Temas e Problemas - Bruxaria (1)

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A Bruxaria e a Fofoca como Formas de Subversão e Controle no Estado Moderno

Os temas trabalhados já, de antemão, nos convida novamente a uma discussão


certamente não desconhecida para a literatura e contextos sociais de um passado que
não é recente, mas reflete argumentações recheadas de teor de cunho político. O texto
de Silvia Federici começa propondo uma reflexão sobre mulheres, corpo e acumulação
primitiva, que já reflete parte do título do fichamento quando traz o questionamento de
que, em um período que tantos outros acontecimentos importantes se desenrolaram -
como a Europa se expandido para a América, tráfico negreiro se consolidando, massacre
das populações indígenas, camponeses expulsos de suas próprias terras - é também, o
mesmo momento em que milhares de mulheres estão sendo queimadas sob a acusação
de bruxaria. Seguindo o pensamento da autora, todos os eventos estão relacionados à
acumulação primitiva - condições materiais que a burguesia criou para concretizar sua
hegemonia - que faz um balanço histórico interessante sob a perspectiva do lugar da
mulher na sociedade e das relações de poder que se consolidaram com a criação do
Estado Moderno, principalmente no que se diz respeito ao controle do corpo feminino.
É nítido sob o viés dos dias atuais, como a caça às bruxas foi - além de fenômeno
histórico - uma maneira de consolidação de poder e valores morais, não deixando,
entretanto de relembrar a presença forte de dogmas religiosos e a parceria do Estado e
igreja no combate inerente à presença ativa das mulheres no mundo capitalista -
presença deveras influente até hoje, visto que em pleno século 21 ainda vemos a que a
existência das igrejas e religiosidade se estende muito além do cunho religioso, mas
atinge decisões políticas importantes e influentes em nações ao redor do globo, ditando
a forma que o povo deve se comportar ou não - usando o corpo feminino como
ferramenta de reprodução e consolidação de modelos econômicos, diminuindo a
autonomia feminina e trazendo uma dinâmica patriarcal com uma série de
hierarquizações - tudo com o aval do Estado - para que estabelecer uma relação de
controle e submissão, determinando, um controle, por assim dizer, de reprodução da
vida. Através desta perspectiva de controle do corpo feminino, uma nova ordem moral
que demoniza o corpo é lavrada. Mulheres que não se adequavam a essa nova ordem
patriarcal - não rentáveis ao capital - eram demonizadas e acusadas de bruxaria, o que
geraria medo e temor na população local, fragilizando possíveis alianças de classe.
Elementos que a burguesia se apropriou para se fortalecer - se afirmando como grupo
racional - através de uma radical e violenta exploração do corpo feminino e classe
trabalhadora. Neste mesmo cenário e contexto, podemos trabalhar a fofoca como uma

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forma de resistência feminina - talvez não vista de maneira positiva nos dias atuais,
visto que a própria autora diz que a palavra fofoca sofreu diversas alterações ao decorrer
do tempo, obviamente não ao masculino, por ser uma palavra relacionada ao feminino e
seus costumes - e transformação da posição das mulheres no contexto social. Pela
mudança de conotação e associação negativa da palavra, percebe-se aqui, também, uma
outra maneira de opressão às mulheres, retratando-as como fofoqueiras e fúteis,
contribuindo, portanto, para a marginalização e difamação de mulheres,
descredibilizando e tirando a voz da experiência feminina e qualquer contexto social.
Ao trazer a análise de tal palavra no cenário sexista, fica claro que o poder forte do
Estado, igreja e a subversão do proletariado foram fatores essenciais para fincar ainda
mais a opressão de gênero, mudando percepções sociais e perdurando desigualdades.
É engraçado quando pensamos que esta palavra adquiriu significados que se alteraram
tanto ao longo do tempo se levarmos em consideração de que é através de conversas
consideradas ‘fúteis’ que muitas mulheres passaram - e ainda passam - conhecimento de
geração em geração. Ao analisar a tentativa de silenciamento e a forte violência inserida
neste cenário, conseguimos enxergar mulheres fortes e com consciência de classe, que
era justamente o que as esferas de poder dominante não queriam para a classe
considerada por eles inferior, alcançasse. Agora, com o patriarcado no comando
agressivo, vemos que mulheres não têm mais o direito de questionar seu lugar perante o
social. Ao invés disso, o silenciamento vinha através da linguagem, do segregamento de
tarefas atreladas ao feminino - consideradas tarefas inúteis, sem lugar de importância na
sociedade além de uma obrigação - e o pensamento de que o feminino era inferior. O
que nos leva a terminar este fichamento com o questionamento que para mim, talvez,
exija um bom tempo de reflexão para que eu possa me sentir apta a responder com
clareza.
“Você se lembra quem você era antes do mundo lhe dizer quem você deveria ser?”
(Charles Bukowski)
Não poderia me lembrar. Cresci em uma escola católica e boa parte da minha vida vivi
rente ao viés do cristianismo e, curiosamente, quando me “rebelei” e decidi seguir meu
próprio caminho religioso e moral, minha família não viu com bons olhos e não os vê
até hoje. Mas se tem uma coisa que conecta meu testemunho pessoal com o tema
trabalhado aqui, é o tempo. Esse sim, abre espaço para a criação de resistência e
consciência de classe que, por mais pequena que possa parecer, é o que dá alento -
talvez - nesses dias que ainda permeiam a luta pelo fim do patriarcado e do capitalismo.
Cada vez mais, através de movimentos sociais, vemos uma luta pelo fim da
hierarquização e reconstrução das manchas que o passado carrega, que está infelizmente
longe de ter um fim.

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Referências Bibliográficas

Federici, S. (1998). Caliban & the witches. Semiotext (E).

Federici, S. (2018). Witches, witch-hunting, and women. PM Press.

Federici, S. (2021). Caliban and the witch: Women, the body and primitive
accumulation. Penguin Books.

Federici, S. (1 julho de 2019). A história oculta da fofoca: mulheres, caça às


bruxas e resistência ao patriarcado (Boitempo, Org.). Boitempo.

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