Guerra, historicismo e direito
Guerra, historicismo e direito
Guerra, historicismo e direito
Palavras-chave
guerra, historiografia, vocabulário político, Independência, América
Espanhola
Keywords
war, historiography, political vocabulary, Independence, Spanish America
DOI - http://dx.doi.org/10.1590/2236-463320110102
Almanack. Guarulhos, n. 01, p.24-27, 1º semestre 2011 fórum 24
Para o leitor brasileiro, o artigo que Clément Thibaud nos apresenta
merece destaque por diversas razões, a mais importante delas referindo-
1 se à própria abordagem que o fundamenta1. A retomada da perspectiva
THIBAUD, Clément. La ley y la sangre. La
“guerra de razas” y la constitución en la América
foucaultiana, particularmente aquela exposta no livro Em defesa da
Bolivariana. Almanack, Guarulhos, n.01, p.5-23, sociedade, encontra a historiografia num momento particular em que
1ºsemestre de 2011. modelos explicativos de matriz jurídica se tornaram decisivos2. Nesse
sentido, a apropriação que Thibaud faz do conceito de guerra abre espaço
2
FOUCAULT, Michel. Em defesa da sociedade. São
para uma atitude mais crítica em relação aos vínculos entre discurso
Paulo: Martins Fontes, 1999. soberano e discurso historiográfico.
Do que se trata quando são referidos discursos de matriz jurídica
ou elementos do discurso soberano? Colocando o problema de maneira
simples, trata-se do uso de modelos de análise e de investigação que os
historiadores têm partilhado, especialmente desde a metade do século
XVIII, com as ciências sociais e com os agentes preocupados em afirmar a
soberania do Estado. Em outras palavras, trata-se de modelos explicativos
que, de uma maneira ou de outra, articulam sistematicamente as
complexas relações entre população, comportamento, território, mercado
e instituições estatais. Evidentemente, o uso de categorias e de modelos
de matriz jurídica por parte dos historiadores não implica sempre sua
adesão ao discurso soberano. Também não significa necessariamente
a dissolução dos conflitos sociais em explicações que reproduziriam
tautologicamente a ordem – nesse caso, como entender o pensamento
liberal ou o pensamento marxista? Faz-se necessário, contudo, reforçar
a idéia de que os discursos historiográficos devem muito às tentativas
de explicar, e por vezes justificar, a existência e a constituição do Estado,
cabendo aqui a lembrança de que parte expressiva das fontes com que
trabalham os historiadores foi produzida por instituições estatais. Assim
sendo, considerações teórico-metodológicas calcadas no conceito de
guerra convidam, numa apropriação mais radical, à elaboração de modos
alternativos de escrita historiográfica.
A crítica inicial proposta por Thibaud – dedicada à constatação
de que a guerra tem sido vista como “fator secundário” porque ligada à
“historiografia acadêmica tradicional” – nos impele a refletir sobre um
problema decisivo: visto que a guerra, doutrinária e historiograficamente,
tem sido submetida ao discurso soberano, como liberar suas amarras
e torná-la conceito-chave na elaboração de outros modelos de escrita
da história? O texto de Thibaud apresenta alternativas ao investigar
os vínculos entre a noção de guerra de raças e o historicismo. Porém,
desse ponto partem três problemas marcantes. O primeiro nos leva a
questionar em que medida a própria perspectiva descrita por Thibaud,
referente à Venezuela e à Colômbia das décadas de 1810 e 1820, não
implica um modelo explicativo que, ao fim e ao cabo, termina também
por subordinar a guerra e o historicismo ao direito. O segundo indaga se
o uso do conceito de guerra não deve nos conduzir à releitura de autores
da Antiguidade. O terceiro problema, enfim, significa avaliar se, para além
do estudo da apropriação do vocabulário historicista e bélico por parte
de agentes sociais – operação muito bem reconstituída por Thibaud -, o
conceito de guerra não é válido ainda como fundamento de paradigmas
historiográficos que dizem algo importante sobre as sociedades colonias.
O segundo e o terceiro pontos remetem, pelo menos em parte,
à crise do marxismo. Em certa medida, o questionamento à dimensão
teleológica e materialista do marxismo esvaziou parte das leituras voltadas