CONTEÚDO DIGITAL DE FORMAS CONSENSUAIS[1]

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CONTEÚDO DIGITAL DE FORMAS CONSENSUAIS

MÓDULO 1
Direito fundamental ao acesso ao Poder Judiciário
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A Revolução Francesa, proveniente de 1789, marcou o nascimento dos direitos


fundamentais no mundo moderno ao levantar a bandeira da liberdade, igualdade e
fraternidade entre todas as pessoas e defender as garantias individuais, tendo como
pano de fundo a ingerência abusiva e lesiva do Estado, no desempenho de suas
atribuições, na vida privada dos cidadãos (DIMOULIS; MARTINS, 2008).

Nesse cenário, estão inseridos os direitos fundamentais. Trata-se daqueles que são
oriundos da própria natureza da pessoa enquanto ser humano e se encontram
normatizados e positivados nos principais textos constitucionais modernos, razão pela
qual é inadmissível o seu desrespeito, sob qualquer justificativa (POLARINI, 2012).

Os direitos fundamentais são, portanto, oponíveis a todos que estejam submetidos à


Constituição Federal. Assim, é dever do Estado – e dos demais órgãos que o
compõem – observá-los ao criar as normas e fazê-los respeitar, bem como protegê-los
dos possíveis abusos que possam sofrer quando aplicados nas relações entre os
particulares. Por outro lado, os cidadãos, no exercício dos atos da vida civil, não
podem ignorá-los, devendo permear todas as relações jurídicas que se estabelecem
no seio da sociedade (POLARINI, 2012).

Nesse sentido, segundo as lições de Ingo Wolfgang Sarlet, os direitos fundamentais


devem ser considerados mais do que um instrumento de defesa da liberdade
individual da pessoa humana para integrar um sistema jurídico de valores básicos que
atuam como fundamento em todo o ordenamento jurídico (SARLET, 2015).

Mas e quanto ao acesso ao Poder Judiciário? Como ele se enquadra no contexto


dos direitos fundamentais? O acesso ao Poder Judiciário é tanto um princípio
constitucional quanto processual; está previsto em vários dispositivos legais, tendo
várias garantias estabelecidas e protegidas pela Constituição Federal. Desse modo, é
considerado um elemento essencial e imprescindível para o bom e perfeito
funcionamento de nosso sistema jurídico e do próprio Estado Democrático de Direito.
Na verdade, estamos diante de um instrumento de efetivação da cidadania (ZANINI,
2017).

Em linhas gerais, podemos afirmar que o acesso ao Poder Judiciário determina duas
finalidades básicas do nosso ordenamento jurídico: aquela em que as pessoas
podem reivindicar os seus direitos ou resolver os seus problemas sob a inferência
do Estado. Contudo, para que essas finalidades sejam atingidas, o sistema jurídico
deve garantir o acesso a todos, sendo imprescindível que os resultados produzidos
sejam individuais e socialmente justos. “Sem dúvidas, uma premissa básica será a
justiça social, tal como desejada por nossas sociedades modernas, que pressupõe o
acesso efetivo” (CAPPELLETTI; GARTH, 2002, p. 8)
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Acesso ao Poder Judiciário e acesso à justiça são dois fenômenos jurídicos distintos?
Historicamente, esse importante direito fundamental sempre fora tido como sinônimo
de acesso à própria justiça ou, então, de submeter um conflito de interesses à
apreciação de um órgão judiciário, de modo a se obter uma solução satisfatória para
as partes.

Dessa maneira, o nosso ordenamento jurídico deve promover as condições mínimas


para que todos, de forma igualitária, tenham acesso ao Poder Judiciário e, assim, “ter
a resolução da lide pretendida sem discrepâncias, sejam elas culturais, sociais ou
econômicas” (ZANINI, 2017, p. 15).

Nesse sentido, o processo aparece como um importante instrumento para que o


Estado atinja seus fins no exercício da jurisdição e para que as pessoas possam
reivindicar os seus direitos ou resolver os seus litígios, reconhecendo que suas
técnicas servem a uma função social (CAPPELLETTI; GARTH, 2002).

Na verdade, socorrer-se do Poder Judiciário é a forma mais antiga de solução dos


conflitos, monopolizada pelo Estado. Quem a ele recorre é porque confia na sua
capacidade de fazer justiça. Assim, trata-se de uma instituição que não deve ficar
satisfeita com a mera solução das controvérsias de um ponto de vista puramente
processual. Os fundamentos constitucionais da atividade jurisdicional vão além disso,
exigindo um aprofundamento na apreciação da lesão ou da ameaça do direito para
efetivar um julgamento justo do conflito (PINHO, 2021).

Nessa linha de ideias, em uma sociedade democrática e constitucional, como a que


vivemos, o processo deve ser justo e os procedimentos a ele inerentes devem ser
formados por uma estrutura que permita a tomada de decisões por meio das
chamadas garantias fundamentais do processo (THEODORO JÚNIOR, 2021).

Você consegue entender o que é um processo justo? Em essência, trata-se de “todo


o conjunto de princípios e direitos básicos de que deve desfrutar aquele que se dirige
ao Poder Judiciário em busca da tutela dos seus direitos” (GRECO, 2010, p. 831).
Assim, nele, estão compreendidas as garantias individuais fundamentais que permitem
que todos, pessoas naturais ou jurídicas, dirijam-se ao Poder Judiciário para obter
uma resposta acerca de qualquer pretensão, contando com os princípios da
imparcialidade do juiz natural, do devido processo legal, do contraditório e da ampla
defesa, da prestação da assistência jurídica aos hipossuficientes, da paridade de
armas entre os litigantes na disputa judicial, da coisa julgada como garantia da
segurança jurídica e da tutela jurisdicional efetiva.

É por essa razão que o Poder Judiciário não pode tomar decisões que sejam
impositivas e superiores ao ordenamento, tendo em vista que o cidadão deve ser
considerado um participante do exercício da função do Estado, e não apenas um mero
destinatário (CAPPELLETTI; GARTH, 2002).

Segundo Nalini (2000, p. 100), “[...] assim como a normatividade não é monopólio do
Legislativo, a realização do justo não é monopólio do Judiciário”, porque “há outras
modalidades de solução dos conflitos”.

Logo, a tutela jurisdicional exercida pelo Estado deve estar voltada para a realização
da justiça como finalidade última, a virtude das virtudes ou a virtude suprema que
deve estar em harmonia, equilíbrio e proporção com as demais virtudes da pessoa
humana, segundo Platão (GUSMÃO, 2018). Nesse contexto, é possível concluir que o
acesso ao Poder Judiciário é um meio para a realização da justiça.
REFLITA

Aqui, cabe uma indagação: se o processo não se desenvolver e não contiver uma
decisão satisfatória aos litigantes, mesmo assim, terá havido acesso à justiça? Ou,
então, estaria garantido apenas o acesso ao Poder Judiciário? Nesse caso, terá
havido apenas o acesso ao Poder Judiciário, e a justiça não terá sido efetivamente
concretizada.

Quais são os fundamentos legais relativos ao acesso ao Poder judiciário? A principal


referência normativa desse princípio é a do art. 5º, Inciso XXXV, da Constituição
Federal, que afirma que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou
ameaça a direito” (BRASIL, 1988, on-line). Em sentido semelhante, destaca-se a
redação do art. 3º, caput, do Código de Processo Civil (BRASIL, 2015).

Você sabe qual é a diferença entre ambos os dispositivos? A diferença entre eles está
no fato de que o primeiro deve ser observado, em especial pelo legislador, e
busca oferecer uma garantia mais ampla, extrapolando os limites do Poder Judiciário,
a quem incumbe prestar a jurisdição, mas não como um monopólio. Já o segundo é
feito para ser observado pelo juiz e pelos tribunais, que são quem efetivamente
devem obedecer ao comando do seu art. 1º, do Código de Processo Civil, que
determina que esse é ordenado, disciplinado e interpretado, conforme os valores e as
normas fundamentais preconizadas na Constituição Federal (BUENO, 2021).
Esses dispositivos estão de acordo com os arts. 8º e 10, da Declaração Universal
dos Direitos do Homem, da ONU, proveniente de 1948. Tais artigos definiram,
expressa e respectivamente, que a pessoa humana tem direito a um recurso efetivo
perante as jurisdições nacionais competentes contra os que violam os direitos
fundamentais que lhe são reconhecidos pela constituição e pela lei, além da plena
igualdade a que a sua causa seja ouvida equitativa e publicamente por um tribunal
independente e imparcial, o qual decidirá sobre seus direitos e obrigações,
legitimidade de toda acusação em matéria penal dirigida contra ela.

Seja como for, esses normativos, em conjunto, garantem a todos o acesso ao Poder
Judiciário para postular e defender os seus interesses, por meio de uma tutela
específica, garantida pelo exercício do direito de ação processual, que permite ao
interessado deduzir suas pretensões em juízo, a fim de que seja emitido um
pronunciamento judicial (GONÇALVES, 2021).

Como essa questão é tratada no Brasil? Importa enfatizar: o Brasil adota um sistema
em que, ao Poder Judiciário, compete se manifestar em matéria de Direito. Assim,
apesar das inúmeras legislações que autorizam outras formas de solução dos conflitos
de interesses, o cidadão brasileiro ainda espera que os órgãos judiciários
desempenhem um papel de primazia na pacificação e na harmonização da sociedade.
O Estado, contudo, deve proporcionar condições necessárias que contemplem todos
os indivíduos, em observância ao princípio da igualdade (ZANINI, 2017).
ATENÇÃO

Ao legislador, não compete limitar o âmbito de atuação do Poder Judiciário. Até


mesmo porque, se isso ocorresse, atingiria outro princípio: o da separação de poderes
(TAVARES, 2021).

Diante desse contexto, existem impedimentos ao acesso ao Poder Judiciário? Mauro


Cappelletti e Bryant Garth identificam certos obstáculos ao acesso ao Poder
Judiciário e que impedem a sua realização enquanto valor ou, em outros termos,
enquanto fundamento axiológico. Um deles equivale aos custos econômico-financeiros
de um processo judicial. Para mitigar os seus impactos, o art. 5º, inciso LXXIV, da
Constituição Federal, assegura que o Estado prestará assistência jurídica integral e
gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos, e o art. 134, do mesmo
diploma, trata da Defensoria Pública como uma instituição permanente e essencial à
função jurisdicional do Estado (CAPPELLETTI; GARTH, 2002).
Outro empecilho é a demora na prestação jurisdicional e a burocracia
envolvida na demanda, que também onera economicamente o processo e, em certas
circunstâncias, obriga a parte, sobretudo a hipossuficiente da relação jurídica, a não
ingressar com a demanda perante o Poder Judiciário ou a aceitar a formulação de um
acordo em patamar muito inferior ao dano por ela experimentado. Tudo isso perpetua
os conflitos sociais ao invés de contribuir para sua pacificação. Não se pode perder de
vista, ainda, que as barreiras suscitadas não se mostram autônomas e
incomunicáveis. Pelo contrário: elas têm íntima relação e qualquer solução aventada
deve tratar de todos os problemas em conjunto (PINHO, 2021).

Por último, o acesso ao Poder Judiciário implica, também, uma questão geográfica.
Configura-se pela dificuldade de um sujeito de, individualmente, postular direitos
coletivos e pela dispersão das pessoas afetadas, impedindo a formulação de
estratégia jurídica comum, de modo a conferir e reconhecer a existência de um direito
juridicamente exigível (CAPPELLETTI; GARTH, 2002).

Esses empecilhos podem ser eliminados, de maneira a se alcançar um acesso efetivo


à justiça por intermédio do Poder Judiciário? Não! Todos esses empecilhos têm uma
relevância maior ou menor de acordo com o tipo de pessoa, instituição e demanda
envolvida no conflito de interesse. Mas não podem ser simplesmente extintos. Muitos
deles estão inter-relacionados e, dessa forma, corre-se o risco de, ao eliminar um,
aumentar-se a barreira de outro. Como, porém, isso é possível? A título de exemplo,
podemos afirmar que, ao reduzir os custos do processo, a representação por meio de
advogados não se torna possível, como é o caso das demandas de competência dos
Juizados Especiais (ALVIM; GRANADO; FERREIRA, 2019).

Diante dessas premissas e considerando a sociedade em que vivemos, o acesso ao


Poder Judiciário como monopólio do Estado para a solução de controvérsias é
incompatível com as modernas teorias sobre o Estado Democrático de Direito. A
pretensão discutida no processo demanda uma solução que, a rigor, “faça justiça” a
todos os envolvidos no conflito e no processo. Por essa razão, o processo deve ser
conduzido, a fim de garantir o acesso à justiça ou a uma ordem jurídica justa
(DINAMARCO; LOPES; BADARÓ, 2021).

Diferença entre o acesso ao Poder Judiciário e o acesso à justiça

Não obstante toda a preocupação dos processualistas com a ideia da busca pela
justiça, a doutrina, há muito, debruça-se sobre a possibilidade de expandir os limites
desse acesso para além das fronteiras do Poder Judiciário (PINHO, 2021).
No Brasil, esse fenômeno teve início em meados dos anos de 1980, quando surgiram
os primeiros movimentos de democratização de acesso à justiça que pretendiam
verificar se as regras previstas no processo civil facilitam ou dificultam o acesso em
uma sociedade como a que vivemos, marcada por grandes desigualdades sociais que
levam a uma evidente exclusão de acesso ao Poder Judiciário por aqueles que não
têm condições financeiras para arcar com os custos e as despesas processuais, bem
como em decorrência da burocracia processual, que envolve advogados e demais
integrantes do Poder Judiciário. Diante disso, a solução encontrada foi viabilizar as
formas alternativas de solução dos conflitos de interesses, sem a intervenção do
Poder Judiciário (ZANINI, 2017).

Afinal, você consegue entender o que vem a ser o acesso à justiça? Na verdade,
podemos afirmar que se trata tanto de um princípio constitucional quanto processual;
está previsto em vários dispositivos legais e, historicamente, sempre fora tido como
um sinônimo de acesso ao próprio Poder Judiciário ou, então, como uma forma de
submeter uma disputa à apreciação de um órgão judiciário ou ao próprio controle
jurisdicional.

Nessa perspectiva, como vimos no tópico anterior, o acesso à justiça é o princípio


essencial ao funcionamento do Estado Democrático de Direito que, a rigor, deve
assegurar, na sua atuação, o dever de igualdade (DINAMARCO; LOPES; BADARÓ,
2021).

Para Boaventura de Souza Santos, citado por Ana Carolina Zanini, o tema do acesso
à justiça é aquele que mais diretamente equaciona as relações entre o processo civil e
a justiça social, entre a igualdade jurídico-formal e desigualdade socioeconômica
(ZANINI, 2017).

A partir dessas ideias, podemos afirmar que o acesso à justiça é como um direito
fundamental? Sim! Nos sistemas jurídicos modernos, como o do Brasil, em que se
predomina o princípio da igualdade, o acesso à justiça é considerado o mais básico
dos direitos humanos, de modo que visa a garantir o direito de todos, tornando-os
efetivos (CAPPELLETTI; GARTH, 2002).
FICA A DICA

“O Direito não é um fim, mas um meio. Na escala dos valores, não aparece o Direito.
Aparece, no entanto, a justiça, que é um fim em si, e a respeito da qual o Direito é tão
somente um meio para atingi-la. A luta deve ser, pois, a luta pela justiça” (COUTURE,
1999, p. 40).

Assim, a busca pela justiça está condicionada ao aparelho judiciário estatal? Não! É
muito além disso. Para que isso ocorra, pode ser considerado um direito fundamental
e social básico dos indivíduos, à medida que, em linhas gerais, todos, pessoas
naturais ou jurídicas, têm o direito de ir em busca de uma solução jurídica dos seus
conflitos por outros meios assegurados e regulados pelo nosso ordenamento jurídico
(CASADO FILHO, 2017).

Então, o acesso à justiça deve ser totalmente desvinculado do Poder Judiciário? Não!
Até porque, em maior ou menor nível, a dependência do Poder Judiciário existe e
sempre existirá, principalmente para se alcançar o cumprimento da decisão não
estatal, o que ocorre mediante o exercício dessa função por outros órgãos estatais ou
por agentes privados, devidamente capacitados.
ATENÇÃO

Como vimos, o acesso à justiça diz respeito a dar a cada um o que é seu de direito,
visando à efetivação de seus direitos, de modo satisfatório às partes,
independentemente do acesso ao Poder Judiciário. Daí decorre que o termo “justiça”
se refere a um valor, ou seja, a uma concepção ética e axiológica (CASADO FILHO,
2017).

Nesse sentido, no Estado Democrático de Direito, na atual sociedade em que vivemos,


o acesso à justiça compreende o direito a uma tutela efetiva e justa para todos os
interesses dos particulares (THEODORO JÚNIOR, 2021).

Dessa forma, nas lições de Kazuo Watanabe, o acesso à justiça nada mais é do que
o acesso à ordem jurídica justa, ou seja, o acesso à juridicidade que compreende o
“direito a ter direitos”.

Na verdade, refere-se ao direito de os cidadãos serem ouvidos e atendidos não


somente em situação de conflitos de interesses com terceiros, mas também quando
há impedimento ao exercício da cidadania. Nesse caso, o acesso à justiça é mais
abrangente, pois engloba as esferas judiciais, como também a extrajudicial e outros
meios alternativos de solução de litígios. Para tanto, em linhas gerais, integram o
acesso à ordem jurídica justa (WATANABE, 2019):

1. O direito à informação para o cidadão ter consciência de seus direitos e da


forma de exercê-los em caso de violação;
2. O direito de acesso à justiça adequadamente organizada e formada por juízes
inseridos na realidade social e com ela comprometidos;
3. O direito à preordenação dos instrumentos processuais capazes de promover a
efetiva tutela de direitos; e
4. O direito à remoção de todos os obstáculos que se anteponham ao acesso
efetivo à justiça.
Na mesma linha de ideias, Dinamarco, Lopes e Badaró (2021, p. 112) entendem o
seguinte:

Acesso à justiça é acesso à ordem jurídica justa [...], ou seja, obtenção de justiça
substancial. Não obtém justiça substancial quem não consegue sequer o exame de
suas pretensões pelo Poder Judiciário e quem recebe soluções atrasadas ou mal
formuladas para suas pretensões ou soluções que não melhorem efetivamente a vida
em relação ao bem pretendido. Todas as garantias integrantes da tutela constitucional
do processo convergem a essa promessa-síntese, que é a garantia do acesso à
justiça assim compreendido.

Destarte, o nosso ordenamento jurídico passou a permitir outras formas de


composição com fundamento no dever de cooperação entre as partes envolvidas.
Até mesmo porque outras pessoas passam a atuar. Assim, a apreciação jurisdicional
vai além do Poder Judiciário. A jurisdição, que até então era exclusiva do Poder
Judiciário, pode ser igualmente exercida por órgãos judiciários ou por câmaras
comunitárias, centros ou conciliadores e mediadores extrajudiciais (PINHO, 2019).

Nesse panorama, o acesso à justiça pode ser alcançado de que forma? Por duas
maneiras básicas: pelo Poder Judiciário ou por outros métodos alternativos de
solução de conflitos, sendo eles, em sua maioria, regrados pelo nosso ordenamento
jurídico. Para ilustrar, nesse contexto, enquadram-se as
chamadas autocomposições, que dizem respeito à transação, à negociação, à
conciliação, à mediação, mas também à heterocomposição, ou seja, a arbitragem
com fundamento no art. 3º, §§ 1º a 3º, do Código de Processo Civil (BRASIL, 2015).

Afinal, o que esses dispositivos legais regulamentam? Em linhas gerais, de acordo


com esses normativos, é obrigação do Estado, sempre que possível, promover a
solução consensual dos conflitos e o estímulo à conciliação, à mediação e a outros
métodos, sendo permitida a arbitragem, na forma da lei. Os métodos de solução
consensual de conflitos, além de permitirem que as próprias partes decidam a melhor
solução para si, sem a imposição da decisão por terceiro, acabam por beneficiar o
próprio Estado, já que diminuem a quantidade de causas a serem decididas (ALVIM;
GRANADO; FERREIRA; 2019).

Qual é a principal finalidade desses instrumentos? Em verdade, esses instrumentos


permitem o desafogamento do Poder Judiciário, ao possibilitar que os julgadores se
voltem para a análise aprofundada de casos concretos mais complexos, uma vez que
esses métodos têm a capacidade de resolver os conflitos a qualquer tempo dentro do
processo e, até mesmo, de forma extrajudicial por agentes privados (THEODORO
JÚNIOR, 2021).

Logo, os métodos alternativos são plenamente compatíveis com o referido princípio da


inafastabilidade do Poder Judiciário, previsto no já mencionado art. 5º, inciso XXXV,
da Constituição Federal. Tanto isso é verdade que o art. 334, caput e § 4º, inciso II, do
Código de Processo Civil, estabelece como regra a obrigatoriedade da audiência de
conciliação ou de mediação como um dos primeiros atos a serem praticados no
procedimento comum (BUENO, 2021).

Daí decorre que estamos diante de outros órgãos com natureza jurisdicional, pois
permitem que se solucionem as controvérsias de modo mais rápido, menos custoso e
mais humanizado, em certas situações, promovendo a participação social e o acesso
à justiça de maneira mais eficiente. Por outro lado, às partes, é conferido o direito de
escolha, ou seja, diante de todas as soluções possíveis, permiti-lhes optar por aquela
que esteja mais de acordo com os interesses que se mostrem mais valiosos e que
sejam mais aptos a promover o acesso à ordem jurídica justa (PINHO, 2021).

Nesse contexto, o incentivo aos métodos consensuais de solução de controvérsias


não significa que a prestação da tutela jurisdicional pelo Poder Judiciário seja uma
“justiça de segunda classe ou antiquada, representativa, necessariamente, de formas
e ritos formais que remontam ao passado do direito processual civil” (BUENO, 2021, p.
55). Da mesma forma, a utilização de seus métodos também não pode ser
considerada residual, isto é, uma alternativa para quando as partes não chegam a
uma composição.

Isso significa que aquele que teve o seu direito lesado pode escolher qual é o melhor
recurso para a solução dos conflitos que o atingem. Em última análise, o que se
pretende é a conjugação do binômio celeridade-eficiência, auxiliando-se na constante
busca pela verdade real. Se assim não fosse, haveria infringência ao art. 5º, inciso
XXXV, da Constituição Federal.

Nessa ótica, podemos afirmar que ocorreu o fenômeno da desjudicialização? Sim!


Diante dessas premissas, facilmente, concluímos que o conceito de acesso à justiça e
o princípio da inafastabilidade do Poder Judiciário foram atualizados e
redimensionados pelo nosso ordenamento jurídico para uma maior efetividade e
adequação em decorrência do fenômeno da desjudicialização na solução dos
conflitos de interesses enquanto ferramenta de prestação jurisdicional.
ATENÇÃO

No Direito Processual atual, o termo jurisdição deixou de ser considerado uma


atividade essencial do Poder Judiciário, indo mais além para prevenir a instauração de
conflito de interesses e para resolver em tempo razoável e com justiça aqueles que já
existam e, muitas vezes, convertidos em processo judicial (MANCUSO, 2009).

De acordo com Pinho (2019, p. 247):


A influência que faz desdobrar o interesse externo para determinar a composição
espontânea dos conflitos nem é pequena, nem pode ser desprezada. Pelo contrário,
uma observação profunda sobre os regimes dos conflitos interindividuais, intersindicais
e internacionais parece-me que deve levar a comprovar que, à medida em que a
civilização progride, há menos necessidade do Direito para atuar a solução pacífica do
conflito, não apenas porque cresce a moralidade, como também, e mais por tudo,
porque aumenta a sensibilidade dos homens perante o supremo interesse coletivo.

Com efeito, de que forma o princípio do acesso à justiça se diferencia do princípio da


inafastabilidade do Poder Judiciário? Podemos afirmar que aquele é gênero do qual
esse é uma de suas espécies. Nesse enfoque, para que o acesso à justiça seja eficaz,
alguns aspectos devem ser afastados. Dentre eles: o ingresso em juízo por meio de
um processo judicial, o modo de ser do processo, a justiça e a efetividade das
decisões que são proferidas pelos juízes (PINHO, 2021).

Logo, o acesso à justiça não se identifica com a mera admissão ao processo ou a


possibilidade de ingresso em juízo. Ao contrário: é indispensável que o maior número
possível de pessoas seja incentivado a demandar e a se defender adequadamente,
mesmo que seja pelas vias alternativas.

Ao se obter a solução consensual do conflito, haverá resolução do mérito, nos termos


do art. 487, inciso III, “b”, do Código de Processo Civil. Desde que estejam em pauta
que admitam autocomposição, caberá ao juiz, presentes os elementos de existência e
os requisitos de validade do pacto, homologar o acordo (art. 334, § 11, do Código de
Processo Civil) (ALVIM; GRANADO; FERREIRA, 2019).

Passagem do modelo piramidal para o modelo de rede

Você já ouviu falar em modelo piramidal do Direito? Essa nomenclatura se refere ao


modelo de ordenamento jurídico adotado pelo Brasil, que segue a sistemática do civil
law, assim como os demais países latino-americanos e os europeus, em que impera
o positivismo jurídico ou o normativismo, o qual ganhou força em meados do
século XIX (JUSTEN FILHO, 2021).
CONCEITUANDO

O sistema do civil law, também denominado sistema romano-germânico, refere-se a


um conjunto de normas jurídicas que estão na base dos ordenamentos dos países
direta ou indiretamente influenciados pelas nações do continente europeu.
Para Hans Kelsen (1881-1973), um de seus idealizadores, essa corrente do
pensamento jurídico prioriza a criação das normas pelo Poder Público com base na
natureza e nas ciências exatas, de forma a possibilitar uma maior objetividade
científica ao ordenamento jurídico e ao próprio Direito, sendo marcado por um excesso
de formalismo (KELSEN, 2021).

Segundo Veronese (2013), o mais elevado objetivo alcançado pelo positivismo jurídico
foi a formação de um campo teórico de análise formal das normas e dos sistemas
jurídicos. Essa concepção foi fortemente vinculada a um conceito de Direito que o
restringe ao produto dos Estados nacionais.

Assim, as normas jurídicas estabelecem a maneira pela qual cada indivíduo deve agir
em sociedade para alcançar certos objetivos, a partir de leis escritas e abstratas que
integram o ordenamento jurídico, subordinando-se, exclusivamente, à vontade do
Estado (MELLO, 2021).

Destarte, a adoção de um Direito escrito e legislado, nos limites do Direito clássico,


permite uma maior e melhor adaptação às necessidades dos seus destinatários;
confere segurança e certeza às relações jurídicas; é mais fácil de se conhecer e de se
estabelecer limites às condutas sociais (FERRAZ JÚNIOR, 2019).

É nesse contexto que aparece o modelo piramidal do Direito, que se refere a uma
estrutura estatal em que o foco está voltado e definido para a produção de normas
jurídicas – de um modo geral, tais normas se encontram dispostas em forma de
pirâmide. Dessa maneira, Hans Kelsen se utilizou desse símbolo para estabelecer a
unidade do ordenamento jurídico relativamente às estruturas do sistema.

Você consegue entender por que a pirâmide foi utilizada como símbolo por Hans
Kelsen? Para Losano (2005), a pirâmide representa a hierarquia do poder, sendo
esse o modelo que o Direito tende a se ajustar. Por outro lado, expressa
uma desigualdade ordenada, que delimita, sem lacunas, tudo o que está
compreendido entre a base e o seu ápice.

Assim, o modelo piramidal funciona como uma forma de hierarquização das normas,
de modo a evitar conflitos entre as legislações que regem todo o nosso ordenamento
jurídico. Vejamos a seguir, de forma ilustrativa, o modelo que ficou conhecido como
Pirâmide de Kelsen.

Figura 1 – O sistema de Kelsen

Fonte: PIRÂMIDE… (2022, on-line).


Sob a perspectiva das fontes do direito, o modelo piramidal se materializa em um
sistema normativo encabeçado pela Constituição Federal, como podemos verificar
na ilustração apresentada, o que revela a sua supremacia em um Estado Democrático
de Direito. Em seguida, aparecem as demais leis e as outras normas que, em
conjunto, formam o rol de legislações inferiores ou infraconstitucionais, nos termos
do art. 59, do texto constitucional.

Ao explicar de outra forma, como a Constituição Federal deriva diretamente da


vontade popular e as leis infraconstitucionais são emanadas dos representantes
eleitos pelos cidadãos, são consideradas hierarquicamente superiores às normas
individuais que se materializam nas sentenças. Assim, a validade dessas depende de
respeitarem aquelas (LOSANO, 2005).

Isso porque, de acordo com o positivismo jurídico, a lei é a mais importante fonte do
direito e o principal instrumento para a solução dos conflitos de interesses que surgem
na sociedade, uma vez que se estabelecem as diretrizes fundamentais do
ordenamento jurídico nacional (SIQUEIRA JÚNIOR, 2019).

Diante dessas premissas, você consegue identificar a relação existente entre o modelo
piramidal e as formas consensuais de solução de conflito? Nessa seara, constatamos
o monopólio do Estado para realizar essa função, por meio do acesso ao Poder
Judiciário, com fundamento no art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal.

Em essência, o conflito de interesses é resolvido pelo Poder Judiciário, de modo


consensual ou litigioso, bem como confere certeza e segurança a partir das decisões
dos juízes, monocráticas ou colegiadas, que devem seguir estritamente aquilo que
está normatizado e positivado em nosso ordenamento jurídico para que possa
sentenciar. Em outras palavras, o texto da lei deve ser rigorosamente observado,
segundo a sua interpretação, dentro do fenômeno de judicialização, o qual predomina
no Brasil. Logo, basta que a lei seja lida para sabermos como os conflitos serão
resolvidos, uma vez que o juiz faz daquilo que a lei determina.
REFLITA

Segundo Montesquieu, ainda no século XVIII, o juiz é a boca da lei e deve ser um
autômato, isto é, um robô comandado e guiado pela lei, simplesmente reproduzindo a
vontade do legislador (FERRAZ JÚNIOR, 2019). Você acredita que essa concepção
ainda possa ser utilizada para analisar as leis na atual sociedade em que vivemos?
Não. Essa concepção já está ultrapassada! O juiz não pode ser um mero reprodutor
do texto legal. Ele deve levar em consideração uma gama de fatores que envolvem a
análise do concreto, de modo a conferir a efetivação da justiça enquanto valor
supremo.
A princípio, o modelo piramidal parece ser o ideal para a solução de controvérsias
judiciais ou extrajudiciais. Essa constatação seria verdadeira? Não! Esse sistema não
é perfeito e, muitas vezes, encontra dificuldades para resolver, de modo consensual,
as disputas entre os litigantes. Por essa razão, em meados da segunda metade do
século XX, surge o modelo reticular do Direito.

O que vem a ser esse modelo reticular do Direito? Igualmente denominado modelo
em rede, utilizando-se novamente de uma linguagem simbólica, esse sistema
estabelece novos paradigmas normativos que guardam relação com os fatos sociais e
com a complexidade dos novos problemas que surgem na sociedade moderna e que
fazem com que o Estado assuma novas funções ou descentralize outras para
enfrentar essa realidade social (LOSANO, 2005).

Daí decorre que não é mais possível considerar que as normas do Estado integram
um ordenamento jurídico hierárquico, mas, sim, uma rede normativa baseada em
processos sociais e no reconhecimento da multiplicidade de fontes normativas
(VERONESE, 2015).

Na verdade, esse sistema é uma consequência da crise do Direito que, dentre outros
reflexos, enfraquece a tendência do monopólio do Poder Judiciário na resolução
consensual dos conflitos de interesses, à medida que visa a reformar os seus poderes
internos e certos agentes privados para que possam praticar essa atividade. Até
mesmo porque o Estado, há muito, já se conscientizou dos problemas gerados pela
nossa cultura do litígio. Com isso, pretende-se descentralizar e desjudicializar a
sua atuação, visando à pacificação social.
SAIBA MAIS

Para entender eficazmente sobre as origens, os fundamentos e como se


desenvolveram o modelo piramidal e o modelo em rede do Direito, sugerimos a leitura
na sequência.

VERONESE, A. Revisitando o conceito de direito em rede: uma crítica sociológica à


teoria normativista do direito. Confluências – Revista Interdisciplinar de Sociologia e
Direito, Rio de Janeiro, v. 15, n. 1, p. 82-95, 2013.

ACESSAR

É nesse cenário que a comunidade jurídica, considerando, inclusive, a sociedade em


que vivemos, tem se debruçado em desenvolver formas consensuais e alternativas de
solução das controvérsias entre os litigantes.
Em 2010, o Conselho Nacional de Justiça editou a Resolução nº 125, que instituiu, no
Brasil, uma política pública de solução adequada dos conflitos, determinando aos
Tribunais de Justiça a criação de Núcleos Permanentes de Métodos Consensuais de
Solução de Conflitos (NUPEMEC) e de Centros Judiciários de Solução de Conflitos e
Cidadania (CEJUSC), normatizando os cursos de formação de conciliador e de
mediador.

Nessa linha de ideias, o Código de Processo Civil, em seu art. 3º, § 3º, preconiza que
a conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos
deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do
Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial, como formas de acesso
efetivo à justiça. De outra maneira, essas ferramentas não excluirão da apreciação
jurisdicional, pelo Poder Judiciário, a ameaça ou a lesão a direitos.

No mesmo sentido, salientam-se: a Lei nº 13.140/2015, que regulamenta a mediação


judicial e extrajudicial; a Lei nº 11.101/2005, conhecida como Lei de Recuperação
Empresarial e Falência, com a recente reforma trazida pela Lei nº 14.112/2020; e a Lei
nº 14.133/2021, que trata das licitações e dos contratos administrativos. Em linhas
gerais, em todos esses diplomas legislativos, encontramos a disseminação e o
estímulo conferido pelo legislador à utilização dos métodos consensuais, sobretudo, a
mediação, a conciliação, a arbitragem e a dispute boards.
ATENÇÃO

Está em tramitação junto ao Congresso Nacional a Medida Provisória nº


1.040/2021, que tem por finalidade modernizar o ambiente negocial em nosso país,
dentro da seara do Direito Civil e do Empresarial. Existem, contudo, diversas
propostas de emenda ao seu texto e, dentre elas, destacamos aquela de autoria da
senadora Soraya Thronicke, que prevê que o interesse processual, quando o litígio
versar sobre direito patrimonial disponível, só estará presente com a anterior
constituição de controvérsia jurídica entre as partes, constituindo-a com a prévia
notificação do requerido pelo requerente, ao oferecer um prazo para
a autocomposição do litígio ou acordo extrajudicial (LONGO; SOUSA, 2021).

Daí decorre a seguinte indagação: o litigante que decidir recorrer ao Poder Judiciário
para a solução do conflito que lhe aflige deve fazer prova em juízo de que previamente
tentou resolvê-lo pelos métodos consensuais e alternativos de modo que tenha
interesse processual para ajuizar a demanda? Essa é uma questão ainda bastante
discutida pelos nossos legisladores, em especial pelos processualistas (LONGO;
SOUSA, 2021).
Até o presente momento, impera a corrente que entende que ambos os sistemas
convivem em perfeita harmonia no nosso ordenamento jurídico, sendo que compete
aos litigantes optarem por aquele que melhor condiz com a resolução do caso
concreto e que tenha condições de lhes entregar uma decisão mais satisfatória, de
acordo com os interesses envolvidos na lide (LOSANO, 2005).

Em conclusão, notamos que as formas consensuais de solução de conflitos, dentro do


modelo em rede do Direito, são cada vez mais necessárias na atual sociedade em que
vivemos, diante de um Poder Judiciário moroso, burocrático, custoso em termos
econômico-financeiros, além da superlotação de processos que demandam pronta
apreciação e que, diante desses fatores, arrastam-se por anos a fio. Por outro lado, os
métodos alternativos acarretam a simplificação e na humanização das relações,
aproximam os litigantes, desafogando o Poder Judiciário e melhorando o ambiente de
negócios e a vida em sociedade (LONGO; SOUSA, 2021).

MÓDULO 2
Negociação e transação

Iniciaremos o estudo dos métodos consensuais de solução de conflitos, analisando,


em seus pontos primordiais, duas formas de autocomposição: a negociação e a
transação. Como podemos entender a negociação nesse sentido? Como se denota, a
negociação é um método bilateral, voluntário, consensual e extrajudicial cujos
procedimentos são dinâmicos. Os litigantes, aqui denominados negociadores, ao
final, obterão um acordo que possa satisfazer a ambos, o que nem sempre ocorre.
Para se atingir a essa finalidade, há concessões mútuas entre os litigantes que, em
muitas vezes, renunciam a certas pretensões até que seja encaminhada uma
composição (GUILHERME, 2016). No ponto de vista de Zaffari e Scholze (2018),
podemos considerá-la um modo de comunicação bidirecional concebida para se
chegar a um acordo, quando existem interesses opostos, para que as partes
obtenham benefícios recíprocos.

A negociação é uma ferramenta utilizada por diversos setores da sociedade e do


Direito, público ou privado, que visa resolver demandas pessoais, profissionais,
políticas, diplomáticas, familiares, jurídicas, trabalhistas, empresariais e, até mesmo,
internacionais, não estando, especificamente, regulada pelo nosso ordenamento
jurídico.

Em outro sentido, não existe, até o momento, uma lei especial que a discipline
(SCAVONE JÚNIOR, 2020). Se é assim, qual é, então, a base legal da negociação?
Podemos dizer que o Art. 3º, § 3º, do Código de Processo Civil (BRASIL, 2015a, on-
line), ao se referir, em sua redação, a “outros métodos de solução consensual de
conflitos”, está a incluindo em seu rol de possibilidades. Desse modo, é permitido que
os negociadores, entre si, sem a interferência ou a intervenção de terceiros, utilizem-
se, diretamente, desse método para que obtenham uma decisão conjunta, definitiva e
satisfatória acerca da controvérsia que os envolve (GUERRERO, 2015).

O que podemos entender por uma “decisão satisfatória a ambos os negociadores”?


Em geral, como mencionado anteriormente, trata-se de atribuir a cada um dos
negociadores benefícios ou ganhos recíprocos, o que nem sempre acontece. Isso
porque um deles pode impor a sua vontade em detrimento da do outro, utilizando-se
de truques ou de armadilhas, o que desequilibrará o resultado final da pretensão
desejada (ZAFFARI; SCHOLZE, 2018).
FICA A DICA

A negociação é, apenas, uma das formas de se compor o litígio. Normalmente, é a


primeira a ser tentada, até porque dispensa a presença de terceiros, mas também, por
isso, possui forte vinculação emocional dos negociadores, que nem sempre
conseguem se desapegar do objeto do litígio para refletir, de forma racional, sobre
ele.

Fonte: adaptado de Pinho (2021).

Ao contrário do que se pode imaginar, para que a transação ocorra, não necessita
haver a perda de uma parte para que a outra obtenha êxito. Em decorrência disso, a
Escola de Negociação de Harvard desenvolveu técnicas com base em princípios de
negociação e de afeto entre os negociadores para que todos obtenham vantagens
equivalentes, já que, nesse caso, não podem ser considerados oponentes. Em regra
geral, essas técnicas estão orientadas por quatro diretrizes básicas, que,
resumidamente, são as seguintes (TARTUCE, 2021):

• Separar pessoas de problemas, impedindo que os negociadores se


envolvam emocionalmente, de modo ineficiente, na negociação, o que
impediria um resultado satisfatório de seus interesses.
• Focar em interesses, e não em posições, isto é, atrás de toda a posição,
existe um ou vários interesses subjacentes, e uma negociação eficiente
pressupõe a busca por conhecer todos eles.
• Inventar opções de ganho mútuo. Significa que, uma vez identificados os
diversos interesses, os negociadores devem criar alternativas para o seu
atendimento. Logo, todos devem estar engajados em resolver os problemas
trazidos à negociação, e não, apenas, aquilo que os preocupa individualmente.
• Insistência em critérios objetivos para a ponderação das opções criadas e
permitir que os negociadores tenham mais clareza ao escolher qual a melhor,
para a solução do conflito.
Separar pessoas de problemas

Impedindo que os negociadores se envolvam emocionalmente, de modo ineficiente, na


negociação, o que impediria um resultado satisfatório de seus interesses.
Focar em interesses, e não em posições

Isto é, atrás de toda a posição, existe um ou vários interesses subjacentes, e uma


negociação eficiente pressupõe a busca por conhecer todos eles.
Inventar opções de ganho mútuo

Significa que, uma vez identificados os diversos interesses, os negociadores devem


criar alternativas para o seu atendimento. Logo, todos devem estar engajados em
resolver os problemas trazidos à negociação, e não, apenas, aquilo que os preocupa
individualmente.
Insistência em critérios objetivos

Para a ponderação das opções criadas e permitir que os negociadores tenham mais
clareza ao escolher qual a melhor, para a solução do conflito.

SAIBA MAIS

Para um estudo mais aprofundado sobre as técnicas desenvolvidas pela Escola de


Negociação de Harvard.

ACESSAR

Com base nessas premissas, como os negociadores devem se conduzir para


empreender uma negociação? O ponto fundamental de qualquer negociação deve
estar voltado para a matéria controvertida, isto é, para o conteúdo do litígio, que está
relacionado com aquilo que o originou. Posteriormente, deve-se observar o modo que
a negociação será conduzida pelos negociadores, uma vez que não existem
formalidades previstas em lei que devem ser seguidas sob pena de validade e eficácia
do ato (GUERRERO, 2015).

A negociação deve seguir certas fases para que possa alcançar o seu principal
objetivo, que é solucionar um conflito de interesses. Quais são essas fases? De
acordo com as lições de Luís Fernando Guerrero, em primeiro lugar, há a necessidade
da análise das circunstâncias que envolvem o conflito, para que se possa, em um
segundo momento, reconhecer e delimitar as questões que devem ser levadas em
consideração para alcançar a finalidade que se pretende. Por último, há
a indagação propriamente dita de que as análises e os objetivos estabelecidos pelos
negociadores serão contrapostos (TARTUCE, 2021).

Assim, convém reafirmar que é possível estabelecer diversos caminhos a serem


seguidos para a resolução do conflito, cuja escolha dependerá, única e
exclusivamente, da vontade e da atuação dos negociadores, não sendo permitido a
intervenção de terceiros. Então, como os negociadores devem proceder durante a
negociação? No momento da negociação, é preciso evitar a disputa de vontades,
devemos utilizar padrões razoáveis, baseados em conceitos e princípios científicos,
precedentes legais ou judiciais e, se for necessário, recorrer a especialistas para
orientações e esclarecimentos antes de tomar uma decisão definitiva. Ademais,
considerando os princípios de transparência, adequação e clareza, o critério a ser
utilizado na negociação deve ser debatido entre os negociadores logo de início, para
que se possa gerar um procedimento justo e aceito por todos (PINHO, 2021).

Por outro lado, todos os sujeitos envolvidos devem se conduzir de boa-fé para que
ocorra a pacificação do conflito, de modo satisfatório, para ambos, afastando qualquer
possibilidade de fraudes ou de enriquecimento imotivado. Assim, na negociação, não
há espaços para jogo de barganhas (GUILHERME, 2016). Pinho (2021) enumera
algumas atitudes que os negociadores devem ter para se chegar a um bom termo:

1. Percepção: colocar-se no lugar do outro e procurar entender seu ponto de


vista é de fundamental importância nesse caso, partindo sempre da presunção
de boa-fé, uma vez que, segundo as regras do Código Civil, a má-fé deve ser
provada. Atribuir a culpa do conflito a um dos negociadores não é uma conduta
adequada, pois poderá agravá-lo. Pedir aconselhamento, considerar as ideias
do outro e identificar o limite do que é negociável são pressupostos relevantes
que devem ser observados.
2. Emoção: os negociadores devem manter as emoções controladas, evitando
ameaças e constrangimentos morais ou físicos, pois isso pode prejudicar as
negociações e o seu resultado final. Daí decorre a necessidade de identificá-
las e permitir que ambos as expressem de modo polido e cortês, para se
chegar a um denominador comum, com base no bom senso.
3. Comunicação: elemento fundamental em qualquer negociação. A transmissão
das informações deve ser clara, sendo recomendável que se faça uso da
escuta ativa. Compreender o outro não significa concordar com suas
argumentações.

Quais as vantagens da negociação? A negociação evita as incertezas e os custos de


um processo judicial, privilegiando uma resolução rápida e de certo modo, humanizada
e, dentro do possível, preservando o relacionamento entre os negociadores.
Outro aspecto a ser observado é que os negociadores não serão surpreendidos
negativamente com a solução do conflito, o que aconteceria, por exemplo, no caso de
uma decisão por sentença judicial. Na negociação, o resultado final será sempre o
desejado ou, ao menos, o aceito. A confidencialidade, também, é um pressuposto
relevante, já que garante a preservação da imagem das pessoas envolvidas bem
como os contornos do conteúdo negociado. Por fim, a ausência de solenidades e a
simplicidade dos procedimentos mitigam os riscos de ocorrência de vícios de qualquer
espécie (LIMA JÚNIOR, s.d.).
SAIBA MAIS

Para entender, de forma mais detalhada, as práticas de negociação.

ACESSAR

Finalizada essa primeira parte de nosso estudo, analisaremos, a partir de agora,


a transação enquanto método de solução consensual de conflitos. Você se lembra
desse instituto? De acordo com os fundamentos do Direito Civil, a transação é um
negócio jurídico bilateral, indivisível e oneroso que se concretiza
mediante negociações diretas entre as partes, aqui denominadas transatores, que,
após concessões mútuas, estabelecem um acordo que põe fim, de modo definitivo, a
uma disputa (Art. 840, do Código Civil) (BRASIL, 2002). Mas, o que seriam
“concessões mútuas”? Por essa expressão podemos entender o ato de os transatores
abrirem mão de parte de seus direitos subjetivos, já reconhecidos, com caráter de
definitividade (TARTUCE, 2018).

A partir desse conceito, é fácil concluir que, somente, direitos disponíveis de


cunho patrimonial ou não patrimonial podem ser objeto de transação, limite esse
que, também, aplica-se ao objeto dos métodos consensuais de solução de conflitos.
Logo, apenas, aquele que tenha poder de disposição ou de alienação, sob o objeto
do contrato, é quem terá capacidade para transigir (GONÇALVES, 2021).

No caso da transação, é necessário que haja benefícios recíprocos? Segundo o


entendimento da maioria dos doutrinadores, o acordo celebrado não requer
equivalência entre as vantagens e os ônus estabelecidos para cada parte. Desse
modo, inexistindo concessões nesse sentido, estaremos diante da renúncia, uma
forma de manifestação unilateral de vontades (GUILHERME, 2016).

Quais maneiras de empreender a transação? Quanto à forma, a transação pode se


materializar por instrumento público, particular ou termo nos autos. Com isso,
temos que ela pode ser judicial, extrajudicial ou jurisdicional (Art. 842, do Código
Civil) (BRASIL, 2002). No primeiro caso, temos um contrato solene em que os
transatores deverão obedecer às formalidades exigidas pela lei, quando exigidas. Nos
demais casos, poderá ser feito de modo particular. Já a transação judicial ocorrerá por
termos nos autos do processo demandando a homologação pelo juiz, a fim de obter
eficácia. Esse requisito não é exigido no caso da transação extrajudicial. Contudo o
Art. 515, inciso III, do Código de Processo Civil, permite a homologação judicial de
instrumentos particulares de autocomposição (PEREIRA, 2022).

A principal base legal material desse instituto está nos Arts. 840 a 850, do Código Civil
(BRASIL, 2002), e no Art. 784, inciso IV, do Código de Processo Civil (BRASIL,
2015a), sendo que esse último dispositivo considera o instrumento da transação
um título executivo extrajudicial. Nesse caso, deverá ser referendado pelo Ministério
Público, pela Defensoria Pública, pela Advocacia Pública, pelos advogados das partes,
por conciliador ou por mediador credenciado por tribunal.

Uma vez celebrada, a transação poderá vir a ser anulada? Sim, desde que haja dolo,
coação ou erro essencial, quanto à pessoa dos transatores ou quanto à coisa
controversa (Art. 849, do Código Civil) (BRASIL, 2002). Para tanto, basta que, apenas,
uma de suas cláusulas seja assim considerada (Art. 848, do Código Civil) (BRASIL,
2002). Nesse caso, aplica-se, igualmente, os regimes das anulabilidades, mas, ao
contrário da regra geral, não se admitirá ignorância ou erro de direito a respeito da
matéria objeto do fundo de transação (VENOSA, 2022). Quando a transação ocorrer
por termo nos autos, ela poderá ser anulada quando houver sentença transitada em
julgado e uma das partes não tenha conhecimento ou se, em tal sentença, for
reconhecido que uma das partes não era titular do direito alegado (Art. 850, do Código
Civil) (BRASIL, 2015a).

Mediação e conciliação

Seguindo com o estudo dos métodos consensuais de solução de conflitos, trataremos,


neste tópico, em seus aspectos principais, de outras duas modalidades de
autocomposição, a mediação e a conciliação.

Iniciaremos pela mediação. Você já ouviu falar nela? Trata-se de um procedimento de


autocomposição com fundamento na autodeterminação das partes. Considerada
inerente ao convívio humano, é caracterizada pelo fato de as próprias partes se
responsabilizarem pela decisão tomada para pôr fim a um litígio, sendo auxiliadas por
uma terceira pessoa ou uma pluralidade delas, que recebe o nome
de mediadores. Estes atuam como facilitadores do diálogo para a solução do
conflito existente entre as partes. Segundo Souza et al. (2016, p. 137),
Trata-se de uma negociação assistida ou facilitada por um ou mais terceiros na qual
se desenvolve processo composto por vários atos procedimentais pelos quais o(s)
terceiro(s) imparcial(is) facilita(m) a negociação entre pessoas em conflito,
habilitando-as a melhor compreender suas posições e a encontrar soluções que se
compatibilizam aos seus interesses e necessidades.

A rigor, a mediação é utilizada em conflitos complexos, sendo um procedimento


estruturado, que não tem prazo definido, e pode terminar, ou não, em acordo. Assim,
basta a intenção das partes e do mediador para que se justifique ter havido a
mediação. Por força disso, as partes têm autonomia para buscar as soluções que
melhor compatibilizam seus interesses e necessidades (CNJ, 2022). Nesse contexto,
qual a principal função do mediador? O mediador exerce o munus público de auxiliar
na composição da controvérsia. Para isso, atua racionalmente ,ao ampliar a
comunicação entre as partes, mas sem exercer qualquer poder de decisão. Em
outras palavras, “escuta, orienta e estimula, sem apresentar soluções”, não
interferindo no mérito da questão controvertida (GUERRERO, 2015, p. 75).

Como atua um mediador? No desempenho de suas atribuições, o mediador atua de


uma forma imparcial e indireta, com o propósito de, simplesmente, orientar as partes,
induzindo-as para que elas mesmas cheguem a uma solução para o conflito que as
atinge por meio de um acordo mutuamente satisfatório entre as partes, sempre que
possível com benefícios e ônus equivalentes (TARTUCE, 2021).

Assim, o mediador pode optar por seguir uma direção mais facilitadora ou
mais avaliadora, de acordo com o caso concreto. O facilitador, por sua vez,
estabelece regras básicas, promove a troca de informações, estabelece uma agenda
de negociações, movimenta as propostas por vários meios e estrutura o fechamento
das discussões. Como um avaliador, atua como um administrador da negociação,
aprecia as propostas e os argumentos das partes como um especialista e, ao final,
apenas, recomenda (não impõe ou decide) os termos do acordo (SOUZA et al., 2016).

Desse modo, quem pode ser um mediador? Em regra, o mediador é uma pessoa
natural ou um grupo delas, de confiança das partes e
com conhecimento específico acerca da questão controvertida, mas não se envolve,
pessoal ou emocionalmente, com o objeto do litígio. Contudo, apesar de não ter poder
de decidir, como mencionado anteriormente, em certas circunstâncias, poderá
influenciar na solução do conflito (PINHO; MAZZOLA, 2021).

Do ponto de vista normativo, quais são os fundamentos da mediação? A mediação


está regulada pela Lei nº 13.140/2015 (BRASIL, 2015b), denominada Lei da
Mediação, que estabelece o seu procedimento, caracteriza-a como um novo
paradigma de justiça e define os parâmetros objetivos, acerca da mediação judicial e
extrajudicial entre particulares, e a autocomposição de conflitos no âmbito da
administração pública.

A Emenda nº 02, da Resolução 125/2010, do Conselho Nacional de Justiça (já


citada na unidade anterior) (BRASIL, 2010), igualmente, é uma das bases normativas
da mediação, considerando-a como um instrumento efetivo de pacificação social,
solução e prevenção de litígios. Esse método aparece em diversos artigos espalhados
ao longo do Código de Processo Civil, em especial, no Art. 3º, § 3º (BRASIL, 2015a),
que inova ao trazê-lo para o seu bojo. Isso demonstra o reconhecimento, pelo nosso
ordenamento jurídico, dos meios consensuais como métodos para resolução de
conflitos para a redução da judicialização desnecessária dos litígios.

E quanto aos princípios basilares da mediação? Podemos encontrá-los especificados


no Art. 166, caput, do Código de Processo Civil (BRASIL, 2015a), e no Art. 2º, da Lei
nº 13.140/15 (BRASIL, 2015b), sendo que um dispositivo complementa o outro. Em
linhas gerais, são eles: a independência, a imparcialidade, inclusive do mediador, a
confidencialidade, a autonomia da vontade, a oralidade, a informalidade, a decisão
informada, a isonomia entre as partes, a busca do consenso e a boa-fé.

De acordo com a Lei nº 13.140/2015 (BRASIL, 2015b), podemos identificar duas


formas de mediação: a judicial ou a extrajudicial. Você consegue perceber a
diferença entre ambas? No primeiro caso, ela ocorrerá perante o Poder Judiciário,
junto aos Centros Judiciários de Solução de Conflitos (CEJUSCS), e poderá ser
realizada antes, durante ou, até mesmo, depois do processo judicial, sendo obrigatória
quando a petição inicial apresentar os requisitos essenciais e não for o caso de
improcedência liminar do pedido (Art. 27) (BRASIL, 2015b).
SAIBA MAIS

Para um estudo mais aprofundado sobre a mediação judicial.

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No segundo caso, temos aquela em que ocorre desvinculada do processo e do Poder


Judiciário. Assim, nos termos do Art. 21 (BRASIL, 2015b), o
procedimento extrajudicial se inicia mediante convite formulado pela parte
interessada, que poderá ser feito por qualquer meio de comunicação e indicará a
matéria, a data e o local da reunião inicial. Não se exige nenhuma formalidade
especial para a sua confecção e expedição. O convite, também, pode vir expresso em
cláusula contratual (Art. 22) (BRASIL, 2015b) e será considerado rejeitado se não for
respondido em até 30 dias da data de seu recebimento (Art. 21, § único) (BRASIL,
2015b).

Por fim, quais as vantagens de resolver, consensualmente, um conflito pelo método


da mediação? Vários são os benefícios acarretados. Podemos citar, a título de
ilustração apenas, a possibilidade de restauração do senso de valor das partes para
que estejam aptas a melhor solucionar futuros conflitos. Outra seria a oportunidade de
se expressarem, permitindo a compreensão do ponto de vista do outro por meio da
exposição de sua versão dos fatos, com a facilitação pelo mediador. Merece registro,
também, que, na mediação, há a possibilidade de administração do conflito de forma a
manter ou aperfeiçoar o relacionamento anterior entre os litigantes. É importante
destacar, também, a celeridade e o baixo custo dos procedimentos. Vale lembrar que
o instrumento de mediação, na hipótese de celebração de acordo, constitui título
executivo extrajudicial, dispensando homologação judicialmente. Na mediação judicial,
teremos um título executivo judicial (SOUZA et al., 2016).

Diante dessas premissas, verificamos que a mediação, assim como os demais


métodos, mudou a cultura jurídica brasileira que sempre privilegiou a solução dos
litígios pela via processual. Com ela, o nosso ordenamento jurídico passou a valorizar
o diálogo, à medida que proporciona às partes a possibilidade de elas mesmas, com
a colaboração do mediador, serem os atores principais e responsáveis pela resolução
consensual dos conflitos (PINHO; MAZZOLA, 2021).
REFLITA

Diante de tudo que estudamos até aqui, você consegue identificar as diferenças entre
as decisões proferidas por mediação e aquelas emanadas por sentença judicial, pelo
Poder Judiciário? Nesse ponto, podemos citar que a principal delas é quanto à forma
como os conflitos são resolvidos. Naquela, as próprias chegam a um consenso,
diferentemente da sentença judicial, cuja solução é imposta pelo Poder Judiciário.
Ocorre que essa, muitas vezes, distancia-se do real motivo que levou as partes a
pleiteá-la, não alcançando a sua finalidade sociológica, fato esse que, na maioria das
vezes, não acontece na mediação.

E quanto à conciliação? Do que se trata? A conciliação é um segundo método de


autocomposição em que, a rigor, ocorre a intermediação de uma outra pessoa, que
recebe o nome de conciliador, que, com técnicas especiais, intervém diretamente,
perante as partes, de modo mais ativo, propondo um plano de acordo, manifestando a
sua opinião sobre como o conflito deve ser resolvido. Contudo não há uma imposição
do resultado, tarefa essa que fica a cargo da arbitragem, como estudaremos no tópico
a seguir (GUERRERO, 2015). Segundo o Conselho Nacional de Justiça (2002):
O conciliador desempenha a mesma função do mediador, na mediação? Em parte
sim. Vejamos: assim como o mediador, o conciliador atua de modo imparcial,
mediante atividades de escuta e investigação, auxiliando as partes a celebrarem um
acordo. Desse modo, esse múnus poderá ser exercido por uma pessoa natural, por
uma pluralidade delas, pelo próprio juiz da causa ou por pessoa que faça parte do
Poder Judiciário (SCAVONE JÚNIOR, 2020). A diferença na atuação de ambos está
no fato de que o mediador não influencia, diretamente, na tomada de decisão definitiva
dos litigantes, ele atua, apenas, como facilitador ou como avaliador do conflito,
enquanto o conciliador propõe, efetivamente, possibilidades concretas de acordo.

O conciliador, entretanto, atua no convencimento dos litigantes em encontrar uma


solução para o conflito, em razão de uma perspectiva de Direito. Em razão disso,
muitas vezes, não leva em consideração o grau de satisfação das partes quanto ao
resultado final do acordo. Na verdade, o conciliador tenta fazer com que as partes
evitem ou desistam do Poder Judiciário, encontrando um ponto comum entre ambas
as pretensões, seja pela renúncia, seja pela transação (GUILHERME, 2016). Por outro
lado, o conciliador pode, ainda, ser judicial, atuando como auxiliar da justiça nas
audiências de conciliação (Art. 334, do Código de Processo Civil) (BRASIL, 2015a),
ou extrajudicial. Nesse caso, não há uma lei específica para regular o procedimento
ou requisitos para sua atuação. Nas duas formas de atuação, aplicam-se, por
analogia, as regras da Lei nº 13.140/2015 (SCAVONE JÚNIOR, 2020).

Quais os fundamentos legais da conciliação? O Código de Processo Civil (BRASIL,


2015a) é o principal diploma que regulamenta a conciliação, sobretudo, nos Arts. 3º, §
3º, e 334. A Resolução nº 125/2010, do Conselho Nacional de Justiça (BRASIL,
2010), modificada pela Resolução nº 326/2020, e a Lei nº 13.140/2015, também,
possuem essa finalidade, naquilo que couber.
SAIBA MAIS

Veja a íntegra da Resolução nº 125/2010, do Conselho Nacional de Justiça.

ACESSAR

Quais as formas de conciliar um conflito de interesses? Em regra geral, a conciliação


é judicial e ocorre, em especial, junto aos Juizados Especiais Cíveis, onde,
inicialmente, é marcada uma audiência de conciliação, com conciliador indicado pelo
Judiciário. Se houver a formalização de um acordo, este será homologado pelo juiz.
Em caso negativo, o processo seguirá seu trâmite normal com a designação de uma
audiência de instrução e julgamento. O juiz, no entanto, ao iniciá-la, possibilitará aos
litigantes uma nova oportunidade de se conciliarem.
Segundo o Art. 334, caput e §§ 4º e 5º, do Código de Processo Civil (BRASIL, 2015a),
se a petição inicial preencher os requisitos essenciais e não for o caso de
improcedência liminar do pedido, o juiz designará audiência de conciliação. Porém
esta não ocorrerá se ambas as partes manifestarem, expressamente, também, na
petição inicial, desinteresse na composição processual ou quando o objeto do litígio
não se admitir a autocomposição, como é o caso, por exemplo, dos direitos
indisponíveis. Ao final do procedimento, o acordo será reduzido a termo nos autos e
homologado por sentença, constituindo, assim, título executivo judicial, por força do
Art. 515, inciso II, do Código de Processo Civil (BRASIL, 2015a). A partir daí, não é
mais permitido o arrependimento unilateral de uma das partes.

A conciliação, no entanto, também poderá ser realizada por câmaras privadas, que,
assim como os conciliadores, serão inscritos em cadastro nacional e em cadastro de
tribunal de justiça ou de tribunal regional federal, que manterão registros de
profissionais habilitados, com indicação de sua área profissional (Art. 167, do Código
de Processo Civil) (BRASIL, 2015a), sendo que as partes poderão, livremente,
escolhê-los (Art. 168, do Código de Processo Civil) (BRASIL, 2015a). Nesse ponto,
convém reafirmar que não há uma lei específica para regular o procedimento ou
requisito para sua atuação da conciliação extrajudicial. Assim, deve-se observar, no
que couber, as regras da modalidade judicial (LIMA JÚNIOR, s.d.). No mais, aplica-se
à conciliação as mesmas regras atinentes à mediação, conforme estudamos
anteriormente, pois ambas as formas de solução consensual de conflitos possuem
procedimentos similares, sendo tratadas de modo junto nos principais dispositivos de
lei.
ATENÇÃO

A conciliação judicial, assim como a mediação, pode ser realizada de forma eletrônica,
por meio de plataformas online, o que se tornou uma preferência nos tribunais, mesmo
depois da fase de isolamento social da pandemia da Covid-19. Essa prática foi
regulamentada pelo Art. 3º, § 7º, do Código de Processo Civil (BRASIL, 2015a),
pela Resolução nº 358/2020 (BRASIL, 2020a), do Conselho Nacional de Justiça, e
pela Lei nº 13.994/2020 (BRASIL, 2020b), que possibilita a adoção dessa medida no
âmbito dos Juizados Especiais Cíveis, por meio das CEJUSCS virtuais. No mesmo
sentido, são o Enunciado nº 48, do Fórum Nacional de Conciliação e Mediação, e
o Enunciado nº 25, do Conselho da Justiça Federal.

REFLITA

De acordo com o que estudamos, qual o melhor método de autocomposição: a


mediação ou a conciliação? Essa indagação é difícil de ser respondida, pois a escolha
do método dependerá do caso concreto e da intenção dos litigantes em resolver a
pretensão. Até mesmo porque, em ambos os casos, as partes não estão obrigadas a
aderir à proposta do mediador ou do conciliador, estando livres para decidir de modo
mais satisfatório a ambas.

Arbitragem e dispute boards

Finalizando o nosso estudo sobre as formas consensuais de solução de conflitos,


abordaremos, neste último tópico, sem a intenção de esgotar o tema, até mesmo em
razão de sua amplitude, as duas modalidades de heterocomposição, que são a
arbitragem e as dispute boards.

Iniciaremos tratando da arbitragem. Em linhas gerais, com fundamento no Código de


Processo Civil (BRASIL, 2015a) e na Lei nº 9.307/96 (BRASIL, 1996), conhecida como
Lei da Arbitragem, refere-se ao método no qual as partes elegem
um terceiro imparcial ou por uma pluralidade deles, denominado árbitro, para analisar
as provas e os argumentos de ambas e, ao final, proferir uma decisão que visa atacar
o mérito do conflito, de modo a resolvê-lo definitivamente, em única instância, tendo a
vantagem de ser irrecorrível (GUERRERO, 2015).

Logo, para que a arbitragem seja possível, é preciso haver litígios cujo objeto verse
sobre direitos patrimoniais disponíveis, nos termos do Art. 1º, caput, da Lei nº
9.307/96 (BRASIL, 1996). Em outro sentido, as questões criminais, relacionadas a
direito pessoal de família, as questões relativas ao Poder Público e outras que não
tenham caráter patrimonial não podem ser objeto de arbitragem (SCAVONE JÚNIOR,
2020).

No exercício de sua função, como o árbitro deve se conduzir? O árbitro atua como se
fosse um juiz togado, e a sua decisão tem força e eficácia de sentença judicial com
natureza jurídica vinculativa, até mesmo porque atua na autonomia de vontade das
partes. Isso faz com que tenha, aparentemente, grande semelhança com o processo
judicial, onde o juiz faz papel equivalente e emite a sua decisão (LIMA JÚNIOR, s.d.).
Nesse contexto, nos termos do Art. 18, da Lei nº 9.307/96, “o árbitro é juiz de fato e de
direito, e a sentença que proferir não fica sujeita a recurso ou a homologação pelo
Poder Judiciário” (BRASIL, 1996, on-line).

Desse modo, há, aqui, a figura da substitutividade, existindo a transferência do poder


de decidir para o árbitro. Sendo assim, igualmente ao juiz, o árbitro julgará, exercerá a
cognição, avaliará a prova, ouvirá as partes e determinará providências a serem
tomadas. Contudo não terá o poder de fazer valer suas decisões. Uma vez
descumprida, a parte que se sentir prejudicada poderá se socorrer ao Poder Judiciário
para que seja atribuída a ela força coercitiva por meio da chamada Carta Arbitral
(PINHO, 2021).
GLOSSÁRIO

Carta Arbitral é o documento que tem a finalidade de autorizar o Poder Judiciário a


praticar um ato ou determinar o cumprimento de ato formulado pelo juízo arbitral,
inclusive os que importem efetivação de tutela provisória (Art. 234, inciso IV, do
Código de Processo Civil) (BRASIL, 2015a)

Quem pode ser árbitro em uma disputa? Em regra geral, o árbitro pode ser uma ou
mais pessoas naturais que tenha a confiança das partes e por elas, detidamente,
escolhidas, em razão das suas qualidades técnicas e éticas (Art. 13, da Lei nº
9.307/96) (BRASIL, 1996). Mas também pode ser uma Câmara Arbitral ou Centro de
Arbitragem que profere decisões colegiadas sem que as partes tenham que arcar
com os custos de um processo judicial. Aqui, convém lembrar que ser árbitro não é
uma profissão, mas um múnus de decidir um conflito de interesses recebida por
delegação das partes e que se encerra com a conclusão do seu trabalho, que ocorre
com a emissão da sentença arbitral (LIMA JÚNIOR, s.d.).

Quais os princípios que regem o procedimento arbitral? Segundo as disposições do


Art. 21, § 2º, da Lei 9.307/96 (BRASIL, 1996), além daqueles previstos na Constituição
Federal, como o devido processo legal, igualmente são aplicáveis os princípios do
contraditório, da igualdade das partes, da imparcialidade do árbitro e do seu livre
convencimento. De que forma a arbitragem pode ser realizada? Daí decorre que a
arbitragem será realizada se houver uma convenção de arbitragem, isto é, um
acordo de vontades celebrados entre as partes que define a arbitragem como a forma
de solução consensual dos conflitos futuros ou atuais. Essa comporta duas espécies
(SCAVONE JÚNIOR, 2020):

Cláusula compromissória

Em que é estipulado, em um contrato, que eventual divergência que venha a surgir


decorrente daquele contrato será resolvida por arbitragem.

Compromisso arbitral

Em que as partes estipulam que escolhem a arbitragem para dirimir um conflito já


existente.

Você consegue identificar o momento em que a arbitragem é convencionada? A rigor,


a arbitragem pode ocorrer antes (cláusula compromissória) ou depois (compromisso
arbitral) do litígio, sendo certo, ainda, que o procedimento arbitral pode se dar pelas
regras ordinárias de direito, conforme a expressa vontade das partes (PINHO;
MAZOLA, 2021).

Em última análise, quais as principais vantagens de se eleger a arbitragem para


resolver uma controvérsia? Várias são elas, no entanto podemos citar que se trata de
uma forma impositiva que permite uma solução mais rápida dos conflitos em virtude
de, entre outros, não demandar um formalismo exagerado, como ocorre, por força de
lei, nos processos judiciais. Por outro lado, o árbitro pode ser um expert acerca do
conteúdo do litígio, ao contrário do juiz, que nem sempre tem a experiência exigida
para resolver certos assuntos que são demandados a ele (PINHO, 2021).

A economia que a arbitragem representa em detrimento das custas, despesas e taxas


processuais bem como a qualidade técnica da decisão que poderá ser emitida,
partindo do pressuposto que os litigantes poderão escolher quem decidirá e quais os
critérios de decisão, de modo a ajustar o processo arbitral de acordo com a
complexidade do caso concreto e a conveniência das partes, são, também,
pressupostos considerados vantajosos (LIMA JÚNIOR, s.d.).
ATENÇÃO

A arbitragem, também, tem grande campo de atuação no âmbito internacional e se


revela como um dos mais importantes e usuais métodos para a solução de conflitos
entre países.

Por último, encerrando a abordagem das formas consensuais de solução de conflitos,


analisaremos, em seus aspectos gerais, a dispute board. Você sabe do que se trata?
Historicamente, é um instrumento de origem no direito norte-americano da década de
70 relacionado às controvérsias ocorridas durante a execução de projetos de
construção. Em termos semânticos, significa: comitê de resolução de
disputas. Você já ouviu falar nesse método de resolver, consensualmente, os conflitos
de interesses?

Em linhas gerais, trata-se de um método contratual, extrajudicial e consensual de


solução de conflitos, que, como a própria nomenclatura sugere, consiste na formação
de uma comissão permanente e independente de três especialistas que atuam, de
modo neutro e imparcial, no acompanhamento, do início ao fim, de um projeto de
longa duração fundado em um contrato de execução continuada (GUERRERO, 2015).
Explicando de uma outra forma: para evitar que uma relação jurídica de cunho
contratual se submeta ao desgaste e aos altos custos de um processo judicial, muitas
vezes, de grandes proporções, é interessante que esse instrumento preveja
a dispute board, que permitirá uma avaliação imediata e uma solução eficiente dos
problemas ou das dúvidas surgidas, comuns nesse tipo de relação jurídica
(TAKAHASHI et al., 2019). Além disso, para que essa ferramenta de solução de
conflitos seja implementada, ela deve estar, devidamente, prevista no contrato, sendo
certo que a formação do comitê, geralmente, ocorre no início da relação contratual
(GUILHERME, 2016).
NA PRÁTICA

Um bom exemplo de dispute boards, para verificarmos de que forma é utilizada, foi a
criação da comissão para indenizar as famílias das 199 vítimas do acidente aéreo do
voo TAM 3054, em 2007, que ficou conhecida por CI 3054. Da mesma forma, foram o
Programa de Indenização 447 (PI 447), originado com o acidente do voo Air France,
em 2009, e as indenizações coletivas negociadas pela Defensoria Pública no acidente
do metrô em São Paulo, em 2007.

Fonte: adaptado de Takahashi et al. (2019).

Nesse contexto, quais as principais funções do comitê? O comitê visa acompanhar a


execução do contrato com reuniões periódicas e o surgimento de eventuais
divergências, buscando a solução consensual com emissão de recomendações ou
decisões que vinculam as partes e as obrigam ao seu imediato cumprimento (LIMA
JÚNIOR, s.d.). De igual modo, visa documentar o comportamento das partes durante a
vigência do contrato, desde a sua formação. Assim, os seus membros já estarão
familiarizados com as minúcias do contrato e da relação entre os contratantes quando
do surgimento de uma dúvida ou de uma controvérsia, permitindo que o contrato
continue a viger (CÂMARA; LEAL, 2019).

Quais são modalidades de dispute boards? Existem vários modelos de dispute


boards, são diferenciados pela sua forma de atuação no projeto, pelo número de
membros que integram o comitê e, também, pela maneira como operam. Vale dizer
que a escolha do modelo depende do tipo de negócio ou do projeto no qual atuará.
Assim, temos aqueles em que a missão é de, apenas, fornecer sugestões para a
resolução dos impasses, mas sem impor suas recomendações. Por outro lado, temos
aqueles que proferem decisões que se tornam obrigatórias para as partes, e outros
que misturam essas duas características, criando um terceiro gênero.

E se as partes não concordarem com a decisão emitida pelo comitê? Na hipótese de


um dos contratantes não concordar com a recomendação ou com a decisão em prazo
estabelecido contratualmente, as controvérsias poderão ser solucionadas por meio
de arbitragem ou, então, pelo próprio Poder Judiciário. Contudo deverão fazer de
imediato para evitar a interrupção do contrato ou atrasos relevantes no seu
cumprimento. No entanto, essa possibilidade é bastante rara de acontecer porque a
grande maioria das disputas é finalizada no âmbito do próprio comitê (GUERRERO,
2015).

ATENÇÃO

Essa forma de dirimir conflitos é compatível com os contratos de execução continuada


celebrados no âmbito da construção civil e concessão e com aqueles relacionados às
franquias, à propriedade intelectual e aos casos de recuperação judicial de empresas.
Além disso, mostra-se adequado, também, para as relações advindas de acordo de
acionistas.

Diante desse contexto, será que essa ferramenta consensual de solução de conflitos
é, de fato, eficaz? De acordo com uma pesquisa realizada, no ano de 2018, pela The
Dispute Resolution Board Foundation, organização sem fins lucrativos, constituída em
Wisconsin, Estados Unidos, em 1996, o índice de sucesso nos procedimentos
adotados para a resolução das disputas é de 94%. Assim, podemos concluir que esse
método é eficaz, até mesmo porque permite e encoraja o diálogo entre as partes, para
que as controvérsias sejam solucionadas da forma mais satisfatória para todos,
diferentemente do que aconteceria se a demanda fosse questionada perante o Poder
Judiciário (POLIDORO, 2021).
SAIBA MAIS

Aprofunde no estudo desse tema.

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FICA A DICA

The Dispute Resolution Board Foundation, em seu site, disponibiliza, de forma


gratuita, um guia orientador das melhores práticas e procedimentos bem como
orientações para a sua implantação.

MÓDULO 3
Necessidade de alteração da mentalidade dos litigantes

Como tivemos a oportunidade de estudar na primeira unidade, o nosso ordenamento


jurídico sempre privilegiou a resolução dos conflitos de interesse pela via processual,
por meio do acesso ao Poder Judiciário. Isso é tão verdade que o art. 5º, inciso XXXV,
da Constituição Federal (BRASIL, 1988) estabelece o princípio da
inafastabilidade como um direito fundamental da pessoa humana, sendo considerado
um elemento essencial e imprescindível para o funcionamento de nosso sistema
jurídico e do próprio Estado Democrático de Direito.
Em outro sentido, será que acessar o Poder Judiciário é o mesmo que buscar a
justiça? Acionar o Poder Judiciário para ter uma demanda decidida por seus órgãos
sempre foi sinônimo de busca e de acesso à justiça, o que nem sempre é possível de
se alcançar. Dessa forma, o Estado, até poucas décadas atrás, exerceu
o monopólio na solução das demandas conflituosas e, como consequência, na
pacificação social. Até mesmo porque, se, de um lado, essa função corresponde a
uma manifestação do poder soberano do Estado, que impõe as suas decisões de
forma imperativa, por outro, temos o dever por ele assumido de dirimir os conflitos de
interesses (PINHO, 2021).

Contudo, o nosso ordenamento jurídico, passou a regular outras formas de acesso à


justiça a partir das formas consensuais de solução de conflitos, sobretudo por meio da
mediação, da conciliação e da arbitragem com fundamento na Lei nº 9.307/1996, na
Resolução nº 125/2010 do Conselho Nacional de Justiça, no próprio Código de
Processo Civil de 2015 e na Lei nº 13.140/2015, a denominada Lei de Mediação.
Nesse cenário, presenciamos uma inovação em nosso sistema jurídico e normativo
com a implantação, em âmbito judicial e extrajudicial, dos mencionados métodos
alternativos que propiciam uma forma mais rápida, humanizada e menos burocrática,
com possibilidades reais de uma decisão final satisfatória para os litigantes, não
impositiva, inclusive, preservando a relação entre eles (BRASIL, 2015).

Como a comunidade jurídica recebeu essa inovação? Em geral, a comunidade jurídica


passou a ver com bons olhos, ainda que com uma certa neutralidade, essa
modificação. Não notamos, porém, o mesmo nível de difusão entre os cidadãos, para
quem falta disposição para contemplar outros meios de solução consensual de
conflitos que não a via processual (TARTUCE, 2021). Talvez, isso se deva a uma
visão paternalista institucionalizada pelo Estado na solução do conflito que, durante
anos, incentivou a substituição da vontade das partes pela autoridade da sentença
judicial e da coisa julgada (TAKAHASHI et al., 2019).

Segundo Kazuo Watanabe (2019), a cultura da sentença teria se instalado entre nós,
estabelecendo um modelo contencioso de solução dos conflitos de interesses e que
deve ser substituído, paulatinamente, pela cultura da pacificação. Diante desse
cenário, o que é preciso para que isso aconteça? Na atual sociedade em que vivemos,
presenciamos a necessidade de empreender mecanismos que promovam
uma mudança na mentalidade dos litigantes e da sociedade.

Para tanto, em primeiro lugar, devem ser levados aos cidadãos as informações e o
conhecimento acerca das formas consensuais de solução de conflitos, dos
procedimentos, dos seus benefícios e, principalmente, de como ter acesso a eles.
Assim, observaremos mais um direito fundamental da pessoa humana, que é o direito
à informação e o direito ao acesso à informação, nos termos do art. 5º, inciso
XXXIII, da Constituição Federal, aplicado, inclusive, no âmbito das relações privadas.

E como proceder? Na visão de Bruno Takahashi et al. (2019), é necessário criar


medidas, programas e projetos de incentivos à utilização dos métodos consensuais,
tais como: a edição de cartilhas explicativas, a divulgação de notícias e de
reportagens nas diversas mídias e em redes sociais, a ampliação dos setores de
cidadania, dos Centros Judiciários de Solução de Conflitos (CEJUSCS) e a criação
dos Núcleos Permanentes de Métodos Consensuais de Soluções de Conflitos
(NUPEMECS), dentre outras iniciativas de cunho comunitário, todos com fundamento
na Resolução nº 125/2010 do Conselho Nacional de Justiça (TAKAHASHI et al.,
2019).

E, ainda, é preciso apresentar, de forma crítica e imparcial, as características dos


diversos métodos consensuais de solução de conflitos para que os próprios litigantes
possam escolher aquele que seja o mais adequado para resolver a demanda que lhes
aflige, bem como eleger os especialistas ou o órgão perante o qual o litígio será levado
para apreciação (LIMA JÚNIOR, [2022]).

Outra forma de mudar a mentalidade dos litigantes é por meio da divulgação dos
casos de sucesso existentes em nossa sociedade por meio das decisões tomadas
pelos citados Centros, Núcleos e, também, pelas diversas Câmaras e Tribunais
Arbitrais (TARTUCE, 2021). Nesse contexto, também pode ser citada a Semana da
Conciliação, estimulada pelo Conselho Nacional de Justiça e realizada anualmente em
todos os tribunais brasileiros. Os resultados são publicados no site do órgão, inclusive,
com as estatísticas dos acordos realizados (CNJ, 2022).

Sob outra perspectiva, é importante que as partes tenham consciência, também,


das vantagens e das desvantagens de cada uma das formas consensuais de
solução de conflitos, de modo a terem condições de decidir qual delas é a mais
adequada para resolver a demanda que lhes aflige (ZANINI, 2017).

Assim, o que é necessário para que essas iniciativas tenham eficácia? Para que essas
medidas de incentivo tenham eficácia, é importante contar com o
efetivo envolvimento dos litigantes nesse processo. Se o interesse for simplesmente
em obter uma decisão para o conflito, de modo a pôr fim às suas angústias,
contentando-se apenas com a mera homologação judicial do acordo, não haverá a
pretendida mudança de mentalidade e uma efetiva alteração positiva de
comportamento dos litigantes, e se corre o risco de repetir o mesmo procedimento
(TAKAHASHI et al., 2019).
Com isso, os litigantes terão a consciência necessária para romper com a nossa
cultura jurídica do monopólio do Poder Judiciário para a solução das demandas, com o
seu sistema burocrático, moroso, custoso, prolongado e que, na grande maioria das
vezes, não promove o acesso à justiça. Neste, é comum os litigantes finalizarem o
processo insatisfeitos com a decisão imperativa e imposta pelo Estado, em qualquer
de suas instâncias.

Diante disso, você consegue perceber os reflexos advindos desses atos? As formas
consensuais de solução de controvérsias, em especial, as extrajudiciais, têm por
característica justamente a desjudicialização. Ela acarreta, como consequência,
celeridade na busca do resultado definitivo, já que as negociações correm em um
ambiente coloquial e com a ausência de formalidade que, muitas vezes, atrapalham a
celebração de um acordo.

Por outro lado, é possível manter um relacionamento amigável entre os envolvidos,


mesmo depois de resolvida a pendência que os levou ao litígio. Outro decorrência
relevante é o desafogamento do Poder Judiciário, permitindo que ele se volte para as
questões mais complexas, podendo analisar os casos concretos de forma
individualizada e fundamentada (NALINI, 2000).

Esses pressupostos são imprescindíveis para que possamos verificar se, de fato, os
litigantes têm maturidade suficiente, mesmo diante das informações recebidas, para se
adequar a essa mudança de paradigma ou de mentalidade. Nesse caso, renuncia-se a
uma suposta segurança jurídica das sentenças judiciais, que são passíveis de recurso
para as diversas instâncias superiores, por uma maior eficiência das decisões
tomadas por consenso e com o auxílio de especialistas devidamente escolhidos ou
aceitos pelas partes, porém definitivas, submetendo-se incondicionalmente a elas
(LIMA JÚNIOR, [2022]).

Dessa maneira, será que as formas consensuais de solução de conflitos têm a função,
entre outras, de evitar os conflitos? Ao contrário do que a cultura jurídica clássica
prega, a mediação, a conciliação e a arbitragem, para citar os principais métodos, não
se prestam a eliminar os conflitos, mas a transformá-los. Até mesmo porque eles são
inevitáveis e fazem parte da vida da pessoa humana. Portanto, devemos mudar o
modo como lidamos com eles para que sejam resolvidos de modo satisfatório.
Segundo Roger Fisher, William Ury e Bruce Patton (2014), os conflitos estão na
essência do próprio processo democrático, em que as melhores decisões resultam da
exploração de diversos pontos de vista.

O Brasil, depois da institucionalização e da regulamentação das formas consensuais


de solução de conflitos, tem preferido essas práticas? Não, a via processual ainda é
a preferência dos cidadãos. Isso porque a sociedade ainda as vê com certa
parcimônia e insegurança, em especial, em virtude da ausência de garantias e da
impossibilidade de recursos (PINHO, 2019). Logo, temos um longo caminho a ser
percorrido até que, nas palavras de Kazuo Watanabe (2019), a cultura da sentença
seja substituída pela cultura da pacificação.
ATENÇÃO

Nesse ponto, vale lembrar que essa mudança de paradigma se torna ainda mais
necessária se voltarmos o foco para os efeitos decorrentes da pandemia de
Coronavírus, que tornar urgente a solução de vários conflitos, como débitos com
concessionárias de serviços públicos e empresas públicas, guarda, visitas, alimentos
para os filhos decorrentes dos inúmeros divórcios que ocorrem nesse período,
encerramento de empresas, ocupação de imóveis e renegociação de locação
(LAGRASTA, 2022).

Como se denota, é nesse sentido que as formas consensuais de solução de conflitos


estão inseridas no contexto da cultura de paz. O que isso quer dizer? Como ocorre?

Em linhas gerais, a cultura da paz diz respeito ao abandono das ações violentas e ao
respeito às diferenças no modo de pensar e de agir. Assim, é integrada por valores,
atitudes e comportamentos que refletem e inspiram a interação social, tendo por
principal objetivo a pacificação social. E, com ela, o respeito às leis e ao cidadão,
combatendo os conflitos sociais existentes e promovendo os meios alternativos de
resolução de conflitos (TARTUCE, 2021).

Dessa forma, é por meio do diálogo autêntico,


com reciprocidade e responsabilidade entre as partes interessadas em firmar um
acordo, que se efetiva a mediação e a conciliação de um conflito, oportunizando a
diminuição da violência na sociedade, conforme anteriormente mencionado. Por esse
motivo, construídas sob essas bases, as técnicas utilizadas pelos mediadores e
conciliadores transformam o objeto do litígio em consenso (MENDONÇA; MORAES,
2016).

Nesse ponto, é importante citar Paulo Freire (1980), para quem a pessoa humana
como um ser eminentemente social (re)constrói a sua condição humana a partir de
uma relação dialógica com o outro. É a alteridade dialógica que permite o existir do
outro. Nessa relação, permite-se criar uma nova realidade relacional para as partes
envolvidas em situação de conflito (FREIRE, 1980).

Com efeito, a comunicação entre os litigantes é fácil? Nem sempre, pois, muitas
vezes, é influenciada por emoções, sentimento de culpa e atribuições de
responsabilidade recíprocas pela existência do conflito. Contudo, sem uma
comunicação dialogada e não violenta, não é possível a celebração de um acordo.
Assim, os mediadores e os conciliadores, no exercício de suas funções e fazendo uso
de técnicas específicas, abrem a oportunidade para o diálogo com o fim de chegarem
a um denominador comum sobre o fim definitivo do conflito, ainda que não tenham o
poder de decisão (FISHER; URY; PATTON, 2014).

No tocante à comunicação não violenta, segundo Marshall B. Rosenberg, ela “se


baseia em habilidades de linguagem e comunicação que fortalecem a capacidade de
continuarmos humanos, mesmo em condições adversas” (ROSENBERG, 2006, p. 22).
E continua o autor:
À medida que a CNV substitui nossos velhos padrões de defesa, recuo ou ataque
diante de julgamentos e críticas, vamos percebendo a nós e aos outros, assim como
nossas intenções e relacionamentos, por um enfoque novo. A resistência, a postura
defensiva e as reações violentas são minimizadas. Quando nos concentramos em
tornar mais claro o que o outro está observando, sentindo e necessitando em vez de
diagnosticar e julgar, descobrimos a profundidade de nossa própria compaixão. Pela
ênfase em escutar profundamente — a nós e aos outros —, a CNV promove o
respeito, a atenção e a empatia e gera o mútuo desejo de nos entregarmos de coração
(ROSENBERG, 2006, p. 23).

Entretanto, isso só será possível se houver a mudança da mentalidade dos


litigantes, em que se abrem todos para a comunicação e o diálogo e, com ele, a
solução do conflito. Vale lembrar que, aqui, não existem ganhadores ou perdedores.
Ao contrário, todos são beneficiados com uma decisão satisfatória às suas pretensões.
Já na decisão proferida pelo Poder Judicial, sempre teremos um ganhador e,
consequentemente, um perdedor, e a decisão nem sempre será satisfatória em
decorrência do seu caráter imperativo e impositivo.
SAIBA MAIS

Sobre as formas consensuais de solução de conflitos como instrumento para uma


cultura de paz, veja: MENDONÇA, K. M. L.; MORAES, D. C. P. de. Métodos
Consensuais de Solução de Conflitos: a produção dialógica para uma cultura de paz.
Revista EPOS, Rio de Janeiro, v. 7, n. 2, p. 73–84, jul./dez. 2016.

ACESSAR

A ética como elemento fundamental para a solução de conflitos

Iniciaremos este tópico ao relembrar os aspectos conceituais e elementares sobre a


ética para, posteriormente, analisá-la sob a ótica da solução dos conflitos de interesse
e os seus principais métodos.
O que você entende por ética? Em essência, trata-se de uma ciência que é estudada
no âmbito da Filosofia, mas que permeia todos os ramos do conhecimento e está
relacionada com a teoria ou a ciência dos costumes. Nesse contexto, expressa
um juízo de valor por meio da conduta humana; juízo de valor esse que está
embutido em suas normas e ao qual se liga uma penalidade em decorrência de sua
possibilidade de violação (NALINI, 2020).

Assim, a ética, comporta uma série de regras de conduta ou preceitos, sendo de


aplicabilidade prática na esfera social. Essas regras culminam na escolha de uma
diretriz considerada obrigatória em uma determinada coletividade, mas passíveis de
serem infringidas pelos seus destinatários. E, mesmo assim, continuam
sendo válidas, atribuindo responsabilidade a quem vier infringi-las, ou seja, impõem
uma sanção ou penalidade (REALE, 2013).

Em outro sentido, a ética é o veículo ou o instrumento utilizado pela moral para sair do
mundo interior da pessoa humana e vir para o mundo exterior, ou seja, para a
sociedade, como também reflete a moralidade de uma certa coletividade em uma
época determinada. Com isso, ampara uma função normativa, pois, com fundamento
nela, encontramos as orientações sobre o que pode ou deve ser permitido, obrigado
ou proibido nos comportamentos humanos (BITTAR, 2021).
ATENÇÃO

Como a ética é o meio pelo qual a moral se exterioriza, toda conduta ética deve estar
de acordo com a moral individual, isto é, aquela relativa às pessoas envolvidas na
lide, como também com a moral coletiva, que é aquela atinente à sociedade na qual
as partes e os litígios estão inseridos. Assim, é importante que os mediadores, os
conciliadores e os árbitros, ou seja, os especialistas envolvidos na decisão dos
conflitos estejam conscientes da moral que caracteriza os tempos atuais para melhor
orientar as partes na busca da solução do conflito.

Diante desses conceitos, de que forma a ética se relaciona com a solução consensual
dos conflitos de interesses? Nesse caso, a ética diz respeito à conduta dos
especialistas, no exercício de suas funções, para compor as partes litigantes, mas,
também, atinge o comportamento dos próprios litigantes entre si, que deve estar
pautado, sobretudo, na moral e na boa-fé. E, como não poderia deixar de ser, esses
pressupostos devem estar presentes, também, na execução dos procedimentos
atinentes ao método escolhido pelas partes para pôr fim à demanda que lhes aflige
(VASCONCELOS, 2020).

Assim, todas as partes envolvidas, e não apenas os especialistas, devem se conduzir


de forma a obedecer a certos princípios que formam um verdadeiro Código de Ética e
estão previstos, em especial, no art. 1º do Anexo III da Resolução nº 125/2010,
alterado pela Emenda nº 01/2013, ambos do Conselho Nacional de Justiça; no art. 2º
da Lei nº 13.140/2015, a denominada Lei de Mediação; e no art. 166 do Código de
Processo Civil; sendo que todos se complementam e alguns estão regrados em
duplicidade em mais de um diploma legal.

Nesse ponto, esses princípios éticos que sustentam a solução consensual dos
conflitos também estão fundamentados na Constituição Federal? Sim, esses princípios
encontram lastro na Constituição Federal, em especial, no preâmbulo, em que se
refere à sociedade brasileira como fraterna, fundada na harmonia social e
comprometida com a ordem interna e internacional na solução pacífica das
controvérsias. Redação semelhante encontramos no art. 3º, inciso I, e no art. 4º,
inciso VII, do mesmo diploma (TAKAHASHI et al., 2019).

Nesse contexto, qual é a função dos princípios? Os princípios servem como


instrumentos norteadores do comportamento ético, bem como para assegurar a
efetiva facilitação do diálogo entre as partes envolvidas no conflito em condições de
igualdade de oportunidades e liberdade, com vistas a se buscar e a se alcançar a
justiça do caso concreto (VASCONCELOS, 2020).

Quais são esses princípios? Trataremos deles, em seus aspectos fundamentais, de


modo conjunto, seguindo a ordem dos normativos anteriormente citados.

Confidencialidade (art. 1º, § 1º, do Anexo III da Resolução nº 125/2010 do Conselho


Nacional de Justiça; art. 166, do Código de Processo Civil; e art. 2,º da Lei de
Mediação) quanto aos fatos que envolvem o conflito e tudo o mais que for revelado
pelos litigantes e especialistas durante o procedimento. Assim, não podem ser
expostos e utilizados em outro ambiente, judicial ou extrajudicial, sem a prévia
concordância dos interessados (TAKAHASHI et al., 2019).
Confidencialidade

(Art. 1º, § 1º, do Anexo III da Resolução nº 125/2010 do Conselho Nacional de Justiça;
art. 166, do Código de Processo Civil; e art. 2,º da Lei de Mediação) quanto aos fatos
que envolvem o conflito e tudo o mais que for revelado pelos litigantes e especialistas
durante o procedimento. Assim, não podem ser expostos e utilizados em outro
ambiente, judicial ou extrajudicial, sem a prévia concordância dos interessados
(TAKAHASHI et al., 2019).

SAIBA MAIS

Nesse sentido, o Enunciado nº 46, da I Jornada de Prevenção e Solução Extrajudicial


de Litígios do Conselho da Justiça Federal afirma: “Os mediadores e conciliadores
devem respeitar os padrões éticos de confidencialidade na mediação e conciliação,
não levando aos magistrados, dos seus respectivos feitos, o conteúdo das sessões,
com exceção dos termos de acordo, adesão, desistência e solicitação de
encaminhamentos, para fins de ofícios” (CJF, [2022]).
Competência

(Art. 13, § 6º, da Lei de Arbitragem; art. 1º, § 2º, do Anexo III da Resolução nº
125/2010 do Conselho Nacional de Justiça), ou seja, as qualificações e as habilidades
específicas que os especialistas devem ter para o desempenho de suas funções no
âmbito da mediação, da conciliação e da arbitragem. Assim, é conveniente, mas não
obrigatório, que tenham conhecimento técnico quanto ao objeto da lide para melhor
orientar as partes na busca da solução do conflito.
Imparcialidade

Art. 13, § 6º, da Lei de Arbitragem; art. 1º, § 3º, do Anexo III da Resolução nº 125/2010
do Conselho Nacional de Justiça; art. 166 do Código de Processo Civil; e art. 2º da Lei
de Mediação) dos especialistas na orientação aos litigantes quanto ao objeto da
demanda e na sugestão dos termos do acordo ou, então, na tomada de decisão
definitiva, no caso da arbitragem. De outro modo, as partes devem permanecer
imparciais durante todo o procedimento de modo a conferir tratamento igualitário e
segurança à relação. E, ainda, devem fazer prevalecer os valores e princípios
pessoais, compreendendo a realidade dos litigantes e jamais aceitar quaisquer
espécies de vantagens extras por conta de sua atuação.
Neutralidade

(Art. 1º, § 4º, do Anexo III da Resolução nº 125/2010 do Conselho Nacional de


Justiça), a qual os especialistas devem ter quanto ao ponto de vista dos litigantes na
solução dos conflitos.
Independência e autonomia da vontade

(Art. 1º, § 5º, do Anexo III da Resolução nº 125/2010 do Conselho Nacional de Justiça;
art. 166 do Código de Processo Civil; e art. 2º da Lei de Mediação), em que as partes
devem optar, entre as várias permitidas pelo nosso ordenamento jurídico, qual é a
mais adequada para pôr fim à lide. Da mesma forma, esse princípio guarda relação
com a escolha do especialista para intermediar a tomada de decisão dos litigantes, no
caso da mediação e da conciliação, ou que decidirá a demanda, no caso do árbitro.
Por último, também deve ser aplicado quanto à análise do mérito da lide
(VASCONCELOS, 2020).
Respeito à ordem pública e às leis vigentes

(Art. 1º, § 6º, do Anexo III da Resolução nº 125/2010 do Conselho Nacional de


Justiça), para que o acordo tenha validade e eficácia, não podendo contrariá-las.
Isonomia entre as partes

(Art. 2º da Lei de Mediação), em que prestigia a igualdade de tratamento entre os


litigantes, concedendo igualdade de oportunidade no momento da fala e da escuta,
procurando compreender o porquê de cada uma vivenciar aquela relação como expõe
em sua narrativa fática (PELAJO, 2014).
Informalidade

(Art. 166 do Código de Processo Civil; e art. 2º da Lei de Mediação) dos


procedimentos relativos às formas consensuais de solução de controvérsias, pois não
há previsão legal de rituais a serem observados sob pena de ineficácia dos atos e das
decisões proferidas. Logo, não existem burocracias a serem seguidas e há uma certa
flexibilidade procedimental, o que permite que os litigantes se sintam mais livres para
buscar uma solução às suas controvérsias sem se prenderem aos aspectos formais
(VASCONCELOS, 2020).
Oralidade

(Art. 166 do Código de Processo Civil; e art. 2º da Lei de Mediação) princípio esse
característico das formas consensuais de solução de conflitos, estando diretamente
relacionado com o princípio da informalidade, em que privilegia a simplicidade dos
atos, dispensando contratos escritos, já que feitos diretamente entre os litigantes
(TAKAHASHI et al., 2019).
Busca do consenso

(Art. 2º da Lei de Mediação) na tomada de decisão para a solução dos conflitos. Em


outro sentido, o acordo não deve ser firmado a todo custo. Dependendo do tipo de
controvérsia, nem sempre o acordo é a melhor opção. A busca pelo consenso não
deve ignorar os interesses dos envolvidos, bem como a autonomia de vontade. Se as
partes, devidamente informadas, não desejam realizar qualquer acordo, é um direito
delas. O mesmo princípio é válido se preferirem se socorrer do Poder Judiciário na
busca de uma sentença terminativa (TAKAHASHI et al., 2019).
Boa-fé

(Art. 2º da Lei de Mediação) e transparência entre as partes litigantes e os


especialistas durante todo o procedimento até uma decisão terminativa satisfatória,
sempre acreditando na idoneidade moral de cada um. Nesse contexto, a boa-fé se
caracteriza pelos tratos colaborativos em busca da ordem jurídica justa, de modo que,
enquanto não obtida, o procedimento estará inviabilizado (VASCONCELOS, 2020).
Facilitação de decisão informada

(Art. 166 do Código de Processo Civil), ou seja, os especialistas devem observar se os


litigantes estão devidamente informados acerca do objeto da lide e das consequências
quanto às possíveis decisões que podem tomar para pôr fim ao conflito. E, caso seja
necessário, é possível que os procedimentos sejam interrompidos para que os
litigantes obtenham as informações que acharem necessárias, de modo que, ao final,
decidam de modo consciente e sem arrependimentos posteriores. Até mesmo porque,
nesse caso, não é permitido recursos com fins de modificar os termos do acordo
celebrado.

Diante desse cenário, o que você conclui quanto à ética na solução consensual dos
conflitos de interesses? A ética visa à busca pelo bem comum, sendo certo que é
fundamental para que as partes envolvidas no litígio sintam confiança, não só no
procedimento em si, mas também no especialista que auxilia e, igualmente, que, ao
final, terão uma decisão terminativa do conflito. Mais do que isso, que terão uma
solução satisfatória às suas pretensões, dentro do contexto de uma cultura da paz,
nos termos estudados no tópico anterior.

Na interessante visão de Oscar Motomura,


Conformar-se com a “letra da lei” em vez de persistir no “espírito da lei” não é ético.
Deixar seu poder, como cidadão do mundo, nas mãos dos outros não é ético. Não
explorar novos caminhos porque ninguém até hoje tentou não é ético. Não fazer face
aos desafios de grande escala e complexidade porque parecem “além da conta” não é
ético (MOTOMURA, [2022], on-line).

Desse modo, a busca pelo bem comum, a partir do comportamento ético, está
justamente relacionada com a mudança de mentalidade dos litigantes, sendo certo
que os métodos consensuais de solução, por resolverem o conflito em sua essência,
atingem os verdadeiros interesses e necessidades das partes, levando à pacificação
social por meio do acesso à uma ordem jurídica justa (LAGRASTA, 2022).
REFLITA

O que se espera do comportamento ético dos litigantes? A resposta para essa questão
é muito individual. No entanto, podemos dizer que se espera que todos tenham
uma postura cooperativa para uma decisão satisfatória para ambos os litigantes, que
devem estar bem orientados e comprometidos para a solução do conflito a partir do
diálogo e da colaboração mútua.

Novos métodos consensuais de solução de conflitos

Neste último tópico, trataremos de outros dois métodos de autocomposição, ainda


pouco conhecidos, mas que vêm sendo utilizados em nossa sociedade nos últimos
anos, inclusive, nos setores de conciliação de alguns tribunais de nosso país. Trata-se
da constelação sistêmica e da justiça restaurativa.
Você já ouviu falar em constelação sistêmica? Em essência, refere-se a um método
terapêutico desenvolvido nos anos de 1970 pelo psicoterapeuta e filósofo alemão Bert
Hellinger, a partir do estudo das práticas de Eric Berne e Jakob Levy Moreno.
Segundo ele, diversos conflitos enfrentados por uma pessoa podem estar relacionados
com outros ocorridos no passado de sua família, advindos de gerações anteriores e
que resultam em traumas no sistema ou na constelação familiar como um todo para as
gerações futuras (FIGUEIREDO; PAIVA, 2021).

Em outro sentido, podemos dizer que os padrões de comportamento que se repetem


ao longo dos anos em uma determinada família provocam conflitos e problemas em
seus membros, e a única forma de resolvê-los é buscar a sua origem e, assim, atribuí-
los a quem de fato pertencem, isto é, a um ascendente, seja ele mãe, pai, sejam
avós, de modo a atingir a sua compreensão. Dessa maneira, voltando os olhos para a
ancestralidade de uma pessoa, identificam-se paradigmas que se repetem
inconscientemente entre os descendentes no meio familiar e que causam conflitos
(TERRA, 2021).

Como a constelação sistêmica é aplicada no âmbito do Direito? Esse método está


fundamentado na Resolução nº 125/2010 do Conselho Nacional de Justiça, bem
como no art. 3º, §§ 2º e 3º, do Código de Processo Civil e na própria Lei nº
13.140/2015 (Lei de Mediação). Geralmente, é utilizada nas relações de Direito de
Família, no setor de Centro Judiciário de Soluções de Conflitos e Cidadania (CEJUSC)
dos Tribunais de Justiça, atuando junto aos conflitos que envolvem divórcio, disputa
entre herdeiros pela herança, pensão alimentícia e alienação parental. No entanto,
pode ser igualmente aplicada nas relações empresariais para resolver controvérsias
de cunho negocial; no Direito Penal, é usada no âmbito da justiça restaurativa, como
veremos a seguir; nas questões da violência contra a mulher; e no Direito do Trabalho,
para conciliar empregados e empregadores (TJSP, 2022).
FICA A DICA

As primeiras iniciativas de aplicação da constelação sistêmica familiar foram


estimuladas pelo juiz Sami Storch, no ano de 1999, junto ao Tribunal de Justiça da
Bahia, utilizando-se da cura que ele obteve por meio de suas vivências pessoais. A ele
é atribuída a criação da expressão “Direito Sistêmico”, por meio da análise do Direito
de acordo com as ordens superiores que regem as relações humanas e, também,
conforme comprovam as constelações desenvolvidas por Bert Hellinger. No Brasil,
esse método é utilizado em mais dezesseis Estados e no Distrito Federal (STORCH,
2018).
Quais são os fundamentos da constelação sistêmica? A essência dos conflitos que
chegam ao Poder Judiciário para serem solucionados não possuem apenas cunho
jurídico. Na verdade, relacionam-se igualmente às questões de natureza pessoal, que
estão ocultas no inconsciente das pessoas envolvidas e que, em sua grande maioria,
são a origem dos conflitos por elas vivenciados. Com isso, podem impedir ou
prejudicar a celebração de um acordo e o seu cumprimento. Por essa razão, é
importante conferir um tratamento adequado para pôr um fim definitivo aos conflitos
(TJSP, 2022).

Segundo Samir Storch,


Um indivíduo não pode ser tratado isolado, ele tem que ser encarado como um
sistema, formado por ele próprio, pelo pai e pela mãe. Se queremos conhecer alguém
ou a nós mesmos nós precisamos assimilar a origem desse ser. Todos gostam de ser
reconhecidos. Muitas pessoas ingressam com processos na Justiça por conta de um
motivo, mas quando é feita a análise mais profunda, é possível verificar que o
problema maior é que elas foram desconsideradas pelo outro ou sofreram um gesto de
não reconhecimento (STORCH, 2018, on-line).

Quais são os procedimentos que ocorrem em uma sessão de constelação sistêmica


para resolver os conflitos? De acordo com esse método, as pessoas envolvidas em
uma controvérsia assistem a outras pessoas — também podem ser utilizados bonecos
em substituição às pessoas — as quais são convidadas a atuar, representando o
papel daquelas na dinâmica do conflito, expressando seus sentimentos. Com base
nessas representações, as causas dos transtornos das pessoas, mesmo que
desconhecidas e relativas a fatos ocorridos em gerações passadas, vêm à tona. Com
isso, o propósito é levar os envolvidos no conflito a refletir sobre as suas próprias
condutas para que cheguem a uma conclusão que possa resultar em um consenso e
resolver definitivamente a controvérsia que lhes aflige (HELLINGER; HÖVEL, 2017).

Quais são as consequências práticas da aplicação da constelação sistêmica? Regra


geral, aqueles que se submetem a esse método demonstram respeito e consideração
em relação à parte contrária e, na maioria das vezes, aceitam firmar um acordo. Essa
atitude contribui com um aperfeiçoamento na qualidade das relações interpessoais,
fazendo com que as pessoas possam viver em paz, com respeito e consideração à
importância de cada um. Ademais, a justiça restaurativa promove a redução dos
conflitos dentro da comunidade e permite um maior acesso à justiça por meio de uma
ordem jurídica mais justa (STORCH, 2018).
REFLITA

No seu ponto de vista, a constelação sistêmica pode ser considerada um modo


humanizado de solucionar um conflito de interesses ou um mero modismo? Para
aqueles que são adeptos dela, a constelação sistêmica cuida de questões humanas
bastante delicadas, analisando o caso concreto como único, atingindo a origem do
problema de modo a solucioná-lo, e não apenas considera as consequências do
conflito por uma sentença judicial, que é imperativa, impositiva e obrigada a todos os
envolvidos.

SAIBA MAIS

Para uma análise mais específica sobre a constelação sistêmica e a sua aplicação no
Direito, veja: FIGUEIREDO, V. L.; PAIVA, M. F. J. C. B. E. de. As Constelações
Familiares como Método Alternativo de Resolução de Conflitos no Direito de
Família. IBDFAM, 20 abr. 2021.

ACESSAR

Por fim, para encerrar o nosso estudo sobre as formas consensuais de solucionar
conflitos, analisaremos os aspectos gerais da justiça restaurativa.

Esse método é uma novidade no Direito? Não, os seus primeiros registros podem ser
encontrados no Código de Hammurabi, um dos mais importantes documentos jurídicos
da Antiguidade, datado de cerca de 2.000 a.C. (ANDRADE, 2012) e que, ainda hoje, é
considerado a base legal do Direito da sociedade pós-moderna.

Na contemporaneidade, ele foi desenvolvido em meados da década de 1970, em


especial, no Canadá, nos Estados Unidos da América, na Nova Zelândia e na
Austrália, com origem nos estudos de Albert Eglash, psicólogo que teria criado a
expressão “justiça restaurativa”. Ela foi mencionada, pela primeira vez, no seu
artigo Beyond restitution: creative restitution de 1977. O foco central de sua proposta é
reabilitar aquele que cometeu um crime por meio do estímulo ao pedido de perdão e
de se retratar diante da vítima (ACHUTTI, 2016).

Sob essa perspectiva, como podemos entender a justiça restaurativa? De acordo com
esse método, o crime não se restringe a uma mera conduta típica e antijurídica, como
aprendemos no curso de Direito Penal. Na verdade, aqui, o seu conceito é bem mais
amplo, sendo, antes de tudo, um atentado às relações entre a vítima, o infrator e a
sociedade, causando-lhes vários danos (VASCONCELOS, 2020).

Por esse motivo, surge a necessidade de reparação tanto do delito em si quanto das
relações existentes entre os seus sujeitos — seja ela material, seja simbólica —, a
partir de práticas de mediação, com a atuação ativa de uma terceira pessoa
independente, imparcial e capacitada, que tem a função de facilitar o diálogo entre
os envolvidos no crime. Logo, não há atribuições de culpa quanto ao ato delituoso.
Esse método de solução de conflitos está baseado na autorresponsabilização,
na reflexão e na cooperação entre todos os sujeitos e a comunidade (OLIVEIRA,
2019).

Nesse contexto, qual é o objetivo da justiça restaurativa? Segundo Leonardo Sica,


esse método visa às consequências do crime e às relações sociais afetadas pela
conduta do ofensor. Dessa forma,
[...] antes de se buscar a verdade real dos fatos, será realizado um encontro entre os
envolvidos, para que cada um possa relatar a sua versão sobre o ocorrido e, após a
escuta de todos, seja deliberada a melhor maneira de lidar com os danos causados,
pode-se dizer que há um processo de construção coletiva do caso, que conduzirá a
uma construção coletiva da decisão e, portanto, produzirá a justiça para cada situação
(SICA, 2007, p. 27).

Quais são os fundamentos normativos da justiça restaurativa? No


cenário internacional, temos a Resolução nº 12, de 2002, do Conselho Econômico
e Social das Nações Unidas, da qual o Brasil é signatário, documento esse que traz
os princípios básicos sobre o modelo de justiça restaurativa para o desenvolvimento
de programas em matéria criminal. Antes dessa, tivemos a Resolução nº 26, de 1999,
seguida, posteriormente, pela Resolução nº 14, de 2000 (VASCONCELOS, 2020).

No Brasil, o principal instrumento é a Resolução nº 225/2016, do Conselho


Nacional de Justiça (CNJ, 2022). que instituiu a Política Nacional de Justiça
Restaurativa no âmbito do Poder Judiciário. Aqui, é importante citar o seu art 1º, que,
além de trazer o conceito do método, estabelece, ainda, a necessidade da
participação do ofensor, da vítima, das respectivas famílias, dos demais envolvidos no
fato danoso, com a presença de representantes da comunidade atingida pelo fato e
um facilitador restaurativo. Este será capacitado em técnicas autocompositivas e
consensuais de solução de conflitos próprias da justiça restaurativa, podendo ser
servidor do tribunal, agente público, voluntário ou indicado por entidades parceiras.
Além disso, os procedimentos deverão satisfazer as necessidades de todos os
envolvidos, com a devida responsabilização daqueles que contribuíram para a
ocorrência do fato danoso. Por fim, há a necessidade da reparação do dano, da
recomposição social e as suas implicações para o futuro.

Quais são os princípios que regem a justiça restaurativa no Brasil? De acordo com
o art. 2º daquele normativo, os princípios, que são autoexplicativos e podem ser
extraídos das disposições do art. 1º, anteriormente citado, são: a corresponsabilidade,
a reparação dos danos, o atendimento às necessidades de todos os envolvidos, a
informalidade, a voluntariedade, a imparcialidade, a participação, o empoderamento, a
consensualidade, a confidencialidade, a celeridade e a urbanidade.
Quais são os principais procedimentos que estão relacionados à justiça restaurativa?
Em linhas gerais, entre as suas práticas que são aplicadas para a solução de conflitos
por meio da justiça restaurativa, destacamos: a mediação restaurativa entre a vítima
e o ofensor, conforme já citado, e os círculos de diálogo ou os círculos
restaurativos, que podem ou não ter poder decisório e que ocorrem mediante
encontros entre os principais envolvidos no fato delituoso e os membros da
comunidade. Ou, então, entre aqueles — vítima e ofensor —, a autoridade judicial e o
representante do Ministério Público, cabendo ao juiz prolatar uma sentença de acordo
com aquilo que ficou acordado (VASCONCELOS, 2020).

Nesse ponto, convém afirmar que, na justiça restaurativa, o procedimento pode não
resultar, obrigatoriamente, na prisão do ofensor, mesmo que venha a confessar o
delito. Assim, é recomendável que as partes envolvidas celebrem um acordo
(ACHUTTI, 2016).

Desse modo, então, para quais casos a justiça restaurativa é indicada? A justiça
restaurativa e seus procedimentos só podem ser aplicados quando houver prova
suficiente de autoria do crime pelo ofensor mediante o consentimento deste e da
vítima, que pode ser revogado a qualquer momento durante o processo. Assim, os
acordos serão firmados voluntariamente. Quando isso não for possível, o caso será
encaminhado ao Poder Judiciário, de modo que seja investigada e declarada a sua
culpabilidade frente à vítima e à comunidade (AMANCIO, 2011).

Diante desse panorama, em última análise, a justiça restaurativa é um novo modelo de


justiça criminal, que não exige formalismo, que procura meios efetivos de solucionar
um conflito, e não simplesmente atribuir culpa a um sujeito (ACHUTTI, 2016).
Composta por vários procedimentos em que predominam o diálogo e a
autocomposição, está voltada para a promoção da pacificação social, a reintegração
do ofensor, a reparação material ou simbólica do dano, o respeito à dignidade de
todos os sujeitos envolvidos no fato delituoso, dentro do contexto da mudança de
mentalidade dos litigantes para uma cultura da paz.
SAIBA MAIS

Para um estudo mais detalhado sobre a justiça restaurativa, veja: VASCONCELOS, C.


E. de. Mediação de Conflitos e Práticas Restaurativas. 7. ed. São Paulo: Gens:
Método, 2020. p. 226–267.

ACESSAR

ATENÇÃO
Além da constelação familiar sistêmica e da justiça restaurativa, atualmente, existem
outros métodos alternativos e consensuais de solução de conflitos que ainda são
pouco utilizados em nossa sociedade, mas que vêm ganhando força nos últimos anos.
Citaremos alguns, a título de conhecimento: rent-a-judge, baseball arbitration, high-low
arbitration, mini-trial, early neutral evaluation, neutral fact-finding, consensus building, e
ombudsman. Para saber mais sobre eles, sugerimos: MAIA NETO, F. Diferentes
Formas de se Lidar com uma Controvérsia. In: ENAM – ESCOLA NACIONAL DE
MEDIAÇÃO E CONCILIAÇÃO. Manual de Mediação de Conflitos: escrito por
advogados. Brasília: Ministério da Justiça, 2014. p. 17–35.

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