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EUGENIA E SEUS MALES1

EUGENICS AND ITS EVILS

Patricia Silva*

“O eugenista propõe como santos os mesmos homens que centenas de


famílias chamam de canalhas.” (G. K. Chesterton)

Gilbert Keith Chesterton, popularmente conhecido como G. K. Chesterton, foi um


grande escritor inglês entre o final do século XIX e o início do século XX. Nasceu em 29
de maio de 1874, em Keginston, Londres. Faleceu aos 62 anos, no dia 14 de junho de
1936, em Beaconsfield, Inglaterra.
Chesterton converteu-se do anglicanismo ao catolicismo, quando passou a
produzir escritos profundos sobre fé e mundo moderno. Era um polemista nato.
Apresentava seus argumentos a partir da lógica e recorria a paradoxos e ao humor para
expor seus pensamentos. Foi admirado e elogiado por vários escritores, políticos e
religiosos de seu tempo como Antonio Gramsci, CS Lewis, Bernard Shaw, Gustavo
Corção e Gilberto Freyre. Escreveu mais de 80 livros e mais de 4000 artigos. Proferiu
dezenas de conferências. Suas obras de maior destaque são: Ortodoxia (1908), São
Tomás de Aquino (1933), São Francisco de Assis (1923) e a série de contos policiais do
Padre Brown.
Esta resenha abordará talvez uma das obras menos conhecidas de Chesterton:
“Eugenia e outros males”. O livro, que foi traduzido por Mateus Leme e publicado em
2023 pela editora Ecclesiae, é uma coletânea de ensaios que apresentam a visão de
Chesterton sobre a eugenia. Está organizado da seguinte forma:

1 Resenha da obra: CHESTERTON, Gilbert Keith. Eugenia e outros males. Trad. Mateus Leme.
Campinas: Ecclesiae, 2023.
* Pós-doutoranda em Sociologia (UFRJ). Pedagoga da Coordenação de Extensão do Instituto de
Filosofia e Ciências Sociais (UFRJ). E-mail: [email protected]
Coisas do Gênero | São Leopoldo | v. 9, n. 2 | p. 279-282 | Jul./Dez. 2023
Disponível em: http://198.211.97.179/periodicos_novo/index.php/genero/index
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a) prefácio assinado por Dale Ahlquist, do The Society of Gilbert Keith Chesterton;
b) ao leitor, preâmbulo assinado pelo próprio autor;
c) parte 1, intitulada “A teoria falsa”;
d) parte 2, intitulada “O verdadeiro objetivo”.
O objetivo da obra é expor os males da eugenia pela civilização ocidental. Para
os dias de hoje, pode parecer um objetivo obtuso – afinal, quais seriam os benefícios da
eugenia? -, mas, no início do século XX, eugenia era o termo do momento e foi defendida
por diversos intelectuais progressistas.
No início do século XX, Francis Galton, inspirado na teoria de seu primo, Charles
Darwin, desenvolveu a eugenia: ideia que propunha o melhoramento da humanidade
através da criação controlada e seletiva de seres humanos. As ideias de Galton
ganhavam espaço no debate público, conforme a teoria de Darwin era bem recebida no
debate público. A elite da época apoiou as ideias de Galton. Inclusive, magnatas
financiaram a iniciativa, afinal, como disse Ahlquist, “a eugenia é uma palavra que soa
bem, combinando as palavras gregas para ‘bom’ e ‘nascimento’ [...]”2.
Na obra, Chesterton afirma que

Por volta de 1913, a eugenia passou de ser um capricho para tornar-se uma
moda. Então, se é possível resumir assim a situação, é que a piada começou de
fato. A mente organizadora que vimos considerando o problema da população
de guetos, o material popular e a possibilidade de protestos, sentiu que chegara
o momento de lançar sua campanha. A eugenia começou a aparecer em grandes
manchetes na imprensa diária, e em grandes figuras nos jornais ilustrados [...].3

A enfermeira feminista Margareth Sanger, que foi membro da Sociedade


Americana de Eugenia e editora do Birth Control Review, tinha uma filosofia: “mais
crianças para os aptos, menos para os não-aptos”. Entre os não-aptos, encontravam-se
negros, latinos e pobres. Eis aqui a filosofia por trás da eugenia que Chesterton denuncia
na obra aqui resenhada. De acordo com Ahlquist,

A eugenia levou diretamente ao movimento de controle populacional. Todas as


mesmas figurinhas estavam em jogo, tais como Margaret Sanger, que era
membro da Sociedade Americana de Eugenia e editora do Birth Control Review.
A filosofia primária do movimento foi trombeteada na capa de sua revista: ‘mais
crianças para os aptos. Menos para os não-aptos’. Ela deixou claro quem
considerava não-aptos: ‘hebreus, eslavos, católicos e negros’, e montou suas
clínicas de controle de natalidade apenas em seus bairros. Ela pregoava

2 AHLQUIST, Dale. Prefácio. In: CHESTERTON, G. K. Eugenia e outros males. Trad. Mateus Leme.
Campinas: Ecclesiae, 2023. p. 7.
3 CHESTERTON, 2023, p. 171.
Coisas do Gênero | São Leopoldo | v. 9, n. 2 | p. 279-282 | Jul./Dez. 2023
Disponível em: https://revistas.est.edu.br/periodicos_novo/index.php/genero/index
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abertamente a ideia de que tais pessoas deveriam pedir permissão oficial para
ter filhos, ‘tal como imigrantes precisam solicitar passaportes’ [...]”4

Adolf Hitler, ao instituir oficialmente o nazismo na Alemanha, encontrou apoio


nas ideias eugenistas de Sanger. Cientistas eugenistas da Alemanha nazista
escreveram artigos para a Birth Control Review e membros da Liga Americana de
Controle de Natalidade, coordenada por Sanger, visitaram a Alemanha e participaram de
sessões da Corte Suprema Eugenista. Eles retornaram aos Estados Unidos com
relatórios que apontavam como a Lei de Esterilização estava funcionando bem, “[...]
‘arrancando as ervas daninhas das piores linhagens da estirpe germânica de uma forma
científica e verdadeiramente humanitária’ [...]”.5
Foi somente depois da Segunda Guerra, após o mundo tomar conhecimento do
horror do holocausto, é que o termo “eugenia” passou a ser desmerecido publicamente.
É claro que os argumentos eugênicos não deixaram de existir; foram transferidos para o
conjunto de argumentos da pauta pró-aborto: “[...] a filosofia por trás da eugenia
permanece conosco. De forma geral, todos os argumentos iniciais a favor da eugenia se
tornaram os mesmos a favor do controle de natalidade, do aborto, da eutanásia, e
mesmo da clonagem [...]”.6
Ahlquist ainda assevera:

A eugenia, como o aborto, tem como fundamento de todos os seus benefícios a


negação da humanidade a toda uma classe de pessoas. Para a eugenia, eram
os ‘não-aptos’ – geralmente os pobres, os fracos ou, simplesmente,
determinados grupos étnicos – que estavam tendo filhos demais. No caso do
aborto, percebe-se um benefício para alguém na eliminação dos mais fracos e
mais indefesos dos seres humanos: os ainda não-nascidos. Como diz
Chesterton com precisão assustadora: ‘Eles buscam sua vida a fim de tirá-la’.
Eugenia e aborto são a tirania da elite decidindo quem deve viver e quem deve
morrer. E se diz respeito à elite, diz respeito ao dinheiro. Foram os Rockfeller, os
Carnegie e outros magnatas capitalistas que financiaram a pesquisa eugênica
no começo do século XX. Eles passaram a ser grandes apoiadores da Planned
Parenthood [...].7

À época, apenas Chesterton escreveu uma obra contra a eugenia, a obra que
está aqui sendo resenhada. É importante notar que o autor escreveu a obra em 1910 e
foi publicada originalmente em 1922.
Por opor-se aos eugenistas, Chesterton recebia a alcunha de “individualista”:

4 AHLQUIST, 2023, p. 7-8.


5 AHLQUIST, 2023, p. 8.
6 AHLQUIST, 2023, p. 8.
7 AHLQUIST, 2023, p. 9.
Coisas do Gênero | São Leopoldo | v. 9, n. 2 | p. 279-282 | Jul./Dez. 2023
Disponível em: https://revistas.est.edu.br/periodicos_novo/index.php/genero/index
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[...] Ao que só posso responder, com uma paciência de coração partido, que não
sou individualista, mas um pobre jornalista, pecador, mas batizado, que está
tentando escrever um livro sobre eugenistas, dos quais já conheceu vários, ao
passo que nunca conheceu um individualista [...].8

Contudo, o trabalho de Chesterton tratou de expor a vileza das políticas


eugenistas:

[...] Os livros e artigos dos eugenistas estão cheios de sugestões de que uniões
não-eugênicas deveriam e podem chegar a ser encaradas como encaramos os
pecados; de que deveríamos realmente sentir que se casar com um inválido é
uma espécie de crueldade com os filhos [...].9

A grande ironia por trás dos ensaios reunidos nesta obra é a seguinte: um
escritor católico, apoiado na doutrina cristã, foi um dos primeiros a vir a público para
criticar a eugenia. Ironia porque hoje – e talvez desde sempre – intelectuais progressistas
fazem seus melhores esforços para relacionarem a cristandade ao atraso e ao
retrocesso.
A leitura de “Eugenia e outros males” é fortemente recomendada por todos que
desejam conhecer a verdadeira história da eugenia e suas vis consequências para a
humanidade.

Recebido em: 23 ago. 2023.


Aceito em: 28 set. 2023.

8 CHESTERTON, 2023, p. 30.


9 CHESTERTON, 2023, p. 20.
Coisas do Gênero | São Leopoldo | v. 9, n. 2 | p. 279-282 | Jul./Dez. 2023
Disponível em: https://revistas.est.edu.br/periodicos_novo/index.php/genero/index

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