TRABALHO O Controle Judicial Da Prova Técnica e Científica
TRABALHO O Controle Judicial Da Prova Técnica e Científica
TRABALHO O Controle Judicial Da Prova Técnica e Científica
Recife, 2016
MURILO TEIXEIRA AVELINO
Recife,2016.
Catalogação na fonte
Bibliotecária Eliane Ferreira Ribas CRB/4-832
O novo Código de Processo Civil representa uma quebra de paradigma no estudo da matéria.
Verte-se nova luz a respeito de vários temas, introduzindo-se novidades que reverberam
profundamente no estudo analítico do direito processual. É preciso levar em consideração as
influências do neoconstitucionalismo e do marco cooperativo do processo para uma profunda
compreensão no tema das provas. Este estudo se debruça sobre a produção, o controle e a
valoração das provas técnicas e científicas. É indispensável compreender o direito à prova
como direito fundamental. Nesta medida, a prova é ato do processo, tendo como destinatários
todos os sujeitos do processo. O problema das provas que exigem um conhecimento
especializado é exatamente a necessidade de aportar um conhecimento especializado,
indisponível aos demais sujeitos processuais, de difícil controle e avaliação. É preciso remeter
à ordem jurídica estadunidense para compreender como as influências do sistema adversarial
proporcionaram o surgimento de um complexo sistema de controle da prova técnica e
científica. A solução para a questão não é fácil, mormente porque envolve a participação das
partes, do magistrado e do experto em cooperação. A aplicação de conhecimentos científicos
na produção da prova exige cuidado especial tanto na escolha do expert quanto no controle de
sua atuação. Não basta ao juiz valorar o resultado da prova científica, é imperioso que
fiscalize também sua produção, em constante diálogo com partes e auxiliares. Inseridos em
um ambiente cooperativo e de amplo debate, o dever de fundamentação imposto tanto ao
perito quanto ao magistrado é instrumento de controle da prova. É preciso reforçar o diálogo
processual e os critérios de controle da produção da prova técnica e científica em seus três
principais momentos: prévio, concomitante e posterior a sua produção.
The new Civil Procedure Code represents a paradigm shift in the study of the subject. It sheds
new understanding on various topics, introducing new developments that reverberate deeply
in the analytical study of procedural law. It is needed to take into account the influences of
neoconstitutionalism and cooperative process framework for a deep understanding of the
subject of evidence. This study focuses on the production control and evaluation of the
technical and scientific evidence. It is essential to understand the right to prove as a
fundamental right. To this extent, to understand the proof as a procedure's act, addressed to all
the plaintiffs in the process. The problem of those evidences that require specialized
knowledge is exactly the need of introducing specialized knowledge unavailable to other
procedural actors, difficult to control and evaluate. It must refer to the US legal system, to
understand how the influences of the adversarial system provided the emergence of a complex
control system of technical and scientific evidence. The solution to the question is not easy,
especially because it involves the participation of the parties, the judge and the expert in
cooperation. The application of scientific knowledge in the production of evidence, required
to elucidate many of the subjects matters of judicial consideration, requiring special care in
the choice of the expert witness and in control of its operations. It is not enough to the judge
to value the result of scientific proof, it is imperative to also oversee production, in constant
dialogue with the parties and process aids. Inserted into a cooperative and broad debate
environment, the duty to state reasons are evidence control instruments. We must strengthen
the procedural dialogue and control the criteria of the technique of evidence and scientific in
its three main stages: prior, concurrent and subsequent to its production.
1 A expressão é forjada por José Joaquim Gomes Canotilho: “o Estado só se concebe hoje como Estado
constitucional. (...) O Estado Constitucional, para ser um estado com qualidades identificadas pelo
constitucionalismo moderno, deve ser um Estado de direito democrático. (...) O Estado constitucional
democrático de direito procura estabelecer uma conexão interna entre democracia e Estado de direito.” In:
Direito Constitucional e teoria da constituição – 7ª ed. Coimbra: Almedina, 2010, pp. 92-93.
2 CUNHA, Leonardo Carneiro da. O processo Civil no Estado Constitucional e os fundamentos do projeto do
novo Código de Processo Civil. Repro, São Paulo: RT, v. 209, pp. 363-368.
3 Por todos: HASSEMER, Winfried. Sistema jurídico e codificação: a vinculação do juiz à lei. In: Introdução à
filosofia do direito e à teoria do direito contemporânea, 2. Ed. HASSEMER, Wilfried; KAUFMANN, Arthur
(Org.). Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2009, p. 283.
10
4 Importante esclarecimento de Lorena Miranda Santos Barreiros o qual entendemos didaticamente adequado ao
tratamento do tema. Nas palavras da autora, “o presente trabalho adotará o sentido de tradição tal como o
descrevem Meryman e Pèrez-Perdomo, reputando sinônima de tal termo a palavra família. Para o vocábulo
sistema reservar-se-á o uso quando referente a um ordenamento jurídico nacional (ex.: sistema brasileiro, sistema
inglês, sistema francês etc.) ou quando o estudo voltar-se ao exame de determinado conjunto de características
que revelem, por exemplo, a existência de um modelo de ramo do direito (ex.: sistema processuais adversariais)”.
In: Fundamentos constitucionais do princípio da cooperação processual. Salvador: Jus Podivm, 2013, p. 28.
5 Excelente estudo do regime das nulidades, em contexto com o processo cooperativo se encontra em CABRAL,
Antonio do Passo. Nulidades no Processo Moderno. Rio de Janeiro: Forense, 2010. Destaque-se especialmente a
parte II da obra que trata “das premissas para uma teoria comunicativa das nulidades”.
6 DIDIER JR. Fredie. Fundamentos do Princípio da Cooperação no Direito Processual Civil Português.
Coimbra: Coimbra Editora, 2010. pp. 45-50.
11
jurisdição.
No que refere ao objeto específico deste estudo, deve-se atentar que o tema da
produção e controle da prova pericial no processo não é fácil, especialmente pela necessidade
de se valer de conhecimentos científicos na investigação dos fatos. O juiz se depara com
informações que não é capaz de compreender por si só, em virtude da natural falta de
conhecimento especializado7. O necessário enfoque a ser dado ao tema decorre, sem dúvida
alguma, do processo de desenvolvimento tecnológico que temos experimentado e a demanda
cada vez maior por especialização do conhecimento. Aos magistrados, cada vez mais tem sido
imprescindível se valer do auxílio de expertos no aporte de conhecimentos especializados no
processo8.
Esta tensão entre processo e ciência nos interessa:
Não há dúvida, nessa perspectiva, de que a confiança, até certo ponto indispensável,
na informação científica impenetrável ou de difícil acesso, aumenta a tensão entre a
liberdade para apreciar a prova e o processo cognitivo normal, pondo em xeque o
próprio princípio da livre apreciação da prova.9
Assim, a praxe trouxe à tona um problema: como controlar a prova produzida através
da aplicação de conhecimentos técnicos indisponíveis ao juiz e às partes do processo? Sem
dúvida, o contexto probatório produzido nos autos delimita sua aptidão para o convencimento.
Contudo, nas hipóteses onde a única prova disponível é o exame ou laudo pericial, temos nos
deixado levar pela saída mais fácil: atestando o expert a solução de fato, toma-se a afirmação
como verdade insofismável, livre de qualquer possibilidade de dúvida, não seja pela atuação
dos assistentes técnicos que, quando presentes, são sujeitos necessariamente parciais10. “O
cientista virou um mito” 11 . Conforme atenta Taruffo, tratar-se-ia de uma espécie de
“deferência epistêmica” ao perito, pois “na prática, geralmente juízes e jurados não possuem o
treinamento técnico e científico que seria necessário para verificar de maneira efetiva o
7 CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil – vol.1. São Paulo: Atlas, 2014. p. 463.
8 Na mesma linha: ZAGANELLI, Margareth Vetis; LACERDA, Maria Francisca dos Santos. Livre Apreciação
da Prova, Ciência e Raciocínio Judicial: Considerações Sobre “Cientificização” da Prova no Processo.
ZAGANELLI, Margareth Vetis (coord.). Processo, Verdade e Justiça. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. pp.
161-162.
9 OLIVEIRA, Carlos Alberto Álvaro de. Problemas atuais da livre apreciação da prova. In.: OLIVEIRA, Carlos
Alberto Álvaro de (org.). Prova Cível. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 56
10 Nesse sentido: AGANELLI, Margareth Vetis; LACERDA, Maria Francisca dos Santos. Livre Apreciação...
Ob. cit. p. 164. É o caso clássico da investigação de paternidade, onde, muitas vezes, só há disponível o exame
de DNA. Exemplo no seguinte julgado: TJPE, AC 320669-1, Relator Desembargador Eurico de Barros Correia
Filho, 4ª Câmara Cível, DJE 09/04/2014.
11 “E todo mito é perigoso, porque induz o comportamento e inibe o pensamento. Esse é um dos resultados
engraçados (e trágicos) da ciência. Se existe uma classe especializada em pensar de maneira correta (os
cientistas), os outros indivíduos são liberados da obrigação de pensar e podem simplesmente fazer o que os
cientistas mandam.” ALVES, Rubem. Introdução ao jogo e a suas regras. São Paulo: Edições Loyola, 2013. p.
10.
12
trabalho do perito. (…) Dessa forma, pode o conteúdo final do julgamento ser definido, de
fato, pelo perito.”12
É nesse contexto que se põe a discussão a respeito da possibilidade de o órgão
judicial transferir, em alguma medida, a sua função judicante ao expert, sem legitimação para
tal13. Diogo Assumpção Rezende de Almeida traz interessante perspectiva do problema:
Controlar o resultado da perícia, que já é atividade improvável na hipótese de
nomeação do perito pelo juiz, torna-se algo quase impensável quando é criado o
mito de que todas as afirmações e conclusões obtidas no laudo devem ser
consideradas verdadeiras. Mais do que isso. As assertivas do perito são verdadeiras,
porquanto baseadas na ciência, esta sim infalível.14
Acrescente-se a isso a necessidade de o processo ter fim em prazo razoável, atingido
pela imutabilidade da coisa julgada 15 . Ocorre que as técnicas utilizadas pela ciência são
mutáveis e sujeitas às variações do desenvolvimento tecnológico. A ciência não produz uma
certeza petrificada e está em constante processo de desenvolvimento; o processo exige uma
certeza estável, tempestiva, a certo termo imutável16. Trata-se de respeitar a duração razoável
do processo,norma fundamental concretizada no art. 6° do CPC/15 17 em decorrência da
própria Constituição da República no art. 5°, LXXVIII. Conforme aponta Carla Rodrigues
12 TARUFFO, Michele. A prova. São Paulo: Marcial Pons, 2014. p. 94. No mesmo sentido: “Es conveniente
llamar la atención sobre la experticia llamada prueba científica, pues ocupa un lugar mitológico en el saber
común, y justamente por la ausencia de conocimientos sobre el tema específico el juez y los abogados – no
asesorados – tienden a aceptarla a pie de letra de los dictámenes.” MORALES, Rodrigo Rivera. La Prueba: un
análisis racional y práctico. Madrid: Marcial Pons, 2011. p. 270.
13 Idem. Ib idem. p. 56. Esclarece, ainda, o autor: “Nesse ponto, impõe-se observar que nos sistemas ligados ao
common law essa consequência tende a ser minimizada, em virtude de neles ser a prova produzida
exclusivamente pelas partes, verificando-se além disso exacerbado contraditório entre as testemunhas técnicas
trazidas ao confronto, valendo ressaltar a inexistência de perito de confiança do órgão judicial.” (p. 56). Em
nosso sistema, em face deste fenômeno de valorização da prova produzida pelo expert, ganha importância cada
vez mais destaca a figura do assistente técnico, pois possibilita à parte o exercício do contraditório em face da
prova técnica produzida pelo auxiliar do juízo. Apresentando perspectiva diversa para o problema: ALMEIDA,
Diogo de Assumpção Rezende. A prova pericial no processo civil: o controle da ciência e a escolha do perito.
Rio de Janeiro: Renovar, 2011. p. 77, ao afirmar que há uma presunção de imparcialidade e idoneidade do perito,
o que leva “o juiz a deixar de exercer o controle adequado sobre o resultado da perícia e de investigar se a
aparente capacitação técnica do perito de fato existe. A conclusão do laudo é transposta para a fundamentação da
sentença sem maiores reflexões.”
14 ALMEIDA, Diogo de Assumpção Rezende.A prova pericial... Ob. cit. p. 79.
15 Não se olvide, pois, as recentes teorias a respeito da relativização da coisa julgada. É reconhecida a
possibilidade de repropositura da ação para reconhecimento de vínculo de paternidade, mesmo após o trânsito
em julgado, quando as técnicas utilizadas à época do primeiro processo não eram acessíveis ou suficientes para a
prova do vínculo.
16 “A ciência não encontra limites de tempo, conhece variações e revoluções e está voltada para a descoberta, a
confirmação ou erro de enunciados ou leis gerais. Por isso se diz que a ciência utiliza o método nomotético. Já o
processo utiliza, ao contrário, o método ideográfico: trabalha com normas aplicáveis a casos particulares, caso
concreto, um específico objeto de controvérsia. Além disso, os recursos e tempo são limitados, e, com mais
razão, nesse último aspecto, em face do princípio constitucional da razoável duração do processo; por derradeiro,
saliente-se que a decisão tem tendência definitiva – pode transitar em julgado.” ZAGANELLI, Margareth Vetis;
LACERDA, Maria Francisca dos Santos. Livre Apreciação... Ob. cit. pp. 160-161. No mesmo sentido:
MENEZES, Paula Bezerra de. Novos rumos da prova pericial. Rio de Janeiro: 7Letras, 2014. p. 111.
17 As referências ao “CPC/15” se referem ao Código de Processo Civil de 2015. Referências aos Códigos de
Processo de 1973 e 1939 serão apresentadas, respectivamente, como CPC/73 e CPC/39.
13
18 CASTRO, Carla Rodrigues Araújo de. Prova Científica: Exame Pericial do DNA. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2007. p. 109.
19 DAUBERT v. MERRELL DOW PHARMACEUTICALS, INC. Disponível em:
<http://caselaw.lp.findlaw.com/scripts/getcase.pl?navby=CASE&court=US&vol=509&page=579#f8> Acesso
em 19/05/2015.
20 Em face do dogma da irrelevância da vontade das partes dentro do processo, diversos autores como Daniel
Mitidiero e Cândido Rangel Dinamarco não admitiam, sob a vigência do CPC/73 a possibilidade de negócios
jurídicos processuais. Poder-se ia dizer que esta alternativa denota as características de um modelo adversarial
de processo, o que não seria tecnicamente adequado afirmar. Esta é uma tendência do processo cooperativo, no
sentido de aproximar as partes e reduzir a litigiosidade. Sob a vigência do CPC/15, essa perspectiva foi
descartada, mormente em face do seu artigo 190. Sobre o tema, tratamos em AVELINO, Murilo Teixeira. Sobre
a atipicidade dos negócios processuais e a hipótese típica de calendarização. MACÊDO, Lucas Buril; PEIXOTO,
Ravi; FREIRE, Alexandre (orgs.). Coleção Novo CPC – Doutrina Selecionada: Parte Geral. Salvador:
JusPodivm, 2015. pp. 111-1129.
14
cooperação com as partes e demais sujeitos. E tratar o processo como um ambiente dialógico
é indispensável para compreender a real função das provas neste exercício: o juiz não pode
mais ser visto como o único destinatário da prova. Ainda que o magistrado funcione como seu
destinatário imediato, as partes também dialogam entre si, tendo como destinatário da prova
por si produzida também o seu adversário. A prova, então, busca convencer todos os sujeitos
da relação processual. A inclusão do juiz no ambiente cooperativo do processo, como sujeito
do contraditório, volta atenções à solução justa do litígio. O processo não deve ter por escopo
resolver, mas solucionar os conflitos21. Nesse contexto, atenta Tomás-Javier Aliste Santos, a
respeito da seleção e valoração do material probatório:
Se trata del momento más importante de toda la actividad jurisdiccional de
enjuiciamiento y, paradójicamente, a pesar de los esfuerzos del paradigma
positivista que consagra el imperio de las leyes, el más oscuro, porque aquí se
evidencia, acaso como en ningún otro lugar, el ejercicio del arbitrio.22
O juiz adquire papel fundamental nesse fenômeno ao proporcionar e participar do
diálogo processual. Ao mesmo tempo em que assume, no processo democrático, a posição de
sujeito do contraditório, deve propiciar um ambiente de diálogo que favoreça a tomada de
uma decisão justa. Tudo isso somente é possível através de um controle sobre a produção e
valoração das provas produzidas.
Reforça-se o problema principal: em face da necessidade da atuação de um perito,
com um conhecimento específico em relação a uma área do conhecimento desconhecida para
os demais sujeitos do processo, a figura consagrada como auxiliar do juízo, na prática, pode
atuar como o próprio juiz caso suas afirmações de fato sejam tomadas por verdade. Esse
quadro demonstra por si só a importância dos instrumentos que possibilitam verificação mais
profunda a respeito de como fora produzida a prova técnico-científica, em sua forma e seu
conteúdo, antes, durante e depois de sua produção. Caso não haja controle a respeito da prova
produzida, a sentença passa a funcionar como mero ato de homologação e “juridicização” da
decisão do perito. Transferir ao perito, ainda que indiretamente, poderes decisórios, é
ferimento direto ao devido processo legal. A função jurisdicional é indelegável.
21 É a ideia de AROCA quando afirma que “a função da jurisdição deve orientar-se no fato de que o juiz, sendo
terceiro e imparcial, é o último garante dos direitos que a ordem jurídica reconhece ao indivíduo, seja qual for o
ramo do Direito que se tenha em conta. Naturalmente os direitos que mais importam são os fundamentais, eis
que de maior transcendência, mas o certo é que a garantia se refere a todos os Direitos. Na aplicação do direito
privado deve-se, por meio do processo, fazer com que o particular veja seus direitos subjetivos – de caráter
econômico, ou não –, tal como afirmados, foram examinados e decididos conforme as garantias próprias do
processo.” In.: AROCA, Juan Montero. Prova e verdade no processo civil – contributo para o esclarecimento da
base ideológica de certas posições pretensamente técnicas. DIDIER JR., Fredie; NALINI, José Renato; RAMOS,
Glauco Gumerato; LEVY, Wilson. (orgs). Ativismo Judicial e Garantismo Processual. Salvador: JusPodivm,
2013. pp. 503-504.
22 SANTOS, Tomás-Javier Aliste. La motivación de las resoluciones judiciales. Madrid-ES: Marcial Pons, 2011.
p. 298.
15
sua utilização pela doutrina brasileira decorre de influências das doutrinas italiana e
espanhola28. Certos desdobramentos deste movimento podem ser firmados, conquanto ainda
turvos os limites desta nova fase do pensamento jurídico.
Neste quadro, não é tarefa singela definir o neoconstitucionalismo, talvez porque,
como já revela o bem escolhido título da obra organizada por Carbonell, não exista
um único neoconstitucionalismo, que corresponda a uma concepção clara e coesa,
mas diversas visões sobre o fenômeno jurídico na contemporaneidade, que guardam
entre si alguns denominadores comum relevantes, o que justifica que sejam
agrupados sob um mesmo rótulo, mas compromete a possibilidade de uma
conceituação mais precisa.29
O neoconstitucionalismo dá ênfase aos valores positivados no texto constitucional.
Deixam de figurar como meras diretrizes que guiam a atividade política do Estado, para serem
considerados normas de aplicação imediata e obrigatória, com o objetivo concretizar os
valores consagrados pelo ordenamento. A partir desse fenômeno a perspectiva da legalidade
passa a ser vista através das lentes da Constituição, em um processo de filtragem do direito
infraconstitucional a fim de se adequar aos valores consagrados na Carta30. Se no positivismo
jurídico o direito civil era a fonte precípua do direito, tendo como símbolo principal o
ordenamento francês pós-revolucionário, no neoconstitucionalismo a perspectiva se inverte,
sendo necessária uma interpretação de todos os ramos do direito pelo prisma da Constituição
e dos direitos fundamentais.
É o que ocorre com o processo civil, mormente a partir da inserção no CPC/15 de um
capítulo inaugural dedicado às normas fundamentais do Processo. O capítulo “Das Normas
Fundamentais do Processo Civil” é a consagração, no Código, dos valores consagrados na
Constituição. Este processo de irradiação das normas constitucionais aos demais ramos do
direito não passa despercebido.
A mais efetiva e, ao menos em tese, a menos problemática forma de
constitucionalização do direito é realizada por meio de reformas, pontuais ou
globais, na legislação infraconstitucional. É parte da tarefa legislativa, adaptar a
legislação ordinária às prescrições constitucionais e, nos casos de constituição de
caráter dirigente, realizá-la por meio de legislação.31
A análise de Virgílio Afonso da Silva se encaixa com perfeição quando se trata do
novo paradigma do processo brasileiro. Diversos princípios que conformam o conteúdo do
32 CAMBI, Eduardo. Neoconstitucionalismo e Neoprocessualismo. São Paulo: RT, 2009. pp. 29-36.
33 JUNIOR, Humberto Theodoro; NUNES, Dierle; BAHIA, Alexandre Melo Franco; PEDRON, Flávio
Quinaud. Novo CPC – Fundamentos e sistematização. Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 72.
34 Predominantemente, mas não necessariamente, aponte-se.
35 NUNES, Dierle José Coelho. Processo Jurisdicional Democrático. Curitiba: Juruá, 2012. p. 212.
19
36 A esse contraponto de modelos, já remota artigo de José Carlos Barbosa Moreira com mais de 20 anos de
publicação, cf.: MOREIRA, José Carlos Barbosa. Sobre a “participação” do juiz no processo civil. Participação
e processo. GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel; WATANABE, Kazuo. (Coords.).
São Paulo: RT: 1988, p. 394. Há autores, ainda, que entendem não se tratar de um novo modelo de processo, mas
de uma gradação do modelo inquisitorial (c.f. PEÑA, Eduardo Chemale Selistre. Poderes e atribuições do juiz.
São Paulo: Saraiva, 2014. pp. 43-52), opinião com a qual não concordamos, pelo que se demonstrará adiante.
37 FREITAS, José Lebre de. Introdução ao processo civil, 2. Ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2006, p. 168. Na
mesma linha, afirmando o dever das partes em cooperar para o desenvolvimento da pretensão litigiosa:
TROLLER, Allois. Dos fundamentos do formalismo processual civil. Porto Alegre: Safe, 2009, p. 23. Para
Dierle Nunes: “Como uma das bases da perspectiva democrática, aqui defendida, reside na manutenção da
tensão entre perspectivas liberais e sociais, a comunidade de trabalho deve ser revista em perspectiva
policêntrica e comparticipativa, afastando qualquer protagonismo e se estruturando a partir do modelo
constitucional de processo.” NUNES, Dierle José Coelho. Processo... Ob. cit. p. 215.
38 NUNES, Dierle José Coelho. Processo... Ob. cit. pp. 2120-213.
39 “Em primeiro lugar, alude-se ao processo de normativização da Constituição, que deixa de ser considerada
um diploma normativo com um valor meramente programático ou como conjunto de recomendações ou
orientações dirigidas ao legislador para operar como uma normatividade jurídica com eficácia direta e imediata.”
SOARES, Ricardo Maurício Freire. A interpretação constitucional: uma abordagem filosófica. In.: NOVELINO,
Marcelo (org.). Leituras Complementares de Direito Constitucional: Teoria da Constituição. Salvador:
JusPodivm, 2009. p. 134.
20
independente de atuação legislativa 40 . Por outro lado, o sistema processual deve estar de
acordo com os princípios e regras constitucionais; o movimento de constitucionalização do
processo “é responsável pelo alargamento do espaço constitucional e restrição do âmbito de
liberdade do legislador”41. O próprio Código de Processo Civil deve respeitar as normas a si
atinentes na Constituição Federal. Na linha do que afirma Virgílio Afonso da Silva, “Quando
se fala em constitucionalização do direito, a ideia mestra é a irradiação de efeitos das normas
(ou valores) constitucionais aos outros ramos do direito.”42
Doutro modo, há um sensível fortalecimento do papel do Judiciário no controle da
conformidade da atividade do Parlamento com as normas constitucionais. O fortalecimento do
papel dos tribunais destaca, inclusive, o aspecto da constitucionalização do direito, eis que a
normatização fundamental de cada ramo do direito, com sede na Constituição, passou a servir
de parâmetro mais sólido para o controla da atividade legislativa. Nosso sistema de jurisdição
constitucional tornou-se mais complexo após a Constituição de 1988, expandindo-se as
discussões acerca de matérias e normas constitucionais com o aumento das hipóteses de
controle difuso e concentrado de constitucionalidade. Essa consagração das hipóteses de
controle dos atos administrativos e legislativos sob a ótica da Constituição fortaleceu sua
supremacia e possibilitou, por outro lado, a consolidação da ideia de efeitos vinculantes a
certas decisões dos tribunais e o aumento de importância da jurisprudência constitucional43.
Ainda, há de se atentar para a contemporânea Teoria dos Direitos Fundamentais, que
compreende tais direitos em uma dupla dimensão. Na linha do que afirma Ingo Sarlet
A constatação de que os direitos fundamentais revelam dupla perspectiva, na medida
em que podem, em princípio, ser considerados tanto como direitos subjetivos
individuais, quanto elementos objetivos fundamentais da comunidade, constitui, sem
sombre de dúvidas, uma das mais relevantes formulações do direito constitucional
contemporâneo, de modo especial no âmbito da dogmática dos direitos
fundamentais. 44
40 LINS, Liana Cirne. A justiciabilidade dos direitos fundamentais sociais. In: Revista de Informação
Legislativa, v. 46, n° 182, p. 51-74, abr./jun. de 2009. Disponível em
<http://www2.senado.gov.br/bdsf/item/id/194915> Acesso em 06/04/2013, às 16h50.
41 CAMBI, Eduardo. Neoconstitucionalismo e neoprocessualismo: direitos fundamentais, políticas públicas e
protagonismo do judiciário. São Paulo: RT, 2011. p. 60. Em outras palavras, do mesmo autor: “O alargamento
do espaço constitucional se deu a partir da constitucionalização dos direitos infraconstitucionais que, por sua
vez, ampliou a extensão e a intensidade da vinculação constitucional do legislador ordinário.” (p. 60).
42 SILVA, Virgílio Afonso da. A Constitucionalização... Ob. cit. p. 38.
43 DANTAS, Ivo. Novo processo constitucional brasileiro. Curitiba: Juruá, 2010. pp. 224-227.
44 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais
na perspectiva constitucional. Porto Alegra: Livraria do Advogado Editora, 2012. p. 141. Em trabalho diverso,
afirma o autor: “Sem que se possa aqui aprofundar o tema, o que importa, para efeitos do presente texto, é a
constatação de que a função dos direitos fundamentais não se limita (notadamente no contexto do Estado
Democrático de Direito) à sua condição de direitos subjetivos de defesa do indivíduo contra atos do poder
público, mas que, além disso, constituem decisões valorativas de natureza jurídico-objetiva da Constituição, com
eficácia em todo o ordenamento jurídico e que fornecem diretrizes para os órgãos legislativos, judiciários e
21
executivos.” SARLET, Ingo Wolfgang. Direitos Fundamentais e Proporcionalidade: notas a respeito dos limites
e possibilidades da aplicação das categorias da proibição de excesso e de insuficiência em matéria criminal. In.:
NOVELINO, Marcelo (org.). Leituras Complementares de Direito Constitucional: Teoria da Constituição.
Salvador: JusPodivm, 2009. pp. 260-261. Virgílio Afonso da Silva, sob perspectiva diversa, aponta: “Se se parte
de um enfoque apenas objetivo, o conteúdo essencial de um direito fundamental deve ser definido a partir do
significado desse direito para a vida social como um todo. Proteger o conteúdo essencial de um direito
fundamental, nesse sentido, significa proibir restrições à eficácia desse direito que o tornem sem significado para
todos os indivíduos ou para boa parte deles. Como se percebe, esse enfoque assemelha-se muito à própria idéia
de cláusulas pétreas, já mencionado anteriormente. A partir de um enfoque subjetivo, a garantia do conteúdo
essencial de um direito fundamental não tem relação com o valor e a extensão desse direito para o todo social;
em cada situação individual deveria haver, segundo esse enfoque, um controle para se saber se o conteúdo
essencial foi, ou não, afetado.” SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos Fundamentais – conteúdo essencial,
restrições e eficácia. São Paulo: Malheiros, 2011. pp. 26-27.
45 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia... Ob. cit. p. 146; CAMBI, Eduardo. Neoconstitucionalismo... Ob. cit.,
2011. pp. 103-108.
46 “Se se pretende, com o recurso à garantia de um conteúdo essencial dos direitos fundamentais, proteger tais
direitos contra uma restrição excessiva e se os direitos fundamentais, ao menos em sua função de defesa, têm
como função proteger sobretudo condutas e posições jurídicas individuais, não faria sentido que a proteção se
desse apenas no plano objetivo.” SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos Fundamentais... Ob. cit. p. 186. No
mesmo sentido, “Nesse contexto, quando – no âmbito da assim denominada perspectiva subjetiva – falamos de
direitos fundamentais subjetivo, estamo-nos referindoà possibilidade que tem o seu titular (considerado como tal
a pessoa individual ou ente coletivo a quem é atribuído) de fazer vale judicialmente os poderes, as liberdades ou
mesmo o direito à ação ou às ações negativas ou positivas que lhe foram outorgadas pela norma consagradora do
direito fundamental em questão.” SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia... Ob. cit. p. 154.
47 Sob outra perspectiva: “Genericamente, pode-se separar a visão subjetiva e objetiva dos direitos. A primeira
considera que os direitos são pretensões de vontade, sendo instrumentos para a realização de interesses
individuais, que integram a autonomia pessoal, o que permite que cada um decida se pretende exercitar ou
renunciar aos seus direitos. Pela segunda visão, o direito não serve para liberar a vontade do homem, já que esta,
por si só, deve conduzir ao arbítrio e à desordem. Cabe aos direitos reconduzir a autonomia da vontade a uma
justa dimensão, voltada à adoção de medidas políticas orientadas à justiça, compreendida como bem comum.
Assim, a dimensão objetiva trata os direitos como consequência ou reflexo de um direito justo, como tarefa a ser
realizada pelos governantes e como dever de promoção dos direitos dos mais fracos.” CAMBI, Eduardo.
Neoconstitucionalismo... Ob. cit., 2011. p. 103.
48 MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Martins; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito
constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007. pp. 229-231, 241-243.
49 “O Estado – como bem lembra Dietlein – passa, de tal modo, a assumir uma função de amigo e guardião – e
não apenas detrator – dos direitos fundamentais. Esta incumbência, por sua vez, desemboca na obrigação de o
Estado adotar medidas positivas da mais diversa natureza com o objetivo precípuo de proteger de forma efetiva o
exercício dos direitos fundamentaise os bens e interesses que constituem o objeto da tutela jusfundamental.”
SARLET, Ingo Wolfgang. Direitos Fundamentais... Ob. cit. p. 264.
50 A respeito de tais características, aponta Daniel Sarmento: “A Assembléia Constituinte de 1987/1988, que
coroou o processo de redemocratização do país, quis romper com este estado de coisas e promulgou uma
22
consagrados no art. 5° precede à própria estruturação dos “Poderes” (ou funções) do Estado51.
Este fato demonstra a importância que deu o constituinte à sua consagração.
Daí, possível falar numa eficácia irradiante dos direitos fundamentais, na medida em
queserve de parâmetro interpretativo de todo o ordenamento jurídico. A interpretação
conforme a Constituição passa necessariamente por uma interpretação conforme os direitos
fundamentais52.
Destacadas tais perspectivas, não há como estudar o processo apartado do Direito
Constitucional. Há direitos fundamentais processuais (como as já destacadas garantia do
contraditório, devido processo legal, boa-fé objetiva) que devem reger a atuação de todos os
sujeitos do processo – partes, juiz e demais intervenientes, como peritos e técnicos.
Tais mudanças denotam a superação da fase instrumentalista do processo, dando
conta da necessidade de reconstruir a ciência processual. Essa nova fase é aquela que já se
referenciou como “neoprocessualismo” ou “formalismo-valorativo”. Como afirma Didier Jr.,
“Parece mais adequado, porém, considerar a fase atual como uma quarta fase da evolução do
direito processual. Não obstante mantidas as conquistas do processualismo e do
instrumentalismo, a ciência teve de avançar, e avançou.”53
Consituição contendo um amplo e generoso elenco de direitos fundamentais de diversas dimensões – direitos
individuais, políticos, sociais e difusos – aos quais conferiu aplicabilidade imediata (art. 5°, Parágrafo 1°), e
protegeu diante do próprio poder de reforma (art. 60, Parágrafo 4°, IV). Além disso, reforçou o papel do
Judiciário, consagrando a inafastabilidade da tutela jurisdicional (art. 5°, XXXV), criando diversos novos
remédios constitucionais, fortalecendo a independência da instituição, bem como do Ministério Público, e
ampliando e robustecendo os mecanismos de controle de constitucionalidade. Neste último tópico, ela
democratizou o acesso ao controle abstrato de constitucionalidade, ao adotar um vasto elenco de legitimados
ativos para a propositura de ação direta de inconstitucionalidade (art. 103) e ampliou o escopo da jurisdição
constitucional, ao instituir no Brasil o controle da constitucionalidade por omissão, tanto através da ação direta
como do mandado de injunção.” SARMENTO, Daniel. O neoconstitucionalismo... Ob. cit. pp. 43-44.
51 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Aspectos do direito constitucional contemporâneo. São Paulo:
Saraiva, 2011. p. 334. Zaneti Júnior afirma que “Essa nova ordenação topológica não é ausente de significação.
O capítulo foi fortemente influenciado pelos ideais propostos pela Declaração Universal dos Direitos Humanos e
tem se denunciado, à evidência na doutrina, a preocupação com a realização dos direitos fundamentais,
principalmente os de cunho não patrimonial, ali afirmados. É a busca não só pela declaração, mas também pela
efetividade e efetivação desses direitos.” ZANETI JÚNIOR, Hermes. A constitucionalização do processo: o
modelo constitucional da justiça brasileira e as relações entre processo e constituição. São Paulo: Atlas, 2014. p.
169.
52 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia... Ob. cit. pp. 142-151. Especialmente: “Como primeiro desdobramento
de uma força jurídica objetiva autônoma dos direitos fundamentais, costuma-se apontar para o que a doutrina
alemã denominou de uma eficácia irradiante (Ausstrahlungswirkung) dos direitos fundamentais, no sentido de
que estes, na sua condição de direito objetivo, fornecem impulsos e diretrizes para a aplicação e interpretação do
direito infraconstitucional, o que, além disso, apontaria para a necessidade de uma interpretação conforme aos
direitos fundamentais, que, ademais, poderia ser considerada – ainda que com restrições – como modalidade
semelhante à difundida técnica hermenêutica da interpretação conforme a Constituição.” (p. 147). Ainda: “Os
direitos fundamentais configuram epicentro axiológico da ordem jurídica, condicionando o exercício da
hermenêutica e da produção da norma (eficácia irradiante dos direitos fundamentais). CAMBI, Eduardo.
Neoconstitucionalismo... Ob. cit., 2011. p. 60.
53 DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil – vol.1. Salvador: JusPodivm, 2015. p. 44.
23
54 “(...) a jurisdição não pode mais ser colocada como centro da teoria do processo civil. Insistir nessa postura
revela uma visão um tanto quanto unilateral do fenômeno processual, sobre ignorar a dimensão essencialmente
participativa que a democracia logrou alcançar na teoria do direito constitucional hodierno”. MITIDIERO,
Daniel. ob. cit., p. 48.
55 ZANETI JÚNIOR, Hermes. A constitucionalização... Ob. cit. p. 166.
56 “Um ponto de extrema importância para destacar é o ato decisório, que, mesmo no modelo cooperativo, não
deixa de ser um ato de autoridade. Ainda assim, existem diferenças importantes. Enquanto nos demais modelos
de processo a decisão é vista como um mero ato do juiz, no processo cooperativo todo o diálogo realizado
durante o iter processual deve ser levado em conta, havendo, portanto, uma valorização extremada da
fundamentação das decisões judiciais, imposta pela constituição, através do art. 93, IX. Há, portanto, no modelo
cooperativo de processo, uma 'assimetria condicionada', ou seja, jamais poderá o magistrado furtar-se de
valorizar o diálogo exercido durante o procedimento. (…) o processo cooperativo impõe uma mudança de
postura da magistratura, que deve se adaptar ao novo modelo, abandonando uma postura autoritária e
antidialógica no momento de construção das suas decisões.” MACÊDO, Lucas Buril de.; PEIXOTO, Ravi
Medeiros. Ônus... Ob. cit.pp. 30-31.
57 “Já na sentença como ato de vontade, portanto criativo, o juiz está influenciado pela sua conformação social,
pelo seu conhecimento da matéria e pelas peculiaridades do caso e deverá tratar o problema (thema in
decidendum) em conjunto com as partes.” ZANETI JÚNIOR, Hermes. A constitucionalização... Ob. cit. p. 176.
24
58 DELFINO, Lúcio; ROSSI, Fernando F. Juiz Contraditor? In.: DIDIER Jr., Fredie; NALINI, José Renato;
RAMOS, Glauco Gumerato; LEVY, Wilson (coords.). Ativismo Judicial e Garantismo Processual. Salvador:
JusPodivm, 2013. pp. 444-445. Continuam os autores: “Trata-se de encarar o processo como ambiente
democrático, considerar que os resultados dele oriundos não decorrem do labor solitário da (sic) julgador
(solipsismo judicial), sendo também fruto do emprenho dos demais sujeitos processuais (partes, por intermédio
de seus advogados), que participam da construção do provimento jurisdicional do qual eles próprios serão
destinatários.” (pp. 445-446)
59 Em sentido semelhante ao ora exposto: LUCCA, Rodrigo Ramina de. O dever de motivação das decisões
judiciais. Salvador, JusPodvm, 2015. pp. 124-126.
60 LORENZETTI, Ricardo Luis. Teoria da Decisão Judicial. São Paulo: RT, 2010. p. 336.
61 ZANETI JÚNIOR, Hermes. A constitucionalização... Ob. cit. pp. 52-53.
62 “Essa abertura implica em atribuir uma parcela maior do espaço para o exercício democrático no quadrante
do Poder Judiciário e trabalhar fortemente sua legitimação para tanto. A defesa da tese central está em uma
leitura literal da Constituição da República Federativa do Brasil: se todos os poderes são democráticos – emanam
do povo – e apenas os Poderes Legislativo e Executivo são exercidos mediante representantes eleitos, a
democracia por meio do Poder Judiciário tem, em razão de sua especial configuração e da necessidade de
provocação popular (princípio da inércia), forte característica de democracia direta, da qual é espécie a
democracia participativa.” Idem. Ib idem. p. 114.
25
63 MIRANDA, Jorge. Justiça Constitucional e Democracia. In.: FELLET, André; NOVELINO, Marcelo (orgs.).
Constitucionalismo e Democracia. Salvador: JusPodivm, 2013. pp. 120-121.
64 Outras características apontadas por Ivo Dantas são: a supralegalidade do texto constitucional; a divisão entre
o direito público e o privado e; a restrição da atuação do poder judiciário à interpretação e aplicação da
constituição e das leis (DANTAS, Ivo. Novo direito constitucional comparado. 3. Ed. Curitiba: Juruá, 2010, p.
166).
65 BARREIROS, Lorena Miranda Santos. ob. cit., pp. 36-42.
66 PEÑA, Eduardo Chemale Selistre. Poderes... Ob. cit. p. 44.
67 ZANETI JÚNIOR, Hermes. A constitucionalização... Ob. cit. pp. 115-118.
68 “No sistema adversarial confia-se, sobretudo, nos esforços das próprias partes, recaindo sobre elas o poder de
conduzir o feito e produzir provas necessárias à reconstrução dos fatos, enquanto o juiz reserva-se posição mais
passiva, de árbitro absolutamente equidistante, responsável, especialmente, por assegurar a absoluta isonomia
entre as partes e o cumprimento das 'regras do jogo'. PEÑA, Eduardo Chemale Selistre. Poderes... Ob. cit.. p. 45.
69Idem. Ib idem. p. 45.
26
da figura de um juiz com amplo poder instrutório e decisório, atribuindo-se às partes somente
o papel de “informantes” do juízo (juiz Hércules70). No processo inquisitorial o magistrado
assume um papel de proeminência na atividade de produção das provas. Trata-se de um juiz
ativo que além de impulsionar o feito atua intensamente na instrução da causa, inclusive de
ofício 71.
É possível ainda perceber uma coincidência histórica entre os países de língua
inglesa e a tradição do common law (Inglaterra, Estados Unidos, Austrália e Canadá, entre
outros), enquanto os países europeus continentais, dentre eles os latinos e suas colônias,
seguiram a tradição do civil law (Itália, Brasil, Argentina, entre outros). Contudo, esta
caracterização é meramente didática. Não há falar em modelos puros, mas somente em
modelos com características majoritariamente adversariais ou inquisitoriais 72-73.
Em verdade, a própria divisão entre tais modelos encontra-se ultrapassada, servindo
somente a uma noção didática ou talvez histórico-comparada da formação e principais
características de tais modelos. Como aponta Taruffo:
A única coisa que se pode afirmar de modo relativamente seguro é que os
costumeiros e cômodos modelos descritivos, que visavam a representar
esquematicamente as características fundamentais dos processos de common law e
de civil law, parece nitidamente superados e não são mais passíveis de utilização
como instrumentos para conhecer e descrever os vários ordenamentos.74
pode identificar, em termos estritos, com este. Já é grande a importância dos precedentes
judiciais.Percebe-se que os Tribunais, em especial o Supremo Tribunal Federal, assumem um
papel de destaque na sociedade, dando respostas às demandas sociais de maneira mais rápida
e efetiva que os legisladores81.
Por tudo, o modelo brasileiro deve ser encarado como um modelo atípico ou
temperado de civil law, um modelo próprio de sistema jurídico82, mestiço, como decorre das
influências sensíveis tanto do sistema de controle de constitucionalidade com influência
americana quanto a influência europeia vocacionada à codificação83.
81 Nesse contexto, tratando da jurisprudência como fonte primária do direito, ZANETI JÚNIOR, Hermes. ob.
cit., pp. 251-261
82 DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil, vol. 1. Salvador: Jus Podivm, 2010. pp. 54-55.
83 Por tudo isso, o Brasil tem uma enorme vantagem decorrente de sua formação jurídica híbrida, a vantagem
dos mestiços, uma tônica maior na justiça como valor e uma maior resistência, em razão dessa tônica, a
imperativos a priori, ao direitoo posto em abstrato pelo legislador, em descompasso com a vida. Pode-se utilizar
essa vantagem para a institucionalização de uma prática judiciária mais democrática e conforme os objetivos da
Constituição Federal de 1988. ZANETI JÚNIOR, Hermes. A constitucionalização... Ob. cit. p. 52.
84 “O termo Neoprocessualismo tem uma interessante função didática, pois remete rapidamente ao
Neoconstitucionalismo, que, não obstante sua polissemia, traz a reboque todas as premissas metodológicas
apontadas, além de toda produção doutrinária a respeito do tema, já bastante difundida.” DIDIER JR., Fredie:
Curso... Ob. cit., 2010. p. 28. Também adotando essa denominação CAMBI, Eduardo. Neoconstitucionalismo...
Ob. cit., 2009.
85 “Daí, por sinal, a nova fase metodológica por que passa o fenômeno processual, ultrapassando o mero
instrumentalismo, para ingressar na era do formalismo-valorativo.” OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Do
formalismo no processo civil – 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 13.
86 Nosso trabalho segue a linha adotada por Daniel Mitidiero que, ao tratar do formalismo-valorativo, toma os
termos como sinônimos, fruto de mera opção terminológica: “Importante setor da doutrina, concordando com a
superação do instrumentalismo como fase metodológica do processo civil brasileiro, prefere falar em
neoprocessualismo no lugar de formalismo-valorativo. Não há dúvida que se trata de simples opção
terminológica sendo, por isso mesmo, aspecto menos importante do que o reconhecimento daquilo que pelo
nome é designado”. In: Colaboração... Ob. cit. pp. 51-52.
29
direito privado, encontra aplicação também no direito público, vinculando a atuação de todas
as personagens participantes do processo. Ainda, é no processo cooperativo que se permite
um contraditório efetivo, tornando possível às partes influenciar a decisão final.
Evidentemente, isso não ocorrerá mediante o aumento total dos poderes das partes
ou dos juízes, mas, sim, mediante a divisão de atuação entre estes, de modo a
absorver aspectos benéficos tanto dos movimentos liberais quando dos sociais e a
verificação de que a defendida democratização do processo exige a clara percepção
da interdependência entre os sujeitos processuais.90
O processo cooperativo e suas características principiológicas informam a relação
processual em todas as suas fases de desenvolvimento. Sem embargos, mesmo no momento
de proferir a sentença, quando o magistrado assume uma posição assimétrica91, devem ser
observados os valores de colaboração (juiz Hermes 92 ). Assim, o formalismo-valorativo
materializa-se no modelo de processo cooperativo, regido pelo princípio da cooperação e
pelos demais princípios constitucionais do processo.
97 Tudo isso decorre da própria ideia de Estado Democrático de Direito, pois, “É justamente no contraditório,
aplicado pela Carta do Estado Democrático brasileiro, que se irá apoiar a noção de processo democrático, o
processo como procedimento em contraditório, que tem na sua matriz substancial a 'máxima da cooperação'
(Kooperationsmaxima)” ZANETI JÚNIOR, Hermes. A constitucionalização... Ob. cit. p. 179.
98 “Como repetido, o 'processo' é um procedimento do qual participam (são habilitados a participar) aqueles em
cuja esfera jurídica o ato final é destinado a desenvolver efeitos: em contraditório, e de modo que o autor não
posa obliterar suas atividades.” FAZZALARI, Elio. Instituições de direito processual. Campinas: Bookseller,
2006. pp. 118-119.
99 OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Comentário ao art. 5°, LV. In: CANOTILHO, J. J. Gomes; MENDES,
Gilmar Ferreira; SARLET, Ingo W.; STRECK, Lênio L. (coords.). Comentários à Constituição do Brasil. São
Paulo: Saraiva/Almedina, 2013. pp. 432-433.
100 REDONDO, Bruno Gacia. Deveres-poderes do juiz no projeto de Novo Código de Processo Civil. O projeto
do novo código de processo civil. ADONIAS, Antonio; DIDIER JR., Fredie (org.). Salvador: Jus Podivm, 2012.
pp. 191-193. No mesmo sentido: JUNIOR, Humberto Theodoro; NUNES, Dierle; BAHIA, Alexandre Melo
Franco; PEDRON, Flávio Quinaud. Novo CPC... Ob. cit. pp. 94-103.
101 CABRAL, Antonio do Passo. Nulidades... Ob. cit. p. 112. O autor define o que entende por influência:
“Denominamos influência qualquer condicionamento significativo à conduta dos demais sujeitos do processo,
realizado a partir de posições críticas ou omissões conclusivas, transmitidas comunicativamente e que, caso não
existissem, poderiam, mantidas as demais condições, motivar o sujeito condicionado a agir de modo diverso.” p.
114. A influência serve, assim, no condicionamento da conduta dos sujeitos do processo.
33
102 DELFINO, Lúcio; ROSSI, Fernando F. Juiz Contraditor... Ob. cit. pp. 446-447.
103 OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro. Do formalismo... Ob. cit. pp. 131-132. Em outro trabalho, afirma o
autor, na mesma linha: “Na visão atual, o direito fundamental ao contraditório situa-se para além da simples
informação e possibilidade de reação, conceituando-se de forma mais ampla na outorga de poderes para que as
partes participem do desenvolvimento e no resultado do processo, da forma mais paritária possível,
influenciando de modo ativo e efetivo a formação dos pronunciamentos jurisdicionais. Este último elemento não
se circunscreve ao ato que resolve a controvérsia, mas compreende todas as decisões do órgão judicial, digam
respeito ao mérito da controvérsia, às chamadas condições da ação, aos pressupostos processuais ou à prova.
Estende-se, ademais, à matéria fática ou de puro direito, e em qualquer fase do processo (conhecimento,
execução ou de urgência), abrangendo também a fase recursal, em qualquer grau de jurisdição ou no âmbito de
recurso especial ou extraordinário.” OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Comentário ao art. 5°, LV... Ob. cit.
p. 433.
34
104 “Impõe-se, assim, a leitura do contraditório como garantia de influência no desenvolvimento e resultado
do processo.” NUNES, Dierle José Coelho. Processo... Ob. cit. p. 227.
105 DIDIER JR., Fredie. Curso... vol. 1, ob. cit., p. 56.
106 GRINOVER, Ada Pellegrini. Princípios Processuais e Princípios de Direito Administrativo no Quadro das
Garantias Constitucionais. Estudos de Direito Processual Constitucional. LARREA, Arturo Zaldívar Lelo de;
MAC-GREGOR, Eduardo Ferrer (org.). São Paulo: Malheiros, 2009. pp. 175.
107 NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do Processo na Constituição Federal. São Paulo: RT, 2013. p. 225.
108 “A colocação de qualquer entendimento jurídico (v. g. aplicação de súmula da jurisprudência dominante dos
Tribunais Superiores) como fundamento da sentença, mesmo que aplicada ex officio pelo juiz, sem anterior
debate com as partes, poderá gerar o aludido fenômeno da surpresa. Desse modo o contraditório constitui um
(sic) verdadeira garantia de não surpresa que impõe ao juiz o dever de provocar o debate acerca de todas as
questões, inclusive as de conhecimento oficioso, impedindo que em 'solitária onipotência' aplique normas ou
embase a decisão sobre fatos completamente estranhos à dialética defensiva de uma ou de ambas as partes
(FERRARI, 1988, p. 781-782). Ocorre que a decisão surpresa deve ser declarada nula, por desatender ao
princípio do contraditório.” NUNES, Dierle José Coelho. Processo... Ob. cit. p. 229. No mesmo sentido:
JUNIOR, Humberto Theodoro; NUNES, Dierle; BAHIA, Alexandre Melo Franco; PEDRON, Flávio Quinaud.
Novo CPC... Ob. cit. p. 82.
35
fonte do processo cooperativo, elemento especial que distingue o processo dos demais
procedimentos113.
de motivar, que é uma das garantias processuais já consolidadas ao longo da história. O dever de motivar contém,
obviamente, o dever de deixar claras as razões da decisão.”
124 CABRAL, Antonio do Passo. Nulidades... Ob. cit. p. 143.
125 “Implica um dever recíproco do tribunal perante as partes e destas perante aquele órgão: o tribunal tem o
dever de se esclarecer junto às partes e estas têm o dever de o esclarecer”. GRASSI, Lúcio. O projeto do novo
Código de Processo Civil Brasileiro (CPC) e o princípio da cooperação intersubjetiva. In.: BASTOS, Antônio
Adonias Aguiar; DIDIER JR., Fredie (coords.) O projeto do Novo Código de Processo Civil – Estudo em
homenagem ao Professor José Joaquim Calmon de Passos. Salvador: JusPodivm, 2012. p. 474. Nesse sentido,
c.f. MACÊDO, Lucas Buril de.; PEIXOTO, Ravi Medeiros. Ônus... Ob. cit. p. 36.
126 Entendendo de maneira diferente, ao incluir o conteúdo do art. 321 no dever de prevenção, c.f. FLEXA,
Alexandre; MACEDO, Daniel; BASTOS, Fabrício. Novo Código de Processo Civil: o que é inédito, o que
mudou, o que foi suprimido. Salvador: JusPodivm, 2015. p. 47.
41
magistrado esclareça as partes sobre os ônus que lhes cabem, inclusive das consequências que
podem decorrer da não desincumbência de tais posições.
O segundo dever de cooperação que se deve mencionar é o dever de consulta.
Intimamente ligado ao contraditório, impõe ao magistrado que consulte as partes a respeito
das matérias sobre as quais irá se pronunciar127. O dever de consulta decorre diretamente da
proibição de decisão surpresa no processo, seja sobre questão de fato, seja sobre questão de
direito. O magistrado que decide sem dar aos interessados a oportunidade de se manifestar a
respeito fere o contraditório e a cooperação a partir do desrespeito ao dever de consulta.
Ainda matérias cognoscíveis de ofício, devem ser levadas ao debate. É possível exemplificar
este dever a partir do art. 357, §§ 2° e 3°, na medida em que o magistrado consulta as partes a
respeito da matéria que haverá de constar na decisão de saneamento128.
Não se pode dizer que o dever de consulta se confunde com o contraditório,
conquanto seja dele um elemento. O contraditório é mais amplo, abrangendo a faceta
processual e substancial. O dever de consulta decorre do contraditório substancial.
Os direitos fundamentais processuais não têm pretensão de exclusividade 129 . A
doutrina contemporânea do processo civil, ao tratar do contraditório, apresenta como um dos
seus elementos a proibição de decisão-surpresa, voltando a tratar do tema exatamente quando
da abordagem do princípio da cooperação, mais especificamente no dever de consulta.
Possível compreender daí essa relação do dever de consulta como conteúdo do contraditório
contemporâneo.
Leonardo Carneiro da Cunha trata do tema ao afirmar que “o exercício pleno do
contraditório não se limita à garantia de alegação oportuna e eficaz a respeito de fatos,
implicando a possibilidade de ser ouvido também em matéria jurídica”. E prossegue: “É
preciso observar o contraditório, a fim de evitar um 'julgamento surpresa'. E para evitar
'decisões surpresa', toda questão submetida a julgamento deve passar antes pelo
contraditório” 130 . Em seguida, ao analisar o dever de consulta, decorrente do processo
127 “Existiria um dever de consulta do juiz impondo o fomento do debate preventivo e a submissão de todos os
fundamentos (ratio decidendi) da futura decisão ao contraditório.” JUNIOR, Humberto Theodoro; NUNES,
Dierle; BAHIA, Alexandre Melo Franco; PEDRON, Flávio Quinaud. Novo CPC... Ob. cit. p. 97
128 Entendo de maneira diferente, ao incluir o caso do art. 357, §3° no dever de esclarecimento, c.f. FLEXA,
Alexandre; MACEDO, Daniel; BASTOS, Fabrício. Novo Código... Ob. cit. p. 47.
129 Como aponta Fredie Didier Jr.: “Não é ocioso lembrar que os princípios processuais não têm pretensão de
exclusividade: um mesmo efeito jurídico (processo cooperativo) pode ser resultado de diversos princípios
(devido processo legal ou boa fé).” DIDIER JR., Fredie. Fundamentos... Ob. cit. p. 54.
130 CUNHA, Leonardo Carneiro da. A Atendibilidade... Ob. cit. p. 59-61. No mesmo sentido: DIDIER Jr.,
Fredie. Curso... Ob. cit., 2014. pp. 56-59, 92-93; BARREIROS, Lorena Miranda Santos. Fundamentos... Ob. cit.
pp. 198-199, 278-279; MITIDIERO, Daniel. Colaboração... Ob. cit. p. 102; OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro.
Do formalismo... Ob. cit. pp. 198-199.
42
131 Idem. Ib idem. p. 69. Não somente, mas também Antonio do Passo Cabral entende que “o contraditório
moderno exige que o juiz evite surpreender as partes com decisões inesperadas. Não podemos aceitar os
chamados juízos de “terza via”, que toquem temas desconhecidos, não debatidos e não considerados pelas partes,
e que representam “decisões surpresa”, ilegítimas no paradigma processual contemporâneo.” CABRAL, Antonio
do Passo. Nulidades... Ob. cit. p. 240.
132 Idem. Ib idem. p. 239-243. Seguindo a mesma linha: CUNHA, Leonardo Carneiro da. A Atendibilidade... pp.
58-62.
133 DIDIER Jr., Fredie. Curso... Ob. cit., 2014. p. 58. Em outro trabalho, afirma o autor, no mesmo sentido aqui
defendido: “Não pode o órgão jurisdicional decidir com base em questão de fato ou de direito, ainda que possa
ser conhecida ex officio, sem que sobre elas sejam as partes intimadas a manifestar-se. Deve o juiz consultar as
partes sobre esta questão não alvitrada no processo, e por isso não posta em contraditório, antes de decidir. Eis o
dever de consulta.” DIDIER JR., Fredie. Fundamentos... Ob. cit. pp. 17-18.
134 Como afirma Fredie Didier Jr.: “Há questões fáticas que podem ser apreciadas pelo magistrado ex officio. O
juiz pode conhecer de fatos que não tenham sido alegados. Ele pode trazer, ele pode aportar fatos ao processo.
Mas o órgão jurisdicional não pode levar em consideração um fato de ofício, sem que as partes tenham tido a
oportunidade de se manifestarem a respeito.” Idem. Ib idem. p. 58.
43
prevalência do julgamento de mérito, que é um dos seus principais vetores. A ideia é simples
e confirma regra já consagrada: o mero vício de forma não justifica a invalidação do ato caso
atinja a sua finalidade. Os vícios observados na prática dos atos processuais devem ser
diligentemente corrigidos, senão superados, através da conduta cooperativa do magistrado
com os demais sujeitos do processo135.
Sob a perspectiva do direito português, Lúcio Grassi afirma:
Tem finalidade assistencial do tribunal e não implica em (sic) qualquer dever
recíproco das partes perante aquele. Consagra-se no convite ao aperfeiçoamento
pelas partes dos seus articulados (…) vale genericamente para todas as situações em
que o êxito da ação a favor de qualquer das partes possa ser frustrado pelo uso
inadequado do processo. 136
O dever de prevenção exige do magistrado uma atuação destinada a proteger ou
prevenir a parte de toda e qualquer atuação processual apta a prejudicar a tutela dos seus
direitos em juízo por vício de técnica. Face ao princípio da primazia do mérito, não se deve
reconhecer como legítima a ausência de tutela da situação jurídica da parte por mero vício de
forma, decorrente da inadequada utilização do processo137. “São quatro as áreas de aplicação
do dever de prevenção: explicação de pedidos pouco claros, o caráter lacunar da exposição
dos fatos relevantes, a necessidade de adequar o pedido formulado à situação concreta e a
sugestão de certa atuação pela parte.”138
Por exemplo, no momento de ordenar a emenda da petição inicial, apontando que o
problema se encontra no pedido e qual a espécie de pedido possível no caso. O artigo 321 do
CPC/15, então, serve ao exercício tanto do dever de esclarecimento quanto do dever de
prevenção139, a depender da situação concreta observada, pois o magistrado pode, a partir do
dispositivo, ordenar tanto os meros esclarecimentos dos pedidos ou mesmo a necessidade de
se adaptá-lo e, ainda, até sugerir uma determinada atuação a parte140. Ainda, caso o Agravo de
Instrumento esteja deficientemente instruído, ausente algum documento necessário, é possível
135 “A funcionalização valorativa das formas faz com que as invalidades tenham que ser excepcionais, devendo
ser evitadas sempre que possível. Dessa premissa, decorre outra obrigação especificamente aplicável ao sistema
das invalidades. É o denominado dever de prevenção, destinado a evitar a pronúncia de nulidade. O juiz deve
diligenciar para que os atos processuais não sejam praticados de forma viciada e desleal ou, quando já
identificado o defeito, para que este seja corrigido rapidamente.” CABRAL, Antonio do Passo. Nulidades... Ob.
cit. p. 243.
136 GRASSI, Lúcio. O projeto... Ob. cit. p. 476.
137 JUNIOR, Humberto Theodoro; NUNES, Dierle; BAHIA, Alexandre Melo Franco; PEDRON, Flávio
Quinaud. Novo CPC... Ob. cit. p. 78.
138 DIDIER JR., Fredie. Os três modelos... Ob. cit. p. 216.
139 “Há aí inequívoco dever de esclarecimento e de prevenção do órgão jurisdicional para com as partes”.
MITIDIERO, Daniel. Colaboração... Ob. cit. pp. 123-124.
140 GRASSI, Lúcio. Cognição processual civil: atividade dialética e cooperação intersubjetiva na busca da
verdade real. In: DIDIER Jr., Fredie (org.). Leituras complementares de processo civil. Salvador: JusPodivm,
2010. p. 374.
44
fazer incidir o dever de prevenção para intimar o recorrente a apresentar o documento faltante,
antes de se inadmitir o recurso.
Há, por fim, de se fazer menção ao dever deauxílio. Intimamente ligado à isonomia,
impõe ao magistrado promover a paridade de armas em seu aspecto substancial do processo.
O magistrado deve auxiliar a parte hipossuficiente na superação de eventuais obstáculos que
enfrente exatamente em virtude desta disparidade entre os litigantes. É que, como já se disse,
o processo não pode servir como um fim em si mesmo, ou seja, não se pode negar a prestação
da atividade jurisdicional justa em face às limitações e dificuldades no pleno exercício do
direito de ação. Não se trata aqui de favorecimento, pois assim estaria comprometido o dever
de imparcialidade e o princípio do juiz natural. Trata-se de concretização da igualdade
material no processo, dando aos litigantes as condições necessárias a atuar em pé de igualdade
no processo. “Consiste no dever de auxiliar as partes na remoção das dificuldades ao exercício
dos seus direitos ou faculdades ou no cumprimento do ônus ou deveres processuais.”141
Leonardo Carneiro da Cunha menciona o §1° do art. 319 como exemplo de um dever
de auxílio do magistrado. “Caso o autor não tenha condições de indicar alguns desses dados,
cabe ao juiz, exercendo o dever de auxílio decorrente do princípio da cooperação, determinar
a realização de diligências destinadas à sua obtenção (CPC, art. 319, § 1º).” 142 Ou seja,
reconhece-se a impossibilidade de a parte dispor de tais dados, ordenando o juiz, ele mesmo,
atos com o fim de permitir a correta identificação do réu. O auxílio, nesse caso, de forma
alguma quebra com a imparcialidade do juiz, coadunando-se com a satisfação do amplo
acesso à justiça.
Ainda, há doutrina defendendo a necessidade de previsão típica dos deveres de
auxílio, sob pena de ferimento à garantia da imparcialidade e do juiz natural. É como entende
Fredie Didier Jr.:
Não nos parece possível defender a existência deste dever no direito processual
brasileiro. A tarefa de auxiliar as partes é do seu representante judicial: advogado ou
defensor público. Não só não é possível: também não é recomendável. É
simplesmente imprevisível o que pode acontecer se se disser ao órgão julgador que
141 GRASSI, Lúcio. O projeto... Ob. cit. p. 484. No mesmo sentido: “a cooperação é normalmente associada ao
caráter social do processo e ao princípio da igualdade substancial das partes.” SILVA, Paula Costa e. Acto e
Proceso: o dogma da irrelevância da vontade na interpretação e nos vícios do acto postulativo. Coimbra:
Coimbra Editora, 2003. p. 600.
142 CUNHA, Leonardo Carneiro da. Comentários ao art. 319 do CPC/15. In.: SALOMÃO, George; ALVIM,
Eduardo Arruda; ASSIS, Araken de. Comentários ao Novo Código de Processo Civil. No prelo. E continua ou
autor: “Se, a despeito da falta de alguns dados, for possível realizar a citação do réu ou se a busca por sua
obtenção for excessivamente onerosa ou inviabilizar o acesso à justiça, não deverá ser indeferida a petição inicial
(CPC, art. 319, §§ 2º e 3º), dispensando-se a exigência e determinando-se a realização da citação.”
45
ele tem um dever atípico de auxiliar as partes. É possível, porém, que haja deveres
típicos de auxílio, por expressa previsão legal.143
Pondo-se o dever de auxílio como típico ou atípico, fato é que o nosso ordenamento
consagra diversas hipóteses, provocadas ou não, onde a atuação do magistrado se dá com o
escopo de auxiliar as partes na superação de dificuldades no acesso à prestação da jurisdição.
Por isso, deve-se reconhecer o dever de auxílio como incidente sobre a conduta deste sujeito
do processo.
Instituto antigo, mas que concretiza o dever de auxílio é a concessão de gratuidade da
justiça àqueles que não possuem condições de arcar com os custos do processo. Outro
exemplo é a concessão de alimentos provisionais nos processos de família, propiciando à
parte mais fraca condições de sobreviver ao longo do processo, não se submetendo a uma
autocomposição injusta simplesmente pela necessidade de receber qualquer valor, ainda que
ínfimo, a título de alimentos; o auxílio na localização de bens penhoráveis ou de dados
necessários à citação do réu quando o autor demonstra a impossibilidade de consegui-los.
Ainda, é possível mencionar a dinamização do ônus da prova como elemento do dever de
auxílio 144 (e também do dever de esclarecimento, como antes mencionado). Esta possibilidade
permite ao magistrado modificar a incidência das normas gerais de distribuição do ônus da
prova para, incidentalmente, adaptar a instrução processual às necessidades e possibilidades
de atuação das partes. Consagra-se daí a isonomia material no processo.
145 JUNIOR, Humberto Theodoro; NUNES, Dierle; BAHIA, Alexandre Melo Franco; PEDRON, Flávio
Quinaud. Novo CPC... Ob. cit. p. 77.
146 Fredie Didier Jr., diferencia o dever de lealdade do dever de proteção, caracterizando-se este exatamente
pela impossibilidade de se admitir que uma parte cause danos a outra (DIDIER JR., Fredie. Os três modelos...
Ob. cit. p. 214). Não adotamos esta separação por entender que o conteúdo da boa-fé processual e, por
consequência, do dever de lealdade já abrange este caractere. Frise-se: não negamos que haja um dever de
prevenção, conquanto entendamos seu conteúdo inserido no dever de lealdade imposto às partes, e não como um
dever autônomo.
47
requereu o exame.
Frise-se, não se está a coibir o agir estratégico ou propondo que as partes “caminhem
de mãos dadas” apesar dos interesses opostos. O que o dever de lealdade impõe é uma atuação
ética, não abusiva. E isto não é qualquer novidade. O direito privado há muito, já reconhece a
necessidade de aplicação da boa-fé e de todos os seus corolários nas relações contratuais,
inclusive pelo reconhecimento de deveres pré e pós-contratuais. Não há razão para se
estranhar sua aplicação também no âmbito do processo, com mais força ainda, pois aqui há
outros sujeitos envolvidos (juiz e auxiliares) e interesses em jogo que superam a esfera
eminentemente privada das relações contratuais. Inclusive, se nas relações contratuais já se
entende incidente uma função social dos contratos, com muito mais razão deve-se respeitar
uma função democrática (aqui utilizado como termo mais abrangente que social e para não
confundir com direitos fundamentais de segunda geração) da jurisdição.
A violação dos deveres de colaboração pelas partes, inclusive, pode ser levada em
conta pelo magistrado no momento da formação do convencimento a respeito da causa. Fácil
perceber que a conduta desidiosa dos sujeitos parciais, negando-se a cumprir os provimentos
jurisdicionais ou omitindo-se na apresentação de documentos indispensáveis à solução da
causa, ou furtando-se a exames necessários, por exemplo, pode constituir presunções de que o
direito não lhe assiste. Ainda que não haja a necessidade de a lei explicitar tais hipóteses, há
alguns casos que o próprio legislador previu que a atividade não cooperativa das partes pode
fazer surgir presunções contra si: art. 385, §1°, art. 386 e art. 400, todos do CPC/15; arts. 231
e 232 do CC147.
147 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Comentários ao Código de Processo Civil – vol.
5, t. 1. São Paulo: RT, 2005. pp. 483-485.
48
148NERY JUNIOR, Nelson. Princípios... Ob. cit. p. 99. No mesmo sentido: CINTRA, Antonio Carlos de
Araujo. Comentários ao Código de Processo Civil – vol. IV. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 11; SANTOS,
Katharine Maia dos.; RABELO, Manoel Alves. Teoria Geral da Prova na Jurisdição Cível: Breves
Considerações. In: ZAGANELLI, Margareth Vetis (coord.). Processo, Verdade & Justiça: Estudos Sobre a
Prova Judicial. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 102.
49
149“A participação deve dar às partes plena oportunidade de alegar, requerer provas, participar da sua produção
e considerar sobre os seus resultados. Numa palavra: a parte deve ter a oportunidade de demonstrar as suas
razões e de se contrapor às razões da parte contrária.” MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria Geral do Processo.
São Paulo: RT, 2013. pp. 463.
150MORALES, Rodrigo Rivera. La Prueba... Ob. cit. p. 159.
151Como ensina Carlos Alberto Alvaro de Oliveira: “o conteúdo mínimo do principio do contraditório não se
esgota na ciência bilateral dos atos do processo e na possibilidade de contraditá-los (conceito tradicional), mas se
entende a todo o material de interesse jurídico para a decisão, tanto jurídico (…) quanto fático (requerimento de
provas, indicação dos meios de prova, participação na produção da prova, manifestação sobre a prova produzida).
OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Comentário ao art. 5°, LV... Ob. cit. p. 433.
152MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria Geral... Ob. cit. pp. 464. No mesmo sentido: CINTRA, Antonio Carlos
de Araujo. Comentários... – vol. IV.Ob. cit. p. 12.
153 “Com a evolução do Direito, as Constituições do pós-guerra, especialmente a italiana e a alemã,
influenciadas diretamente por regras internacionais previstas na Declaração Universal dos Direitos do Homem e
na Convenção Européia de Direitos Humanos, passaram a tratar a prova como um direito das partes e a atividade
de reconstrução dos fatos no processo como de interesse tanto do juiz quanto das partes, já que indispensável à
justiça da decisão.” GIANNICO, Maricí. A prova no código civil: natureza jurídica. São Paulo: Saraiva, 2005. p.
107.
50
154“Em outra perspectiva, admitindo-se a prova como argumento de discussão, as novidades na valoração dos
fatos pelo juiz devem ser obrigatoriamente debatidas com as partes. Resgata-se a humanidade no debate judicial.
A “verdade” abandona a perspectiva matemática, para ser mais acessível ao contingente, adequada à sociedade e
ao tema discutido.” ZANETI JÚNIOR, Hermes. A constitucionalização... Ob. cit. p. 75.
155OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Comentário ao art. 5°, LV... Ob. cit. pp. 433.
156Vide, p.ex., art. 480, §3° do CPC/15 (em comparação ao art. 439, parág. único do CPC/73); art. 369 do
CPC/15 (que retirou a expressão “livre” constante no original do PL 166); art. 371 do CPC/15 (em comparação
ao art. 131do CPC/73); art. 426 do CPC/15 (em comparação ao art. 386 do CPC/73).
157MACÊDO, Lucas Buril de; PEIXOTO, Ravi Medeiros. Ônus... Ob. cit. p. 91.
158MORALES, Rodrigo Rivera. La Prueba... Ob. cit. p. 159-160.
51
159Aponta, neste sentido: MENEZES, Paula Bezerra de. Novos Rumos... Ob. cit. p. 82.
160 O fazemos com base na lição de Moacyr Amaral Santos em: SANTOS, Moacyr Amaral. Prova Judiciária
no Cível e Comercial – vol. 1. São Paulo: Max Limonad, 1954, pp. 11-12 No mesmo sentido e apontando as
dificuldades em definir “prova” face à presença de diversas concepções, da abrangência do instituto, seus
resultados, finalidades e relação com o processo de valoração: MORALES, Rodrigo Rivera. La prueba... Ob. cit.
pp. 29-32.
161 CARNELUTTI, F. Instituciones de Derecho Procesal Civil – t. 1. Buenos Aires: Ejea, 1973, p. 331. Apud
MORALES, Rodrigo Rivera. La prueba... Ob. cit. p. 29.
52
das decisões, onde o magistrado justifica as razões de decidir, baseado no que restou provado,
sobre o que se fez prova.
A definição proposta por Marinoni e Arenhart parece identificar as duas últimas
compreensões acima indicadas. Entendem os autores que a prova “é todo meio retórico,
regulado pela lei, e dirigido, dentro dos parâmetros fixados pelo direito e de critérios
racionais, a convencer o Estado-juiz da validade das proposições, objeto de impugnação,
feitas no processo.”162
Sem dúvida, esta variedade de compreensões que pode adquirir o termo permeia o
manejo da matéria. Não há se falar em maiores dificuldades, todavia, especialmente pelo
contexto em que empregado o vocábulo. Resta apontar, assim, a importância da compreensão
do sentido em que está sendo empregado o termo. Neste trabalho, da forma que comumente
ocorre no tratamento do tema, nos utilizamos dos três significados apontados.
162 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Prova e Convicção. São Paulo: RT, 2015. p. 72.
No mesmo sentido, afirma Rodrigo Rivera Morales: “”En la concepción procesal probar expresa uma actividad
racional dirigida a contrastar uma proposición. Se puede decir que el resultado de la prueba es una afirmación.”
MORALES, Rodrigo Rivera. La prueba... Ob. cit. p. 29.
163 DIDIER Jr., Fredie; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de; BRAGA, Paula Sarno. Curso de Direito Processual
Civil – vol. 2. Salvador: JusPodivm, 2015. p. 49.
164MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Comentários... – vol. 5, t. 1. Ob. cit. p. 122.
165Idem. Ib idem., p. 134. No mesmo sentido, Ravi Peixoto e Lucas Buril: “Ao juiz, então, não cabe encontrar a
verdade, mas, como política de qualidade para o processo, admitir que busca a verdade, servindo tal ideal como
53
fundamento axiológico para a prestação jurisdicional, legitimando-a eticamente, no entanto, tendo plena ciência
do intransponível limite de sua atividade cognitiva: deve atribuir significado (valorar) às proposições de fato das
partes. A 'verdade' atingida no processo é dialética, alcançada mediante o convencimento intersubjetivo pelo
discurso, tendo fundamento no procedimento e na autoridade do mesmo, como meio coercitivo de objetivação.
Em outras palavras, a busca da verdade é um dos elementos essenciais à legitimação da atuação jurisdicional
mediante o processo.” MACÊDO, Lucas Buril de; PEIXOTO, Ravi Medeiros. Ônus... Ob. cit. p. 66.
166Nesse sentido, AROCA questiona qual a função da prova. Há estreita relação, ainda que multívoca, entre
prova e verdade. A prova, talvez, figure como um elemento de busca aproximada da verdade. O processo não
pode abrir mão de chegar o mais próximo da realidade, ainda que, em face da constatação de que os fatos são
únicos e irrepetíveis, o máximo que se pode buscar da verdade é uma aproximação, da qual não pode fugir o
processo, ainda que se tenha consciência de que o fato que se deseja provar não será mais reproduzido. In.:
AROCA, Juan Montero. Ob. Cit., pp. 501-502. Interessante, neste ponto, a opinião de Michele Taruffo que,
apesar dos grandes debates travados entre tais autores, no ponto, concorda. Para o italiano, no processo só se
pode falar em verdade relativa, dado que verdades absolutas são patrimônios de certa metafísica ou religião. A
verdade no processo, então, seria somente uma reconstrução aproximada dos fatos. Em suas palavras: “Esto
lleva a excluir que se pueda verdaderamente aplicar en el contexto processal – a pesar de la existencia de una
literatura bastante amplia em esto sentido – una concepción radicalmente 'narrativista' de la verdad, según la cual
la verdad de un enunciado fáctico podría depende tan sólo de su coherencia con otros enunciados, en el marco de
una narración asumida como la única dimensión en la que tiene sentido hablar de los hechos.” TARUFFO,
Michele. Consideraciones sobre la Prueba y Motivación de la Sentencia Civil. Santiago de Chile: Editorial
Metropolitana, 2012. p. 31. Ainda: “Quando se afirma que a prova não pode traduzir a verdade, alude-se a uma
ideia que há muito tempo está presente na filosofia. O que se quer dizer, mais precisamente, é que a essência da
verdade é inatingível. E não apenas pelo processo, mas por qualquer mecanismo que se preste a verificar um fato
passado.” MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Comentários... – vol. 5, t. 1. Ob. cit. p. 121.
167 Posicionamento este, inclusive, já sinalizado pelos autores há pouco referidos. DIDIER Jr., Fredie;
OLIVEIRA, Rafael Alexandria de; BRAGA, Paula Sarno. Curso... – vol. 2. Ob. cit. p. 50. Entendo que a
finalidade da prova é convencer o julgador: MIRANDA, Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil–
tomo IV, arts. 282 – 433. Rio de Janeiro: Forense, 1974. p. 225. Ainda: “Da pequena incursão feita sobre alguns
avanços na teoria do conhecimento pode-se extrair que a função da prova é prestar-se como peça de
argumentação no diálogo judicial, elemento de convencimento do Estado-jurisdição sobre qual das partes deverá
ser beneficiada com a proteção jurídica do órgão estatal.” MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio
Cruz. Comentários... – vol. 5, t. 1. Ob. cit. p. 83. A mesma referência é encontrada na página 87 do trabalho,
onde afirmam que “a prova não se presta à reconstrução da verdade – caso em que, as conclusões judiciais,
como exercício de mero silogismo, deveriam ser, inexoravelmente, as mesmas – , mas a apoiar a argumentação
retórica das partes (e também do magistrado) sobre a controvérsia exposta.”No mesmo sentido: CASTRO,
Carla Rodrigues Araújo de. Prova Científica... Ob. cit. p. 6; MANZANO, Luíz Fernando de Moraes. Prova
Pericial: Admissibilidade e assunção da prova científica e técnica no processo brasileiro. São Paulo: Atlas,
2011. p. 7.
54
168CAMBI, Eduardo. A prova civil: admissibilidade e relevância. São Paulo: RT, 2006. p. 19.
169 “Cada prova é um fenômeno; é, pois, uma representação de uma dada realidade, mas apenas uma
representação e nunca mais que isso. É uma parcela fenomênica no inatingível número que se pretende atingir.”
ANDRADE, Osvaldo Lucas. Númeno e Fenômeno: Impossibilidade e Necessidade de Certeza no Processo
Probatório. In: ZAGANELLI, Margareth Vetis (coord.). Processo, Verdade & Justiça: Estudos Sobre a Prova
Judicial. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 228. Sob uma perspectiva menos filosófica e mais dogmática,
entendem Marinoni e Arenhart que “A prova, então, assume condição de um meio retórico, regulado pela lei,
dirigido a, dentro de parâmetros fixados pelo Direito e de critérios racionais, convencer o Estado-juiz da
validade das proposições, objeto de impugnação, feitas no processo.” os autores, então destrincham, no que
segue, o conceito de prova apresentado. MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz.
Comentários... – vol. 5, t. 1. Ob. cit. pp. 84-87
55
de uma solução cooperativa dos conflitos em tempo razoável, sendo dever de todos aqueles
que atuam no processo fomentarem o debate e a solução consensual dos conflitos. Pode-se
dizer, então, que o fomento à autocomposição é um valor adotado pelo novo ordenamento
processual. Daí, por este valor ser apreendido dos capítulos das normas fundamentais, deve
servir à interpretação e concretização de todo o conteúdo normativo do novo código.
Dessa forma, o fundamento para a afirmação de que a finalidade da prova também é
convencer as partes ganha muito mais força, na medida em que a influência que a atividade
probatória pode causar na atuação dos sujeitos parciais deve ser dirigida (quando possível, por
óbvio) à solução autocomposta dos conflitos. Perceba-se, desde que garantida a isonomia
(também norma fundamental), a solução consensual dos conflitos é a que mais se ajusta aos
valores consagrados nas normas fundamentais do CPC/15 e, ainda, serve não somente a
resolver o conflito, mas a solucioná-lo de forma a atingir um grau de satisfação maior dos
interessados.
Enfim, a finalidade é prática: convencer juiz e partes.
170Nesse sentido, tratando do processo penal: BARROS, Marco Antonio de. A busca da verdade no processo
penal. São Paulo: RT, 2011. p. 124.
171Expressando a mesma opinião: CARVALHO, Nathália Gonçalvez de Macedo. Introdução ao federal rules of
evidence e os pontos de encontro com o Código de Processo Civil 2015. JOBIM, Marco Félix; FERREIRA,
William Santos (coords). Direito Probatório. Salvador: JusPodivm, 2015. p. 869. Veja-se, ainda, o Enunciado n°
50 do Fórum Permanente de Processualistas Civis: “Os destinatários da prova são aqueles que dela poderão fazer
56
uso, sejam juízes, partes ou demais interessados, não sendo a única função influir eficazmente na convicção do
juiz.”
172DIDIER Jr., Fredie; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de; BRAGA, Paula Sarno. Curso... – vol. 2. Ob. cit. p.
91.
173 CASTRO, Carla Rodrigues Araújo de. Prova Científica... Ob. cit. p. 80.
174 FERREIRA, William Santos. Princípios Fundamentais da prova cível. São Paulo: RT, 2014. p. 128.
175 William Santos Ferreira não reconhece as expressões como sinônimas, mas sim complementares. Para o
autor, falar em “comunhão da prova” valoriza o elemento subjetivo a respeito de quem pode se valer da prova
produzida. Já “aquisição da prova” denota um elemento objetivo, ligado à ideia de que a prova é do processo.
Afirma, ao fim: “As duas denominações expressam características elementares e não devem ser utilizadas como
denominações sinônimas, mas sim complementares. Para exata compreensão é altamente indicada a utilização
das duas denominações cumulativamente, princípios da aquisição e comunhão da prova.” Idem. Ib idem. pp.
130-131.
176 À exceção do regime especial dado à confissão, caracterizada como ato determinante, ou seja, vocacionado a
prejudicar a posição jurídica de quem o praticou.
57
relevante para a admissibilidade da prova ou sua valoração. Por isso não é relevante saber
quem produziu ou qual a intenção em produzi-la. Válida a prova, e aí admitida, não há se
questionar de quem partiu a iniciativa para sua produção, na medida em que passa a ser do
processo e será valorada em benefício ou prejuízo de quem quer seja atingido por sua
valoração. É preciso aqui abrir um parêntese para diferenciar uma nuance: o comportamento
dos sujeitos parciais do processo durante a instrução pode servir ao juiz na análise do
comportamento processual das partes. Esse elemento, todavia, não pode ser levado em conta
no momento de analisar o resultado da atividade. Ainda que a desídia possa demonstrar má-fé
ou até fazer crer que à parte não interessa a produção da prova (o que é um indício de que não
tem razão), uma vez produzida, este comportamento não pode compor a avaliação do seu
resultado. Isto, porque o elemento volitivo não serve a valoração do elemento de prova.
177“Esse entendimento encontra substrato na constatação de que o processo não constitui fim em si mesmo, na
idéia de seu caráter essencialmente instrumental, concepção hoje totalmente pacífica e bem espelhada pela
própria evolução histórica do direito processual: confusão inicial entre direito e processo, autonomia absoluta do
direito processual, interação dialética entre direito e processo, entre substância e forma.” OLIVEIRA, Carlos
Alberto Alvaro. Do formalismo... Ob. cit. p. 234.
58
182MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico: plano da eficácia. São Paulo: 2007. p. 32.
183CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pelegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria
Geral do Processo. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 95.
184MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Comentários... – vol. 5, t. 1. Ob. cit. p. 345.
60
185 ALVIM, Arruda. Manual de Direito Processual Civil. São Paulo: RT, 2011. p. 146.
186 MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria Geral... Ob. cit. pp. 65-69
187 Não pretendemos, neste trabalho, discutir a diferença entre princípios e regras. Apenas nos interessa
tratarem de espécies de normas, com características diferentes.
188 DIDIER JR., Fredie. Curso... vol. 1. Ob. cit., p. 41.
61
189ZANETI JÚNIOR, Hermes. A constitucionalização... Ob. cit. p. 58. A respeito, de destacar as poéticas
palavras do autor: “Da mesma maneira que a música produzida pelo instrumento de quem lê a partitura se torna
viva, o direito objetivo, interpretado no processo, reproduz no ordenamento jurídico um novo direito. Tal é a
teoria circular dos planos.” (p. 214).
190Esclarece o autor: “Não se diga que a jurisdição não atua sobre hipóteses, que atua exclusivamente sobre
fatos reais, o mais certo que se tem hoje é a afirmação da incerteza consubstancial à discussão judicial. O
direito material, quando levado a juízo, se torna uma expectativa, se volatiliza toda a certeza que eventualmente
tem seu requerente, ou mesmo a que lhe parece oferecer o ordenamento jurídico material.” ZANETI JÚNIOR,
Hermes. A constitucionalização... Ob. cit. p. 204.
191Ib. ib idem. p. 191.
62
192Segundo Nelson Nery Junior “A cláusula due process of law não indica somente a tutela processual, como aà
primeira vista pode parecer ao intérprete menos avisado. Tem sentido genérico, como já vimos, e sua
caracterização se dá de forma bipartida, por há o substantive due process e o procedural due process, para
indicar a incidência do princípio em seu aspecto substancial, vale dizer, atuando no que respeita ao direito
material e, de outro lado, à tutela daqueles direito por meio do processo judicial ou administrativo.” NERY
JUNIOR, Nelson. Princípios... Ob. cit. p. 96. Ainda, o autor afirma expressamente, sobre o devido processo legal
que a “magnitude do conteúdo é de direito material e de direito processual.” (p. 101).
193Rodrigo Mazzei se refere a “dispositivos com alto grau de hibridez (normas bifrontes), isto é, com dupla
faceta (material e processual).” MAZZEI, Rodrigo. Enfoque processual do art. 928 do Código Civil
(responsabilidade civil do incapaz). In.: Revista Brasileira de Direito Processual – RBDPro. Belo Horizonte,
ano 16, n. 61, pp. 45-70, jan./mar. 2008., p. 48. Em nota de rodapé o autor atenta que a expressão “bifronte” já
fora utilizada por Liebman quando da análise das normas processuais contidas no Código Civil Italiano de 1942.
194ZANETI JÚNIOR, Hermes. A constitucionalização... Ob. cit. p. 191.
195CALAMANDREI, Piero. Instituições de direito processual civil. Campinas: Bookseller, 2003.p. 268.
63
correrá. Mesmo antes do advento do CPC/15, não faltavam teses a respeito da possibilidade
da conformação de negócios jurídicos para além dos casos típicos admitidos no CPC/73 como
forma de adaptar o procedimento. Uma das grandes preocupações daqueles que trabalham o
tema é exatamente revisitar a indisponibilidade das regras sobre procedimento em face do
dogma da irrelevância da vontade.
O raciocínio desenvolvido serve à compreensão da necessidade de superar a ideia de
um processo formado eminentemente por normas cogentes, indisponíveis pela vontade das
partes. Ora, se os princípios processuais inseridos na Constituição consagram direitos
fundamentais processuais, tais direitos, ao mesmo tempo em que regem o legislador na
construção de normas para um procedimento básico, instituem situações jurídicas subjetivas
aptas a serem dispostas pelas partes. Assim, o exercício pleno do contraditório dependerá não
somente das regras procedimentais previstas na legislação, mas também de um processo de
adaptação do procedimento de acordo com cada caso concreto posto ao conhecimento da
jurisdição.
A doutrina tradicional, apesar de reconhecer o processo como instrumento à tutela do
direito material, admitindo a sua adaptabilidade em certas situações, sempre o fez
reconhecendo hipóteses típicas de disposição. Veja-se a ilustrativa posição de Giuseppe
Chiovenda:
Não existe, pois, um processo convencional, quer dizer, ao juiz e às partes não é
permitido governar arbitrariamente o processo; mas em certos casos é livre às partes
desatenderem a uma norma processual, já por acôrdo expresso ou tácito, já deixando
de assinalar-lhe a inobservância. Se as partes gozam ou não dessa liberdade, deve
ressaltar dos termos expressos da lei ou do escôpo da norma determinada: na dúvida,
as normas processuais devem reputar-se cogentes.196
O CPC/15 vai exatamente em sentido contrário a esta ideia e encampa a
atipicidadedos negócios jurídicos processuais de forma expressa no art. 190, tendo andado o
legislador ao lado daqueles que advogam a disponibilidade das regras de procedimento. Trata-
se da possibilidade de flexibilização do procedimento a partir, agora, da relevância da
vontade dos sujeitos processuais. O dispositivo mencionado atente-se, é redigido como
cláusula geral197.
A perspectiva que se impõe é a de um direito subjetivo ao processo adequado. Ou
196CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de Direito Processual Civil – vol. 1. São Paulo: Saraiva, 1965. p. 74.
197Art. 190. Versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente
capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os
seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo. Parágrafo único. De ofício ou
a requerimento, o juiz controlará a validade das convenções previstas neste artigo, recusando-lhes aplicação
somente nos casos de nulidade ou de inserção abusiva em contrato de adesão ou em que alguma parte se
encontre em manifesta situação de vulnerabilidade.
64
seja, se o procedimento serve de instrumento à tutela dos direitos, as partes possuem uma
situação de disposição a respeito do procedimento e de suas posições que merece ser levada
em consideração. Em outras palavras, “Aparece, finalmente reconhecido, o 'direito subjetivo
ao processo', em contrapartida, garantia e conjunto como 'direito subjetivo material'. Nasce o
direito à organização e ao procedimento.”198
A prevalência do autorregramento da vontade está consagrada no caput do art. 190
do CPC/15, ao consagrar a atipicidade dos negócios jurídicos processuais. O dispositivo já
nos apresenta os requisitos necessários para a disposição do procedimento pelos sujeitos da
relação jurídica processual: a) o objeto do processo deve admitir autocomposição; b) partes
plenamente capazes, retirando daqueles que devem atuar em juízo com representação ou
assistência a possibilidade de ser sujeito no negócio jurídico processual de alteração do
procedimento 199 ; c) o negócio deve ser firmado antes ou durante o processo, devendo-se
entender, por lógica, que a convenção deve tratar de atos procedimentais ainda não praticados,
mesmo que já iniciado o processo.
O parágrafo único faz menção ao papel do juiz no controle da validade das
convenções previstas no artigo 190. Assim, a função do magistrado é controlar a observância
dos requisitos da convenção sobre procedimento. O juiz não pode se imiscuir nas razões ou no
conteúdo do negócio, pois agora prevalece o autorregramento da vontade. Frise-se: exerce
somente o controle de validade da convenção.
Outros tantos exemplos de negócios processuais típicos são encontrados na novel
legislação processual. É possível mencionar o já conhecido negócio para alteração de
competência territorial relativa; a escolha consensual do perito e o saneamento compartilhado.
Daí, o CPC/15 é responsável por desconstruir um dos elementos clássicos de
distinção entre normas processuais e materiais. Além dos elementos postos neste tópico, a
própria norma consagra a disponibilidade do procedimento, caracterizando o direito
processual da mesma forma que sempre se fez quanto ao direito material. Cai por terra um dos
principais elementos utilizados para diferenciação, enfraquecendo-a ainda mais. Retoma-se a
relevância da vontade dos sujeitos do processo no que refere à forma de tutela dos seus
direitos, transportando-se o autorregramento da vontade também para o processo. A lógica é
simples: sendo os sujeitos da relação jurídica processual titulares de situações jurídicas dentro
de determinado processo, a eles deve ser dada a possibilidade de regular a forma como tais
situações serão desenvolvidas. Ainda que o legislador tenha, em abstrato, regulado os termos
em que se deve desenrolar o procedimento, ninguém melhor que os sujeitos do processo para,
em face das vicissitudes do caso, escolher como há de se desenvolver o ato complexo
procedimento.
200DIDIER JR., Fredie. Regras Processuais no Código Civil:aspectos da influência do Código Civil de 2002 na
legislação processual. São Paulo: Saraiva, 2008. pp. 50-51.
201DIDIER Jr., Fredie; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de; BRAGA, Paula Sarno. Curso... – vol. 2. Ob. cit., p.
103.
202SANTOS, Moacyr Amaral. Prova Judiciária... Ob. cit. p. 47.
66
203MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Processo de conhecimento. São Paulo: RT, 2011.
p. 387
67
Há direitos fundamentais que deveriam ser tratados como sendo regras, por
possuírem comandos definitivos. Por exemplo, a vedação da utilização de provas
ilícitas (art. 5°, LVI, CF) (…) embora consagrem valores constitucionais, devem ser
tratados como regras, por serem constituídas pela descrição de condutas linguísticas
específicas.204
De toda forma, mesmo que afirme a sua natureza de regra, não significa que ela não
pode ser afastada. Além de a lição de Humberto Ávila reconhecer a possibilidade de
ponderação de regras205, tomando a norma inscrita no art. 5°, LVI da CR como sendo desta
espécie, Bedaque chama atenção ao fato de que a total repulsa à prova ilícita poderia causar
mais danos à higidez do ordenamento do que a sua própria admissibilidade. É que além da
violação perpetrada por quem produziu a prova ilícita, pode ser que a decisão prolatada – em
virtude da desconsideração da prova – não corresponda àquilo que efetivamente ocorreu,
tendo o magistrado plena consciência disso. Assim, duas vezes seria violado o ordenamento:
na produção da prova, e na chancela jurídica ao comportamento ilegal da parte que se
beneficiou do não conhecimento da prova ilícita. Por isso, não se deve dar contornos
insuperáveis à regra em comento206.
Firmada a compreensão quanto à natureza de regra da norma em comento, resta
saber se é regra processual ou material.
Primeiramente, é importante atentar que o art. 5°, LVI, CR abarca tanto aquilo que se
chama de prova ilícita (com conteúdo ilícito) quanto a prova obtida ilicitamente (colhida ou
inserida no processo de forma ilícita). Assim, da mesma forma que há o reconhecimento de
um direito fundamental à prova, há, em contrapartida, um direito fundamental à vedação da
prova ilícita (ao qual já se referenciou). Tais direitos, em vez de se contradizerem, se
complementam, limitando-se reciprocamente207.
Além disso, há de se fazer um corte epistemológico: de um lado estão as normas
sobre prova, presentes do Código de Processo Civil e no Código Civil; de outro, está o direito
fundamental à vedação de prova ilícita, presente na Constituição da República. Se a topologia
não é suficiente para diferenciar tais normas quanto ao enquadramento em materiais ou
processuais, facilita, didaticamente, a compreensão do tema.
Perceba-se que no primeiro grupo estão tanto normas processuais quanto materiais,
já tendo sido dado a oportunidade de delimitar que, tradicionalmente (apesar de algumas
inadmissão no processo. Perceba-se, então, que o texto traz incidência normativa de forma
dual, ou seja, tanto no plano material quanto no plano formal. Trata-se de uma norma que
regula a forma de atuação dos sujeitos processuais, demandando do juiz um posicionamento a
respeito da licitude/ilicitude da prova em vista à possibilidade de sua desconsideração e, ao
mesmo tempo, uma norma que valora, colore um fato como ilícito jurídico, fazendo daí surgir
uma situação jurídica subjetiva ativa para o eventual prejudicado pela produção da prova
ilícita. Pode-se concluir, então, que do texto do art. 5°, LVI da Constituição da República é
possível extrair tanto elementos de norma processual quanto elementos de norma material.
Resta, portanto, que as normas reguladoras do direito constitucional à prova exigem
um respeito formal ao procedimento, seja ele de origem legislativa ou negocial (=negócios
processuais) e ao conteúdo de tal direito, admitindo um controle recíproco de iniciativa das
partes e do próprio magistrado que, na mesma medida, deve controlar a validade dos atos
praticados.
são tais que sigam a utilização de cânones especiais de interpretação: basta que sejam
convenientemente perquiridas e reveladas, levando em consideração as finalidades do
processo e a sua característica sistemática.”210
Não obstante se reconheça que os métodos de interpretação aplicáveis às normas
processuais são os mesmos aplicáveis às normas materiais, a constatação não é suficiente à
compreensão do tema. Isso porque, apesar de superada a fase instrumentalista do processo, de
sua fonte ainda bebemos e colhemos os frutos. O processo é instrumental, servindo à tutela do
direito material levado ao conhecimento da jurisdição. A prestação da tutela jurisdicional justa
e efetiva dependerá das características do direito material que cuida. Como afirma Marinoni,
“a jurisdição tem o objetivo de dar tutela às necessidades do direito material, compreendidas
à luz das normas constitucionais”211. De suma importância que, na interpretação das normas
instrumentais ou processuais, o intérprete leve em conta os aspectos do direito material que se
discute, pois fator condicionante deste processo que visa dar efetividade à tutela jurídica.
De fato, quando o juiz aprecia a norma processual, em virtude da sua função
institucional de decidir (órgão investido de jurisdição), deve considerar as necessidades do
direito material, conformando o processo como instrumento apto à tutela constitucional deste
direito, através de um processo dialógico, justo e efetivo. Devem-se compreender as normas
processuais como vias aptas a solucionar conflitos surgidos no âmbito do direito substancial.
Em verdade, deve-se observar a aplicação do princípio da adequação, na medida em que
através dele é possível adaptar o processo às necessidades do direito material em discussão,
informando a interpretação das normas processuais. Como afirma Bedaque: “não há como
conceber o método adequado (processo) sem considerar as circunstâncias inerentes ao
objetivo pretendido (direito material)”212.
Dessa forma, a necessidade de uma prestação jurisdicional efetiva informa a
interpretação das normas processuais, condicionada às características do direito material em
discussão. Embora os métodos de aplicação da norma jurídica sejam os mesmos, os fatores de
influência são diversos, o contexto é diferente. É esta ideia que justifica a superação do mito
do procedimento único ou o dogma da irrelevância da vontade no processo, possibilitando a
criação das tutelas específicas, adaptando-se os procedimentos com o objetivo de uma
prestação jurisdicional em tempo razoável e justa. Isso, não só pelo legislador, mas também
210CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pelegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Ob. cit.,
pp. 109-110.
211MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria... Ob. cit., p. 111.
212BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Direito e Processo: influência do direito material sobre o processo.
São Paulo: Malheiros, 2011. p. 84.
71
pelas partes e pelo magistrado. Os atores processuais, inclusive, por estarem mais próximos
do caso, têm a possibilidade de perceber quais as nunces que justificam eventuais alterações
do procedimento previamente fixado.
Há, de fato, um elemento a mais a ser levando em conta quando da interpretação das
normas processuais: o fim que se busca em consideração ao direito material objeto do
processo, ou seja, a identificação do meio adequado à justa composição da lide.
Outro fator apto a manter viva a necessidade de distinguir as facetas processual e
material das normas jurídicasé o estudo da aplicação da lei no tempo, intimamente
relacionado com o estudo do direito intertemporal. A lição clássica é bastante conhecida:
sobrevindo norma material que inove no ordenamento jurídico, esta passa a incidir somente
aos fatos ocorridos a partir de sua vigência. Doutro modo, as normas processuais incidem
imediatamente aos processos em curso, ainda que o procedimento tenha se iniciado antes de
sua vigência.
Pois bem.
O grande destaque, então, é dado a saber uma questão simples: quais normas pode o
juiz aplicar imediatamente ao processo e quais normas só serão aplicadas em processos novos,
iniciados a partir da vigência da lei nova que altera norma jurídica, inovando no ordenamento.
Atente-se que na prestação da atividade jurisdicional, normas materiais e normas processuais
são igualmente manipuladas e aplicadas como meio à solução do caso concreto posto ao
conhecimento da jurisdição.
Contudo, para efeitos de direito intertemporal esta distinção também é fraca. Veja-se
que as normas tidas por de direito material aplicam-se somente aos fatos ocorridos a partir de
sua vigência. Tais fatos estão situados fora do processo sendo, somente depois,
processualizados na forma de objeto(s) do processo, ou seja, a relação de direito substancial
posta à decisão. O fato ocorreu e está aperfeiçoado, exigindo que sobre ele incida norma
vigente àquele momento, não outra superveniente, sob perigo de ferimento à segurança
jurídica. O mesmo ocorre com as normas de direito processual, sem tirar nem por. É que as
normas processuais incidem sobre fatos jurídicos da mesma forma que as normas materiais,
com uma especificidade: incidem sobre os fatos jurídicos processuais, aqueles que interessam
ao processo como instrumento de tutela. Ora, tido o procedimento como ato complexo, ou
seja, conformado por uma série ordenada de outros tantos atos processuais, na medida em que
sobrevém uma lei nova, todos os atos processuais que conformam o procedimento e a ela
anteriores estão já aperfeiçoados. Caminhando o procedimento, os fatos processuais que
72
venham a ocorrer serão regulados pela lei nova, pois não respeitam à situação jurídica de
direito material objeto do processo – essa sim regulada pela norma contemporânea a sua
verificação. No processo, então, materializado pelo procedimento, é possível a aplicação de
normas processuais conviventes em dois momentos diferentes, situação que agora
enfrentamos em face do novo Código de Processo Civil que, superada a vacatio legis tem
aplicação imediata, inclusive aos processos em curso.
Em resumo: normas materiais aplicam-se às relações jurídicas materiais que ocorram
sob sua vigência, pois fatos jurídicos em geral devem ser regulados pelas normas vigentes no
momento de sua ocorrência. O processo como ato complexo, pode ser regulado, no tempo,
por normas que tenham se sucedido, devendo os seus fatosserem regulados, cada um de
acordo com o momento de sua ocorrência, pela norma então vigente. É a partir desta noção de
processo como ato complexo que se torna possível a constatação: normas processuais e
normas materiais se aplicam da mesma maneira.
Visto o fenômeno sob a ótica do fato jurídico sobre o qual incide a norma, se pode
dizer que não há distinção relevante entre a aplicação no tempo dos elementos materiais e
processuais da norma.
2.6.5. Interligações.
O raciocínio ora exposto quebra com dois paradigmas: a divisão estanque entre
normas processuais e materiais e a tão falada diferença de aplicação das normas de direito
material e direito processual no tempo. Quanto à primeira, temos que um mesmo preceito
normativo pode conter uma regra bivalente ou dual. O direito constitucional fundamental à
prova ao mesmo tempo em que institui uma situação jurídica judicializável (aspecto subjetivo
deste direito), serve à ordenação das demais normas do processo referentes à produção e
controle da prova (aspecto objetivo deste direito). Quando à segunda, da forma como antes
demonstrado, reconhecendo a natureza de ato complexo do processo, inegável que a forma de
aplicar normas processuais ou materiais é a mesma: incidem sobre os fatos ocorridos sob sua
vigência.
Além disso, é importante lembrar que os direitos fundamentais positivados em nosso
ordenamento (expressa ou implicitamente) tendem a se estruturar em normas-princípio. Tanto
é assim que se pode estruturar uma teoria dos direitos fundamentais como teoria dos
princípios213. Contudo, como tais princípios não se pretendem autossuficientes, a estruturação
213Para tanto, c.f. MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria... Ob. cit., pp. 63-85; SARLET, Ingo Wolfgang. A
73
219C.f. MORALES, Rodrigo Rivera. La prueba... Ob. cit. pp. 191, 192, 195, 198; TARUFFO, Michele. Uma
simples verdade. O juiz e a construção dos fatos.Madri: Marcial Pons, 2012. p. 247; TARUFFO, Michele. A
prova. Ob. cit. pp. 87, 88, 90, 94; SIMAS FILHO, Fernando. A prova na investigação de paternidade. Curitiba:
Juruá, 2007, pp. 117, 119, 121; ZAGANELLI, Margareth Vetis; LACERDA, Maria Francisca dos Santos. Livre
Apreciação... Ob. cit. p. 143; CASTRO, Carla Rodrigues Araújo de. Prova Científica... Ob. cit. p. 35;
ALMEIDA, Diogo Assumpção Rezende. A prova pericial... Ob. cit. pp. 61-62; VERBIC, Francisco. La prueba
cientifica en el proceso judicial. Identificación de la noción em el marco de la teoria general de la prueba.
Problemas de admisibilidad y atendibilidad. Buenos Aires: Ed. Rubinzal Culzoni, 2008., p. 18; CINTRA,
Antonio Carlos de Araujo. Comentários ... – vol. IV. Ob. cit. p. 198; SILVA, Ovídio A. Baptista da. Curso de
Processo Civil – vol.1. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 367; DALL'AGNOL, Antonio. Comentários ao Código
de Processo Civil – vol. 2. São Paulo: RT, 2007. p. 207; MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio
Cruz. Comentários ao Código de Processo Civil – vol. 5, tomo II. São Paulo: RT, 2005. p. 568.
220Interessante o raciocínio da Arruda Alvim: “Referindo-se ao aspecto técnico, quis o legislador significar um
conhecimento especial, como o de um agricultor, um sapateiro, um mecânico, etc., mas não necessariamente
científico. Pertinente ao chamado conhecimento científico, quis, especificamente, salientar a necessidade de
alguém que tenha qualificação científica especial, ou seja, em decorrência de estar apropriado de saber científico,
oriundo de estudo, ou seja, alguém que tenha estudado o assunto, regular e cientificamente e, pois, tenha uma
qualificação formal, assim como o médico, o engenheiro, o contador, etc.” ALVIM, Arruda. Manual... Ob. cit. p.
1036. Importante perceber, todavia, a razão pela qual descartamos a distinção apresentada. É que o autor parece
confundir o conhecimento formal ou acadêmico com o conhecimento científico; da mesma forma que confunde
o conhecimento práticoou a experiência com o conhecimento técnico. Uma ou outra espécie de conhecimento
especializado não respeita à formação acadêmica do profissional, não servindo tais critérios à diferenciá-los.
76
221Já havia atestado esta necessidade, não obstante não a desenvolva, Diogo Rezende: “O CPC faz alusão a
conhecimentos técnicos e científicos. Em ambas as hipóteses, deve ser o juiz assistido por perito. Não apresenta
conceitos, porém, do que seriam os saberes técnicos e científicos. Para distinguir esses dois gêneros de saber,
necessário seria que adentrássemos na discussão acerca da conceituação da ciência, o que não tem espaço neste
trabalho. A figura criada pelo diploma processual engloba não só o conhecimento científico, mas também o
técnico. Assim, pode-se dizer que sempre que se exija do juiz conhecimento especializado não jurídico para a
compreensão e verificação dos fatos da causa, é a hipótese de produção de prova pericial.” Diogo Assumpção
Rezende. A prova pericial... Ob. cit. pp. 61-62.
222 AQUINO, Tomás de. Comentátio à Metafísica de Aristóteles I-IV. Campinas: Vide Editorial, 2016. p.229. E
continua: “E isso, porque, assim como o término de um caminho é o que se pretendia por quem caminhava,
assim, também, a exclusão da dúvida é o fim para quem pretende investigar a verdade. É evidente que aquele
que não sabe para onde vai não pode ir para lá diretamente, exceto, talvez, por acaso. Portanto, nem se pode
buscar a verdade diariamente, a não ser que primeiro veja a dúvida.”
77
devendo restar a lição, agora, de que o método indutivo de pensar os fenômenos não fora
denunciado – e, por isso mesmo, constantemente utilizado – até ele. Somente a partir de seus
estudos é que o método científico adquire feição dedutiva.
Santo Agostinho, pois, tem a virtude de introduzir a premissa da dúvida de
Aristóteles no pensamento cristão ocidental. A dúvida é necessária à compreensão da nobre e
soberana obra de Deus. A lógica e os estudos servem à demonstração, ao fim e ao cabo, da
perfeição da obra divina. A preocupação filosófica está especialmente na lógica, tida por
indispensável à compreensão de qualquer ciência.
Diz, primeiro, que uma vez que diferentes homens usam métodos diferentes na
busca da verdade, eles devem ser treinados em métodos que as ciências particulares
usam para investigar o seu assunto. E já que não é fácil para um homem entender
duas coisas ao mesmo tempo, pois quando tenta entender as duas coisas, pode ser
levado a não entender nenhuma, é absurdo que um homem simultaneamente queira
investigar a ciência e o modo que convém investigar essa ciência. É por isso que um
homem deve primeiro aprender a lógica, antes de qualquer uma das outras ciências,
porque a lógica considera o método comum de proceder em todas as outras ciências.
O modo próprio das ciências particulares deve ser considerado no princípio dessas
ciências.223
Talvez daí decorra a ideia da própria perfeição que leva Descartes a justificar,
racionalmente, a existência de Deus224. A dúvida permeia o homem pela incompreensão do
portanto ele não o era; e que, se havia alguns corpos no mundo, ou algumas inteligências ou outras naturezas,
que não fossem inteiramente perfeitos, seu ser devia depender do poder de Deus, de tal modo que não poderiam
subsistir sem ele um só momento.” DESCARTES, René. Discurso do Método. Porto Alegre: R&PM, 2015. pp.
71-73.
225 “Mas, ao examiná-las, observei, em relação à lógica, que seus silogismos e a maior parte de suas instruções
servem antes para explicar a outrem as coisas que se sabe, ou mesmo, como a arte de Lúlio, para falar sem
julgamento das que se ignora, do que para aprendê-las. E muito embora ela contenha, de fato, muitos preceitos
verdadeiros e bons, há no meio deles tantos outros misturados, que são ou prejudiciais ou supérfluos, que é quase
tão difícil separá-los quanto tirar uma Diana ou uma Minerva de um bloco de mármore ainda não esboçado.”
Idem. Ib idem. p. 53.
226 “A progressiva 'racionalização' da sociedade encontra-se ligada à institucionalização do progresso científico
e técnico” HABERMAS, Jürgen. Técnica e Ciência como ideologia. São Paulo: Editora Unesp, 2014. p. 76.
227 DESCARTES, René. Discurso... Ob. cit. pp. 54-55.
79
228 É este o trecho de abertura do Discurso do Método: “O bom-senso é a coisa do mundo melhor partilhada;
pois cada um pensa estar tão bem-provido dele, que mesmo os mais difíceis de contentar em qualquer outra coisa
não costumam desejar tê-lo mais do que o têm. Não é verossímil que todos se enganem nesse ponto: antes, isso
mostra que a capacidade de bem-julgar, e distinguir o verdadeiro do falso, que é propriamente o que se chama o
bom-senso ou a razão, é naturalmente igual em todos os homens; e, assim, que a diversidade de nossas opiniões
não se deve a uns serem mais racionais que os outros, mas apenas a que conduzimos nossos pensamentos por
vias diversas e não consideramos as mesmas coisas. Pois não basta ter o espírito bom, o principal é aplicá-lo bem.
As maiores almas são capazes dos maiores vícios, assim como das maiores virtudes; e os que andam muito
lentamente podem avançar muito mais se seguirem sempre o caminho reto, ao contrário dos que dele se afastam.”
Idem. Ib idem. p. 37.
229 O autor, ainda investigando sob a perspectiva de um raciocínio indutivo, afirma: “A ciência prevê, e é
porque prevê que pode ser útil, e servir de regra de ação. Sei bem que suas previsões são muitas vezes
desmentidas pelo evento; isso prova que a ciência é imperfeita, e se acrescento que continuará sempre assim,
estou certo de que esta é uma previsão que, pelo menos ela, jamais será desmentida. De qualquer modo, o
cientista se engana com menos frequência do que um profeta que fizesse predições ao acaso. Por outro lado, o
progresso é lento, mas contínuo, de modo que os cientistas, embora cada vez mais ousados, ficam cada vez
menos decepcionados. É pouco, mas é o bastante.” POINCARÉ, Henri. O valor da ciência. Rio de Janeiro:
Contraponto, 1995. p. 140.
80
230 Idem. Ib idem. p. 145. Em outra passagem, afirma: “Quando, após uma experiência, corrijo os erros
acidentais e sistemáticos para destacar o fato científico, é ainda a mesma coisa; o fato científico jamais será outra
coisa que não o fato bruto traduzido para uma outra linguagem.” p. 146.
231 ALVES, Rubem. Introdução... Ob. cit. p. 29.
232 Assim, caso um modelo construído não esteja apto a prever a forma de ocorrência dos fatos brutos que estão
por vir, este modelo está superado, devendo ser objeto de revisão. A respeito do tema, mais detalhes adiante
quando trabalharmos as ideia de Popper.
233 POINCARÉ, Henri. O valor... Ob. cit. p. 156.
81
234 POPPER, Karl Raimund. Os dois problemas fundamentais da teoria do conhecimento. São Paulo: Editora
Unesp, 2013. p. 429.
235 POPPER, Karl Raimund. Os dois problemas... Ob. cit. p. 500. Afirma adiante: “A teoria do conhecimento é
uma ciência da ciência, é uma ciência secundária, uma ciência de tipo superior.” (p. 501).
82
cada ramo da ciência. Esta é não só a principal função prática da metodologia, como o fator
mais importante de sua afirmação teórica. É tarefa da metodologia investigar o modo de
aplicação dos enunciados de base de cada teoria, estruturando o método adequado à
falsificação (e consequente confirmação) de seus modelos básicos236.
Ainda que trabalhe com a ideia do método científico como uma convenção237, Karl
Popper critica o convencionalismo de Poincaré, identificando-o como uma técnica de
blindagem da “ciência infalível” 238. É que trabalhar puramente com convenções admite que
defeitos e incorreções das leis ou modelos científicos sejam excluídos da regra, como
tentativa de mantê-la. É o que se pode chamar de argumentos ad hoc, especialmente utilizado
pelos convencionalistas quando se deparam com situações que não podem ser explicadas
pelas convenções que se utilizam na construção de seus modelos239.
Rubem Alves traz o exemplo interessante das lições de Ptolomeu ao explicar o
movimento das estrelas e dos planetas, conforme apontado por Thomas Kuhn. É que, apesar
de ainda hoje ser usado o modelo de Ptolomeu para explicar o movimento das estrelas,
surgiram discrepâncias a respeito do movimento dos planetas. Para contornar tais problemas,
os astrônomos começaram a introduzir pequenos reajustes no sistema proposto, face às falhas
que este apresentava em predizer determinadas situações, especialmente para manter a sua
coerência. Por meio destes argumentos ad hoc é possível preservar indefinidamente uma
teoria. Ocorre que a introdução constante de tais argumentos distorce de tal forma uma teoria
que ela deixa de ser uma ferramenta adequada e confiável. Perde-se, assim, a credibilidade de
um modelo240.
Uma teoria científica tem sempre a pretensão de oferecer uma receita
universalmente válida, válida para todos os casos. Essa exigência de universalidade
tem a ver com a exigência de ordem, de que já falamos. Leis que funcionam aqui e
não funcionam ali não são leis, e um universo que se comporta de uma forma em
241Idem. Ib idem. pp. 57-58. Para as lições de Popper, cf. POPPER, Karl Raimund. Os dois problemas... Ob. cit.
pp. 451-453.
242 As traduções da obra de Popper parecem apresentar uma dificuldade em traduzir Falsifizierbarkeit. O
próprio autor atenta: “Frequentemente, meu critério de demarcação é incrivelmente mal compreendido. O termo
'falsificabilidade' [Falsifizierbarkeit] foi explicado pr meio do termo 'falseabilidade' [Fälschbarkeit], ao invés de
ser compreendido por meio do termo 'refutabilidade' [Wiederlegbarkeit] – obviamente por alguém que
certamente consultou o Duden ou algum outro dicionário.” POPPER, Karl Raimund. Os dois problemas... Ob.
cit. p. XXXII.
Aqui, atentamos ao leitor que preferimos usar “falseabilidade”, “falseamento” ou “falsificação”. As
referências a estes termos referem-se exatamente ao critério de demarcação de Popper. Esta opção se dá, de fato,
face à traduções para o português – que utilizam estes termos – e para o inglês – que se refere a falseability.
243 “Nestes termos, inferências que levam a teorias, partindo-se de enunciados singulares “verificados por
experiência” (não importa o que isto possa significar) são logicamente inadmissíveis. (…) Contudo, só
reconhecerei um sistema como empírico ou científico se ele for possível de comprovação pela experiência. Essas
considerações sugerem que deve ser tomado como critério de demarcação, não a verificabilidade, mas a
falseabilidade de um sistema. Em outras palavras, não exigirei que um sistema científico seja suscetível de ser
dado como válido, de uma vez por todas, em sentido positivo; exigirei, porém, que sua forma lógica seja tal que
se torne possível validá-lo através de recurso a provas empíricas, em sentido negativo: deve ser possível refutar,
pela experiência, um sistema científico empírico.” POPPER, Karl Raimund. A lógica... Ob. cit. p. 38. Em outro
trecho, afirma que “não podem existir enunciados definitivos em ciência – não pode haver, em Ciência,
enunciado insuscetível de teste e, consequentemente, enunciado que não admita, em princípio, refutação pelo
falseamento de algumas das conclusões que dele possam ser deduzidas.” (p. 44).
244Idem. Ib idem. p. 49. No mesmo sentido cf. POPPER, Karl Raimund. Os dois problemas... Ob. cit. pp. XXII-
XXVI.
84
não pode ser afastada sem que haja argumentos robustos para tanto. A substituição de uma
teoria por outra somente pode ocorrer quando a outra hipótese resista melhor a testes que a
hipótese vigente.
A metodologia como metalinguagem permite a falseabilidade, aplicando proposições
equivalentes às verificações empíricas e permitindo o teste das teorias. Popper rejeita o
raciocínio indutivo exatamente por dispensar uma técnica mais acertada de demarcação da
aplicação da teoria. O método indutivo é finalístico, menos criterioso, pois, ao partir do caso
concreto para a regra geral, exclui uma série indeterminada de fatores da análise de sua
correção. O método dedutivo, por outro lado, exige uma técnica apurada exatamente por partir
do geral para o específico. Assim, a gama de testes de falseamento disponíveis é ilimitada245,
permitindo sempre que a teoria seja posta à prova, o que exige maior criteriosidade na
construção do método246 . Para Popper, uma teoria jamais pode ser inteiramenteverificada,
exatamente pela ampla possibilidade de falseamento que os casos concretos podem submetê-
la247. Trata-se de regra prática da metodologia a atitude de testar continuamente uma teoria até
que haja sido rejeitada, seja em face de novas possibilidades de testes ou pelo aprimoramento
daqueles já existentes. É isto que caracteriza uma atitude científica248.
Ele reconhece, pois, que as teorias estão sempre abertas à demonstração de suas
falhas ou refutações através de uma atitude crítica. É isto que permite a constante renovação
das teorias científicas. Afirma enfaticamente:
A atitude crítica é caracterizada pelo fato de que não tentamos verificar nossas
teorias, mas falsificá-las. Verificações são baratas: é fácil obtê-las quando se procura
por elas. As únicas verificações que importam são tentativas sérias de falsificação
que não atingiram seu objetivo de falsificação, mas que levaram a uma verificação.
(…) A atitude crítica é – obviamente – a atitude de busca de um erro.249
Segundo o autor, há uma diferença sensível que merece ser apontada: o critério de
demarcação de uma teoria diz respeito aos eventos possíveis de falseá-la, não
necessariamente aos eventos que efetivamente hajam ocorrido e que, comprovadamente,
245 “A série de tentativas de falsificação de uma teoria é, por princípio, ilimitada. (Não há tentativa de
falsificação que fosse caracterizada por ser a última).” POPPER, Karl Raimund. Os dois problemas... Ob. cit. p.
450.
246 “Uma série consideravelmente grande de casos positivos, juntamente com a ausência de casos negativos,
não basta para justificar uma regularidade. Há inúmeros exemplos – exemplos de leis indutivas que por um
longo tempo pareciam ser válidas (e eu as formulo como 'enunciados de inexistência'), apoiadas por uma série
consideravelmente grande de casos positivos e pela ausência de objetiva de casos negativos, mas que foram
refutadas em última instância por casos negativos inteiramente novos.” Idem. Ib idem. p. XXXVII.
247 “Ora, eu sustento que as teorias científicas nunca são inteiramente justificáveis ou verificáveis, mas que, não
obstante, são suscetíveis de se verem submetidas à prova. Direi, consequentemente, que a objetividade dos
enunciados científicos reside na circunstância de eles poderem ser intersubjetivamente submetidos a teste.”
POPPER, Karl Raimund. A lógica... Ob. cit. p. 41.
248 POPPER, Karl Raimund. Os dois problemas... Ob. cit. p. 465.
249Idem. Ib idem. p. XXXVI.
85
250Idem. Ib idem. p. XXXV. O próprio autor apresenta exemplos esclarecedores: “Como se sabe, propus a
refutabilidade empírica ('falsificabilidade') como critério de demarcação. Por refutabilidade empírica ou
falsificabilidade de uma teoria, entendo a existência de enunciados de observação ('enunciados de base',
'enunciados de teste'), cuja verdade refutaria a teoria, isto é, provaria a teoria como falsa. Ao invés de supor a
existência de tais proposições, podemos igualmente supor a existência de possíveis processos de observação;
processos cuja ocorrência é excluída pela teoria, 'proibida' por ela. Chamo às vezes tal evento de um 'falsificador
potencial'. (…) Se um falsificador potencial realmente ocorre – e, com isso, um enunciado de observação –, um
'enunciado de base', inconsistente com uma determinada teoria, é verdadeiro; ou, o que significa a mesma coisa,
se um evento proibido pela teoria ocorre, a teoria é falsificada – ela é falsa, refutada. (…) Teorias como as
teorias da gravitação newtoniana e einsteniana têm infinitamente muitos falsificadores potenciais. Muitos
possíveis movimentos dos planetas e das luas são simplesmente proibidos pela teoria.” (pp. XXXII-XXXIII)
251 POPPER, Karl Raimund. A lógica... Ob. cit. pp. 48-50. Em obra diversa, afirma o autor: “A teoria dos
métodos esmiúça o que se deve entender por 'falsificação empírica' ou 'verificação empírica', assim como as
condições (as 'decisões metodológicas') por meio das quais a falsificabilidade empírica das proposições
empíricas ou sistemas de proposições deve ser garantida.” POPPER, Karl Raimund. Os dois problemas... Ob. cit.
p. 449.
252Idem. Ib idem. p. 243.
253 ADORNO, Theodor W. Para a metacrítica da teoria do conhecimento: estudos sobre Husserl e as
antinomias fenomenológicas. São Paulo: Editora Unesp, 2015. p. 45.
86
Mas não foi somente o domínio filosófico que impulsionou esta aproximação entre
ciência e técnica. Apontando elementos políticos e sociais, mais uma vez nos utilizamos de
Habermas:
Desde o final do século XIX, impõe-se de modo cada vez mais intenso uma nova
tendência de desenvolvimento que caracteriza o capitalismo tardio: a cientificização
da técnica. Ao longo de todo o capitalismo sempre existiu pressão institucional à
elevação da produtividade do trabalho por meio da introdução de novas técnicas.
Mas a inovação dependia de descobertas esporádicas, as quais podiam ser
economicamente induzidas, mas possuíam ainda o caráter de um desenvolvimento
natural. Isso se transformou na medida em que o desenvolvimento técnico foi
acoplado ao progresso científico. Com a pesquisa industrial em grande escala, a
ciência, a técnica e a valorização do capital são agregados em um único sistema.
Todas se unem, ao mesmo tempo, com a pesquisa fomentada pelo Estado, que
promove em primeira linha o progresso técnico e científico atrelado ao domínio
militar. E da pesquisa militar retornam informações a serem aproveitadas no
domínio civil da produção de bens.258
Claro está, pois, que ciência e técnica são conceitos diferentes.
Uma noção preliminar é importante para a compreensão do tema. O art. 375 do
CPC/15 menciona as regras de experiência técnica, que devem ser aplicadas pelo magistrado
na formação do seu convencimento. Livre da intenção de conceituar o instituto pode-se
afirmar que tais regras derivam do pensamento científico, conquanto não constituam
propriamente o resultado da aplicação de método científico ao caso concreto. É que a
aplicação do método depende de conhecimentos específicos que o magistrado não possui, pois
próprios de especialistas. A regra de experiência técnica decorre da apreensão cultural de um
conhecimento científico, integrante do patrimônio cultural do homem médio; baseia-se
imediatamente no resultado da aplicação do método científico, apropriado pela cultura social,
vulgarizado 259 . Segundo Marinoni e Arenhart, “a regra de experiência técnica é ancorada
diretamente no pensamento científico (ou em uma lei científica)”260 , “são provenientes da
comunidade científica, ainda que conhecida pela coletividade e pelo juiz”261, cuja verificação
através da aplicação do método está fora do âmbito de conhecimento e possibilidade de
atuação do magistrado.
Para esclarecer ainda mais, a lição de Cintra deve ser lembrada. Para o autor
(…) a experiência técnica é o conhecimento técnico ou especializado que se adquire
pelo estudo das ciências. É certo que a experiência técnica, com o tempo, muitas
262CINTRA, Antônio Carlos de Araujo. Comentários... – vol. IV. Ob. cit. p. 31.
263DIDIER Jr., Fredie; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de; BRAGA, Paula Sarno. Curso... – vol. 2.Ob. cit. p. 66.
264 “As regras de experiência técnica devem ser de conhecimento de todos, principalmente das partes,
exatamente porque são vulgarizadas; se se trata de regra de experiência técnica, de conhecimento exclusivo do
juiz ou 'apanágio de especialistas', que por qualquer razão a tenha (o magistrado também tem formação em
engenharia, por exemplo), torna-se indispensável a realização da perícia.” Idem. Ib idem. p. 66.
265MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Comentários... – vol. 5, t. I. Ob. cit. p. 467.
266TARUFFO, Michele. Uma simples... Ob. cit. p. 244.
267STJ, Resp. 750.988, Rel. Min. Luiz Fux, 1ª Turma, DJ 25/09/2006.
91
268 “Arnold Gehlen chamou atenção, de modo convincente ao que me parece, para o fato de que existe um
vínculo imanente entre o que nós conhecemos por técnica e a estrutura da ação racional com respeito a fins. Se
nós entendermos a esfera funcional de ação orientada pelo êxito como a associação de decisão racional e ação
instrumental, então podemos reconstruir a história da técnica sob o ponto de vista de uma objetivação
progressiva da ação racional com respeito a fins.” HABERMAS, Jürgen. Técnica... Ob. cit. p. 83.
92
essa “leitura científica”, bastando que o perito traduza o seu conteúdo, a aplicação da técnica
se justifica “apenas” como elucidação das informações ali já constantes.
Segundo Carla Rodrigues de Araújo Castro, “Critérios e métodos científicos na
elaboração e na produção probatória caracterizam a prova científica.”269 O conceito de prova
científica, aponte-se, deve abranger não somente a aplicação de conhecimentos específicos
das chamadas ciências naturais, como a física, química ou matemática. De fato, trata-se
também das ciências ditas humanas, como a psicologia, a sociologia e a antropologia. Ainda
que as formas de conhecimento demandem metodologias diferentes na análise de seus
respectivos objetos, cada uma possui um método científico próprio, apto a caracterizá-las
como ciência270. Mesmo que comum a confusão entre o conhecimento decorrente do senso
comum e das ciências sociais entre os magistrados, fato é que os conhecimentos científicos
decorrentes destas áreas de conhecimento podem ser indispensáveis ao processo, quando
necessária será a atuação de um perito nelas especializado271.
Esta relação entre prova científica e método científico está explicitada na legislação
portuguesa. Veja-se o art. 1801 do Código Civil Lusitano:
“Art. 1801. Nas acções relativas à filiação são admitidos como meios de prova os
exames de sangue e quaisquer outros métodos cientificamente comprovados.”
De volta à experiência norte-americana, no já mencionado caso Daubert, a Suprema
Corte debruçou-se a respeito da caracterização do conhecimento científico aplicado pelo
perito272. Margaret A. Berger acrescenta que apesar da superveniência do caso Kumho, onde
atestou-se a aplicação da Rule 702 a todos os tipos de conhecimento especializado e as
supervenientes reformas do preceito normativo, ainda é o caso Daubert que as Cortes
americanas citam quando da análise da admissibilidade de uma prova pericial273.
No julgamento deste case, o entendimento foi firmado no sentido de que o adjetivo
269CASTRO, Carla Rodrigues Araújo de. Prova Científica... Ob. cit. p. 19.
270TARUFFO, Michele. Uma simples... Ob. cit. p. 246. No mesmo sentido: “Com o avanço da ciência no século
XX, o homem ficou mais modesto e passou a compreender que, a par de não existir também certeza na
investigação científica, outros fatos não naturais poderiam ser analisados cientificamente, como os sociais e
culturais.” ZAGANELLI, Margareth Vetis; LACERDA, Maria Francisca dos Santos. Livre Apreciação... Ob. cit.
p. 161.
271TARUFFO, Michele. A prova. Ob. cit. pp. 305-306.
272De fato, naquele julgamento somente se tratou do conhecimento especializado do tipo científico, como bem
deixou claro a própria Suprema Corte em nota de rodapé, no julgado: “[Footnote 8] Rule 702 also applies to
"technical, or other specialized knowledge." Our discussion is limited to the scientific context because that is the
nature of the expertise offered here.” DAUBERT v. MERRELL DOW PHARMACEUTICALS, INC.
Disponível em:
<http://caselaw.lp.findlaw.com/scripts/getcase.pl?navby=CASE&court=US&vol=509&page=579#f8> Acesso
em 19/05/2015. Inclusive, o debate central do caso Kumho diz respeito exatamente à aplicação dos métodos
firmados em Daubert à outras espécies de conhecimento especializado.
273BERGER, Margaret A. The Admissibility of Expert Testimony. Reference Manual on Scientific Evidence –
3rd Edition. Washington, D.C.: The National Academies Press. p. 36.
93
274“But, in order to qualify as "scientific knowledge," an inference or assertion must be [derived by the
scientific method.] Proposed testimony must be supported by [appropriate validation] - i.e., "good grounds,"
based on what is known. In short, the requirement that an expert's testimony pertain to "scientific knowledge"
establishes a standard of evidentiary reliability.” DAUBERT v. MERRELL DOW PHARMACEUTICALS, INC.
Disponível em
<http://caselaw.lp.findlaw.com/scripts/getcase.pl?navby=CASE&court=US&vol=509&page=579#f8> Acesso
em 19/05/2015.
275BERGER, Margaret A. The Admissibility… Ob. cit. p. 31.
94
"scientific" knowledge because that was the nature of the expertise there at issue. Id.,
at 590, n. 8. Neither is the evidentiary rationale underlying Daubert 's
"gatekeeping" determination limited to "scientific" knowledge.276
Contudo, em seguida, a Supreme Court parece desconsiderar a possibilidade de se
diferenciar o conhecimento técnico do conhecimento científico:
Finally, it would prove difficult, if not impossible, for judges to administer
evidentiary rules under which a "gatekeeping" obligation depended upon a
distinction between "scientific" knowledge and "technical" or "other specialized"
knowledge, since there is no clear line dividing the one from the others and no
convincing need to make such distinctions.277
Ocorre que, ao final, fica clara a opinião da Corte no sentido de não se proceder à
diferenciação de tais espécies de conhecimento na medida em que, além de ser difícil firmar
sólidas bases para tal, no caso em comento, onde se discutia a admissibilidade da opinião de
um engenheiro e não de um cientista, não havia razão para o esforço. Apesar disso,
repetidamente são mencionadas as diversas espécies de conhecimento especializado como
diferentes objetos. Veja-se: “The trial judge's effort to assure that the specialized testimony is
reliable and relevant can help the jury evaluate that foreign experience, whether the testimony
reflects scientific, technical, or other specialized knowledge.”278
Ainda, nas palavras do Justice Brayer:
This case requires us to decide how Daubert applies to the testimony of engineers
and other experts who are not scientists. We conclude that Daubert 's general
holding – setting forth the trial judge's general "gatekeeping" obligation – applies
not only to testimony based on "scientific" knowledge, but also to testimony based
on "technical" and "other specialized" knowledge. 279
Em Kumho, por conseguinte, a Supreme Court afirmou apenas não haver diferença
relevante para os critérios de aplicação da Federal Rules of Evidence e do Caso Daubert caso
se trate de conhecimento técnico ou científico. Em momento algum afirmou-se não haver
diferenças entre um e outro, mas somente que os critérios de gatekeeping são os mesmos.
Apesar de os fatores relevantes para determinar a confiabilidade da perícia variem a depender
do conhecimento especializado utilizado (técnico, científico, artístico, psiquiátrico, contábil,
etc.), os critérios a serem utilizados para verificar a higidez da produção da prova não podem
ser mais rígidos para os métodos tidos por científicos e mais flexíveis para os demais. A
opinião exarada por um perito que não seja propriamente um cientista deve passar pelo
mesmo filtro que a opinião exarado por um engenheiro, ou um psicólogo, ou um contador,
etc280 . Esta afirmação em nada se contrapõe à diferenciação entre conhecimento técnico e
conhecimento científico 281 . Refirme-se, para que não restem dúvidas: a Suprema Corte
americana jamais se posicionou pela indiferença entre o conhecimento científico e o
conhecimento técnico. Trata-se de duas espécies do gênero conhecimento especializado282.
Taruffo, mesmo sem atentar à diferença entre prova técnica e prova científica, faz
uma interessante constatação: “Por um lado, existem âmbitos de investigação – como por
exemplo, a grafologia – que se apresentam como ciência, ou, ainda, como áreas de
conhecimento técnico, não podendo, entretanto, aspirar ao status de ciência.” 283 . O que o
autor quer exprimir é que mesmo aplicando técnicas de caligrafia para a identificação da
origem ou autoria de determinados escritos, os grafologistas não dispõem de métodos
científicos aptos a se lhes qualificar como cientistas. São técnicos, na medida em que a sua
técnica é indispensável ao auxílio do magistrado e podem figurar como peritos no processo.
Todavia, seu exame se dá na complementaçãodo conhecimento do magistrado, iluminando-o,
sem acrescentar nenhum elemento de prova novo ao processo. Não há aquisição de fato novo
à instrução, conquanto o perito identifique os fatos relevantes. São exemplos: perícia para
280Nesse sentido, conferir Watkins v. Telsmith, Inc., 121 F.3d 984, 991 (5th Cir. 1997).
281Em verdade, conforme aponta Manzano a necessidade de afirmar a aplicação dos critérios da rule 702 e dos
demais firmados jurisprudencialmente não decorreu de uma eventual confusão entre o conhecimento científico e
os demais conhecimentos especializados. Explica o autor que os “litigantes rapidamente compreenderam que
podiam se esquivar dos requisitos de admissibilidade de Daubert, enunciados pela Rule 702, alegando que a
prova proposta no processo era 'técnica', não 'científica'. A Corte rapidamente fechou essa porta, em Kumho, ao
decidir que tais requisitos não se limitavam à prova 'científica', mas a qualquer prova pericial, fosse técnica ou
científica.” MANZANO, Luiz Fernando de Moraes. Prova Pericial... Ob. cit. p. 209. Só reforça, então, o que
afirmamos.
282Não é outra a conclusão que decorre da leitura de um dos trechos da nota do Comitê de Reforma da Rule 702
em 2000: “While the terms “principles” and “methods” may convey a certain impression when applied to
scientific knowledge, they remain relevant when applied to testimony based on technical or other specialized
knowledge. For example, when a law enforcement agent testifies regarding the use of code words in a drug
transaction, the principle used by the agent is that participants in such transactions regularly use code words to
conceal the nature of their activities. The method used by the agent is the application of extensive experience to
analyze the meaning of the conversations. So long as the principles and methods are reliable and applied reliably
to the facts of the case, this type of testimony should be admitted.” Trecho da nota do Comitê de Emenda à Rule
702. Disponível em <https://www.law.cornell.edu/rules/fre/rule_702> Acesso em 11/12/2015.
283TARUFFO, Michele. A prova. Ob. cit. p. 306.
96
atentar, inclusive, que a perícia dita científica é a única que exige a aplicação do método
científico para sua produção286.
Desta forma, a perícia serve ao auxílio do magistrado na compreensão e interpretação
dos fato já provados, ou ela mesmo constata (=prova) fatos relevantes ao processo. Daí
decorrem outras duas importantes noções, ou classificações da prova pericial que se adéquam
perfeitamente ao ora exposto. Trata-se das perícias integrativa e instrutória. Carla Rodrigues,
com base nas lições de Paolo Frediani, esclarece:
“A primeira é um instrumento que visa integrar os conhecimentos do juiz nos casos
em que, para a decisão da causa, há necessidade de conhecimentos especializados,
técnicos ou científicos. Já a perícia instrutória seria aquela em que se demanda ao
perito a aquisição dos fatos relevantes para a decisão da causa, em todos aqueles
casos em que, por serem complexas as operações, resultaria em extrema dificuldade
para o juiz tomar providências diretamente.”287
Não somente há diferenças entre tais espécies de perícia, como é preciso
complementar a afirmação.
A perícia integrativa exige que o perito aplique seus conhecimentos sobre elementos
que sejam fonte de prova. Deve o experto integrar o conhecimento do magistrado, pois este
não está apto à aplicação do método adequado para extrair da fonte de prova o elemento de
prova. Por exemplo, um cadáver é suficiente, por si só, para provar que houve um óbito. A
sua causa, contudo, exige uma perícia científica para determinar a causa mortis, que pode ter
ocorrido por asfixia, insuficiência cardíaca, envenenamento, ataque cardíaco, omissão de
socorro288etc. Muito corriqueira a prova pericial na verificação da causa mortis em corpos
encontrados em meio aquático, que tem como um dos principais objetivos identificar a
presença de água nos pulmões para, assim, delimitar se a morte ocorreu por afogamento ou se
o corpo foi posto na água após o óbito. Trata-se de prova científica, devendo ocorrer uma
perícia com vistas a integrar o conhecimento do magistrado. Ainda, a análise da causa do
desabamento de um prédio ou outra espécie de construção exige do perito engenheiro a
revelação de um novo elemento de prova apto a atestar as razões do ocorrido; além do mais
corriqueiro exemplo: o exame de DNA em ações de reconhecimento de paternidade e as
análises químicas em geral.
Estamos aqui, então, falando de perícia como prova científica, apta à revelar novo
elemento de prova. A perícia é indispensável, pois a fonte da prova, por si só, é imprestável,
irrelevante. A perícia integra a prova como fato processual no âmbito da existência, pois
elemento necessário ao seu próprio objeto. Sem a perícia não há (elemento de) prova no
processo, mas apenas fonte, estágio prévio e inútil à avaliação do magistrado. Daí porque a
perícia é essencial ao elemento de prova, fala-se de perícia integrativa. Como afirma Luiz
Fernando de Moraes Manzano:
(…) a perícia como prova científica constitui meio de prova conducente da fonte ao
elemento, a partir de um princípio científico, mediante a aplicação de procedimento
técnico adequado.
A característica fundamental da perícia como prova científica, e que a distingue dos
demais meios de prova, é que ela se vale de um princípio científico aplicado por
meio de técnica adequada, cujo conhecimento escapa, via de regra, ao domínio dos
aplicadores do Direito, mas que é essencial ao acertamento do fato e ao deslinde da
causa.289
A perícia científica, insista-se, é indispensável à prova do (da alegação do) fato. Sem
a perícia científica, o thema probandum não pode ser verificado, não existe elemento de prova.
Caso esta não seja feita, no momento de decidir sobre o fato relevante e não provado, o
magistrado deverá aplicar as regras do ônus da prova objetivo, ou seja, regras de julgamento
que imputam aos sujeitos as consequências negativas de não terem se desincumbido do ônus
de provar o fato. Enfim, sem a perícia científica, não há certificação da alegação de fato.
Já a perícia instrutória tem por objeto um elemento de prova já admitido no processo,
mas que por si só, não é possível de influenciar o convencimento do magistrado, na medida
em que este não consegue identificar a sua relevância ou atestar aquilo que o elemento de
prova está apto a provar. Por exemplo: a perícia contábil para avaliação de haveres (art. 604
do CPC/15) se dá sobre as informações contábeis da sociedade sob resolução, devendo o
magistrado necessariamente nomear perito para avaliar os dados; a análise de um profissional
de saúde face a exames já colacionados aos autos, apontando, a partir dos resultados
sintomatológicos ali dispostos, de qual enfermidade se trata. Veja-se que, em ambos os casos,
os dados indispensáveis já estão disponíveis no processo, já foram admitidos como elemento
de prova. Acontece que o magistrado não consegue sozinho, “ler” tais informações,
compreender os cálculos ou os sintomas. Por isso o perito precisa esclarecê-lo, ou iluminar a
exame da incapacidade laboral ou a avaliação do nexo causal nos danos de massa, da mesma
forma, pode dispensar ou necessitar a atuação de um especialista, tudo a depender do contexto
observado. Contexto este que inclui não só fatores jurídicos, mas também econômicos e
sociais.
Lembre-se, ainda, que em certas hipóteses a lei entendeu mais seguro criar uma
presunção pela impossibilidade de compreender os elementos de prova (=fator jurídico),
exigindo a atuação de especialista, como no já citado caso da apuração dos haveres, ou ainda
no caso da desapropriação. Em ambos, a depender da situação de fato, seria possível ao
magistrado compreender os elementos de prova e formar seu convencimento autonomamente,
sem o auxílio de um perito. Contudo, face à necessidade de segurança jurídica, optou o
legislador (de forma acertada, concordemos) por incluir a perícia como fase do procedimento.
Não há se negar a legitimidade de tais opções.
Ou seja, quando o elemento de prova já está nos autos e a perícia serve somente a
esclarecê-lo ou “iluminá-lo”, trata-se de prova técnica. Quando a perícia trabalha sobre a fonte
da prova, deste trabalho decorrendo o elemento de prova, estamos em face de perícia
científica.
O exemplo da prova datilográfica ajuda a esclarecer: quando o perito analisa dois
textos, em busca de, através de comparação, afirmar se foram escritos ou não pela mesma
pessoa, não há qualquer aplicação de conhecimento científico. O perito não irá trabalhar o
material objeto de sua análise. Em verdade, simplesmente examina-o e dá o parecer, não
obstante os textos já sirvam por si sós, à comprovação do vínculo. O elemento de prova é o
próprio texto292.
Um código ainda não mencionado por ora traz uma distinção bastante útil. Trata-se
eletrônico. Desse modo, a assinatura digital passa a ter o mesmo valor da assinatura original, feita de próprio
punho pelo advogado, na peça processual. Diferente é a hipótese da assinatura digitalizada, normalmente feita
mediante o processo de escaneamento, em que, conforme já consignado pelo STF, há "mera chancela eletrônica
sem qualquer regulamentação e cuja originalidade não é possível afirmar sem o auxílio de perícia técnica" (AI
564.765-RJ, Primeira Turma, DJ 17/3/2006). Com efeito, a reprodução de uma assinatura, por meio do
escaneamento, sem qualquer regulamentação, é arriscada na medida em que pode ser feita por qualquer pessoa
que tenha acesso ao documento original e inserida em outros documentos. Desse modo, não há garantia alguma
de autenticidade. Note-se que não se está afastando definitivamente a possibilidade de utilização do método da
digitalização das assinaturas. Verifica-se, apenas, que ele carece de regulamentação que lhe proporcione a
segurança necessária à prática dos atos processuais. Embora, na moderna ciência processual, seja consagrado o
princípio da instrumentalidade das formas, sua aplicação deve encontrar limites exatamente no princípio da
segurança jurídica. Não se trata de privilegiar a forma pela forma, mas de conferir aos jurisdicionados, usuários
das modernas ferramentas eletrônicas, o mínimo de critérios para garantir a autenticidade e integridade de sua
identificação no momento da interposição de um recurso ou de apresentação de outra peça processual. Posto
isso, considera-se como inexistente o recurso cuja assinatura para identificação do advogado foi obtida por
digitalização. (REsp 1.442.887-BA, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 6/5/2014).
292No mesmo sentido, Manzano traz a chamada perícia contábil. Ob. cit., p. 16.
101
instrução do processo, utilizando-se do seu apurado senso técnico para esclarecer o juiz do
que se trata. Já o perito judicante é aquele que lança mão dos seus conhecimentos científicos
para enunciar fatos novos no processo, ou seja, para introduzir novos elementos de prova
através de um parecer especializado293.
Ou seja, o perito percipiente produz a perícia técnica, também chamada de perícia
instrutória; o perito judicante produz a perícia científica, também chamada de perícia
integrativa.
Todo o exposto segue linha semelhante à de Luiz Fernando de Moraes Manzano
quanto à diferença entre a perícia técnica e a perícia científica. Contudo, o autor entende que a
perícia técnica não pode ser enquadrada como meio de prova, “porque a convicção acerca da
existência do fato baseia-se nos próprios vestígios materiais com ele relacionados, e não com
a conclusão técnica erigida a partir de sua análise”. Para ele, tratar-se-ia de ato com caráter
instrutório que, sem definir a natureza, nega seja prova, afirmando até sua desnecessidade294.
Já a perícia como prova científica é tida como meio de prova “no sentido de caminho de se
obter o laudo, que constitui elemento de prova, derivada da análise dos vestígios materiais
deixados pelo crime – ou elementos psíquicos – os quais constituem fontes de prova cuja
compreensão demanda o conhecimento de uma lei científica”295. Nesse caso, entende tratar-se
de prova necessária, indispensável296.
Precisamos discordar.
A perícia técnica é meio de prova, assim como o é a perícia científica. Explique-se:
ainda que os objetos sobre os quais trabalha o perito técnico constituam, por si sós, elementos
de prova, o trabalho do perito serve ao aperfeiçoamento deste elemento que, sem a análise
técnica, não teria serventia. Isso tudo, obviamente, caso se verifique a sua necessidade. É
como se disse antes: se a prova visa convencer o magistrado, mas este não tem os
293Esclarece Fedie Didier Jr.: “Tomando como critério a função desempenhada, fala-se em dois tipos de perito:
i) o perito percipiente, que é aquele que percebe os fatos com apurado senso técnico, para noticiá-los ao juiz –
figura que se assemelha à testemunha; e ii) o perito judicante, que não só narra os fatos, mas também lança um
parecer técnico especializado.” DIDIER JR., Frdie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso... – vol. 2.
Ob. cit. p. 264. Manzano se utiliza de nomenclaturas diferentes para exprimir ideia semelhante: “Daí chamar-
se o perito de percipiendi e deduciendi, conforme a operação que efetue: declaração da ciência ou afirmação de
um juízo. Assim, perícia percipiendi, explica Zarzuela, constitui a retratação técnica ou científica das percepções
colhidas pelo perito restrita à apreciação de fatos ou de circunstâncias, desacompanhadas da emissão de juízos
valorativos, ao passo que a perícia deduciendi consiste na apreciação e interpretação técnica ou científica de
fatos ou de circunstâncias, com a emissão de juízos valorativos.” MANZANO, Luíz Fernando de Moraes. Prova
Pericial... Ob. cit. pp. 17-18.
294 MANZANO, Luíz Fernando de Moraes. Prova Pericial... Ob. cit. p. 16.
295Idem. Ib idem. p. 14.
296Idem. Ib idem. p. 17. “Os extratos, assim como as fitas, constituem fonte de prova, os quais isoladamente
nada dizem e, somente quando integrados, isto é, associados, é que são aptos à revelação do fato juridicamente
relevante.”
103
297SANTOS, Moacyr Amaral. Prova Judiciária... – vol .V. Ob. cit.55. p. 33.
104
aportados ao processo. Na prova técnica e científica, contudo, a preocupação não deve se dar
somente na valoração da prova, como tende a ocorrer nos ordenamentos típicos de civil law.
A preocupação deve ser mais extensa neste caso. É como atenta Paula Bezerra de Menezes:
Será que avaliação nesta etapa [de valoração da prova pericial] é eficaz? Parece que
não, e a negativa é afirmada com base no resultado dos estudos realizados. A falta de
controle prévio à produção da prova pericial aumenta as chances de erro na etapa de
valoração porque pode haver vícios antes mesmo do início de sua produção com a
inadequada escolha do perito, por exemplo.300
Da mesma forma como fazemos, a autora defende um amplo controle de todas as
fases da prova pericial: proposição, admissão, produção e valoração.
Ao mencionar o controle da prova pericial, queremos abarcar a incidência do
contraditório desde o momento em que a prova é requerida ou ordenada sua produção de
ofício, passando por todo o processo de escolha do perito, inclusive pela possibilidade de
escusa ou recusa. Depois e não menos importante, o contraditório exercido sobre o resultado
da produção da prova, aquele que se dá em seu processo de valoração.
O direito de participação na produção da prova é desdobramento do contraditório
efetivo. Mormente na prova pericial, se deve garantir às partes e aos seus assistentes técnicos
amplo acesso a todas as atividades do perito. O direito de falar sobre a prova produzida e de
ver a prova valorada pelo magistrado impõe ao juiz que leve em conta todas as razões trazidas
ao processo pelas partes e, ainda que não se convença a partir da prova produzida, tem o dever
de apreciá-la expondo as razões que o levaram a valorar positivamente uma e não outras. Essa
ideia se coaduna com a diferenciação proposta por Manzano. O autor defende a
indispensabilidade do contraditório na prova, muito mais significativo que o contraditório
sobre a prova301.
Por outro lado, a admissão da escolha consensual do perito e a possibilidade de
negócio jurídico processual atípico fundamentar uma perícia consensual dá conta de que o
diálogo visa buscar a redução da litigiosidade e a aproximação dos sujeitos partiais do
processo. É esta a pretensão do reforço ao contraditório experimentado com o novo
paradigma cooperativo do processo. Enfim, o valor que informa toda a análise que segue
respeita ao diálogo necessário à prestação da atividade jurisdicional em respeito às normas
fundamentais processuais consagradas em sede constitucional e infraconstitucional. “Em
poucas palavras: a legitimidade do resultado da prova pericial requer que as partes tenham
tido a devida possibilidade de participar em contraditório da sua formação.”302
300 MENEZES, Paula Bezerra de. Novos rumos... Ob. cit. p. 166.
301 MANZANO, Luiz Fernando de Moraes. Prova Pericial... Ob. cit. pp. 75-76.
302 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Comentários... – vol. 5, tomo II. Ob. cit. p. 567.
106
303 “A prova pericial advém da necessidade de se demonstrar no processo fato que dependa de conhecimento
especial que esteja além dos conhecimentos que podem ser exigidos do homem e do juiz de cultura média.”
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Comentários... – vol. 5, tomo II. Ob. cit. p. 567.
304 Discute-se a respeito da natureza da prova pericial. Para alguns, trata-se de mero esclarecimento ao
magistrado. C.f. BARBI, Celso Agrícola. Comentários ao Código de Processo Civil – vol. 1. Rio de Janeiro:
Forense, 1998. p. 448. Para outros, trata-se de autêntico meio de prova. C.f. MIRANDA, Pontes de. Comentários
ao Código de processo civil – tomo II. Rio de Janeiro: Forense, 1973. p. 428; DIDIER Jr., Fredie; OLIVEIRA,
Rafael Alexandria de; BRAGA, Paula Sarno. Curso... – vol. 2. Ob. cit. pp. 257-258; CINTRA, Antonio Carlos
de Araujo. Comentários ... – vol. IV. Ob. cit. p. 200; CASTRO, Carla Rodrigues Araújo de. Prova Científica...
Ob. cit. p. 35; MORALES, Rodrigo Rivera. La Prueba... Ob. cit. p. 192. Cabe mencionar a acertiva de Moacyr
Amaral Santos, no mesmo sentido: “Contudo, classificar-se o perito como auxiliar do juiz não constitui
argumento que retire à perícia a natureza de meio de prova. Não obstante se confira ao perito aquêle caráter, não
se pode deixar de considerar a perícia como tendo esta natureza, eis que a perícia não tem outra função, em
última análise, que carrear para o processo material que valha para instruir o juiz a respeito dos fatos discutos.”
SANTOS, Moacyr Amaral, Prova Judiciária... – vol. 1. Ob. cit. pp. 54-55. Interessante o posicionamento de
Manzano ao compreender que a natureza da perícia depende da espécie: a perícia como prova técnica não é meio
de prova, mas “ilumina a prova”; a perícia como prova científica é meio de prova. MANZANO, Luiz Fernando
de Moraes. Prova Pericial... Ob. cit. pp. 14-17. Diogo Assumpção Rezende de Almeida vê a perícia como tendo
dupla natureza: “Enquanto que, para as partes, funciona como meio de prova indispensável, sob o ponto de vista
das regras de distribuição do ônus da prova, para o juiz serve de auxílio, também indispensável, à sua atividade
de acertamento dos fatos técnico-científicos. Uma função não exclui a outra. Vale, porém, a observação de
Vittorino Denti, para quem a classificação da perícia como auxílio ou meio de prova não traz grandes efeitos
práticos.” ALMEIDA, Diogo Assumpção Rezende de. A prova pericial... Ob. cit. p. 60.
107
interpretação, feita a contrário senso, do art. 421, parágrafo único, I, do CPC. Este
dispositivo permite ao juiz indeferir a perícia quando "a prova do fato não depender,
do conhecimento especial de técnico". Ora, se o magistrado pode indeferir a perícia
quando a prova do fato não depender de conhecimento especial de técnico, pode-se
dizer, então, que, quando a prova depender deste conhecimento, ela não poderá ser
indeferida. (…) (STJ, AGARESP 184563, Segunda Turma, Relator Ministro
Humberto Martins, DJE 28/08/2012).
Merece destaque o que aponta o acórdão: a produção da prova técnica e científica
por um experto desvinculado da função de julgar é conteúdo do próprio contraditório, na
medida em que a incidência deste princípio e do amplo diálogo processual incide desde a
escolha do profissional, seguindo-se até a valoração do laudo produzido. Caso o juiz, ele
mesmo, aplique conhecimentos especializados de outra área do conhecimento, estaria
restringido a amplitude do contraditório, solução que deve ser expressamente rejeitada.
Segue a Supreme Court nas palavras do Chief Justice Rehnquist:
I do not doubt that Rule 702 confides to the judge some gatekeeping responsibility
in deciding questions of the admissibility of proffered expert testimony. But I do not
think it imposes on them either the obligation or the authority to become amateur
scientists in order to perform that role.308
Da mesma maneira, não se pode exigir do juiz a responsabilidade de controlar a
recepção dos elementos de prova no processo e ao mesmo tempo a obrigação ou autoridade de
funcionar como especialista na produção da prova pericial. À nossa realidade, afirme-se: a
competência constitucionalmente atribuída ao magistrado é de julgar, devendo, nesta função,
a ela restringir-se.
231 e 232, afirma que aquele que não se submete a exame médico necessário não pode
aproveitar-se da recusa, podendo a recusa suprir a prova que se pretendia produzir. Não há
impossibilidade para tal eis que o direito pode imputar consequências jurídicas tanto ao agir
comissivo quanto ao agir omissivo. Assim, admite proteção constitucional o direito de não se
submeter ao exame, conquanto dela possa decorrer presunção quanto à paternidade. Caso
deseje afastar a presunção, basta submeter-se ao exame.
Quanto à perícia sobre coisas não há falar dos limites decorrentes de direitos
fundamentais. Caso esteja em poder das partes, de repartição pública ou de terceiros, pode o
perito solicitar ao juiz que ordene a sua apresentação, conforme o §3° do art. 473 do CPC/15.
O único limite à perícia sobre fenômenos é sua verificabilidade. É que certos
fenômenos são de duração limitada no tempo, dissipando-se antes do exame. Não se pode
periciar, por exemplo, a emissão de ruídos se já não estão mais sendo emitidos, ou de odores
caso já tenha se dissipado. Diferente é a hipótese do exame indireto sobre tais fenômenos. É
possível que a perícia se dê sobre o registro em áudio ou vídeo dos fenômenos que se deseja
periciar. Nesse caso, todavia, a perícia terá por objeto coisa e não o fenômeno propriamente.
310 DIDIER Jr., Fredie; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de; BRAGA, Paula Sarno. Curso... – vol. 2. Ob. cit. p.
263.
110
311 SANTOS, Moacyr Amaral, Prova Judiciária... – vol. 1. Ob. cit. pp. 85-86.
312DIREITO AMBIENTAL, PENAL E PROCESSUAL PENAL. PROVA DO CRIME DO ART. 54 DA LEI
9.605/1998. É imprescindível a realização de perícia oficial para comprovar a prática do crime previsto no art. 54
da Lei 9.605/1998. O tipo penal do art. 54 da Lei 9.605/1998 ("Causar poluição de qualquer natureza em níveis
tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou
a destruição significativa da flora") divide-se em duas modalidades: de perigo ("possa resultar em dano à saúde
humana") e de dano ("resulte em dano à saúde humana" ou "provoque a mortandade de animais ou a destruição
significativa da flora"). Mesmo na parte em que se tutela o crime de perigo, faz-se imprescindível a prova do
risco de dano à saúde. Isso porque, para a caracterização do delito, não basta ficar caracterizada a ação de poluir;
é necessário que a poluição seja capaz de causar danos à saúde humana (HC 54.536, Quinta Turma, DJ
1º/8/2006; e RHC 17.429, Quinta Turma, DJ 1º/8/2005), e não há como verificar se tal condição se encontra
presente sem prova técnica. (REsp 1.417.279-SC, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 22/9/2015, DJe
15/10/2015).
111
313 Peritos e assistentes não precisam ser nomeados e indicados em número proporcional, pois “o fato de o juiz
ter nomeado apenas um perito não retira das partes a possibilidade de indicar mais de um assistente técnico. A
nomeação de dois ou mais peritos, de outro lado, não impõe às partes a indicação de assistentes no mesmo
número.” MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Código... Ob. cit. p. 407.
314 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Comentários... – vol. 5, tomo II. Ob. cit. p. 595.
315 Todavia, não há propriamente uma limitação temporal restrita ao pedido de produção da perícia. “Parece-nos
112
que o juiz, a qualquer momento, antes da prolação da sentença, mesmo procedendo à conversão do processo em
diligência, a final, poderá determinar sejam feitos exames periciais, na medida em que não tenha elementos
finais e conclusivos de inteligência do(s) fato(s) para decidir.” ALVIM, Arruda. Manual... Ob. cit. p. 1037.
316 BODART. Bruno Vinícius da Rós. Ensaio sobre a prova pericial no Código de Processo Civil de 2015.
MACÊDO, Lucas Buril; PEIXOTO, Ravi; FREIRE, Alexandre (orgs.). Coleção Novo CPC – Doutrina
Selecionada – vol. 3. Salvador: JusPodivm, 2015. p. 637.
113
perito, indicar assistentes técnicos e apresentar seus quesitos317. Os quesitos são necessários à
definição dos limites da perícia:
Quesitos são perguntas que se formulam aos peritos e pelas quais se delimita o
campo da perícia. São perguntas relativas aos fatos que constituem o objeto da
perícia. Respondendo-as, como lhes cumpre, após a devida observação dos fatos,
das investigações, experiências ou estudos que lhe procederem, os peritos
desempenham a missão que lhes foi cometida.318
Não se olvide esta importante função: os quesitos apresentados ao perito servem de
parâmetro para o futuro controle do laudo. Servem para verificar até onde poderia ir e até
onde efetivamente foi o perito. O ideal: respostas completas, nem mais, nem menos. Trata-se
de destacado instrumento de exercício do contraditório na perícia319.
Depois, o perito é cientificado da nomeação e tem prazo de cinco dias para
apresentar sua proposta de honorários, seu currículo e contatos profissionais. Sendo
apresentada a proposta de honorários, o juiz intima as partes para, querendo, apresentar
manifestações em cinco dias. Somente depois o magistrado arbitra o valor. Além desse
procedimento, não se pode esquecer que o art. 157 dá ao profissional nomeado o prazo de
quinze dias, a partir da sua intimação,para escusar-se.
O primeiro problema está no fato de que correm para o perito nomeado, em tese, dois
prazos simultâneos: um de cinco dias regulado no artigo 465, §2° e outro de quinze dias
regulado no art. 157. No caso, a ciência da nomeação se dá pela intimação do profissional,
fazendo crer que o termo a quo dos prazos é o mesmo.
Não é só isso.
A intimação das partes serve à apresentação de recusa por razões de suspeição ou
impedimento e, ainda que o código não mencione expressamente, à arguição da
incompetência do perito para realizar a atividade (como tratamos acima). Nesta medida, para
que as partes recusem o perito é necessário que, primeiro, ele aceite o encargo, ou seja, não
apresente escusa, seja por motivo legítimo, seja por impedimento ou suspeição. Não faz
sentido exigir das partes a arguição fundamentada a respeito da suspeição ou impedimento de
um profissional sem sequer saber se ele próprio não apresentará escusa. Além do mais, ainda
que as partes tenham acesso ao cadastro de peritos do Tribunal, a ordem para que o perito
apresente o seu currículo com a comprovação de sua especialização serve para fundamentar
exatamente esta possibilidade de escusa por incompetência do profissional para realizar a
317 Este prazo e todo o raciocínio desenvolvido adiante se aplica também ao terceiro interveniente. Cf. CINTRA,
Antonio Carlos de Araujo. Comentários ... – vol. IV. Ob. cit. p. 209.
318 SANTOS, Moacyr Amaral. Prova Judiciária no Cível e Comercial – vol. V. São Paulo: Max Limonad, 1954.
p. 259.
319 MANZANO, Luiz Fernando de Moraes. Prova Pericial... Ob. cit. p. 74.
114
dificuldades da atividade. Por isso, ainda que de forma implícita, deve-se admitir que o perito
questione o prazo originalmente fixado para a entrega do laudo. Isso porque o prazo pode ter
desdobramentos diversos, inclusive, na proposta de honorários apresentada ou na futura
necessidade de sua substituição.
É que, se o perito precisa preparar o laudo pericial em prazo exíguo, pode necessitar
do auxílio de estagiários ou assistentes para a atividade ou, caso a nomeação recaia sobre
pessoa jurídica, o número de funcionários destinados à atividade pode variar de acordo com o
tempo posto para a entrega do laudo. Além de tais variações, simplesmente pode ser
impossível que a atividade se desenvolva e finalize no período assinalado pelo juiz. Nessa
medida, na manifestação do perito, não há qualquer impedimento para que fale a respeito do
prazo originalmente fixado, requerendo sua dilação.
As vantagens desta opção são várias: amplia o diálogo entre o magistrado e o expert
para fixar um prazo razoável à atividade e reduzir as chances de prorrogação do prazo de
entrega do laudo; pode evitar a escusa do perito caso esta eventualmente decorra somente do
grande volume de trabalho; possibilita que os custos com auxiliar e assistente sejam reduzidos,
o que reduz também o valor proposto a título de honorários.
Possível, inclusive, que o profissional apresente aceitação sob condição de alteração
do prazo fixado de ofício desde que, por óbvio, fundamentadamente. Assim, recebendo a
manifestação do perito, cabe ao magistrado avaliar suas razões. Entendendo que lhe assiste
razão, admite-se o pleito e fixa-se o prazo de acordo com o razoável conforme as razões do
profissional.
É este o mesmo entendimento de Diogo Assumpção Rezende de Almeida:
No novo CPC, porém, ao julgador somente é lícito deferir prazo adicional
correspondente à metade daquele originalmente fixado (art. 476). O legislador
objetiva a concessão de maior celeridade à perícia. Não me parece a melhor solução.
Engessar o procedimento pode acarretar malefícios à atividade instrutória. O juiz
tem condições de avaliar se o requerimento de dilação de prazo é ou não legítimo e a
lei determina que o perito apresente motivo justo para o fato de não ter cumprido seu
encargo no prazo inicialmente estabelecido. Ademais, o novo CPC penaliza tal falta
com a substituição do expert (art. 468, inc. II), o que certamente acarretaria maior
atraso à produção da prova.320
Sigamos, então.
Ultrapassados os quinze dias sem manifestação do perito é causa de substituição e
eventuais sanções administrativas, como a comunicação da ocorrência ao órgão de classe a
que esteja vinculado, imposição de multa ou exclusão de seu nome da lista de peritos do
320 ALMEIDA. Diogo Assumpção Rezende de. Da prova pericial. MACÊDO, Lucas Buril; PEIXOTO, Ravi;
FREIRE, Alexandre (orgs.). Coleção Novo CPC – Doutrina Selecionada – vol. 3. Salvador: JusPodivm, 2015. p.
667.
116
Tribunal.
Manifestando-se dentro do prazo de quinze dias, intimadas serão as partes para,
também em quinze dias, arguir o impedimento ou suspeição (se for o caso), indicar assistentes
técnicos e apresentar quesitos; querendo, manifestar-se a respeito da proposta de honorários.
Da mesma forma, o prazo do art. 465, §3° é impróprio. Concentrando-se a manifestação das
partes em somente um ato, todo o conteúdo dos §§ 1° e 3° será feito de uma única vez.
Dos temas a respeito dos quais devem as partes se manifestar, somente sobre dois
incide preclusão: recusa do perito e valor proposto a título de remuneração. Quanto à
apresentação de quesitos e indicação de assistentes técnicos, não incide preclusão, podendo a
parte apresentar um e nomear o outro até o início das atividades321.
Ultrapassado o prazo, com ou sem manifestação das partes, o juiz fixará
definitivamente o prazo da perícia e arbitra o valor dos honorários, intimando as partes para
fins do art. 95 do CPC/15. Caso as partes concordem ou não se manifestarem a respeito do
valor proposto pelo perito, ao juiz cabe somente fixá-lo naquele valor, não cabendo se
imiscuir nas razões que levaram à concordância expressa ou tácita. “Se as partes (ou uma
delas) discordam ou, concordando, forem incapazes e/ou o direito discutido insusceptível de
conciliação (art. 190, CPC/15), cabe ao juiz estipular um valor razoável (...)”322.
O art. 95 afirma expressamente que a remuneração do perito será adiantada pela
parte que requereu a produção da prova ou rateada quando a perícia for determinada de ofício
ou requerida por ambas as partes. Há, contudo, mais uma aparente confusão. O problema está
na previsão que cada parte adiantará a remuneração do assistente técnico que houver
nomeado.
321 Há entendimento do STJ nesse sentido: PRAZO. QUESITOS. ASSISTENTE TÉCNICO. Trata-se de ação
de manutenção de posse de terras claramente estipuladas na matrícula dos imóveis, mas discute eventual
desrespeito aos limites territoriais que separam as fazendas contíguas das partes conflitantes. No REsp, discute-
se a preclusão (art. 421, § 1º, do CPC) reconhecida nas instâncias ordinárias quanto à indicação dos réus
de assistente técnico e quesitos da perícia. O Min. Relator rejeitou a preliminar em que o recorrente indicava
inadequação da ação, aduzindo que deveria ser possessória. No mérito, explica que a jurisprudência deste
Superior Tribunal não considera preclusivo o prazo estabelecido no art. 421, § 1º, do CPC e permite que a parte
adversa indique assistente técnico, formulando quesitos a qualquer tempo, desde que, como única ressalva, não
se tenham iniciado os trabalhos da prova pericial. No caso dos autos, a indicação deassistente técnico e os
quesitos formulados pelos réus recorrentes foram tempestivos, pois ocorreram um dia antes do início dos
trabalhos periciais. Diante do exposto, a Turma deu parcial provimento ao recurso para anular o acórdão e a
sentença e determinar que a instrução processual seja concluída com as reivindicações dos quesitos formatados
pelos réus, sob pena de cerceamento de seu direito de defesa. Precedentes citados: REsp 639.257-MT, DJ
13/2/2006; AgRg no Ag 381.069-SP, DJ 8/10/2001; REsp 193.178-SP, DJ 24/10/2005; REsp 182.548-SP, DJ
22/3/1999; REsp 148.204-SP, DJ 9/12/1997, e EREsp 39.749-SP, DJ 29/10/1996. (REsp 796.960-MS, Rel. Min.
Fernando Gonçalves, julgado em 15/4/2010).
322 DIDIER Jr., Fredie; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de; BRAGA, Paula Sarno. Curso... – vol. 2. Ob. cit. p.
293. No mesmo sentido: MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Comentários... – vol. 5,
tomo II. Ob. cit. pp. 580-581.
117
diretamente o deslinde da questão323. Apesar do prazo fixado para sua apresentação, admite-se
sejam feitos até o início das atividades, assim como a nomeação do assistente técnico324. Não
há qualquer prejuízo, desde que antes do início da diligência.
O juiz desempenha duas importantes funções no que refere aos quesitos. É que ele
verifica os requisitos de pertinência e relevância. Ainda que o dispositivo do art. 470, I,
CPC/15 fale somente de um controle de pertinência, não se pode olvidar a possibilidade de
controle também de sua relevância. Sem dúvida alguma, a decisão do magistrado a respeito
do indeferimento dos quesitos deve contar com fundamentação aprofundada, apta a
possibilitar o conhecimento das razões do indeferimento e a consequente impugnação do ato.
Moacyr Amaral Santos atenta:
De tal modo a faculdade, que ao juiz a lei confere, de não admitir quesitos
impertinentes, deverá ser usada com máxima cautela. Haverá quesitos que, sem si
mesmos, nada oferecem que diretamente interessem à perícia mas que, no entanto,
se prestam para orientação dos peritos, quer oferecendo-lhes um ponto de partida, de
que não cogitariam em face da questão que lhes é submetida, quer formulando-lhes
motivos para estabelecerem certo critério nas suas investigações, quer, enfim,
apontando-lhes elementos de apreciação sòmente conhecidos de quem, como certas
partes, está a par dos fatos submetidos à perícia.325
Ao juiz, conforme o art. 470, II, CPC/15, também é permitido formular os quesitos
que entender necessários ao esclarecimento da causa. Como tais quesitos são apresentados
após os quesitos das partes, terão natureza complementar, caso o magistrado, observando
aqueles propostos pelas partes, entenda pela necessidade de esclarecer mais algum ponto
porventura não levantado.
É admitida também a formulação de quesitos suplementares durante a realização das
diligências. Estes quesitos são aqueles que complementam os questionamentos inicialmente
formulados. São feitos após o início das atividades do perito e antes da apresentação do laudo
pericial. Uma vez apresentados, o escrivão dará conhecimento de sua juntada à parte contrária
após o juízo de admissibilidade326 ou, feitos pelo juiz, a ambas as partes. O perito, contudo,
pode respondê-los no próprio laudo (caso não haja ainda finalizado) ou na audiência de
instrução e julgamento.
323 SANTOS, Moacyr Amaral. Prova Judiciária... – vol. V. Ob. cit. p. 259.
324 DIDIER Jr., Fredie; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de; BRAGA, Paula Sarno. Curso... – vol. 2. Ob. cit. p.
279.
325 SANTOS, Moacyr Amaral. Prova Judiciária... – vol. V. Ob. cit. p. 260
326 “O direito brasileiro admite a formulação de quesitos suplementares apenas enquanto durar a diligência. (…)
O juiz poderá indeferir, de ofício ou a requerimento da parte, a formulação de quesitos suplementares
inadmissíveis ou considerados procrastinatórios.” MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Código...
Ob. cit. p. 405. Ainda, “se são impertinentes, ao juiz compete indeferir o pedido de inserção dos quesitos.”
MIRANDA, Pontes de. Comentários... – tomo IV. Ob. cit. p. 451. E continua: “Quesitos impertinentes são os
quesitos que não pertencem ao objeto da pesquisa ou da informação, estranhos ao assunto, importunos,
perturbantes. Tem o juiz de indeferir o pedido de inclusão.” p. 452.
119
Deve-se atentar a um ponto importante: caso a parte não haja formulado quesitos,
pode apresentar os chamados quesitos suplementares? Marinoni e Arenhart entendem que sim,
desde que sejam pertinentes ao objeto da causa e que não pudessem ter sido imaginados no
momento inicial de apresentação dos quesitos327. A solução decorre do direito à prova e da
possibilidade de participar de sua produção, ainda que inicialmente a parte interessada tenha
se quedado inerte328. Ainda, segundo Pontes de Miranda, “Nos quesitos suplementares pode-
se ampliar a investigação do perito, porém não o objeto de investigação.”329
Em verdade, a natureza dos questionamos se associa ao momento em que são
apresentados, pois todos são apresentados seguindo-se o mesmo procedimento. Os quesitos
são formulados antes do início das atividades do perito; os quesitos suplementares são aqueles
formulados durante a produção da prova; e os pedidos de esclarecimento são feito após o
laudo pericial já ter sido apresentado visando dissipar dúvidas a respeito das respostas já
dadas pelo perito330.
Frise-se, mais uma vez, ser elemento essencial ao contraditório a participação das
partes ao longo de toda a instrução, não havendo falar em preclusão para quesitos
suplementares331, desde que respeitadas as condições apontadas pelos autores antes citados.
Na realização da perícia, perito e assistentes técnicos podem se utilizar de todos os
meios de coleta de dados, inclusive inquirir testemunhas e solicitar documentos (nos termos já
analisados). Deve o perito comunicar às partes e aos assistentes o dia, hora e local em que fará
a oitiva para, caso queiram, requerer sua arguição em juízo.
Todo o procedimento de produção da prove pericial é materializado no laudo pericial
apresentado em juízo pelo perito. Nele, o profissional expõe sobre o objeto da perícia, a
análise técnica ou científica realizada indicando especialmente o método que utilizou. Por fim,
327 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Comentário... – vol. 5, tomo II. Ob. cit. pp. 577-
578; 586.
328 Sobre o tema, bastante interessante o entendimento de Cintra: “Parece que, dado o princípio da comunhão
das provas, que garante a todos os litigantes e ao juiz o direito à prova produzida ou a produzir (porque requerida
e deferida), os quesitos apresentados por qualquer das partes e mesmo os formulados pelo juiz devem ser
considerados comuns, de modo que não podem ser objeto de renúncia pela parte que os apresentou, e servem de
suporte para a formulação de suplementares, inclusive por quem deixou de oferecer originais.” CINTRA,
Antonio Carlos de Araujo. Comentários... – vol. IV. Ob. cit. p. 216.
329 Miranda, Pontes de. Comentários... – tomo IV. Ob. cit. p. 443.
330 “Os quesitos complementares devem ser formulados durante a realização da perícia (art. 425, CPC [atual art.
469]), ao passo que os esclarecimentos devem ser requeridos depois da apresentação do laudo pericial (art. 435,
CPC [atual art. 477]). Os quesitos suplementares visam à melhor elaboração do laudo pericial; os
esclarecimentos, à melhor compreensão do próprio laudo” MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel.
Código... Ob. cit. p. 405. Ainda: “Entretanto, caso o juiz se depare, na audiência de instrução, com uma situação
que requer esclarecimentos, pode mandar intimar o perito ou o assistente técnico para um melhor esclarecimento
da situação fática, ainda que nenhum esclarecimento tenha sido oportunamente solicitado.” MARINONI, Luiz
Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Comentários... – vol. 5, tomo II. Ob. cit. p. 604.
331 SANTOS, Moacyr Amaral. Prova Judiciária... – vol. V. Ob. cit. p. 263-264.
120
expõe suas conclusões em resposta aos quesitos propostos. O tema será aprofundando adiante,
em capítulo derradeiro.
332 “O desejo da norma é evidente: ao viabilizar a nomeação de perito e a indicação de assistentes técnicos
residentes no local da perícia, objetiva facilitar a sua produção e torná-la mais acessíve economicamente.”
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Comentários... – vol. 5, tomo II. Ob. cit. p. 591.
333 CINTRA, Antonio Carlos de Araujo. Comentários... – vol. IV. Ob. cit. p. 220.
121
3.2.6. Despesas.
“A remuneração do perito, sem qualquer dúvida, constitui despesa processual, pois é
um gasto indispensável para que o processo alcance sua finalidade. Assim, seu pagamento
deve ser antecipado (…)”334.Como já se adiantou, as despesas relacionadas à perícia se dão
conforme o art. 95 do CPC/15. A parte que requer a produção da perícia é responsável pelo
adiantamento dos honorários335. Caso seja a prova ordenada de ofício ou requerida por ambas
as partes, o valor é rateado entre autor e réu.
É possível que o juiz determine que a parte responsável pelo pagamento dos
honorários do perito deposite em juízo o valor correspondente à remuneração, recolhendo-se a
quantia em depósito bancário à ordem do juízo. O montante será corrigido monetariamente e
pago de acordo com o art. 465, § 4º, que admite o adiantamento de até cinquenta por cento
para cobrir os custos iniciais do perito com o trabalho.
A exigência de depósito prévio dos honorários periciais se aplica inclusive ao ente
público que requer a produção da prova. Tanto a Fazenda Pública parte no processo quanto o
Ministério Público devem adiantar os honorários. Quanto a este último, a Fazenda Pública a
qual está vinculado o órgão deve adiantar os valores336-337.
necessidade de adiantamento, pelo Ministério Público, de honorários devidos a perito em Ação Civil Pública. 2.
O art. 18 da Lei n. 7.347/85, ao contrário do que afirma o art. 19 do CPC, explica que na ação civil pública não
haverá qualquer adiantamento de despesas, tratando como regra geral o que o CPC cuida como exceção.
Constitui regramento próprio, que impede que o autor da ação civil pública arque com os ônus periciais e
sucumbenciais, ficando afastada, portanto, as regras específicas do Código de Processo Civil. 3. Não é possível
se exigir do Ministério Público o adiantamento de honorários periciais em ações civis públicas. Ocorre que a
referida isenção conferida ao Ministério Público em relação ao adiantamento dos honorários periciais não pode
obrigar que o perito exerça seu ofício gratuitamente, tampouco transferir ao réu o encargo de financiar ações
contra ele movidas. Dessa forma, considera-se aplicável, por analogia, a Súmula n. 232 desta Corte Superior ("A
Fazenda Pública, quando parte no processo, fica sujeita à exigência do depósito prévio dos honorários do
perito"), a determinar que a Fazenda Pública ao qual se acha vinculado o Parquet arque com tais despesas.
Precedentes: EREsp 981949/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em
24/02/2010, DJe 15/08/2011; REsp 1188803/RN, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA,
julgado em 11/05/2010, DJe 21/05/2010; AgRg no REsp 1083170/MA, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL
MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 13/04/2010, DJe 29/04/2010; REsp 928397/SP, Rel. Ministro
CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 11/09/2007, DJ 25/09/2007 p. 225; REsp 846.529/MS,
Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA TURMA, julgado em 19/04/2007, DJ 07/05/2007, p.
288. 4. Recurso especial parcialmente provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da
Resolução STJ n. 8/08. (REsp 1253844 / SC, Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, Primeira Seção, DJe
17/10/2013).
337 Devem também ser adiantados os valores referentes ao transporte do perito quando o exame se der em
comarca diversa daquela onde foi ordenado o exame. Trata-se do tema 396 julgado em Recurso Especial
Repetitivo: PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA.
ARTIGO 543-C, DO CPC. EXECUÇÃO FISCAL PROPOSTA NO JUÍZO FEDERAL. PENHORA E
AVALIAÇÃO DE BENS DO EXECUTADO. EXPEDIÇÃO DE CARTA PRECATÓRIA. POSSIBILIDADE.
AUTARQUIA FEDERAL. ANTECIPAÇÃO DAS DESPESAS COM O DESLOCAMENTO/CONDUÇÃO DO
OFICIAL DE JUSTIÇA PARA CUMPRIMENTO DE CARTA PRECATÓRIA. CABIMENTO. (...)6. O artigo
27, do CPC, por seu turno, estabelece que "as despesas dos atos processuais, efetuados a requerimento do
Ministério Público ou da Fazenda Pública, serão pagas ao final, pelo vencido". 7. Entrementes, a isenção do
pagamento de custas e emolumentos e a postergação do custeio das despesas processuais (artigos 39, da Lei
6.830/80, e 27, do CPC), privilégios de que goza a Fazenda Pública, não dispensam o pagamento antecipado das
despesas com o transporte dos oficiais de justiça ou peritos judiciais, ainda que para cumprimento de diligências
em execução fiscal ajuizada perante a Justiça Federal. 8. É que conspira contra o princípio da razoabilidade a
imposição de que o oficial de justiça ou o perito judicial arquem, em favor do Erário, com as despesas
necessárias para o cumprimento dos atos judiciais. (...)16. Recurso especial desprovido. Acórdão submetido ao
regime do artigo 543-C, do CPC, e da Resolução STJ 08/2008. (...) (REsp 1144687 / RS, Relator Ministro LUIZ
FUX, Primeira Seção, DJe 21/05/2010).
123
caso de sua omissão, do Conselho Nacional de Justiça, e pago com recursos alocados do
orçamento da União, do Estado ou do Distrito Federal.
Nesta hipótese de benefício da justiça gratuita, após o trânsito em julgado da decisão
final o juiz oficiará a Fazenda Pública para que promova contra quem tiver sido condenado ao
pagamento das despesas processuais, a execução dos valores gastos com a perícia particular
ou com a utilização de servidor público ou da estrutura de órgão público.
Se o responsável pelo pagamento das despesas for o próprio beneficiário de
gratuidade da justiça, derrotado ao final, observar-se-á o disposto no art. 98. Não se afasta a
responsabilidade do beneficiário pelas despesas processuais decorrentes da sucumbência,
conquanto a obrigação fique sob condição suspensiva de exigibilidade nos cinco anos
subsequentes ao trânsito em julgado da decisão, somente podendo ser executada caso o credor
demonstrar que deixou de existir a situação de insuficiência de recursos que justificou, no
passado, a concessão de gratuidade da justiça. Ultrapassados os cinco anos, extingue-se a
obrigação. Trata-se, portanto, de prazo decadencial.
Este prazo, todavia, parece meramente simbólico. O Poder Público não dispõe de
estrutura suficiente para monitorar a modificação da situação econômica de todos os
beneficiários da justiça gratuita durante os cinco anos antes do termo decadencial. O custo de
tais perícia será, ao fim e ao cabo, da Administração Pública.
Contudo, o CPC/15 modifica o regramento anterior em um aspecto interessante. É
que o CPC/73 dispunha no sentido de o autor antecipar os honorários do perito quando a
perícia fosse requerida por ambas as partes ou determinada de ofício pelo juiz. Sob a nova
regra, este custo é rateado entre as partes. De fato, andou bem o legislador na modificação.
Era muito comum que as partes aguardassem uma ou outra requerer a perícia, ou então
deixassem de produzi-la por não ter recursos suficientes para tal, mormente quando ordenada
de ofício pelo magistrado. O CPC/15 tenta corrigir este desvio, distribuindo o ônus financeiro
da perícia quando esta for de interesse de ambas as partes ou necessária ao convencimento do
magistrado.
Deve-se atentar, ainda, ao §5° do art. 465, que serve de estímulo ao bom trabalho do
perito, evitando laudos de baixa qualidade e que acabem por não ter utilidade no
esclarecimento dos fatos controvertidos. Permite-se a redução da remuneração inicialmente
arbitrada para o trabalho quando a perícia for inconclusiva ou deficiente. Como já se afirmou,
esta redução só pode se dar depois de exauridas todas as tentativas de esclarecer as dúvidas e
pontos controvertidos a respeito do laudo apresentado.
124
qualquer outra modalidade, adquire papel importante o controle da prova exercido pelo
magistrado no momento de sua valoração. Esta necessidade que observamos de trabalhar com
o processo de valoração da prova fez surgir um quarto momento. Em verdade, a organização
desta segunda parte do trabalho em três momentos diferentes tem uma preocupação muito
mais didática de proporcionar uma visão mais clara dos passos a serem seguidos no controle
da prova.
Eis a nossa proposta: a) proposição da prova; b) admissibilidade da prova; c)
produção da prova; d) valoração da prova.
Quanto ao requerimento das partes para a sua produção, o debate a respeito do direito
fundamental à prova já tratou do tema, que entendemos mais relacionado ao requerimento de
produção das provas em geral do que propriamente às provas técnicas e científicas. Não
obstante, as três fases que seguem interessam à segunda parte deste trabalho. Por isso,
organizamos os capítulos adiante em três momentos, onde tratamos da atuação dos sujeitos do
processo: admissibilidade, produção e valoração da prova técnica e da prova científica, sem
contar com o presente capítulo onde tratamos da perícia inserida no processo cooperativo.
É esta a divisão trabalhada adiante.
126
340 MANZANO, Luiz Fernando de Moraes. Prova Pericial... Ob. cit. p. 107.
341 CAMEJO FILHO, Walter. Juízo de Admissibilidade e juízo de valoração das provas. OLIVEIRA, Carlos
Alberto Álvaro de (org.). Prova Cível. Rio de Janeiro: Forense, 2005.p. 6.
127
recai presunção, exceto se questionados forem. Também não se deve admitir a prova inútil, ou
seja, aquela que objetiva provar alegação de fato incapaz de influenciar na decisão da causa,
fatos impertinentes.
Especialmente quanto à prova pericial, em virtude mesmo de sua natureza, não deve
ser admitida quando a alegação de fato objeto da prova independer de conhecimentos
especializados para ser atestada342. A previsão constante no artigo 464, §1°, I do CPC/15 é em
si mesma inútil e, ainda, incompleta. Só há necessidade da prova pericial quando para atestar
declaração de fato for necessário conhecimento que foge ao homem médio, conhecimentos
específicos, técnicos ou científicos. Assim, o requisito da necessidade por si só não está
preenchido se não for necessária a aplicação de tais elementos. Ainda, o dispositivo restringe
o indeferimento de sua produção à desnecessidade de conhecimento de técnico. O texto
desloca a qualidade tecnicidade do conhecimento para a pessoa do profissional, o que nos faz
questionar se o juiz não indeferirá a perícia se esta não depender de conhecimento de cientista,
artista etc. Em verdade, a técnica não está relacionada à pessoa, mas ao conhecimento a ser
aplicado, independentemente da qualificação formal do sujeito que a aplicará.
Bastava, ao elenco das hipóteses de indeferimento da perícia, o critério de
necessidade, conforme inscrito no inciso II do mesmo parágrafo em comento. Ademais, se
impraticável a verificação, também se está diante de uma prova desnecessária 343 , pois
previamente à sua produção, em virtude da notória incapacidade dos conhecimentos
especializados verificarem o objeto da prova, já se conhece sua incapacidade em aportar
elemento de prova novo ao processo. As razões podem ser variadas, como por exemplo,
quando o objeto sobre o qual se debruçaria o especialista pereceu (p. ex., uma perícia que
tenha por objeto um fenômeno) ou quando não se dispõe de tecnologia para atestar a alegação
342 MIRANDA, Pontes de. Comentários... – tomo IV.Ob. cit. p. 447. Segundo o autor: “Se a perícia seria de
prova de fato, ou ato, cujo conhecimento para conclusão não dependesse de técnica, a superfluidade afasta a
permissão e o juiz tem de indeferir o pedido.”
343 É importante lembrar o seguinte: o art. 370 do CPC/15 fala em “provas necessárias” para, em seu parágrafo
único afirmar que “O juiz indeferirá, em decisão fundamentada, as diligências inúteis ou meramente
protelatórias”. A ideia é a de que as provas necessárias devam ser produzidas. O indeferimento deve ocorrer em
caso de inutilidade ou caráter meramente protelatório. Ainda que entendamos necessidade/desnecessidade como
um conceito mais amplo que utilidade/inutilidade, os termos aqui são utilizados como sinônimos pois, uma prova
inútil é também desnecessária. Encontramos esta referência em Pontes de Miranda: “Se o juiz entende que a
perícia é inútil (cp. art. 130), ou supérflua, ou sem sentido, indefere o requerimento. É a perícia desnecessária, a
que se refere o art. 420, parágrafo único, II.” MIRANDA, Pontes de. Comentários... – tomo IV.Ob. cit. p. 447.
Atualmente, a referência é aos artigos 370 e 464 do CPC/15. No mesmo sentido, Moacyr Amaral Santos, ao
afirmar que “o princípio informativo dominante é o da utilidade da prova. Está o fato provado? Há confissão ou
documentos que provem exuberantemente o fato? O réu não contestou o fato (Código, art. 209) e êste é de
natureza e está em condições de ser admitido como verdadeiro? Em hipóteses tais, qualquer outra prova,
relativamente ao mesmo fato, é desnecessária, é inútil, é supérflua. Deve-se negar, portanto, a perícia.” SANTOS,
Moacyr Amaral. Prova Judiciária... – vol. V. Ob. cit. p. 152.
128
de fato. Esta última hipótese, perceba-se, pode ela mesma ser objeto de prova pois, “se no
caso concreto o juiz tiver dúvidas sobre a possibilidade de concretização da prova pericial,
evidentemente, deverá determinar sua realização – nem que seja para se constatar que, de fato,
é impraticável.”344
Ao que tudo indica, a ideia do legislador era considerar a perícia desnecessária nas
hipóteses elencadas no dispositivo em comento. O que restou, todavia, foi uma tautologia: a
prova pericial é desnecessária quando não for necessária. Marinoni e Arenhart talvez já
tenham chegado perto desta constatação ao afirmar que o rol só parágrafo 1° é meramente
exemplificativo345.
A inadmissibilidade da perícia face à sua desnecessidade, desde que fundamentada,
não afronta qualquer elemento do direito fundamental à prova346.Vamos além, todavia.
Perceba-se, nesse sentido, que o critério de necessidade é eminentemente um critério
jurídico relacionado à eficiência, efetividade, adequação e à razoável duração do processo.
Ainda que não seja objeto do debate aqui proposto, tais valores informam o processo,
conforme postos, inclusive, no capítulo referente às normas fundamentais do processo. De
outro lado, não se pode esquecer que o direito à prova, de índole constitucional fundamental,
abrange o direito a requerer e ver admitida a produção da prova. Assim, é a partir destes
parâmetros, de ordem constitucional, que deve ser analisada a admissibilidade da perícia. O
Juiz não pode, sob pena de extrapolar as suas funções no processo, admitir ou inadmitir
arbitrariamente a produção de prova técnica ou científica347.
Este é um momento nevrálgico, onde se põem em contraste o direito fundamental à
prova e o direito fundamental a um processo com duração razoável. Pondera Moacyr Amaral
Santos, citando Carnelutti, em lição indispensável por sua precisão:
Carnelutti, sobre o assunto, como em tudo que se refere a processo, pondera com
exímia sabedoria: “Êste é, talvez, o lado mais delicado do incidente de admissão das
provas, porque aí estão, em contraste, ainda uma vez, as duas exigências de justiça e
economia, isto é, em última análise, a de fazer bem e a de fazer depressa. Incidiria
em êrro, certamente, quem, tendo em consideração sòmente a primeira, deduzir daí
que, por isso e quod abundant non vitiat, as provas devam ser admitidas sem
344 DIDIER JR., Fredie; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de.; BRAGA, Paula Sarno. Curso... – vol.2. Ob. cit. pp.
277. No mesmo sentido: MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Prova... Ob. cit. p. 854;
CINTRA, Antônio Carlos de Araújo. Comentários... – vol. IV. Ob. cit. p. 206.
345 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Prova... Ob. cit. p. 854.
346 Veja-se, nesse sentido, o entendimento do STJ: DIREITO PROCESSUAL CIVIL. INDEFERIMENTO
DE PERÍCIA REQUERIDA PELA PARTE. O magistrado pode negar a realização de perícia requerida pela
parte sem que isso importe, necessariamente, cerceamento de defesa. De fato, o magistrado não está obrigado a
realizar todas as perícias requeridas pelas partes. Ao revés, dentro do livre convencimento motivado, pode
dispensar exames que repute desnecessários ou protelatórios. Precedente citado: AgRg no AREsp 336.893-SC,
Primeira Turma, DJe 25/9/2013. (REsp 1.352.497-DF, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 4/2/2014).
347 MIRANDA, Pontes de. Comentários... – tomo IV.Ob. cit. p. 445.
129
qualquer resguardo de economia: antes muito que muito pouco. É preciso, entretanto,
olhar para o reverso da medalha; a justiça que chega tarde é geralmente uma justiça
vã; e não há instituto que mais influa no seu protelamento que o da produção das
provas.”348
É preciso trazer esta lição para os dias atuais, pois a fundamentação quanto à
necessidade ou não da perícia deverá conter robusta fundamentação.
Em linhas gerais, possível delimitar que eficiência e efetividade não se confundem.
Em direito, quando se trata da efetividade, referimo-nos ao cumprimento das normas jurídicas.
Quando a norma produz os efeitos para as quais foi posta no ordenamento, está é considerada
efetiva. Já a eficiência leva em conta a relação entre os meios empregados e os resultados
alcançados em vista a finalidades preestabelecidas. Ao lado da dimensão de administração
gerencial, aplicável diretamente ao Poder Judiciário (art. 37, caput, CR), surge com o novo
CPC/15 uma perspectiva diferente para a aplicação da eficiência no processo, qual seja, sua
relação com a gestão do processo. Daí se pode falar em duas perspectivas diversas da
eficiência no sistema processual. A primeira delas se relaciona com a velocidade do
procedimento e a redução dos custos; a segunda com a qualidade da prestação da atividade
jurisdicional. Poder-se-ia falar, então, em eficiência quantitativa e eficiência qualitativa.
A primeira se confunde com o princípio da razoável duração do processo e com o
princípio da economia processual. O princípio da eficiência, então, identifica-se com a sua
vertente qualitativa, informando a prestação da jurisdição de forma mais completa, evitando o
acumulo e repetição de demandas judiciais.
No que tange à efetividade, esta não se relaciona necessariamente com o tempo de
duração do processo, mas sim com a aptidão das normas para transplantarem seu conteúdo
normativo em hipótese fática. A relação entre eficiência e eficácia é posta por Leonardo
Cunha:
É possível que um processo seja efetivo sem ser eficiênte, atingindo-se ao resultado
pretendido, mas de forma insatisfatória, demorada ou inadequada. O processo, por
sua vez, será eficiente se atingir o resultado pretendido de modo satisfatório. É
possível, então, que o processo seja efetivo, sem ser eficiente, mas se for eficiente,
será necessariamente efetivo.349
Há uma relação íntima com a admissibilidade da prova técnica e científica. Na
medida em que o seu procedimento de produção impõe necessariamente uma dilação do
tempo do processo, o aumento de custos e a problematização a respeito de conhecimentos que
exigem a participação de um terceiro responsável por traduzi-los ao homem médio, o critério
348 SANTOS, Moacyr Amaral, Prova Judiciária... – vol. 1. Ob. cit. p. 256.
349 CUNHA, Leonardo Carneiro da. A previsão do princípio da eficiência no projeto do novo código de
processo civil brasileiro. No prelo, p. 14.
130
350 Marinoni e Arenhart afirmam que “estando o fato já devidamente provado, não há por que deferir a
produção da prova pericial (art. 464, §1°, II, CPC/2015). Entretanto, se a afirmação de fato ainda puder ser
demonstrada no sentido contrário, a parte interessada poderá requerer – e logicamente ver deferida – a prova
pericial.” MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Prova... Ob. cit. p. 854. Perceba-se,
então, que esta hipótese não trata de fato incontroverso em face a outras provas produzidas. Se o juiz admite a
produção da prova pericial sob o argumento de que se pode convencer do contrário, é porque necessariamente as
alegações do sujeito que requereu a perícia desconstituíram a própria certeza que ele antes possuía. Assim, não
há mais falar em fato já devidamente provado. Por isso, esta hipótese trazida pelos autores não procede. Pois se
há dúvida, não há fato já provado apto a justificar a inadmissibilidade da perícia. A prova que justifica a
inadmissibilidade da prova pericial é aquela que retira do juiz qualquer elemento de dúvida quanto à alegação de
fato. Como afirma Moacyr Amaral Santos, “a rejeição de provas sòmente deverá verificar-se, quando legalmente
admissíveis, em hipóteses tão meridianamente claras que não possa surgir dúvida alguma sôbre a desnecessidade
da prova considerada supérflua.” ANTOS, Moacyr Amaral, Prova Judiciária... – vol. 1. Ob. cit. p. 256.
351 “[A prova pericial] Será indeferida, contudo, se for desnecessária em vista de outras provas produzidas nos
autos ou quando a verificação do fato for impraticável” MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel.
Código... Ob. cit. pp. 400-401.
352 CINTRA, Antônio Carlos de Araújo. Comentários... – vol. IV. Ob. cit. p. 205.
353 CUNHA, Leonardo Carneiro da. A previsão... Ob. cit. p. 14. Para Leonardo Cunha, a eficiência é uma noção
finalístico-normativa.
131
processo servirá, sempre tendo em conta a necessidade de prestar a tutela processual com
efetividade. Nesta medida, ao prever as hipóteses de aplicação de conhecimentos
especializados no processo, o legislador o fez para admitir a aquisição destes instrumentos
como forma de solucionar os conflitos.
Da mesma forma, cabe ao juiz uma análise de adequação para perceber se o caso
concreto exige ou não a utilização de técnica prevista abstratamente. Ou seja, no que refere à
produção da prova, exige-se do magistrado um juízo a respeito da adequação daquela técnica
para provar. O princípio da adequação será respeitado se o juízo de admissibilidade da prova
técnica ou científica ultrapassar o questionamento a respeito de se esta prova é adequada, apta,
à comprovação.
É o exemplo do julgamento do Recurso Especial Repetitivo n° 1485832/MG, onde se
decidiu pela desnecessidade de perícia em todos os bens apreendidos para a verificação de
violação de direitos autorais. É o caso das operações para apreensão de bens falsificados, onde
a grande quantidade de produtos (CDs, DVDs, entre outros) torna desnecessária a perícia em
cada um daqueles objetos e a identificação de cada um dos titulares de direitos violados. O
STJ entendeu adequada e eficiente a perícia por amostragem. Outra solução não poderia ter
sido tomada. Caso se entendesse pela necessidade de perícia em cada um dos bens
apreendidos, haveria patente ferimento à razoável duração do processo354.
A partir daí, é possível identificar duas ligações umbilicais dos princípios
supracitados com o juízo de admissibilidade da prova: a primeira diz respeito à relação com o
devido processo legal, servindo como mais um instrumento à sua concretização, dele
derivando e com ele sendo aplicado355; a segunda se refere a sua função de ponte entre o
processo e o direito material em análise, possibilitando que o martelo e o cinzel se adaptem
ao mármorea talhar. O procedimento deve atender à finalidade e natureza do direito tutelado,
como afirma Leonardo Cunha:
É preciso, enfim, haver uma adequação do processo às particularidades do caso
concreto. Para que a tutela jurisdicional seja efetiva, concretizada pela exigência de
um devido processo legal, é preciso que haja adequação. O princípio da adequação
é extraído, então, da garantia de inafastabilidade do controle jurisdicional e,
igualmente, da cláusula do devido processo legal.356
Daí, o juízo prévio quanto à admissibilidade da prova técnica e científica exige
resposta a duas perguntas: a) A prova é relevante à comprovação da alegação de fato? Se sim,
b) há alguma maneira menos dilatória e dispendiosa que sirva à prova? Se não, admite-se a
produção da prova pericial, pois necessária à solução do caso.
Quanto à mencionada relevância, a doutrina norte-americana ajudar a compreendê-la.
É que a produção da prova em geral só deve ser admitida quando servir a provar uma
alegação de fato referente ao direito material objeto debatido no processo. Conforme atenta
Yeazell, “For a piece of information to be relevant to a legal propositions means that the
informations tends to prove or disprove something the governing substantive law says
matters.”357Ou seja, se a prova é irrelevante, ela não serve à comprovação da alegação de fato.
Para Manzano, “quando se fala em relevância da prova em geral, pensa-se em sua aptidão
para demonstrar um fato que tem importância para o julgamento da causa” 358 . A prova
relevante é aquela apta a influenciar o resultado do julgamento.
355 “Pelo princípio constitucional do direito de ação, além do direito ao processo justo, todos têm o direito de
obter do Poder Judiciário a tutela jurisdicional adequada. Não é suficiente o direito à tutela jurisdicional. É
preciso que essa tutela seja a adequada, sem o que estaria vazio de sentido o princípio.” NERY JUNIOR, Nelson.
ob. cit., p. 187.
356 CUNHA, Leonardo. ob. cit., p. 83. No mesmo sentido: “o direito ao processo justo requer para sua
concretização efetiva adequação do processo ao direito material – adequação da tutela jurisdicional à tutela do
direito. É preciso ter presente que compõe o direito ao processo justo o direito à tutela jurisdicional adequada
dos direitos.” SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. ob. cit., p. 620.
Prosseguem (pp. 627-628): “Ao proibir a justiça de mão própria e afirmar que a 'lei não excluirá da apreciação
do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito' (art. 5°, XXXV, da CF), nossa Constituição admite a existência de
direito à tutela jurisdicional adequada e efetiva. Obviamente, a proibição da autotutela só pode acarretar o dever
do Estado Constitucional de prestar tutela jurisdicional idônea aos direitos.”
357 YEAZELL, Stephen C. Civil Procedure. New York, NY: Aspen Publishers, 2008. p. 416.
358 MANZANO, Luiz Fernando de Moraes. Prova Pericial... Ob. cit. p. 188. Interessante, quando ao tema, o
raciocínio de Nathália Gonçalves de Macedo Carvalho: “Essa parece ser uma importante contribuição a ser
extraída do direito norte-americano. O Novo Código de Processo Civil manteve a possibilidade de indeferimento
das provas inúteis e protelatórias, o que significa dizer, que as provas inúteis, ou seja, aquelas cujo fato que se
pretenda provar não tenha relação com a lide, ou ainda, àquelas que pretende provar fato que já foi objeto de
prova, não devem ser admitidas. Isso, de certa forma, nada mais é do que a aferição da relevância da prova.”
CARVALHO, Nathália Gonçalvez de Macedo. Introdução... Ob. cit. p. 870.
133
Agora imagine-se uma situação em que esteja sendo discutida a qualidade da atuação
de paramédicos no atendimento de acidentados. É possível que testemunhas deem conta do
péssimo tratamento emergencial oferecido pelos paramédicos, afirmando que os pacientes
estavam sendo tratados com violência e brutalidade. Esta prova, contudo, é imprestável para o
processo. É que à prova testemunhal não é dado discutir a aplicação de técnicas ou métodos
específicos da medicina em situações de urgência como acidentes de grandes proporções. A
prova necessária para acertar o fato, aqui, é a prova pericial. É necessário que um perito
médico, de posse de eventuais tomadas de imagem e exames posteriores dos acidentados,
verifique se o atendimento paramédico no local do acidente foi adequado ou não. Nesse caso,
não há nenhum sinal de residualidade na prova pericial, mas sim o reconhecimento de um
campo específico de aptidão desta prova. Ainda que diversas testemunhas afirmem no sentido
de que foi dado mau tratamento, somente o laudo pericial poderá servir ao convencimento do
juiz362.
Esta relação é diferente, inclusive, caso se trate de prova técnica ou de prova
científica.
Na prova técnica o controle de admissibilidade deve levar em conta primeiramente o
status em que se encontra o elemento de prova ainda incompreensível no processo. É que
pode ser possível sua iluminação através de regras de experiência ou pela complementação de
outras provas. Por exemplo, no caso de um relatório de contabilidade, demonstrações de
riqueza incompatíveis com os valores declaradamente percebidos podem servir a provar a
alegação de fato, tornando desnecessária a prova técnica. Ainda que o magistrado não tenha o
conhecimento técnico disponível para conhecer a forma de cálculo e todos os mínimos
detalhes relativos à planilha apresentada, tendo em consideração outras provas e uma
compreensão básica a respeito dos números ali inseridos, a prova técnica se torna
desnecessária ou supérflua. Perceba-se, ainda se utilizando do nosso exemplo, que a ausência
de outros elementos (a manifestação incompatível de riqueza) faria necessária a produção da
prova técnica 363 . É que “tratando-se de apreciar ou interpretar fatos representados,
364 SANTOS, Moacyr Amaral, Prova Judiciária... – vol. V. Ob. cit. p. 147.
365Idem. Ib idem. p. 147. Eduardo Cambi atenta para o fato de que “nem sempre o juiz está apto para determinar
se a perícia é desnecessária ou impraticável, uma vez que esse juízo pode envolver conhecimentos técnicos.
Nesse caso, estando o julgador em dúvida com relação à utilidade da prova pericial, mesmo antes de admitir a
sua realização, pode consultar formalmente os entendidos na matéria, indagando-os sobre a própria viabilidade
de a perícia esclarecer as questões fáticas de cunho técnico que se mostrem controvertidas.” CAMBI, Eduardo. A
prova pericial: admissibilidade e relevância. São Paulo: RT, 2006. p. 249.
136
adequada à perícia ou até se este método está acessível naquele espaço e tempo. Em um
mesmo momento, não é difícil encontrar linhas de pensamento científico que entendam como
mais adequado o método X ou Y para se chegar ao resultado. Não é incomum encontrarmos
menção, por exemplo, aos vários métodos de identificação do DNA 366 . Diversos fatores,
inclusive, podem influenciar a escolha do método pelo perito: a) fatores econômicos, na
medida em que métodos com grau de eficácia minimamente diferente podem apresentar
custos absurdamente diferentes; b) sociais, pois certos métodos podem não estar disponíveis
em países menos desenvolvidos; c) culturais, face à diversidade de crenças que podem não
aceitar a utilização de determinados métodos; d) jurídicos, em vista aos diversos standards de
prova decorrentes do direito material objeto do processo.
Ainda, é necessário firmar posição quanto a tema amplamente debatido pela doutrina,
qual seja, a hipótese de o juiz detentor de conhecimentos técnicos especializados dispensar a
prova pericial. É o caso, por exemplo, do magistrado que além de jurista é engenheiro ou
médico, dispondo dos conhecimentos de outra área do conhecimento.
Esta situação deve ser rejeitada. É que o princípio do juiz natural impõe a atuação
imparcial do magistrado, que não pode se valer de sua ciência privada para decidir a causa.
Caso se utilizasse de conhecimentos específicos não disponíveis ao homem médio, o
magistrado estaria se convencendo através de ciência privada, pois indisponíveis aos demais
sujeitos. Ainda que fundamentasse sua decisão, a inacessibilidade das partes ao conhecimento
aplicado pelo juiz tornaria ilegítima, por ferimento ao contraditório, esta prova.
O procedimento da produção de prova pericial exige amplo acesso às partes, nos
momentos prévio, concomitante e posterior à sua realização. Se o juiz atua valorando a prova
sem respeitar o procedimento de produção, há frontal ferimento ao contraditório. Doutra
forma, ainda que o magistrado respeitasse todo o procedimento previsto para a produção da
perícia, configurar-se-ia hipótese de impedimento. É que, nos termos do art. 144, I, do
CPC/15, há impedimento do juiz, sendo-lhe vedado exercer suas funções no processo em que
oficiou como perito. Assim, não há como admitir que um único sujeito atuasse como juiz e
perito em uma mesma causa.
É o que já entendia Cintra:
É evidente que, na medida em que se supõe o conhecimento do direito pelo juiz
(iura novit curia), não tem cabimento a realização da perícia em matéria jurídica. De
outra parte, o conhecimento técnico ou científico do juiz não exclui a realização da
366 Veja-se, por exemplo, AGANELLI, Margareth Vetis; LACERDA, Maria Francisca dos Santos. Livre
Apreciação... Ob. cit. pp. 171-183. MANZANO, Luiz Fernando de Moraes. Prova Pericial... Ob. cit.. pp. 191-
192.
137
perícia, pois esta é a via própria para a introdução no processo, sob contraditório,
das declarações de ciência e dos juízos técnico-científicos de que se tem necessidade
para o deslinde da demanda. Aliás, a lei não deixa dúvidas a respeito da
incompatibilidade do exercício das funções de juiz e perito no mesmo processo.367
367 CINTRA, Antônio Carlos de Araújo. Comentários... – vol. IV. Ob. cit. pp. 204-205.Nesse sentido, pensam
Marinoni e Arenhart, de forma pragmática: “Ademais, dentro do sistema brasileiro, os casos podem ser levados,
em regra, a dois órgãos jurisdicionais, o que arreda, definitivamente, a dispensa de prova pericial pelo motivo de
o juiz – que teve contato inicial com a causa – ter qualificação técnica especial. Ora, se outro juiz deve analisar a
situação de fato, não há como supor que essa análise possa ser feita de forma adequada quando a questão técnica
for de conhecimento apenas do primeiro julgador. Na verdade, se o conhecimento técnico que é peculiar a um
juiz, mas não pertence ao comum dos julgadores, pudesse dispensar a prova pericial, estar-se-ia diante de uma
hipótese de ciência privada.” MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Prova... Ob. cit. p. 850.
No mesmo sentido: SANTOS, Moacyr Amaral. Prova Judiciária... – vol. V. Ob. cit. p. 150.
368 TARUFFO, Michele. A Prova. Ob. cit. p. 97.
138
por eles levadas em conta no processo. A ideia é que os juízes, de fato, não sejam
influenciados por provas viciadas, defeituosas que, em tese, não poderiam informar o
julgamento. Nessa linha, afirma Manzano:
Cabe ainda observar que a questão da admissibilidade da prova é ainda mais
importante no processo judicial norte-americano (que em nosso processo), pois será
apresentada ao júri, pelo que tal atividade jurisdicional funciona como um filtro, a
evitar que os jurados sejam contaminados por provas falsas, pseudocientíficas e
levados uma conclusão injusta por mera retórica de uma das partes.369
O processo americano, assim como o nosso, conforma um procedimento ordenado.
Em linhas gerais, fixada a competência em razão do território e verificando-se tratar de
competência das cortes estaduais ou federais, o processo é iniciado pela complaint (=queixa
ou reclamação). O réu apresenta a sua answer (=resposta), levantando amplamente matérias
de defesa. Após a relação processual estar aperfeiçoada e os pontos controvertidos conhecidos
de ambas as partes, inicia-se a fase do discovery (=descoberta) onde as partes são compelidas
a trocar informações, dando uma a outra a oportunidade de conhecer as suas próprias razões.
O processo americano é estruturado de forma que as informações úteis a cada uma das partes
seja de conhecimento da outra. Durante esta fase de pretrial (= prévia ao julgamento), onde
há a troca de informações, inclusive das provas que se pretende produzir, é possível que as
partes cheguem a uma solução consensual (o que ocorre no mais das vezes), submetam-se a
um processo de summary judgment (= julgamento sumário em casos onde não há controvérsia
de fato) ou, alternativamente, a corte os direcione a um dos alternative dispute resolutions
process (= meios de solução alternativos de disputas) apto a solucionar a questão sem um
julgamento propriamente dito. Caso nenhuma destas hipóteses se verifique, passa-se à fase de
julgamento, que pode se dar por um juri ou por um juiz togado. Depois, segue-se à fase
recursal370.
Interessa-nos aqui, especialmente por sua peculiaridade se comparada ao nosso
sistema, a fase prévia ao julgamento, o pretrial. Trata-se de uma fase de preparação do
processo para julgamento, admitindo-se a produção das provas e resolvendo eventuais
questões incidentais. Tem por função exatamente instruir a causa e fazer com que as partes se
confrontem com as provas e os argumentos que serão apresentados na fase de trial pela parte
adversa, momento em que as questões controvertidas são fixadas com segurança. A chamada
369 MANZANO, Luiz Fernando de Moraes. Prova Pericial... Ob. cit. p. 188. No mesmo sentido: “Na produção
da prova pericial, cabe ao juiz togado chegar, antes do trial, se a prova é pertinente e útil e se a técnica utilizada
pelo perito está de acordo com os critérios adotados no sistema norte-americano para verificação de sua
credibilidade e cientificidade. Somente após a admissão da prova, o conhecimento técnico chegará aos
jurados.”ALMEIDA, Diogo Assumpção Rezende de. A prova pericial... Ob. cit. p. 13.
370 SPENCER, A. Benjamin. Civil Procedure – A Contemporary Approach. St. Paul, MN: Thomson/West,
2007. pp. 15 – 18.
139
disclosure, procedimento de abertura das próprias provas ao adversário, deve ser regida pela
boa-fé, sendo possível até a imposição por contempt of court daqueles que impõem
dificuldades ou tentam burlar as exigências de trazer à tona as suas provas371.
Permite-se no pretrial a autocomposição, o que é favorecido pelo fato de as partes se
depararem com as provas e os argumentos uma da outra (discovery). Nesta fase, frise-se, há
um conhecimento amplo de todas as provas a serem produzidas pela parte contrária, sendo
possível analisá-las, verificando-se antecipadamente a sua legitimidade e a importância que
terão aoser levadas ao julgamento. Conforme atenta Yeazell, “a party to a civil lawsuit may be
compelled to provide the other side with all sorts of information that wakens his claim or
defense”372, incidindo aí somente algumas limitações pontuais373
Conforme apontado, boa parte das causas se encerram por autocomposição já na fase
de pretrial após a discovery.
Discovery ends lawsuits for two reasons. First, discovery produces information
about the merits of the lawsuit and permits parties to make informed judgements
about the strengh of their em their opponent's positions. (…) Second, because
discovery costs time and money, it might enable one of the parties simply to wear
the other down – or both sides to wear each other down – without regar to the merits
of the case.374
A doutrina norte-americana aponta, contudo, que apesar da ideia do discovery ser a
de preparar as partes para o julgamento, evitando surpresas, muitas vezes esta fase se torna
uma disputa de “gato e rato” onde se busca conhecer muito dos trunfos do adversário, sem
contudo informá-lo completamente das próprias razões. Por isso, esta fase exige grande
habilidade dos advogados, consubstanciando-se numa das mais caras e demoradas fases do
procedimento.375 De toda forma, cumpre às partes revelarem as suas provas.
É um sistema que não consagra a figura da identidade física do juiz. Em boa hora, o
CPC/15 não mais o prevê, dando conta de não mais haver se falar dele em nosso ordenamento.
371 PEÑA, Eduardo Chemale Selistre. Poderes… Ob. cit. pp. 66-67.
372 YEAZELL, Stephen C. Civil Procedure. Ob. cit. p. 29.
373 Continua Yeazzel: “Three restrictions limit the otherwise broad powers od civil discovery. See Rule 26(b)(2)
and (c). First, parties may discover only evidence that is relevant to a claim or defense in the case. Second, even
if relevant, the requested information may be protected if privileged. (…) Finally, even relevant, inprivileged
information may be undiscoverable if a party can convince a court that is potential for 'annoyance,
embarrassment, oppression, or undue burden or expense' outweight its value. Rule 26(c)”. Idem. Ib idem. p. 29.
374Idem. Ib idem. p. 415. Em outro momento, afirma o autor: “discovery aims to put the parties in a position
from wich they can realistically asses the merits.” p. 472. No mesmo sentido, aponta Eduardo Chemale Selistre
Peña: “A discovery é considerada o nó vital do processo civil norte-americano. Não há vitória que não seja
intimamente conectada com o desenvolvimento da descoberta dos fatos na fase preliminar. Por ocupar essa
posição central no processo, a discovery é importantíssima na definição do destino de muitos deles. Inclusive, é
nessa etapa que muitos terminam. As informações colhidas nesse momento possuem um valor grandioso quando
se pensa na possibilidade de um acordo entre as partes.” PEÑA, Eduardo Chemale Selistre. Poderes... Ob. cit. pp.
68-69.
375 SPENCER, A. Benjamin. Civil Procedure… Ob. cit. p. 570.
140
Retomando a ideia do juiz gatekeeper, ou seja, como um juiz de controle durante a instrução,
reforça a importância desta função na fase de pretrial, analisando-se o material produzido e
exercendo sobre ele um juízo de admissibilidade. O juiz togado ou o júri responsável pelo
julgamento somente vai se deparar com as provas legais, admitidas, protegendos da influência
que eventuais provas ilícitas venham a produzir.
Dentro da fase do pretrial, há o juízo de admissibilidade da perícia.
As normas que informam a admissibilidade da expert evidence no direito norte-
americano encontram como fonte normativa principal três importantes casos, além da Federal
Rules of Evidence, act destinado a regular a produção das provas naquele direito.
Antes de nos debruçarmos sobre estes casos, importa notar que no processo norte-
americano, quando questões relacionadas a conhecimentos especializados exigem a
assistência de peritos, estes funcionam como verdadeiros colaboradores das partes, sujeitos
parciais, que auxiliam na preparação do caso e no desenvolvimento da estratégia de cada um
dos sujeitos do processo376. É possível falar em perito da parte, em comparação ao nosso
perito do juízo.
Todavia, quando se manifestam em juízo, durante a fase de trial, os experts
funcionam como testemunhas. Por isso, é necessário um rígido controle no que tange à
admissibilidade da prova pericial no processo norte-americano, onde o perito é visto como
uma espécie de testemunha qualificada. Não se exige do perito imparcialidade e, por isso,
para que seja admitido a “testemunhar” no processo, é necessário um exame acurado de
diversos requisitos construídos jurisprudencialmente e também elencados na Federal Rules of
Evidence. Conforme aponta Yeazell:
Expert typically testify to the inferences one can draw about causes of an event by
applying their especial knowledge to the evidence available. Before a court will let
an expert testify, the party presenting such testimony must establish that he or she is
an expert and that the expertise is relevant to contested issues.377
Nesse sentido, na própria Federal Rules of Civil Procedure há uma série de regras
relativas ao expert que tendem a verificar a sua confiabilidade. Nos termos da rule
26(a)(2)378as partes devem identificar todos os profissionais que atuarão em seu interesse, sua
376Idem. Ib idem. p. 625. Segundo Taruffo, “Cria-se, assim, a figura do perito como <<mercenário>>, a postos
para servir à parte que primeiro o convocar.” TARUFFO, Michele. A Prova. Ob. cit. p. 88. Ambos os autores
atentam para a Rule 706 da Federal Rules of Evidence que permite a nomeação de um perito do juízo. Esta
técnica, todavia, é tão raramente utilizada que não chama atenção quando da análise daquele ordenamento.
Decorre essa rara utilização do perito nomeado pelo juízo da própria natureza adversarial do sistema
estadunidense. Na doutrina nacional, aponta esta característica Diogo Rezende de Almeida (ALMEIDA, Diogo
Assumpção Rezende de. A prova pericial… Ob. cit. pp. 14-15).
377 YEAZELL, Stephen C. Civil Procedure. Ob. cit. p. 449.
378 Rule 26. Duty to Disclose; General Provisions Governing Discovery. (a) Required Disclosures. (2)
141
Disclosure of Expert Testimony. (A) In General. In addition to the disclosures required by Rule 26(a)(1), a
party must disclose to the other parties the identity of any witness it may use at trial to present evidence under
Federal Rule of Evidence 702, 703, or 705. (B) Witnesses Who Must Provide a Written Report. Unless
otherwise stipulated or ordered by the court, this disclosure must be accompanied by a written report—prepared
and signed by the witness—if the witness is one retained or specially employed to provide expert testimony in
the case or one whose duties as the party's employee regularly involve giving expert testimony. The report must
contain: (i) a complete statement of all opinions the witness will express and the basis and reasons for them;
(ii) the facts or data considered by the witness in forming them; (iii) any exhibits that will be used
to summarize or support them; (iv) the witness's qualifications, including a list of all publications authored in
the previous 10 years; (v) a list of all other cases in which, during the previous 4 years, the witness testified
as an expert at trial or by deposition; and (vi) a statement of the compensation to be paid for the study and
testimony in the case. (C) Witnesses Who Do Not Provide a Written Report. Unless otherwise stipulated or
ordered by the court, if the witness is not required to provide a written report, this disclosure must state: (i) the
subject matter on which the witness is expected to present evidence under Federal Rule of Evidence 702, 703, or
705; and(ii) a summary of the facts and opinions to which the witness is expected to testify. (D) Time to
Disclose Expert Testimony. A party must make these disclosures at the times and in the sequence that the court
orders. Absent a stipulation or a court order, the disclosures must be made: (i) at least 90 days before the
date set for trial or for the case to be ready for trial; or (ii) if the evidence is intended solely to contradict
or rebut evidence on the same subject matter identified by another party under Rule 26(a)(2)(B) or (C), within 30
days after the other party's disclosure.
(E) Supplementing the Disclosure. The parties must supplement these disclosures when required under
Rule 26(e).
ou de aceitação do perito apontado pelas partes (caso do Direito norte-americano). Por isso o
reforço da necessidade de proteger o processo das junk sciences desenvolvendo os métodos de
controle da produção da prova técnica e científica.
Merece destaque o caso Frye vs. United States (mais conhecido como caso Frye), de
1923, onde se debatia a respeito da utilização em juízo de instrumento antecessor ao
comumente chamado de “detector de mentiras” ou polígrafo. Utilizava-se, à época, análise
das variações na pressão sanguínea para verificar as mudanças nas emoções e correlacioná-las
com os diversos sentimentos de medo, raiva, dor etc382.
A Suprema Corte Americana acabou por rejeitar a utilização do instrumento sob a
alegação de que não havia suficiente referendo da comunidade científica no que tange à
confiabilidade do detector de mentiras.
Trecho destacado da decisão é o seguinte:
Just when a scientific principle or discovery crosses the line between the
experimental and demonstrable stages is difficult to define. Somewhere in this
twilight zone the evidential force of the principle must be recognized, and while
courts will go a long way in admitting expert testimony deduced from a well-
recognized scientific principle or discovery, the thing from which the deduction is
made must be sufficiently established to have gained general acceptance in the
particular field in which it belongs.383
Daí, apesar da ausência de sistematização do critério, firmou-se o entendimento de
que a prova científica somente seria admitida no processo judicial quando se verificasse uma
general acceptance, ou aceitação geral, daquele método ou técnica entre o meio científico e
acadêmico respectivo. Este filtro de aceitação geral acabou conhecido como Frye test. Não
seria suficiente que peritos atestassem, no processo, a qualidade do método ou da técnica, pois
esta declaração poderia ser distorcida face aos interesses da parte que patrocinava a atuação
do perito. “Frye impôs um ônus especial: a técnica deve ser generalizadamente aceita pela
comunidade científica relevante.”384
Atente-se que, em virtude mesmo da natureza mutável e em constante
desenvolvimento do pensamento científico, não se deveria exigir – se possível falar – uma
certeza absoluta, mas sim que a maioria da comunidade científica aceitasse o método ou a
técnica como os mais adequados a determinada situação 385 . Ao mesmo tempo em que
significava uma busca de segurança quanto ao método ou técnica, o Frye test acabava por
excluir da análise em juízo as novas tecnologias muitas vezes mais eficazes que os antigos
382 CASTRO. Carla Rodrigues Araújo de. Prova Científica... Ob. cit. pp. 120-121.
383 FRYE v. UNITED STATES. 293 F. 1013 (D.C. Cir 1923). Disponível em
<http://www.law.ufl.edu/_pdf/faculty/little/topic8.pdf> Acesso em 11/12/2015.
384 MANZANO, Luiz Fernando de Moraes. Prova Pericial... Ob. cit.. p.189.
385 CASTRO. Carla Rodrigues Araújo de. Prova Científica... Ob. cit. pp. 122-123.
143
386 MANZANO, Luiz Fernando de Moraes. Prova Pericial... Ob. cit.. p. 195.
387 Rule 401. Evidence is relevant if: (a) it has any tendency to make a fact more or less probable than it would
be without the evidence; and (b) the fact is of consequence in determining the action.
388 Rule 702 (redação original): If scientific, technical, or other specialized knowledge will assist the trier of
fact to understand the evidence or to determine a fact in issue, a witness qualified as an expert by knowledge,
skill, experience, training, or education may testify thereto in the form of an opinion or otherwise.
389 Atenta Paula Bezerra de Menezes que “A aplicabilidade do teste Frye, considerado muito rígido, foi
declarada incompatível com a flexibilidade implementada pela FRE. Deixou-se claro que a flexibilidade não
implica admissão livre de qualquer tipo de prova pericial, mas somente daquela considerada relevante e
confiável.” MENEZES, Paula Bezerra de. Novos Rumos... Ob. cit. p. 110.
390 Trecho da nota do Comitê de Emenda à Rule 702. Disponível em
<https://www.law.cornell.edu/rules/fre/rule_702> Acesso em 11/12/2015.
391 MANZANO, Luiz Fernando de Moraes. Prova Pericial... Ob. cit. p. 197.
144
392 DAUBERT, v. MERRELL DOW PHARMACEUTICALS, INC. 509 U.S. 579, 113 S.Ct. 2786) (1992).
Disponível em <http://www.law.ufl.edu/_pdf/faculty/little/topic8.pdf> Acesso em 11/12/2015. Continua: “The
drafting history makes no mention of Frye, and a rigid "general acceptance" requirement would be at odds with
the "liberal thrust" of the Federal Rules and their "general approach of relaxing the traditional barriers to
'opinion' testimony." Beech Aircraft Corp. v. Rainey, 488 U.S., at 169, 109 S.Ct., at 450 (citing Rules 701 to
705).
393 TARUFFO, Michele. A Prova. Ob. cit. p. 96.
394 MENEZES, Paula Bezerra de. Novos Rumos... Ob. cit. p. 107.
395 DAUBERT, v. MERRELL DOW PHARMACEUTICALS, INC. 509 U.S. 579, 113 S.Ct. 2786) (1992).
Disponível em <http://www.law.ufl.edu/_pdf/faculty/little/topic8.pdf> Acesso em 11/12/2015.
396 ALMEIDA, Diogo Assumpção Rezende de. A prova pericial... Ob. cit. pp. 25-28.
397 Trecho da nota do Comitê de Emenda à Rule 702. Disponível em
<https://www.law.cornell.edu/rules/fre/rule_702> Acesso em 11/12/2015.
145
398 DAUBERT, v. MERRELL DOW PHARMACEUTICALS, INC. 509 U.S. 579, 113 S.Ct. 2786) (1992).
Disponível em <http://www.law.ufl.edu/_pdf/faculty/little/topic8.pdf> Acesso em 11/12/2015.
399 Trecho da nota do Comitê de Emenda à Rule 702. Disponível em
<https://www.law.cornell.edu/rules/fre/rule_702> Acesso em 11/12/2015.
400 Paula Bezerra de Menezes é mais criteriosa da definição do peer review. Em verdade, “peer review” é o
nome consagrado para este critério de admissibilidade da prova pericial, conquanto o termo em comento tenha
outro significado daquele utilizado no caso Daubert. Explica a autora: “Peer review, ou como o nome diz revisão
por pares, é o processo instituído no meio científico de revisão prévia à publicação de um artigo. O autor
submete seu artigo a um editor, que o entrega, normalmente, a dois cientistas da área de mesmo nível intelectual
ou superior ao do autor. Os revisores têm a função de analisar criticamente a hipótese e aprová-la, ou não,
quando as críticas serão enviadas ao autor para aprimoramento de pesquisa ou para a retificação de dados, por
exemplo.” MENEZES, Paula Bezerra de. Novos Rumos... Ob. cit. p. 119.
401 MANZANO, Luiz Fernando de Moraes. Prova Pericial... Ob. cit. p. 202.
146
402 DAUBERT, v. MERRELL DOW PHARMACEUTICALS, INC. 509 U.S. 579, 113 S.Ct. 2786) (1992).
Disponível em <http://www.law.ufl.edu/_pdf/faculty/little/topic8.pdf> Acesso em 11/12/2015.
403 DAUBERT, v. MERRELL DOW PHARMACEUTICALS, INC. 509 U.S. 579, 113 S.Ct. 2786) (1992).
Disponível em <http://www.law.ufl.edu/_pdf/faculty/little/topic8.pdf> Acesso em 11/12/2015.
404 É que não consideramos como critério de controle o aspecto de o método ou técnica não ser desenvolvida
para o processo. Em verdade, um método que tenha por fim somente a instrução de causas não parece, por si só,
imparcial. Daí, nos parece uma constatação obvia que este método ou técnica não servirá para o processo.
405 MANZANO, Luiz Fernando de Moraes. Prova Pericial... Ob. cit. p. 199.
406 MENEZES, Paula Bezerra de. Novos Rumos... Ob. cit. p. 113.
407 Na mesma linha de raciocínio: ALMEIDA, Diogo Assumpção Rezende de. A prova pericial... Ob. cit. pp.
22-25.
147
Por fim, a Suprema Corte se deparou com o caso Kumho Tire Co. vs. Carmichael
(conhecido como caso Kumho), onde se discutiu a respeito do nexo causal entre um acidente
de carro e o suposto defeito nos seus pneus do veículo. O debate a respeito da expert evidence
se deu em verificar a necessidade ou não de respeito cumulativo a todos os critérios inscritos
na Rule 702 para a admissibilidade da prova
A Suprema Corte acabou por relativizar os requisitos firmados no caso Daubert,
afirmando que a sua aplicação em todos os casos onde se trate de admitir ou não as provas
técnicas ou científicas são prescindíveis a depender do ramo do conhecimento especializado
tratado. Veja-se, ipsis literis:
We also conclude that a trial court may consider one or more of the more specific
factors that Daubert mentioned when doing so will help determine that testimony's
reliability. But, as the Court stated in Daubert, the test of reliability is "flexible," and
Daubert's list of specific factors neither necessarily nor exclusively applies to all
experts or in every case. 408
As circunstâncias concretas podem justificar a inaplicabilidade e consequente
dispensa de um ou outro dos filtros instituídos no caso Daubert. Não é possível, por isso,
estabelecer um critério prévio e geral para a admissibilidade da prova técnica ou científica.
Ainda nas palavras da Suprema Corte:
The conclusion, in our view, is that we can neither rule out, nor rule in, for all cases
and for all time the applicability of the factors mentioned in Daubert, nor can we
now do so for subsets of cases categorized by category of expert or by kind of
evidence. Too much depends upon the particular circumstances of the particular case
at issue.409
Apesar disso, impõe-se um juízo de confiabilidade do método ou técnica utilizado,
além de um juízo de relevância da prova para o processo 410 . Avaliá-la é função do já
mencionado gatekeeper 411 . O problema, como se pode perceber, é a ausência de critérios
sólidos para este juízo, mormente após as conclusões da Suprema Corte em Kumho.
A Federal Rules of Evidence foi reformada no ano de 2000 para adequar seus
dispositivos ao decidido nos casos Daubert e Kumho, especificando fatores para o controle de
408 KUM HO TIRE COM PANY, LTD., v. CARMICHAEL 526 U.S. 137, 119 S.Ct. 1167) ( 1999). Disponível
em <http://www.law.ufl.edu/_pdf/faculty/little/topic8.pdf>
409 KUM HO TIRE COM PANY, LTD., v. CARMICHAEL 526 U.S. 137, 119 S.Ct. 1167) ( 1999). Disponível
em <http://www.law.ufl.edu/_pdf/faculty/little/topic8.pdf> Acesso em 11/12/2015. E continua: “Daubert itself is
not to the contrary. It made clear that its list of factors was meant to be helpful, not definitive.”
410 “In Daubert, this Court held that Federal Rule of Evidence 702 imposes a special obligation upon a trial
judge to "ensure that any and all scientific testimony ... is not only relevant, but reliable." 509 U.S., at 589, 113
S.Ct. 2786.” KUM HO TIRE COM PANY, LTD., v. CARMICHAEL 526 U.S. 137, 119 S.Ct. 1167) ( 1999).
Disponível em <http://www.law.ufl.edu/_pdf/faculty/little/topic8.pdf> Acesso em 11/12/2015.
411 “In Daubert the Court charged trial judges with the responsibility of acting as gatekeepers to exclude
unreliable expert testimony, and the Court in Kumho clarified that this gatekeeper function applies to all expert
testimony, not just testimony based in science.” Trecho da nota do Comitê de Emenda à Rule 702. Disponível
em <https://www.law.cornell.edu/rules/fre/rule_702> Acesso em 11/12/2015.
148
412 Rule 702. Testimony by Expert Witnesses A witness who is qualified as an expert by knowledge, skill,
experience, training, or education may testify in the form of an opinion or otherwise if: (a) the expert’s
scientific, technical, or other specialized knowledge will help the trier of fact to understand the evidence or to
determine a fact in issue; (b) the testimony is based on sufficient facts or data; (c) the testimony is the product
of reliable principles and methods; and (d) the expert has reliably applied the principles and methods to the
facts of the case. Houve ainda uma emenda em 2011. Contudo, conforme a nota do próprio Comitê à Emenda:
“The language of Rule 702 has been amended as part of the restyling of the Evidence Rules to make them more
easily understood and to make style and terminology consistent throughout the rules. These changes are intended
to be stylistic only. There is no intent to change any result in any ruling on evidence admissibility.” Disponível
em <https://www.law.cornell.edu/rules/fre/rule_702> Acesso em 11/12/2015.
413 Trecho da nota do Comitê de Emenda à Rule 702. Disponível em
<https://www.law.cornell.edu/rules/fre/rule_702> Acesso em 11/12/2015.
414 Listar um por um e explicar cada um destes fatores foge aos limites deste trabalho. Indica-se a leitura da
nota, conforme citado acima.
149
apenas os tornam inaptos à certeza. Ocorre que a construção de elementos cada vez mais
sólidos e o reforço do processo cooperativo como aqui tratado, visa reduzir este espaço de
erro, de indefinição, de incomunicabilidade entre o processo e o ramo da ciência ou da técnica
que deva aportar. A observação dos critérios construídos em Daubert, assim como os inscritos
na rule 702 e também aqueles apresentados no início deste capítulo em análise do
ordenamento pátrio, servea todos a redução deste espectro de indefinição. Ainda que nos
afastem da ideia de verdade, o consenso que se deve construir no processo exige sejam
observados e considerados pelo magistrado no juízo de admissibilidade da prova técnica e
científica.
Adiante-se, inclusive, que o CPC/15 explicitamente consagra a necessidade de se
observar tais requisitos. É como se lê do art. 473 e seus incisos. Por isso, deve-se repetir: a
análise da jurisprudência americana não foi sem razão. Se houve um desenvolvimento
jurisprudencial a respeito do tema referente ao controle da prova técnica e científica antes lá
do que cá, podemos disso aproveitar o que restou positivo.
dos temas do direito processual onde mais se verifica influência das opções políticas é
especialmente a regulação das provas. Os debates travados entre inquisitivos e garantistas
focam seus maiores exemplos nos poderes instrutórios do juiz. A possibilidade de submissão
do sujeito aos exames periciais perpassa necessariamente pelo confronto entre o interesse
supra subjetivo na solução do litígio e a proteção da liberdade e intimidade do possível
examinado. Não é diferente com o tema relacionado à escolha do perito. Mais uma vez
utilizando das lições de Jordi Nieva Fenoll, “El perito es un experto em una ciencia, y essa
realidad no cambia tanto si es un perito de parte como si es un perito de designación
judicial.”416
Por isso entendemos que não há tratar de uma posição necessariamente correta a
respeito do tema. Não é certo ou errado que o juiz tenha mais ou menos poderes instrutórios;
não é certo ou errado que o juiz possa ou não escolher o perito. Trata-se de tomada de decisão
no âmbito político, sujeito a um juízo que vai além do direito. O debate entre garantistas e
inquisitivos nos parece, portanto, infindável. Conforme já anotava Moacyr Amaral Santos:
A concepção privatística do processo faz atribuir às partes mais ou menos amplo
poder de escolha, enquanto que a concepção publicística confere êsse poder ao juiz.
Segundo êste último critério, como o perito deve fornecer um parecer, ou conclusões,
ao juiz, do qual é principalmente um auxiliar, ao juiz de preferência caberá procurar
pessoa de sua confiança para o exercício da função pericial. Na conformidade
daquele outro critério, havido o processo como uma luta entre as partes,
predominará o interêsse destas nas designação dos peritos.417
Precisamos, pois debruçar-nos sobre a nossa ordem jurídica. Se tradicionalmente nos
associamos, especialmente no tema das provas, a um direito de caráter mais inquisitivo –
especialmente face aos amplos poderes de produção de provas de ofício pelo magistrado – o
novo Código de Processo Civil trouxe grandes novidades. Apesar de manter como etapa do
procedimento regular a escolha do perito pelo juiz, traz na cláusula geral de negociação
processual e, mais especificamente naquilo que nos interessa, a previsão de negócio típico de
escolha consensual do perito pelas partes. É a respeito destas possibilidades de escolha do
perito pelo juiz e pelas partes que agora tratamos.
419 SANTOS, Moacyr Amaral. Prova Judiciária... – vol .V. Ob. cit. p. 240. Afirma o autor: “A capacidade é
requisito inerente e inseparável do exercício da função. O incapaz para a função está legalmente impedido de
exercê-la. A incompatibilidade não implica a incapacidade, mas em suspeita quanto à parcialidade ou à
idoneidade, moral ou técnica, do perito.”
420 Segundo nota do Comitê de emenda à Rule 702:“The rule is broadly phrased. The fields of knowledge which
may be drawn upon are not limited merely to the “scientific” and “technical” but extend to all “specialized”
knowledge. Similarly, the expert is viewed, not in a narrow sense, but as a person qualified by “knowledge, skill,
experience, training or education.” Thus within the scope of the rule are not only experts in the strictest sense of
the word, e.g., physicians, physicists, and architects, but also the large group sometimes called “skilled”
witnesses, such as bankers or landowners testifying to land values.” Disponível em
<https://www.law.cornell.edu/rules/fre/rule_702> Acesso em 12/12/2015.
421 É contundente a crítica de Paula Bezerra de Menezes, ainda tratando do CPC/73: “Ainda que a lei estabeleça
critérios objetivos mínimos que o profissional deva atender para exercer o encargo, eles são muito baixos no
Brasil porque exige apenas grau superior e inscrição no órgão de classe. Nada garante que o perito terá os
conhecimentos necessários para realizar o munus com qualidade. Sabe-se que é relativamente fácil obter um
diploma e realizar a inscrição no órgão de classe. Não existe um padrão qualitativo de ensino nas universidades,
por isso, portar um diploma no Brasil pode não ser suficiente para o exercício do cargo.” MENEZES, Paula
Bezerra de. Novos rumos... Ob. cit. p. 139.
422 DIDIER Jr., Fredie; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de; BRAGA, Paula Sarno. Curso... – vol. 2. Ob. cit. pp.
267-268.
423 MIRANDA, Pontes de. Comentários... – tomo IV. Ob. cit. pp. 441-442. Jordi Nieva Fenoll entende do
mesmo modo, acrescentando um exemplo associado à sua realidade onde não se exige do perito qualquer
graduação universitária “por ejemplo, la forma de trabajar de los mariscadores em las rías de Galicia,
recolectando todo tipo de marisco. En un proceso por la muerte de uno de ellos por causas desconocidas durante
su labor, el dictamen de un mariscador com experiencia podría ser completamente fundamental.” FENOLL,
Jordi Nieva. La valoración... Ob. cit. p. 289. Com outros exemplos: MENEZES, Paula Bezerra de. Novos
rumos... Ob. cit. p. 91.
152
O art. 156, §1° do CPC/15 regula requisitos para a escolha do perito. Em verdade, a
restrição que pareceu impor não se sustenta. Ao afirmar que os peritos serão nomeados entre
os profissionais legalmente habilitados e os órgãos técnicos ou científicos devidamente
inscritos em cadastro mantido pelo tribunal ao qual o juiz está vinculado, a conclusão a que se
pode chegar não é outra senão a de que o dispositivo somente se refere a um nicho restrito de
pessoas que podem atuar como perito: aquelas que possuem conhecimentos técnicos ou
científicos submetidos a algum tipo de habilitação legal.
Assim, deve-se exigir habilitação legal quando necessária à prática do ato (Ex.: um
perito-engenheiro deve estar legalmente habilitado no órgão de fiscalização da profissão, qual
seja o CREA). Quando não houver órgão de controle da profissão ou sequer o conhecimento
especializado decorrer de um conhecimento formal, este requisito não pode ser suprido.
Inaplicável, então, tomá-lo como requisito geral.
O CPC/15 inova ao determinar que os Tribunais formem um cadastro de
profissionais peritos. Ao que parece, seguindo a sugestão de Diogo Assumpção Almeida424, o
legislador agora ordena ao órgão que selecione previamente os experts aptos a atuar em seus
processos. Inspira-se o legislador, sensivelmente, no formato do Codice de Procedura Civile
da Itália 425 . A formação do cadastro deve ser precedida de seleção ampla e constante
atualização. Para formação do cadastro, os Tribunais devem realizar consulta pública, por
meio de divulgação na rede mundial de computadores ou em jornais de grande circulação,
além de consulta direta a universidades, a conselhos de classe, ao Ministério Público, à
Defensoria Pública e à Ordem dos Advogados do Brasil, para a indicação de profissionais ou
órgãos técnicos interessados (art. 156, §2°). Ainda, realizarão avaliações e reavaliações
periódicas para manutenção do cadastro, considerando a formação profissional, a atualização
do conhecimento e a experiência dos peritos interessados (art. 156, §3°).
O cadastro deve ser público e de acesso disponível a qualquer interessado, de forma
ampla. Nos termos do art. 157, §2°, será organizada lista de peritos na vara ou na secretaria,
424 ALMEIDA, Diogo Assumpção Rezende de. A prova pericial... Ob. cit. pp. 156-168. A certo ponto, é
enfático o autor: “A criação de rol de peritos pelos tribunais se afigura a solução mais adequada à realidade
brasileira. É viável a criação de órgãos, na estrutura administrativa das cortes, responsáveis pela avaliação e
seleção de profissionais para a criação da lista” (pp. 160-161). O autor menciona interessante iniciativa do
Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro em organizar uma lista de peritos que possam funcionar em causas onde a
parte encarregada do custeio da prova pericial seja beneficiária da justiça gratuita. Nesta lista, leva-se em conta a
atividade acadêmica, o tempo de exercício da profissão, a credibilidade do profissional perante os órgãos de
profissão, etc.
425 Veja-se o art. 61, que traz regra semelhante ao nosso art. 156, §1°: Art. 61. Quando è necessario, il giudice
può farsi assistere, per il compimento di singoli atti o per tutto il processo, da uno o piu' consulenti di particolare
competenza tecnica. La scelta dei consulenti tecnici deve essere normalmente fatta tra le persone iscritte in
albi speciali formati a norma delle disposizioni di attuazione al presente codice.
153
426 Nesse sentido: “Deve ser feita uma distribuição equitativa das perícias dentre os peritos que integram a lista
do juízo. Devem-se atribuir as perícias alternada e igualitariamente entre os peritos, seguindo a ordem da lista
adotada. Afinal, todos os peritos são habilitados para receberem perícias. Essa é regra inexistente no CPC-1973 e
representa um passo a mais do CPC-2015 rumo à garantia de um 'perito natural', que, além de ser imparcial (não
podendo se enquadrar nas hipóteses de suspeição ou impedimento), não pode ser objeto de escolhas pessoais ou
direcionadas do juiz.” DIDIER Jr., Fredie; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de; BRAGA, Paula Sarno. Curso... –
vol. 2. Ob. cit. p. 269.
427 Atenta Bruno Vinícius da Rós Bodart para o seguinte: “Na hipótese de inobservância, pelo juízo, do dever
de distribuição equitativa das nomeações entre os peritos listados (art. 157, §2°, do CPC/2015), não há nulidade
ou qualquer outra consequência de ordem processual derivada isoladamente desse motivo. Em casos que tais, a
única possível consequência será eventual responsabilização disciplinar do juiz, solução essa também adotada na
Itália.” BODART. Bruno Vinícius da Rós. Ensaio... Ob. cit. pp. 636-637.
428 Este reforço no controle da escolha do perito deve impedir que acórdãos como o seguinte sejam prolatados.
Perceba-se, que pela leitura da ementa, a amplitude dada à nomeação de um médico radiologista para um perícia
que envolvia diversas áreas do conhecimento que não a de sua especialidade pode causar ferimento à razoável
duração do processo em face da necessidade de realização de uma nova perícia e, ao fim, um laudo pericial de
má qualidade. Veja-se: PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. ACIDENTE
DO TRABALHO. PROVA PERICIAL. DEVIDO PROCESSO LEGAL. ARTIGO 145, § 2º DO CÓDIGO DE
PROCESSO CIVIL. NOMEAÇÃO DE PERITO MÉDICO ESPECIALISTA COMO PRESSUPOSTO DE
VALIDADE. NÃO CARACTERIZAÇÃO. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E NÃO PROVIDO. 1. A
pertinência da especialidade médica, em regra, não consubstancia pressuposto de validade da prova pericial. A
escolha do perito médico deve ser de livre nomeação do juiz. 2. Se o perito médico nomeado não se julgar apto à
realização do laudo pericial, deverá escusar-se do encargo, pois comprometido com a ciência e a ética médica. 3.
No presente caso, em que o autor alega incapacidades decorrentes de diversas patologias, o juiz nomeou médico
radiologista, ato que se mostra razoável, considerando que foi garantido ao periciando nova prova pericial, caso
indicada a necessidade de complementação. 4. Recurso especial conhecido e não provido. (REsp 1514268 / SP,
Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, Segunda Turma, DJe 27/11/2015).
429 DIDIER Jr., Fredie; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de; BRAGA, Paula Sarno. Curso... – vol. 2. Ob. cit. p.
269.
154
do tribunal para organizar tanto a lista quanto o procedimento de seleção dos profissionais,
atentando para que especialistas em outras áreas que não a jurídica participem de sua
formação e manutenção. Entendemos indispensável, pois, a exigência de constante
atualização do currículo do profissional, dando conta não somente da experiência e formação
acadêmica, mas também de sua atuação profissional em outras áreas e, inclusive, como
perito430.
A instituição deste filtro prévio, se bem organizado e materializado na prática, tende
a uniformizar as atuações e proteger a qualidade do profissional responsável pelo aporte do
conhecimento especializado no processo. Veio em boa hora tal previsão, reduzindo o grau de
discricionariedade e objetivando a escolha destes profissionais.
O §5° do art. 156 vem corrigir o aparente defeito que apontamos no supracitado §1°.
É que, na localidade onde não houver perito inscrito no cadastro disponibilizado pelo tribunal,
a sua nomeação é de livre escolha pelo juiz e deverá recair sobre profissional ou órgão técnico
ou científico comprovadamente detentor do conhecimento necessário à realização da perícia.
Ora, expressamente se admite a possibilidade de não haver cadastro de profissionais de
determinada área do conhecimento, pondo-se como requisito somente, para a nomeação do
profissional, que ele seja comprovadamente detentor do conhecimento especializado a ser
utilizado na perícia. Frise-se: havendo profissional cadastrado, deve este ser nomeado.
Somente em não havendo profissional cadastrado na específica área do conhecimento (ainda
que no tribunal exista um cadastro) é que se pode valer da norma que ora se trata.
Assim, torna-se regra a indicação de profissional mediante socorro à listagem da
corte, sendo vedada a eleição de nome ausente do rol quando outro lá constante é
passível de ser indicado para a realização da perícia (§§1° e 5°). O que se espera om
a alteração é que a escolha recaia preferencialmente sobre um dos nomes
cadastrados, uma vez que a lista é o resultado da seleção realizada pela corte.
Quando não contiver no rol nenhum nome que atenda as exigências do caso
concreto, em razão da falta de especialista cadastrado na comarca ou região onde se
localiza o juízo, caberá ao juiz, excepcionalmente, buscar um profissional adequado
(art. 156, §5, do novo CPC).431
Não se exige que este conhecimento seja formal. Não se exige diplomação. Exige-se
que o expert detenha comprovadamente o conhecimento necessário à realização do
procedimento. A escolha também não é livre, mas condicionada à ausência de perito no
cadastro e à verificação do conhecimento do profissional escolhido. “Ao contrário do que
sugere a dicção legal, o caso não é de livre escolha e sim de escolha vinculada a requisitos
430 Defendendo a mesma necessidade, sob a ótica do ordenamento espanhol: FENOLL, Jordi Nieva. La
valoración... Ob. cit. pp. 288-290.
431 ALMEIDA. Diogo Assumpção Rezende de. Da prova... Ob. cit. pp. 661-662.
155
legais.”432
Atente-se à importância da previsão normativa contida no §5° ora em comento:
considre que na localidade não há médico apto a realizar um determinado exame para atestar
fatos no processo, que as partes não disponham de condições financeiras de arcar com os
custos de nomeação de um médico na capital ou cidade mais próxima e que o laudo seja
necessário para a concessão ou não de decisão antecipatória. É possível que outro profissional
de saúde realize o exame? A resposta não pode ser dada sem analisar o contexto fático
concreto. Se a lei que regulamenta a profissão prevê como uma de suas competências a
realização do mesmo exame, ou de exame semelhante, apto está o profissional da saúde não
médico a atuar como perito, sem maiores problemas.
Contudo, se não estiver entre as competências daquele profissional a realização do
exame, ele não poderia atuar no processo, sob pena de invalidade da perícia.433.
Há ainda mencionar uma regra específica que limita a incidência do art. 156. Trata-se
do art. 478, para quando o exame tiver por objeto a autenticidade ou a falsidade de documento
ou for de natureza médico-legal. Neste caso, o perito será escolhido, de preferência, entre os
técnicos dos estabelecimentos oficiais especializados. Note-se: se trata de uma recomendação
ao magistrado no que refere à escolha de “técnicos dos estabelecimentos oficiais
especializados”. Assim, cria-se um critério prévio de escolha: havendo técnicos em
estabelecimentos oficiais especializados em examinar autenticidade ou falsidade de
documento ou proceder a perícia médico-legal, deve o magistrado por eles optar.
regulamentação das formas processuais serve precisamente para isto: as regras do procedimento são,
substancialmente, uma espécie de metodologia fixada pela lei para servir de guia a quem pede justiça(...)”
CALAMANDREI, Piero. Instituições... Ob. cit. p. 268.
435 Antonio do Passo Cabral trata do que chama de falsa premissa de que toda norma processual é cogente,
imperativa e inderrogável. Nas palavras do autor: “É que o hiperpublicismo gerou ainda outro dogma, segundo o
qual toda norma processual é cogente, imperativa e inderrogável, cimentando a falsa premissa de que as partes
no processo só poderiam dispor das raras regras supletivas. Se todas (ou quase todas) as normas processuais são
de 'ordem pública', estabelecidas para atender o interesse público, não poderiam sofrer derrogações em razão da
vontade das partes. Nessa toada, é comum ver a negação dos acordos processuais sob o argumento de que a lei
invariavelmente impõe o processo e suas formalidades sobre os litigantes. (…) Ora, trata-se de uma concepção
que se tornou uma profissão de fé mas que, com a devida vênia, hoje em dia não pode mais ser difundida porque
nem todas as regras e princípios processuais são imperativos e inderrogáveis. De fato, apesar dos interesses
públicos, muitas normas processuais não são cogentes, mas sim estabelecidas no interesse dos litigantes, e
portanto dentro de sua esfera de disponibilidade. Hoje em dia, é tão absurdo pensar que no direito público
não haveria flexibilidade, quanto que no direito privado não haveria regras imperativas. É possível haver direito
privado cogente e direito público dispositivo.” CABRAL, Antonio do Passo. Convenções Processuais – entre
publicismo e privatismo. Tese de Livre-docência em Direito apresentada à Congregação da Faculdade de Direito
do Largo São Francisco. São Paulo: 2015. pp. 165-167. Gentilmente cedido pelo autor.
436 DIDIER JR., Fredie. Curso... – vol. 1.Ob. cit. pp. 26-28.
157
Chiovenda:
“Não existe, pois, um processo convencional, quer dizer, ao juiz e às partes não é
permitido governar arbitrariamente o processo; mas em certos casos é livre às partes
desatenderem a uma norma processual, já por acôrdo expresso ou tácito, já deixando
de assinalar-lhe a inobservância. Se as partes gozam ou não dessa liberdade, deve
ressaltar dos termos expressos da lei ou do escôpo da norma determinada: na dúvida,
as normas processuais devem reputar-se cogentes.”437
O CPC/15 vai exatamente em sentido contrário a esta ideia e encampa a atipicidade
dos negócios jurídicos processuais de forma expressa, tendo andado o legislador ao lado
daqueles que advogam a disponibilidade das regras de procedimento. É que, se a liberdade é
um dos direitos fundamentais consagrados no art. 5° da Constituição da República, este
também deve ser irradiado ao processo. Conforme leciona Fredie Didier Jr., o processo civil
também “é regido por essa dimensão da liberdade. O princípio da liberdade também atua no
processo, produzindo um subprincípio: o princípio do respeito ao autorregramento da
vontade no processo.”438
Desvalorizar a vontade das partes no processo através da ideia que por muito tempo
vigorou de indisponibilidade do procedimento parece, para Antonio do Passo Cabral, um
preconceito desconstruído pelos avanços proporcionados pelo CPC/15. Para o autor
“desconstrói-se mais um preconceito: não há óbice normativo para que admitamos que os
acordos processuais são algo inerente ao processo civil, estão lançadas as bases teóricas para
sustentar que no processo vige o princípio do respeito ao autorregramento da vontade.”439
Ainda que já se reconheça a existência de negócios processuais típicos desde as
Ordenações, trata-se agora da possibilidade de flexibilização do procedimento a partir da
relevância da vontade dos sujeitos processuais de forma muito mais ampla. Conforme anota
Pedro Henrique Nogueira: “Os negócios processuais já existiam sob a égide da legislação
antecedente, mas nunca se teve tamanho espaço de participação dos litigantes no desenrolar
da atividade jurisdicional, a ponto de possibilitar que as partes construam negocialmente, o
próprio procedimento.”440
Sem olvidar a sua observância mesmo sob a égide do CPC/73441, a prevalência do
(codeclarante, mero homologador ou outro)? Revista Brasileira de Direito Processual Civil – RBDPro, ano 23,
n.91. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2015. p. 321.
442 Art. 190. Versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente
capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os
seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo. (...)
443 É importante remeter ao art. 129 do CPC/39, onde se lia: “Art. 129. Os exames periciais poderão ser feitos
por um só louvado, concordando as partes; se não concordarem indicarão de lado a lado o seu perito e o juiz
nomeará o terceiro para desempate por um dos laudos dos dois antecedentes, caso não se contente com um
dêstes”. Observa-se que, àquele tempo, havia uma preferência pela escolha conjunta das partes.
444 CINTRA, Antonio Carlos Araujo de. Comentários... – vol IV. Ob. cit. pp. 201-202.
159
445 Com opinião no mesmo sentido: BODART. Bruno Vinícius da Rós. Ensaio... Ob. cit. p. 646.
160
Por isso, ainda que não explícito no dispositivo em comento, há – além da necessária
confiança mútua no profissional – que ele seja comprovadamente habilitado para a realização
da perícia, sob pena de inadmissibilidade da prova. Perceba-se, não se trata de controlar a
validade do negócio, que permanece intocável, mas sim das qualidades do próprio sujeito. O
controle não incide sobre o negócio processual, que permanece plenamente válido e eficaz,
mas sobre a própria admissibilidade da perícia.
No que refere à escolha consensual do perito, cabe ao magistrado verificar se as
partes são plenamente capazes, se a causa pode ser resolvida por autocomposição, se o perito
possui o adequado conhecimento técnico-científico que o encargo exige. Cumpridos tais
requisitos, o juiz nomeia o perito oferecido pelas partes. É que não cabe ao juiz dispor a
respeito da escolha da pessoa física ou jurídica consensualmente eleita pelas partes para
exercer o múnus. Não se trata de negócio processual apto a influenciar qualquer situação
jurídica titularizada pelo juiz 446 . Por isso, cabe a ele verificar meramente os requisitos de
validade do negócio e a habilitação do perito, o que se relaciona com a utilidade da perícia
pois “O juiz, quando precisa de laudo pericial, não deve deixar que a definição de um fato seja
feita por qualquer pessoa (perito), como se não lhe importasse a qualidade e idoneidade da
resposta jurisdicional.”447
Os requisitos dos incisos I e II são exatamente os mesmos trazidos pelo artigo 190
quando fala dos negócios processuais atípicos. Se for desnecessária a repetição, o que abunda
não prejudica.
A perícia consensual tende a ser um procedimento mais célere que a perícia
executada pelo perito indicado pelo juízo. É que, se o expert é de confiança das partes, ainda
que atuem assistentes técnicos, os sujeitos tendem a atuar de forma muito mais cooperativa na
construção do laudo, o que gera menores possibilidades de questionamentos e dúvidas a
respeito dos resultados obtidos. Ainda, as datas para realização das diligências são
previamente acertadas, subtraindo-se o tempo necessário aos atos de comunicação. Reforça
este entendimento a previsão dos parágrafos 1° e 2° do art. 471, no sentido de que as partes,
ao escolher o perito, já devem indicar os respectivos assistentes técnicos para acompanhar a
realização da perícia, que se realizará em data e local previamente anunciados. Perito e
446 Para um aprofundamento da nossa posição, inclusive no que tange à diferença entre os negócios que
influenciam ou não a situação jurídica do magistrado, ver: AVELINO, Murilo. A posição do magistrado em face
dos negócios jurídicos processuais – já uma releitura. CABRAL, Antonio do Passo; NOGUEIRA, Pedro
Henrique (coords.). Negócios Processuais – 2ª ed. Salvador: JusPodivm, 2016. Em sentido contrário, entendendo
pela possibilidade de o magistrado afastar o juiz eleito pelas partes pois este negócios típico atuaria diretamente
sobre a posição do juiz: MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sério Cruz. Prova... Ob. cit. pp. 865-866.
447 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sério Cruz. Prova... Ob. cit. p. 851.
161
assistentes técnicos devem entregar, respectivamente, laudo e pareceres em prazo fixado pelo
juiz. André Martins afirma que a prova produzida pelo perito indicado pelas partes tende a ser
de melhor qualidade “partindo-se da premissa de que as partes têm melhores condições de
escolher o profissional mais qualificado para resolver a disputa – e, principalmente, reduzindo
a possibilidade de impugnação do perito por questões de imparcialidade.”448
Além disso, o procedimento previsto no código para escolha, nomeação e eventual
recolhimento de valores adiantados para a perícia torna-se desnecessário, pois todas as
tratativas serão feitas diretamente com o expert nomeado449. Surge aqui, inclusive, uma boa
válvula de escape face ao complicado procedimento geral de nomeação do perito trazido pelo
CPC/15. Todavia, ausentes na indicação de quaisquer dos requisitos necessários, como a
comprovação da expertise ou a definição de honorários, possível a aplicação (subsidiária, no
caso) das regras gerais do procedimento.
Esteve muito bem o legislador ao prever esta possibilidade de produção de prova
pericial. Reforça-se o debate processual e os deveres de solidariedade social, concretizando o
princípio da cooperação processual e contribuindo para a solução (e não mera resolução) do
caso com sensível redução da litigiosidade. A chancela inicial das partes, que no seu poder de
disposição a respeito do procedimento escolheram um sujeito de confiança comum, reforça o
caráter democrático e cooperativo da prestação jurisdicional450.
Há quem defenda que o uso da faculdade de nomeação conjunta do perito impediria
o questionamento quanto à sua imparcialidade, pois configuraria venire contra factum propriu
processual violador da boa-fé451. A solução, de um modo geral, parece correta. É importante
destacar, todavia, haver exceção. É que a parcialidade pode decorrer de fato posterior à
escolha consensual, sendo possível que a parte eventualmente prejudicada busque a resolução
do negócio e a consequente substituição do perito. É que a perícia realizada por perito
impedido é inválida, independente se a nomeação decorreu pelo procedimento geral ou pelo
448 MARTINS, André Chateaubriand. A prova pericial no NCPC. MACÊDO, Lucas Buril; PEIXOTO, Ravi;
FREIRE, Alexandre (orgs.). Coleção Novo CPC – Doutrina Selecionada – vol. 3. Salvador: JusPodivm, 2015. p.
622.
449 Conforme notam Marinoni e Arenhart: “Em regra, não há necessidade de o juiz fixar honorários periciais, já
que estes devem ter sido previamente acordados entre as partes e o perito.” MARINONI, Luiz Guilherme;
ARENHART, Sério Cruz. Prova... Ob. cit. p. 866. No mesmo sentido: BODART. Bruno Vinícius da Rós.
Ensaio... Ob. cit. p. 646.
450 A nós não parece haver qualquer sinal de adversarialidade na escolha comum do perito. Na verdade,
denota-se cooperação. O processo adversarial caracteriza-se pelas partes colocadas em polos opostos da relação,
adversárias – não é sem razão que nos EEUUA os cases são identificados com o “versus”. Não é o que ocorre
aqui. No momento da escolha consensual do perito as partes estão caminhando juntas e não em vias opostas.
Trata-se do processo cooperativo.
451 DIDIER Jr., Fredie; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de; BRAGA, Paula Sarno. Curso... – vol. 2. Ob. cit. p.
288.
162
452 Entendendo que a indicação consensual do perito não pode ocorrer caso já haja nomeação de perito pelo
magistrado: BODART. Bruno Vinícius da Rós. Ensaio... Ob. cit. pp. 646.
453 Com opinião no mesmo sentido: BODART. Bruno Vinícius da Rós. Ensaio... Ob. cit. p. 646.
454 Com opinião no mesmo sentido: MARTINS, André Chateaubriand. A prova... Ob. cit. p. 623.
163
vara deve possuir as informações referentes aos peritos cadastrados pelo tribunal (art. 156, §1°
c/c art. 157, §2°).
Este sistema adotado no CPC/15 se assemelha aquele há muito já adotado pelo
direito argentino, no art. 462 do Código Procesal Civil y Comercial da La Nación, que
preceitua:
Art. 462. - Antes de que el juez ejerza la facultad que le confiere el artículo 460, las
partes de común acuerdo, podrán presentar UN (1) escrito proponiendo perito y
puntos de pericia.
Podrán, asimismo, designar consultores técnicos.
É importante perceber o seguinte: o código argentino limita a escolha em comum
pelas partes do perito ao momento imediatamente anterior à indicação pelo próprio juiz. O
nosso CPC/15 não trouxe uma limitação explícita nesse sentido. Assim, não vemos limitação
para que as partes escolham consensualmente o perito mesmo após a indicação pelo
magistrado. Este negócio, todavia, encontra limite no momento em que o perito nomeado pelo
juiz aceita o encargo. É que as hipóteses de substituição do perito já estão tratadas no código.
Imaginar que o perito possa ser substituído a qualquer tempo em virtude de negócio
processual é admitir influência externa em posição processual de um dos atores. A partir do
momento em que o perito assume a responsabilidade de atuar no processo, surge para ele não
só uma situação passiva de sujeição às obrigações, mas também uma situação ativa de atuar
com segurança e liberdade no exercício de sua função455. Para que o perito atue com liberdade
e livre de influências externas, é necessário protegê-lo com a vontade não fundamentada das
partes.
Explique-se: o magistrado não tem o poder de avaliar as razões que levaram as partes
à escolha comum de determinada pessoa para atuar como perito. Assim, em sendo possível a
substituição do perito por negócio das partes, não haveria qualquer segurança em sua atuação,
pois seria espécie de auxiliar de justiça ad hoc. Bem diferente é a hipótese onde há
justificativas plausíveis a esta substituição. Havendo razão, as partes, individualmente ou em
conjunto, podem requerer ao magistrado a substituição do profissional. Inclusive, após a
destituição do primeiro nomeado, é possível que haja convenção para a indicação em conjunto
de novo profissional. O que não se justifica é que a vontade das partes, sem qualquer
fundamentação plausível, possa excluir o perito que já haja aceitado o encargo e até iniciado
os trabalhos.
455 Sobre as situações jurídicas no processo e sua relação com os negócios processuais, exploramos melhor o
tema em: AVELINO, Murilo. A posição do magistrado... Ob. cit.
164
Por fim, necessário um comentário sem caráter técnico: é preciso que o operador do
direito pense a respeito da indicação consensual do perito como uma positiva novidade. Todos
os sujeitos, especialmente os advogados, responsáveis diretos pelo auxílio das partes, devem
buscar primeiro se conscientizar, e depois aos seus clientes, que esta é uma excelente via
alternativa colocada à disposição pelo legislador. A escolha consensual do perito é um
instrumento com potencial para revolucionar a forma como se produz prova no nosso
processo. É preciso seja exercitada.
165
Atualizando a lição de Moacyr Amaral Santos, fica claro que na produção da prova
pericial atuam, com amplas atribuições, os litigantes, o juiz e o próprio perito e assistente
técnico. As partes têm a atribuição de indicar seus assistentes técnicos e a faculdade de
nomear conjuntamente um perito de sua confiança; o juiz controla a validade de eventual
indicação ou, valendo-se do procedimento geral, nomeia perito constante da lista dos tribunais.
Partes e juiz formulam quesitos, acompanhando as diligências e promovendo os
esclarecimentos456.
O contraditório aqui se desenvolve durante o procedimento de realização da prova.
Desde a escolha do perito, passando pela indicação dos assistentes e o desenvolvimento dos
trabalhos. Não se trata de um contraditório sobre a prova já produzida, mas de um
contraditório contemporâneo à sua produção. Conforme anota Manzano, como já tivemos a
oportunidade de fazer referência:
O contraditório na prova é, sem dúvida alguma, melhor que o contraditório sobre a
prova. Não poder intervir no procedimento técnico e não ter acesso à fonte de prova,
para poder eximi-la e inferir a sua própria conclusão, compromete o contraditório.
Por isso, o contraditório na prova, sempre que possível, deve ser assegurado. (…) A
falta de oportunidade para o exercício do contraditório ou defesa na fase da
produção da prova pericial, mediante a formulação de quesitos e a indicação de
assistentes técnicos, torna a prova ilícita, por ofensa aos princípios previstos no art.
5°, LV, da CF e, pois, inadmissível no processo. 457
Debruçamo-nos, agora, a respeito do procedimento e sujeitos responsáveis pelo
exercício deste direito fundamental.
5.1. O perito.
A especialidade da figura do perito respeita a um elemento essencial de sua atuação:
tratar daquilo que nem partes nem juiz estão aptos a fazê-lo, em virtude da exigência de um
conhecimento que foge ao homem-médio. O expert vem ao processo pela necessidade de tecer
considerações sobre certas questões de fato que exigem uma formação específica. Sob a égide
do CPC/15, deixa-se de lado a figura doauxiliar do juízo, para tratar do perito como auxiliar
456 Nos baseamos no seguinte trecho, onde o autor comenta o Código de Processo Civil Brasileiro de 1939:
“Como ficou claro, na produção da prova pericial atuam, com amplas atribuições, os litigantes e o juiz: aquêles
louvando-se em perito, ou peritos, êste nomeando terceiro perito quando, discordantes os laudos dos louvados
das partes, nenhum dêles o satisfizer; aquêles e êste formulando quesitos, acompanhando diligências,
promovendo esclarecimentos.” SANTOS, Moacyr Amaral, Prova Judiciária... – vol. 1. Ob. cit. p. 2643.
457 MANZANO, Luiz Fernando de Moraes. Prova Pericial... Ob. cit. pp. 75-76.
166
458 SILVA, Sandra Maria da. Direito de filiação: o valor do exame de DNA. Belo Horizonte: Decálogo, 2007. p.
102.
459 MORALES, Rodrigo Rivera. La Prueba... Ob. cit. p. 196.
460 MENEZES, Paula Bezerra de. Novos rumos... Ob. cit. p. 128.
167
461 SANTOS, Moacyr Amaral. Prova Judiciária... – vol. V. Ob. cit. p. 267.
462 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Comentários... – vol. 5, tomo II. Ob. cit. p. 592.
463 DIDIER Jr., Fredie; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de; BRAGA, Paula Sarno. Curso... – vol. 2. Ob. cit. p.
280.
168
seu conhecimento especializado, emitindo uma opinião técnica ou científica sobre eles. O
expert trata somente de questões de fato e somente a respeito daquelas que lhes foram
entregues ao conhecimento, apresentando de forma clara e fundamentada as conclusões a que
chegou. Não é possível ao perito se imiscuir na atividade hermenêutica de interpretar ou
qualificar juridicamente os fatos analisados ou emitir opiniões pessoais que ultrapassem o
objeto da perícia. A tarefa de valoração jurídica dos fatos atestados é do magistrado, jamais do
perito.
O que se impõe, todavia, é o dever de fundamentação do laudo pericial (art. 473 do
CPC/15). O laudo pericial não pode vir somente acompanhado das respostas aos quesitos das
partes e do juiz. Mais que isso, o perito deve expor o objeto da perícia, descrever
analiticamente a atividade realizada e indicar o método escolhido para o exame. Estando
presentes todos esses elementos, aí sim deve o profissional responder aos quesitos. Esta
exigência de fundamentação do laudo que recai sobre o perito também é um elemento de
concretização do contraditório, permitindo que as partes e seus assistentes técnicos possam
contraditá-la ou exigir esclarecimentos sobre pontos controversos.
Alguns autores chegam a assemelhar as funções do perito às da testemunha. Tais
figuras, contudo não se confundem. Bem esclarece Cintra:
Perito e testemunha não se confundem no processo. Diferentes critérios tem (sic.)
sido discutidos em doutrina para distingui-los. Dois deles parecem decisivos.
Primeiro, a testemunha tem conhecimento dos fatos casualmente e o perito é
encarregado pelo juiz de verificá-los. Segundo, a testemunha é infungível, no
sentido de que deve ter presenciado os fatos a respeito dos quais deporá em juízo, e
o perito é fungível, no sentido de que pode ser livremente escolhido pelo juiz dentre
as pessoas tecnicamente habilitadas para esclarecê-lo sobre os fatos da causa.464
464 CINTRA, Antonio Carlos de Araujo. Comentários... – vol. IV. Ob. cit. pp. 200-201. No mesmo sentido,
entende Pontes de Miranda: “A testemunha percebeu os fatos antes do processo, independentemente de qualquer
suspeita de que o processo viesse a ser instaurado. O perito percebe os fatos depois. E é o processo que o chama
a percebê-los, e a prestar, a respeito deles, as suas comunicações. A perícia nasce do processo, durante ele e para
ele. Além disso, enquanto a testemunha informa sobre o que foi sensorialmente percebido por ela, o perito vai
perceber o que lhe apontam para ser periciado, e comunica ao juiz julgamentos de fato, resultado de sua
atividade intelectual, ao trabalhar com esses fatos, inclusive quanto à aplicação de princípios e leis científicas ou
da experiência comum. A testemunha não passa da narração, e dela não deve passar, salvo quando, interrogada,
se lhe pede que explique os fatos testemunhados; porém, mesmo em tais casos excepcionais, mais próprios para
se pesar o valor do testemunho, os julgamentos feitos por ela são secundários. Ainda mais: é sempre limitado o
número de pessoas que assistiram a algum fato, ou a fatos, objeto do litígio, ao passo que muitas são as pessoas,
e trocáveis umas pelas outras, que podem ser peritos, ou perito de um processo. Tal fungibilidade subjetiva lhes
provém da posterioridade da percepção, em contraposição à anterioridade processual da percepção testemunhal.”
MIRANDA, Pontes de. Comentários... – tomo II. Ob. cit. p. 426.
169
que regem a atuação do juiz e das partes se aplicam à atuação do perito, com as devidas
adaptações. A investigação dos deveres do perito depende da conjugação dos arts. 466 e 157,
caput do CPC/15.
O art. 466 impõe ao perito que cumpra escrupulosamente o encargo que lhe foi
cometido, independentemente de termo de compromisso. Agir escrupulosamente é agir “com
competência, lealdade, eficiência e zelo”465 A prestação de compromisso pelo perito, outrora
necessária, é inútil face ao dever de atuar escrupulosamente.
O perito deve ser competente. Não se admite que o profissional seja imperito, ou seja,
incapaz de aplicar o método necessário à atividade para a qual fora designado. A
incompetência do perito, que pode ser verificada tanto pelas partes ou pelo juiz quanto
alegada pelo próprio profissional, dão azo a sua substituição. Ainda quando nomeado
profissional sem as qualificações necessárias, será possível verificar sua incompetência a
partir das informações que prestar a respeito de sua especialização, conforme exige o art. 465,
§2°, II, CPC/15.
A exigência de atuação leal se coaduna com a boa-fé objetiva. Ao profissional se
exige o dever de atuar de forma leal, sem favorecimentos ou preferência. Não à toa aplica-se a
ele as mesmas causas de impedimento e suspeição aplicáveis ao magistrado. Não é possível
ao perito, por exemplo, distorcer resultados ou se utilizar de um método que sabidamente é
falho ou superado. Da mesma forma, incide aqui a proibição do venire contra factum
proprium: não pode o perito dispensar o contato direto com testemunha ou abrir mão da
análise de um documento que os assistentes técnicos entendem indispensáveis para depois
apresentar laudo inconclusivo exatamente por não ter tido contato com aquela testemunha ou
documento.
O agir eficiente também espelha norma fundamental do processo. Este princípio, de
sede constitucional, incide sobre a atuação de toda a Administração Pública e, por conseguinte,
dos seus agentes. O perito atua exercendo uma função pública indispensável à prestação da
tutela jurisdicional. Assim, deve sua atuação se coadunar com este princípio, intimamente
ligado à ideia de economicidade na atuação. Os meios pelos quais leva a cabo a atividade
devem ser os que respeitem a melhor relação de custo, tempo e necessidade. Caso o perito não
atue de forma diligente, o processo se tornará mais lento e mais custoso o que, sem dúvida,
465 DIDIER Jr., Fredie; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de; BRAGA, Paula Sarno. Curso... – vol. 2. Ob. cit. pp.
217. Willian Santos Ferreira afirma que “Escrúpulo significa 'atitude cuidadosa, cheia de zelo; meticulosidade'
deveres, portanto, assecuratórios da maxima eficiência da prova pericial (…)”. FERREIRA, William Santos.
Princípios... Ob. cit. p. 217.
170
não se coaduna com o dever de atuação escrupulosa do profissional. Pode-se dizer que o
emprego de toda sua diligência, conforme o art. 157 do CPC/15 caminha lado a lado com o
princípio da eficiência.
Exige-se também a atuação zelosa do profissional. Não é incomum, na prática,
mormente em causas previdenciárias, o magistrado se deparar com laudos descuidados,
escritos à mão em letras muitas vezes inelegíveis ou em papel sujo, cheio de rabiscos. O
profissional que atua desta forma não age com zelo. Na construção do laudo, o perito deve
tomar cuidado com cada passo, especialmente porque o novo Código passou a expressamente
permitir que se exerça um controle sobre o próprio método aplicado. Como já se referiu, a
atividade de controle, não só da prova técnica ou científica, mas de qualquer outra, pode se
dar tanto de forma prévia quanto concomitante ou posteriormente.
É possível acrescentar, ainda, outro elemento decorrente do dever de escrúpulo: o
perito é infungível no desempenho de suas funções, não podendo repassar a terceiro a
atividade para a qual foi nomeado. O profissional especializado é nomeado pelo juízo para
atuar face exatamente às suas específicas qualificações profissionais. Assim, uma vez
nomeado, o profissional assume perante o juízo uma obrigação do tipo personalíssima, que
somente por ele pode ser desempenhada. Assim, “os peritos deverão operar pessoalmente.
Vale dizer, deverão exercer em pessoa as funções que lhe foram cometidas. Escolhidos por
sua competência técnica e pela confiança que inspiram às partes e ao juiz exercem aos peritos
uma função indelegável.”466. Às pessoas jurídicas, este dever se impõe a partir da indicação
dos profissionais que atuarão na perícia.
Isso não afasta, contudo, a possibilidade das diligências serem acompanhadas por
assistentes ou estagiários, que auxiliem o perito na tarefa. A função de acertamento do fato,
todavia, não pode ser delegada. Da mesma forma, caso pessoa jurídica seja nomeada para o a
função, não pode terceirizar a perícia por subcontratação. Interessante perceber que o §4° do
art. 156 ordena que o órgão técnico ou científico nomeado para a perícia informe os nomes e
os dados de qualificação dos profissionais que participarão da atividade. Ainda que tal
informação seja feita para efeitos de verificar eventual impedimento ou suspeição, tais
profissionais não podem, eles mesmos, delegar a outros a função que lhes cabe.
Na mesma toada,vez informada ao juízo e às partes os profissionais que atuarão na
perícia, qualquer eventual modificação, por questões internas da pessoa jurídica perita, deve
466 SANTOS, Moacyr Amaral. Prova Judiciária... – vol. V. Ob. cit. p. 268. No mesmo sentido: “A função do
perito não pode ser objeto de delegação, tendo em vista não só a sua nomeação, como também a sua escolha em
virtude de aptidão para o exercício da função.” ALVIM, Arruda. Manual... Ob. cit. p. 1040.
171
ser imediatamente comunicada. Jamais poderá a pessoa jurídica delegar a produção da prova à
outra pessoa, física ou jurídica.
O perito é responsável pelo resultado da perícia e a ele cabe exercer a função e
receber a respectiva remuneração. Não há hipótese de substituir-se sem que haja a nomeação
de outro profissional pelo juízo, não podendo por si só delegar a função a terceiros. Como se
disse, a figura do perito é infungível.
Enfim, tudo que foi acima exposto é conteúdo normativo das normas fundamentais
do processo. A partir da cooperação, do contraditório e do devido processo legal, todos esses
deveres do perito já se poderiam supor. Não é despiciendo reforçá-los, contudo.
O art. 157, por outro lado, impõe ao perito o dever de cumprir o ofício no prazo
designado pelo juiz, empregando toda sua diligência. Pode-se dizer que tais deveres também
compreendem o conteúdo do termo escrupulosamente constante no art. 466.
Quanto ao prazo designado para a tarefa, o art. 476 trouxe uma má inovação. É que,
agora, permite-se ao magistrado conceder ao perito, mediante motivo justificado, por uma
única vez, prorrogação do prazo pela metade do prazo originalmente fixado. O artigo art. 432
do CPC/73 previa, da mesma forma, uma única prorrogação, conquanto segundo o prudente
arbítrio do juiz. Se o texto revogado já era objeto de críticas467, andou mal o legislador ao
restringir ainda mais a hipótese. É que não parece difícil imaginar uma situação em que o
prazo originalmente fixado para a perícia, ainda que prorrogado, seja insuficiente.
O raciocínio é simples: a necessidade de produção da prova pericial decorre da
impossibilidade do magistrado, como homem médio, conhecer dos fatos. Assim, nomeia-se
perito para esclarecer tais situações que exigem a aplicação do seu conhecimento
especializado. Ora, se o magistrado não dispõe de conhecimento apto à verificação do fato,
não se pode exigir dele, da mesma forma, que avalie a dificuldade imputada ao perito no seu
exercício.
Tomar como parâmetro para a prorrogação do prazo de entrega do laudo o prazo
originalmente fixado pode levar à impossibilidade de conclusão do próprio laudo, tornando a
prova inútil ou exigindo sua repetição. Daí, o respeito irrestrito à regra inscrita no art. 476
pode causar atraso na realização da prova, aumento de custos e consequentemente o
467 Como bem apontava Cintra, na análise do art. 432 do CPC/73: “Mas a lei expressamente estabelece que
apenas por uma vez se admite a prorrogação do prazo concedido ao perito, ainda que haja causa justificada
também para o segundo atraso. Seria melhor que o legislador, em vez de fixar um limite intransponível,
explicitamente deixasse a matéria, da mesma forma que a primeira prorrogação, ao prudente arbítrio do juiz,
diante das circunstâncias específicas do caso. Mas a final é isso que deve ocorrer, dado que a substituição de
perito por atraso só se justifica se o atraso não tem 'motivo legítimo' (…)” CINTRA, Antonio Carlos de Araujo.
Comentários... – vol. IV. Ob. cit. p. 223.
172
468 MIRANDA, Pontes de. Comentários... – tomo IV. Ob. cit. p. 457.
173
autoria de quadros. Estando o laudo já pronto, uma pane elétrica atinge a sede da instituição e
impede o acesso aos arquivos do computador enquanto o problema não seja resolvido.
Justifica-se, a prorrogação do prazo para além dos limites do art. 476, mormente em respeito
aos princípios da razoável duração do processo e da eficiência. Caso o instituto já tenha sido,
justificadamente, se beneficiado da prorrogação do prazo, utilizado para a conclusão dos
trabalhos, substituí-lo nomeando novo ente para a perícia causaria prejuízos não só
financeiros, mas também de tempo no processo. Não se justifica, assim, a aplicação irrestrita
do limite às prorrogações imposto pelo legislador. Sem dúvida, todavia, a necessidade de se
comunicar ao juízo sobre as razões do atraso, sob pena de sofrer todas as sanções processuais
e administrativas pela não apresentação do laudo no prazo determinado.
Marinoni e Arenhart bem resumem o entendimento ora adotado:
Diga-se, ademais, que tal prazo pode ser prorrogado de ofício quando o juiz
conhecer o “motivo justificado” sem requerimento do perito. Por outro lado, não é
certo que, havendo motivo justificado, não possa o prazo ser prorrogado por mais de
uma vez. Essa prorrogação dependerá das circunstâncias do caso concreto – da
situação em que se encontra a produção da prova pericial, do tempo de prorrogação
requerido e daquele necessário para a produção de nova prova pericial.469
Não sendo, todavia, apresentada justificativa para o atraso ou o requerimento de
prorrogação do prazo, impõe-se as sanções ao perito, conforme se verá adiante.
Outro dever que se impõe ao perito é o dever de veracidade. Decorre, além do dever
de escrúpulo, mormente na sua faceta de impor ao perito uma conduta leal, do art. 158 do
CPC/15, que impõe sanção ao perito caso preste informações inverídicas. Este trabalho não é
o espaço apto a discutir a noção de verdade. Para tal, necessário adentrar em conceitos de
filosofia e semiótica que, por si só, já foram objeto de notáveis monografias. Aqui, o foco se
dá sobre a conduta do perito.
Feita a ressalva, à primeira vista o conteúdo parece simples: o perito não pode
desvirtuar ou descontextualizar, tanto na fundamentação quanto no acertamento do fato, os
resultados que obteve. Ainda, quando nomeado para atuar no processo, deve apresentar seus
dados pessoais e sua qualificação profissional de forma escorreita, sem acrescentar
informações falsas ou alterar dados. O dever de veracidade do perito incide desde o momento
de sua nomeação até o momento de apresentação do laudo pericial e dos eventuais
esclarecimentos a seu respeito.
No que refere à produção da prova técnica ou científica, os resultados obtidos nem
sempre são os esperados pelo profissional, ainda que detenha vasta experiência. Em verdade,
somente será possível saber o que a perícia pode atestar – e aí reside a sua função essencial –
469 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Comentários... – vol. 5, tomo II. Ob. cit. p. 597.
174
após a realização do exame. Antes dele não é possível verificar os fatos importantes ao
processo. Praticada a atividade, o perito não pode sobre ele falsear, ou seja, distorcer ou negar
os seus resultados.
A perícia não é mais que uma pesquisa ou verificação a partir da aplicação de técnica
ou método científico. Daí não ser possível a antecipação dos seus resultados. Ainda que o
perito, em virtude de sua expertise ou mesmo de sua longa experiência profissional possa
perceber um padrão de causalidade mesmo antes da atividade, não pode afirmar com certeza,
no caso concreto, o que irá obter. Caso o perito se depare com um resultado inesperado ou
raríssimo, fora de suas expectativas, a conduta é refazer o exame, produzir uma contraprova,
jamais falsear quanto aos resultados, distorcendo-os ou negando-os.
A própria aplicação do método ou técnica estabelecidos exige que se respeite o dever
de veracidade. Da forma como estruturado nosso ordenamento, o perito é um sujeito de
confiança do juiz (no procedimento regular de escolha) ou das próprias partes conjuntamente
(no procedimento de escolha consensual do perito) e, por isso, imparcial face à própria
natureza de suas funções. Por isso, não deve se desvirtuar da boa conduta no decorrer do
procedimento.
Deve-se dizer o seguinte, relembrando-se referência ao capítulo anterior, onde foi
fixado no caso Daubert que o perito não poderia aplicar ao caso um método ou uma técnica
desenvolvida somente para a utilização em juízo. O exame que se faz para o processo deve
ser semelhante àquele que se faz fora do processo, ou seja, no dia-a-dia do profissional. Por
exemplo, imagine-se que determinado laboratório disponha de duas diferentes técnicas para
verificação do DNA, uma mais barata e com percentual de erro maior e outra mais moderna e
com menor percentual de erro. Se em sua atuação particular o exame científico é feito
utilizando o método novo, mais caro, não é possível que em juízo se apresente um laudo a
partir da utilização do método antigo, desatualizado e mais barato. Atuar desta forma quebra
com o vínculo de lealdade posto entre o perito e os demais sujeitos do processo. Há
verdadeira má-fé.
Perceba-se que, neste caso, ainda que o laboratório exponha nas suas conclusões o
resultado obtido, o dever de veracidade será maculado exatamente pelo fato de, desde o início,
se saber disponível de um método melhor, com percentual de erro menor, mais eficiente, mas
por qualquer razão (talvez interesses financeiros ou meramente pelo excesso de trabalho) não
utilizado. Perceba-se que este dever de utilizar o melhor método ou técnica disponível, como
conteúdo do dever de veracidade, encontra referência também no art. 473, III, do CPC/15, na
175
470 “O dolo ocorrerá quando houver intenção de dar informações inverídicas. Para a culpa, basta a negligência,
a imprudência, a imperícia. A primeira pode acontecer com a desídia do perito em examinar o objeto da perícia,
de modo que, por falta de elementos seguros, informe erradamente o juiz. A imprudência, como motivadora de
informações não verdadeiras, é mais difícil de acontecer, mas a variedade de fatos da vida diária não exclui a
possibilidade de vir a surgir caso em que ela ocorra. A imperícia também pode ensejar a prestação de
informações errôneas ao julgador; o perito é, geralmente, um técnico e, portanto, deve conhecer
satisfatoriamente sua especialidade. Se, por deficiência desses conhecimentos, informa de modo errado, agiu
com falta de perícia que a função exige.” BARBI, Celso Agrícola. Comentários... – vol. 1. Ob. cit. p. 452. No
mesmo sentido: “É que do perito se espera, quando menos, sejam suas informações fidedignas. Pode que se
equivoque em uma vistoria, por exemplo, mas o que não se admite é que este equívoco nasça por imperícia,
negligência ou imprudência. Provavelmente serão os dois primeiros elementos os que mais comumente se
exibirão: o perito, em verdade, termina por demonstrar-se um imperito: ou, mesmo entendido sendo, em
determinado ponto falha por não conhecer o que deveria. Ou então, não obstante a ciência, porta-se de modo
desleixado, terminando por não informar o que devia ou informando o que não encontra sustento na realidade.”
DALL'AGNOL, Antonio. Comentários... – vol. 2. Ob. cit. p. 214.
471 Diogo Assumpção Rezende. A prova pericial... Ob. cit. p. 84.
176
472 MIRANDA, Pontes de. Comentários... – tomo II. Ob. cit. p. 430.
473 Para interessantes análises a respeito dos diversos métodos de comparação do DNA, cf. SILVA, Sandra
Maria da. Direito de filiação... Ob. cit.. pp. 104-120; SIMAS FILHO, Fernando. A prova... Ob. cit. pp. 209-258;
CASTRO, Carla Rodrigues Araújo de. Prova Científica... Ob. cit. p. 21-29.
474 CASTRO, Carla Rodrigues Araújo de. Prova Científica... Ob. cit. pp. 30-32.
177
futuro, será o posicionamento da comunidade científica a respeito do método tal ou qual. Tal
dever de conduta do profissional deve levar em conta diversos fatores condicionantes,
exigindo-se lealdade, probidade e zelo.
Caso descumpra tais deveres, o perito está sujeito a sanções, conforme o art. 158 do
CPC/15 que impõe a responsabilidade pelos prejuízos eventualmente causados à parte, além
da inabilitação para atuar em outras perícias no prazo de dois a cinco anos, independente de
outras sanções previstas em lei. Ainda, deve ao juiz comunicar o fato ao órgão de classe ao
qual o profissional esteja vinculado para a adoção das medidas cabíveis.
As sanções listadas no art. 158 são autônomas 475 . Quer-se dizer com isso que a
sanção da inabilitação prescinde da ocorrência de prejuízos à parte ou de qualquer outra esfera,
seja penal ou administrativa. Exige-se prévia instauração de incidente processual para sua
aplicação, assegurando-se o contraditório e a oportunidade de produzir provas, caso
necessário.
Há divergência na doutrina a respeito de qual o meio apto à impugnação da decisão
proferida neste incidente. Didier Jr., Rafael Oliveira e Paula Sarno entendem pela
possibilidade de interposição do Agravo de Instrumento476 , enquanto Marinoni e Arenhart
somente admitem a utilização do Mandado de Segurança477.
A responsabilidade civil por dano causado à parte deve ser apurada em novo
processo de conhecimento 478 , pois fazê-lo nos próprios autos significaria uma ampliação
subjetiva e objetiva do processo em momento inadequado.
A sanção de inabilitação aplicada pelo juiz abrange qualquer outra perícia judicial. O
perito fica inabilitado a atuar em qualquer outra esfera ou instância do Judiciário como
auxiliar da justiça, não somente naquela em que cometeu a falta 479 . Não há inabilitação,
contudo, para atuar como assistente técnico ou para periciar fora do Judiciário. Enfim, não se
pode inabilitá-lo para a prática de sua profissão, mas apenas para atuar profissionalmente
base na decisão que ordenou a devolução pela parte que antecipou os honorários.
480 ALMEIDA. Diogo Assumpção Rezende de. Da prova... Ob. cit. p. 666.
181
Município. Se, após receber o currículo do profissional e sua qualificação, as partes ou o juiz
observarem que toda a experiência do arquiteto ao longo de sua carreira, além de cursos e
pós-graduações se desenvolveram antes do advento da nova lei, é possível que se aplique a
possibilidade de substituição mesmo antes da atividade. Ora, mesmo que o profissional haja
aceito o encargo, despiciendo aguardar o início dos trabalhos para sua substituição. Ainda que
seja necessário ouvir o profissional nomeado a respeito de sua qualificação, muito
dificilmente ele conseguirá, numa situação como esta comprovar que tem condições de se
desincumbir do encargo não obstante possa apresentar algum novo diploma ou trabalho
realizado já sob a nova lei que demonstre estar atualizado. Caso não ocorra, especialmente se
na comarca houver outros profissionais arquitetos com experiência na área de zoneamento
urbano, o mais acertado é proceder a substituição, evitando futuros atrasos e inconclusões na
realização da atividade.
A ausência de conhecimento técnico ou científico também pode ser certificada após
o início das atividades. Na medida em que se deve proporcionar o livre acesso das partes e de
seus assistentes técnicos às diligências, é possível que elas observem a má aplicação da
técnica. Assim, informado pelas partes ou ciente das deficiências de ofício o juiz481, impõe-se
a substituição do profissional, após a oportunidade de manifestar-se a respeito.
Esta possibilidade de controle é de suma importância. Explique-se. O nosso
ordenamento consagra a necessidade de indicação, pelo perito, “do método utilizado,
esclarecendo-o e demonstrando ser predominantemente aceito pelos especialistas da área do
conhecimento da qual se originou” (art. 473, III, CPC/15) somente quando da apresentação do
laudo pericial. Não foi bem o nosso legislador. Talvez a preocupação com garantir a
concentração dos atos e reduzir o tempo já naturalmente longo da construção do laudo pericial,
haja causado desatenção a este fator: não é eficiente avaliar o método somente após a
conclusão dos trabalhos. Pois, se rejeitados os métodos, todo o resto será perdido. Aumentam-
se os custos e a dilação temporal do processo.
Por isso que é importante o controle da capacitação do profissional no decorrer da
realização do exame. Este controle pode ser desenvolvido tanto pelas partes, quanto pelos
assistentes técnicos das partes, quanto pelo próprio magistrado. A falta de qualificação técnica
do perito não é avaliada somente pela ausência de formação acadêmica no assunto objeto da
perícia. A falta de qualificação pode ser avaliada pela própria deficiência na aplicação do
481 “E certamente o próprio juiz poderá tomar de ofício a decisão, ao constatar que se enganara ao tempo de sua
nomeação quanto aos predicados do perito.” CINTRA, Antonio Carlos de Araujo. Comentários... – vol. IV. Ob.
cit. p. 215.
182
substituição face à inabilitação legal para o exame. É o que acontece quando o profissional
nomeado não dispõe de habilitação legal para exercer o encargo.
Ocorrendo quaisquer das hipóteses de substituição, o perito deve restituir, em quinze
dias, os valores eventualmente recebidos a título de adiantamento. Caso não o faça, incide a
sanção do §2° do art. 465 (já abordado anteriormente), ficando inabilitado para atuar em
perícias judiciais pelo prazo de cinco anos.
Contudo, o rol de razões que justificam a substituição do perito não se resume às
hipóteses do art. 465 do CPC/15. Marinoni e Arenhart entendem que tais hipóteses de
substituição não são exaustivas484. Para os autores, face a qualquer outro motivo grave ou
relevante que comprometa o resultado da perícia, ainda que não elencado no dispositivo, deve
o magistrado proceder à substituição do expert. É opinião da qual compartilhamos.
Não é sem razão que se advoga o rol aberto de hipóteses aptas a conformar a
substituição do perito. Por razões de problemas de saúde próprios ou de membro da família
supervenientes ao início dos trabalhos, por exemplo, justifica-se a substituição do experto,
ainda que não haja previsão legal para tanto. Enfim, admite-se a substituição quando
sobrevenha causa que o impossibilitede exercer suas atividades ou que o impossibilite de
exercer as atividades com a qualidade desejada.
Ainda, as situações que justificam a escusa ou recusa do perito também importam,
caso acolhidas sua substituição, justificando seu tratamento neste tópico.
perícia, após a apresentação de laudo preliminar e requerimento do profissional às partes para que apresentassem
levantamentos para localização da área em discussão e plantas, os recorrentes peticionaram requerendo a
substituição do perito por falta de condições técnicas para elaboração do laudo. 2. Pela simples leitura do artigo
28 do Decreto-lei 23.569/33, verifica-se que as atividades envolvendo realização de trabalhos topográficos e
geodésicos competia, desde o ano de 1933, aos engenheiros. 3. As atividades permitidas aos arquitetos se
mostram reguladas pelo disposto no artigo 30 do mesmo Decreto-lei, em que se permite ao arquiteto a realização
de projetos e estudos envolvendo especificamente a análise de situações limitadas à arquitetura e ao urbanismo,
ao caráter estético, artístico ou monumental. 4. A Resolução n. 218 /1973, expedida pelo CONFEA - Conselho
Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia, em seus artigos 1º e 6º, deixa claro a intensão de delimitar a
atuação de cada profissional na elaboração de estudos, projetos e pareceres. 5. Ora, confrontando os dispositivos
constantes tanto do Decreto-lei 23.569/33 quanto da Resolução 218/73 do CONFEA, fácil concluir no sentido de
que ainda que o perito nomeado para a realização do laudo nos presentes autos tenha qualificação para
elaboração de estudos e projetos na esfera da arquitetura, é de todo evidente que não está qualificado, na forma
da lei, para a realização de laudos envolvendo levantamentos topográficos, batimétricos, geodésicos e
aerofotogramétricos, além de elaboração de cartas geográficas, conforme se mostra necessário ao caso concreto.
6. Assim, o entendimento assentado pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo não conferiu a melhor
interpretação à legislação que regula a matéria, e em especial aos artigos 28 do Decreto-lei 23.569/33 e 6º da
Resolução 218/73 do CONFEA. 7. Recurso especial provido. (REsp 776018 / SP, Relator Ministro MAURO
CAMPBELL MARQUES, Segunda Turma, DJe 05/05/2010).
484 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Comentários... – vol. 5, tomo II. Ob. cit. p. 585.
184
motivos legítimos, mormente seu impedimento e suspeição, conforme o art. 467 do CPC/15.
As hipóteses de suspeição e impedimento do perito são as mesmas que se aplicam ao juiz, nos
termos do art. 148, II do CPC/15485. É que se exige imparcialidade não só de magistrado, mas
também dos auxiliares da justiça que atuam no processo.
Três razões justificam a apresentação da escusa pelo profissional nomeado:
impedimento, suspeição e alegação de motivo legítimo. As razões de impedimento e
suspeição estão listadas nos arts. 144 e 145 do CPC/15 e são, ainda que envolvam qualidades
subjetivas, de verificação objetiva. Caso o perito, ao ser nomeado, verifique enquadrar-se em
qualquer delas, deve apresentar escusa no prazo de quinze dias contados da intimação ou,
sendo a causa superveniente, de sua ocorrência.
Diferente é a hipótese do motivo legítimo que justifica a escusa. Trata-se de conceito
jurídico indeterminado, devendo ser concretizado caso a caso. “A regra é oportuna, porque
justifica que a pessoa nomeada para a função deixe de exercê-la, sem infringir o preceito do
art. 339 [atual art. 378], segundo a qual ' ninguém se exime do dever de colaborar com o
Poder Judiciário para o descobrimento da verdade'.”486
Na prática, o motivo legítimo justifica a escusa do perito por qualquer razão que o
impeça de realizar a perícia. “Aqui, é aberto o motivo de escusa: sustenta-o apenas a
legitimidade.”487Ainda que a escusa precise ser aceita pelo magistrado (art. 467) não parece
razoável que se negue a substituição. É que, face ao respeito à proteção constitucional da
intimidade e da vida privada, pode ocorrer de a escusa ser baseada em razão de foro íntimo.
Neste caso, a exigência do juiz para que o perito exponha suas razões seria ilícita, pois
configuraria violação à intimidade. Assim, ao permitir a escusa com base em um conceito
jurídico indeterminado, permite-se a escusa como regra em nosso ordenamento. Sóbria a
posição de Cintra: “E cabe ao juiz decidir de plano, sem maiores formalidades, aceitando,
independentemente de provas, as alegações plausíveis do perito, a título de justificação.”488
Não se olvide, contudo, que razões concretas e específicas podem justificar a não
aceitação pelo juiz da escusa apresentada, caso em que “poderá exigir que realize a prova,
485 Taruffo dá conta que o mesmo ocorre na Alemanha: “O perito pode retirar-se do caso pelas mesmas razões
que justificam a retirada do juiz, bem como negar-se a atuar pelas mesmas razões que justificam a negativa de
uma testemunha; finalmente, pode ser desclassificado pelas partes. Se o perito aceita a nomeação, ele tem a
obrigação de realizar sua tarefa com rapides e pessoalmente, sob a direção do tribunal.” TARUFFO, Michele. A
Prova. Ob. cit. p. 92. Da mesma forma, na França, conforme os arts. 236, 239, 241 e 245 do Nouveau Code de
Procedure Civile.
486 BARBI, Celso Agrícola. Comentários... – vol. 1. Ob. cit. p. 450.
487 DALL'AGNOL, Antonio. Comentários... – vol. 2. Ob. cit. p. 212.
488 CINTRA, Antonio Carlos de Araujo. Comentários... – vol. IV. Ob. cit. p. 213. Em sentido contrário
MIRANDA, Pontes de. Comentários... – tomo II. Ob. cit. p. 429: “Não se deu a faculdade ou o direito de
escusar-se por 'motivo íntimo', como ocorre com os juízes”.
185
inclusive sob ameaça das sanções do art. 14, parágrafo único, do CPC [art. 77, §2°,
CPC/15].”489 Por exemplo, em uma comarca onde só haja um profissional de determinada
área do conhecimento especializado, sua escusa pode causar impedimento ou enorme
oneração na realização da perícia, impondo-se que, motivadamente, o juiz negue a escusa e
ordene, ainda assim, que o experto nomeado pratique a diligência.
Moacyr Amaral Santos elenca algumas hipóteses que configuram motivo legítimo
para a escusa do perito: força maior; julgamento quanto à própria inabilitação490; incidência
da perícia sobre fato que deva guardar sigilo em face do seu estado ou profissão; estar já
assoberbado com outras perícias no mesmo período491. Cintra, da mesma forma, reconhece ao
perito o direito de escusar-se quando não se considerar preparado para bem desempenhar o
ofício. O autor acrescenta também parecer “igualmente jurídica a escusa nos mesmos casos
em que a testemunha pode escusar-se de depor.”492 “A motivação é, aqui, infinita.”493
Quanto à apresentação da escusa por motivo de impedimento ou suspeição, é preciso
atentar para o regramento diverso de tais hipóteses. É que o impedimento gera uma presunção
absoluta de parcialidade do perito, enquanto na suspeição esta presunção é relativa. Por isso, o
§1° do art. 157 deve ser lido com ressalvas. Afirma-se que se não houver alegação do
impedimento ou da suspeição, incidirá a renúncia do direito de escusar-se baseado em tais
razões.
Não se pode admitir renúncia ao direito de alegar impedimento. A razão é simples: o
impedimento quebra a imparcialidade do perito, requisito necessário ao aproveitamento do
laudo pelo magistrado. Desta forma, ainda que se exija a alegação do impedimento logo
quando perito é nomeado para a tarefa, caso se ultrapasse este momento ou, em caso de
superveniência, seja ultrapassado o prazo dos quinze dias delimitados no art. 157, deve ser
489 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Comentários... – vol. 5, tomo II. Ob. cit. p. 583.
490 Nesse sentido, entendeu o STJ: PROCESSO CIVIL - RESCISÃO CONTRATUAL - INDENIZAÇÃO -
DEFICIÊNCIA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO - ADMINISTRAÇÃO E CONTROLE DE CARTÃO DE
CRÉDITO - PERÍCIA - GRAU DE ESPECIALIZAÇÃO DO PERITO - EXEGESE DO ART. 145 DO
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL - EXISTÊNCIA DE JUSTA MOTIVAÇÃO PARA A SUBSTITUIÇÃO DO
PERITO. Atento aos parâmetros de utilidade e especialidade que orientam a interpretação do artigo 145 do
Código de Processo Civil, não se afigura recomendável a nomeação de perito que, confessadamente, carece de
conhecimentos satisfatórios sobre a matéria que lhe é submetida à apreciação. Recurso especial provido. (REsp
773192 / SP, relator Ministro CASTRO FILHO, Terceira Turma, DJ 06/03/2006).
491 SANTOS, Moacyr Amaral. Prova Judiciária... – vol. V. Ob. cit. p. 101.
492 CINTRA, Antonio Carlos de Araujo. Comentários... – vol. IV. Ob. cit. pp. 212-213. No mesmo sentido:
MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Código... Ob. cit. p. 403. Antonio Dall'Agnol acrescenta:
“Há razões que não encontrariam lugar entre as causas de impedimento ou de suspeição, como, apenas
exemplificadamente, se daria com profissional que, até por aceitar diversos encargos periciais, encontre-se
circunstancialmente abarrotado de serviço. Ou outro que atravesse momento delicado em sua saúde. Ou aquele
que se afasta do País, eventualmente até para aperfeiçoamento em sua especialidade.” DALL'AGNOL, Antonio.
Comentários... – vol. 2. Ob. cit. p. 212.
493 DALL'AGNOL, Antonio. Comentários... – vol. 2. Ob. cit. p. 212.
186
494 “Em se tratando de suspeição, o decurso do prazo a faz nenhuma; já se o caso é de impedimento, não há que
se cogitar de preclusão.” Idem ib idem. p. 213. No mesmo sentido, julgado do STJ: DIREITO PROCESSUAL
CIVIL. MOMENTO ADEQUADO PARA A ALEGAÇÃO DE SUSPEIÇÃO DO PERITO. A parte não pode
deixar para arguir a suspeição de perito apenas após a apresentação de laudo pericial que lhe foi
desfavorável. Por se tratar de nulidade relativa, a suspeição do perito deve ser arguida na primeira oportunidade
em que couber à parte manifestar-se nos autos, ou seja, no momento da sua nomeação, demonstrando o
interessado o prejuízo eventualmente suportado sob pena de preclusão (art. 245 do CPC). Permitir que a
alegação de irregularidade daperícia possa ser realizada pela parte após a publicação do laudo pericial que lhe foi
desfavorável seria o mesmo que autorizá-la a plantar uma nulidade, o que não se coaduna com o sistema jurídico
pátrio, que rejeita o venire contra factum proprium. (AgRg na MC 21.336-RS, Rel. Min. Sidnei Beneti, julgado
em 17/9/2013).
187
Agrícola Barbi traz exemplos interessantes de causa superveniente que justifica a escusa por
motivo legítimo: quando o perito tiver de se ausentar face ao imprevisto, mudar de residência
ou passar a trabalhar em regime de dedicação exclusiva e não poder mais atuar na causa.
“Todos esses casos configuram motivos supervenientes e legítimos para que o perito, sem ter
impedimento – no sentido do art. 134 [art. 144 do CPC/15] – se escuse de continuar na
495
função.” Outros exemplos podem ser elencados, como no caso de enfermidade
superveniente do próprio perito ou de membro da família ou a assunção de cargo público que
impeça o exercício em caráter privado de sua profissão.
496 É neste sentido julgado antigo do STJ: PERITO. FIXAÇÃO DE HONORARIOS. HONORARIOS
CONSIDERADOS ONEROSOS. SUBSTITUIÇÃO POR OUTRO PERITO. PROVA PERICIAL
CONSIDERADA IMPRESCINDIVEL. 1. NÃO ESTA O MAGISTRADO, REPUTANDO IMPRESCINDIVEL
AO JULGAMENTO DA LIDE A REALIZAÇÃO DA PROVA PERICIAL, IMPEDIDO DE SUBSTITUIR O
PERITO DIANTE DE HONORARIOS CONSIDERADOS ONEROSOS. A REGRA DO ART. 424 DO CPC
NÃO LIMITA A ATIVIDADE JURISDICIONAL NESTE ASPECTO. SERIA CONTRARIA AO SENSO
COMUM ADMITIR QUE A FIXAÇÃO DE HONORARIOS CONSIDERADOS ONEROSOS, FOSSE
CAUSA IMPEDITIVA DA SUBSTITUIÇÃO DO PERITO POR OUTRO COM HONORARIOS
COMPATIVEIS. 2. RECURSO ESPECIAL NÃO CONHECIDO. (REsp 100737 / SP, Relator Ministro
CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, Terceira Turma, DJ 25/02/1998)
189
podendo, inclusive, verificar seus dados pessoais a partir da lista de peritos do juízo. Inclusive,
quando nomeada para a atividade pessoa jurídica, este deve informar ao juízo os nomes e os
dados de qualificação dos profissionais que participarão da atividade, exatamente para
verificação de eventual impedimento ou suspeição. Assim, tendo o magistrado contato com os
dados pessoais do perito pessoa física ou dos profissionais que atuarão pela pessoa jurídica,
deve desde já observar, caso seja possível, as hipóteses de suspeição, sob pena de preclusão
pro iudicato.
Diferente é a resposta caso se trate das situações que levam ao impedimento. Por
todo já exposto está clara a opção: não há preclusão às partes, ao perito ou ao próprio juiz de
trazer à tona razões de impedimento. Em qualquer hipótese, justifica-se a substituição do
profissional nomeado.
497 DIDIER Jr., Fredie; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de; BRAGA, Paula Sarno. Curso... – vol. 2. Ob. cit. p.
264.
191
fenômeno ou do objeto a ser periciado, mas somente se a técnica aplicada é adequada e se esta
aplicação se dá de acordo com os ditames da especialidade.
Já o perito judicante, também chamado de perito deducendi 498 , não se limita a
traduzir os fatos ao juiz e às partes, ele atua não sobre elementos de prova que precisam ser
compreendidos, mas sim sobre fontes de prova somente úteis ao processo após a aplicação do
método científico de especialidade do expert sobre elas. Ele afirma um juízo de fato. Sem a
atuação do perito judicante não há elemento de prova, mas somente fonte. Este perito atua de
forma a integrar os elementos de prova do processo ao aportar conhecimentode caráter
eminentemente integrativo, pois da aplicação do método decorre a aquisição de novos fatos
relevantes ao processo. O perito judicante não somente oferece elementos de esclarecimento
facilitadores da valoração da prova já constante no processo, mas proporciona produção de
prova direta do fato objeto do processo. São exemplos: o perito que avalia os danos de massa
quando se trata de verificar a própria ocorrência do dano, o laboratório que examina o teor
alcoólico no sangue, o que exame o vínculo de paternidade através de amostras de sangue, o
perito que examina os resíduos de disparo não visíveis a olho nu, etc.
Perceba-se que, neste caso, incide o controle da prova científica. O perito judicante
aplica o método científico. O controle desta perícia é mais amplo, abrangendo não só o
método como também a própria fonte da prova e sua possibilidade de servir como tal. Durante
o procedimento, é possível aos demais sujeitos questionar se o próprio objeto sobre o qual se
debruça o estudo é apto a conformar conclusões. Mais ainda, admite-se a análise do método
que sobre este objeto é aplicado. Questiona-se aqui a idoneidade da fonte da prova, pois
admiti-la como tal depende do juízo do próprio perito. É possível haver aqui o debate a
respeito da existência do fenômeno ou do objeto a ser periciado.
498 CASTRO, Carla Rodrigues Araújo de. Prova Científica...Ob. cit. p. 36; MANZANO, Luiz Fernando de
Moraes. Prova Pericial... Ob. cit. pp. 17-18.
192
juiz e não porque lhe falte ação no processo”499. Muito pelo contrário, o assistente técnico é
figura destacada.
A própria ausência de oportunidade de indica-lo leva à invalidade dos atos
subsequentes ao procedimento. Entende o Superior Tribunal de Justiça, inclusive, com base
no princípio do contraditório, ser desnecessário comprovar o prejuízo pela não atuação do
assistente técnico500.
Historicamente, já experimentamos regimes que variam desde a figura do perito
único até o perito de indicação das partes, passando pela possibilidade de indicação de um
perito para cada parte. Como aponta Leonardo Cunha em breve relato histórico, soba égide do
Regulamento n° 737/1850 havia a indicação de um perito pelo autor e outro pelo réu, cabendo
a ambos a escolha de um terceiro que, não havendo consenso a respeito, era nomeado pelo
juiz. Com o Código de Processo Civil de 1939, a regra passou a ser a escolha de perito único
pelo magistrado, cabendo às partes indicar assistente técnico. Posteriormente, face ao
Decreto-lei 8570/46, alterando o CPC/39, os exames periciais passaram a ser feitos por um só
perito indicado pelas partes; alternativamente, na falta de acordo, cada um dos sujeitos
parciais indicava o seu perito, também nomeando um o juiz para o desempate. Com o Código
de Processo Civil de 1973 retomou-se a figura do perito do juízo com a possibilidade de
indicação pelas partes de assistentes técnicos501. O CPC/15 mantém a regra anterior, prevendo
a via alternativa da escolha consensual do perito; sempre se admite, em quaisquer hipóteses, a
indicação dos assistentes técnicos pelas partes.
Da mesma forma que a função de perito pode ser exercida por pessoa física ou
jurídica, também a do assistente técnico502.
É através do conhecimento especializado dos assistentes técnicos que a parte tem
condições de fiscalizar a perícia e de avaliar seus resultados. Não obstante sua presença seja
499 SANTOS, Moacyr Amaral. Prova Judiciária... – vol. V. Ob. cit. p. 56.
500PERÍCIA. INTIMAÇÃO. Em atenção ao princípio do contraditório, o juiz deve intimar as partes a fim de
possibilitar-lhes a indicação de assistentes técnicos e a apresentação de quesitos, após nomear seu perito
responsável pela produção da prova pericial (art. 421, § 1º, do CPC). As partes têm o direito de contradizer o
laudo, refutá-lo ou mesmo requerer esclarecimentos sobre ele, providências que só podem ser ultimadas se
intimadas as partes para tanto. Não pode ser acolhida a alegação de ser necessária a demonstração do prejuízo
para o fim de reconhecer a nulidade arguída, visto que o prejuízo foi evidenciado quando o juízo singular, ao ter
como improcedente o pedido nos embargos à execução, expressamente se embasou na prova pericial obtida sem
a ciência das partes. Anote-se que aquele juízo determinou, de ofício, a produção da prova pericial. Precedente
citado: REsp 421.342-AM, DJ 25/11/2002. (REsp 812.027-RN, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura,
julgado em 5/10/2010).
501 CUNHA, Leonardo Carneiro da. Negócios jurídicos processuais no Processo Civil Brasileiro. CABRAL,
Antonio do Passo; NOGUEIRA, Pedro Henrique (coords.). Negócios Processuais. Salvador: JusPodivm, 2015.
pp. 54-55.
502 Mencionando entendimento do STJ nesse sentido, MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel.
Código... Ob. cit. p. 402.
193
506 ALMEIDA. Diogo Assumpção Rezende de. Da prova... Ob. cit. p. 666.
195
na medida em que o resultado da perícia exige a ampla participação tanto das partes quanto de
seus assistentes. Só assim será constitucionalmente legítimo. Havendo nomeação de pessoa
jurídica para realização do exame, os assistentes técnicos devem ter amplo acesso às suas
instalações. Qualquer negativa configurará ferimento direto ao contraditório, levando à
invalidade da diligência.
É legítima a seguinte constatação: a importância do assistente técnico não é outra
senão aquela que já consagrava a doutrina quando da redação originária do art. 132 do Código
de Processo Civil de 1939507. Moacyr Amaral Santos já ensinava, a esse respeito:
A função do assistente técnico consistia exatamente em acompanhar e fiscalizar as
diligências do perito, colaborando com êle em todos os trabalhos, fornecendo-lhe o
auxílio material ou intelectual de que necessite e, ao mesmo tempo, reforçando ou
impugnando as conclusões do seu laudo.508
É lição atual, amplamente aplicável ao que ora defendemos neste trabalho.
A função precípua do perito da parte, aqui, é exercer o controle tanto sobre o método
ou técnica a ser utilizado pelo perito, como por sua própria aplicação durante os atos de
produção da prova. Ao mesmo tempo em que pode participar das diligências junto com o
perito, atua de forma a “colaborar com o seu fiscalizado para a maior segurança e perfeição da
prova resultante da perícia.”509
Atente-se: o assistente pode participar das diligências, opinando e até sugerindo
certas formas de atuação. A decisão final a respeito, todavia, se dá pelo perito, pois é ele quem
preside os atos referentes à prova técnica ou científica.
O assistente técnico se manifesta no processo não pela apresentação de laudo, mas de
parecer técnico onde registra o seu entendimento a respeito da perícia, concordando ou
discordando dos seus métodos e/ou resultados. Há sensíveis diferenças entre um e outro.
(…) é imprescindível ressaltar a grande diferença entre o “parecer técnico” e a prova
pericial. As partes participam em contraditório na formação da prova pericial, ao
passo que o parecer técnico é obtido unilateralmente por uma das partes, o que
inviabiliza a participação da outra durante sua construção (…), sem que a outra
tenha qualquer possibilidade de influir no seu resultado. O contraditório, nesse
último caso, é limitado à possibilidade de impugnação do parecer técnico, ainda que
a parte impugnante possa requerer o auxílio de outro especialista.510
O §1° do art. 477 dá ao assistente técnico o prazo de 15 dias para se manifestar sobre
o laudo pericial após sua apresentação pelo perito. Ainda que o dispositivo dê a entender que
os assistentes se manifestam no seu parecer somente sobre o resultado da perícia, é caso de se
507 Art. 132. A cada uma das partes será lícito indicar, em petição, um assistente técnico, a quem incumbirá a
acompanhar as diligências do perito, cujas conclusões poderá impugnar. Parágrafo único. Ao assistente
serão facultados os mesmos meios de investigação que ao perito.
508 SANTOS, Moacyr Amaral. Prova Judiciária... – vol. V. Ob. cit.pp. 56-57.
509Idem. Ib idem. p. 58.
510 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Comentários... – vol. 5, tomo II. Ob. cit. p. 589.
196
511 CINTRA, Antonio Carlos de Araujo. Comentários... – vol. IV. Ob. cit. p. 224.
197
512 DIDIER Jr., Fredie; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de; BRAGA, Paula Sarno. Curso... – vol. 2. Ob. cit. p.
284.
513 Nesse sentido: CINTRA, Antonio Carlos de Araujo. Comentários... – vol. IV. Ob. cit. pp. 209-210.
198
514 Discordamos aqui da posição de Bruno Vinícius da Rós Bodart, quando defende, sobre a produção da prova
técnica simplificada, que “Submete-se à discricionariedade do juiz a caracterização da questão como 'de menor
complexidade' para a dispensa do laudo escrito.” BODART. Bruno Vinícius da Rós. Ensaio... Ob. cit. p. 634.
Apesar de reconhecermos a dificuldade prática que a definição deste termo oferece, será necessário
conformar critérios de definição, podendo a própria área de conhecimentos especializados oferecê-los.
515 Com entendimento mais restritivo que o ora exposto quanto à atuação do magistrado, André Martins
Chateaubriand afirma que no exame de admissibilidade da prova técnica simplificada “o juíz deverá agir com
parcimônia, evitando utilizar a prova técnica simplificada contra requerimento expresso da parte para a produção
de prova pericial, quando não houver consenso sobre a complexidade da causa. Aliás, caberá à jurisprudência
estabelecer o escopo de incidência da regra, permitindo certa dose de liberdade às partes para recorrerem à prova
técnica simplificada. No que diz respeito à possibilidade do juiz, de ofício, determinar a produção da prova
simplificada, a regra deve ser aplicada de forma restritiva.” MARTINS, André Chateaubriand. A prova... Ob. cit.
p. 624.
199
outro.
Afinal, a contribuição do perito pode ser decisiva à própria decisão do magistrado
que, face a um conflito quanto à necessidade de uma ou outra, deve fundamentar de forma
robusta a escolha. Ainda lege lata, tendo em vista a necessidade de os tribunais organizarem
órgãos internos para seleção de perito, é possível que regimentalmente estes mesmos órgãos
sejam encarregados da definição mínima de parâmetros para a ordenação de perícia “ordinária”
ou da prova técnica simplificada. Tudo isso não dispensa, sem a menor dúvida, o debate
processual.
Justifica-se a previsão desta figura pela necessidade de se valer de conhecimento
técnico-científico para elucidar questão factual de menor complexidade, onde não há
propriamente que se onerar o processo com o tempo e os custos de uma perícia. É uma via
alternativa mais célere e menos custosa para esclarecer questões de fato que fogem ao
conhecimento do homem médio, contribuindo para a concretização dos princípios da razoável
duração do processo e da eficiência 516 . Andou bem o legislador ao prever esta figura no
CPC/15. É importante frisar: só há se debruçar sobre questões fáticas. Assim como na perícia
“ordinária”, a prova técnica simplificada somente tratará a respeito de fatos controversos, que
exijam um exame de menor complexidade sob o filtro de certo conhecimento especializado.
A prova técnica simplificada não se confunde com a hipótese de funcionar o
especialista como testemunha. Aqui não se está a tratar de um experto que presenciou
determinando acontecimento sobre o qual poderia aplicar o seu conhecimento técnico. Como
afirmam Marinoni e Arenhart:
É certo que o especialista que presenciou um fato acidentalmente pode presentar
depoimento – como testemunha – suficiente para convencer o juiz e, assim,
dispensar prova pericial. Entretanto, quando o especialista não presenciou o fato,
porém foi chamado para examiná-lo, a situação é outra, pois não se trata de ouvir
um especialista que presenciou o fato, mas sim de receber informações de um
especialista que foi convocado para esclarecê-lo.517
A prova técnica simplificada tem clara inspiração na figura do expert witness do
direito norte-americano, consistindo aqui na oitiva de um especialista a respeito de ponto
controverso da causa. Como já se pode examinar, naquele ordenamento o perito é sujeito
516 Compartilhando desta opinião: MARTINS, André Chateaubriand. A prova... Ob. cit. p. 623.
517 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sério Cruz. Prova... Ob. cit. p. 860. Continuam os autores:
“No primeiro caso deve-se levar em conta não somente a simplicidade da demonstração do fato, mas igualmente
a circunstância de o especialista ter presenciado a sua ocorrência. No segundo, porém, a dispensa da prova
pericial, para realizar a chamada 'prova técnica simplificada' deve se fundar apenas na possibilidade de o
depoimento ser suficiente para explicar tecnicamente o fato, e por isso ser capaz de dispensar a perícia.” Em
sentido contrário, entendendo que é hipótese de perícia técnica simplificada quando “o especialista presenciou
fato, cuja percepção técnica e demonstração são simples”: DIDIER Jr., Fredie; OLIVEIRA, Rafael Alexandria
de; BRAGA, Paula Sarno. Curso... – vol. 2. Ob. cit. p. 285.
200
parcial que visa a defesa da parte que o contrata. Sua atuação, eminentemente, é marcada pela
semelhança com a de um depoente. No caso, depõe sobre questões que demandam o domínio
de um conhecimento especializado. Pode ser requerida pelas partes, Ministério Público ou
ordenada de ofício pelo juiz.
Materializa-se com o depoimento do especialista em juízo, exigindo-se formação
acadêmica específica na área do conhecimento. Apesar de se exigir aqui expressamente
formação acadêmica, deve-se admitir, da mesma forma que para o perito, a atuação de um
sujeito que não possua conhecimento formal. Em verdade, não se adéqua ao sistema admitir
que alguém atue como perito em função de sua enorme experiência prática, apesar de não
possuir formação acadêmica, enquanto para a prova técnica simplificada se exija um requisito
de qualificação maior518. Andou mal o legislador nesta previsão, talvez na tentativa de ser
mais criterioso na seleção de um profissional que não poderá sofrer o controle das partes ao
longo de todo o procedimento como o perito. Mas, sistematicamente, não se justifica tal
exigência, razão pela qual defendemos a sua superação.
Em verdade, tanto as partes quanto o Ministério Público devem ter a oportunidade de
arguir o especialista a respeito das informações prestadas em audiência. Deve-se respeitar
aqui também o contraditório-influência. Como o código não prevê, fica a cargo dos
Regimentos Internos dos tribunais ou dos negócios processuais plurilaterais definir os
pormenores do procedimento que irá reger a produção desta prova em audiência. Somente não
se pode abrir mão do amplo contraditório, especialmente da possibilidade de arguição do
especialista tanto pelo magistrado quanto pelas partes, através dos seus assistentes técnicos519.
É que “não se dispensa que o depoimento dos especialistas seja aprofundado – na análise dos
fatos, na aplicação dos seus conhecimentos e na forma de sua inquirição.”520
Apesar de não estar expresso no dispositivo, deve-se entender pela utilização do
cadastro de peritos formado pelos Tribunais como fonte para o juiz nomear o expert. Também
não há falar em qualquer impedimento para que através de negócio processual as partes
indiquem o profissional para atuar como especialista, nos mesmos moldes da escolha
518 Com opinião no mesmo sentido da nossa, há quem defenda a inconstitucionalidade da exigência de
formação acadêmica por ferir a razoabilidade: DIDIER Jr., Fredie; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de; BRAGA,
Paula Sarno. Curso... – vol. 2. Ob. cit. p. 286.
519 Antonio Carlos de Araujo Cintra, comentando o art. 421, §2° do CPC/73, onde se admitia a inquirição do
perito em juízo, afirmava o seguinte: E, com efeito, a inquirição do perito e dos assistentes técnicos [era admitida
esta oitiva dos assistentes técnicos] está sujeita ao mesmo regime da inquirição das testemunhas, abendo, depois
do interrogatório feito pelo juiz, primeiro ao autor, depois ao réu, formular perguntas ao perito.” CINTRA,
Antonio Carlos de Araujo. Comentários... – vol. IV. Ob. cit. p. 210. Na mesma linha: MARTINS, André
Chateaubriand. A prova... Ob. cit. p. 626.
520 DIDIER Jr., Fredie; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de; BRAGA, Paula Sarno. Curso... – vol. 2. Ob. cit. p.
286.
201
consensual do perito521.
O procedimento de produção da prova é simplificado, mas o depoimento deve
manter o maior nível de profundidade possível. A previsão desta figura justifica, em verdade,
o seguinte:
Há grande diferença entre fato facilmente verificável e fato superficialmente
verificado – o fato jamais poderá ser superficialmente verificado. O fato poderá
dispensar prova pericial quando puder ser plena e satisfatoriamente constatado de
forma simples. Nesse caso, basta a inquirição do perito e dos assistentes técnicos por
ocasião da audiência de instrução.522
Caso o juiz se convença da insuficiência desta prova, pode ordenar a produção da
prova pericial. Apesar de não ser indicado – face ao maior diferimento no tempo do
procedimento – é possível que o caso concreto demande esta atitude.
Importante notar que há previsão semelhante na lei 9.099/95 (Lei dos Juizados
Especiais), constante em seu art. 35, onde se afirma que quando a prova do fato exigir, o Juiz
poderá inquirir técnicos de sua confiança, permitido às partes a apresentação de parecer
técnico. A produção da prova se dá no curso da audiência, quando poderá o Juiz, de ofício ou
a requerimento das partes, realizar inspeção em pessoas ou coisas, ou determinar que o faça
pessoa de sua confiança, que lhe relatará informalmente o verificado.
Trata-se exatamente de produção de prova técnica simplificada. Perceba-se que o
texto do §2° do art. 461 fala na prova técnica simplificada em substituição à prova pericial, ou
seja, são figuras diferentes, conquanto cumpram a função de esclarecer pontos a respeito de
conhecimentos especializados indisponíveis ao homem-médio.
521 Seguindo também esta posição: MARTINS, André Chateaubriand. A prova... Ob. cit. p. 626.
522 MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Código... Ob. cit. p. 403. Os autores tecem comentários
sobre o antigo art. 421, §2° do CPC/73.
202
527Por exemplo: as “Normas Técnicas para perícias de Engenharia do IBAPE/SP – 2015”, disponível em
<http://www.ibape-
sp.org.br/util/arquivos/Upload/norma_b_sica_para_per_cias_de_engenharia_do_ibape_minuta_2015....pdf>
Avesso em 13/02/2016.
205
Ao longo de todo este trabalho tentamos deixar clara a forte influência do processo
cooperativo na relação entre os sujeitos que atuam no processo. Não somente partes e juiz,
mas também os auxiliares de justiça estão inseridos neste amálgama de relações processuais
que informam o amplo debate processual inspirado no marco do formalismo valorativo.
Face ao objeto específico, debruçamos as nossas forças na análise do tema específico
das provas técnica e científica, especialmente no que refere ao seu controle. Anteriormente,
adotamos o posicionamento a respeito de quatro momentos de controle da prova:
requerimento, admissão, produção e valoração. Especialmente quanto ao primeiro, tivemos a
oportunidade de tratar de forma geral quando da análise de alguns pontos a respeito da teoria
geral da prova.
Os dois capítulos que encerram este último trataram do controle da admissibilidade e
produção da prova técnica e científica, talvez os temas menos tratados pela doutrina. As
razões para certa negligência decorrerem, imaginamos, da própria conformação do nosso
sistema processual, que foca suas energias na valoração da prova pericial após a sua produção.
De fato, a ideia era cumprir a missão de expandir os horizontes, contribuindo minimamente
com tema que nos parece pouco explorado pela doutrina nacional. Isso não dispensa, contudo,
também uma análise acurada do controle da prova pericial após a sua realização,
especialmente porque mesmo sendo objeto de destacadas obras, “lá assunción del dictamen
em la sentencia puede ser directa y acrítica, de manera que no se motive realmente la
resolución, sino que el juez se limite a trsncribir las razones del perito sin entenderlas
realmente.”528
Os deveres de cooperação e o contraditório influência incidem na prova e sobre a
prova. Ou seja, durante as diligências prévias e concomitantes à sua realização e
posteriormente, sobre o resultado do trabalho do expert. É do controle exercido sobre a prova
técnica e científica que agora nos ocupamos.
por cada um dos sujeitos do processo merecem ser aproximadas e a distância entre eles
encurtada. Por isso, a figura do perito como auxiliar de justiça mereceu amplo destaque,
exatamente pela necessidade de reconhecê-lo também como sujeito do debate processual. Sua
conduta durante o desenvolvimento de sua tarefo foi analisada previamente.
É preciso agora construir os elementos necessários ao controle do resultado de sua
atuação.
534 “Para tanto, é preciso lembrar o quanto se disse no capítulo introdutório deste Curso: o processo é um feixe
de relações jurídicas, que se estabelece entre os diversos sujeitos processuais, em todas as direções. É por isso
que o art. 6° do CPC determina que todos os sujeitos processuais devem cooperar entre si. Os deveres de
cooperação são conteúdo de todas as relações jurídicas processuais que compõem o processo: autor-réu, autor-
juiz, juiz-réu, autor-réu-juiz, juiz-perito, perito-autor, perito-réu etc. Essa é a premissa metodológica
indispensável para compreender o conteúdo dogmático do princípio da cooperação.” DIDIER JR., Fredie.
Curso... Ob. cit., 2015. p. 127.
209
verdade” 535 . Os comentários se referem ao antigo art. 339 conquanto a redação seja
exatamente a mesma do novel art. 378. Segundo os autores:
Note-se que essa imposição de colaboração, ainda que genérica e impessoal, deve
ser considerada um dever. (…) Frise-se que esse dever, hoje, atinge qualquer pessoa
que participe do processo – ainda que indireta e eventualmente –, o que torna a
simbiose entre o art. 14 [art. 77 do CPC/15] e o art. 339 [art. 378 do CPC/15]
praticamente perfeita. (…) A regra em questão, portanto, não constitui mera
exortação para as partes e para terceiros, mas verdadeiro comando dirigido a todos
que possam, de alguma forma, colaborar com o Poder Judiciário para a adequada
solução da causa536
Assim, de forma ampla, o conteúdo normativo inscrito no preceito do art. 378 do
CPC/15 inclui, sem qualquer dúvida, também os auxiliares de justiça, os quais devem
colaborar com todas as diligências possíveis para a escorreita prestação da atividade
jurisdicional. A eles se impõe o dever geral de cooperação e especificamente alguns dos
deveres ora comentados.
O dever de esclarecimento é perfeitamente aplicável aos auxiliares de justiça. O
tradutor deve esclarecer sobre termos estrangeiros sem tradução direta, explicitando seus
possíveis sentidos e aquele que acredita ser o aplicável ao caso. É que muitas vezes o tradutor
não possui conhecimentos mais aprofundados sobre o tema objeto de tradução, devendo dar
aos sujeitos interessados a possibilidade de debater a respeito dos possíveis sentidos e daquele
que lhe parece mais adequado ao contexto. Da mesma forma o perito deve traduzir suas
conclusões do parecer à linguagem comum, do homem médio, compreensível pelas partes e
pelo magistrado. Ademais, deve fundamentar o laudo pericial, não se limitando a somente
responder “sim” ou “não” aos quesitos. É preciso que se diga em linguagem comum as razões
que lhe levaram ao convencimento a respeito da matéria de fato. Trata-se do dever de
fundamentação do laudo pericial, abordado de maneira mais aprofundada logo adiante.
Da mesma forma, quanto ao dever de consulta, deve haver comunicação plena entre
peritos e assistentes técnicos durante a construção do laudo pericial. Caso elemento novo seja
descoberto, de suma importância para a regularidade do laudo oficial que os assistentes das
partes (=sujeitos parciais) tomem conhecimento a respeito e debatam as possíveis
consequências junto ao perito, para que não haja surpresa quando da apresentação do laudo
em juízo. No mesmo sentido, o regulador de avarias deve trazer à tona causas não delimitadas,
ou em razão de danos pretéritos ainda que não sejam objeto do seu exame mas que possam
535 Não trabalhamos, neste trabalho, a ideia de verdade no processo, sob pena de fugir ao tema em análise. A
menção à “verdade” neste momento se dá exclusivamente face ao texto do art. 378 do CPC/15. Sobre a ideia de
veracidade incidente quando da atuação do perito, trabalhamos no capítulo dois, onde há análise mais
aprofundada e específica a respeito dos deveres deste auxiliar do processo.
536 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Comentários... – vol. 5, t. 1. Ob. cit. pp. 476-477.
210
influenciar no seu resultado. Tudo isso para que se evite a surpresa a partir do resultado de
suas observações.
Por último é possível mencionar também o dever de probidade e boa-fé. Decorre
especificamente do acima comentado art. 378 a impossibilidade de os auxiliares, uma vez
instados, deixarem de colaborar com o magistrado na condução do processo. O artigo 77,
caput, do CPC/15, inclusive, afirma a obrigatoriedade de observância da boa-fé processual
(=conduta leal) a “todos aqueles que de qualquer forma participem do processo”. Não há
como fugir do enquadramento dos auxiliares no espectro normativo destes dispositivos.
Apesar de já termos referenciado a incidência direta da boa-fé objetiva,
imprescindível destacar que a atuação dos auxiliares deve ser leal. O auxiliar de justiça não
pode visar o prejuízo de quaisquer dos sujeitos processuais através de sua atuação, não pode
visar o benefício ilícito ou favorecimentos escusos. Especialmente aos auxiliares que servem
ao aporte de conhecimentos não disponíveis ao homem médio este dever se impõe com maior
intensidade, pois a relação de confiança em sua atuação é ainda maior. Tradutor, intérprete,
perito engenheiro, perito contador e todos aqueles que dispõem de conhecimentos
especializados trazem ao processo informações novas que juiz e partes não têm condição (em
regra) de compreender senão através daqueles. Por isso, a possibilidade de causar danos às
partes é enorme quando do aporte de informações inverídicas, falseadas ou não
fundamentadas. A atuação dos auxiliares, assim como dos demais sujeitos, deve sempre se
pautar pela boa-fé, podendo sobre eles incidir, sem qualquer dúvida, as sanções decorrentes
do seu desrespeito. É possível remeter, inclusive, ao já abordado dever de veracidade do
perito, sem dúvida consolidado pelos ditames da cooperação.
Conquanto deva-se ponderar a função que cada sujeito processual desempenha, os
princípios processuais regem as posições processuais dos auxiliares de justiça da mesma
forma como o fazem quanto às partes e ao magistrado. Tudo que se disse a respeito destes,
aplica-se aqueles.
os peritos.537
Todo o resultado do trabalho de experto é materializado no laudo pericial. É através
dele que o perito aporta ao processo as suas conclusões. O laudo pericial é o instrumento que
consolida as respostas aos quesitos e serve a esclarecer as questões de fato postas ao seu
conhecimento.
Quanto ao procedimento de apresentação do laudo, este deve ser apresentado no
prazo fixado pelo juiz e respeitando-se a antecedência mínima de vinte dias da audiência de
instrução e julgamento. Apresentado o laudo, as partes terão o prazo comum de quinze dias
para se manifestar e, no mesmo prazo, os assistentes técnicos, para apresentar o respectivo
parecer técnico. Este prazo deve ser contado em dobro caso se trate de litisconsórcio com
procuradores de escritórios distintos em processo físico (art. 229 do CPC/15). Deve-se
garantir também o prazo em dobro caso se trate de litisconsortes com assistentes técnicos
distintos em processo não eletrônico. As razões que fundamentam o art. 229 se aplicam aqui,
sem tirar nem por, justificando a analogia538. Ainda, se as nuances do caso concreto tornarem,
por sua complexidade, imprescindível seja concedida maior dilação, não deve o magistrado
considerar rígido o prazo legal de 15 dias. O princípio da adequação justifica aqui a adaptação
ope iudicis do procedimento.
É preciso, a esta altura, retomar algumas ideias apresentadas quando falamos da
intensa participação que se deve garantir ao assistente técnico. É que o dispositivo ora em
comento (art. 477, §1°, CPC/15) impõe apenas a intimação das partes quando da apresentação
do laudo pelo perito, contando-se daí o prazo a quo para a entrega de sua manifestação e
também dos pareceres dos assistentes técnicos, o que se costuma fazer em peça única.
Entendemos ser possível falar também do dever do perito informar ao assistente técnico sobre
a juntada do laudo. Este raciocínio decorre do dever de o perito informar aos assistentes
técnicos a respeito de suas diligências (art. 466, §2°). Mesmo não se imponha expressamente
esta obrigação, a comunicação entre assistentes técnicos e perito já está aberta, não havendo
dificuldade para que se faça também esta comunicação. Trata-se de interpretação do preceito
normativo de acordo com os ditames da cooperação e de todas as demais premissas aqui
adotadas.
537 SANTOS, Moacyr Amaral. Prova Judiciária... – vol. V. Ob. cit. p. 279.
538 No mesmo sentido: DIDIER Jr., Fredie; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de; BRAGA, Paula Sarno. Curso...
– vol. 2. Ob. cit. pp. 283-284. Em sentido contrário, pela não aplicação do prazo em dobro, mas ainda
analisando o art. 191 do CPC/73, MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Comentários... –
vol. 5, tomo II. Ob. cit. pp. 599-600.
212
539 MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Código... Ob. cit. p. 410.
213
momento do esclarecimento ser a audiência, de forma oral, nada impede que sejam
apresentados por escrito, garantindo-se o contraditório.
Medida de alta sabedoria essa de permitir ao juiz e às partes reclamarem
esclarecimentos dos peritos. O laudo pode não ser imprestável e, no entanto, conter
enganos, senões, esta ou aquela obscuridade ou incerteza, mesmo contradições,
fàcilmente corrigíveis, e não seria o caso de desprezá-lo, criando-se a necessidade de
proceder-se a nova perícia, com evidente aumento de despesas e perda de tempo.540
Uma questão de ordem técnica: o art. 477, §3° trata da apresentação das perguntas
em forma de quesitos. Há debate a respeito de saber se essas perguntas são também quesitos
suplementares ou posteriores. Ainda que não vislumbremos diferença prática na distinção –
pois ambos são redigidos e apresentados através da mesma estrutura, em forma de perguntas –
nos posicionamos por não incluir estas perguntas no conceito dos quesitos541.
É que os quesitos servem à delimitação do próprio objeto da perícia, definindo até
onde deve e pode ir o magistrado no acertamento do fato. Exatamente por isso se afirma que
“Os quesitos não podem ser genéricos; devem ser específicos e versar sobre questões técnicas
ou científicas, que exijam conhecimento graduado.” 542 Da mesma forma, os quesitos
suplementares, vez veiculados pelo próprio juiz ou por ele admitidos, podem, já iniciado o
procedimento, expandir o objeto da análise. É esta a lição que já tivemos a oportunidade de
abordar quando estudamos no capítulo 3 o procedimento de realização da perícia. Estas
perguntas a título de esclarecimento, por outro lado, não têm a função de expandir ou
restringir os limites da perícia, mas apenas de aclarear certos pontos que não restaram
definitivamente acertados pelo perito. “Tais perguntas devem estar relacionadas com o
questionário inicialmente apresentado, devem ter por fim a elucidação de respostas já dadas,
sob pena de serem indeferidas pelo magistrado – em razão de sua impertinência (art. 470, I,
CPC/15).”543
A função aqui é muito mais associada à superação de omissões, contradições e
obscuridades544 (proposital a associação com os embargos de declaração) do que firmar os
limites iniciais do exame ou modificar suas conclusões. Por isso, entendemos por não
verificar a natureza de quesitos dessas perguntas posteriores à apresentação do laudo e dos
540 SANTOS, Moacyr Amaral. Prova Judiciária... – vol. V. Ob. cit. p. 298.
541 Nesse mesmo sentido: MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Código... Ob. cit. p. 409.
542 MANZANO, Luiz Fernando de Moraes. Prova Pericial... Ob. cit. p. 80.
543 DIDIER Jr., Fredie; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de; BRAGA, Paula Sarno. Curso... – vol. 2. Ob. cit. p.
185. Interessante perceber que, apesar de notar esta diferença, os autores se referem às perguntas como “novos
quesitos”.
544 SANTOS, Moacyr Amaral. Prova Judiciária... – vol. V. Ob. cit. p. 299. O autor fala expressamente em
“incertezas, obscuridades, omissões”.
214
545 DIDIER Jr., Fredie; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de; BRAGA, Paula Sarno. Curso... – vol. 2. Ob. cit. pp.
282-283.
546 SANTOS, Moacyr Amaral. Prova Judiciária... – vol. V. Ob. cit. p. 299.
547 “O juiz pode determinar a realização de uma segunda perícia, de ofício, a requerimento das partes ou do
Ministério Público, quando verificar que o resultado da primeira perícia foi (cf. art. 480, CPC): i)insuficiente, por
não ter exaurido o exame técnico ou científico das alegações de fato probantes, omitindo-se quando a algum
ponto; ou ii)inexato, i.e., obscuro/impreciso com relação a algum dado ou elemento; iii) inconclusivo, diante da
inaptidão dos elementos materiais periciados (...)” DIDIER Jr., Fredie; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de;
BRAGA, Paula Sarno. Curso... – vol. 2. Ob. cit. p. 290.
215
548 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Comentários... – vol. 5, tomo II. Ob. cit. p. 607.
É no mesmo sentido a opinião de Pontes de Miranda: “Daí ter a perícia posterior finalidade da correção da
inexatidão ou das inexatidões das conclusões, ou o preenchimento de pontos omissos.” MIRANDA, Pontes de.
Comentários... – tomo IV. Ob. cit. p. 464.
549 No mesmo sentido: “Embora a lei não seja explícita a respeito, parece indubitável que a determinação de
realização de nova perícia só pode ter lugar depois de concluída insatisfatoriamente a primeira, inclusive com os
esclarecimentos do perito e dos assistentes técnicos prestados em audiência.” CINTRA, Antonio Carlos de
Araujo. Comentários... – vol. IV. Ob. cit. pp. 228-229; ALMEIDA. Diogo Assumpção Rezende de. Da prova...
Ob. cit. p. 668.
216
profissional nomeado não foi a contento. Daí, tendo o trabalho restado insatisfatório, justifica-
se a nomeação de novo profissional, sob pena de o novo laudo pericial apresentar os mesmos
vícios do anterior 550 . Salvo nuance específica relacionada ao caso concreto, é indicada a
substituição do perito para a realização da segunda perícia551.
Corrobora com este entendimento a possibilidade de o juiz reduzir a remuneração
inicialmente arbitrada quando a perícia (= laudo arbitral) for inconclusiva ou deficiente. Sem
dúvida, esta redução só tem lugar quando todas as tentativas de esclarecimento forem
insuficientes.
Um exemplo onde se afigura admissível a nomeação do mesmo perito foi apreciada
no REsp 1.229.905-MS, onde a segunda perícia decorreu de disponibilização tardia da fonte
da prova necessária à perícia, somente após o resultado inconclusivo da primeira. É que se a
primeira perícia restou inconclusiva face às dificuldades oferecidas pelo próprio material
sobre o qual se debruçou o perito, tendo este apontado, inclusive, esta dificuldade (como
restou no caso concreto), não há se falar em uma conduta insatisfatória do profissional.
Neste caso, inclusive, foi abordada questão relente. Entendeu o STJ pela
impossibilidade de o magistrado indeferir a segunda perícia. É que, se havia verificado a
necessidade da primeira perícia, como as questões ali levantadas restaram sem a resposta
satisfatória, com a disponibilidade do material necessário ao novo exame, não é possível ao
magistrado rejeitá-lo. O Tribunal baseou seu entendimento, inclusive, nos princípios do
devido processo legal, da proteção da confiança, da boa-fé, da efetividade e da cooperação552.
550 Nesse mesmo sentido entende SANTOS, Moacyr Amaral. Prova Judiciária... – vol. V. Ob. cit. pp. 322-323.
551 Didier Jr., na mesma linha, entende pela nomeação de novo perito “afinal, a diligência anterior não satisfez”.
DIDIER Jr., Fredie; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de; BRAGA, Paula Sarno. Curso... – vol. 2. Ob. cit. p. 291.
Há opiniões divergentes, todavia. Para Antônio Carlos de Araújo Cintra “dado que a lei não dispõe em contrário,
é possível a nomeação do mesmo perito e a indicação dos mesmos assistentes técnicos que atuaram na primeira
perícia, tudo dependendo, assim, do que for julgado adequado pelo juiz e pelas partes.” CINTRA, Antonio
Carlos de Araujo. Comentários... – vol. IV. Ob. cit. p. 231. No mesmo sentido: MARINONI, Luiz Guilherme;
MITIDIERO, Daniel. Código... Ob. cit. p. 410.
552 EMENTA: DIREITO PROCESSUAL CIVIL. HIPÓTESE EM QUE AO MAGISTRADO NÃO É
POSSÍVEL INDEFERIR PEDIDO DE REALIZAÇÃO DE EXAME DE DNA. Uma vez deferida a
produção de prova pericial pelo magistrado - exame de DNA sobre os restos mortais daquele apontado como
o suposto pai do autor da ação -, caso o laudo tenha sido inconclusivo, ante a inaptidão dos elementos
materiais periciados, não pode o juiz indeferir o refazimento da perícia requerida por ambas as partes,
quando posteriormente houver sido disponibilizado os requisitos necessários à realização da prova técnica
- materiais biológicos dos descendentes ou colaterais do suposto pai -, em conformidade ao consignado pelo
perito por ocasião da lavratura do primeiro laudo pericial. De fato, o resultado inconclusivo do laudo, ante a
extensa degradação do material biológico em exame, com a ressalva de que o exame poderia ser realizável a
partir de materiais coletados junto a descendentes ou colaterais do falecido, cria expectativa e confiança no
jurisdicionado de que outro exame de DNA será realizado, em razão da segurança jurídica e da devida prestação
jurisdicional. Isso porque o processo civil moderno vem reconhecendo, dentro da cláusula geral do devido
processo legal, diversos outros princípios que o regem, como a boa-fé processual, efetividade, o
contraditório, cooperação e a confiança, normativos que devem alcançar não só as partes, mas também a
217
Quanto aos assistentes técnicos, como sujeitos parciais de confiança somente das
partes, podem ser nomeados os mesmos ou outros para a nova perícia. A manutenção ou não
é de livre escolha, a depender do contentamento da parte com a atuação empreendida. Se não
houve nomeados para a primeira, pode haver para a segunda, sem qualquer impedimento.
atuação do magistrado que deverá fazer parte do diálogo processual. Desse modo, deve o magistrado se
manter coerente com sua conduta processual até o momento do requerimento, por ambas as partes, de
nova perícia, pois, ao deferir a produção do primeiro exame de DNA, o magistrado acaba por reconhecer
a pertinência da prova técnica, principalmente pela sua aptidão na formação do seu convencimento e na
obtenção da solução mais justa. Ademais, pode-se falar na ocorrência de preclusão para o julgador que
deferiu a realização do exame de DNA, porque conferiu aos demandantes, em razão de sua conduta, um direito à
produção daquela prova em específico, garantido constitucionalmente (art. 5°, LV, da CF) e que não pode
simplesmente ser desconsiderado. Portanto, uma vez deferida a produção da prova genética e sendo viável a
obtenção de seu resultado por diversas formas, mais razoável seria que o magistrado deferisse a sua feitura sobre
alguma outra vertente de reconstrução do DNA, e não simplesmente suprimi-la das partes pelo resultado
inconclusivo da primeira tentativa, até porque "na fase atual da evolução do Direito de Família, não se justifica
desprezar a produção da prova genética pelo DNA, que a ciência tem proclamado idônea e eficaz" (REsp
192.681-PR, Quarta Turma, DJ 24/03/2003). (REsp 1.229.905-MS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em
5/8/2014).
218
553 Miranda, Pontes de. Comentários... – tomo IV. Ob. cit. p. 454. Afirma também o autor: “A exigência de
fundamentação abrange todos os laudos.” p. 455. Sob outro ponto de vista, aponta Taruffo: “Um procedimento
epistêmico válido requer que a determinação ou a criação de elementos de conhecimento e das informações
necessárias para a formulação de conclusões confiáveis sejam reconhecidos e verificáveis, além de – quando
possível – repetíveis. Um historiador que não revela as fontes de informação que utilizou, ou um cientista que
não explica o procedimento que seguiu para chegar à sua descoberta certamente não produzirão conhecimentos
merecedores de consideração. Princípios análogos valem também para o processo, devendo inspirar a parte
da disciplina das provas concernentes à sua produção em juízo, e por vezes sua própria formação no âmbito do
processo.” TARUFFO, Michele. Uma simples... Ob. cit. p. 180.
219
554 Conforme aponta Diogo Assumpção Rezende de Almeida: “Diferentemente do que ocorre no sistema
probatório norte-americano, o controle sobre a prova pericial no direito brasileiro e nos demais países de civil
law é realizado no momento de sua valoração e exteriorizado na motivação da sentença.” ALMEIDA, Diogo
Assumpção Rezende. A prova pericial... Ob. cit..pp. 143-144.
220
prejuízos ao regular andamento do processo. Assim, caso este elemento possa ser verificado já
antes ou durante a realização da perícia, é eficiente anotá-los. A eventual necessidade de uma
segunda perícia no processo quando era possível perceber a utilização de um método ou
técnica não indicados já no decorrer do procedimento de produção da primeira perícia
somente atrasa e torna mais dispendioso o processo. Ao fim, restaria ferido o princípio da
razoável duração do processo.
Faz parte do conteúdo deste dever de fundamentação do perito a promoção de uma
atuação zelosa. Laudos descuidados, escritos à mão em letras muitas vezes inelegíveis e cheio
de borrões merecem repreensão, pois inaptos a demonstrar as razões do convencimento do
perito de forma clara. O profissional que atua desta forma não se desincumbe de maneira
completa e escorreita de suas atribuições. É necessário que o experto tome consciência da
importante missão que desempenha no processo, devendo cuidar de cada passo, mormente
face à permissão de controle não só do método a ser aplicado, mas do próprio procedimento
de aplicação. A esta altura, o controle da prova técnica ou científica já está chegando ao limiar.
O cuidado do perito em descrever como se desenrolou a aplicação do método científico ou da
técnica, como procedeu aos exames e todo o contexto que poderia alterar os resultados devem
ser anotados cuidadosamente. Esta é uma atuação com zelo que respeita ao dever de
fundamentação do laudo pericial.
Imagine-se a situação de uma perícia necessária à verificação do grau de visibilidade
em determinada estrada com o fito de estabelecer o grau de culpa do causador de um acidente
de trânsito. É imperativo que a perícia ocorra em horário e nas condições meteorológicas
semelhantes às condições do acidente. Nesse caso, o horário, a época do ano, o horário em
que se realizou a atividade, as condições do tempo, são todos elementos que devem ser
descritos e anotados pelo perito. Não basta responder aos quesitos, neste caso. Ainda que não
haja questionamentos específicos a respeito das condições em que se realizou o exame, deve o
expert fundamentar seu laudo com todas estas informações.
Por tudo isso, impõe-se exposição a respeito do método ou técnica utilizado,
demonstrando critérios de confiabilidade como, exemplificadamente, a existência de testes,
provas e contraprovas a seu respeito; análise de percentual de erro em sua aplicação; sua
aceitação perante a comunidade acadêmica através de trabalhos que abordem a temática; a
manutenção dos padrões de qualidade dos seus resultados; ainda, o fato de não ter sido
desenvolvido somente para a aplicação forense, mas ser parte do dia a dia da atuação
profissional do experto.
221
forma como petição inicial e defesa do réu limitam a atuação do magistrado, que não pode ir
além ou ficar aquém deles.
Para Jordi Nieva Fenoll, é elemento do próprio dever de lealdade imposto ao perito
que o laudo seja claro, preciso e congruente. Afirma o autor a necessidade de o perito
exprimir suas ideias com clareza e precisão, respondendo a todas as questões apresentadas,
mas limitando-se somente a elas. Não pode o perito tratar de pontos que não são objeto do
laudo. “Eso es lo que otorgará la congruencia del dictamen.”557
É o que afirma Pontes de Miranda ao tratar da redação do laudo, em evidente
limitação aos quesitos:
O laudo do perito deve ser redigido em termos de observação (enunciados de fato),
seguidos da razão empírica ou experimental que tem para cada proposição que
escrever, e de respostas, adaptando o resultado do que observou, experimentou,
induziu e deduziu ao que lhe perguntam as partes e o juiz.558
Até esta altura, pode-se dizer que o nosso sistema consagrou a necessidade de o
laudo pericial preencher aquilo que Moacyr Amaral Santos chamou de requisitos intrínsecos.
Para o autor, em obra clássica, o laudo pericial deveria ser completo, claro, circunscrito ao
objeto da perícia e fundamentado559. Em linhas gerais, o entendimento do autor, adiante.
O laudo completo é aquele que possui relatório e conclusão. No relatório descreve-se
o procedimento, os atos praticados na diligência e o objeto sobre o qual se debruçou o experto
e tudo quanto mais interessar aos seus interlocutores, nada devendo ser omitido. Na
conclusão, são expostos os resultados da aplicação da técnica ou do método realizados, dando
o perito seu parecer e respondendo aos quesitos formulados.
O laudo claro é aquele que pode ser compreendido sem dificuldade pelo leigo, ou
seja, pelo homem médio que não dispõe dos conhecimentos especializados do expert. O
papel do perito é o de aclarar uma situação de fato, não proferir um trabalho acadêmico. O
laudo obscuro é imprestável a esta função.
Circunscrever-se ao objeto da perícia significa aquilo que referimos como dever de
congruência. É que o perito não deve dilatar nem restringir o objeto do exame. O perito deve
tratar de todas aquelas e somente daquelas alegações de fato que exijam a sua atuação.
Inclusive, caso não estejam claros os quesitos, o canal de comunicação entre o perito e seus
interlocutores deve permanecer aberto. Ainda que Moacyr Amaral Santos não haja
mencionado, podemos inserir a possibilidade no dever de esclarecimento decorrente do
processo cooperativo.
Por último, refere-se o autor à necessidade de o laudo ser fundamentado. Para ele, a
necessidade de fundamentação é intrínseca à natureza deste ato processual. Para que as
conclusões do perito sejam idôneas, é preciso que este demonstre as razões do seu
acertamento sobre os fatos. São exatamente as razões consignadas que atribuem autoridade às
conclusões. Deve-se fundamentar como forma de permitir aos demais interlocutores no
processo que ponham em debate o resultado das investigações. A necessidade de
fundamentação do laudo é indispensável ao aprofundamento do contraditório sobre este ato.
Ao que tudo indica, apesar de há muito consagradas na doutrina tais lições, entendeu
o legislador como imprescindível explicitá-las ainda mais.
Tantos outros doutrinadores constroem critérios a respeito dos elementos necessários
à fundamentação dos resultados da perícia. A preocupação, em geral, se dá exatamente em
permitir haja contraditório sobre a prova pericial, reforçando os instrumentos de controle.
Erich Döhring afirma ser indispensável ao perito deixar expresso sobre quais bases
fáticas se funda o seu laudo, permitindo que os seus interlocutores examinem se todo o
material disponível foi objeto do exame. Também, afirma que o perito tem que por em
evidência o método aplicado nas investigações e como se chegou aos resultados a partir dele,
demonstrando a trajetória percorrida desde as bases iniciais do exame até as suas conclusões,
o grau de certeza (ou percentual de erro) do método aplicado e buscando sempre atingir o
grau mais exato de verificação. Quanto ao próprio especialista, é necessário que suas
qualificações profissionais sejam dadas a exame, para que se verifique, sendo o caso, a que
linha de pensamento ou “Escola” se filia e seu grau de prestígio profissional no meio. Afirma,
ao fim, que as informações do experto somente são dignas de confiança se: baseadas em
dados fáticos corretos; os princípios técnicos utilizados sejam reconhecidos; a atuação do
examinador haja sido correta tanto quando os elementos controláveis dos testes quanto aos
incontroláveis560.
Rodrigo Rivera Morales561 defende a necessidade de motivação dos laudos periciais
como garantia para os litigantes, como forma de se entender o porquê das conclusões as quais
chegou o experto. “Se no hay motivación la pericia carece de valor, pues no forma una pieza
de convicción.” É indispensável a demonstração das técnicas utilizadas, dos procedimentos e
resultados obtidos. A estruturação dos laudos periciais da seguinte forma: a) descrição
completa dos fatos e/ou objetos que foram examinados; b) caso se verifique, o limite das
amostras utilizadas e como se deu a sua colheita; c) a descrição de todos os métodos, técnicas,
560 DÖHRING, Erich. La Prueba. Buenos Aires: Valleta Ediciones, 2003. pp. 208-213.
561 MORALES, Rodrigo Rivera. La Prueba... Ob. cit. pp. 195-196.
224
562 “Mais importante, todavia, é a circunstância de a obrigação de fundamentar as decisões judiciais constituir
um verdadeiro factor de legitimação do poder jurisdicional, contribuindo para a congruência entre o exercício
desse poder e a base sobre a qual repousa: o dever de dizer o direito no caso concreto (iuris dicere). E, nessa
medida, é garantia de respeito pelos princípios da legalidade, da independência do juiz e da imparcialidade das
suas decisões” Tribunal Constitucional Português. Acórdão 680/1998. Relatora Maria dos Prazeres Pizarro
Beleza. 2° Secção. Disponível em <http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/19980680.html> Acesso:
25/07/2015.
563 CAMBI, Eduardo. Neoconstitucionalismo... Ob. cit., 2011. p. 319. No mesmo sentido: MARINONI, Luiz
Guilherme. Teoria Geral... Ob. cit. pp. 413-417; LUCCA, Rodrigo Ramina de. O dever... Ob. cit. pp. 121-124.
Noticia ainda Taruffo: “A concepção irracionalista do intime conviction é evidentemente incompatível com uma
concepção epistêmica do processo: acaba por configurar e legitimar decisões puramente subjetivas, e, por
conseguinte, substancialmente arbitrárias, do juiz de fato.” TARUFFO, Michele. Uma simples... Ob. cit. p. 189.
225
564 TUCCI, José Rogério Cruz e. Precedente judicial como fonte do direito. São Paulo: RT, 2004. p. 12.
565 CUNHA, Leonardo Carneiro da. O processo civil... Ob. cit. p. 359.
566 Quando um precedente é reiteradamente aplicado em um juízo, há a formação da jurisprudência. Tornando-
se dominante aquele entendimento, podem os tribunais editar súmulas, enunciando textualmente a norma geral
construída jurisprudencialmente (MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Martins; BRANCO, Paulo
Gustavo Gonet. Curso... Ob. cit. pp. 914-917.). O entendimento jurisprudencial é a norma. A súmula é o texto
dessa norma, é o seu enunciado. Na verdade, o tribunal possui uma súmula com diversos enunciados. Cada um
daqueles enunciados é um enunciado da súmula. A súmula representa o conjunto de enunciados. Ainda, a
técnica da criação de enunciados sumulados é um dos desdobramentos dos processo de abstrativização das
decisões judiciais. Ganha destaque na abstrativização do controle difuso de constitucionalidade pelo STF, ao
lado de outra técnica nesse trabalho já mencionada, a da repercussão geral.
567 MACEDO, Lucas Buril de; PEREIRA, Mateus Costa; PEIXOTO, Ravi de Medeiros. Precedentes,
cooperação e fundamentação: construção, imbricação e releitura. O projeto do novo código de processo civil.
ADONIAS, Antônio; DIDIER JR., Fredie (org.). Salvador: Jus Podivm, 2012. p. 530.
226
568 DIDIER JR., Fredie. Os três modelos... Ob. cit. pp. 212-213.
569 “A fundamentação das decisões judiciais tem tanta relevância no sistema que foi elevada à norma
constitucional (art. 93, IX, da CF), que, ciente da gravidade do não cumprimento da regra constitucional,
imputou, num inédito comando constitucional, a pecha de nula à decisão que não contiver a fundamentação. Esta
é, repita-se, a única oportunidade na Constituição Federal em que é empregada a terminologia 'sob pena de
nulidade'.” FERREIRA, William Santos. Princípios... Ob. cit. p. 289.
570 “Fundamentar significa o magistrado das as razões, de fato e de direito, que o convenceram a decidir a
questão daquela maneira. A fundamentação tem implicação substancial e não meramente formal, donde é lícito
concluir que o juiz deve analisar as questões postas a seu julgamento, exteriorizando a base fundamental de sua
decisão. Não se 'consideram substancialmente' fundamentadas as decisões que afirmam que, 'segundo os
documentos e testemunhas ouvidas no processo, o autor tem razão, motivo por que julgou procedente o pedido'.
Essa decisão é nula porque lhe falta fundamentação.” NERY JUNIOR, Nelson. Princípios... Ob. cit. p. 301. No
mesmo sentido: “A fundamentação é, em síntese, a justificativa pela qual se decidiu desta ou daquela maneira. É
pois, condição de possibilidade de um elemento fundamental do Estado Democrático de Direito: a legitimidade
da decisão. É onde se encontram os dois princípios centrais que conformam uma decisão: a integridade e a
coerência, que se materializam a partir da tradição filtrada pela reconstrução linguística da cadeia normativa que
envolve a querela sub judice.” MENDES, Gilmar Ferreira; STRECK, Lenio Luiz. Comentário ao art. 93. In:
CANOTILHO, J. J. Gomes; _____; SARLET, Ingo W.; _____. (coords.). Comentários à Constituição do Brasil.
São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013. p. 1325.
571 “A fundamentação das decisões – o que, repita-se, inclui a motivação – mais do que exigência própria do
Estado Democrático de Direito, é um direito fundamental do cidadão. Fundamentação significa não apenas
explicitar o fundamento legal/constitucional da decisão. Todas as decisões devem estar justificadas e tal
justificação deve ser feita a partir da invocação de razões e oferecimento de argumentos de caráter jurídico. O
limite mais importante das decisões judiciais reside precisamente na necessidade de motivação/justificação do
que foi dito. Trata-se de verdadeira 'blindagem' contra julgamentos arbitrários.” MENDES, Gilmar Ferreira;
STRECK, Lenio Luiz. Comentário ao art. 93. Ob. cit. p. 1324. No mesmo sentido: “Hoje, qualquer ato
processual, estatal ou não, deve ser racionalmente motivado. E, para os atos do Estado (não só do juiz), isso se
torna ainda mais relevante porque a motivação das decisões vinculativas funda as conclusões tomadas não só no
imperium que as caracteriza, mas sobretudo na racionalidade e coerência argumentativa da cognitio. O controle
das decisões reclama que os atos do processo possam passar por testes argumentativos a partir da racionalidade,
não só da conclusão ao final externada, mas também dos motivos que a fundamentam.” CABRAL, Antonio do
Passo. Nulidades... Ob. cit. p. 142.
572 “No tenemos dudas que la motivación de las decisiones judiciales es un Derecho fundamental amparado en
las constituciones que proscribe la arbitrariedad en las resoluciones judiciales y cumple el rol sustancial de
legitimar la función jurisdiccional en la medida que vincula al juez a la supremacía constitucional, además se
hace efectivo el control de la actividad jurisdiccional no solamente por parte del litigante, sino también por la
sociedad.” MORALES, Rodrigo Rivera. La Prueba... Ob. cit. p. 347.
227
regra 573 que impõe a demonstração das razões de decidir no caso concreto, servindo de
garantia contra o arbítrio574. O juiz, na fundamentação, faz um discurso com duas dimensões:
a dimensão interna ao processo, vinculando as partes, e a dimensão externa, formando
precedente sobre a matéria. Daí este dever servir ao complemento da função do contraditório
no processo, como anota Marinoni:
Mas o contraditório, como mecanismo que garante a possibilidade de participação
das partes, ainda que mediante alegações, provas etc., não é suficiente para garantir a
legitimidade do processo jurisdicional. Para tanto, além da imprescindibilidade da
publicidade dos atos do juiz, tem vital importância a fundamentação das suas
decisões (...)575
Tomam destaque, nesse ínterim, duas razões apontadas por Michele Taruffo e que
fundamentam as normas impositivas do dever de motivação. A primeira dessas razões põe em
evidência a obrigação de motivação perante as partes, evidenciada em tripla visão: a
persuasão das partes (em especial a perdedora) quanto à justiça da decisão; maior facilidade
para valoração da pertinência de impugnação, sendo possível identificar de modo mais preciso
os vícios da sentença; a necessidade de que o conteúdo da decisão possa individualizar-se e se
definir de modo adequado. A segunda razão diz respeito à facilitação do julgamento de
eventual impugnação pelo órgão competente, pois, assim como para as partes, é a
fundamentação da decisão que permite ao juízo ad quem observar as motivações de
manutenção ou reforma da decisão576. Denota-se, assim, que a motivação da decisão judicial
reverbera para além do grau de jurisdição donde se prolata.
Por outro lado, afirma Canotilho em destacada síntese:
A exigência de fundamentação das decisões judiciais (CRP, art. 205.°/1) ou “da
motivação das sentenças” radica em três razões fundamentais: (1) controlo da
administração da justiça; (2) exclusão do caráter voluntarístico e subjectivo do
exercício da actividade jurisdicional e abertura do conhecimento da racionalidade e
coerência argumentativa dos juízes; (3) melhor estruturação dos eventuais recursos,
permitindo às partes em juízo um recorte mais preciso e rigoroso dos vícios das
573 Explica com acuidade Rodrigo Ramina de Lucca que “Além de garantia, o dever de motivar as decisões
judiciais é uma regra jurídica constitucional e processual, contida no devido processo legal e dele garantidora,
que impõe a todo aquele que exerce o poder jurisdicional o dever de expor as razões de suas decisões,
justificando-as formal e materialmente.” O autor desenvolve, em um diálogo com a obra de Humberto Ávila, as
razões do seu entendimento. LUCCA, Rodrigo Ramina de. O dever... Ob. cit. pp. 80-88.Em sentido contrário,
entendendo como princípio: CAMBI, Eduardo. Neoconstitucionalismo... Ob. cit., 2011. p. 327.
574 “Essa exigência processual-constitucional de publicidade, racionalidade e fundamentação das decisões
judiciais, como direito garantia fundamental de todo cidadão brasileiro, inegavelmente contribui para impedir
que o Poder Judiciário possa proferir uma decisão única e exclusivamente baseada em critérios pessoais de
justiça dos juízes, eis que objetiva despersonificação da decisão judicial, justamente para permitir a
controlabilidade jurídica e crítica da decisão pelas partes e pelos demais cidadão interessados.” MORAIS, Dalton
Santos. Democracia e Direitos Fundamentais: Proposta para uma Jurisdição Constitucional Democrática. In.:
FELLET, André; NOVELINO, Marcelo (orgs.). Constitucionalismo e Democracia. Salvador: JusPodivm, 2013.
p. 184. No mesmo sentido: SANTOS, Tomás-Javier Aliste. La motivación... Ob. cit. pp. 138-139.
575 MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria Geral... Ob. cit. p. 415.
576 TARUFFO, Michele. La motivación de La sentencia civil. Madri: Editorial Trotta, 2011. pp. 333-343.
228
577 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional... Ob. cit.p. 667. No mesmo sentido: “Em
síntese, o dever de motivação judicial das decisões: a) é uma garantia contra o arbítrio; b) serve como garantia
contra a influência de pontos de vista pessoais (subjetivismo); c) possibilita às partes conhecerem os
fundamentos da decisão e, como isto, é um meio de impugnação e um modo de controle do raciocínio do
magistrado; d) contribui para o maior grau de previsibilidade e segurança das normas jurídicas.” CAMBI,
Eduardo. Neoconstitucionalismo... Ob. cit., 2011. p. 326.
578 As medidas liminares inudita alter pars não violam o contraditório. O contraditório, nessas decisões, é
transferido para um momento posterior. O réu pode ser ouvido e a decisão modificada. A provisoriedade de tais
medidas e o fato de se basearem em situações de urgência justificam a mitigação do contraditório. CUNHA,
Leonardo Carneiro da. O princípio do contraditório e a cooperação no processo. Direito Constitucional: Os
Desafios Contemporâneos - Uma Homenagem ao Professor Ivo Dantas. ROSA, André Vicente Pires;
MONTEIRO, Roberta Côrrea de Araújo. (Coords.). Curitiba: Juruá, 2012. pp. 430-432.
579 JUNIOR, Humberto Theodoro; NUNES, Dierle; BAHIA, Alexandre Melo Franco; PEDRON, Flávio
Quinaud. Novo CPC... Ob. cit. p. 93.
580 LANES, Júlio Cesar Goulart. Fato e direito no processo civil cooperativo. São Paulo: RT, 2014. p. 198.
Continua o autor em outro momento: “Desse modo, todos os elementos fático-jurídicos da causa dependem de
debate prévio, entre todos os partícipes da relação processual, partes e julgador, objetivando-se, desse modo, a
construção da justa solução do caso concreto, estratificável e aferível, por óbvio, na motivação da decisão.” (p.
199).
581 NOJIRI, Sérgio. O dever de fundamentar as decisões judiciais. São Paulo: RT, 1998. pp. 29-32
229
582 Tal dever é recíproco, devendo o juiz promover uma exposição precisa da matéria de fato. CUNHA,
Leonardo. A Atendibilidade...ob. cit., pp. 68-69.
583 Sobre a função endoprocessual da motivação, apresentando um pano de fundo histórico: SANTOS, Tomás-
Javier Aliste. La motivación... Ob. cit. pp. 157-158.
584 Sobre a função extraprocessual da motivação, apresentando um pano de fundo histórico: Idem. Ib idem. pp.
158-159.
585 CAMBI, Eduardo. Neoconstitucionalismo... Ob. cit., 2011. p. 338.
586 Interessante o que anota Lorena Barreiros: “Sobre o déficit de legitimidade democrática dos juízes, assunto
que rende incessantes debates doutrinários, tal questionamento assume posição de relevo, sobretudo quando em
exame o controle judicial de constitucionalidade dos atos legislativos e executivos. Sem pretender adentrar essa
extensa discussão, por certo que a exigência de fundamentação da decisão judicial é fator que contribui para
minorar os efeitos do caráter contramajoritário da investidura dos juízes, uma vez que, ao motivar suas decisões
judiciais, o magistrado externa as razões que formam o seu convencimento, sujeitando-as ao controle endo e
extrapocessual, no primeiro caso pela via dos recursos e, no segundo, pela crítica da opinião pública.”
BARREIROS, Lorena Miranda Santos. Fundamentos... Ob. cit. p. 144.
587 MORALES, Rodrigo Rivera. La Prueba... Ob. cit.. p. 352.
230
588 “Assim, quando o texto constitucional determina no inciso IX do art. 93 que 'todas as decisões devem ser
fundamentadas', é o mesmo que dizer que o julgador deverá explicitar as razões pelas quais prolatou determinada
decisão. Trata-se de um autêntico direito a uma accountability (Streck, op. cit.), contraposto ao respectivo dever
de (has a duty) de (sic) prestação de contas. Ou seja, essa determinação constitucional se transforma em um
autêntico dever fundamental.” MENDES, Gilmar Ferreira; STRECK, Lenio Luiz. Comentário ao art. 93. Ob. cit.
p. 1324.
589 LANES, Júlio Cesar Goulart. Fato e direito... Ob. cit. p. 199.
590 LIRA, Gerson. Direito à valoração das provas. OLIVEIRA, Carlos Alberto Álvaro de (org.). Prova Cível.
Rio de Janeiro: Forense, 2005.p. 43.
591 MORALES, Rodrigo Rivera. La Prueba... Ob. cit. p. 241.
592 LIRA, Gerson. Direito... Ob. cit.p. 46.
593 “No momento em que o juiz escolhe o perito, a confiança que nele deposita pode implicar com frequência
em verdadeira delegação da jurisdição sobre a matéria técnico-científica. O próprio juiz se torna presa das
conclusões da perícia, pela impossibilidade de controle da sua credibilidade, o que, segundo RICCI, acaba por
transformar a perícia numa prova legal, que se sobrepõe à própria livre convicção.” GRECO, Leonardo. A prova
231
avaliar esta possibilidade, tendo em mente que o juiz jamais poderá perder o controle sobre a
prova.
Indispensável na produção e no controle da prova técnica e científica é o dever de
fundamentação das decisões judiciais, objeto de comentários no tópico anterior. O CPC/15
mantém o sistema da persuasão racional para a apreciação da prova pelo juiz, tendo o
legislador suprimido em diversas ocasiões o termo “livre” quando se refere ao convencimento
do magistrado –, exigindo motivação racional das decisões, permitindo às partes o controle de
eventuais arbitrariedades através das garantias do contraditório e do duplo grau de jurisdição,
pois “o juiz não pode decidir como bem entender, ou de acordo com suas convicções
[particulares]. Deve, isto sim, valorar racionalmente a prova produzida.”594 É esse processo
comunicativo que legitima a atuação do juiz no controle das provas no processo antes,
durante e depois de sua produção.
O sistema de persuasão racional, ao afirmar o dever do magistrado de explicitar
racionalmente o resultado do seu processo de convencimento na motivação, i’mpõe que este
considere “todo o acervo probatório, os debates e as condutas das partes, em obediência ao
princípio da cooperação.”595É, conforme já se pode perceber, um instrumento de controle de
arbitrariedades.
O CPC/15 reforçou o dever de fundamentação. O §1° do artigo 489 descreve
diversos requisitos necessários para que uma decisão judicial seja considerada motivada. Em
verdade, o dispositivo textualiza norma derivada exatamente do artigo 93, IX da Constituição,
tendo a virtude de torná-la explícita, reduzindo o ônus argumentativo para alegação de
invalidade de decisão judicial por ausência de fundamentação.
Especialmente quanto à perícia, o mandamento constante do artigo 479 afirma que o
juiz apreciará a prova pericial de acordo com o disposto no art. 371, indicando na sentença os
motivos que o levaram a considerar ou a deixar de considerar as conclusões do laudo, levando
em conta o método utilizado pelo perito. Consagra-se o chamado princípio liberatório no
no processo civil: do código de 1.973 ao novo código civil. Estudos de Direito Processual. Campos dos
Goytacazes: Ed. Faculdade de Direito de Campos, 2005. p. 388. Apud ALMEIDA, Diogo Assumpção Rezende.
A prova pericial... Ob. cit. p. 68 (nota 131).
594 RAMOS, Vitor de Paula. O procedimento probatório no Novo CPC. Em busca de interpretação do sistema à
luz de um modelo objetivo de corroboração das hipóteses fáticas. JOBIM, Marco Félix; FERREIRA, William
Santos (coords). Direito Probatório. Salvador: JusPodivm, 2015. p. 129. No mesmo sentido: “Para evitar
'subjetivismo' e o arbítrio das decisões judiciais, justifica-se a necessidade de um controle do próprio raciocínio
desenvolvido pelo órgão judicial, ao apreciar tanto a prova quanto os elementos de fato relevantes para a
decisão.” CAMBI, Eduardo. Neoconstitucionalismo... Ob. cit., 2011.p. 324.
595 MACEDO, Lucas Buril de; PEIXOTO, Ravi de Medeiros. Ônus... Ob. cit. p. 80.
232
596 MANZANO, Luiz Fernando de Moraes. Prova Pericial... Ob. cit. p. 106.
597 Atente-se: o juiz não está apto a analisar a aptidão do método para a comprovação do fato por si só. Sua
análise recairá sobre a comprovação que fez o perito a respeito de sua confiabilidade e aceitação em sua área do
conhecimento, podendo pesar este elemento com os demais elementos de prova nos autos e com todos os filtros
de controle da prova ao longo de sua produção.
598 É comum encontrarmos julgados afirmando a possibilidade de o magistrado desconsiderar as conclusões do
perito “motivadamente”. O problema é a falta de motivação robusta de tais decisões. Possível mencionar, nesse
sentido, julgado do STJ: DIREITO PROCESSUAL CIVIL. NÃO VINCULAÇÃO DO JUIZ ÀS
CONCLUSÕES DO LAUDO PERICIAL. É possível ao magistrado, na apreciação do conjunto probatório dos
autos, desconsiderar as conclusões de laudo pericial, desde que o faça motivadamente. Conforme o art. 131 do
233
CPC, "o juiz apreciará livremente a prova, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes dos autos, ainda que
não alegados pelas partes; mas deverá indicar, na sentença, os motivos que lhe formaram o convencimento". Por
sua vez, o art. 436 do CPC dispõe que "o juiz não está adstrito ao laudo pericial, podendo afirmar a sua
convicção com outros elementos ou fatos provados nos autos". Nesse contexto, pode-se concluir que, no sistema
processual brasileiro, a norma resultante da interpretação conjunta dos referidos dispositivos legais permite ao
juiz apreciar livremente a prova, mas não lhe confere a prerrogativa de trazer aos autos impressões pessoais e
conhecimentos extraprocessuais que não possam ser objeto do contraditório e da ampla defesa pelas partes
litigantes, nem lhe outorga a faculdade de afastar injustificadamente a prova pericial, porquanto a fundamentação
regular é condição de legitimidade da sua decisão. (REsp 1.095.668-RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado
em 12/3/2013).
599 ALMEIDA, Diogo Assumpção Rezende. A prova pericial... Ob. cit. pp. 68-69.
600 MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Código... Ob. cit. p. 410.
601 DIDIER Jr., Fredie; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de; BRAGA, Paula Sarno. Curso... – vol. 2. Ob. cit. p.
224. No mesmo sentido, ALMEIDA, Diogo Assumpção Rezende. A prova pericial... Ob. cit.p. 106, ao afirmar:
“Na busca da verdade do fato científico, o juiz deve, pois, se certificar que a verdade científica apresentada
corresponde àquilo que pensam os pesquisadores da área no momento em que a prova é produzida, sob pena de
se pribilegiar uma falsa verdade.”
234
602 CAMEJO FILHO, Walter. Juízo... Ob. cit. pp. 6-7. Adiante, afirma o autor que as normas que regulam o
tema “impõem limitações em dois momentos distintos: como juízo de admissibilidade, onde os parâmetros
referem-se ao objeto da prova, aos meios probatórios, bem como aos procedimentos empregados nas operações
referentes à colheita de material probatório. E como juízo de valoração, quando os participantes do processo
influenciam o convencimento judicial, principalmente levando-se em conta o moderno caráter de colaboração
do processo.” (p. 23). Assim, corrobora-se com a ideia de que a admissibilidade e valoração da prova servem
como instrumentos à garantia de direitos e à legitimação da função jurisdicional.
603 Esclarecem Marinoni e Arenhart: “Assim, por exemplo, pode haver uma prova pericial que aponte em duas
direções. Caso a prova não possa traduzir em graus a probabilidade, é necessário ao juiz referir à indefinição da
prova e, por isso, a necessidade dela ser reforçada com outros argumentos de convicção. Tratando-se de prova
que possa espelhar maior probabilidade em determinado sentido, essa situação também deve ser advertida pelo
juiz, pois somente assim a sua valoração final (do conjunto probatório) será justificável.” MARINONI, Luiz
Guilherme; ARENHART, Sério Cruz. Prova... Ob. cit. p. 318.
235
produzido, e é da mesma forma condicionada por este, na medida em que seu peso maior ou
menor depende do resultado do todo. “Melhor explicando: é preciso valorar as provas
individualmente e relacioná-las entre si. A valoração conjunta, como é obvio, depende da
valoração de cada uma das provas, mas a valoração individualizada de cada uma das provas
deve dialogar com a valoração das demais.”604
Deve-se atentar: não é suficiente para a motivação da decisão que o juiz analise as
provas somente suficientes à tese vencedora, devendo justificar a rejeição das provas
produzidas para corroborar a tese derrotada. O processo é um exercício dialógico. “Para que
ele [o juiz] realmente possa justificar a sua decisão, não pode deixar de demonstrar que as
eventuais provas produzidas pela parte perdedora não lhe convenceram.”605 Não pode haver
rejeição tácita de provas existentes no processo. É necessário à higidez da decisão judicial
que haja fundamentado o acolhimento de certas provas, do mesmo modo que a rejeição de
outras.
Incide aqui o chamado princípio da exaustividade apontado por Rodrigo Rivera
Morales, como oponível ao magistrado. Para o autor:
Como efecto del principio de libertad probatoria, la ley adjetiva le impone al juez
civil la obligación de valorar y analisar todas y cada una de las pruebas que cursen
en autos, configurando tal valoración y análisis en la sentencia. (…) A sua vez el
análisis de cada medio debe ser, igualmente, exhaustivo, es incorrecto un examen
parcial, de manera que debe examinarse totalmente y extraer qué dece y qué no dice,
qué corrobora y qué contradice.606
Não há falar, frise-se, em rejeição implícita607, pois o convencimento exige que a
valoração do acervo probatório se dê em uma análise ampla do que foi produzido durante a
instrução608. Caso não haja esta análise fundamentada e racional do contexto fático probatório,
estar-se-á diante do sistema de livre convicção.
Pertinente a observação de Carlos Alberto Alvaro de Oliveira no sentido de que a
604Idem. Ib. idem. pp. 318-319. No mesmo sentido: DÖHRING, Erich. La Prueba. Ob. cit. p. 208.
605 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sério Cruz. Prova... Ob. cit. p. 320. De maneira semelhante:
“O órgão judicial deve evitar a valoração meramente positiva das provas. Além de mencionar os argumentos que
serviram de para o seu convencimento, há de explicar porque as demais provas não foram suficientes para lhe
persuadir (valoração negativa das provas).” CAMBI, Eduardo. Neoconstitucionalismo... Ob. cit., 2011.p. 325.
Ainda: LIRA, Gerson. Direito... Ob. cit.p. 46.
606 MORALES, Rodrigo Rivera. La Prueba... Ob. cit. p. 241. O autor menciona também outros princípios
aplicáveis à fundamentação das decisões que valoram as provas: princípio da congruência, princípio da
integralidade e comunidade da prova (que se identifica com aquele que chamamos de homogeneidade da prova)
e princípio da imparcialidade (pp. 242-247).
607 Conforme anotam Lucas Buril e Ravi Peixoto, no mesmo sentido: “Deve [o juiz], sempre, fundamentar sua
decisão, analisando as razões do acolhimento de uma versão dos fatos e não da outra. Frise-se que jamais deve o
magistrado apoiar-se apenas na versão escolhida, mas sim, ter o cuidado de demonstrar porque não acolheu a
versão fática apresentada pela parte sucumbente.” MACEDO, Lucas Buril de; PEREIRA, Mateus Costa;
PEIXOTO, Ravi de Medeiros. Ônus... Ob. cit. p. 80.
608 ZAGANELLI, Margareth Vetis; LACERDA, Maria Francisca dos Santos. Livre Apreciação... Ob. cit. p.
166.
236
ideia de íntima convicção, ainda que positiva, pode gerar o efeito nefasto de transformar a
valoração das provas em um ato incontrolável. Há de se “domesticar o poder”609.
A apreciação da prova pelo juiz, no regime da persuasão racional, não se justifica
apenas na apreciação das provas que corroboram com a tese vencedora. A argumentação deve
focar (e por que não com mais intensidade610) nas provas produzidas pela parte derrotada. É
necessário levar em conta todo o acervo fático-probatório, ainda que para rejeitá-lo. Segundo
Moacyr Amaral Santos, o juiz
À vista das mais variadas e contraditórias provas por vêzes, exporá os motivos por
que reconhece o valor nestas ou naquelas ou porque a tôdas rejeita, usando para isso
da liberdade condicionada que lhe concede a lei. Exporá os motivos, porém de
forma que possam os litigantes perceber a legitimidade de sua convicção.611
Inclusive, a necessidade de análise aprofundada de todas as provas materializa
conteúdo do direito fundamental à prova, perpassando desde a admissibilidade até a sua
valoração. 612 Configura ferimento à isonomia material que o juiz não valore as provas do
derrotado. Quando se diz a respeito da importância da fundamentação judicial para a
confecção do recurso e sua eventual interposição, é de suma importância que o derrotado
recorrente saiba as razões que levaram o magistrado à improcedência do seu pedido e à
procedência do pedido da parte adversa. Valorar somente as provas vencedoras, neste
contexto, é tratar de forma diferente sujeitos em pé de igualdade. Ainda mais: se a quem cabe
recorrer é ao derrotado, a fundamentação deve oferecer muito mais a ele que ao vencedor a
motivação. Isso, obviamente, caminha lado a lado com a fundamentação da tese vencedora.
609 O autor é enfático: “O problema revela-se muito mais complexo e mostra-se bem possível que o órgão
judicial, mesmo com uma autêntica proclamação de princípios, ao justificar determinada visão dos fatos lance
mão de critérios vagos e indefinidos, empregando fórmulas puramente retóricas, despidas de conteúdo, aludindo
por exemplo a “verdade material”, “prova moral”, “certeza moral”, “prudente apreciação”, “íntima convicção”.
Essas e outras expressões similares representam autênticos sinônimos de arbítrio, subjetivismo e manipulação
semântica, por não assegurar nenhuma racionalidade na valorização da prova, implicar falsa motivação da
decisão tomada e impedir, assim, o controle por parte da sociedade, do jurisdicionado e da instância superior.”
OLIVEIRA, Carlos Alberto Álvaro de. Problemas atuais... Ob. cit.p. 60. No mesmo sentido: Deve-se chegar se a
motivação declina que tenham sido as partes efetivamente ouvidas, esto é, faz-se essencial à adequada
fundamentação que nela se consta o exame sério das alegações das partes, incluindo suas manifestações acerca
do material probatório produzido. Tudo o que alegado deverá ser na fundamentação expressamente acolhido ou
repelido. Do contrário, há subnutrição de conteúdo, marca típica do esquema meramente lógio-declaratório-
descritivo.” LANES, Júlio Cesar Goulart. Fato e direito... Ob. cit. p. 200.
610 É como entende LUCCA, Rodrigo Ramina de. O dever... Ob. cit. p. 210.
611 SANTOS, Moacyr Amaral, Prova Judiciária... – vol. 1. Ob. cit. pp. 414-415. Continua o autor: “O
convencimento deve ter assento nas provas colhidas e constantes dos autos (Cód. Proc., art. 118 [1939]) e, por
isso mesmo, a lei exige sua motivação, que, se por um lado, visa tranquilizar os litigantes contra o arbítrio
judicial, por outro lado visa forçar o magistrado a estudar detidamente o processo, pesando criteriosamente as
provas dos fatos, antes de pronunciar-se quanto à verdade delas resultante.” Este autor, ao tratar da valoração das
provas, trabalha sempre sobre a ideia de busca da verdade no processo. Ainda que não trabalhemos o e com o
conceito de verdade, suas lições não podem ser descartadas.
612 FLACH, Daisson. Motivação dos juízos fático-probatórios no novo CPC brasileiro. JOBIM, Marco Félix;
FERREIRA, William Santos (coords). Direito Probatório. Salvador: JusPodivm, 2015. pp. 754-756.
237
613 Conforme anota Cambi: “O dever de motivação é levado a sério quando o magistrado se debruça sobre a
motivação tanto das questões jurídicas quanto, principalmente, das questões fáticas. A concepção racional da
decisão reflete diretamente a natureza e a função da motivação judicial e, consequentemente, pressupõe uma
concepção racional do juízo fático e da valoração das provas.” CAMBI, Eduardo. Neoconstitucionalismo... Ob.
cit. p. 323.
238
científica, “em que pese de grande credibilidade, não pode constituir um retrocesso,
qualificando-se como uma prova tarifada, engessando o sistema de livre convencimento
motivado, e dando margem à existência do perito-juiz.”614 E a negativa desta hipótese de um
perito-juiz está exatamente no regular exercício de todos os métodos de controle até agora
desenvolvidos, especialmente na fundamentação das decisões judiciais615.
Reforça-se o problema muitas vezes pelo fato de que no mesmo processo são
apresentadas versões técnicas distintas 616 , o que aumenta a necessidade de diálogo entre
peritos e assistentes técnicos para o esclarecimento de eventuais divergências.
Em face da persuasão racional é devido ao magistrado analisar o contexto
probatório dos autos para encontrar coerência entre as provas produzidas. Apesar da perícia,
caso o resultado geral das provas leve a juízo diverso do atestado naquela, o órgão judicial
não pode se eximir de superá-la. “Se há outros elementos, bastantes, de convicção, pode o juiz
desprezar o laudo em parte ou totalmente. (…) Não pode desprezar laudo, sem haver algo que
seja suficiente ao seu convencimento.”617 Da mesma forma, a adoção da perícia nas razões de
decidir não deve ser levada a cabo sem qualquer justificativa. Reafirma-se: é necessária a
fundamentação que o magistrado exponha as razões que o levaram a considerar ou não
provada a alegação de fato objeto do exame pericial.
Tudo isso, obviamente, através de fundamentação robusta. É que a decisão no
processo é baseada em convicção. Como se disse, é normal se deparar com duas ou mais
versões, inclusive técnicas ou científicas, perfeitamente plausíveis a respeito da mesma
alegação de fato. O debate processual, envolvendo todos os sujeitos é que demonstrará qual a
mais verossímil, ou seja, qual deve informar a convicção do julgador.
Nos valemos da lição de Cintra:
O perito não é o juiz dos fatos a que se refere a sua atividade pericial e seu
614 ZAGANELLI, Margareth Vetis; LACERDA, Maria Francisca dos Santos. Livre Apreciação... Ob. cit. p.
170.
615 Moacyr Amaral Santos, citando as lições de Chiovenda, afirma: “Traduzindo a súmula da doutrina
dominante, Chiovenda ensina que, não obstante manifesta seja a utilidade da perícia quanto mais técnica a
questão discutida em juízo, 'em caso algum a opinião dos peritos poderá substituir-se à do juiz, vinculando-lhe
jurìducamente a convicção'. Mas, ao revés, por não estar vinculado às conclusões do laudo não decorre
possa o juiz arbitrariamente repelí-las, mas insta que mui fortes razões tenha, e perfeitamente justificadas, para
deixar de acatá-las.” SANTOS, Moacyr Amaral. Prova Judiciária... – vol. V. Ob. cit. p. 304.
616 Conforme aponta Arruda Alvim, é possível que haja até três versões distintas: a do perito nomeado pelo juiz,
a do assistente técnico do réu e a do assistente técnico do autor. ALVIM, Arruda. Manual... Ob. cit. p. 1038.
617 MIRANDA, Pontes de. Comentários... – tomo IV. Ob. cit. p. 463. No mesmo sentido: “Parece razoável que,
provido de elementos críticos, o juiz possa empregá-los na decisão, porém aqui será imprescindível profunda
justificativa a demonstrar os motivos sérios que o levaram a afastar as conclusões periciais, sem isto, estará
empregando erroneamente o livre convencimento motivado que deve se escorar nas provas existentes nos autos,
ou mais precisamente, no conjunto probatório, violando o princípio da unidade probatória (art. 436 c/c art. 131
[CPC/73]).” FERREIRA, William Santos. Princípios... Ob. cit. pp. 327-328.
239
pronunciamento a esse respeito não vincula nem pode vincular o juiz da causa. Na
verdade, o juiz não pode delegar atribuições jurisdicionais ao perito, nem aceitar
passivamente as conclusões e a opinião deste, devendo apreciar o laudo com
liberdade intelectual e justificar suas conclusões.618
Inclusive, a atuação do assistente técnico indicado pelas partes, contraditando o laudo
pericial, serve de elemento para o convencimento do juiz, mormente com a atual valorização
daquela figura.
No exame do laudo e dos pareceres técnicos, o juiz deve avaliar a autoridade
científica dos respectivos autores e sua idoneidade moral, verificar a aceitação da
comunidade científica dos métodos por eles usados e julgar a coerência lógica de
sua argumentação, atuando, assim, como peritus peritorum.619
Analisando todo o contexto probatório, é perfeitamente possível que a prova
produzida nos autos afaste o poder de convicção do laudo pericial. Impossível, todavia,
construir critérios abstratos, caminhos predefinidos que o juiz deve seguir para sua apreciação.
Fazê-lo, seria propor um retorno ao sistema de prova legal. Possível que o magistrado se
utilize de diversos dos critérios aqui já tratados, como a credibilidade e experiência do perito
no meio profissional, a idoneidade de método e a forma como desenvolveu-se o procedimento
de produção da prova.
O que não de pode admitir, por óbvio, é que o magistrado não avalie seus resultados,
seja para considerá-los ou não. “Nada obstante, a desconsideração da perícia pelo juiz exige
motivação específica: primeiro, o juiz não pode simplesmente ignorar a perícia produzida;
segundo, para desconsiderá-la, deve dizer claramente as razões dessa decisão.”620
O exame da prova pericial sempre colocará o julgador em uma encruzilhada: ao
mesmo tempo em que não pode ser arbitrário em sua avaliação, discordando de resultados
periciais sem a fundamentação adequada, o que levaria a uma realidade de autoritarismo,
também não pode o juiz se submeter sem qualquer tipo de questionamento àquilo que atestado
pela prova técnica e científica, sob pena de decidir o perito e não o magistrado621. A saída,
então, é fazer com que a decisão judicial passe pelo filtro criterioso da fundamentação e do
diálogo processual cooperativo antes, durante e após ser produzida. O CPC/15 veio para
facilitar a situação, tanto no desenvolvimento do dever de fundamentação das decisões (art.
489), quanto na nova regulação da produção da prova pericial. As perspectivas são positivas,
devendo a prática atentar para os caminhos abertos pela doutrina para que a decisão judicial
proferida seja justa, apta a solucionar (e não apenas resolver) o conflito, com legitimidade
Necessário, pois, conformar estes prazos com vista à razoável duração do processo.
Interpretá-los ao pé da letra não será, definitivamente, a solução. O procedimento adotado não
seguiu a melhor regulação.
Debruçando sobre as especificidades do controle prévio da prova técnica e científica,
tratamos de sua admissibilidade.
A prova técnica e científica, instrumentalizada em nosso ordenamento pela perícia, é
das mais demoradas e caras do processo. Só deve ser admitida a sua produção caso se
vislumbre o requisito da necessidade. A prova há de ser relevante e útil; ao mesmo tempo,
não pode haver outra forma de verificar a alegação de fato que seja menos dispendiosa. Isso
não faz com que a prova pericial seja residual, mas que tenha um campo de atuação específico
no processo. Verificada a sua necessidade, deve-se ordenar a produção.
Outros limites, todavia, devem ser levados em conta. Fatores como o estágio de
desenvolvimento da ciência na localidade e o poder aquisitivo das partes vão condicionar a
realização da perícia. A prática não nos deixa fugir disso.
Ponto positivo do CPC/15 foi abrir as portas, através do art. 473, à análise do método
ou técnica e sua aplicação no decorrer da produção da prova. Ocorre que no sistema
estadunidense tais elementos, de forma mais racional, são analisados no momento de
admissibilidade da prova. Apesar de expressamente não haver autorização para este controle
prévio em nossa ordem jurídica, podemos afirmar sem sombra de dúvidas que os critérios
construídos pela jurisprudência americana a nós se aplicam, sendo possível o seu juízo,
inclusive, desde o momento de admissibilidade da prova.
Além disso, outra boa novidade do CPC/15 foi admitir a escolha consensual do
perito pelas partes, apesar da manutenção da regra geral de escolha pelo juiz. Dar aos sujeitos
parciais do processo a oportunidade de consensualmente escolher o expert que atuará na
perícia reduz a litigiosidade e aproxima autor e réu. Este negócio jurídico processual típico
veio em boa hora para favorecer a autocomposição e reduzir as razões de impugnação da
atuação do experto. É opção salutar.
Ultrapassada a fase de admissibilidade, passamos a tratar do controle da perícia
durante sua produção O foco foi dado à relação entre as partes, seus assistentes técnicos, o
magistrado e, claro, os peritos.
É necessária uma aproximação entre estes sujeitos. O perito é, assim como partes e
juiz, sujeito do contraditório. Ele não atua sozinho, de forma destacada. O perito atua em
conjunto, em diálogo, com todos os demais sujeitos. Deve respeitar os deveres de veracidade
244
e ser zeloso em sua atuação; deve prezar pela capacitação profissional e pela boa aplicação do
método ou técnica motivadamente escolhido. Deve-se garantir publicidade à sua atuação.
Caso não se adéque aos ditames postos pelo ordenamento, sendo desidioso ou
demonstrando incapacidade técnica de se desincumbir do seu dever, o perito deve ser
substituído. Da mesma forma, é possível ao perito escusar-se em participar. Apesar de em
certos momentos se defender a impossibilidade de o perito apresentar escusa, defendemos a
tese de que se admite a negativa do experto com base em razões de foro íntimo, não sendo
possível ao magistrado imiscuir-se nas razões, sob pena de violação à intimidade e à vida
privada do profissional. Abre-se a possibilidade de escusa de forma ampla, ainda que
justificada. Não vemos como obrigar o perito a participar. As hipóteses de substituição do
perito configuram claramente instrumentos de controle da produção da prova.
Além do perito, não é possível deixar de reconhecer a importante função do
assistente técnico. Apesar de personagem não necessário, pois cabe às partes decidir a respeito
de sua nomeação, sua participação é indispensável ao bom resultado da perícia. É sujeito
necessariamente parcial e protege os interesses daquele que o nomeia. Não pode o assistente
técnico, contudo, imiscuir-se na utilização dos métodos ou influenciar o perito a respeito da
forma com proceder. A ele cabe o controle da atuação do perito, mas jamais esta interferência
poderá ser indevida. Cabe ao magistrado, também, limitar a sua atuação. Estes sujeitos,
normalmente relegados quando do estudo da prova pericial, desempenham a função chave de
olhos, boca e ouvidos daqueles que não dispõem de conhecimento especializado.
Todo este processo de produção, perceba-se, deve ser permeado pelo diálogo entre os
sujeitos do processo. Qualquer irregularidade apontada precisa ser rapidamente apreciada, sob
pena de restar, ao fim, um laudo pericial imprestável.
Por último, neste capítulo tratamos da valoração da prova técnica e científica.
Não há qualquer dúvida: o perito é sujeito do processo cooperativo, submetendo-se
ao amplo diálogo processual e a deveres de cooperação. Destacadamente: o dever de consulta
e esclarecimento incide diretamente na atuação do experto. Este deve sempre manter corrente
a participação das partes e seus assistentes ao longo das diligências, dirimindo quaisquer
dúvidas que surjam de sua atuação. O trabalho do perito é atingido por ampla publicidade aos
demais sujeitos da relação processual.
Não sem razão, também, aplicam-se diretamente a ele os deveres de fundamentar
racionalmente o laudo pericial e manter-se congruente quanto aos limites do exame. É
necessário que o profissional, no laudo, apresente não somente suas conclusões, mas todo o
245
iter, desde a escolha de um método ou técnica viável e reconhecido, passando por sua
aplicação prática até chegar às conclusões. Não somente, se deve limitar à resposta dos
quesitos apresentados e às questões de fato, sob pena de ficando aquém ou além disso, tornar
imprestáveis suas conclusões.
Elemento deste dever de fundamentação é também a obrigatoriedade em utilizar uma
linguagem clara e acessível aos leigos. Se a função do perito é exatamente esclarecer pontos
incompreensíveis de plano pelo homem médio, é indispensável que o laudo seja redigido para
traduzir seu conhecimento especializado à linguagem dos ignorantes. O perito não pode
redigir o laudo em linguagem hermética.
Ocorre que não basta exigir a fundamentação completa do perito, se o magistrado, na
valoração da prova, atua sem se desincumbir do seu próprio dever de motivar. Trata-se de um
dever imposto constitucionalmente, sob pena de nulidade da decisão judicial. Reforçado pelo
CPC/15 em seu art. 489, o dever de fundamentação das decisões já está talhado na
Constituição da República desde 1989. Face às constantes interpretações restritivas que
recebeu ao longo dos anos, foi necessário que o legislador o reforçasse e desenvolvesse na
legislação infraconstitucional. É, repita-se, impositivo. Trata-se de um direito fundamental à
fundamentação das decisões judiciais.
Na valoração das provas técnicas e científicas especialmente, cabe ao magistrado o
controle da prova através da motivação de suas decisões. Observe-se: não se trata de
fundamentar sua decisão sobre o laudo apresentado, mas de fundamentar todas as suas
decisões, ao longo de todo o processo, inclusive desde o primeiro momento de
admissibilidade da prova.
O dever de fundamentação é o que nos possibilita negar veementemente a hipótese
de que o perito decide e não o juiz. O problema da suposta delegação de competência ao
perito trata-se de um problema de fundamentação das decisões. A decisão que adota sem juízo
crítico os resultados do laudo pericial não é viciada pela incompetência do perito para decidir,
mas sim pela ausência de motivação da decisão que adotou o laudo.
As perspectivas, pois, são favoráveis ao desenvolvimento de um procedimento mais
racional para o aporte dos conhecimentos especializados ao processo, por todas as questões já
exaustivamente abordadas. Este trabalho visa contribuir com o desenvolvimento deste tema
tão interessante e útil ao processo.
246
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