-
ques ao Word Trade Center, evento conhecido como o 11 de setembro, ocor-
rido em 2001, é considerado o marco que iniciou o século XXI. Porém,
atualmente alguns historiadores tendem a substituir o marco inicial deste
século, pois acreditam que a queda das Torres Gêmeas não provocou uma
ruptura do modus operandi da sociedade do século XXI. No entanto, o ví-
rus Sars-CoV-2, causador da Covid-19, em menos de um ano, tem promo-
vido sérias reflexões sobre os paradigmas basilares da vida contemporânea
(ALMEIDA, 2020). Em outras palavras, o ano de 2020 entra para a história
da humanidade por diversos acontecimentos que vem se desdobrando em
todo o planeta.
A Covid-19, uma doença respiratória aguda, gerou uma crise
sanitária mundial, que vem dizimando centenas de milhares de pessoas
em um curto espaço de tempo, e trouxe para a humanidade uma gama de
incertezas quanto ao futuro e ao que queremos para nós próprios. Nesse
contexto, em que todos os campos da atividade do homem se encontram
em agitação, a educação também tem sido sacudida por todos os lados
(MORETTI; GUEDES-NETA; BATISTA, 2020).
A pandemia expôs a emergência das mazelas, das desigualdades
e de tantos problemas que a educação apresenta. Isto é, com o coronavírus,
as fragilidades no setor da educação brasileira emergem e se estampam nas
principais discussões políticas do país, demandando um novo modelo que

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atenda, efetivamente, os menos favorecidos. Por essa razão, e visando con-
ter a propagação do coronavírus, escolas e universidades de todo o país e
no mundo tiveram que suspender suas aulas, sem perspectivas de retorno.
Estima-se que, em todo o mundo, quase 1 bilhão de estudantes ficaram
sem aulas (UNESCO, 2020)
Diante desse cenário, surgem alguns questionamentos impor-
tantes: o que fazer para reduzir ao máximo o prejuízo? Que estratégias po-
dem ser adotadas para dar continuidade ao ano letivo? As respostas, na
larga maioria dos países, têm sido dadas com o uso de tecnologias, seja por
meio de plataformas on-line, nas quais os alunos podem acessar conteúdos
e interagir entre si, seja mediante aulas virtuais.
No Ceará, o Decreto n.º 33.510, de 16 de março do Governo do
Estado do Ceará, suspendia todas as atividades pedagógicas do Estado, em
meio à pandemia do novo coronavírus (CEARÁ, 2020). Junto ao decreto
que prorrogou o período de suspensão, a Secretaria da Educação do Estado
(Seduc) publicou as diretrizes para o ensino remoto, no sentido de orientar
professores e alunos (SEDUC, 2020).
Nesse contexto, em que muito se fala em Educação a Distância
(EaD) e ensino remoto, é importante sabermos os seus conceitos, aproxi-
mações e distanciamentos. As autoras Joye, Moreira e Rocha (2020) desta-
cam que o ensino remoto se diferencia da EaD porque o modelo de educa-
ção adotado, durante a pandemia de 2020, assemelha-se à EaD apenas no
que se refere ao uso de uma educação mediada pela tecnologia digital, seus
princípios seguem semelhantes ao modelo da educação presencial.
As aulas e atividades estão sendo veiculadas digitalmente e vol-
tarão ao formato presencial assim que a crise sanitária for controlada ou
resolvida. Nesse caso, ao disponibilizar esse modo como paliativo emer-
gencial, a intenção não é reinventar um novo modelo educacional, mas
proporcionar um acesso momentâneo às atividades escolares, minimizan-
do, assim, os efeitos do período de suspensão de aulas em decorrência do
isolamento social.
Inserida nesse contexto, a EEMTI Desembargador Raimundo
de Carvalho Lima, localizada na Av. XIX, S/N, Jereissati II/Pacatuba, en-
controu-se, da noite para o dia, diante do desafio de se reinventar, remo-
delar-se e traçar novas formas para atender às exigências de um modelo
de estudo sem a presença física de seus atores. Atualmente, a instituição
conta com 344 alunos regularmente matriculados na modalidade Ensino
Médio Integral, divididos em 9 turmas, A clientela atendida é oriunda, ba-
sicamente, dos bairros Jereissati II e III, Pavuna e comunidades adjacentes.
Sua composição socioeconômica é relativamente homogênea, sendo que
prevalecem famílias de baixa renda, muitas beneficiárias de programas de

- 252 -
distribuição de renda do governo federal, que implica alunos com poucos
recursos para investir em tecnologias para o ensino remoto.
Desse modo, nossa instituição, seguindo os preceitos do apren-
der a fazer fazendo, aceitou o desafio e, coletivamente, construiu uma ação
pedagógica que norteará todo o ensino remoto durante o ano letivo de
2020, visando minorar os impactos causados pela pandemia e suas conse-
quentes transformações educacionais na aprendizagem de estudantes. Este
artigo apresenta um relato de experiência da escola no enfrentamento dos
efeitos da pandemia e os desafios do ensino remoto.

Desenvolvimento
No dia 21 de março de 2020, participando de um encontro de
jovens de forma virtual, tivemos a ideia de reunir toda a gestão da escola
para trocar ideias e juntos superarmos a onda pessimista que se estabele-
cera por conta da suspensão das aulas. Naquele primeiro encontro, datado
do dia 23 de março, resolveu-se desenhar algumas estratégias para que a
escola mantivesse o vínculo entre todos os seus segmentos, respeitando o
isolamento social durante o período de suspensão de aulas, que, até então,
acreditávamos ser breve. Nessa oportunidade, usávamos a Plataforma Jitsi
meet35, - por ser gratuita e de fácil acesso.
A partir daquele momento, convidamos o grupo docente para
acessar, e a simples reunião se transformou, dias depois, em um debate
pedagógico com o tema: “Como atender os nossos alunos durante a pan-
demia?”. Equipes de professores se formaram, construímos salas virtuais
destinadas aos atendimentos coletivos de alunos, tira-dúvidas e aulas vir-
tuais. A comunicação com alunos para compartilhamento de atividades
domiciliares e tira-dúvidas, que estava restrita aos grupos de WhatsApp ou
atendimento privado, durante a pandemia, começava ali a incluir platafor-
mas digitais.
Refletindo sobre a situação em que nos encontrávamos, e tendo
em vista que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional — LDB
(BRASIL, 1996), que prevê no artigo 5º que, em casos de fatores diversos
de saúde impossibilitem a frequência da criança e do adolescente no espa-
ço escolar, a instituição de ensino pode dar continuidade ao atendimento
pedagógico em ambiente domiciliar, deliberamos estabelecer um plano
inicial de atividades domiciliares que contemplaria cadastrar os alunos
para acesso à plataforma Aluno Online, elaborar e realizar postagens de
atividades domiciliares atinentes às disciplinas curriculares, estabelecer ro-
tina de videoconferências para realização de aulas e reuniões nos diversos
segmentos da escolas, adequar as provas bimestrais para sua realização via
internet e acompanhar as devolutivas dos alunos.
35 Disponível em: https://meet.jit.si/RCL. Acesso em: 10 ago. 2020.

- 253 -
Dos encontros entre professores e gestão, foi construído o pro-
jeto piloto para salas de aula virtuais. À medida que acompanhávamos as
discussões nos grupos de WhatsApp das turmas, observávamos que as
primeiras atividades domiciliares, organizadas por área de conhecimento
e compartilhadas no formato PDF, por intermédio dos aplicativos What-
sApp, Messenger ou mesmo por e-mail, geraram muitas dúvidas no nosso
corpo discente. Assim, iniciamos a construção de nossas salas de aulas vir-
tuais, nas quais os professores encontravam-se com os alunos, explicavam
os conteúdos e comentavam as atividades compartilhadas na semana. En-
tretanto, nesse momento inicial, a escola caminhava seguindo de forma
intuitiva sua prática pedagógica no modo remoto.
Para validar e colaborar com as nossas práticas pedagógicas, a
Seduc, via Crede 01, apresentou-nos a proposta de uma plataforma para
esse modelo de ensino: O Google Classroom. A partir daí, a gestão escolar
começou a construir um ambiente digital, capacitando os professores, ha-
bilitando os alunos para seu acesso, sem perder de vista as atividades re-
motas já em curso, que passaram também a ser disponibilizadas no site da
escola criado e desenvolvido para atender uma das principais demandas
surgidas com a pandemia - ampliar a capacidade de contato entre a escola
e os alunos, facilitando o acesso às atividades domiciliares.
A nova realidade da escola impôs a necessidade de estruturação
de um plano pedagógico curricular adaptado e por isso foi necessário a
intervenção da superintendência na organização dessa etapa. A figura 1
mostra como iniciamos a construção do PAD - Plano de Atividades Domi-
ciliares, principal instrumento pedagógico para delinear as ações durante a
pandemia, tendo como base o livro didático adotado para a turma. Em sua
primeira versão, havia apenas a sequência conteudista seguindo o índice de
livro, ou atividades soltas sem contexto, objetivos, de difícil compreensão,
e muito extensas. Após uma série de intervenções, durante nossas reuniões
pedagógicas de áreas, foi possível estabelecer a mudança de rota e a entrada
definitiva no modo ensino remoto. Percebemos que o momento exigia da
escola, não só uma adequação pedagógica, mas adequação curricular.
A propagação das atividades domiciliares, as primeiras inter-
venções didáticas pedagógicas e aprendizagem de nossos alunos, por meio
remoto, começaram a partir dos grupos das turmas no aplicativo de celular
WhatsApp e tiveram os Professores Diretores de Turma (PDT) como ele-
mentos essenciais para a manutenção do contato entre todos segmentos
da comunidade escolar. Foi a partir da dedicação de nossos diretores de
Turma que a escola passou a manter contato com um número significativo
de pais e alunos.
Todavia a chegada do Google Sala de aula e as formações que
fizemos coletivamente, permitiram um salto de qualidade pedagógica no

- 254 -
uso das ferramentas do Google a favor da aprendizagem dos educandos.
As avaliações e autoavaliações passaram a ser sistemáticas, facilitando o
acompanhamento e monitoramento dos alunos que ainda não conseguiam
participar do modelo novo. Atividades mais elaboradas, provas contextua-
lizadas, aulas mais atrativas foram algumas das ações produzidas por toda
equipe pedagógica da escola. A disposição de nossos professores a querer
sempre aprender e saber se reinventar, em uma situação inesperada como
a que vivenciamos, é algo digno e deve sempre ser elogiado.
As disciplinas eletivas, parte diversificada do currículo, também
começaram a ser ministradas quando o modelo de ensino remoto já se
desenhava. Nessa etapa, a segurança quanto ao uso das ferramentas e a ne-
cessidade de inovação de toda equipe pedagógica foram essenciais. Muitos
professores passaram a explorar novas possibilidades para ampliar o alcan-
ce de nosso público, promovendo lives nas redes sociais, produzindo vi-
deoaulas e criando canal no Youtube sobre os assuntos discutidos nas aulas.
O uso do Instagram se tornou relevante para aproximar ainda
mais a escola da comunidade, assim como o uso dos canais do Youtube
criados pelos professores e reuniões temáticas pelo Google Meet. Com eles,
foi possível ampliar o repertório de possibilidades para atingir não só nosso
público alvo, nossos alunos, mas a comunidade em geral, proporcionando
a propagação do conhecimento. É de fundamental importância destacar a
inserção de entrevistas com o Corpo Docente, promovidas pelo Grêmio
Escolar e de debates sobre temas atuais, nos quais contamos com a presen-
ça online de convidados de outras escolas da rede estadual e organizações
diversas, tratando de temas como racismo, feminismo, educação em meio
a pandemia, os desafios do Enem 2020, educação emocional, importância
do Fundeb para a educação, entre outros.
Desse modo, após algumas tentativas, entre erros e acertos, cor-
reções de rotas, compartilhamento de boas práticas docentes e escuta ativa
de todos segmentos de nossa comunidade escolar, enfrentamos o desafio
de manter as atividades curriculares da escola, em meio a pandemia, no
sistema de ensino remoto. Buscamos manter a rotina escolar online o mais
próximo da rotina que tínhamos no ensino presencial, no qual o primeiro
desafio foi adequar o horário que tínhamos na escola para o modo home
office, como estratégia para minorar os impactos do período não só quanto
à aprendizagem dos estudantes, mas, sobretudo, no que representa a escola
na vida de nossos alunos, um ambiente acolhedor que promove relações
interpessoais, capaz de superar as barreiras do isolamento social e desper-
tar nos alunos e seus familiares um sentimento de afetividade e confiança.
As práticas pedagógicas exitosas da escola nos motivaram a
compartilhar essa experiência com outras instituições ligadas à educação

- 255 -
básica. Nesse percurso, a caminhada da práxis pedagógica ocorreu de for-
ma espiralada na qual, à medida que era desenvolvida, sofria os ajustes ne-
cessários pautados nas contribuições advindas dos resultados alcançados e
do feedback de alunos e professores.
A primeira mudança de estratégia foi a troca realizada do uso
exclusivo do WhatsApp para o uso compartilhado entre esse aplicativo e
plataforma Jitsi Meet. Isso, porque os alunos tiveram muitas dúvidas das
atividades iniciais e os professores diretores de turma não conseguiam su-
prir sozinhos toda a demanda da turma, quanto ao volume de atividades
domiciliares compartilhadas, acompanhamento de devolutivas e encami-
nhamento aos demais professores. Posteriormente, o convênio entre a Se-
duc/CE e o Google, com o objetivo de dar suporte aos estudos realizados
em casa de forma segura, disponibilizou a plataforma GSuite a todos os
professores e alunos da rede estadual, promovendo uma melhor interação.
Endereços eletrônicos pessoais e institucionais (@prof.ce.gov.br e @aluno.
ce.gov.br), e uma série de ferramentas, como Google Sala de Aula, Drive,
Gmail, Hangout e Agenda, permitiram a elaboração, distribuição, armaze-
namento e controle das atividades pedagógicas de todas disciplinas.
O WhatsApp continua como recurso disponível e ainda é am-
plamente utilizado para manter a comunicação mais aproximada entre
todos. Através dele compartilhamos informes em geral como os links das
aulas/reuniões, agenda semanal, programação de atividades, cronograma
de estudo etc. O Jitsi, porém, foi substituído pelo Google Meet para as aulas
e conferências virtuais.
Outros aplicativos adotados foram o Instagram e Youtube para
aulas em sistema de streaming, visando auxiliar os alunos que não conse-
guiram participar ao vivo do encontro, enquanto que as atividades passa-
ram a ser postadas preferencialmente no Google Classroom.
Das ações pedagógicas intensificadas, das avaliações e pesqui-
sas, e utilizando a base de 344 alunos matriculados, no primeiro bimestre,
logramos o alcance de 79,36% de participação nas avaliações online.
Esse dado é fruto de três elementos importantes: As provas par-
ciais presenciais, uso de internet compartilhada e reordenação da meto-
dologia de ensino. Entretanto, com o avanço da pandemia e todos os pro-
cedimentos adotados para o isolamento social, muitas famílias sofreram
impactos econômicos e não conseguiram mais manter a internet em casa.
O que levou a uma pequena redução do número de alunos atendidos pelo
ensino remoto de nossa escola. Vale salientar que o 2º bimestre foi reali-
zado exclusivamente por intermédio das atividades domiciliares e atendi-
mentos online. Apesar de todas as dificuldades, mantivemos o contato com
até 66,27% de nosso corpo discente, nas provas parciais do 2º bimestre,
realizadas em meados do mês de maio.

- 256 -
Encerramos o primeiro semestre com 75,30% das notas conso-
lidadas, considerando a participação efetiva dos alunos em todas as ati-
vidades domiciliares e online, sendo 91,7%, no 1º período, e 59%, no 2ª
período.

Conclusão
Ensinar, avaliar e aprender tornaram-se desafios em meio à luta
contra o coronavírus. Da noite para o dia, professores, funcionários e ges-
tores de escolas públicas, em decorrência do isolamento social, tiveram que
implementar o ensino remoto de forma emergencial. Instrumentos, como
smartphones, que muitos utilizavam para entretenimento, passaram a ser
uma das principais ferramentas de ensino e aprendizagem, sob uma carga
de estresse trazido pela necessidade de se adaptar rapidamente a esse novo
cenário somado à insegurança, ansiedade e demais apreensões natural-
mente presentes em uma pandemia.
A ideia de contabilizar a aprendizagem pelo tempo que os alunos
permanecem sentados em uma sala de aula é uma das principais mudanças
que observamos no ensino remoto. Nesse modelo, é necessário rever técni-
cas de ensino ultrapassadas e refletir sobre as práticas de ensino defendidas
por Freire (2017, p. 25), em sua Pedagogia da Autonomia, “formar é muito
mais do que puramente treinar o educando no desempenho de destrezas”,
afinal “ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades
para a sua própria produção ou a sua construção”. A linguagem é diferente,
o tempo é diferente, o escopo é diferente, e todos os segmentos deste pro-
cesso de ensino estão diferentes nessa situação. E é justamente por isso que
repensar o modo de avaliar também se tornou uma provocação no fazer
educação em plena pandemia.
De acordo com Luckesi (2006), a avaliação educacional deve ser
sistêmica e contínua, funcional, orientadora e deve focar na aprendizagem
e nas competências a serem desenvolvidas nos alunos. Não existe de forma
isolada, faz parte de um processo, devendo ser o meio para a aprendizagem
e não o fim. Avaliar o aluno, nessa ótica, significa verificar se estão sendo
atingidos os objetivos previstos. Através da avaliação, o aluno e o profes-
sor podem observar as dificuldades e os progressos na aprendizagem e,
assim, se reorientam e buscam soluções alternativas desde que necessário.
Portanto a avaliação orienta a prática pedagógica do professor em relação
à aprendizagem do aluno, que deve ser visto de forma integral e não dividi-
da, sendo observados aspectos em sua dimensão cognitiva, social, emocio-
nal e física, e sobretudo reflete sua própria ação como educador.
A pandemia da Covid-19 pode ser uma grande oportunidade
para a escola repensar suas práticas de ensino-aprendizagem, bem como o

- 257 -
Estado promover políticas públicas que garantam um financiamento ade-
quado para a Educação (DIAS; PINTO, 2020). Entender, definitivamente,
que educar é um ato de amor; avaliar é um ato político, pedagógico e amo-
roso; e que a escola desempenha um papel essencial na vida de todos. Mas
também envolve pesquisa e formação docente.
As ações pedagógicas da escola para o ano 2020 vêm demons-
trando a capacidade de adaptação aos novos desafios produzidos pelo
contexto educacional atual. O processo de ensino e aprendizagem segue
avançando e nesse caminhar, a escola se reorienta sempre na perspectiva
de proteger o tempo pedagógico e, consequentemente, a efetiva aprendi-
zagem.

Referências
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da Educação Nacional. Brasília: MEC, 20/12/1996.
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- 259 -
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SOBRE OS(AS) AUTORES(AS)
ALANA CRISTINA MACIEL MATOS
Formada em Pedagogia, pela Universidade Federal do Ceará
(UFC). Especialista em Educação Infantil, pela Faculdade Plus. Especialis-
ta em Psicopedagogia Clínica, Hospitalar e Institucional, pela Faculdade do
Vale do Jaguaribe. E professora efetiva da Prefeitura Municipal de Caucaia.
E-mail: [email protected]

ALDA MARGARETE SILVA FARIAS SANTIAGO


Pedagoga e mestra em Educação – Universidade Federal do Ma-
ranhão/UFMA. Doutora em Educação Brasileira – Universidade Federal
do Ceará/UFC. Docente do Departamento de Educação II – Universidade
Federal do Maranhão/UFMA. Membro do Núcleo Estruturante Docente
–NDE do Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica
– PARFOR/UFMA. E-mail: [email protected]

ALEXSANDRA DOS SANTOS BARBOSA


Graduada em Filosofia pela Universidade Federal do Ceará
(UFC). Mestranda em educação pelo Programa de Pós-Graduação em
Educação da Universidade Federal do Ceará (PPGE/UFC). Professora de
Filosofia e diretora de turma na Secretaria de Educação do Ceará (Seduc).
E-mail: [email protected]

ANA CRISTINA SILVA SOARES


Possui Licenciatura em Pedagogia pela Universidade Estadual
do Ceará - UECE (1990), especialização em Psicologia Aplicada pela Uni-
versidade Federal do Ceará - UFC (1998), mestrado e doutorado em Edu-
cação pela UFC (2004/2011). Professora Adjunto I da Universidade Esta-
dual Vale do Acaraú - UVA, atuando na graduação em Pedagogia. Líder
do grupo de pesquisa cadastrado no CNPq, Grupo de Estudos e Pesquisas
sobre Acessibilidade, Diferença, Práticas Pedagógicas e Educação Inclusiva
- GEPADEP. Pesquisadora no Laboratório Interdisciplinar em Saúde Cole-
tiva, Farmácia Social e Saúde Mental Infanto-Juvenil (LISFARME) da UFC.
E-mail: [email protected]

ANA PAULA SOARES GONDIM


Possui graduação em Farmácia pela Universidade Federal do
Ceará (1989), mestrado em Saúde Pública pela Universidade Federal do
Ceará (1998), doutorado em Saúde Coletiva pela Universidade Federal da
Bahia (2007) e estágio pós-doutoral em Saúde Coletiva/Saúde Mental pela

- 261 -
Universidade Estadual de Campinas (2011-2012). Atualmente é Professora
Adjunta IV do Curso de Farmácia e Chefe do Departamento de Farmácia
da Universidade Federal do Ceará. Professora do Programa de Pós-gra-
duação em Ciências Farmacêuticas e do Mestrado Profissional em Saúde
da Família da Universidade Federal do Ceará. E-mail: anapaulasgondim@
ufc.br

ANA PAULA VASCONCELOS DE OLIVEIRA TAHIM


Doutora e mestra em educação pela Universidade Federal do
Ceará - UFC. Graduação em Pedagogia pela Universidade Federal do Cea-
rá - UFC. E-mail: [email protected]

ANTÔNIA EDIVANEIDE DE SOUSA GONZAGA


Doutora e mestra em Educação, linha de Avaliação Educacional,
pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Graduada em Pedagogia, pela
Universidade Estadual do Ceará (UECE/FECLI). Professora do Instituto
Federal de Educação da Paraíba (IFPB). E-mail: edivaneidesousa2012@
gmail.com

ANTONIO JUSCELINO BARBOSA DOS SANTOS


Mestrando em História pela URCA (ProfHistória). Possui gra-
duação em Licenciatura Plena em História e Geografia pela Universidade
Estadual Vale do Acaraú (2004) e graduação em Pedagogia pela Universi-
dade Estadual Vale do Acaraú (2000). É especialista em Gestão Escolar pela
Universidade do Estado de Santa Catarina- UDESC (2006) e em Ensino de
História pela Universidade Estadual Vale do Acaraú - UVA (2008). É pro-
fessor de História e Geografia da rede municipal de Trairi- Ce. Bolsista da
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).
E-mail: [email protected]

ANTONIO MARCONE DE OLIVEIRA


Pós-graduado em Psicopedagogia Clínica e Institucional, pela
Faculdade Kurios (FAK). Especialista em Pedagogia Empresarial, pela Ver-
bo Educacional e Graduado em Pedagogia, pela Universidade Vale do Aca-
raú (UVA). Supervisor Pedagógico do Serviço Nacional de Aprendizagem
Comercial (SENAC/CE), Professor Universitário e Organizador do livro:
Pedagogia do Trabalho – A atuação do Pedagogo na Educação Profissional.
E-mail: [email protected]

AURINETE ALVES NOGUEIRA


Possui graduação em Pedagogia pela Universidade Federal do

- 262 -
Ceará. É especialista em Gestão Educacional pela UNI7. Atualmente é pro-
fessora alfabetizadora da Prefeitura Municipal de Fortaleza e realiza pes-
quisas na área da alfabetização e letramento. É tutora do grupo de estudos
GEPA (Grupo de Estudo e Pesquisa em Alfabetização) na Universidade Fe-
deral do Ceará. É professora preceptora do Programa Residência Pedagó-
gica- CAPES. Desenvolve um projeto de autoria de material didático para
a Revista Nova Escola.E-mail: [email protected]

EDVALDO COSTA RODRIGUES


Doutorando em Educação pela Universidade Federal do Ceará.
Mestre em Educação pela Universidade Federal do Maranhão. Licenciado
em Pedagogia e História pela Faculdade Santa Fé. Especialização em Su-
pervisão Escolar; Psicologia da Educação; Escola, Família e Sociedade; In-
formática na Educação. Técnico da Área de Currículo Escolar na Secretaria
Municipal de Educação de São Luís-MA. Professor-substituto no Depar-
tamento de Educação e Filosofia da Universidade Estadual do Maranhão.
Integrante do grupo de pesquisa: Práticas educativas, desenvolvimento hu-
mano e formação de professores na era digital. E-mail: ecostarodrigues@
yahoo.com.br

FÁBIO JOSÉ CAVALCANTI DE QUEIROZ


Graduado em História. Mestre e doutor em Sociologia, com
pós-doutorado em Educação pela Universidade Federal do Ceará (UFC), e
professor do Departamento de História da Universidade Regional do Cari-
ri (URCA). E-mail: [email protected]

FRANCISCO JAQUES MORAIS DE OLIVEIRA


Graduado em Sistemas para Internet pela Faculdade de Tecno-
logia Evolução e Especialista em Desenvolvimento Mobile pela Estácio.
Atualmente atuo como desenvolvedor Java na Companhia de Água e Esgo-
to do Ceará – CAGECE.E-mail: [email protected]

FRANCISCO MOURA VALENTE JUNIOR


Mestre em Administração e Controladoria, com linha de pes-
quisa em Marketing, pela Universidade Federal do Ceará (UFC), onde
também se graduou em Comunicação Social, com habilitação em Jornalis-
mo, e concluiu especialização em Gestão da Comunicação nas Organiza-
ções. É professor universitário, atuando nos eixos acadêmicos da gradua-
ção, pós-graduação e extensão em cursos como Jornalismo, Publicidade,
Administração e Comunicação e Marketing em Mídias Digitais. E-mail:
[email protected]

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GABRIELA LOPES DE SOUSA
Apresenta licenciatura em Pedagogia pela Universidade Federal
do Ceará, especialização em Tecnologias e Educação a Distância pelo Cen-
tro Universitário Barão de Mauá e mestrado em Educação Brasileira pelo
Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Educação da Universidade
Federal do Ceará. É servidora pública do município de Maracanaú - CE,
atuando como professora da educação básica. E-mail: gabizine19@gmail.
com

JARLES LOPES DE MEDEIROS


Doutorando e mestre em Educação pelo Programa de Pós-Gra-
duação em Educação da Universidade Federal do Ceará (PPGE/UFC).
Licenciado em Pedagogia pela Universidade Estadual do Ceará (UECE),
licenciado em Língua Portuguesa pela Faculdade da Grande Fortaleza
(FGF) e especialista em Psicopedagogia Institucional e Clínica pela Facul-
dade da Aldeia de Carapicuíba (FALC). É professor do Curso de Pedago-
gia da UECE, e atua como tutor no Curso de Pedagogia da Universidade
Aberta do Brasil (UAB/UECE). Professor de Língua Portuguesa vinculado
à Secretaria da Educação do Ceará (SEDUC). E-mail: [email protected]

JOSÉ BRITO DA SILVA FILHO


Mestre em Artes Cênicas pela Universidade Federal do rio
Grande do Norte. Graduado em Licenciatura Plena em Teatro (2014) e
em História (2007) pela Universidade Regional do Cariri (URCA). Espe-
cialista em Ensino de Artes: Técnicas e Procedimentos pela Universidade
Cândido Mendes (2017). Atualmente é professor de artes na Secretaria de
Educação do Estado do Ceará (SEDUC-CE). Atua no Presença do Caos
nos Estados do Ser ou Recriar-se entre o ser e o não ser - (UFRN/CNPq),
Núcleo de História Oral e Tradições - NHISTAL (URCA/CNPq) e Labo-
ratório de Criação e Recepção Cênicas - LACRICE (URCA/CNPq). Pro-
fessor de artes da Rede Básica de Ensino do Estado do Ceará na E. E. E.
P. Maria Vileta Arraes de Alencar Gervaiseau - Crato- Ce. E-mail:jbsfig@
gmail.com

JOSÉ CLÁUDIO LEÔNCIO GONÇALVES


Mestre em Ensino de História (ProfHistoria/URCA-UFRJ)
e atua como professor temporário de História no Ensino Médio do Es-
tado do Ceará. Especialista em Ensino de História, Suas Metodologias e
Pesquisa (URCA/2016). Graduado em Licenciatura Plena em História
(URCA/2010). Professor de História da Rede Básica Estadual de Educação
do Ceará. E-mail: [email protected]

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JOSÉ CRISTIANO LIMA PEREIRA
Graduado em Ciências Sociais pela Universidade Metodista de
São Paulo - UMESP, 2013. MBA Gestão de Projetos pela Universidade Es-
tácio 2017. E-mail: [email protected]

JOSÉ ERNANDI MENDES


Professor do Centro de Educação e do Mestrado Acadêmico
Intercampi em Educação e Ensino - MAIE, da Universidade Estadual do
Ceará - UECE. Doutor em Educação Brasileira pela UFC e Pós-Doutor na
EHESS, Paris-FR. E-mail: [email protected]

KARYANNE MOREIRA DA SILVA NOGUEIRA ROSA


Mestra em Educação, pelo Programa Pós-Graduação em Edu-
cação da Universidade Federal do Maranhão PPGE/UFMA. Especialista
em Gestão Escolar Integrada e Práticas Pedagógicas, pela Universidade
Cândido Mendes (UCAM). Especialista em Concepções Pedagógicas, pela
Universidade Municipal de São Caetano do Sul. Licenciada em Pedagogia,
pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA). Supervisora Escolar da
Secretaria Municipal de Educação de Bacabeira – MA. Professora de Séries
Iniciais do Município de São Luís - MA. Integrante do Grupo de Pesquisa
Escola, Currículo, Formação e Trabalho Docente que faz parte do PPGE/
UFMA. E-mail: [email protected]

KAWSLÁVYA ARAÚJO BESSA


Psicóloga, graduada pela Universidade de Fortaleza - Unifor.
E-mail: [email protected]

KEYLLYANNE DESTERRO CARDOSO


Possui graduação em Pedagogia pela Universidade Federal do
Maranhão (2011). Especialista em docência no Ensino Superior. Mestra
em Educação pelo Programa de Pós-Graduação do Mestrado em Educação
da Universidade Federal do Maranhão - UFMA. Atualmente docente do
Ensino Fundamental da rede pública municipal de São Luís – MA. Tutora
de EAD do IFMA e da UEMA e docente do Centro de Ensino Superior de
Bacabeira – CESBA. E-mail: [email protected]

LIEGE SANTOS SOARES


Graduada em Pedagogia Especialista em Educação Profissional
Consultora Pedagógica Senac/CE. E-mail: [email protected]

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LUIZA ISABEL ALENCAR MOTA
Graduada em Pedagogia e Letras. Especialista em Gestão Edu-
cacional. Formadora de Docentes da PMF. E-mail: [email protected]

MÁDJA DIÓGENES MAIA


Mestre em Educação e Ensino pelo Mestrado Acadêmico e In-
tercampi em Educação e Ensino (MAIE) da Universidade Estadual do Cea-
rá (UECE); Formadora Municipal do Eixo de Gestão e dos professores de
matemática do 3° ao 5° ano do ensino fundamental I; Coordenadora da
equipe pedagógica da Secretaria Municipal de Educação, e Coordenado-
ra do Plano Municipal de Educação de Alto Santo - CE. E-mail: madja-
[email protected]

MARCOS ADRIANO BARBOSA DE NOVAES


Mestre em Educação e Ensino pelo Mestrado Acadêmico Inter-
campi da Universidade Estadual do Ceará (MAIE/FAFIDAM/FECLESC/
UECE), especialista em Gestão de Organizações Sociais, possui graduação
em Pedagogia pela Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA) (2013).
Professor do curso de Pedagogia da Faculdade de Filosofia Dom Aureliano
Matos (FAFIDAM/UECE). Coordenado do Grupo de Estudos Trabalho e
Educação (GETE). E-mail: [email protected]

MARIA CARLA DOS SANTOS NOGUEIRA


Mestra em Ciências das Religiões pela FU, Brasil. Bacharel em
Administração pela Faculdade de Balsas. Especialização em Psicologia da
Educação pela UEMA; em Docência para a Educação Profissional pelo SE-
NAC/SP; em Gestão de Pessoas pela Universidade Católica Dom Bosco.
Pós-graduanda em Informática na Educação pelo IFMA – Campus São
Raimundo das Mangabeiras. Acadêmica do 3º período do curso de Licen-
ciatura em Pedagogia da Universidade Estadual do Maranhão - UEMA.
Instrutora de Educação Profissional - Nível II - Área de Gestão e Negócios
no Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial – SENAC. Tutora nos
cursos de Tecnologia em Gestão de Recursos Humanos e Administração
da UNOPAR - polo Balsas. E-mail: [email protected]

MARIA DAS DORES MENDES SEGUNDO


Doutora em Educação Brasileira (UFC). Pós-doutora (UFPB),
sob a supervisão do Professor Dr. José Francisco de Melo Neto (2014-
2015). Mestre em Economia Rural (UFC). Graduada em Economia (UFC).
Professora associada da UECE, do Programa de Pós-Graduação em Edu-
cação (PPGE) e do Mestrado Acadêmico Intercampi em Educação e Ensi-
no (MAIE) da UECE. Professora colaboradora do Programa de Pós-Gra-

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duação de Educação Brasileira da Universidade Federal do Ceará (UFC).
Coordenadora do Mestrado Acadêmico Intercampi em Educação e Ensino
(MAIE) no período 2013-2017. E-mail: [email protected]

MARIA ELIZÂNGELA DA PENHA


Pós-graduada em Psicopedagogia Clínica e Institucional pela
Faculdade Kúrios (FAK). Graduada em Pedagogia pela Universidade Esta-
dual do Ceará (UECE) Campus Iguatu. Supervisora Pedagógica do Progra-
ma de Formação Continuada de Professores do Serviço Social do Comér-
cio (SESC) - Iguatu-Ceará. E-mail: [email protected]

MARIA GABRIELA CUNHA APPLEYARD


Possui formação em Arquitetura e Urbanismo pela UNIFOR
(Universidade de Fortaleza), onde cursa atualmente a Especialização em
Paisagismo. Membro do Grupo de Estudo Laboratório da Paisagem (UNI-
FOR), desenvolveu o projeto FLORAPÉDIA, uma aplicação web voltada
para a catalogação de espécies vegetais da flora nativa cearense. Atualmen-
te desenvolve projetos nas áreas de arquitetura e paisagismo. E-mail: arq-
[email protected]

MARIA HELENA RODRIGUES CAMPELO


Doutoranda e mestra em Educação (UFC); Educadora biocên-
trica; Especialista em Serviço Social e Seguridade Social; Docente; Psicólo-
ga; Assistente Social.E-mail: [email protected]

MARIA JOSÉ GONÇALVES BERNARDO


Formada em Pedagogia, pela universidade estadual do Ceará
- UECE. Especialista em Psicopedagogia Institucional e clínica, pela Fa-
culdade da Aldeia de Carapicuíba - FALC. Especialista em Atendimento
Educacional Especializado pela Faculdade Paulista de Serviço Social de
São Caetano do Sul - FAPSS. E professora efetiva da Prefeitura Municipal
de Fortaleza. E-mail: [email protected]

MARIA REGISLANE FROTA FÉLIX


Graduada em Comunicação Social, com habilitação em Publi-
cidade e Propaganda pelo Centro Universitário Estácio do Ceará. Pós gra-
duanda em Marketing de Varejo pela faculdade CDL. Atualmente trabalha
com mentoria, gestão e planejamento estratégico de marketing digital para
redes sociais. É também produtora de conteúdo para internet e ativista
dos direitos civis voltados para a pauta racial. E-mail: lanafelixcomercial@
gmail.com

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MILENE KINLLIANE SILVA DE OLIVEIRA
Licenciada em Pedagogia (UECE). Mestra em Educação
(UECE). Professora das series iniciais do ensino fundamental da Rede
Municipal de Ensino de Fortaleza (CE). E-mail: [email protected]

NÁDJA DIÓGENES MAIA


Mestre em Educação e Ensino pelo Mestrado Acadêmico e
Intercampi em Educação e Ensino (MAIE) da Universidade Estadual do
Ceará (UECE); Professora temporária do curso de pedagogia da Univer-
sidade Estadual do Ceará (UECE/FAFIDAM); Formadora Municipal dos
Professores de 1° e 2° ano do ensino fundamental I (Eixo de Alfabetização),
e Coordenadora Municipal do eixo de inclusão escolar, da Secretaria Mu-
nicipal de Educação de Alto Santo - CE.
E-mail: [email protected]

NIVÂNIA MENEZES AMÂNCIO


Historiadora, professora da rede pública do Ceará, mestra
e doutoranda em Educação pela Universidade Federal do Ceará (UFC).
E-mail: [email protected]

POLYANA NOGUEIRA DIAS


Pedagoga (UECE). Especialista em Gestão Escolar e Coordena-
ção Pedagógica. Professora das series iniciais do ensino fundamental da
Prefeitura Municipal de Fortaleza. E-mail: [email protected]

RAMON FERNANDES RAMOS


Mestre em Humanidades (UNILAB) e Especialista em Ensino
de Literatura e Língua Portuguesa (Faculdade ATENEU). Atualmente é
coordenadora pedagógica na EEMTI Desembargador Raimundo de Car-
valho Lima.E-mail: [email protected]

ROSÂNGELA NASCIMENTO DA SILVA


Licenciada em Letras pela Universidade Federal do Ceará
(UFC) e possui especialização nas seguintes áreas: Gestão e Avaliação Es-
colar (CAED/UFJF) e Literatura Comparada (UFC). Atualmente é diretora
na EEMTI Desembargador Raimundo de Carvalho Lima.E-mail: rosange-
[email protected]

SIDARTA NOGUEIRA CABRAL


Mestre em Educação pela Universidade Federal do Ceará -
UFC. Graduação em Pedagogia pela Universidade Estadual Vale do Aca-
raú. E-mail: [email protected]

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SUZANA ANDRÉIA SANTOS COUTINHO
Professora de Séries Iniciais do Município de São Luís – MA.
Mestra em Educação, pelo Programa Pós-Graduação em Educação da
Universidade Federal do Maranhão PPGE/UFMA. Integrante do Grupo
de Pesquisa Escola, Currículo, Formação e Trabalho Docente que faz parte
do PPGE/UFMA. Licenciada em Pedagogia, pela Universidade Federal do
Maranhão (UFMA). E-mail: [email protected]

TIAGO SOUZA DE JESUS


Bacharel e licenciado em História pela Universidade Federal de
São Paulo (UNIFESP). Especialista em História e Cultura Afro-brasileira
e Africana na Universidade Federal de Goiás (UFG). Aperfeiçoamento em
Educação, Pobreza e Desigualdade Social (UFC). Professor na Secretaria
da Educação Básica (SEDUC-CE). Ex-pesquisador do NEAB-UNIFESP e
do Programa Mais Cultura nas Escolas, um programa MinC/MEC. E-mail:
[email protected]

THATIANNY JASMINE CASTRO MARTINS DE CARVALHO


Professora assistente da Universidade Federal do Piauí, no
campus Senador Helvídio Nunes de Barros. Doutoranda no Programa de
Pós-Graduação em Educação Brasileira, na linha de pesquisa História e
Educação Comparada, da Universidade Federal do Ceará. Mestre em Edu-
cação pela Universidade Federal do Ceará e graduada em Pedagogia pela
Universidade Federal do Piauí.E-mail: [email protected]

VANESSA PINTO RODRIGUES FARIAS


Mestra em Educação na Universidade Federal do Ceará (UFC).
Graduada em Letras Português e Espanhol (UFC). Professora de Língua
Portuguesa na Secretaria da Educação (Seduc).E-mail: vanessacriativa@
gmail.com

VIVIAN KELLY PEREIRA LIMA


Graduação em Pedagogia pela Universidade Estadual do Ceará
(2011). Especialização em Psicomotricidade pela Universidade Estadual
do Ceará (UECE) e em Neuropsicopedagogia e Transtornos Escolares pela
Faculdade do Maciço de Baturité (FBM). Atualmente é professora na Sala
de Recursos Multifuncionais com Atendimento Educacional Especializado
no município de Maracanaú pela Secretaria da Educação Básica do Ceará.
E-mail: [email protected]

WALNYSSE MARIA RODRIGUES GONÇALVES


Especialista em Gestão Escolar e Coordenação Pedagógica
(FTP) e Licenciada em Letras-Português (UFC). Professora de Língua Por-

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tuguesa na Secretaria da Educação (Seduc). Atualmente é coordenadora
pedagógica na EEMTI Desembargador Raimundo de Carvalho Lima.
E-mail: [email protected]

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