Doença falciforme na emergência 2012

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Doença Falciforme na Emergência

INTRODUÇÃO para pacientes de risco Paulo Ivo Cortez de Araujo


Hematologista Pediátrico do Instituto
A doença falciforme é uma das altera- • Realizar anamnese e exame físico
de Puericultura e Pediatria Martagão
ções genéticas mais frequentes no Brasil cuidadoso. Identificar sinais de gravi- Gesteira da Universidade Federal do
e constitui-se em um grupo de doenças dade, como desconforto respiratório, Rio de Janeiro.
genéticas caracterizadas pela predomi- esplenomegalia, icterícia, dor óssea, Coordenador do Programa de Atenção
nância da hemoglobina (Hb) S nas he- alterações hemodinâmicas etc. Integral as Pessoas com Doença
mácias, sendo a anemia falciforme (Hb • Realizar hemograma com reticulóci- Falciforme da SES RJ
Assessor da Política Nacional de
SS) o genótipo mais frequente. tos, culturas, raio X de tórax, oxime-
Atenção Integral as Pessoas com
A gravidade clínica é variável, mas as tria de pulso, punção lombar, quando Doença Falciforme da SES RJ do
principais causas de morbimortalidade indicada, e avaliações especializadas Ministério da Saúde.
são resultado de infecções, anemia he- conforme o quadro clínico (ultrasso- Presidente do Comitê de
molítica e de vaso-oclusão aguda. Por- nografia, ortopedia, cirurgia etc). Oncohematologia da Soperj
tanto, a correta abordagem propedêu- • Todos os pacientes com menos de 3
tica e terapêutica dos eventos agudos anos de idade e com temperatura su-
deve ser uma estratégia de redução da perior a 38,3 oC devem ser admitidos
mortalidade na doença falciforme. no hospital e seguidos diariamente.
• Se não houver suspeita de menin-
EVENTOS AGUDOS gite ou se sua possibilidade estiver
descartada, deverá ser realizada te-
Febre rapêutica com cefuroxima, na dose
As infecções constituem a principal cau- de 60 mg/kg/dia. Iniciar o antibióti-
sa de óbito na doença falciforme na in- co já na sala de emergência. Se for
fância. Elas se relacionam com a asplenia confirmada a meningite, iniciar ce-
e podem se manifestar de modo leve ou triaxone. Nas osteomielites aumen-
como complicações graves, por exemplo, tar a dose da cefuroxima para 150
sepse e meningite. Os patógenos mais mg/kg/dia.
frequentes são S. pneumoniae (70% das • Os pacientes poderão receber alta após
infecções), H. influenzae, E. coli, S. aureus, 72 horas com antibiótico oral se afe-
Salmonella e o mycoplasma pneumoniae. bris, sem toxemia e com nível de Hb
segura. Durante a hospitalização, re-
Pacientes de risco: alizar hemograma com contagem de
• Menor de 5 anos com febre maior de reticulócitos no mínimo a cada 2 dias.
38,5 ºC.
• Esplenectomizados com qualquer Crise álgica
idade. As crises álgicas são a principal causa
• Toxêmicos. de atendimento médico nos serviços de
Protocolo propedêutico e terapêutico emergência. Cerca de 2/3 dos pacientes

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têm mais de 3 episódios dolorosos ao Analgésicos potentes (AP): codeína, Síndrome torácica aguda
ano, com duração média de 5 a 7 dias. morfina, tramadol.
A localização da dor pode variar con- • Dor graduada de 1 a 3: iniciar AC A síndrome torácica aguda é caracteri-
forme a idade. Nos lactentes, ocorre de 4/4h e suspender após 24 h sem zada pela tríade: sintoma ou sinal respi-
mais em pequenas articulações das dor. ratório (taquipneia, tosse, tiragem, disp-
mãos e dos pés, nos pré-escolares, na • Dor graduada de 3 a 6: iniciar AC neia, dor torácica etc.), infiltrado novo
região abdominal e nas pequenas arti- de 4/4h + AI de 8/8h; após 24 h em radiografia de tórax e hipoxemia.
culações, e nos escolares e adolescentes, sem dor, suspender o AI e manter Trata-se da principal causa de morte em
nos ossos longos, como os de pernas, o AC de 4/4h por mais 24 h. adolescentes e adultos jovens.
joelhos e braços. A dor podem ser mul- • Dor graduada de 6 a 10: iniciar AC
tifocal, bilateral, simétrica e recorrente. de 4/4h + AP de 4/4h + AI de 8/8h, • Avaliação propedêutica
intercalados. Após 24 h sem dor, O quadro clínico apresenta sintomas
• Fatores predisponentes suspender um fármaco a cada 24 h. e sinais respiratórios como dor torá-
Infecções. Caso não haja melhora com tera- cica, tosse, dispneia, taquipneia, as-
Desidratação. pêutica domiciliar, promover inter- sociados ou não à febre e hipoxemia.
Exercícios físicos extenuantes. nação, hidratação e analgesia veno- Devem ser realizados hemograma
Estresse físico ou psicológico. sa potente, utilizando morfina ou completo com reticulócitos, cultu-
Mudanças bruscas de temperaturas. metadona. Deve-se evitar o uso de ras, oximetria de pulso e raio X de
meperidina, por sua baixa potencia tórax com infiltrado novo pulmonar.
• Avaliação propedêutica analgésica, pela frequência de efei- • Conduta terapêutica
Anamnese e avaliação clínica: carac- tos colaterais e pela importância da Todos os pacientes devem ser inter-
terísticas da dor (utilizar a escala vi- dependência química. A monitoriza- nados para antibioticoterapia endo-
sual analógica), sinais vitais, estado ção da oximetria de pulso poderá de- venosa de amplo espectro, incluindo
de hidratação e equilíbrio hemodi- tectar precocemente o desenvolvi- macrolídeos, suporte ventilatório e
nâmico, status respiratório, evidên- mento da síndrome torácica aguda. de medicina transfusional (reduzir
cias de infecção, esplenomegalia etc. a quantidade de hemoglobina S).
Sequestro esplênico Pode ser necessária terapia intensiva
com suporte ventilatório. Analgesia
É a segunda causa de óbito em crianças potente com uso de opioides pode
menores de 5 anos de idade. Consiste ser necessário. Deve-se ter cuidado
Laboratório e imagem: sempre rea- em queda intensa e abrupta da hemo- na administração de suporte líquido
lizar hemograma completo com con- globina com sinais de descompensação restringindo a 1,5 vezes NHD para
tagem de reticulócitos, culturas na hemodinâmica, aumento súbito do evitar a congestão pulmonar. A fisio-
presença de febre, raio X de tórax, oxi- baço e reticulocitose. Mais comum em terapia é fundamental para prevenir
metria de pulso ou gases sanguíneos menores de 2 anos. atelectasias.
independentemente de quadro respi-
ratório. Se a dor for abdominal, realizar • Avaliação propedêutica Acidente vascular cerebral
ultrassonografia abdominal e testes de Palidez e aumento súbito do baço,
função hepática. com sinais de descompensação he- O acidente vascular cerebral (AVC) é
modinâmica grave e risco de morte uma das causas de crise vaso-oclusiva
• Conduta terapêutica súbita. Deve ser feito imediatamente com altos índices de morbimortalidade
Analgésicos comuns (AC): paraceta- hemograma com reticulócitos, cuja na doença falciforme. Pode ser isquê-
mol ou dipirona em doses habituais taxa aumentada significa medula mico e hemorrágico.
e fixas por via oral + hidratação oral óssea hígida e reacional.
(1 a 1,5 vezes as necessidades hídri- • Conduta terapêutica • Avaliação propedêutica
cas da idade). Internação imediata com suporte O quadro clínico apresenta, entre
Anti-inflamatórios não hormonais hemodinâmico e transfusão de con- outros sintomas, hemiparesia, afa-
(AI): diclofenaco, ibuprofeno etc. centrado de hemácias urgente. sia ou disfasia, alterações da consci-

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ência, déficits neurológicos focais e sação hemodinâmica grave com ris- oximetria de pulso.
convulsões. Devem ser feitos ava- co de morte súbita. Deve ser realiza- • Conduta terapêutica
liação neurológica especializada, do imediatamente hemograma com Realizar exercícios leves, como ca-
hemograma completo com reticu- reticulócitos, cuja taxa se encontra minhada e ciclismo (no momento
lócitos, punção lombar, para afastar diminuída em virtude da parada da do início da crise), indicar banhos
ou confirmar a infecção do SNC, e eritropoiese. mornos, hidratação abundante e
estudo de imagem, para avaliar a • Conduta terapêutica analgesia potente.
extensão da isquemia. Internação imediata com suporte Suporte de medicina transfusional
• Conduta terapêutica hemodinâmico e suporte de medi- com exsanguineotransfusão parcial
Todos os pacientes devem ser inter- cinal transfusional com concentrado ou transfusão simples de concentra-
nados para suporte hemodinâmico de hemácias até a elevação dos reti- do de hemácias.
e ventilatório quando necessário. culócitos. Tomar medidas anestésico-cirúrgicas
Realizar exsanguineotransfusão como punção dos corpos caverno-
parcial imediata, com o objetivo de Priapismo sos, esvaziamento cirúrgico e deri-
diminuir o percentual de HbS para vações.
menos de 30% e diminuir a possibi- O priapismo é a ereção dolorosa do
lidade de sequelas definitivas. pênis que pode ocorrer em episódios CONSIDERAÇÕES FINAIS
breves e recorrentes ou em episódios Todo paciente com doença falciforme
Crise aplástica longos, podendo causar impotência se- submetido a evento agudo deve ter seu
xual. Pode ser acompanhado de dor ab- atendimento normatizado e sistemati-
Consiste em queda intensa e abrupta da dominal e perineal, disúria ou retenção zado.
hemoglobina com sinais de descompen- urinária. Por vezes, há edema escrotal e Inicialmente deve-se abordar, aco-
sação hemodinâmica, choque hipovolê- aumento de próstata. lher e confortar o paciente. Promover
mico e reticulocitopenia. É mais comum a avaliação inicial, identificando tec-
nas crianças de 2 a 5 anos. Está relacio- • Avaliação propedêutica nicamente os problemas e a gravidade
nada com a aplasia medular eritrocitária Deve ser feita avaliação especiali- clínica, efetuar a intervenção médica de
secundária à infecção pelo parvovírus zada pelo urologista, preservando qualidade e não se esquecer de forne-
B 19. a individualidade do paciente. Re- cer o apoio devido aos familiares que
• Avaliação propedêutica alizar hemograma completo com se encontram em situação vulnerável
Palidez, febre e sinais de descompen- reticulócitos e monitorização da e de risco.

1. Ministério da Saúde. Manual de eventos 2. Ministério da Saúde. Manual de condutas 3. National institutes of health, national heart,
agudos em doença falciforme. MS-SAS- básicas na doença falciforme. MS-SAS-DAE; lung, and blood institute. Division of blood
-DAE; 2009. 2006. diseases and resource. The management of
sickle cell disease 4th Ed. 2002.

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Avaliação

54. São considerados pacientes de risco 56. A principal diferença na avaliação pro- 58. No acidente vascular cerebral, a avalia-
para infecções graves e, portanto, pedêutica entre a crise de sequestro e a ção propedêutica e a conduta terapêu-
elegíveis para conduta terapêutica crise aplástica é: tica corretas são:
agressiva, EXCETO:
a) Queda abrupta da hemoglobina somente na a) Pode se manifestar como deficit neurológico
a) Menores de 5 anos com febre maior de 38,5 crise de sequestro. focal, e todos devem ser submetidos à exsan-
ºC. guineotransfusão parcial de urgência.
b) Taxa de reticulócitos muito baixa na crise
b) Esplenectomizados com qualquer idade. aplástica. b) A manifestação clínica mais frequente é crise
convulsiva generalizada e todos devem ser
c) Toxêmicos. c) Sinais de choque hipovolêmico nunca presen- submetidos a punção lombar.
tes na crise de sequestro.
d) Maiores de 5 anos com imunização anti-pneu- c) Deve ser sempre feita avalição neurológica, e
mocócica incompleta. d) Aumento súbito do baço preferencialmente a internação só deve ser indicada em pacientes
na crise aplástica. com convulsões e alteração da consciência.
d) O estudo de imagem só deve ser realizado nos
55. Nas crises álgicas: AVC hemorrágicos, assim como a internação
57.Faz parte da definição de síndrome com solicitação de hemograma com reticuló-
a) São fatores desencadeantes o exercício físico torácica aguda, EXCETO: citos.
extenuante, as infecções e o estresse psicoló-
gico. a) Sibilos, taquipneia e roncos.
b) Em todos os episódios de dores devem ser b) Infiltrado pulmonar novo. 59. No priapismo, uma conduta terapêu-
usados 2 analgésicos e um anti-inflamatório tica que NÃO deve ser tomada é:
não hormonal. c) Dor abdominal com taquidispneia.
d) Tosse, tiragem intercostal e hipoxemia. a) Exsanguineotransfusão parcial.
c) O raio X de tórax e a monitorização da oxime-
tria de pulso só estão indicados na presença de b) Analgesia potente e hidratação abundante.
sinais e/ou sintomas respiratórios.
c) Antibioticoterapia de amplo espectro.
d) A meperidina, associada a dipirona e corticos-
teroides, é o fármaco de escolha para crises d) Manobras anestésico-cirúrgicas urológicas.
graves.

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Ficha de avaliação

A Criança Vítima de Violência..................... 4 Abordagem das Crises Epilépticas na Febre no Lactente........................................ 64


Emergência Pediátrica................................ 29
1. a) M b) M C) M d) M 48. a) M b) M C) M d) M
25. a) M b) M C) M d) M
2. a) M b) M C) M d) M 49. a) M b) M C) M d) M
26. a) M b) M C) M d) M
3. a) M b) M C) M d) M 50. a) M b) M C) M d) M
27. a) M b) M C) M d) M
4. a) M b) M C) M d) M 51. a) M b) M C) M d) M
28. a) M b) M C) M d) M
5. a) M b) M C) M d) M 52. a) M b) M C) M d) M
29. a) M b) M C) M d) M
6. a) M b) M C) M d) M 53. a) M b) M C) M d) M
30. a) M b) M C) M d) M

Reanimação Neonatal................................. 10 Doença Falciforme na Emergência ........... 68


Urgência em Cirurgia Pediátrica................ 35
7. a) M b) M C) M d) M 54. a) M b) M C) M d) M
31. a) M b) M C) M d) M
8. a) M b) M C) M d) M 55. a) M b) M C) M d) M
32. a) M b) M C) M d) M
9. a) M b) M C) M d) M 56. a) M b) M C) M d) M
33. a) M b) M C) M d) M
10. a) M b) M C) M d) M 57. a) M b) M C) M d) M
34. a) M b) M C) M d) M
11. a) M b) M C) M d) M 58. a) M b) M C) M d) M
35. a) M b) M C) M d) M
12. a) M b) M C) M d) M 59. a) M b) M C) M d) M

Asma Aguda na Infância............................. 43


Falência Cardiopulmonar em Paciente Meningite Bacteriana Aguda..................... 72
Pediátrico...................................................... 14 36. a) M b) M C) M d) M e) M
60. a) M b) M C) M d) M
13. a) M b) M C) M d) M 37. a) M b) M C) M d) M e) M
61. a) M b) M C) M d) M
14. a) M b) M C) M d) M 38. a) M b) M C) M d) M e) M
62. a) M b) M C) M d) M
15. a) M b) M C) M d) M 39. a) M b) M C) M d) M e) M
63. a) M b) M C) M d) M
16. a) M b) M C) M d) M 40. a) M b) M C) M d) M e) M
64. a) M b) M C) M d) M
17. a) M b) M C) M d) M 41. a) M b) M C) M d) M e) M
65. a) M b) M C) M d) M
18. a) M b) M C) M d) M

Obstrução Respiratória
Alta em Pediatria......................................... 54 Atualidades na Sepse e Choque Séptico
Anafilaxia...................................................... 24 Pediátrico...................................................... 77
42. a) M b) M C) M d) M
19. a) M b) M C) M d) M 66. a) M b) M C) M d) M e) M
43. a) M b) M C) M d) M
20. a) M b) M C) M d) M 67. a) M b) M C) M d) M e) M
44. a) M b) M C) M d) M
21. a) M b) M C) M d) M 68. a) M b) M C) M d) M e) M
45. a) M b) M C) M d) M
22. a) M b) M C) M d) M 69. a) M b) M C) M d) M e) M
46. a) M b) M C) M d) M
23. a) M b) M C) M d) M
47. a) M b) M C) M d) M
24. a) M b) M C) M d) M

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