TESE --luzialvm - quixeramobim

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ

CENTRO DE HUMANIDADES
DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA SOCIAL

LUZIA LEILA VELEZ DE MIRANDA

CASAMENTOS E COMPADRIOS: FORMAÇÃO FAMILIAR


ESCRAVA E FORRA NA FREGUESIA DE QUIXERAMOBIM –
CEARÁ (1740 – 1810).

FORTALEZA
2018.
LUZIA LEILA VELEZ DE MIRANDA

CASAMENTOS E COMPADRIOS: FORMAÇÃO FAMILIAR


ESCRAVA E FORRA NA FREGUESIA DE QUIXERAMOBIM –
CEARÁ (1740 – 1810).

Dissertação apresentada ao Programa de


Pós-graduação em História da
Universidade Federal do Ceará, como
requisito parcial para obtenção do título
de Mestre em História Social. Área de
Concentração: História Social.

Orientador: Professor Dr. Franck Pierre


Gilbert Ribard

FORTALEZA
2018.
LUZIA LEILA VELEZ DE MIRANDA

CASAMENTOS E COMPADRIOS: FORMAÇÃO FAMILIAR


ESCRAVA E FORRA NA FREGUESIA DE QUIXERAMOBIM –
CEARÁ (1740 – 1810).

Dissertação apresentada ao Programa de


Pós-graduação em História da
Universidade Federal do Ceará, como
requisito parcial para obtenção do título
de Mestre em História Social. Área de
Concentração: História Social.

Orientador: Professor Dr. Franck Pierre


Gilbert Ribard

Aprovada em: 26 de novembro de 2018.

BANCA EXAMINADORA:

Prof. Dr. Franck Pierre Gilbert Ribard


Universidade Federal do Ceará - UFC
Orientador

______________________________________

Prof. Dr. Eurípedes Antônio Funes


Universidade Federal do Ceará – UFC

________________________________________

Profa. Dra. Elisgardênia de Oliveira Chaves


Universidade Estadual do Ceará – UECE/FAFIDAM

________________________________________

Prof. Dr. Kleiton de Sousa Moraes


Universidade Federal do Ceará – UFC
Suplente

________________________________________
Á minha família e a Luiz Velez de
Miranda (in memorian), meu irmão.
AGRADECIMENTOS

É chegada a hora dos agradecimentos a todos e todas que de modo direto e


indireto contribuíram para a tecitura desse trabalho. Primeiramente quero agradecer a
Universidade pública que promoveu essa formação, sem a mesma seria impossível
realizar essa pesquisa. Na sequência, ao programa de pós-graduação em História Social
– PPGHS da Universidade Federal do Ceará-UFC, seu corpo docente os professores (as)
Meize Regina Lucena Lucas, Jailson Pereira da Silva, Frederico de Castro Neves,
Adelaide Maria Gonçalves Pereira, Irenísia Torres de Oliveira, Francisco José Pinheiro
e Francisco Régis Lopes Ramos. E a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de
Nível Superior - CAPES por seus apoio e incentivo a ciência concedendo uma bolsa
durante os dois anos desse mestrado.

Ao meu orientador Franck Pierre Gilbert Ribard por todo seu apoio,
comprometimento, carinho e dedicação. Ao Mestre com carinho!

Ao professor Francisco José Pinheiro por sua colaboração e disponibilidade.

A todos e todas que foram extremamente solidários (as) nesses últimos dias
de escrita – a Lili, pela a tradução feita com todo esmero e carinho; A Emmanuela
Harakassara pelo apoio e solidariedade; e Lailson Silva, muito obrigada pelas suas
leituras e por nossa rede de amizade.

A Elisgardênia Chaves, por todo o seu solidário apoio desde sugestões de


leituras, empréstimos de livros e por conceder partes do seu banco de dados. Obrigada
pelo carinho e amizade!

A Jési Firmino por sua colaboração com a leitura atenta e cuidadosa durante
a produção dessa dissertação. Obrigada por compartilhar comigo o seu tempo tão
comprometido com as suas atividades. E Miguel Castro, por toda a sua solidariedade e
carinho.
Meus sinceros agradecimentos a todos e todas que não foram mencionados
aqui, sintam-se contemplados!
RESUMO

A partir da análise da documentação eclesiástica de batismos e casamentos, este estudo


investiga as dinâmicas sociais e a constituição dos arranjos familiares dos sujeitos
escravizados e forros na Freguesia de Quixeramobim, Ceará, entre os anos de 1740 e
1810. A problematização das nupcialidade e natalidades a partir dos temas da
naturalidade, legitimidade, compadrio, condição jurídicas (livre, escravizada e forra) e
das qualidades (branco, pardo, negro, preto, índio, cabra etc.), nos permitiram
compreender o cotidiano familiar quixeramobinense dentro dos limites e possibilidades
do sistema escravista. Para tanto, tomamos como norte teórico-metodológico os
postulados da História social e da Demografia histórica. A análise das categorias sociais
selecionadas permitiu compreender como se deram aas constituições das redes sociais
de sociabilidades e solidariedades expressadas através do compadrio e das uniões
consideradas “legítimas” (legitimada pelo rito católico do casamento), consensuais,
concubinatos, relações sexuais consentidas, ou por meio de estupros que vieram gerar
filhos (percebidas através dos filhos naturais presentes nas atas de batismos). De igual
maneira, a partir das observações dessas relações, adentramos nas questões envolvendo
as dinâmicas dos mundos do trabalho livre e escravo no espaço e tempo da Freguesia de
Quixeramobim.

Palavras-Chaves: Família. Escravidão. Casamentos. Compadrio. Quixeramobim.


ABSTRACT

From the analysis of the ecclesiastical documentation of baptisms and marriages, this
study investigates the social dynamics and the constitution of the family arrangements
of enslaved subjects and linings in the Quixeramobim Freguesia, Ceará, between the
years 1740 and 1810. The problematization of nuptials and births from the themes of
naturalness, legitimacy, compadrio, legal conditions (free, enslaved and forra) and
qualities (white, brown, black, indian, goat, etc.), allowed us to understand
Quixeramobinense family everyday within the limits and possibilities of the slave
system. For this, we take as theoretical-methodological north the postulates of Social
History and Historical Demography. The analysis of selected social categories allowed
us to understand how the constitutions of social networks of sociabilities and solidarities
expressed through compadrio and unions considered "legitimate" (legitimized by the
Catholic rite of marriage), consensuals, concubinates, consenting sexual relations, or
rapes that came to bear children (perceived through the natural children present in the
baptismal records). In the same way, from the observation of these relations, we
approached the questions involving the dynamics of the worlds of free and slave labor
in the space and time of the Quixeramobim Freguesia.

Keywords: Family. Slavery. Weddings. Compadrio. Quixeramobim.


LISTA DE TABELAS

Tabela 01 - População indígena nos registros de casamentos e batismo na Freguesia de


Quixeramobim (1740-1810) .......................................................................................... 48

Tabela 02 - Nações de origem dos africanos presentes na documentação de casamentos


de Quixeramobim (1750 – 1810) ................................................................................... 54

Tabela 03 - Sexo e condição social nos registros de casamentos da Freguesia de


Quixeramobim (1750 -1810) ......................................................................................... 59

Tabela 04 - Sexo e condição social nos registros de batismos da Freguesia de


Quixeramobim (1740 -1810) ......................................................................................... 60

Tabela 05 - Casamentos de indígenas com escravizados africanos e seus descendentes,


Quixeramobim (1750-1810) .......................................................................................... 76

Tabela 06 - Condição social e matrimônios endogâmicos e exogâmicos de


Quixeramobim (1740 – 1810) ....................................................................................... 78

Tabela 07 - Legitimidade e sexo dos batizandos freguesia de Quixeramobim, 1740-


1810 ............................................................................................................................... 86

Tabela 08 - Padrinhos e madrinhas de batizados escravos segundo a condição social,


Freguesia de Quixeramobim (1740– 1810) ................................................................... 99

Tabela 09 - Casa com mais de uma criança exposta .................................................. 109

Tabela 10 - Padrinhos preferenciais, proprietários dos seus afilhados e número de


escravos apadrinhados (1740 - 1810) ..........................................................................112.
SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 13

2. CAPÍTULO 01: CONQUISTA E OCUPAÇÃO DOS SERTÕES DO SIARÁ


GRANDE: CAMINHOS, TRÂNSITOS E OS MUNDOS DO TRABALHO. .......... 27

2.2.No meio do caminho, mas fora de rota: a capitania do Ceará nas dinâmicas
ultramarinas. ................................................................................................................. 28

2.2. Resistências indígenas e o avanço da pecuária. .................................................. 31

2.2.1. Ribeiras, Freguesias e Vilas: a organização e o controle social dos espaços


cearenses. ....................................................................................................................... 37

2.3.Trânsito social e circularidade cultural nos sertões de Quixeramobim.


........................................................................................................................................ 43

2.4. Mundos do trabalho: mão de Obra livre e escrava no Siará Grande. .............. 50

2.4.1. Mão de obra livre, escravizada e forra em Quixeramobim (1740-1810) ........... 51

2.4.2. Trabalho escravo e condição Jurídica da população de Quixeramobim (1755-


1810) ............................................................................................................................... 57

3. CAPÍTULO 02: CASAMENTOS, UNIÕES CONSENSUAIS E


NATURALIDADE: FORMAÇÃO FAMILIAR ESCRAVIZADA E FORRA EM
QUIXERAMOBIM, 1740 A 1810 ....................................................................................... 62

3.1. O Concílio de Trento, Primeiras Constituições do Arcebispado da Bahia e suas


normativas matrimoniais implantadas na América portuguesa .............................. 65

3.2. Casamentos endogâmicos e exogâmicos e arranjos familiares de escravizados e


forros em Quixeramobim (1740 – 1810) ..................................................................... 71

3.3. Mães solteiras, concubinas e seus filhos naturais: formação familiar


escravizada e forra em Quixeramobim (1740 – 1810) ............................................... 81

4. CAPÍTULO 03: SOB A UNÇÃO DOS SANTOS ÓLEOS: BATISMO E


COMPADRIO DE ESCRAVIZADOS E FORROS NA FREGUESIA DE
QUIXERAMOBIM (1740-1810) ......................................................................................... 88
4.1. Batismo e laços de compadrio entre as famílias escravizadas e forras em
Quixeramobim (1740-1810) ......................................................................................... 92

4.2. Batismo e concessões de liberdades: os forros na pia batismal em


Quixeramobim (1740 – 1810)..................................................................................... 100

4.3. Padrinhos “preferenciais”: a sociabilidade dos senhores, padrinhos e escravos


na freguesia de Quixeramobim (1740 – 1810) .......................................................... 107

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................113

FONTES DE PESQUISA............................................................................................ 116

REFERÊNCIAS .......................................................................................................... 118


13

1. INTRODUÇÃO

O trabalho de pesquisa que ora apresentamos tem por objetivo analisar a


formação familiar escravizada e liberta em Quixeramobim, Ceará entre os anos de 1740
e 1810 através dos registros eclesiásticos de casamentos e batismos. A proposta é
evidenciar como esses arranjos familiares foram fundamentais para a socialização e
sobrevivência desses sujeitos em contexto de uma sociedade escravista, uma vez que a
família não é apenas unidade de reprodução biológica, mas também social e cultural.
Nosso recorte espacial, Quixeramobim1, atual município com o mesmo
nome, está localizado na mesorregião dos sertões centrais do estado do Ceará, hodierno
divisão espacial desse referido estado, distando aproximadamente 235 quilômetros da
capital Fortaleza. No período colonial, o seu povoamento se deu com a implantação da
fazenda Santo Antônio do Boqueirão nas terras do Capitão Antônio Dias,2 nos primeiros
anos do século XVIII.
Circunscrito nas proximidades dos rios Quixeramobim e Banabuiú, esse
povoado possuía uma posição privilegiada na região central dos sertões cearenses.
Devido essa localização, a povoação de Quixeramobim se tornou zona de fronteiras de
entradas e saídas de pessoas e mercadorias, portanto, espaço de disputas de terras por
fazendeiros da região.
Circunvizinhado por quatro principais Freguesias do Siará Grande – Monte
Mor Novo, Aracati, Aquiraz, Icó e Sobral – o povoado de Quixeramobim nas primeiras
décadas do XVIII se tornou ponto estratégico de paragem dos vaqueiros e foram
instalados currais de engorda das boiadas que em geral estavam a caminho para venda
no Recife. Essa espacialidade era conectada com as rotas que ligava a estrada real,
sendo uma das suas principais estradas a do Pernambuco, isto é, “a geral que vem do
Sobral e vai pelo Rio Grande e Parahiba; bem como tem outras estradas de

1
De acordo com o censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE de 2018, esse
município possuí 79.081 habitantes, distribuídos em uma área de 3.275,838 km² com uma densidade
demográfica de 21,95 hab./km² e de clima semiárido. Dados retirados do site do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística – IBGE.
http://ibge.gov.br/cidadesat/painel/historico.php?codmun=231140&search=ceara%7Cquixeramobim%7C
inphographics:-history&lang=, acessado dia 20 de agosto de 2018 às 15h34min
2
PORTO ALEGRE, Sylvia (Org.). Documentos para a História Indígena no Nordeste: Ceará, Rio
Grande do Norte e Sergipe. São Paulo: NHII, USP, 1994, p. 22.
14

communicação para todas as Villas da Comarca”.3 Logo essas circularidades de


homens, rebanhos e mercadorias dinamizaram a econômica local e motivando a sua
emancipação da Freguesia de São Bernardo das Russas em 1755 e assim se ordenando
como Freguesia nesse mesmo ano.
Diante do exposto esses sertões do Siará Grande, malgrado a imagem de
isolamento e fixidez, construída pela historiografia do século XIX, eles eram antes de
tudo, lugar das dinâmicas de contatos, trânsitos, mestiçagens culturais e biológicas,
compulsórias e consensuais, propiciadas pela invasão das Américas. Quando pensamos
o sertão será no sentido de espaço múltiplo e diversificado. 4 Tendo em vista que a
sociedade sertaneja cearense, constituída na periferia do antigo regime colonial,
inclusive tinha fronteiras tênues onde à mobilidade geográfica e cultural construiu o
palco para uma formação sócio-familiar complexa e plural. Essas zonas fronteiriças
eram atravessadas por redes sociais e caminhos, por um sertão em movimento. 5
O recorte temporal entre 1740 e 1810 foi marcado por fatores nacionais e
internacionais de alcance local tais como: a efetivação da ocupação portuguesa na
Capitania do Ceará; a expulsão dos jesuítas em 1759 confluindo com mudanças
políticas para a população nativa; bem como atravessado por períodos de secas entre os
anos de 1772, 1776, 1777-1778, 1784, 1790-1793, 1804 e 1809 foram drasticamente
castigados e causando grandes estragos na indústria da pecuária. Ademais, a guerra de
independência dos EUA favoreceu na emergência da agricultura algodoeira para
exportação, requerendo maior numero de mão-de-obra para desempenhar essa tarefa e
com isso o consequente aumento de trabalhadores escravizados nessa espacialidade.
Esses fatores de modo direto e indireto afetaram a sociedade cearense nas suas formas
de organização social e cultural.
Nosso recorte inicial desse estudo está associado diretamente às primeiras
aparições nos registros batismais dos filhos de sujeitos escravizados nessa
espacialidade. Já o nosso recorte final, justifica-se por representar um momento
histórico de maior dinâmica econômica e social propiciado pelo referido emergente
ciclo algodoeiro nessa capitania, onde promoveu um momento de efervescência
3
PAULET, José da Silva. Descrição abreviada da capitania do Ceará. Revista Instituto do Ceará. Revista
do Instituto Histórico, Fortaleza, Tip. Studart, Jan/Jun 1898, p. 22.
4
CÂNDIDO, Tyrone Apollo Pontes & NEVES, Frederico de Castro (org.). Capítulos de História Social
dos Sertões. Fortaleza, Plebeu Gabinete de Leitura Editorial, 2007, p. 09.
5
IVO, Isnara Pereiro. O ouro de boa pinta e a abertura das minas da Bahia: sertões conectados,
adaptabilidades e trânsitos culturais no século XVIII. In: PAIVA, Eduardo de França, IVO, Isnara Pereira,
MARTINS, Ilton Cesar, (Orgs). Escravidão, mestiçagens, população e identidades culturais. São
Paulo: Annablume, 2010.
15

econômica. Os indícios desse momento de fomento econômico foram evidenciados em


nossa documentação de casamentos, uma vez que a primeira década do XIX ficou
visivelmente marcada pela presença mais intensa de escravos adultos se comparada às
décadas anteriores.
No entanto, não limitamos nossa análise temporal apenas nas datas pré-
fixadas de inicio e final desse recorte, mas por vezes recuamos no tempo e espaço ou
mesmo ultrapassamos essas datas no exercício de compreensão das dinâmicas sociais e
dos cotidianos da referida população. A extensa temporalidade de mais de meio século,
que foi pesquisado, nos permitiu ter uma compreensão maior das mudanças e
permanências ocorridas nos mundos do trabalho e no cotidiano das famílias
quixeramobinenses livres, escravizadas e forras.
Para estudar essas sociedades que foram se constituindo nas Américas
Ibéricas do período colonial, como no caso, a quixeramobinense, uma das principais
fontes foram os registos de ordem eclesiásticas e cartas de sesmarias. Nesses registros é
possível mapear algumas categorias que serviam para diferenciar e classificar a
população. Há consenso na descrição nesses registros desde o século XVII, neles é
comum aparecer uma espécie de fórmula: nome + qualidade + condição. “Escrevia-se
fulano preto forro ou cicrana parda, escrava de beltrano, ou acrescentava a nação do
implicado”.6
A condição dos sujeitos é uma categoria que comumente encontra-se
dividida em três principais, ou seja, livre, escravo e liberto, apesar de haver outras
situações jurídicas, no entanto, em nossa documentação encontramos apenas essas. A
categoria de qualidade a seu turno, tem uma abrangência ainda maior por está associada
não apenas as marcas do fenótipo dos indivíduos, mas sim a sua condição social, ou
seja, ser crioulo, pardo, preto, mulato, cafuzo, curiboca, branco, índio determinava
muito mais seu lugar social do que a sua coloração da pele.
Na realidade brasileira, de sociedade escravista, o processo de concessões
de liberdades que foram surgindo ao longo do período colonial, favoreceu para a
constituição de uma população afro-brasileira, livres, libertos em paralelo com a
escrava. Nesse contexto, uma série de categorias sociais foi sendo inventadas,
construídas, apropriadas por essas pessoas para se diferenciarem, para construírem

6
PAIVA, Eduardo França. Dar nome ao novo. Uma história lexical da Ibero-América entre os séculos
XVI e XVIII (as dinâmicas de mestiçagens e o mundo do trabalho). Belo Horizonte. Autentica Editora,
2015, p. 130.
16

lugares sociais, num mundo altamente hierarquizado. Assim, vão surgindo às noções de
branco, crioulo, preto, pardo, mulato, cabra etc. bem como toda uma gama de
vocabulário racial voltado pra formas variadas de mestiçagens, não somente, mas
também para mostrar um afastamento da experiência mais imediata da escravidão.
Dentre essas categorias de qualidade as mais ambíguas são: crioulo, pardo e
mulato. Essas qualidades estão associadas diretamente aos seus três troncos iniciais que
são o índio, o negro e o espanhol ou o português. No período colonial, o termo crioulo
servia para qualificar os filhos de africanos nascidos no Brasil. O pardo é um termo,
quiçá mais complexo de conceituação, uma vez que ele é usado para qualificar não
somente os descendentes de escravos nascidos nas Américas Ibéricas, mas também para
distanciar o sujeito do estigma da escravidão e não tinha, em geral, nenhuma conotação
com a coloração da pele.7 Bem como, esse termo/conceito era para denominar os
mestiços. Voltando para as questões do conceito de qualidade, Eduardo França Paiva
reforça [...].

Entretanto, pelo o que se encontra nas fontes consultadas a “cor” era


baça, enquanto a “qualidade” era parda; e isso parece ter prevalecido
por toda América espanhola e portuguesa até o século XVIII, pelo
menos. Isso nos faz ressaltar a importância de não confundirmos essas
categorias – qualidade com cor – como é habitual, não obstante a sua
complementariedade usual registrada nos documento e crônicas dos
séculos XVI, XVII e XVIII.8

Os indícios que essas fontes nos permitem captar sobre condição e


qualidade dos indivíduos, bem como essas categorias analisadas lexicalmente,
respeitando o seu tempo e espaço de produção, nos ajudaram na compreensão não
somente dos sistemas trabalhistas dessas sociedades, mas também dos seus cotidianos.
Para desenvolvermos essa pesquisa, utilizamos como fonte principal os
registros de casamentos e batismos referentes à Quixeramobim entre os anos de 1740 e
1810. Distribuídos da seguinte maneira: os livros de batismos (1 ao 3) da Freguesia de
Russas do Arquivo da Diocese de Limoeiro do Norte - ADLN, cedido gentilmente por
Elisgardênia Chaves do seu banco de dados pessoal. Os livros de casamentos (01 e 02) e
os livros de batismos (01 a 08) do Arquivo da Diocese de Santo Antônio de
Quixeramobim entre anos de 1755 e 1810. Reiteramos que os assentos de matrimonio
da Freguesia quixeramobinense só veio aparecer no final da década de 1750. Em todos

7
Idem, p. 131-132.
8
Idem, p.159.
17

os livros foram identificadas algumas páginas danificadas pela ação do tempo e as


formas de conservação que lhes eram/são impostas. Sendo assim, vários foram os
registros em que não foi possível transcrever na íntegra o conjunto das informações
contidas em cada. Algumas páginas estão desbotas outras manchadas, mas de modo
geral é possível fazer a leitura de sua maior parte do material.
Esse acervo documental encontrar-se sob a guarda da Diocese de
Quixeramobim, como também está totalmente digitalizado e disponibilizado na
internet,9 A sua disponibilidade on-line foi graças ao trabalho dos Mórmons (Igreja de
Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias) que visando à reconstrução de árvores
genealógicas e a conversão retroativa dos antepassados, levou-os a desenvolver intenso
trabalho de coleta e pesquisa em todo o mundo. O admirável acervo microfilmado,
localizado em numerosos centros de atendimento por todo o país, inclusive em cúrias,
podem ser conseguidos sem grande custo, em muitos casos, gratuitamente.
Após fazermos um cuidadoso trabalho de transcrição dessa documentação,
encontramos 6.329 registros de batismos, destes constatamos que havia 935
correspondentes a escravos e 16 a forros. Os assentos de casamentos foram 706
registros, 135 envolvendo cativos e 24 forros. As informações contidas nos assentos de
batismos são de modo geral referentes ao nome e a idade do batizando; no caso de filho
legítimo o nome do pai e da mãe, já no caso de filho natural, consta apenas o nome da
mãe, em casos raros aparece o nome do pai nas atas de batismo de criança de filiação
natural; naturalidade; nome dos avós paternos e maternos; data, local e hora da
cerimônia; nomes dos padrinhos, onde eles vivem e por fim, o nome e assinatura do
padre que o realizou. Nas atas de casamentos os dados são: data e local da cerimonia,
nomes dos nubentes, idade, condição (livre, escravo e forro), qualidade (índio, negro,
preto, cabra, crioulo etc.), naturalidade, filiação, nomes das testemunhas e o nome do
padre que celebrou o ritual. O livro de número um (01) de casamento, que corresponde
os anos de 1755 – 1800 se encontra em precário estado de conservação, sendo que
muitos assentos foram perdidos em partes ou totalmente. Os livros de batizados por
serem divididos em vários números, os seus estados estão em melhores condições, em
especial os dos últimos anos da pesquisa.
As fontes eclesiásticas por muito tempo foram consideradas privilégio para
o estudo do período colonial na América Latina. A burocracia eclesiástica representou,

9
https://familysearch.org/search/collection/list#page=1&region=CENTRAL_SOUTH AMERICA
18

desde início das conquistas Ibéricas nas Américas, um instrumento de controle religioso
e ao mesmo tempo jurídico. A produção desses documentos eclesiásticos a partir dos
ritos de batismo, casamento e óbito, registrar três momentos significativos da vida do
10
indivíduo: nascimento, infância; casamento, vida adulta; e morte, seu ciclo final. Por
isso, que essas fontes tem tanto valor historiográfico pelo seu poder de captação de
experiências dos indivíduos em vários e significativos momentos de suas vidas.
Uma característica importante desses registros eclesiásticos é o seu caráter
nominativo o que nos possibilitou encontrar uma pessoa em diversos momentos da série
de registros paroquiais.11 De acordo com Ginzburg, esse é “o fio de Ariadne que guia o
investigador no labirinto documental, é aquilo que distingue um indivíduo de outro em
todas as sociedades conhecidas: o nome12”. Esse procedimento intitulado pelo
historiador italiano como método onomástico que tem como guia o nome do indivíduo,
bem como se unindo a um conjunto de evidências que coletamos nesses assentos nos
ajudou na análise e na reconstituição de trajetórias individuais e familiares de homens e
mulheres livres, escravizados e libertos de Quixeramobim capturados nos seus fazeres
cotidianos. Desse modo, foi fundamental as micro-histórias desses sujeitos para a
compreensão das alianças de parentesco e dos seus significados quanto ao arranjo de
sobrevivência.
A nossa pesquisa empírica evocou não somente os registros eclesiásticos de
batismos e casamentos, mas também as cartas de sesmarias que se encontram totalmente
disponibilizadas, para maior comodidade do pesquisador, no formato digital de CD-
ROMS,13 seus trabalhos e documentos foram de suma importância para compor o
arsenal de nossas fontes para o estudo desta Freguesia. Essa documentação do IHG
encontra-se digitalizada e totalmente disponibilizada na íntegra na internet.
As documentações de casamentos e batismos por serem excepcionalmente
ricas de informações nos permitiu mapear a população quixeramobinense nas categorias
analíticas de qualidade, condição, naturalidade, legitimidade, parentescos

10
TORRES, LONDOÑO, Fernando. Paróquia e Comunidade no Brasil: perspectiva histórica. São
Paulo: Paulus, 1997.
11
BOTELHO, Tarcísio Rodrigues. Família e escravidão em uma perspectiva demográfica: Minas Gerais,
Brasil, século XVIII. In: LIBBY, Douglas Cole & FURTADO, Júnia Ferreira (Orgs). Trabalho Livre,
Trabalho Escravo. Brasil e Europa, séculos XVIII e XIX. São Paulo, AnnaBlume, 2006.
12
GINZBURG, Carlo. O nome e o como: troca desigual e mercado historiográfico. In: GINZBURG,
Carlo; CASTELNUOVO, Enrico; PONI, Carlo. A micro-história e outros ensaios. Rio de Janeiro,
Brasil. 1991. p.175.
13
https://www.institutodoceara.com.org.br
19

consanguíneos ou por meio do ritual do compadrio e pelos laços matrimoniais do


casamento e das respectivas relações com os noivos. No que se referem aos dados dos
registros de batizados, eles podem nos indicar também, a posição social dos pais,
padrinhos e nubentes, por exemplo, os que aparecem como a condição escravizada e
liberta, bem como os com títulos e cargos tais como capitão, alferes, sargento etc.. As
cartas de sesmarias, ao seu turno, para além do seu caráter nominativo, nos permite
conhecer a população através de seus títulos e patentes, suas posses territoriais, o local
onde elas viviam, revelam também informações pessoais e familiares.
Nas analises e problematizações dessas fontes, nossa metodologia de
trabalho utilizada foi a da demografia histórica, campo de estudo da História Social e
Cultural. Perspectiva essa pioneiramente utilizada pelo demógrafo Louis Henry em seus
estudos sobre famílias. Louis Henry, demógrafo de formação, se preocupou em obter
um meio de reconstruir grandes séries históricas das variáveis demográficas, desponta
entre os principais pesquisadores deste campo do conhecimento, sendo o criador da
técnica de reconstituição de famílias. Esta técnica trata-se da reconstituição de núcleos
familiares para toda a população de determinada paróquia. Desde que haja registros
paroquiais e listas de habitantes é possível estabelecer variáveis demográficas de
passados remotos.
Esses estudos trouxeram para o cenário da história novos sujeitos como a
criança que por muito tempo era um tema sem muita atenção, a mulher pobre e
abastarda, trazendo a tona análises mais profundadas da vida cotidiana e da intimidade
familiar e da vizinhança.
Os estudos demográficos nos possibilitam a partir da análise serial das
documentações, ou seja, apesar de terem em vista os números, obrigatoriamente
trabalha também como os nomes. Esse método associado à microanálise, nos estudos de
trajetórias de vida, permite-nos seguir os indivíduos obedecendo à dinâmica de dialogar
o quantitativo com o qualitativo. Essa análise nos leva a compreensão de histórias de
vidas partindo do micro, ou seja, o sujeito comum, que se encontra inserido nesse
social, e desse modo, podemos captar as pistas desse cotidiano ao nível do macro a
partir das suas vivencias.
O “estudo dos fenômenos demográficos através do método de reconstituição
de famílias, no qual os nomes nos levam até as pessoas e estas às famílias, nos permite
chegar mais próximo da lógica da sociedade estudada, das experiências e estratégias
20

cotidianas de pessoas e de grupos sociais14”. Segundo Chaves, esse método associado à


metodologia da microanálise que se detém sobre o indivíduo ou grupo de pessoas ajuda
na compreensão do social e da formação das famílias escravas dos sertões cearenses.
Contudo, o exercício de interpretar os códigos e procedimentos de
reconstrução do viver em família requer ampliar o sentido do que temos sobre esta
instituição, uma vez que para conseguir capturar essas vivencias cotidianas nas fontes é
necessário fazermos abstrações. Portanto, quando falamos em família pensamos na
pluralidade das formas de organização e de relações que obviamente não é somente
aquela formada por pai, mãe e filhos, mas também pela união de mãe e filhos, e de
viúvas e filhos etc., que por muitas vezes, optaremos por usar o termo de arranjos
familiares.
Os estudos historiográficos sobre família no Brasil, até a maior parte do
século XX, desconhecia a existência dessa instituição para os sujeitos escravizados. Em
princípio essa invisibilidade derivava da influência dos relatos etnocêntrico e
eurocêntrico produzidos por viajantes europeus nas Américas, bem como
fundamentadas pelo cientificismo racista, a exemplo, as teorias defendidas por
Gobineau (1816-1882) que estiveram presentes nos espaços intelectuais, não apenas
brasileiro, entre o século XIX e início do XX. Nessa perspectiva, o universo familiar
escravo era destituído de possibilidade de existência devido ao desregramento sexual e o
caráter “promíscuo” e, isso em tese, minava qualquer possibilidade de construção de
laços de solidariedade e organização familiar.
Gilberto Freyre, em seu clássico Casa grande e senzala (1933), foi um dos
pioneiros a romper em partes, com esse racismo científico, trazendo para o cenário
historiográfico a presença e atuação de sujeitos escravizados e sua colaboração cultural
na construção da sociedade brasileira, que pela primeira vez foi de forma positiva. Esse
autor inovou também, quando propôs analisar de forma separada raça e condição
jurídica, uma vez que em sua compreensão, se houvesse uma influência negativa por
parte dos africanos para a construção da sociedade brasileira, esta derivava do
escravismo, haja vista que esse sistema destituía de dignidade humanas esses seres
submetidos a seu julgo, e não as suas culturas.

14
CHAVES, Elisgardênia de Oliveira. População e família mestiça nas freguesias de Aracati e
Russas-Ceará, 1720/1820. Tese de doutorado, Programa de Pós-graduação em História Social da Cultura
da Universidade Federal de Minas Gerais, 2016, p.47.
21

Ao pensar a sociedade brasileira colonial, Freyre, privilegiou a família


patriarcal. Apesar dele não ter preocupação de perceber a vida familiar dos cativos, uma
vez que essa compreensão iria de contra a sua tese de família patriarcal, modelo esse,
que se caracterizava por ser de família extensa englobando não apenas esposa, filhos,
netos, genros, noras, mas também os agregados e escravos. Estando estes sob a proteção
e os cuidados do poder do patriarca/senhor. Sobretudo, em seu trabalho não aparece de
forma clara à separação entre família branca e família negra, estando estas juntas e
misturadas tendo como referencial a fazenda de monocultura.15 Contudo, apareceu um
elemento novo, as famílias de ordem matrifocais, em outros termos, as mães solteiras,
as mulheres que eram a cabeça da família. Percebendo de modo sutil, que esse modelo
familiar não era único, já que ele aponta outros arranjos familiares para além do
patriarcado.
No tocante a comportamento sexual promiscuo atribuídos aos negros,
Freyre não chegou a negá-lo. No entanto, isso não foi associado à inferioridade da
cultura africana, sendo esta uma das teses defendidas pelos entusiastas do cientificismo
racista. Todavia, ele atribui esse desregramento ao sistema econômico escravista que era
bem mais abrangente, sobretudo por que, envolvia não somente os sujeitos submetidos à
escravidão, mas também os seus senhores. Essa compreensão na época foi bastante
inovadora, bem como estas questões foram reiteradas posteriormente pelos seus críticos
da Escola Paulista de Sociologia.
Intelectuais desta referida escola como Florestam Fernandes, Roger Bastilde
e Emília Viotti da Costa, mesmo sendo fortes críticos da visão freyriana de democracia
racial na colônia, sobretudo, por amenizar o caráter violento e desumano da escravidão
brasileira. No entanto, retomaram as questões sobre a licenciosidade nas senzalas. Nesse
sentido, ao concordarem com o caráter “promíscuo”, alegado ao comportamento sexual
dos cativos, nesse momento, passou a ser justificado pelas as condições inumanas
impostas a esses sujeitos, que não somente produziu um processo psíquico de
aculturação, como também, teria os levados a anomia ou mesmo patologia social.
Nessas circunstâncias, a sociedade escrava estaria impossibilitada não apenas, de
constituir família conjugal/nuclear, mas também, estaria destituída de laços de
solidariedade entre parentes tão necessários para sobreviver em liberdade. A partir dessa

15
ROCHA, Cristiany Miranda. História de Famílias Escravas: Campinas século XIX. Campinas – SP.
Editora da UNICAMP, 2004, p.22.
22

perspectiva, foi substituído o fardo da raça das costas do negro por outro bastante
pesado, ou seja, o fardo sociológico.
Os estudos subsequentes, seguindo o percurso já empreendido pela
historiografia estadunidense, ainda na década de 1970, passaram a refutar a visão
tradicional de que o cativeiro abortou a família escrava. Kátia Mattoso em sua obra “Ser
escravo no Brasil”16, apresentou os primeiros sinais dessa mudança, ou seja, não deu
tanta importância como os demais para a família conjugal, bem como já lançava um
novo olhar para as relações dos cativos para além do parentesco consanguíneo,
percebendo outras formas de solidariedades significativas desses sujeitos.
Pesquisas de cunho demográfico constataram a presença de núcleos
familiares estáveis de cativos a partir de fontes quantitativas como os antigos sensos
demográficos, documentos eclesiásticos de casamentos, batismos e óbitos, dentre
outros. As evidências empíricas produzidas por esses trabalhos abriam caminhos para o
aprofundamento dessa temática na chamada renovação historiográfica da década de
1980, promovida pela historia social.17 Essas abordagens lançaram novos olhares para a
instituição familiar escrava, até então, invisibilizada pelas lentes do cientificismo racista
e do culturalismo, não menos racista. A utilização de novas fontes, não apenas, fizeram
emergir novas problemáticas e objetos que trouxeram a tona detalhes da vida escrava
até então inéditos. Esse novo olhar para o cotidiano desses sujeitos subalternos restituiu
um tanto da “humanidade que sequer os seus senhores ousaram expropriar que é a
capacidade de criar e viver: sob normas intrínsecas ao humano”.18
A partir de dados demográficos dos registros eclesiásticos de casamentos,
19
batismos e outras ordens documentais, estudos desenvolvidos por Florentino e Góes,
na região cafeeira de Bananal, São Paulo, constatou não somente que era uma prática
corriqueira de muitas famílias escravas se constituírem a partir de uniões formais
através do rito católico. Mas, sobretudo, essa política de casamento fazia parte de um
consenso entre senhores e escravos, haja vista que o papel da família era de fundamental
importância para manter a paz nas senzalas. Essa abordagem trouxe outras perspectivas
de compreensão para as relações entre os sujeitos escravizados e seus senhores, caindo
16
MATTOSO, Kátia de Queirós. Ser escravo no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1982.
17
ROCHA, Cristiany Miranda. História de Famílias Escravas: Campinas século XIX. Campinas, São
Paulo. Editora da UNICAMP, 2004, p.07.
18
FLORENTINO, Manolo Garcia & GÓES, José Roberto. Parentesco e família entre os escravos no
século XIX: um estudo de caso. Revista Brasileira de Estudos de População. Capinas, v. 12, n. ½, p.
151, 1995.
19
FLORENTINO, M. e GÓES, J.R. A Paz das senzalas: famílias escravas e tráfico atlântico, Rio de
Janeiro, 1790-1850. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1997.
23

por terra à tese de sujeitos anômicos, incapazes de tomar decisões, negociar suas
liberdades e se rebelarem contra o sistema.
Slenes20 vai além nessa discussão, percebendo que quando os senhores de
escravos ao facilitar ou mesmo incentivar a oficialização dos casamentos para sua
escravaria, essa medida não se configurava como bondade destes para com seus cativos,
nem tampouco seria benignidade do sistema, mas sim, estava dentro de uma lógica
perversa, sendo que ao criar vínculos e estabilidade familiar estes sujeitos estariam
submetidos a frequente ameaça de separação por meio da venda de um parente. Isso
poderia ser usado constantemente por seus senhores como chantagem emocional. Além
disso, a construção de sentimentos parentais era importante, haja vista que esses laços
poderiam ser o fator para acender a centelha da chama da concorrência entre os cativos
por recursos, apesar de mínimos, por se manterem estáveis e, portanto, construir um
futuro. Isso consequentemente se tornaria motivos de conflito e jamais união entre os
escravos e assim, afastando a possibilidade de rebeliões ou mesmo fugas coordenadas.
Essas pesquisas que se consagraram como revisionistas da historiografia da
família escrava e da escravidão brasileira privilegiaram o sudeste do país. Nesses
espaços foram encontrados alguns dos padrões parentais próprios dos escravos de uma
grande plantation e zona de exploração mineira como, por exemplo, o predomínio do
número de homens sobre o número de mulheres. No entanto, nos últimos anos tem
crescido bastante a produção historiográfica sobre essa temática em outras regiões do
país e, sobretudo, na região Nordeste. A escassez de censos nominativos, nessa última
região, intimidou de certo modo pesquisas sobre a formação familiar escravizada do
período colonial.
Apesar de não ser nossa proposta fazer uma cronologia da produção
historiográfica sobre a escravidão e a família escrava, haja vista que além de inviável,
seria também impossível, já que são bem amplos os trabalhos de história local nessa
área. No entanto, traremos aqui apenas alguns estudos que nos ajudarão compor o
suporte teórico e metodológico do nosso estudo. Assim sendo, em nosso espaço de
estudo o Ceará, Elisgardênia Chaves21 desenvolveu uma pesquisa pioneira sobre a
população e família mestiça, com foco na família cativa, nas Freguesias de Aracati e

20
SLENES, Robert W. Na senzala uma flor: esperanças e recordações na formação da família escrava.
Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 2011.
21
CHAVES, Elisgardênia de Oliveira. População e família mestiça nas Freguesias de Aracati e
Russas, Ceará, 1720/1820. (Tese de Doutorado em História), Universidade Federal de Minas Gerais,
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Belo Horizonte, 2016.
24

Russas, entre os 1720/1820. Munida de grande cabedal de fontes eclesiásticas,


constatou que diferentemente da realidade do sudeste colonial, nessas referidas
freguesias, apresentou equidade entre o número de cativos de ambos os sexos, deferindo
bastante das famílias analisadas tanto por Slenes, Florentino, Góes e Viotti.
Na pesquisa desenvolvida por Rafael Ricarte da Silva22 sobre as elites dos
sertões de Mombaça, também no Ceará, encontrou outra realidade no formato da
organização das famílias escravizadas. O número de mulheres se apresentou superior a
dos homens em todo o recorte temporal estudado.
Em Quixeramobim, no período colonial em que Mombaça ainda pertencia
espacialmente a essa Freguesia, encontramos nos registros paroquiais de casamentos e
batismos certa equidade entre o número homens e mulheres tanto para adultos como
para as crianças. A quantidade de sujeitos do sexo masculino era suavemente superior
ao do feminino. Nesse sentido, os estudos locais revelaram e ainda revelam muitas
peculiaridades de cada recorte espacial/temporal em estudo, haja vista que temos
realidades diferentes até mesmo na mesma região, quem dirá nas diversas partes
brasileiras, já que as formas de exploração/ocupação foram bem distintas.
Em nosso estudo, entendemos, portanto, que as redes familiares vão além da
casa grande e das relações patriarcais, bem como estão envolvidas em outras dinâmicas
que nos levam para compreensões mais profundas dessa sociedade. Em outras palavras,
quando falamos em família pensamos na pluralidade das formas de organização e de
relações que estas se encontram envolvidas. Assim, esses arranjos familiares
correspondem as diferentes formas de constituírem as famílias: endogâmicas (os
cônjuges eram escravos, independentemente de pertencerem ou não ao mesmo senhor),
exogâmicas (um cônjuge escravo e o outro forro ou livre) e mistas (compostas por
casais de origens étnicas distintas: brancos, negros, mulatos, indígenas, pardos). Outro
elemento importante nessa análise é a legitimidade e naturalidade dos filhos, ou seja,
legítimos derivava de uniões sacramentadas pelo casamento cristão, que nas
documentações aparecem os nomes do pai e da mãe, ou naturais, quando aparece apenas

22
SILVA, Rafael Ricarte da. Formação da elite colonial dos Sertões de Mombaça: terra, família e
poder (Século XVIII). (Dissertação de mestrado em História). Programa de Pós-Graduação em História
Social da Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2010.
25

23
o nome da mãe que provavelmente são provenientes de concubinatos ou mesmo de
uniões consensuais muito comuns no período colonial e posterior a ele. 24
Reiteramos aqui que nosso trabalho buscou seguir os passos apontados pelas
teorias e metodologias da História Social e demografia histórica. Nessa perspectiva,
buscamos compreender por meio dos sujeitos que foram emergindo com a manipulação
de nossas fontes e através de seus nomes, reconstruirmos as suas trajetórias vidas
pessoais e familiares. Esse exercício foi fundamental para compreendermos como foram
tecidas as relações de parentescos e os seus diversos significados que foram sendo
atribuídos a elas, isto é, variando desde arranjos de resistências, sobrevivências a laços
de amizades e afetividades tão profundas que atravessaram gerações. Essas análises
atravessaram todos os capítulos.
Para atender nossa proposta, o texto desta dissertação encontra-se
estruturado em três capítulos. No primeiro capítulo: Conquista e ocupação dos sertões
do Siará Grande: caminhos, trânsito e os mundos do trabalho; apresentamos um breve
panorama histórico da ocupação e do povoamento dessa capitania entre o final do
século XVII e no decorrer do XVIII, tendo em vista a sua conformação social e
econômica resultante da longa e violenta marcha dos agentes coloniais através de
usurpação de terras, extermínios e apressamentos das populações indígenas,
atravessados pelas diversas facetas de resistência desses nativos. Esse processo que se
deu dentro da lógica das políticas coloniais de ocupação e de expansão das fronteiras
agropastoris. Para conectar a Freguesia de Quixeramobim, nesse processo, nossa análise
empírica se deu a partir dos livros de sesmarias e da documentação eclesiástica de
casamentos e batismos. Ao cruzarmos essas fontes foi possível perceber as conexões
dessas políticas coloniais presentes nessa espacialidade, bem como a organização dos
seus mundos do trabalho livre e escravizado. A população quixeramobinense da época
era predominantemente livre, no entanto, foi percebida a presença cativa em todos os
anos do nosso recorte temporal, bem como o seu aumento gradual no decorrer das

23
Concubinato e uniões consensuais deriva da união livre e estável de um homem e uma mulher que não
são casados pelo sacramento da igreja católica, um com o outro, bem pode também vir a ser união ou
relações esporádicas entre os casais.
24
Sobre essas classificações de casais ver: COSTA, Iraci Del Nero da, SLENES, Robert W. e
SCHWARTZ, Stuart B. A família Escrava em Lorena. In: COSTA, Iraci Del Nero da, (Org.). Revista de
Teoria e Pesquisa Econômica, Estudos Econômicos. São Paulo: Fundação Instituto de Pesquisas
Econômicas, FIPE, 1870. Sobre as famílias mistas ver: LIBBY, Douglas Cole. Voltando aos registros
paroquiais de Minas colonial: etnicidade em São José do Rio das Mortes, 1780-1810. Revista Brasileira
de História, São Paulo, vol.29 nº 58, 2009. Sobre a legitimidade ver TORRES-LONDOÑO, Fernando. A
outra família: concubinato, igreja e escândalo na colônia. São Paulo: Edições Loiola, 1999.
26

décadas estudadas em especial na primeira década do século XIX, apontando assim, o


momento de grande desenvolvimento econômico propiciado não apenas pela pecuária,
mas na ascensão da agricultura de exportação algodoeira.
No segundo capítulo, analisamos os laços de afetividades através dos
casamentos endogâmicos e exogâmicos da população escravizada e liberta de
Quixeramobim. Assim, procuraremos interpretar as alianças travadas por esses sujeitos,
na tentativa de compreender a importância dos arranjos familiares, constituídos a partir
oficialização católica e que por vezes foram utilizados como estratégia de manter e
ampliar suas comunidades escravas. Bem como, essas uniões eram atravessadas por
construções de redes de sociabilidade não apenas entre seus iguais, mas também tecidas
redes os nubentes e as testemunhas que foram unanimemente de condição jurídica livre.
Ao cruzarmos as fontes de casamentos com a de batismos, emergiram outros formatos
de organização familiares presentes nessa espacialidade e expressadas através nas taxas
de ilegitimidades/naturalidade dos filhos das mães escravizadas e libertas, tidas como
solteiras. Essas genitoras buscavam nas redes de compadrios formas de garantir
proteção paras as mesmas e seus rebentos, temática mais aprofundada no capítulo 03.
No terceiro e último capítulo, buscamos compreender as relações verticais e
horizontais impressas nos compadrios, através dos dados dos registros de batismos e das
trajetórias individuais de famílias escravas e forras. Os laços de parentescos espirituais,
também possuíam dimensões sociais diversas, não se limitando apenas a satisfazer as
obrigações como cristãs, mas que podiam ser utilizados para “reforçar o parentesco já
existente, solidificar relações com pessoas de classe social semelhante ou estabelecer
25
ligações verticais entre indivíduos socialmente desiguais”. Verificamos com as
análises dos dados de batismos a preferência dos pais escravizados e forros por
padrinhos livres. No entanto, havia uma minoria de famílias que investiram nas relações
parentais ritualísticas entre seus iguais, buscando nas relações verticais a ampliação e/ou
manutenção de suas comunidades. No escopo das redes tecidas tendo como pano de
fundo o compadrio envolvendo famílias escravizadas, havia também padrinhos que
apostavam nas relações de parentesco espirituais com cativos para se inserirem ou
mesmo se aproximarem da sociedade dos senhores de escravos. Para essa categoria,
classificamos como “padrinhos preferenciais” que será mais bem desenvolvido neste
capítulo.

25
FREIRE, Jonis. Família, parentesco espiritual e estabilidade familiar entre cativos pertencentes a
grandes posses de Minas Gerais, século XIX. Afro-Ásia, n. 46, 9-59, 2012, p. 34.
27

2. CAPÍTULO 01: CONQUISTA E OCUPAÇÃO DOS SERTÕES DO SIARÁ


GRANDE: CAMINHOS, TRÂNSITOS E OS MUNDOS DO TRABALHO.

A América de dominação hispânica e lusitana, no início da modernidade, já


se encontrava submetida às dinâmicas geográficas, econômicas, sociais e culturais, que
direta ou indiretamente conectavam as quatro partes do mundo, através de trânsitos,
contatos, trocas e misturas. Os sertões, os espaços interioranos, brasileiros também
estavam inseridos nessas dinâmicas, uma vez que os povos nativos, mesmo antes dos
portugueses, já possuíam relações não somente comerciais com franceses e holandeses.
Tomamos como ponto de partida nesse capítulo, uma imagem do processo
de conquista e ocupação dos sertões do Siará Grande diferente da reiterada
representação de isolamento e fixidez; pensamos o sertão “como espaço múltiplo e
diversificado”.26 Essa sociedade sertaneja, constituída na periferia do antigo regime
colonial, inclusive tinha fronteiras tênues onde à mobilidade geográfica e cultural
construiu o palco para uma formação sócio-familiar complexa e plural. Essas zonas
fronteiriças eram atravessadas por redes sociais e caminhos, por um sertão em
movimento.27
Nosso recorte espacial, Quixeramobim, localizado na região do sertão
central28 do Ceará, foi um dos cenários desses trânsitos e mobilidades, permeados pelas
relações entre populações e políticas coloniais tanto econômicas quanto de controle
social. Nesse espaço, enfatizamos assim o papel fundamental desempenhado pelas
famílias livres, escravizadas e forras nas dinâmicas de organização socioeconômica,
política e cultural, haja vista que, o núcleo familiar das populações coloniais não era
apenas uma unidade da vida social, mas também de produção material e organização
política.29 Neste capítulo, buscamos entender, as lógicas atreladas às ações e práticas
familiares nessa complexa realidade espacial.

26
CÂNDIDO, Tyrone Apollo Pontes & NEVES, Frederico de Castro (org.). Capítulos de História
Social dos Sertões. Fortaleza, Plebeu Gabinete de Leitura Editorial, 2007, p. 09.
27
IVO, Isnara Pereiro. O ouro de boa pinta e a abertura das minas da Bahia: sertões conectados,
adaptabilidades e trânsitos culturais no século XVIII. In: PAIVA, Eduardo de França, IVO, Isnara Pereira,
MARTINS, Ilton Cesar, (Orgs). Escravidão, mestiçagens, população e identidades culturais. São
Paulo: Annablume, 2010.
28
Vale ressaltar que a região dos sertões centrais é uma concepção da divisão atual dos espaços
cearenses.
29
VENANCIO, Renato Pinto. Compadrio e redes familiares entre forras de Vila Rica, 1713 – 1804.
Anais, V Jornada Setecentista. Curitiba, 26 a 28 de novembro de 2003.
28

Diferentemente da historiografia que privilegiou a análise das dinâmicas


coloniais apenas de porto a porto, ou seja, restrita ao litoral, buscamos nesse estudo
adentrar os interiores, lugares repletos de trilhas, veredas, e encruzilhadas, de
movimentos e trânsitos. Esses espaços, por sua vez, tiveram dinâmicas internas próprias
que subdeterminaram desde o que se plantava ou mesmo se usava para cozinhar e vestir,
até às formas de organização familiar, objeto deste trabalho. Nesse sentido, é nosso
objetivo compreender, as dinâmicas políticas, econômicas e culturais presente nesses
sertões cearenses coloniais e que produziram personagens de diversas etnias,
qualidades, condições sociais e jurídicas. Nos tópicos abaixo buscaremos responder
esses questionamentos: de onde esses sujeitos saíram? Como se organizavam em seus
cotidianos e nos seus mundos do trabalho?

2.2. No meio do caminho, mas fora de rota: a capitania do Ceará nas dinâmicas
ultramarinas.

Por estarem localizados nas regiões mais afastadas das zonas de exploração
agrícola, os espaços sertanejos brasileiros nos primeiros séculos da colonização Ibérica
foram transformados em redutos de resistência indígena. Isso aconteceu, por um lado,
em virtude dos obstáculos climáticos – uma natureza desconhecida e hostil aos agentes
colonizadores – e, por outro, pela a ausência de empenho da coroa em investir nessa
conquista, haja vista essas terras não possuírem riquezas para exploração imediata,
como pau-brasil. Os obstáculos da ocupação só foram vencidos, de acordo com
Valdelice Girão, pela ânsia de encontrar metais preciosos, adquirir novas terras e
escravizar índios.30
Nesse panorama, muitas foram às tentativas sem êxito de ocupação
portuguesa da capitania cearense. Uma das primeiras bandeiras foi liderada pelas tropas
militares de Pero Coelho de Sousa, em 1603. Essa empreitada culminou nos embates
sem sucesso com a ocupação francesa na capitania do Maranhão entre 1604 e 1613. A
seguinte aconteceu logo após a fundação de um forte holandês na barra do atual rio
Ceará, em 1634. Nesse cenário de guerra contra o inimigo externo, desde início do
século XVII, a coroa luso-espanhola “buscava, na medida do possível, apossar-se das

30
GIRÃO, Valdelice Carneiro. As Oficinas ou Charqueadas no Ceará. Fortaleza: Secretaria de Cultura
e Desporto, 1995.
29

terras do extremo Norte, e, com isso, iam se desenhando as fronteiras territoriais e o


lugar que a capitania do Ceará iria ocupar nesse processo”.31
Somente com a expulsão dos holandeses, em 1654, e a retomada de
Pernambuco pelos portugueses, intensificou-se o processo de ocupação das capitanias
do norte, com o intuito, não apenas de expandir fronteiras, mas também de evitar novas
invasões estrangeiras. Esses espaços foram demarcados no contexto de afirmação
territorial da coroa portuguesa em sua colônia americana, numa campanha marcada pelo
combate e extermínio da população nativa.
Como apontamos anteriormente, os motivos pelos quais a capitania
cearense, até meados do segundo século da conquista portuguesa, não terem entrado na
rota de conquista foram diversos. No decorrer do século XVII, esses espaços se
tornaram fundamentais para a manutenção da hegemonia portuguesa na América, uma
vez que a sua localização era estratégica por “estar a meio caminho entre a costa leste,
já ocupada produtivamente, e o norte, desconhecido e ainda não conquistado para o
domínio português e o Maranhão, ameaçado pelas incursões de franceses”.32
Havia outros projetos coloniais com potencial para concorrer com o
hispano-luso.33 Ingleses, franceses e holandeses estavam no páreo das conquistas do
novo mundo e das Índias de Castela. Com o avanço dessas nações na ocupação do norte
do Brasil, aumentou ainda mais o temor de espanhóis e portugueses pela possível perda
territorial, tanto nas suas colônias americanas, quanto africanas e asiáticas. Nas
primeiras duas décadas do século XVII, o “objetivo central da burocracia hispano-lusa
era assegurar a posse das imensas regiões ultramar, nas quatro partes do mundo
conhecido, constantemente ameaçadas por esses principais concorrentes oceânicos”.34
Como podemos perceber a conquista e ocupação da capitania do Ceará não
ocorreu de modo linear nem no tempo e nem no espaço, de modo que seus primeiros
séculos foram permeados por descontinuidades político-administrativas, externas e
internas. Cientes de que não estavam sozinhas nessa empreitada de conquistas e
tomando conhecimento dos avanços militares de outras nações europeias para o norte do
Brasil, as potências Ibéricas buscaram estratégias que pudessem barrar as investidas de
31
OLIVEIRA, Antônio José de. Os Kariri, resistências à ocupação dos sertões dos Cariris Novos no
século XVIII. Tese de Doutorado do Programa de Pós-Graduação em História Social, UFC. Fortaleza,
2017, p. 107.
32
LEMENHE, Maria Auxiliadora. A economia pastoril e as vilas coloniais no Ceará. Revista de
Ciências Sociais. Fortaleza, 1981/1982, p. 76.
33
CARDOSO, Alírio. A conquista do Maranhão e as disputas atlânticas na geopolítica da União Ibérica
(1596-1626). Revista Brasileira de História, vol. 31, nº 61. São Paulo, p. 317-338, 2011.
34
CARDOSO, A lírio. Op. Cit, p. 318.
30

suas rivais. A União Ibérica (1580-1640), acordo político entre as coroas lusa e
espanhola, fortaleceu o poderio da Península na corrida contra outras nações europeias
pelas terras além-mar. A defesa do domínio ibérico norteou as decisões internas que
doravante marcaram as políticas administrativas coloniais.
Ao agudizar as disputas por hegemonia territorial entre as principais
potências coloniais, do outro lado do Atlântico, a coroa portuguesa também lutava com
a Espanha para sustentar sua presença na África e em Goa. Nas Américas as disputas
também não cessavam. E assim sendo, os responsáveis pelas políticas colonizadoras de
Portugal tomavam medidas administrativas que mais se adequassem as peculiaridades
dos processos colonizadores de cada região.35

Diante do tamanho das conquistas territoriais e políticas, da variedade


de inimigos enfrentados e da pequenez da máquina administrativa da
Coroa a iniciativa privada passava a ser elemento fundamental na
expansão e consolidação do Império. Do poder real, entrecortado por
ditames simbólicos, forjavam-se sob o bico da pena, documentos que
legitimavam os esforços individuais de colonos e garantiam áreas de
influência, colonização e exploração econômica para a administração
do governo português.36

Esses arranjos administrativos, encontrados pelo império Ibérico para


manter seus domínios em várias colônias, se expressavam no Brasil em muitos conflitos
de interesses entre os membros da burocracia portuguesa e a elite da terra. Os burocratas
portugueses passaram a atribuir a indivíduos o poder administrativo das capitanias em
troca da defesa de suas posses territoriais. Essas alianças geraram uma complexa
sociedade baseada no poder e na barganha das famílias de cabedais, ou seja, não
somente os títulos e patentes passavam a ser negociados através desses acordos, mas
também uma gama de favorecimentos pessoais. E essas passaram a ser as bases da
constituição do Estado que mais tarde iria se formar.
Não podemos olvidar que os sertões brasileiros, no período das conquistas
coloniais portuguesas, diferente do descrito posteriormente por sertanistas e literatos,
não eram apenas, lugares de isolamento e barbárie. Esses espaços se encontravam
inseridos nas dinâmicas do comércio internacional, imersos nas tramas, conexões,

35
VIEIRA JÚNIOR, Antônio Otaviano. Nas Sesmarias histórias de vida e histórias de terras. In: Datas de
Sesmarias do Ceará e índices das Datas de Sesmarias. CD-room N°01. Fortaleza: Expressão
Gráfica/Wave Media, 2006.
36
Idem. P.01.
31

trânsitos, contatos violentos e por vezes amistosos, que os conectavam com as quatro
partes do mundo.

2.2. Resistências indígenas e o avanço da pecuária.

A capitania do Ceará, assim como outras da região do atual nordeste, teve


sua ocupação assentada na pecuária. Os estudos históricos são unanimes quando tratam
da questão ocupacional, associando-a diretamente às instalações das fazendas de gado.
As correntes exploratórias dos sertões de dentro e de fora, apontadas por Capistrano de
Abreu, coadunam com essa interpretação, uma vez que essas duas trilhas por onde os
rebanhos passavam serviram para o estabelecimento dos currais de gados. E assim, os
espaços interioranos foram sendo construídos por veredas de boiadas. Vejamos como
esses caminhos se desenhavam:

Mapa – 02: Os caminhos de ocupações do sertão nordestino.


32

Fonte: JUCÁ NETO, Clovis. A urbanização do Ceará Setecentista. As vilas de Nossa


Senhora da Expectação do Icó e de Santa Cruz do Aracati. 37

No mapa acima, podemos observar que os caminhos para chegar ao Ceará


se fazia por duas trilhas. A primeira era a da Bahia vindo pelo o Piauí e a segunda, de
Pernambuco. Esta última por sua vez, faz toda uma volta pelo litoral e penetra os solos
cearenses pelo Rio Grande do Norte. De acordo com Lima e Gadelha, a corrente
advinda da Bahia teria “transposto a serra da Ibiapaba e se estabelecido na bacia do alto
Poti (onde hoje situa-se Crateús). Já a corrente pernambucana teria alcançado as
nascentes do Jaguaribe, e ampliando-se em direção ao Acaraú (norte da capitania)”.38
As imensas áreas sertanejas, a partir das últimas décadas do século XVII e
no decorrer do XVIII, passaram a ser disputadas pelos agentes colonizadores e as
populações indígenas mais resistentes. Espaços esses, que até então não haviam
despertado interesse dos portugueses, foram se configurando como o reduto de
resistência de várias populações indígenas expulsas das zonas litorâneas. As tribos
indígenas foram sendo paulatinamente empurradas através dos avanços das fronteiras
coloniais, apesar da grande resistência imposta pelas elas para não serem exterminadas,
escravizadas ou “administradas”.
A capitania do Ceará passou a ser bastante disputadas entre o final do século
XVII e início do XVIII, uma vez era um ponto bastante estratégico tanto para ampliar os
campos de pastagens para os rebanhos bovinos, como também, de fundamental para a
proteção das fronteiras das capitanias do norte. Segundo Lígio Maia,

Durante todo o século XVII, a Capitania do Ceará se constituiu como


um entreposto, uma guarnição de passagem; inicialmente, como uma
possessão da Coroa na proteção de toda extensão do território do Rio
Grande para além da província do Jaguaribe, infestada de grupos
indígenas hostis, e sob perigo constante dos franceses que
comerciavam com os Potiguara, no litoral.39

37
JUCÁ NETO, Clovis. A urbanização do Ceará setecentista. As vilas de Nossa Senhora da
Expectação do Icó e de Santa Cruz do Aracati. Tese de Doutorado – Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo da Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2007, p. 236.
38
LIMA, Zilda Maria Menezes & GADELHA, Georgina da Silva. O sertão do Ceará e o lugar do
impulso criatório: trilhas, fazendas e vilas. p. 05. https://pt.scribd.com/document/385324500/O-Sertao-
Do-Ceara-e-o-Lugar-Do-Impulso-Criatorio-Trilhas-Fazend.as-e-Vilas. Acesso dia 15 de abril de 2018 às
18 h.
39
MAIA, Lígio José de Oliveira. Serras de Ibiapaba. De aldeia à vila de índios: vassalagem e
identidade no Ceará colonial – século XVIIII. Tese (Doutorado em História) – Universidade Federal
Fluminense, Niterói, 2010, p. 63.
33

Os espaços sertanejos cearenses eram também marcados por condições


desfavoráveis a produção agrícola. Nessa nova etapa da conquista portuguesa, as terras
destinadas a criação bovina coadunavam com a resolução da carta régia de 1701, que
proibia a criação de gado em menos de 10 léguas da costa. Essas novas conquistas
favoreceram os interesses dos diversos agentes coloniais: senhores de engenhos,
fazendeiros e os portugueses metropolitanos. Em final do século XVII e no decorrer do
XVIII, o projeto de ocupação interiorana ocorreu por meio de várias políticas de
usurpação de terras dos nativos. Uma das principais estratégias foi às políticas de
concessões de terras através de cartas de sesmarias.
As políticas das sesmarias tiveram significados distintos na metrópole e na
colônia. Em Portugal, eram voltadas para sanar problemas da escassez de alimento e de
mão de obra no final do século XIV. Já na colônia americana, a função das sesmarias foi
distribuir e ocupar terras “despovoadas”, para expandir os espaços do plantio da cana de
açúcar e sua indústria. Já num segundo momento, em finais do século XVII e no
decorrer do XVIII, foi para a criação de gado e a produção da indústria da pecuária.40
Na legislação portuguesa, sesmaria significa terra inculta ou abandonada
“entregues pela Monarquia portuguesa, desde o século XII, às pessoas que se
comprometiam a colonizá-las dentro de um prazo previamente estabelecido”.41 Caso o
sesmeiro nesse determinado período não tomasse posse de sua terra, essa seria
remanejada para outro que tivesse disponibilidade para povoá-la. No Brasil ocorreram
muitos casos de absenteísmo em especial com as terras dos sertões do norte, uma vez
que além de contar com a resistência dos povos nativos, também lidaram com a
natureza desconhecida e hostil aos colonizadores.
As concessões de terras por meio das cartas de sesmarias foram divididas
em duas fases no Brasil. De acordo com Capistrano de Abreu, a sua primeira fase
ocorreu quando os solicitantes destas terras não chegaram a povoá-las, uma vez que
esses sesmeiros eram “homens ricos, moradores em outras capitanias, requerem e obtêm
sesmarias para onde mandaram vaqueiros com algumas sementes de gado; eles não
chegaram a visitar suas propriedades”, mas usufruíram dos lucros com as suas boiadas.

40
ALVEAL, Carmen Margarida Oliveira. História e direito: sesmarias e conflito de terras entre índios
em freguesias extramuros do Rio de Janeiro (século XVIII). Dissertação (Mestrado em História), Instituto
de Filosofia e Ciências Sociais, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2002.
41
DINIZ, Monica. 2005. Op. Cit. P. 2.
34

“Enquanto que na segunda fase os fazendeiros vão se estabelecer em suas terras”.42


Assim sendo, essa segunda etapa de ocupação requeria maior compromisso desses
donos de terras, por isso a exigência que estes estabelecessem domicílios nas mesmas
para assegurar o controle e impedir o domínio não apenas de povos nativos, mas
também salvaguardar dos estrangeiros. O controle dessas terras agora tinha duplo
significado: controle dos povos nativos e das invasões estrangeiras.43
Inserido no plano de ocupação e integração dos espaços interioranos do
Maranhão e do estado do Brasil, o império lusitano com a retomada de Pernambuco, em
1654, deu início a conquista efetiva da capitania do Ceará. A posse de terra passou a ser
legitimada pela política mercantil. As fazendas de gado foram instaladas nas ribeiras
dos seus principais rios.
Segundo Chandler, “os criadores de gado, ávidos por mais terras para
fazendas, usando o suprimento dos mercados da região açucareira no litoral, chegaram
ao Ceará nas últimas décadas do século XVII”.44 Com o advento das oficinas de
charque, intensificou-se gradativamente o interesse dos fazendeiros em adquirir mais
terras para ampliar seus currais. A política fundiária tinha por objetivo assegurar a
colonização portuguesa na América. A princípio, as terras eram destinadas à agricultura,
no entanto, nesse segundo momento da colonização, foram relegadas à criação de gado
e ao desenvolvimento da indústria da pecuária.45
As primeiras fazendas instaladas, na segunda fase de povoamento na
capitania do Siará Grande, ocorreram sem muito controle das políticas de divisão das
sesmarias. Práticas como “ocupação pura e simples e a usurpação também eram formas
muito comuns de obtenção de terras”46 e isso ocorreu com frequência em muitas
capitanias brasileiras durante o período colonial e no Siará Grande não foi diferente.
Ademais, muitos proprietários concentram grandes extensões de terras bem maiores que
as consentidas pelos limites sesmarial. Muitos fazendeiros se utilizando do suprimento

42
ABREU, Capistrano J. Caminhos antigos e povoamento do Brasil. Belo Horizonte: Itatiaia, 1988, p.
140 e141.
43
CARDOSO, Alírio. A conquista do Maranhão e as disputas atlânticas na geopolítica da União Ibérica
(1596-1626). Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 31, nº 61, p. 317-338. 2011.
44
CHANDLER, Billy Jaymes. Os Feitosas e o sertão dos Inhamuns. Tradução de Alexandre F. Laskey
e Ignácio R. P. Montenegro. Fortaleza: Edições UFC/ Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1980, p. 10.
45
DINIZ, Mônica. Sesmarias e posse de terras: política fundiária para assegurar a colonização brasileira.
Revista Histórica no. 02. Revista online do Arquivo Público do Estado de São Paulo, Junho de 2005.
46
MACHADO, Cacilda. A trama das vontades: negros, pardos e brancos na produção da hierarquia
social do Brasil escravista. Rio de Janeiro: Apicuri, 2008, p. 63.
35

de controle das fronteiras brasileiras e do combate aos indígenas requisitaram várias


sesmarias, que ao seu turno foram unanimemente aceitos os seus pedidos.
A solicitação das sesmarias era feita primeiramente ao capitão geral e só
depois seria confirmada pelo poder real e a “posse efetiva da terra antecedia essa
solicitação. Mais tarde, quando o gado se multiplicava, o sesmeiro solicitava outra
sesmaria, aumentado com isso sua propriedade”.47 No que se referem ao tamanho dessas
concessões, elas sofreram significativas mudanças, “sendo que no final do século XVII
foi estipulado que a Sesmaria não passasse de 03 léguas quadradas, o que na prática era
desrespeitado, e ainda enfrentava a dificuldade na padronização no tamanho da légua”.48
Esse modelo colonial implantado pelos portugueses favoreceu a grande propriedade
agrícola para exportação e gerou o problema de concentração de latifúndio nas mãos de
poucos, o que é refletido nos dias atuais.49
A fragilidade de controle por parte da administração portuguesa, as
fazendas, em geral, não obedeceram aos limites impostos pelo tamanho oficial de cada
sesmaria. Essas possessões de terras foram se caracterizando por serem de grandes
extensões, sem nenhuma demarcação que estabelecessem os seus limites. Essas
fazendas se assemelhavam em geral as descritas por Mott nos sertões do Piauí.

[...] o gado era geralmente criado solto: como não havia cercas
dividindo as fazendas uma das outras, e existindo
consuetudinariamente uma légua de terra de uso comum entre as
mesmas [...] sucedia certamente que os animais de um proprietário se
misturassem com os dos vizinhos.50

Os limites que demarcavam as fronteiras uma fazenda para a outra eram


bastante tênues. Por vezes, muitos fazendeiros não respeitavam os limites impostos
pelas sesmarias, ultrapassando os espaços dos seus vizinhos. Esse tipo de
comportamento motivou conflitos seculares entre grupos familiares, que disputavam
terras e poder. Os lugares mais disputados eram os localizados próximos aos rios e
mananciais. Esses espaços também eram concorridos por grupos indígenas que foram
expulsos da região litorâneas.

47
Idem, p. 63.
48
VAINFAS, Ronaldo (org.). Dicionário do Brasil Colonial. Rio de Janeiro, Objetiva, 2000, p. 539.
49
Ver mais sobre essas quentões. In: GERMANI, Guiomar Inez. Condições históricas e sociais que
regulam o acesso a terra no espaço agrário brasileiro. GeoTextos, vol. 2, n. 2, p. 115-147, 2006. SILVA,
Gedeval Paiva; SOUZA, Suzane Tosta. Novos territórios, velhas contradições: a ação do Estado e a
questão agrária. A luta pela terra no acampamento Ojefersson Anagé, Bahia. 2008.
50
MOTT, Luiz. Piauí Colonial: população, economia e sociedade. Teresina, Projeto Petrônio Portella, 2a
Ed. 2010, p. 67.
36

Assim sendo, a ocupação do espaço sertanejo cearense foi sem dúvida


atravessada por toda sorte de violências. Práticas como as supracitadas e, sobretudo,
com extermínio parcial e muitas vezes total de povos nativos com as políticas de
“limpeza da terra” e por meio de violentos conflitos expressados na longa bárbara
Guerra contra os povos Tapuias.51
Esses conflitos, longe de serem “guerras de conquistas e submissões de
novos trabalhadores aptos ao manejo do gado, eram tendencialmente guerras de
extermínio, de limpeza do território”.52 Essa guerra durou aproximadamente dois
séculos, e nesse processo foram envolvidos portugueses, indígenas, negros e pobres
livres na luta pela exploração de novas terras. A população cativa e pobre livre viam na
adesão como braço armado, uma possibilidade de emergir socialmente dentro dos
limites impostos pela sua condição social. Já, “por parte dos índios evidenciam-se várias
posturas que refletem as táticas de resistência e sobrevivência empreendidas pelas tribos
indígenas brasileiras”.53

[...] a região de maior conflito e confronto foram então a área


geográfica de confluência dos atuais quatro estados do Ceará, Rio
Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco. Uma área, portanto, onde no
período colonial já se começava a delinear uma nova atividade
comercial de grande valor não só para a colônia, mas também para as
autoridades metropolitanas: a criação de gado. Esses indígenas,
portanto, representavam um entrave para o desenvolvimento pleno da
região, pois era a verdadeira ― muralha do sertão, impedindo o
avanço da ocupação, a posse e a utilização da terra.54

O êxito desses conflitos em favor dos agentes coloniais derivou das


estratégias utilizadas por eles de selar alianças com tribos, oferecendo em troca o apoio
e auxílio no combate de aos grupos rivais. Na medida em que avançava a ocupação e
colonização portuguesa, seus agentes começaram a se levantar contra os grupos nativos
aliados. Assim sendo, essas alianças foi o que propiciou o extermínio e apressamento de

51
OLIVEIRA, Antonio José de. Os Kariri-resistências à ocupação dos sertões dos Cariris Novos no
século XVIII. (Tese de Doutorado em História), Programa de Pós-Graduação em História Social da
Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2017.
52
PUNTONI, Pedro. PUNTONI, Pedro. A Guerra dos Bárbaros: povos indígenas e a colonização do
sertão nordeste do Brasil, 1650-1720. São Paulo: Hucitec, editora da Universidade de São Paulo: Fapesp,
2002, p. 46.
53
DIAS, Leonardo Guimarães Vaz. A guerra dos bárbaros: manifestações das forças colonizadoras e da
resistência nativa na América Portuguesa. Revista Eletrônica de História do Brasil. Juiz de Fora: UFJF.
Semestral. 2002, p.04. http://www.clionet.ufjf.br/rehb, acessado em 05 de maio de 2018, às 20h 30.
54
ARAUJO, Maria Soraya Geronazzo. O Muro do Demônio: economia e cultura na Guerra dos
Bárbaros no nordeste colonial do Brasil, séculos XVII e XVIII. 2007. 121 f. Dissertação (Mestrado em
História), Centro de Humanidades, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2007, p. 81.
37

muitos grupos indígenas e, bem como causando uma grande desorganização nas
populações nativas sobreviventes.
A agudização dos pedidos de “sesmarias cearense à administração
portuguesa foi proporcional à expansão pecuarista e a intensificação do extermínio das
populações indígenas”. Assim sendo, a ocupação efetiva desses sertões se deu através
do “binômio fazendeiros e administração portuguesa”, o primeiro oferecia a força e
braço armado e o segundo legitimava a bico de pena violência de toda sorte a população
nativa.55 Portanto, com o apoio e sansão do estado colonial os criadores de gados foram
se constituindo como poder local de mando e desmando.
De acordo com Pinheiro, “analisar a relação entre a doação das cartas de
sesmarias e o avanço da pecuária para o interior é extremamente esclarecedor para se
perceber como o conflito foi se desenhando no território cearense e também a estrutura
fundiária”.56 Desse modo, o imperativo era que essa região tivesse uma ocupação
produtiva para a economia colonial, e como sertões possuíam imensidões de terras essas
deveriam ser aproveitadas para a criação bovina. Assim, os pedidos de cartas de
sesmarias coincidem com a guerra de conquista e ocupação desses espaços na capitania
do Siará Grande.
A pecuária foi atividade que melhor justificava os pedidos de terras para a
coroa portuguesa. Nesse sentido, o aumento dos pedidos de sesmarias esteve
diretamente ligado com a expansão da pecuária e o recrudescimento da guerra contra os
povos nativos. Com o extermínio de boa parte das tribos indígenas ou aldeamento de
outras tantas a disputa entre os agentes coloniais era pelas melhores terras, ou seja, as
que ficavam localizadas próximo aos grandes rios e riachos. E assim, o espaço cearense
foi se desenhando e conectando-se a partir dos seus principais rios como veremos no
tópico seguinte.

2.2.1. Ribeiras, Freguesias e Vilas: a organização e o controle social dos espaços


cearenses.

Os rios Jaguaribe e Acaraú foram os principais e primeiros pontos de


ocupação dos sertões cearenses baseados na pecuária. Essa ocupação favoreceu a

55
VIEIRA JÚNIOR, Antonio Otaviano. Op. Cit. p. 30.
56
PINHEIRO, Francisco José. Formação Social do Ceará (1680-1820): o papel do Estado no processo
de subordinação da população livre e pobre. (Tese de Doutorado em História), Programa de Pós-
graduação em História da Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2006. P.09.
38

construção de trilhas que mais tarde serviram para conectar esses sertões “por onde se
desenvolveu a marcha do assentamento do interior da capitania, depois escoadouro das
manadas de corte para os mercados consumidores”.57 Bem como foi nos arredores
dessas ribeiras que foram sendo construídos os primeiros povoados, posteriormente
transformados em Freguesias e Vilas.
A escolha dos criadores por áreas ribeirinhas derivava da facilidade de água
e pastagens para seus rebanhos, ou seja, fatores determinantes para essa atividade.
Assim, foram se formando os primeiros núcleos familiares nas proximidades dos
principais rios cearenses. Esses espaços sertanejos, de modo mais direto, foram
conectando-se com dinâmicas econômicas e sociais de outras capitanias primeiramente
pelas rotas das boiadas, já que os rebanhos bovinos eram trazidos, principalmente
Pernambuco, Paraíba e Rio Grande (do Norte) por colonizadores que entraram pela
ribeira do Jaguaribe, uma das mais importantes áreas de ocupação daquele momento.
Segundo Almir Leal de Oliveira, essa expansão agudizou o processo
colonizador definido pelas dinâmicas de povoamento mediadas por sua política
metropolitana.

Durante a conquista e colonização, a expansão dos interesses


metropolitanos seguiu assim o desenvolvimento da atividade pastoril:
abriram-se os caminhos pelo o sertão, pelas ribeiras dos rios, gerando
povoamento rarefeito e formando as fazendas de criar. Desta forma se
formaram as principais rotas de boiadas, sendo que a principal se
iniciava na foz do Jaguaribe e penetrava o sertão pela ribeira deste rio
até o Cariri, onde se integrava com outros caminhos coloniais.58

A ribeira do Jaguaribe, nesse processo de ocupação, se configurou como a


principal porta de entrada dos sertões cearenses, haja vista que possuía uma localização
privilegiada que ligava as principais estradas e veredas das boiadas. O sul dava acesso
às capitanias do Rio Grande, Paraíba e Pernambuco. Contudo, esse espaço era zona
fronteiriça de passagens não somente de boiadas, mas também de homens de várias
origens e etnias, configurando assim, um espaço sertanejo de mobilidade e trânsito.

57
LIMA, Zilda Maria Menezes & GADELHA, Georgina da Silva. O sertão do Ceará e o lugar do
impulso criatório: trilhas, fazendas e vilas, p. 05. https://pt.scribd.com/document/385324500/O-Sertao-
Do-Ceara-e-o-Lugar-Do-Impulso-Criatorio-Trilhas-Fazendas-e-Vilas. Acesso dia 15 de abril de 2018 às
18h.
58
OLIVEIRA, Almir Leal de. A dimensão atlântica da empresa comercial do charque: o Ceará e as
dinâmicas do mercado colonial (1767-1783). In: Anais do I Encontro Nordestino de História Colonial:
Territorialidades, Poder e Identidades na América Portuguesa – séculos XVI a XVIII. Universidade
Federal da Paraíba. João Pessoa, 2006, p. 02.
39

De acordo com Raimundo Girão,

O Jaguaribe, com o desenvolvimento de 550 quilômetros, carreia as


águas de uma bojuda bacia hidrográfica de 72.000 Km², quase metade
da área total do Estado. Nasce ―na Serra da Joaninha, derivação de
Serra Grande, corta na seção superior o planalto dos Inhamuns,
magnífico para a bovinocultura, e deságua no oceano, abaixo do local
onde está a cidade do Aracati.59

A ribeira jaguaribana se encontrava geograficamente em um ponto


estratégico que a conectava com as demais ribeiras cearenses. Ela também facilitava a
entrada para as serras através das trilhas que entrecortava o interior cearense. Bem
como, possuía excelentes e grandes extensões de terras para pecuária, ademais estava
integrada com vários caminhos coloniais, por isso tão crucial no processo de ocupação
dessa capitania.
Como a ocupação do interior da capitania do Ceará foi se desenhando
através dos cursos de seus principais rios, a geografia desse espaço, nos primórdios dos
setecentos, passou a ser esquadrinhada a partir das suas principais ribeiras, ou seja, a do
Ceará, Jaguaribe e o Acaraú. Esses rios não eram navegáveis, nem tampouco perenes,
nesse período, mas graças as suas ribeiras foi possível a ocupação com o
desenvolvimento da atividade da pecuária. As rotas de ocupação pelo o gado, de modo
mais direto, foram o que definiram a organização do espaço físico cearense e assim, as
representações cartográficas passaram a obedecer a seguinte divisão: “a Ribeira do
Seará que fica na Costa no meio da Capitania que por ser a Capital dá o nome a Ribeira,
do Acaraú, que fica ao Norte, a de Jaguaribe ao Sul, e a do Icó no Certão ao Poente da
Ribeira de Jaguaribe”.60
Com a finalidade de ordenar os espaços, a Igreja e o estado atuam
coordenadamente e, em paralelo, com a ocupação para intensificar suas ações nos seus
espaços conquistados implantando Freguesias e Vilas nos pontos mais estratégicos para
o controle e administração e nos sertões cearenses não foi diferente.

[...] as vilas criadas localizavam-se onde outrora os primeiros


desbravadores haviam construído suas fazendas e erguido às primeiras
ermidas ou capelas da capitania. Eram pontos eminentemente
estratégicos, que possibilitavam a fluidez de mercadorias e pessoas –

59
GIRÃO, Raimundo. Op. cit. p. 65 e 66.
60
Idem, p. 01.
40

leia-se das boiadas e boiadeiros – e garantiam a conectividade com


restante do Brasil e com a dinâmica mercantilista internacional.61

A correlação entre o estado e a Igreja na ordenação dos espaços físicos e


controle social esteve presente em todos os domínios ultramarino português. De acordo
com Eduardo Hoornaert, esse compromisso como o Padroado Ultramarino havia sido
firmado desde o início da expansão marítima portuguesa por volta da segunda metade
do século XV, “através do qual ficou estabelecido que a Coroa recebesse os dízimos
relativos à Igreja, se tornando responsável pela manutenção das despesas da mesma”.62
Assim sendo, o estado colonial e a Igreja sempre estiveram aliados nesse projeto bem
sucedido e ambos os lados se beneficiavam, o primeiro com o alargamento das suas
fronteiras e o segundo ganhava, também, com a expansão de dízimos e outros impostos.
As Freguesias instaladas no Brasil colonial não diferiam muito ou quase
nada das paróquias, ou seja, eram pequenas divisões administrativas, não havendo uma
estrutura civil separada da eclesiástica. Já as Vilas eram formadas a partir de
agrupamentos de fogos (casas), portanto, requeria maior povoamento. Mesmo assim,
não eram tão distintas das duas organizações supramencionadas. As implantações de
Vilas coloniais no espaço interiorano cearense tiveram início a partir da última década
do século XVII e prosseguiu até as primeiras décadas do século XIX.
A implantação desses núcleos populacionais era uma estratégia de controlar
e disciplinar a população e como isso, instalava-se uma mínima estrutura administrativa
que se resumia a uma diocese, em alguns casos, não todos, uma cadeia, uma casa de
câmara e o fisco. Outra característica dessas políticas coloniais de controle foi a pouca
atenção que coroa portuguesa deu para as estruturas físicas e administrativas dos
espaços conquistados. As vilas, a seu turno, eram instaladas em precárias condições. De
acordo com Capistrano de Abreu esses descuidos estavam associados à cultura do gado
que requeria poucas estruturas para funcionar.
A despeito disso, Quixeramobim foi a 11ª a ser transformada em Vila, no
ano de 1789 e até 1816, 27 anos depois, não apresentou grande ou mesmo significativas
mudanças em sua organização administrativas, uma vez que ainda não possuía “caza de
câmara nem, cadeia, nem patrimônio para se fazer”.63 Isso não era um caso particular

61
JUCÁ NETO, Clóvis Ramiro. Os primórdios da organização do espaço territorial e da vila cearense:
algumas notas. Anais do Museu Paulista, v. 20, n. 1. Janeiro – Junho, 2012, p. 142.
62
HOORNAERT, Eduardo. “O padroado português”. In: História da Igreja no Brasil. Tomo II.
Petrópolis: Vozes, 1979, p. 163-165.
63
Idem! P. 23.
41

das Vilas e Freguesias da Ribeira do Jaguaribe, mas foi uma constante que se fez
presente também nas outras ribeiras dessa capitania como a do Ceará e Acaraú.
A maior ribeira da Capitania do Ceará era a do Jaguaribe e nela estavam
condensados os rios Jaguaribe, Banabuiú, Quixeramobim e Salgado. Quixeramobim
além de ser o nome do rio era também do povoado que se encontrava junto a sua ribeira.
Possuía três vilas: Santa Cruz do Aracati, Vila Real do Crato e a do Icó; e uma
Freguesia, a de São Bernardo das Russas. Por conta dessas dimensões de terras e rios,
essa ribeira despontou com maior número de fazendas. Isso comprova que no decorrer
do século XVIII, o seu processo de ocupação e povoamento foi bastante acelerado. Em
decorrência disso, para manter o controle maior sob os pagamentos de impostos e
dízimos que em 1742 essa ribeira foi dividida em duas: Russas e Icó.

Mapa 02 - Subdivisão da Ribeira do Jaguaribe.

FONTE: Subdivisão da Ribeira do Jaguaribe. 64

Nesse novo arranjo, ficou de um lado a ribeira das Russas composta pela
Vila de Aracati e a Freguesia de São Bernardo das Russas. Do outro lado a ribeira do
Icó com a Vila do Icó e a Vila do Crato. Quixeramobim, ainda pertencente à Freguesia
de São Bernardo das Russas, estava situado na região central da Ribeira das Russas que

64
NOGUEIRA, Gabriel Parente. 2010, Op. cit. p. 31.
42

era ponto estratégico de cruzamento das estradas que vinham de Granja, Sobral,
Crateús, de Santa Quitéria, e da Paraíba.65
Em 1755 a capitania do Ceará já despontava como uma das mais prósperas
em termos de arrecadação de impostos. Mesmo ela aparecendo com o menor número de
arrecadação comparando-a com as outras duas anexas de Pernambuco, a dizer: Rio
Grande e Paraíba, nesse ano os dízimo chegou ao valor de 1:567$000 réis e na década
seguinte (1764), já alcançava 11:219$00 réis, ou seja, um aumento de aproximadamente
dez vez mais, em apenas uma década.66 E isso gerou mais uma vez uma subdivisão
espacial, haja vista o visível rápido crescimento econômico desse espaço.

Entre 1774 e 1778, além das freguesias do Ceará, de Russas, do Icó e


do Acaraú, foram cobrados os dízimos nas freguesias de
Quixeramobim, Coreaú, Cariris Novos e Inhamuns. No geral, os
cálculos das oito freguesias renderam um acréscimo de 56:701$900
para os cofres da Coroa, totalizando 10,63% dos rendimentos gerais
da Capitania de Pernambuco e suas anexas; ou seja, apenas a sua
décima parte. Como capitania principal, Pernambuco foi responsável
por 66,29% do aumento dos contratos reais, a diferença entre o Ceará
e a Paraíba foi somente de 1,12% e do Ceará e o Rio Grande do Norte,
de 2,04%.67

Dentro da lógica de dividir para melhor governar, Quixeramobim em 1755,


se separa de São Bernardo das Russas, gerando assim, mais uma freguesia, a de Santo
Antônio de Quixeramobim, ficando responsável não apenas na tarefa de arrecadação de
dízimos da população ali estabelecida, mas também do controle e disseminação da fé
cristã. A partir de então os ritos de casamentos, batismos e óbitos passaram a ser de
responsabilidade dessa freguesia.
O levantamento demográfico realizado na capitania de Pernambuco e suas
anexas pelo governador de José Cezar Menezes, entre os anos de 1774 e 1783, nos
ajudaram a compreender o rápido crescimento da capitania do Ceará na segunda metade
do século XVIII. Os dados populacionais referentes a essa capitania foram divididos a
partir dos recortes espaciais tomando como referencia as suas quatro principais ribeiras.
Isto é, a do Ceará constituída por seis vilas: Fortaleza, Aquiraz, Caucaia, Parangaba,
Messejana e Baturité, possuindo também, 93 fazendas, 2.491 fogos e com uma

65
JUCÁ NETO, Clóvis Ramiro. Os primórdios da organização do espaço territorial e da vila cearense,
algumas notas. Anais do Museu Paulista. São Paulo. N. Sér. v.20. n.1. p. 133-163. jan.- jun. 2012.
66
MENEZES, José Cezar de. Idea da população da capitania de Pernambuco e das suas anexas. Rio
de Janeiro: Officinas Graphicas da biblioteca Nacional. 1923 (v. XL), p. 9.
67
SILVA, Pedro Alberto de Oliveira. Op. cit. p. 29.
43

população de 7.600 pessoas. 68 A ribeira do Acaraú, formada por duas vilas: Sobral e
Viçosa Real contendo 325 fazendas, 3.404 fogos e 11.220 habitantes. A ribeira do
Jaguaribe contava apenas com uma vila, Aracati e duas Freguesias Russas e
Quixeramobim, havia nelas 240 fazendas, 1.253 fogos e 5.449 pessoas. Por último e não
menos importante, a ribeira do Icó compunha-se de duas vilas: Icó e Crato, 314
fazendas, 2.583 fogos e 9.112 habitantes. A capitania do Siará Grande no final do
século XVIII possuía a seguinte organização: 972 fazendas de gado, 11 vilas e 33.381
habitantes e totalmente ocupada.69
Essa segunda metade do XVIII foi fundamental para a consolidação da
capitania do Ceará no mercado internacional não somente pelo desenvolvimento da
indústria da pecuária e seus derivados, mas também emergência da produção
algodoeira. No decorrer desse processo, verificou-se a “contribuição dos trabalhadores
pobres livres (a maioria mestiços e negros libertos), de índios e de escravos africanos e
seus descendentes”.70
No decorrer do século XVIII, ocorreram significativas mudanças
administrativas e físicas acompanhadas do crescimento populacional e econômico até
então não experimentado nessa capitania. O advento da indústria da pecuária e a
valorização dos seus produtos e derivados, juntamente com o fomento da produção
algodoeira, colocava o Ceará na rota do comércio exportador. Em decorrência disso,
aumentaram o fluxo migratório de agentes de variadas origens e qualidades,
estabelecendo residências uns como proprietários de terras, outros como trabalhadores
livres e escravizados.

2.3. Trânsito social e circularidade cultural nos sertões de Quixeramobim.

A Freguesia de Quixeramobim, localizada nos grandes sertões cearenses, no


nos decorrer do século XVIII foi se constituindo como espaço de economia
fundamentada na pecuária, bem como de passagem das boiadas para várias partes da
atual região Nordeste brasileira. Desse modo, a referida Freguesia estava conectada nas
68
Fogo significa: casa, lar ou domicílio, exemplo, a vila tem mais de mil fogos.
69
MENEZES, José Cezar de. Idea da população da capitania de Pernambuco e das suas anexas. Rio
de Janeiro: Officinas Graphicas da biblioteca Nacional. 1923 (v. XL), p. 9.
70
FUNES, Eurípedes. “Negros no Ceará”. In: SOUSA, Simone (Org.). Uma Nova História do Ceará.
Fortaleza: Edições Demócrito Rocha, 2000, p. 106-107. A respeito da formação social cearense e as
dinâmicas de trabalho de todas essas categorias, ver também o trabalho do historiador Francisco Pinheiro,
intitulada: Notas sobre a formação social do Ceará (1680-1820). Fortaleza: Fundação Ana Lima, 2008,
p. 201.
44

trilhas das boiadas através da indústria da pecuária. Ela também obedeceu à lógica de
ocupação e povoamento próximo às ribeiras dos grandes rios e mananciais.
A escolha dos fazendeiros por espaços próximos aos rios ficou bastante
patente nos pedidos das sesmarias de Quixeramobim. Assim, é importante compreender
nesse processo “a simbiose que era necessária entre o homem e a natureza, dado que o
domínio físico ambiental marcava as disputas por lugares privilegiados para a
sobrevivência nos sertões”,71 tendo em vista a sua localização no semiárido e os
constantes de períodos de secas.
Esses lugares com mananciais eram, sobretudo, importantes para os
indígenas que haviam sido expulsos do litoral e a usurpação dessas terras, a seu turno,
geralmente era feita através de grande violência. Ademais, os indícios desses violentos
conflitos por terras entre a população nativa e fazendeiros podem ser percebidos,
também, através das justificativas dos pedidos de cartas de sesmaria. Até por volta dos
anos de 1760, a maioria dos pedidos eram justificados primeiramente por alegar serem
terras devolutas e, sobretudo, para o combate aos indígenas. Se fossem realmente terras
desabitadas por que o enfrentamento e extermínio da população ali residente, ou melhor,
os seus donos naturais? De acordo com Vieira Júnior:

As áreas próximas a bacias hidrográficas eram alvos de maior disputa.


A grande concentração de fazendas era ao longo do rio Jaguaribe, e de
seus maiores afluentes como Salgado, Banabuiú e Quixeramobim.
Aliás, no decorrer do século XVIII, o vale do Jaguaribe, em especial a
Vila do Aracati, por sua proximidade com o litoral e a facilidade de
escoamento da produção pastoril, se tornou o principal centro das
charqueadas e um importante núcleo de entrada e saída de produtos.72

A localização geográfica era fundamental para a sobrevivência da economia


baseada na agropecuária, como foi se configurando a dessa capitania no decorrer do
século XVIII e início do XIX. Assegurar a pose da terra em áreas tidas como
privilegiadas, requeria maior esforços, pois havia muitos concorrentes, não sendo
somente os grupos nativos, mas também outros fazendeiros da região. Portanto, a base
da negociação nem sempre era amistosa, mas sim permeadas por violências de toda
sorte.

71
MORAES, Ana Paula da Cruz Pereira de. Entre mobilidades e disputas: o sertão do rio Piranhas,
capitania da Paraíba do Norte, 1670-1750. Tese (doutorado), Universidade Federal do Ceará, Centro de
Humanidades, Departamento de História, Programa de Pós-Graduação em História Social, Fortaleza,
2015, p. 36.
72
VIEIRA JÚNIOR. Antonio Otaviano. Op. cit. p. 29.
45

Ao analisar a relação dos pedidos de sesmarias de Quixeramobim, em


diálogo com a historiografia colonial, podemos fazer algumas associações. O período de
maior solicitação de terras coincide justamente com o momento mais agudo dos
conflitos derivados da Grande guerra contra os Tapuias73, ou seja, entre os anos 1700 a
1710, momento esse de fortes embates entre os agentes coloniais e a população nativa.

Gráfico 01 - Pedidos de Sesmarias no espaço de Quixeramobim entre


os anos 1683 – 1824.
Quantidade de pedidos por dácadas
54

11 9
3 4 5 6 4
2 1 0 0 0

74
Fonte: Datas de Sesmarias do Ceará. digitalização dos volumes editados nos anos de
1920 a 1928 (em CDs-ROM) Fortaleza: Expressão Gráfica/Wave Media, 2006.

Os primeiros pedidos oficiais de sesmaria na Freguesia de Quixeramobim


ocorreram em 1702. Eles eram feitos apenas para legitimar a posse frente à burocracia
colonial, uma vez que essas famílias dos sesmeiros já se encontravam estabelecidas
anos anteriores nesses espaços. Percebemos que todos os pedidos foram unanimemente
aprovados, bem como as justificativas utilizadas foram praticamente às mesmas, ou
seja, reclamavam que possuíam rebanhos bovinos, mas que lhes faltavam terras para
criá-los. Todos também, afirmavam que essas terras por serem devolutas eles iram
povoá-las para proteger suas fronteiras dos ataques indígenas “bárbaros”. Essa
afirmativa denota como eram fortes as políticas de incentivo a perseguição e o
extermínio dos povos nativos.
Podemos perceber também, a partir desses dados do gráfico acima, que no
decorrer do século XVIII e nas primeiras décadas do XIX, ocorreu pedidos de

73
OLIVEIRA, Antonio José de. Os Kariri-resistências à ocupação dos sertões dos Cariris Novos no
século XVIII. (Tese de Doutorado em História), Programa de Pós-Graduação em História Social da
Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2017, p. 117.
74
Datas de Sesmarias do Ceará: digitalização dos volumes editados nos anos de 1920 a 1928 (em CDs-
ROM) Fortaleza: Expressão Gráfica/Wave Media, 2006.
46

sesmarias, apesar de não serem com tanta frequência como na primeira década do
povoamento dessa Freguesia. Indício esse, que nos permite compreender ou pelo menos
conjecturar que todos esses anos foram permeados por conflitos entre esses tais
fazendeiros e os indígenas que habitavam esses espaços.
A listagem cronológica das sesmarias doadas no território que corresponde a
Freguesia de Quixeramobim nos permitiu, também, mapear os nomes das principais
famílias que deram origem à mesma. Os primeiros requerentes foram: Capitão Antônio
Duarte Pinheiro da Rocha e Antônio Pinto Correia; Tenente coronel João da Cunha e
Silva e Agostinho de Rezende; Duarte Pinheiro da Rocha e Antônio Pinto Correia;
Teresa de Jesus e Alferes Francisco Ribeiro de Sousa; Tenente coronel João da Cunha e
Silva e Agostinho de Rezende; Simplício Moura Velho e Manuel Bezerra do Vale. De
acordo com Girão.75 Estas famílias que passaram a ocupar as terras quixeramobinense
vieram através do rio Banabuiú e do rio Jaguaribe. Umas das principais famílias que se
estabeleceram nessa região foram a dos grandes pecuaristas Correia Vieira e a dos
Rodrigues Machado. “Ainda temos as famílias vindas do Icó para a região de Boa
Viagem, formando o clã dos Vedoia Sanches e as famílias vindas de Pernambuco para a
região do Sitiá, o clã dos Queiroz”.76 Os primeiros sesmeiros que se estabeleceram
nesse espaço, ocuparam funções de mando, desempenhando atividades militares e
cumprindo funções de ordenança nas pequenas povoações, então, distantes do braço
colonial.
Esses nomes e sobrenomes perduraram na documentação eclesiástica por
todas as décadas analisadas, em sua maioria como nubentes, padrinhos, pais ou mesmo
donos de escravos. Esses grupos familiares foram se estabelecendo nesse território e se
organizando, a partir de então, de acordo com suas possibilidades econômicas,
construindo suas redes sociais de solidariedades, sociabilidades e sobrevivências nesses
sertões cearenses que, embora estivessem distantes da burocracia colonial, mantinham
conexões com várias outras capitanias e com o comércio internacional.
Para além das famílias que se estabeleceram em solos quixeramobinense no
período colonial, em geral, vindas de diversas partes da atual região Nordeste, nós
encontramos, não na documentação das sesmarias, mas na de batismos e casamentos,

75
GIRÃO, Raimundo. Pequena História do Ceará. Fortaleza, 4ª Ed. Edições Universidade Federal do
Ceará, 1984.
76
ALENCAR, Ana Cecília de Freitas. Declaro que sou “Dona”, viúva e cabeça de casal: mulheres
administradoras de bens nos sertões de Quixeramobim (1727-1822). (Dissertação de mestrado em
História), Programa de Pós-graduação em História, Universidade Estadual do Ceará, Fortaleza, 2014.
47

vários registros de famílias indígenas. De acordo com esses documentos, nesses


assentos eclesiásticos, há vários casos entre os anos de 1740 a 1810, em que aparecem
indígenas contraindo matrimónio com pessoas não somente de sua etnia, bem como
batizando seus filhos. Isso demostra a inserção desses sujeitos nessa nova ordem social
imposta e/ou negociada pelas políticas coloniais de ocupação das terras dos sertões
brasileiros, mesmo obstante, o forte combate e extermínio sofrido por estes durante a
segunda etapa da colonização lusitana.
Importante reiterarmos aqui, que embora os dados compilados dos assentos
de casamento e batismos nem de longe possam ser considerados sensos populacionais
que nos permitam estimar a população nativa desse período. Eles, no entanto, nos
ajudaram a perceber a presença desses sujeitos nesse espaço/tempo. Não obstante as
guerras de extermínio e o combate a esses grupos, os mesmos aparecem nos referidos
registros por todos os anos estudados como demonstra a tabela abaixo.

Tabela 01 - População indígena nos registros de casamentos e batismo na


Freguesia de Quixeramobim (1740-1810).

Décadas Registos de Batismos Registros de Casamentos


Sexo Homem Mulher Total Homem Mulher Total
1740-1749 01 03 04 00 00 00
1750-1759 02 06 08 07 05 12
1760-1769 03 02 05 00 03 03
1770-1779 15 19 34 08 09 17
1780-1789 02 08 10 06 05 11
1790-1799 01 02 03 00 00 00
1800-1810 24 38 62 11 14 25
Total geral 48 78 126 32 36 68
FONTE: Assentos de casamentos da freguesia de Russas (1750-1755), livros 01 e 02. E de Batismos
livros 01 e 02 – (1740-1755) (ADLN). Registros de casamentos da freguesia de Quixeramobim - (1755-
1810), livros 01 e 02 e assentos de batizados da freguesia de Quixeramobim (1755-1810), livros 01 ao 08
- (AEPSAQ).

Nos registros de batismo e casamentos, num intervalo de tempo 71 anos,


encontramos 194 indígenas, sendo 41,3% do sexo masculino (80) e 58,7% do feminino
(114), havendo, portanto, a predominância de um sexo biológico feminino em
detrimento do masculino. Podemos compreender essa cifra maior para as mulheres
devido à população masculina ser mais vulneráveis a morte nos conflitos. Ademais, não
podemos esquecer que muitos desses indígenas sobreviventes não foram registrados
pelos ritos católicos, haja vista viviam em regiões ermas e distantes de qualquer
controle da igreja. 126
48

Para melhor analisar os dados acima, dividimos os números entre natalidade


e nupcialidade. O número de batismos envolvendo crianças indígenas teve o total de
126 e assim, podemos constatar maior número de batismos de meninas do que de
meninos, sendo a quantidade de 62% (78) para elas e 38% (48) para eles. O mesmo
ocorreu nas atas de casamentos, só que a cifra foi um pouquinho maior para as
mulheres. Ao todo, encontramos 68 indígenas contraindo matrimônio em uniões
endogâmicas e exogâmicas, contando com 47% (32) homens e 53% (36) mulheres.
Esses números são diminutos, pois se tratava da população nativa dessa espacialidade,
em tese deveria ser a bem maior o indíce. Não devemos olvidar que boa parte da
população nativa não se converteu ao catolicismo e assim, não foram captados na
documentação. Bem como, contamos também, com os limites impostos por nossas
fontes, ou melhor, o livro de casamento número 01 se encontra em péssimo estado de
conservação. Portanto, muitos registros foram perdidos por completo ou parcialmente e
isso nos impossibilitou de fazer uma leitura mais abrangente não somente da população
nativa, mas de todas as famílias de modo geral, presentes nessa espacialidade.
Os dados da tabela 01, também nos permite perceber, que nas duas
primeiras décadas do nosso recorte temporal (1740-1810), ocorreu um aumento gradual
no índice de batismo de indígena. Importante lembrar que a documentação de
casamentos, em Quixeramobim só veio aparecer a partir da década de 1750 em diante,
e, portanto, nosso recorte temporal para com os matrimónios se reduz uma década,
diferentemente dos batismos que teve seu início na década de 1740.
No decênio de 1760/69 ocorreu um pequeno decréscimo tanto na natalidade
como no índice de nupcialidade, podendo está relacionado ao fim dos aldeamentos
jesuítas em 1759. Na década seguinte, 1770/79 ocorreu um considerável aumento
progressivo em ambas as ordens documentais. Dando prosseguimento, na penúltima
década do XVIII, reduziram-se bruscamente os números de casamentos e batismos e na
última década deste, só apareceram 03 batismos e nenhum casamento referentes a
indígenas. Nos primeiros dez anos do século XIX foram retomados o crescimento tanto
de batismos como de casamentos, sendo que nesse momento os números vão se
apresentar como sendo maiores do que todas as décadas anteriores e isso por um lado
confirma a sobrevivência resistente desses nativos, mas por outro pode sugerir que estes
foram submetidos ao aldeamento ou práticas similares.
Não podemos reduzir a perda parcial ou mesmo total de alguns registros de
matrimônios para explicar a diminuição brusca da população quixeramobinense nessa
49

última década do XVIII. Respeitando os limites oferecidos pelas fontes, que vão desde o
seu frágil estado de conservação a possíveis perdas de registros ou mesmo de livros
completos pelos padres em suas viagens de desobrigas. Na melhor das hipóteses,
podemos também, conjecturar que essa ausência derivava do estilo de descrição
particular de cada escrivão, e assim, podendo a vir omitir as qualidades dos indivíduos,
ou mesmo se equivocar na transcrição.
Não obstante essas diversas possibilidades de acontecimentos e/ou
incidentes que possam ter ocorrido com esses documentos, o desaparecimento gradual
ou parcial desse grupo social pode está associado ao extermínio de boa parte destes por
suas vulnerabilidades as doenças europeias ou mesmo através dos sangrentos conflitos
por terras que não cessaram na década de 1720, como a historiografia costumou definir
como final da guerra dos “bárbaros”. Ademais, não devemos esquecer que esta
população nativa passou por dinâmicas de mestiçagens e assim, foram modificando suas
qualidades de índio para pardo, cabra, dentre outros léxicos.
Outro dado importante que temos que levar em consideração é a natureza
cíclica das secas nesses espaços. O processo de ocupação dos sertões do Ceará “que se
deu através da expansão da produção pastoril e a consequente e a expulsão e
“pacificação dos índios”, foi marcado por outro elemento: as secas”. 77 A partir desse
prisma, podemos compreender que nos anos de estiagens ou mesmo de poucas chuvas
promoveu mudanças nos cenários sociais e nas suas dinâmicas organizacionais. Assim
sendo, essa questão não pode ser desconsiderada, tendo vista que a segunda metade do
século XVIII até a primeira década do século seguinte foi um momento que mais se
enfrentou longos períodos de estiagens. Os anos de 1772, 1776, 1777-1778, 1784, 1790-
1793, 1804 e 1809 foram drasticamente castigados pela seca extrema. Esses anos foram
atravessados por extremada “miséria, com destaque para a seca de 1790/93 causando
sérias baixas no rebanho”,78 bem como deixou um rastro de fome e mortes da sua
população. Neste contexto, modificou-se a economia, uma vez que ceifou boa parte das
boiadas, reduzindo assim as oficinas de charque, bem como todo o cotidiano dessas
populações sofreu modificações, derivadas desde o aumento de epidemias e migrações
da população para zona litorânea e as serras e consequente redução de nupcialidades e
natalidade.

77
VIEIRA JR. Antônio Otaviano. Op. cit. p. 37.
78
Idem, p. 38.
50

Na última década do século XVIII ficaram patentes à ausência de registros


de matrimônios referente a nubentes indígenas, os batismos praticamente não
apareceram. Nas tabelas seguintes, onde iremos analisar as famílias livres, escravizadas
e forras, elas também apresentam uma redução populacional justamente nesta referida
década, e, portanto, não se configurando assim, um caso particular para os indígenas.
Esse vazio populacional na documentação coincide exatamente com o período referente
ao da grande seca (1790/93), uma interpretação plausível que não deve ser
desconsiderada.
No estudo sobre as Freguesias de Aracati e Russas, utilizando a mesma
ordem documental, aqui analisada, Elisgardênia Chaves percebeu essa mesma flutuação
populacional na década de 1790 em especial em Russas. Logo essa freguesia estava
localizada em uma região sertaneja e os efeitos da seca era bem mais sentido que em
Aracati que ficava no litoral.79
Na última década analisada (1800/10), é visível o considerável aumento
populacional em Quixeramobim não somente indígena. Essa expansão demográfica
estava associada às novas dinâmicas econômicas que colocava a capitania cearense no
ciclo da produção algodoeira, já que esse foi o seu momento mais intenso e, portanto,
influindo na necessidade de maior contingente de mão de obra livre, escravizada e forra
para desenvolver tal atividade agrícola.

2.4. Mundos do trabalho: mão de Obra livre e escrava no Siará Grande.

O modelo econômico implantado na América portuguesa era sustentado sob


os pilares da exploração dos recursos naturais, da agricultura canavieira e do trabalho
escravizado. No primeiro momento da colonização, tal mão de obra era constituída
pelos povos nativos e a partir do século XVII, com o avanço do comércio negreiro no
atlântico foram inseridos os africanos nesses mundos do trabalho cativo. No Ceará, até
meados do século XVIII, a mão de obra escravizada ou “livre aldeada”, era basicamente
indígena. A Carta Régia de 1560 proibia a escravização nos solos brasileiros da
população nativa, então considerada súdita da Coroa portuguesa, o que tornava o termo
escravo juridicamente polêmico. Essa prática, entretanto, continuou a ser legitimada por
meio das “guerras justas”, ou seja, pelo combate aos povos que se negavam a conversão

79
CHAVES, Elisgardênia Oliveira. Op. cit. p. 76.
51

a fé católico-cristã. Somente a partir do decreto de 1757 das políticas pombalinas e,


sobretudo, quando o comércio negreiro se tornou rentável nas Américas, foi que a
escravidão indígena veio a ser combatida com maior rigor, mas não extinta.
Como já discutido anteriormente a capitania Ceará foi uma das últimas a
despertar os interesses econômicos dos lusitanos, no entanto, seu processo de ocupação
e desenvolvimento econômico se deu de forma rápida. Embora a pecuária tenha sido
uma atividade importante para esse crescimento, nas últimas décadas do século XVIII e
no inicio do XIX, com a guerra de independência dos Estados Unidos (1775-1783), essa
capitania entrou para rota de produção e exportação algodoeira. Tal transformação
promoveu uma nova dinâmica nos mundos do trabalho, exigindo uma quantidade maior
de mão de obra. Mesmo assim, a força de trabalho escravo importado da África não foi
majoritária, ou mesmo intensa, na atividade pecuarista e na algodoeira, como nas
regiões dos canaviais e das minas. Os trabalhadores pobres livres eram os que
realizavam a maior parte das atividades demandadas, haja vista que a oferta de mão de
obra livre pobre era bastante ampla.
No senso populacional de 1763, a sociedade cearense era composta por
17.010 habitantes. Nessa referida amostragem há apenas duas classificações para as
condições jurídicas dos indivíduos, isto é, livre e escrava. O grupo dos cativos era
composto por 2.128 pessoas, representando o percentual de 12,5% do total. O restante
populacional estava descrito como livre, ou seja, 14.882 indivíduos, aproximadamente
87,5%.80 O visível aumento populacional nesse espaço, estar associado à rápida e
efetiva ocupação do mesmo no transcurso da segunda metade do século XVIII. Bem
como a presença bastante marcada pelos cativos pode ser considerada, como o indício,
do crescimento econômico da capitania e dos mundos do trabalho.

2.4.1. Mão de obra livre, escravizada e forra em Quixeramobim (1740-1810)

Ao mergulharmos no passado colonial de Quixeramobim, por meio das


nossas fontes de matrimônio e batismos, buscamos compreender, também, como
estavam organizados os mundos do trabalho e o cotidiano dessas famílias escravizadas e
forras. Estes grupos estiveram presentes na documentação em todas as décadas
pesquisadas e identificados principalmente pela sua condição jurídica. Dentro dos

80
JÚNIOR, José Ribeiro. Colonização e monopólio no nordeste brasileiro. Companhia Geral de
Pernambuco (1759 – 1780). São Paulo, HUCITEC, 1976, p, 72.
52

limites de nossas fontes, as descrições sobre eles nem sempre vieram seguidas pela
informação da nação de origem, cor/qualidade ou etnia desses sujeitos. Por isso,
tomamos o cuidado de não generalizar, ou seja, não reduzir a categoria escravizada e
forra para apenas as famílias de origem africana e/ou seus descendentes, tendo em vista
que o sistema escravista brasileiro e, claro o cearense, não se restringia exclusivamente
aos sujeitos africanos e seus descendentes mais diretos, mas também aos nativos.
Como a escravização indígena possuía um estatuto de ilegalidade, muitas
foram às estratégias de camuflar essa prática através das descrições documentais. Nos
documentos coloniais brasileiros, podemos encontrar subcategorias para designar de
maneira mais sutil a prática ilegal de escravização de indígenas, sendo que o mais
comum para designar o indígena em situação de cativeiro era como administrado, ou
seja, “o índio submetido à administração particular de um homem livre [...] que
administravam aldeias”.81
Nos assentos de batismos e casamentos de Quixeramobim (1740 - 1810),
não encontramos nenhum indígena administrado ou mesmo em situação propriamente
dita escravizada. No entanto, há 10 casos de indígenas forros82 nos registros de batismos
e nenhum nas atas de casamentos. O caso em que aparece indígena na condição de forro
ocorreu na década de 1740, com o casal João Costa e Leandra, pais de Maria, ambos
alforriados. Na década seguinte, 1750, constam mais dois casais: Thomas e Maria, pais
de Fabrícia; e Estevão e Maria, pais de Antonia, estes registos são pouco descritivos. Os
próximos registros em que constaram nativos como alforriados só voltaram a se
manifestar em 1808. Neste ano, quatro indígenas são registrados como forros, Geraldo
Gomes, Aguida Maria, Francisca Ribeiro e Theresa Maria. Esses dados nos permitem
conjecturar algumas hipóteses. O não registro de indígenas em condição de escravizados
na documentação eclesiástica pode ser uma estratégia de seus donos para disfarçar aos
olhos da legislação vigente, essa prática, uma vez que a mesma não era legalizada. No
entanto, registra-los na condição de forro, sugere que esse era um exercício comum na
prática. Ademais, para ser forro era necessário antes ter sido escravo, bem como

81
PAIVA. Eduardo França. Escravos e Libertos nas Minas Gerais do século XVIII: estratégias de
resistência através dos testamentos. Minas Gerais, Annablume, 1995, p. 83.
82
Arquivo Eclesiástico da Paróquia de São Antônio de Quixeramobim, AEPSAQ. Livro de batismos
número 01, 27/02/1757, Estevão e Maria, índios forros, folha 03. Livro de Batismos número 07,
22/08/1808, Geraldo Gomes, índio forro, folha. 77. Livro de Batismos número 07, 12/07/1808, folha. 55,
Aguida Maria, índia forra. Livro de Batismos número 07, 07/04/1808, Francisca Ribeiro, índia forra,
folha. 60. Livro de Batismos número 07, 20/10/1808, Theresa Maria, índia forra, folha. 84.
53

podemos cogitar a possibilidade que esse indígena escravizado estivesse camuflado


numa outra categoria: o pardo.
No que concerne à população importada da África, não somente em
condição jurídica escrava, como também livres e forros, foi possível fazer um balanço
das principais nações presentes nas atas de casamentos de Quixeramobim entre o
período de 1750 a 1810. Nas atas de batismos, ficou inviável fazer esse mapeamento,
haja vista que os nascidos em solos brasileiros já não podiam ser categorizados como
africanos, mas sim crioulos. Nos assentos de casamentos, os nomes dos nubentes são
bem reduzidos quando aparece a descrição das suas nações de origem. Foi possível
seleciona-los, buscando evitar repetição de nomes para que não conte a mesma pessoa
duas ou mais vezes.

Tabela 02: Nações de origem dos africanos presentes na documentação de


casamentos de Quixeramobim (1750 – 1810).
Décadas Angola Guiné C. da Mina Congo
e Sexo H M H M H M H M
1750-1759 01 02 00 00 00 00 00 00
1760-1769 08 05 01 01 00 00 00 00
1770-1779 05 07 02 02 00 01 01 00
1780-1789 15 09 00 00 00 00 00 00
1790-1799 04 01 01 01 00 00 00 00
1800-1810 15 10 00 00 00 00 00 00
Total geral 48 34 4 4 0 1 1 0
Fonte: Assentos de casamentos da freguesia de Russas (1720-1820), livros 01 ao 02. (ADLN).
Assentos de casamentos da freguesia de Quixeramobim (1755-1810), livros 01e 02, (AEPSAQ).

De acordo com Beatriz Mamigonian, “as designações étnicas e de origem,


comumente chamadas de nação”, termo encontrado nos nossos registros paroquiais,
“são elementos que mais nos aproxima de uma associação dos indivíduos com seus
locais de origem”.83 Os africanos registrados como sendo de origem angolana, a maioria
das nações presentes na referida documentação, designavam os africanos que passaram
pelo porto de Luanda, Cassange, Uamba, etc.
Mina, escravo mina ou mesmo da Costa de Mina, bem como escravo de
Guiné, como aparece descrito na documentação, são categorias consideradas por Parés,
como externas ou metaétnicas, ou seja, para:

[...] assinalar um conjunto de grupos étnicos relativamente vizinhos,


com uma comunidade de traços linguísticos e culturais com certa
83
MAMIGONIAN, Beatriz. África no Brasil: mapa de uma área em expansão. Topói, n.9, v.5, 2004, p.
39.
54

estabilidade territorial, e no contexto de escravismo, embarcados nos


mesmos portos. [...] ao lado de outros nomes como país ou reino, o
termo nação, naquele período, foi utilizado pelos traficantes de
escravos, missionários e oficiais administrativos das feitorias
europeias da Costa da Mina para designar os diversos grupos
populacionais autóctones.84

A historiografia tem destacado que os africanos genericamente chamados


por essas nomenclaturas, supracitadas, eram oriundos da África Ocidental. Essa imensa
região africana, composta por diversas nações de culturas e modo de vidas diferentes,
estiveram em contato com a população quixeramobinense colonial através dos mundos
do trabalho e das dinâmicas culturais e de mestiçagens. Diante da impossibilidade de
maior análise e entendimento desses encontros culturais, mesmo que de modo forçado,
o que nos resta é indagar como esses sujeitos, vindos de tão longe e com uma carga
cultural distinta dos povos que habitavam esse espaço, puderam intercambiar com esses
sujeitos nativos, portugueses e a diversa população local, práticas e experiências nesse
outro lado do atlântico?
Na tabela 02, trazemos os dados do local de origem de 92 africanos que se
encontravam estabelecidos em Quixeramobim entre os anos estudados. Os de origem
angolana foi maioria, contando com a cifra de 89% (82) do total, dessa amostragem. Em
seguida vem o grupo da Guiné 8,7% (8) e Costa da Mina e Congo com 1% (1). O
número de homens angolanos é bem maior que o das mulheres, respectivamente, 58,5%
para eles (48) e 41,5 para elas (34). A predominância do sexo masculino nas aquisições
de cativos em Quixeramobim por ser o indicio de que esses trabalhadores eram
comprados para desempenhar atividades que requer maior esforço físico.
No entanto, em espaços de economia pastoril como a capitania do Ceará,
como indica os estudos historiográficos,

[...] a mão de obra escrava negra, aparece em quantidade reduzida,


sendo utilizada apenas para o trabalho doméstico. [Essa capitania] não
se caracterizou como um mercado de aquisição de escravos, sobretudo
no que se refere às importações diretas do continente africano. Alguns
pesquisadores afirmam que a mão de obra negra adquirida nesta
capitania era oriunda de Pernambuco e Maranhão em razão dos altos
custos.85

84
PARÉS, Luis Nicolau. Entre duas costas: nações, etnias, portos e tráfico. In: A Formação do
Candomblé: História e ritual da nação jeje na Bahia. Campinas: Editora da Unicamp, 2006, p. 23 e 26.
85
LIMA, Zilda Maria Menezes & GADELHA, Georgina da Silva. O sertão do Ceará e o lugar do
impulso criatório: trilhas, fazendas e vilas, p. 17. https://pt.scribd.com/document/385324500/O-Sertao-
Do-Ceara-e-o-Lugar-Do-Impulso-Criatorio-Trilhas-Fazendas-e-Vilas. Acesso dia 15 de abril de 2018 as
18 h.
55

Não temos como saber de certo, através de nossas fontes, qual capitania
abastecia de escravos os fazendeiros de Quixeramobim, mas percebemos a majoritária
presença de angolanos nessa espacialidade. Esta constatação também foi feita por
Elisgardênia Chaves nas Freguesias de Russas e Aracati e Déborah Gonçalves Silva na
Freguesia de São Raimundo Nonato no Piauí, podendo vir a ser o mesmo mercado
escravista que abastecia toda a região.86
Igualmente como percebido nos registros de indígenas, a população de
origem africana em Quixeramobim, possui a mesma flutuação por décadas. Podemos
constatar com os dados acima que durante a década de 1790 ocorreu uma queda brusca
nos casamentos envolvendo cativos originários da África. Comparando essa década com
a anterior e posterior, percebemos uma disparidade com esse decréscimo populacional.
E assim, a questão da seca pode ser um dos motivos para explicar essa ausência
populacional.
Os dados demográficos das fontes de batismos e casamentos apresentaram
considerável aumento populacional e da presença da mão de obra africana escravizada
nos solos quixeramobinense entre os anos de 1740 e 1810. Apesar dos indícios
apontarem para o desenvolvimento econômico não apenas desse espaço, mas da
capitania cearense como um todo, no entanto, as estruturas físicas dessa capitania
permaneceram bem modestas. A Freguesia de Quixeramobim, não fugia as normas de
uma sociedade colonial periférica, suas estruturas físicas e administrativas eram
extremamente precárias. Segundo Funes,87 as precariedades estruturais das Vilas e
freguesias cearenses estão diretamente associadas ao modelo administrativo que
derivava do tipo de ocupação e economia implantada pelos portugueses.

A ocupação das terras cearenses foi diferente do processo ocorrido em


outras áreas do Nordeste açucareiro. Foi um processo mais lento, com
suas fronteiras sendo rompidas pelo gado que possibilitou uma
configuração social diferenciada das sociedades do engenho, exigindo
pouca mão-de-obra, contando desde o início com a força de trabalho
do nativo e um estilo de vida que não foge ao padrão encontrado para
outras regiões tidas como economicamente periféricas. Isso, de certa
forma, refletia o poder aquisitivo dos proprietários cujo modus
vivendi, em sua maioria, estava dentro de um padrão de riqueza
86
CHAVES, Elisgardênia Oliveira. Op. cit. e SILVA, Déborah Gonsalves. Arranjos de sobrevivência:
relações familiares entre escravos no sertão do Piauí (São Raimundo Nonato, 1871-1888). (Dissertação de
Mestrado em História), Programa de Pós-Graduação História Social da Universidade Federal do
Maranhão, São Luiz, 2013.
87
FUNES, Euríedes Antonio. Negros no Ceará. In: Uma nova História do Ceará. SOUZA, Simone
(org.). Fortaleza, Demócrito Rocha, 2000, p. 106.
56

bastante relativo, marcado pela simplicidade, beirando a rusticidade, o


que acabava refletindo no dia-a-dia do escravo.88

A rusticidade das estruturas físicas, na capitania cearense como um todo,


refletia no cotidiano dos cativos africanos de tal forma que suas moradias ou
acomodações fugiam o padrão das sociedades de economia canavieira e mineradora.
Otaviano Vieira Júnior observou em análise nos inventários post-mortem do Ceará que
não aparecia senzalas inventariadas. Para tanto, essa ausência não anulava a existência
das mesmas, uma vez que essas construções poderiam ser “tão precárias que pouco
valor tivesse, e consequentemente não merecessem ser inventariadas [...] ou os escravos
poderiam possuir pequenas casas, também com valor insignificante”. Ademais, era
prática comum, os escravos dos sertões cearenses morarem juntamente com seus
senhores em suas casas, uma vez que esses proprietários não possuíam grandes planteis,
em geral, e tinham um número pequeno de escravaria. Assim sendo, “tais escravos na
maioria das vezes eram empregados nos serviços domésticos, e suas presenças nas casas
dos senhores eram constantemente requisitadas”.89

Morando todos nas mesmas imediações, ou até mesmo


compartilhando as mesmas residências, trabalhando para manter o
sustento das fazendas como também para se auto sustentar e produzir
o excedente para comercialização, fazendeiros, livres, escravos e
libertos comiam do que produziam: carnes, derivados do leite,
legumes, além de frutos nativos. As fazendas eram dotadas de uma
infraestrutura mínima e autossuficiente capaz de garantir a
sobrevivência de todos.90

As fazendas foram se configurando como unidades de organização política e


administrativa ao longo do período colonial e parte do imperial. Esses núcleos
compostos pellulia dos fazendeiros e seus agregados, ou seja, famílias de trabalhadores
pobres livres e escravizados, que viviam no interior dessas fazendas, possuíam uma
peculiar economia doméstica que não obedecia às características dos grandes planteis,
mas que desenvolvia lógica própria de uma sociedade colonial periférica. Nas vilas e
Freguesias da capitania cearense esse modelo administrativo é predominante por todo o
século XVIII e boa parte do XIX.

88
Idem, p. 106.
89
VIEIRA JR. A. Otaviano. Op. cit. p. 131 e 132.
90
CHAVES, Elisgardênia de Oliveira. Op. Cit. P. 127.
57

2.4.2. Trabalho escravo e condição Jurídica da população de Quixeramobim (1755-


1810)

No contexto colonial e imperial brasileiro, a população passou a ser descrita


na documentação e sensos demográficos em três categorias de condição jurídica, a
saber: livre, escrava e forra. Na documentação de Quixeramobim de batismos e
casamentos aparecem apenas as condições escravas e forras. Assim sendo, quando nos
referidos registros não aparecerem nenhuma classificação para a condição jurídica dos
sujeitos, compreendemos que o mesmo fazia parte da população livre.
Em Quixeramobim entre os anos do nosso recorte temporal, podemos
perceber através dos dados demográficos presentes nos assentos de batismos e
casamentos, algumas características de sua população por meio da categoria de
condição social livre, escrava e forra. Essas informações, mesmo que não sejam e nem
tenhamos nenhuma pretensão de trata-las com função de sensos demográficos, elas
colaboraram com a nossa percepção sobre as dinâmicas populacionais. Percebemos com
o passar das décadas, apesar de algumas flutuações para mais ou para menos,
considerável aumento populacional de modo geral, ficando visível uma crescente
presença africana e de cativos nascidos nessa espacialidade. Esses dados apontam para
um fluxo mais intenso de importação de escravos e de sua reprodução interna e
consequente crescimento das escravarias.

Tabela 03: Sexo e condição social nos registros de casamentos da Freguesia de


Quixeramobim (1750 -1810).
Década Homem Mulher
Sexo
Condição Livre Escravo Forro Total Livre Escravo Forro Total
1750-1759 44 04 00 48 42 06 00 48
1760-1769 70 11 02 83 75 07 01 83
1770-1779 185 15 04 204 178 24 02 204
1780-1789 146 22 02 170 148 20 02 170
1790-1799 59 07 01 67 59 07 01 67
1800-1810 61 48 09 118 70 40 08 118
Total geral 565 107 18 690 572 104 14 690
% 41 7,7 1,3 50 41,4 7,6 1,0 50
Fonte: Livros 01 e 02 de casamentos da freguesia de Russas (1750-1755), Arquivo da Diocese de
Limoeiro do Norte (ADLN) e livros 01 e 02 de casamentos da freguesia de Quixeramobim (1755-1810),
(AEPSAQ).

Na tabela 02, trazemos os dados sobre sexo biológico e condição jurídica da


população ativa de Quixeramobim, através dos registros de casamentos entre os anos de
58

1750-1810. Esses números nos revelam a população quixeramobinense como sendo


composta por uma maioria de sujeitos livres e isso ficou patente em todas as décadas
desse estudo, compreendo o total de 82,3%, se somado homens e mulheres. A presença
de sujeitos em situação de escravização foi também permanente por todos os anos desta
pesquisa, só que sendo bem inferior a dos livres e um pouco maior que os forros,
formando 15,3% do total e a forra como 2,3%.
Diferentemente das economias de grande lavoura ou mineradora, estudadas
por Slenes, Góis, Barickman e Russel-Wood caracterizadas por haver maior
predominância nas escravarias de homens em relação às mulheres, na realidade
Quixeramobinense, há certo equilíbrio entre a presença masculina e feminina. Esse pode
ser um indício de que nessa espacialidade as atividades desenvolvidas eram de caráter
mais doméstico e voltados para a agricultura, não exigindo assim, grandes esforços
físicos e uma mulher poderia desenvolvê-las sem grandes problemas. E ademais, uma
escrava era bem mais rentável, no sentido de sua potencialidade para aumentar a
escravaria através da reprodução natural.
No tocante a população cativa do nosso recorte espacial, ela era pequena,
mas não insignificante para a realidade quixeramobinense da época, haja vista sua
economia baseada na agropecuária, exigia assim, um menor contingente de
trabalhadores livres e escravizados. Já os que se encontravam na condição de forros, ou
seja, alforriados era bem diminuta sua presença, podendo ser compreendida como sendo
uma ação pouco ou quase nunca consentida por seus senhores. Não podemos olvidar
que na realidade cearense de meados do século XVIII e início do XIX, para a população
livre e pobre, as condições de trabalho não eram diferenciadas da exercidas por cativos.
Assim sendo, pouco ou quase nada diferenciava a vida de um trabalhador pobre livre de
um escravizado, haja vista que estes trabalhavam lado a lado desempenhando as
mesmas atividades.
Um dado bastante curioso na tabela 03 são os números de casamentos de
escravos e forros da última década do nosso recorte temporal – 1800/1810. Estes
números são realmente surpreendentes: os escravos e forros representando quase 45%
dos casamentos, sobretudo quando comparado com os dados da tabela 04 que mostra
que na mesma década eram apenas 13,71% dos batismos!
O vertiginoso aumento da população adulta escravizada, em Quixeramobim
na primeira década do século XIX, pode ser compreendido se associado ao momento de
grande impulso da produção algodoeira na capitania cearense, uma vez que isso
59

implicava numa maior procura por mão-de-obra. Ademais, o indício da chegada de


novos cativos nesse espaço fica patente quando cruzamos os dados dos registros de
casamentos e batismo. A quantidade de cativos adultos casando é bem mais expressivo
do que batizando seus filhos. Assim sendo, a natalidade não acompanhou o ritmo da
nupcialidade. Podemos também, compreender esse fenômeno, por outro prisma que não
deve ser desconsiderado, isto é, a população adulta escravizada poderia ser de regime
flutuante, ou seja, deveria ser escravos de aluguel ou emprestado de outras fazendas
durante o período da colheita do algodão. Findada a temporada, eles voltavam para seus
respectivos lugares e lá batizavam seus filhos e não nessa freguesia.

Tabela 04 - Sexo e condição social nos registros de batismos da Freguesia de


Quixeramobim (1740 -1810).
Década Homem Mulher
Condição Livre Escravo Forro Total Livre Escravo Forro Total
1740-1749 14 03 00 17 17 05 00 22
1750-1759 35 04 00 39 43 06 00 49
1760-1769 160 34 01 195 156 31 00 187
1770-1779 472 93 02 567 452 93 02 547
1780-1789 206 28 00 234 190 35 00 225
1790-1799 566 105 03 674 566 103 02 671
1800-1810 1.289 204 02 1.495 1.196 184 05 1.385
Total geral 2.742 471 8 3.221 2.620 457 9 3.086
% 43,5 7,4 0,12 51,2 41,5 7,2 0,14 48,8
Fonte: Livros 01 e 02 de batismos da freguesia de Russas (1740-1755), Arquivo da Diocese de Limoeiro
do Norte (ADLN) e livros 01 ao 08 de batizados da Freguesia de Quixeramobim (1755 -1810).

Igualmente como ocorreram com os dados demográficos presentes nos


registros de casamentos, nos batismos também encontramos a maior presença de
sujeitos livres por todos os anos estudados. Somando os registros de batizados de
meninos e meninas ao todo foram 928. Na primeira década, 1740, apareceram poucos
casos envolvendo esse grupo, ou seja, 03 meninos e 05 meninas, com percentual de
0,86% (08) desse total. Nas décadas seguintes, até 1780, ocorreu um aumento
progressivo dos batizados de cativos, sendo que em 1750/59, 1% (10); 1760/69, 7%
(65); 1770/79, 20% (186); 1780/89, 6,7% (63). Nessa década de 1780 percebemos uma
queda um tanto brusca desses números não apenas para as crianças cativas, mas de
modo geral. Nas duas últimas décadas seguintes: 1790/99, 22,4% (208) e 1800/10,
41,8% (388), sucessivamente, foram retomados o crescimento dos batizados.
Diferentes dos batismos, os registros de casamentos o decréscimo
populacional ocorreu na década seguinte, isto é, 1790. Associamos a queda desses
60

números de nupcialidades diretamente ao período da “grande seca” de 1790-93. Em


tempos longos de estiagens a miséria aumentava consideravelmente e com isso não
havendo condições favoráveis para casar-se. Ademais, se tratando das condições
econômicas da população cearense colonial, majoritariamente constituída por pobres,
esse quadro se agravava mais ainda.
A primeira década do XIX apresenta o maior contingente de batizados de
crianças livres escravizadas e forras. Esse foi o momento de maior desenvolvimento
econômico na capitania cearense e consequentemente em Quixeramobim com fluxo
exportador do algodão. O sexo das crianças tanto as livres como as escravas e forras há
uma pequena predominância do masculino. Rafael Ricarte91 em seus estudos sobre
Mombaça, pertencente à Quixeramobim, durante o século XVIII percebeu um relativo
aumento da população feminina. Já Elisgardênia Chaves92 estudando as Freguesias de
Aracati e Russas entre os anos (1700-1820), apesar de certo equilíbrio entre os sexos,
constatou como em Quixeramobim, a predominância de homens.
Estudos sobre a população forra em diversas regiões do Brasil revelaram
certo predomínio de aquisição de liberdades em quantidade bem maior para mulheres do
que para os homens.93 No entanto, nos sertões de Quixeramobim, apresenta diferenças
nesse sentido, praticamente foi igual para homens e mulheres adultos e crianças.
Portanto, a alforria não foi privilégio para o sexo masculino em detrimento do feminino,
ou vice versa.
O número reduzido de alforriados em contraposição a população escrava de
Quixeramobim pode derivar das atividades econômicas realizadas nesse espaço. Em
regiões com economia mais dinâmica como a de mineração, assim como, nos espaços
mais urbanizados a compra ou mesmo aquisição de manumissões foram mais
frequentes, haja vista que o escravo adquirir pecúlio,94 por oferecerem mais
possibilidades de comércios e serviços. Quixeramobim no decorrer da segunda metade
do século XVIII, sua economia era predominantemente voltada para a agropecuária. E
assim sendo, essas ascensões eram mais dificultadas.

91
SILVA, Rafael Ricarte da. 2010, Op. cit. p. 117.
92
CHAVES, Elisgardênia de Oliveira. Op. Cit. p. 123.
93
LUNA, Francisco Vidal, COSTA, Iraci Del Nero da. A presença do elemento forro no conjunto de
proprietários de escravos. In: LUNA, Francisco Vidal, COSTA, Iraci Del Nero da e KLEIN, Herbert S.
Escravidão em São Paulo e Minas Gerais. São Paulo: Edusp, 2009. E PAIVA, Eduardo França.
Escravidão e Universo Cultural na Colônia: Minas Gerais, 1716-1789. Op. cit.
94
Pecúlio: porcentagem mínima em dinheiro ou ouro que o escravo ganhava com seu trabalho nas minas
de ouro ou nas vendas nos espaços urbanos durante o período escravista no Brasil.
61

Em linhas gerais, os mundos do trabalho no Ceará colonial assim como, “se


configuraram [nas] áreas agropastoris nos espaços sertanejos. O trabalho livre e escravo
de homens e mulheres estiveram presentes em todos os campos” quer seja, nas áreas
rurais ou urbanas, isto é, “na pecuária, na agricultura, em serviços especializados, nos
serviços domésticos, ou ainda como escravo de aluguel e de ganho”.95 Por fim, quem
são esses sujeitos escravizados e forros? Como e com quem constituíam famílias?
Casava-se com quem? Onde viviam? A quem pertenciam ou pertenceram? Na busca por
respostas sobre esses questionamentos que o nosso segundo capítulo centrará os
esforços em respondê-los!

95
CHAVES, Elisgardênia de Oliveira. População e família mestiça nas Freguesias de Aracati e
Russas, Ceará, 1720/1820. 2016, Op. Cit. p. 136.
62

3. CAPÍTULO 02: CASAMENTOS, UNIÕES CONSENSUAIS E


NATURALIDADE: FORMAÇÃO FAMILIAR ESCRAVIZADA E FORRA EM
QUIXERAMOBIM, 1740 A 1810

A conquista e ocupação da capitania do Ceará favoreceram encontros e


embates multiétnicos entre mulheres e homens das mais diversas partes do globo, com
diferentes condições jurídicas e étnicas. Nos registros de casamentos e batismos, ao
analisarmos as origens – sejam africanas, crioulas, ou indígenas – de escravizados e
forros na Freguesia de Quixeramobim, entre 1740 e 1810, divisamos a constituição de
famílias mestiças. Ou seja, “uma família proveniente da dinâmica social das diferenças,
que não era originalmente nem lusa, nem africana, nem indígena, mas derivada do
intenso somatório de características”.96
Quando nos referimos à família nesse estudo, será no sentido mais amplo de
sua compreensão, ou seja, para além do modelo católico de legitimidade, incluindo
uniões por afetividade. Estamos de acordo com o conceito de família cunhado por José
Flávio Motta:

Considera-se, pois, família, como: o casal, unido perante a igreja ou


não, com sua prole, se houver; as pessoas solteiras com filhos; os
viúvos ou viúvas com filhos. Nos três casos, os filhos devem ser
solteiros, não ter prole e viver junto a pelo menos um de seus pais. Por
fim, levam-se em conta, igualmente, atribuindo-se lhes a classificação
de “pseudo-famílias”, os viúvos sem filhos presentes, e os viúvos ou
solteiros vivendo junto com filho (ou filhos) que possuíam eles
próprios famílias.97

O conceito defendido pelo autor supracitado nos auxilia bastante como


fundamento, uma vez que amplia a compreensão sobre os núcleos familiares. No
entanto, nosso estudo buscou extrapolar esses núcleos primários familiares, haja vista as
famílias aqui analisadas se estendiam muito além dos limites de qualquer unidade
domiciliar ou consanguínea. Assim sendo, o conceito defendido por Tarcísio Botelho na
medida em que é complementar ao anterior, também se aproxima mais da compreensão
de família ao qual nesse estudo buscamos abarcar, isto é:

96
NETTO, Rangel Cerceau. População e mestiçagem: a família entre mulatos, crioulos e mamelucos
em Minas Gerais (séculos XVIII e XIX). Op. Cit, p. 166.
97
MOTTA, José Flavio. Corpos escravos, vontades livres: posse de cativos e família escrava em
Bananal (1801-1829). São Paulo: FAPESP: Annablume, 1999, p. 229.
63

A família escrava passou a ter uma definição mais ampla, pensada em


termos de convívio familiar e comunidade escrava. Assim, ela já não
se referia apenas aquelas legitimamente constituídas. Mas também a
mães e pais solteiros convivendo com seus filhos, viúvos (as) com
seus filhos e outros arranjos. 98

Diante do exposto, optamos por denominar as formações familiares escravas


e forras em Quixeramobim de arranjos familiares, abarcando também as famílias
constituídas pela consensualidade das uniões afetivas, ou mesmo por meio de relações
esporádicas, ou por violações, percebidas na documentação de batismo consultada pela
recorrência das mães solteiras.
Os registros de casamentos e batismos, entre 1740 e 1810, nos permitem
afirmar que os arranjos familiares na Freguesia de Quixeramobim eram derivados de
uniões entre pessoas de diferentes etnias, condições e cor/qualidades. Nas atas
matrimoniais, podemos constatar variadas formas de constituições de casais, ou seja,
africanos com indígenas, brancos com pardos, pardos com indígenas, pretos com
pardos, escravizados com livres, livres com liberto etc. Nossa intenção aqui é focarmos
na formação familiar dos sujeitos escravizados e libertos, mas isso não exclui trazermos
dados que incluem a sociedade em geral, o que nos ajudou na compreensão do cotidiano
social colonial quixeramobinense no período colonial.
Para fins metodológicos, trataremos nossas fontes dos assentos de
casamentos, dividindo em dois principais grupos: endógenos e exógenos, ou mistos. O
primeiro está associado ao costume social que prescreve a união conjugal entre
indivíduos do mesmo grupo social. Já o segundo grupo, também conhecido por união
mista, constituído por membros de diversos estratos sociais, sejam livres com escravos,
escravos com forros, forros com livres, administrados com escravos etc.
O casamento não foi nem de longe tão abrangente para a população
brasileira livre, escrava e forra como foi o batismo. Assim, para ampliar nosso campo de
alcance dessas famílias com foco nas escravizadas e forras, para além das que estão
presentes nos registros de casamentos, recorremos às atas de batismos. Esses registros,
por sua vez, nos ajudaram a compreender outros tipos de uniões não formalizadas pelo
ritual católico do casamento. Muitas delas, inclusive, eram constituídas por meio de
relações violentas como estupros. Estas, por sua vez, também poderiam ser formadas
através das relações de concubinato e/ou das uniões estáveis, ou seja, casais que viviam
98
BOTELHO, Tarcísio Rodrigues. Famílias e escravarias: demografia e família escrava no norte de
Minas Gerais no século XIX. (Dissertação de Mestrado em História). São Paulo: FFLCH/USP, 1994, p.
129.
64

juntos sem contrair o matrimônio, ou mesmo das relações esporádicas, mas que vieram
a gerar uma prole.99
A presença de famílias derivadas dos diversos tipos de relações
supramencionadas só foi possível de ser percebida a partir dos dados sobre as
legitimidades/naturalidades das crianças nas atas de batismos. Essas informações foram
reveladoras para percebermos outros arranjos familiares envolvendo as mães solteiras,
concubinas ou mesmo mães que viviam com seus parceiros de vida, mas sem a
legitimação da igreja. É plausível reiterar que as normativas da igreja católica, desde
Concílio de Trento até boa parte do século XX, proibiam ao casal que não oficializasse
a união de batizar seus filhos como legítimos. Portanto, a prole que fosse gerada através
desses tipos de relações, mesmo sendo aceitas pelo rito católico de batismo, era
considerada como “ilegítima” ou natural. Nos registros, aparecia apenas o nome da mãe,
ocultando assim a presença do pai. Medidas essas, que, por seu turno, serviam para
deixar no anonimato a figura paterna, evitando assim, o escândalo flagrante do
concubinato dos seus fieis dizimistas.
Em nosso arcabouço de fontes de casamentos em Quixeramobim, entre os
anos de 1740-1810, catalogamos 701 registros, destes, 135 eram formados por nubentes
em que ambas as partes ou apenas uma delas eram de escravizados e 24 envolvendo
forros. Esses dados nos permitiram compreender que uma das lógicas da formação
familiar, tanto para a população livre, escravizada e liberta, era pelo viés católico.
Nos estudos recentes sobre as famílias coloniais brasileiras é consenso de
que a grande maioria das uniões conjugais nesse período em estudo, não somente em
nosso recorte espacial, mas a nível nacional, se constituíam por via da violência de toda
sorte e também da consensualidade. É plausível lembrar que essa prática, não se
configurava apenas nos arranjos familiares entre os cativos, mas que abrangia a
população de modo geral em especial a pobre livre.
Analisar essas uniões matrimoniais e consensuais através da referida
documentação eclesiástica de casamentos e batismos nos ajudou no entendimento das

99
CHAVES, Elisgardênia de Oliveira. Op. Cit., 2016, p. 213. Sobre classificações de casais e uniões
conjugais ver: COSTA, Iraci Del Nero da; SLENES, Robert W.; e SCHWARTZ, Stuart B. A família
Escrava em Lorena‖. In: COSTA, Iraci Del Nero da (Orgs.). Revista de Teoria e Pesquisa Econômica,
Estudos Econômicos. São Paulo: Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas – FIPE, 1870. Sobre as
famílias mistas, ver: LIBBY, Douglas Cole. Voltando aos registros paroquiais de Minas colonial:
etnicidade em São José do Rio das Mortes, 1780-1810. Revista Brasileira de História, vol. 29 nº. 58.
São Paulo, 2009. Sobre a legitimidade, ver: TORRES-LONDOÑO, Fernando. A outra família:
concubinato, igreja e escândalo na colônia. São Paulo: Edições Loiola, 1999.
65

formações das famílias não somente escravizadas e forras, mas também as livres
quixeramobinenses no período colonial. Esses registros eclesiásticos, longe de serem
fontes censitárias, que nos tragam números exatos da população que vivia nesse
espaço/tempo, são ricos em informações do cotidiano.
Assim sendo, nesse segundo capítulo analisamos as uniões classificadas
como “legítimas” pelo rito matrimonial e as demais formas de constituições familiares
consideradas “ilegítimas” ou naturais da população da freguesia de Quixeramobim entre
os anos de 1740 a 1810. O nosso foco principal foi as famílias escravizadas e forras,
haja vista o papel desempenhado por elas na sua reprodução não apenas biológicas,
mas, sobretudo, social.
No primeiro momento, abordaremos as normativas dos casamentos católicos
presentes nas Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia. Em seguida,
aprofundaremos, por meio das atas de casamentos, nossas análises nas uniões
formalizadas a partir do rito matrimonial. E por fim, trataremos dos arranjos familiares
através das noções de legitimidade e naturalidade dos filhos da população livre,
escravizada e forra presentes nos registros de batismos.

3.1. O Concílio de Trento, Primeiras Constituições do Arcebispado da Bahia e suas


normativas matrimoniais implantadas na América portuguesa

Para suavizar os impactos da Reforma protestante (1517 – 1648) e sua


rápida difusão em partes da Europa, a Igreja Católica, em reação, convocou o décimo-
nono conselho ecumênico na cidade de Trento na Itália, entre 1545 e 1563, conhecido
como Concílio de Trento.100 Neste longo evento, muitas medidas foram tomadas para
reafirmar os dogmas da fé católica. Além do mais, vários decretos também foram
aprovados visando principalmente o controle disciplinar dos seus fieis. Algumas dessas
medidas foram o registro de nascimento e casamento de seus fiéis.

100
O Concílio de Trento foi o concílio ecuménico mais longo da História da Igreja Católica, e "emitiu o
maior número de decretos dogmáticos e reformas, e produziu os resultados mais benéficos", duradouros e
profundos "sobre a fé e a disciplina da Igreja". Para opor-se ao protestantismo, o concílio emitiu
numerosos decretos disciplinares e especificou claramente as doutrinas católicas quanto à salvação, os
sete sacramentos [como, por exemplo, confirmou a presença de Cristo na Eucaristia), o cânone bíblico
(reafirmou como autêntica a Vulgata] e a Tradição, a doutrina da graça e do pecado original, a
justificação, a liturgia e o valor e importância da Missa [unificou o ritual da missa de rito romano,
abolindo as variações locais, instituindo a chamada "Missa Tridentina"], o celibato clerical, a hierarquia
católica, o culto dos santos, das relíquias e das imagens, as indulgências e a natureza da Igreja. Regulou
ainda as obrigações dos bispos.
66

Ficou decretado que cada Cura passaria a ser responsável pelo registro
de cada Batismo e de cada Matrimônio celebrado em sua Paróquia. A
fórmula do registro foi minuciosamente estabelecida. Era preciso
resguardar um caráter universal e igualitário para os registros de cada
católico101.

Com o Concílio de Trento, os registros católicos de matrimônios e batismos


passaram a ser obrigatórios. Já os registos dos mortos, apesar de existirem desde 1539,
com a Ordenança de Villers-Cotterêts no Reino da França, não eram obrigatórios. Essas
três ordens de registros eclesiásticos se complementavam para um melhor controle dos
fiéis. O batismo introduzia o sujeito em terna idade nos dogmas da religião e nos
arquivos da cristandade. O casamento, registrado nos livros das cúrias e dioceses, para
além do controle do sexo, era também uma forma de “evitar abusos de toda sorte como,
por exemplo, o da bigamia” – prática muito comum na época, quando “um dos esposos
migrava sozinho para regiões distantes e lá se casava novamente, como se pela primeira
vez fosse”.102 Apesar desses registros não eliminarem essas práticas, mostravam a
preocupação e atenção da igreja no controle de seus fiéis.
Essas orientações tridentinas foram implantadas, também, nos domínios
portugueses além-mar, como no caso do Brasil. Para adaptar essas determinações para a
realidade brasileira, em 1707, “Dom Sebastião Monteiro da Vide convocou o Sínodo
Diocesano da Bahia e proclamou as Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia”.
103
Nesse panorama, os projetos colonizador e evangelizador andavam juntos e, com
isso, a ação da Igreja católica estava diretamente atrelada ao Estado, por meio do
padroado régio. E, portanto, ficou designado à Igreja o arrolamento dos registros de
casamentos, batismos e óbitos. Essa junção entre Estado e a Igreja só veio a ser rompida
com o advento da república em 1889.
As Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia foram o primeiro
Código de Leis Eclesiástico do Brasil, pelo qual se pautavam os bispados subordinados
ao mesmo.104 Eram divididas em cinco livros:

101
MARCÍLIO, Maria Luiza. Os registros paroquiais e a História do Brasil. Varia História, nº 31,
janeiro 2004, p. 14.
102
Idem, p. 14.
103
MARCÍLIO, Maria Luiza. Um olhar sobre os registros de casamento da paróquia Nossa Senhora
da Conceição de Franca, São Paulo, século XIX. Dialogus, Ribeirão Preto, v. 11, n. 1-2, p. 37-47,
2015.
104
TORRES-LONDOÑO, Fernando. A outra família: concubinato, Igreja e escândalo na colônia. São
Paulo: Edições Loyola,1999, p.118.
67

O primeiro refere-se aos sete sacramentos; o segundo aos


mandamentos da Igreja; o terceiro ao clero; o quarto às questões de
jurisdição eclesiástica; e o quinto aos crimes e à justiça eclesiástica.
De acordo com as Constituições, os sete sacramentos foram assim
sequenciados: Batismo, Confissão, Eucaristia, Confirmação,
Matrimônio ou Ordenação para os Padres e Extrema-Unção.105

Com o esforço da igreja de uniformizar os rituais de casamentos, o seu


quinto sacramento seguiu as seguintes normativas do Concílio de Trento: para além da
união conjugal entre duas pessoas, passou a ser o único reconhecido juridicamente, bem
como possuía duplo valor, ou seja, religioso e civil. Ele era também sacramental,
monogâmico, heterossexual e indissolúvel.106 Assim sendo, somente por meio
casamento legal, nas sociedades católicas, era constituída a família legítima. Essas
medidas serviram também, para delimitar “o espaço da sexualidade lícita visando à
procriação, além de conferir distinção e prestígio sociais”.107
A idade mínima aceita para o casamento variava de acordo com o sexo
biológico dos nubentes, ou seja, quatorze anos para o noivo e doze para a noiva. No
ritual que antecedia a cerimonia, caso não houvesse impedimentos, o pároco fazia os
proclamas por três domingos. No caso, se uma das partes dos “noivos pertencesse [...]
ou tivessem morado em outra freguesia por mais de seis meses na idade adulta, também
lá precisariam ser feitas as [sic] proclamas, sendo apresentadas para o processo as
certidões comprobatórias”.108
A cerimônia de casamento só poderia ser realizada mediante a dispensa do
pároco, isto é, quando não havia nenhum impedimento. Os impedimentos matrimoniais
eram determinados pela a idade mínima dos noivos, o parentesco legal, bem como
mediante ao voto simples de “virgindade, de castidade, de não se casar, de receber
ordens sagradas e de abraçar o estado religioso”. A diferença de religião, ou seja, “um
dos noivos sendo católico e o outro filiado à seita ‘herética’”, era fator que

105
CHAVES, Elisgardênia de Oliveira. 2016, Op. Cit. P. 215.
106
GHIRARDI, M. M. Matrimonios y familias en Córdoba 1700-1850. Prácticas y representaciones.
Córdoba, Argentina. Ferreyra Editor; Centro de Estudios Avanzados; Universidad Nacional de Córdoba,
2004.
107
CUNHA, Maísa Faleiros. Casamentos mistos: entre a escravidão e a liberdade. Franca, São
Paulo/Brasil, século XIX. Revista brasileira de Estudos de População, Belo Horizonte, v.34, n.2,
p.223-242. 2017. P. 226.
108
SOUSA, Talyta Marjorie Lira. Casamento misto entre escravos na cidade de Teresina na segunda
metade do século XIX. Revista Historiar, Vol. 04, N. 07, p. 21-39, 2012, p.27.
68

impossibilitava a união, haja vista poderia favorecer a perversão não somente do


conjugue católico, mas também dos filhos. 109
Na América Portuguesa, a burocracia colonial, inclusive o clero, tinha
pretensão de organizar a sociedade nos valores do antigo regime. Valores esses
formados por meio da hierarquização e desigualdade, ou seja, fundamentados em cima
de privilégios de determinados grupos em detrimento de outros. Numa sociedade
escravista, o matrimônio, definido por esses códigos de leis eclesiásticos, foi
cuidadosamente pensado para assegurar a condição jurídica dos indivíduos, sem
interferir nos privilégios de uma pequena parcela da sociedade. Assim sendo, quando as
Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia “foram redigidas, já estavam
consolidados no Brasil o modelo econômico e a mão-de-obra escravista”.110 A Igreja
admitir a escravidão era uma das grandes contradições cristãs.
No tocante aos casamentos de sujeitos escravizados, em termos legais, não
ocorriam nenhum empecilho, mesmo que estes fossem endogâmicos ou
exogâmicos/mistos, ou seja, entre indivíduos de condição jurídica, cor e qualidade
diferentes. Portanto, mesmo que a tez da pele de uma pessoa viesse a se aproximar da
associada à experiência da escravidão, ou mesmo, que ela fosse legalmente escravizada,
não consistia em impedimento matrimonial com outras de condição ou qualidade
diferente. No entanto, essas uniões em nada alteraria a situação jurídica desses
sujeitos.111 Assim como as alforrias, os casamentos exóginos/mistos não vieram a
colocar em xeque a sociedade escravista, mas pelo contrário, vieram para perpetuar esse
sistema.112
Para compreendermos de que maneira os cativos poderiam casar no Brasil,
as referidas Constituições traziam um regulamento que evocava o direito divino e
humano. Isso garantia que os sujeitos escravizados podiam unir-se com pessoas cativas,
forras ou livres.

109
LOTT, Mirian Moura. Casamento e família nas Minas Gerais: Vila Rica, 1804-1839. Dissertação de
Mestrado História. Universidade Federal de Minas Gerais: Belo Horizonte, 2004, p. 5.
110 CASIMIRO, Ana Palmira Bittencourt Santos. Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia:
Educação, Lei, Ordem e Justiça no Brasil Colonial. In: José Claudinei Lombardi; Dermeval Saviani;
Maria Isabel de Moura Nascimento. (Org.). Navegando pela História da Educação Brasileira.
Campinas – SP: Graf. FE: HISTEDBR, 2006, p. 03.
111
CUNHA, Maísa Faleiros. Casamentos mistos: entre a escravidão e a liberdade Franca-São
Paulo/Brasil, século XIX. Revista brasileira de Estudos de População, Belo Horizonte, v.34, n.2, p.
223-242. 2017. P. 226.
112
Idem, p. 227.
69

Seus senhores lhe não podem impedir o matrimônio, nem o uso dele
em tempo e lugar conveniente, nem por este respeito os podem tratar
pior, nem vender para outros lugares remotos, para onde o outro, por
ser cativo, ou por ter outro justo impedimento o não possa seguir. 113

Esses códigos canônicos asseguravam o direito ao matrimônio dos sujeitos


escravizados nas suas diferentes formas de composição, quer seja endogâmicas e/ou
exogâmicas. No entanto, na prática, esses casamentos mistos eram pouco estimulados
por padres, bispos e donos de escravos e, assim, pouco representativos na sociedade
brasileira colonial e imperial.

E porque o amancebamento dos escravos necessita de prompto


remédio, por ser usual e comum em todos deixarem de andar em
estado de condenação […] judicialmente se fará, a saber, a seus
Senhores do mal estado, em que estão; advertindo-os que se não
puzerem cobro nos ditos seus escravos, fazendo-os apartar do illícito
trato, e ruim estado, ou por meio de casamento (que é o mais
conforme a Lei de Deos […] ou por outro que seja conveniente se há
de proceder contra os ditos escravos a prisão, e o degredo […].
Conforme o Direito Divino e humano os escravos, e escravas podem
casar com outras pessoas captivas, ou livres, e seus senhores lhe não
podem impedir o Matrimônio […] nem vender para outros lugares
remotos, para onde o outro por ser captivo, ou por ter outro justo
impedimento não o possa seguir, e fazendo o contrário pecão
mortalmente.114

A Igreja advertiu que os casamentos não podiam ser impedidos pela vontade
do senhor, assim como “os cônjuges não deveriam ser vendidos isoladamente,
separando-os de acordo com a conveniência do senhor. Apesar disso, as normas da
Igreja eram constantemente desrespeitadas pelos senhores”.115 Essas normativas
também serviam para reforçar a responsabilidade dos senhores em formalizar as uniões
dos seus cativos. E assim, podemos conjecturar, que essa poderia ser uma das causas
para a formalização de casamentos entre cativos através do ritual católico.
Já para a população colonial e imperial brasileira, livre com cabedal, a
legitimação da união, pelo rito católico, mostrou-se como: a “estratégia para garantir
status social, a reprodução do modelo de família preconizado pela Igreja e pelo Estado e

113
Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia [...]. São Paulo: Typographia, 1853 p. 303.
114
Ver: VIDE, Sebastião Monteiro. Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia. São Paulo:
Typographia, 1853, Livro Quinto, Título XXII, parágrafo 989; Livro Primeiro, Título LXXI, parágrafo
303.
115
CUNHA, Maísa Faleiros. Casamentos mistos: entre a escravidão e a liberdade Franca-São
Paulo/Brasil, século XIX. Revista brasileira de Estudos de População, Belo Horizonte, v.34, n.2, 2017,
p. 227.
70

o respeito da elite local, o reconhecimento da prole e a transmissão de bens”.116 Para as


famílias escravizadas, o casamento tivera outros sentidos bem diversos e, portanto,
bastante complexos. Nesse processo, estavam em jogo os interesses dos proprietários de
escravos, bem como dos sujeitos escravizados, que mesmo com as limitações impostas
pelo sistema, conseguiam auferir alguns ganhos pessoais. E assim, para compreender
essas questões é importante problematizar: Por que casar-se? Qual significado o
matrimônio teria para os cativos? Mesmo que seus valores e costumes culturais fossem
divergentes dos católicos, por que esses sujeitos se submetiam ao matrimônio?
De acordo com Robert Slenes, o casamento da população escravizada
possuía significado diferente para os donos de escravarias e para os próprios cativos.
Para os primeiros, as uniões dos seus escravos era uma forma de manter o controle,
tendo em vista que reforçavam os laços de parentesco. Em contrapartida, produziam
arranjos de resistências. Com isso, a ameaça de uma possível separação de um familiar
por meio de venda para outro plantel, produziria um efeito bem mais coercitivo do que
até mesmo os castigos físicos. Já para esses últimos, “há indícios de que dentro do
precário acordo que os escravos extraíam de seus senhores, casar-se significava ganhar
maior controle sobre o espaço da ‘moradia’” e assim, certa autonomia. Esse espaço,
mesmo sendo restrito e diminuto, era “dividido com um parceiro de vida, não apenas de
roça”.117
Dentre outras motivações para as práticas de matrimônios por sujeitos
escravizados, Roberto Guedes aponta outras significações socioculturais que não
chegam a divergir, mas sim complementar as reflexões de Slenes. Para o referido autor,
os proprietários, quando estimulavam esse tipo de união na sua escravaria, era para
ostentar seu prestígio e poder senhorial, “sendo decente e de bom tom ter cativos
casados”. Já para os cativos, “fazerem parte do grupo dos casados, transformava-os em
uma espécie de elite, principalmente os do sexo masculino”.118
Ainda de acordo com Guedes, dentro desse contexto de sociedade
escravista, era um importante demarcador social ostentar maior quantidade de escravos
com uniões oficializadas pela Igreja, uma vez que essa prática favorecia a aquisição de
títulos aos seus senhores. Possivelmente essa era uma das lógicas dos proprietários de

116
Idem, p. 223.
117
SLENES, Robert. Na senzala, uma flor: esperança e recordação na formação da família escrava,
Brasil sudeste, século XIX. Rio de Janeiro. Nova Fronteira, 1999, p. 158 e 167.
118
GUEDES, Roberto. Egressos do Cativeiro: trabalho, família, aliança e mobilidade social. (Porto
Feliz, São Paulo.). Rio de Janeiro: Mauad X, FAPERJ, 2008, p. 158.
71

escravos em Quixeramobim no período colonial. Entre os casamentos analisados


envolvendo sujeitos escravizados, alguns donos possuíam os respectivos títulos: 17
capitães, 05 alferes, 05 tenentes, 06 sargentos-mores, 01 comandante e 05 Donas.
Desse modo, casar-se, tanto para a sociedade livre, escravizada e liberta, não
era apenas o ato de unir duas pessoas para a constituição de uma família aos moldes
legítimos do catolicismo, controle sexual e religioso, mas também uma forma de
reivindicação de um lugar social e/ou arranjos de resistências para os envolvidos nesse
processo.

3.2. Casamentos endogâmicos e exogâmicos e arranjos familiares de escravizados e


forros em Quixeramobim (1740 – 1810)

O casamento entre escravizados, ao contrário do que se pensou por muito


tempo na historiografia anterior à década de 1980, poderia ser realizado através de
escolhas voluntárias desses sujeitos. “Ainda que um cativo não pudesse casar-se na
igreja sem a permissão do senhor, pois sem ela o padre não publicaria os proclamas, os
escravos tinham meios de tornar conhecidos seus desejos”. Utilizavam-se de várias
estratégias de resistências que poderiam ser por meio da bajulação, ou “simplesmente
recusavam-se a cooperar, muitas vezes defrontando-se com punição severa. Os senhores
[em certas ocasiões] achavam mais fácil ou mais prático anuir aos desejos dos escravos
do que ignorá-los”.119 E, portanto, fazia a vontade do cativo prevalecer.
No arcabouço das fontes de Quixeramobim entre os anos de 1740 e 1810,
não foi identificado nenhum livro de casamento e batismo exclusivo para os registros
dos cativos, como foi prática na maior parte das Freguesias brasileiras. Encontramos o
primeiro registro de matrimônio envolvendo escravizados em 1756. Reiteramos aqui
que isso não significa dizer que anterior a esta referida data não existisse escravizados
em outros formatos de uniões ou até mesmo nas formalizadas pela Igreja. Contudo, em
nossa documentação só veio constar a partir desse momento. Como já abordado na
introdução, para além da ação do tempo, alguns desses registros ou mesmo livros
inteiros de batismo, casamentos e óbitos foram totalmente perdidos pelos padres em
desobriga e, portanto, uma das possíveis causas para explicar a ausência de casamentos
envolvendo cativos e forros nesse espaço. O supracitado registo está localizado no verso

119
SCHWARTZ, Stuart B. Segredos internos: engenhos e escravos na sociedade colonial. São Paulo:
Companhia da Letras, 1988, p 318.
72

da folha 02 do livro 01 de casamentos e está bastante danificada pela ação do mofo e,


portanto, não foi possível saber o dia e mês desse evento.

Aos (ilegível) 1756 nesta Matriz de Santo Antonio de Quixeramobim


(ilegível) Casei e dei as bênçãos a José, escravos de André Vidal de
Negreiros e Inocência, escrava de Luiz da Costa Leitão (ilegível).
Forão testemunhos Manuel Dias de Carvalho e Francisco Rodrigues
Mendes (ilegível). Joam Paes Maciel de Carvalho.120

Esse é um exemplo de uma união endogâmica, pois, os cônjuges eram da


mesma condição jurídica, ou seja, cativos, mesmo sendo de proprietários diferentes. No
registro, não estava legível ou mesmo não constava as informações da descendência ou
origem deles. Quando cruzamos esses dados com o de batismos encontramos o casal
batizando pela primeira vez um filho, José, no dia 30 de maio de 1766.

José, filho legítimo de José, escravo do Alferes André Vidal e sua


mulher Inocência Rodrigues, sendo neto paterno (ilegível) Antônia de
Angola, escrava que foi (ilegível) Barbosa e neto pela parte materna
Ventura, escravo de Manoel da Costa Rego e Francisca, índia do
Caninde. Nasceu as vinte e quatro de Abril e foi baptizado
solenemente aos trinta de maio de 1766, (ilegível) pelo o Reverendo
Padre Frei Miguel da Victoria (ilegível)) por licença minha: forão
padrinhos José e Maria, solteiros, filhos de José Rodrigues da Penha
moradores desta Freguesia, e para constar fiz este assento que assigno.
Francisco de Sales Gorjão Cura de Quixeramobim.121

No ano de 1766, uma década após seu casamento, o casal José e Inocência
batizaram pela primeira vez um filho. Como o índice de mortalidade infantil era grande
no período, eles poderiam ter concebido outros rebentos que não chegariam a sobreviver
ao batismo, ou mesmo viveram sem passar por esse rito. Nessa altura, a condição
jurídica de Inocência havia mudado para forra, bem como aparece com o sobrenome
Rodrigues, característica de pessoa livre. Prosseguindo com as informações do registro
de batismo, encontramos os nomes dos avós paternos, no caso, apenas a mãe, Antônia
de Angola, escrava, haja vista os dados sobre o pai estão ilegíveis. Os avós maternos,
Ventura, escravo de Manoel da Costa, e Francisca, índia. Os padrinhos, José e Maria,
ambos solteiros e irmãos, filhos de José Rodrigues da Penha, um sujeito livre.
Essas informações são bastante ricas e nos permite conjecturar diversas
possibilidades para compreender esse universo complexo da sociedade escravista de
Quixeramobim, nos primeiros anos da segunda metade do século XVIII. Analisando o
120
Assentos de casamentos da Freguesia de Quixeramobim, livro 01 (1755-1800), fl. 02 v.
121
Arquivo da Diocese de Santo Antônio de Quixeramobim - Livro batismo, número 02 (1755-1777), Fls.
63 v.
73

caso de Inocência, filha de pai escravizado e mãe indígena, a ata de batismo não faz
menção que sua mãe fosse cativa, logo, seu ventre deveria ser livre por lei. No entanto,
Inocência encontrava-se no registro de casamento como escravizada e no de batismo de
seu filho como alforriada. Portanto, em situação de cativeiro no primeiro registro e
liberta no segundo. O pai de Inocência era um sujeito escravo de Manoel da Costa, mas
ela foi registrada como sendo escrava de Luiz da Costa Leitão. Nesse caso, podemos
sugerir que ela poderia ter sido vendida para esse último senhor, ou mesmo, eles dois
serem parentes, irmãos, ou pai e filho, pois têm o mesmo sobrenome. Bem como Luiz
da Costa Leitão poderia ser o proprietário, mesmo que ilegalmente, da mãe indígena de
Inocência e, assim, o dono de sua prole. Em todo caso, são possibilidades que não
podem ser descartadas.
Não podemos olvidar que a condição jurídica dos indígenas era muito tênue
em todo espaço colonial das Américas: “os colonos produziram um artifício no qual se
apropriaram do direito de exercer pleno controle sobre a pessoa e propriedade dos
mesmos sem que isso fosse caracterizado juridicamente como escravidão”.122 Essa
contestação fica patente em Quixeramobim, quando trazemos o caso de Inocência, filha
de mãe livre e indígena, porém registrada como escravizada.
Outro ponto interessante a ser levado em consideração são as relações de
parentescos entre africanos e indígenas por meio das uniões conjugais e de
miscigenação. Embora sua mãe seja angolana, José poderia ter vindo juntamente com
ela para o Brasil, ou mesmo, nascido aqui, portanto, crioulo. O pai de Inocência era
cativo, não há identificação de sua nação, provavelmente a cor de sua pele era escura e
vivia em união consensual com uma indígena. Como estamos tratando de três gerações
diferentes, uma vez que essa ordem documental nos possibilita esse acompanhamento
através dos nomes, encontramos informações dos avós, pais e filho e, assim sendo, essas
relações no tempo comprovam que desde os primeiros arranjos familiares de africanos
e/ou seus descendentes, que apareceram na Freguesia de Quixeramobim, esse tipo de
união era recorrente.

Tabela 05 - Casamentos de indígenas com escravizados africanos e seus


descendentes, Quixeramobim (1750-1810).
Ano Nomes Proprietário (a)

122
MONTEIRO, John Manuel. Negros da Terra. Índios e bandeirantes nas origens de São Paulo. São
Paulo: Companhia das Letras, 1994, p. 137.
74

Sexo Homem Mulher

13/02/1759 Pascoal, indígena Maria, Angola Luiz Lemos de Almeida

04/11/1766 Quitério, preto, Angola. Fe(ilegível), índia, José dos Santos


Soure

24/07/1769 Verissimo da Costa Gertrudes Maria da Luiz da Costa Moreira


Monteiro, pardo, forro. Conceição, índia. (Ex. proprietário)

01/07/1775 Anastácio Muniz, Índio. Maria da Conceição, Manuel Borges Pereira e


escrava Maria José da Silva

22/09/1778 Cristóvão Carneiro de Souza, Maria, preta, escrava. (Ilegível)


índio.

23/04/1784 Manuel da Costa, esc. Paula Maria, índia. Capitão Mor Manuel
Ferreira

03/11/1876 Antônio, esc. Angola Florência Silva, índia Maria de Tal

04/05/1800 Domingos, preto, esc. Francisca Oliveira, Vaz Salgado


Índia

15/2/1802 Máximo Gomes, mulato, esc. Francisca Maria, índia Capitão Pedro Teixera

27/10/1802 Inácio Pereira, preto, esc. Desideria Maria, índia (Ilegível)

12/01/1804 Venceslau da Rocha, índio. Ana, Mulata, escrava. Ten. Bento Rego
Bizerra

06/06/1805 Fidelis Cruz índio. Maria Antônia, negra, Pedro Roiz da Costa
esc.

10/01/1807 Venâncio, crioulo, esc. Juliana, índia Custodio Ramos


Mendes

26/11/1807 Domingos Francisco, preto, Maria Mariana, índia. Herdeiros Pe Ant. Fco
esc. I…(ilegível)

25/02/1808 Luiz Correa, índio. Maria, preta, esc Cap. José Pereira
Angola. Cavalcanti
FONTE: Assentos de casamentos da freguesia de Russas (1750-1755), livros 01 e 02. (ADLN). Assentos
de casamentos da freguesia de Quixeramobim - (AEPSAQ) - (1755-1810), livros 01 e 02.

Os casamentos exogâmicos envolvendo sujeitos forros, escravizados


africanos e/ou crioulos, pardos com indígenas, apesar de poucos não foram irrisórios.
75

São ao todo 15 casamentos, dentre estes: 06 homens indígenas contraindo matrimônio


com seis mulheres escravizadas, classificadas como angolanas pretas, negras e crioulas.
As mulheres indígenas foram maioria a optar por companheiros escravizados e forros.
Ao todo, foram 09 casamentos. Esses sujeitos estão classificados como angolas, negros,
pretos e um pardo forro. Esse último caso pode camuflar por trás dessa categoria, o
pardo, a sua identidade indígena e sua experiência ilegal de escravidão como Inocência
do caso acima.
Como percebido por Elisgardênia Chaves nos documentos das Freguesias de
Aracati e Russas, em Quixeramobim, também não encontramos em nenhum dos nossos
registros o termo/conceito nação e gentio para designar a população nativa. O termo
utilizado para fazer referência a essa população era a categoria índio. De acordo com
Eduardo França Paiva, a categoria índio foi uma das palavras que veio abrir o novo
léxico americano.

Embora já existente, seu emprego nas Américas foi intenso e precoce,


transformando-a em categoria de largo emprego a partir dos últimos
anos do século XV, passando, daí para frente, a ser usada mais para os
nativos do Novo Mundo do que para outras partes como a Índia e as
Filipinas.123

Assim sendo, a categoria índio servia para homogeneizar as tribos


estabelecidas nessas freguesias. De modo que, “os diferentes grupos como Paiacu, Icó,
Cariri, Genipapo, Cariú, Caratiú, Areriú, por exemplo, passam a constituir apenas um só
povo que, por vezes, se distinguia dos europeus e africanos”.124 E com o passar dos
anos, esses grupos passaram a ser descritos como pardos, cabras, curibocas etc., ou seja,
outras maneiras de ocultar a população nativa.
Apesar de serem comuns as uniões exogâmicas de indígenas com africanos
e/ou seus descendentes, por todo o Brasil colonial, em Quixeramobim, não foram muito
frequentes nos registros de casamentos. No entanto, elas estiveram presentes por quase
todas as décadas em nossa documentação, exceto a de 1790, como já percebido na
tabela 01 do capítulo 01. Outro dado que chama a atenção na Tabela 04 é o fato de que,
nenhum dos proprietários casou mais de um de seus escravos com indígenas.

123
PAIVA, Eduardo França. Dar nome ao novo: uma história lexical das Américas portuguesa e
espanhola, entre os séculos XVI e XVIII (as dinâmicas de mestiçagem e o mundo do trabalho). Op. cit. p.
177.
124
CHAVES, Elisgadênia Oliveira. Op. cit. p. 75.
76

O casamento era um laço que unia eminentemente categorias jurídicas


semelhantes. Isso ficou patente quando analisamos os matrimônios envolvendo
escravizados e forros, pois estes tiveram certa predominância pelo caráter endogâmico.
Essa constatação está em conformidade com os demais estudos voltados para a
formação familiar escravizada a partir dos registos de casamentos no período colonial
brasileiro, haja vista estes evidenciarem que a maioria dessas uniões eram formadas por
iguais.125 Os motivos para essas opções são bem diversos, envolvendo questões
socioculturais de diferentes ordens.

Tabela 06 - Condição social e matrimônios endogâmicos e exogâmicos de


Quixeramobim (1740 – 1810).
Casamentos Homem Mulher
Escravizado com Escravizada 89 89
Forro com Forra 13 13
Escravizados (a) com Livre 19 18
Forro (a) com Livre 01 01
Forro (a) com Escravizados (a) 04 05
Casamentos envolvendo escravizados (as) = 135
Casamentos envolvendo Forros (as) = 24
FONTE: Assentos de casamentos da freguesia de freguesia de Russas (1740-1755), livros 01 e
02 (ADLN). Assentos de casamentos da Freguesia de Quixeramobim (1755-1810), livros 01 e
02.

Os dados tabulados acima apontam para a predominância de casamentos


endogâmicos em relação à condição dos sujeitos tanto escravizados como os alforriados.
Temos 89 homens cativos casando-se com mulheres da mesma condição jurídica. Para a
categoria forro/a aparecem na documentação 13 matrimônios endogâmicos. Assim,
escravizados e alforriados tinham como preferência unir-se com seus iguais. Essa
constatação também ficou bastante patente nas freguesias de Russas e Aracati, entre os
anos de 1720-1820, estudadas por Elisgardênia Chaves.126

Em relação às uniões de caráter exogâmicas, temos aqui 19 homens em


condição de escravizados unindo-se através do ritual matrimonial com 19 mulheres
livres. Já as mulheres cativas, que optaram por casar-se com homens livres, são 18 no
total. No tocante a questão do sexo biológico, o número de homens e mulheres
125
MALAQUIAS, Carlos de Oliveira. Trabalho, família e escravidão: pequenos produtores de São José
do Rio das Mortes, de fins do século XVIII a meados do XIX. (Dissertação de mestrado em História),
Programa de Pós-Graduação em História Social da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo
Horizonte, 2010. CHAVES, Elisgadênia Oliveira. Op. cit. GUEDES, Roberto. Egressos do
Cativeiro: trabalho, família, aliança e mobilidade social. (Porto Feliz, São Paulo.). Rio de Janeiro: Mauad
X, FAPERJ, 2008.
126
CHAVES, Elisgardênia Oliveira, 2015. Op. Cit.
77

escravizados, que elegeram ou foram induzidos a unir-se afetivamente com consortes


livres, ficou praticamente em pé de igualdade. Um elemento interessante de se pensar
nesse tipo de uniões mistas é que elas também “contribuíram para agregar força de
trabalho: a maioria dos cônjuges livres que se casavam com escravos morava com o
senhor, geralmente na condição de agregado”.127 Mesmo quando a mulher era livre, mas
casava-se com um homem cativo, a tendência lógica é que ela iria morar dentro da
fazenda como agregada do senhor do seu marido. O casamento não seria um requisito
de alforria para o mesmo, no entanto, a esposa seria inserida não somente nesse espaço
de convívio, como também no do trabalho. Essa lógica também se aplicava para a
escolha do homem cativo optar por casar-se com mulher forra. Para o escravizado, o
casamento com uma alforriada ou livre “assegurava a liberdade legal de todos os filhos
que nascessem, pois a condição social da criança dependia da mãe”. Já para “uma
escrava que desposasse um forro, a possibilidade de que conseguisse acumular dinheiro o
bastante para libertá-la e a seus filhos pode ter sido um fator em consideração”.128

Para a realidade masculina livre que se unia em matrimonio com mulher


escravizada, situação mais comum na sociedade brasileira colonial e imperial, a sua
prole seria cativa, haja vista que o que predominava era o ventre, no caso escravizado.
Como não havia a mínima condição da criança ser livre, os filhos iriam crescer dentro
do plantel do seu senhor e assim aumentar a sua escravaria. Por um lado, esse homem
livre, dentro dos limites desse sistema, possui certa autonomia, mas não se estendia para
ele decidir a sorte e o destino dos seus filhos, a não ser que ele juntasse pecúlio para
comprar a alforria da esposa e dos rebentos.

Para além das questões expostas acima, o que levaria uma pessoa livre a se
unir pelos laços do matrimonio com um (a) escravizado (a)? Os estudos sobre a
escravidão no Brasil, a partir de fontes, perspectivas e recortes diversos, buscaram
algumas explicações para esse fenômeno. Uma das perspectivas que nos ajudou a
pensar, ou mesmo a que mais se aproxima da realidade quixeramobinense no período
colonial, é a de Luna e Klein:

As pessoas livres que desposam escravos eram, quase sempre, os


elementos mais pobres da população livre, e entre eles predominavam
pardos, pretos, e índios; os brancos eram raríssimos. Para uma mulher
livre, o casamento com um escravo podia significar que ela teria apoio

127
CUNHA, Maísa Faleiros. 2017. Op. Cit. p. 228.
128
MACHADO, Cacilda. 2008, Op. cit. p. 166.
78

econômico do dono do cativo, e em todos os casos o senhor tinha que


aprovar a união; ou então o cativo era o único parceiro disponível para
casamento se a mulher livre tivesse vivido em uma união livre ou
tivesse mantido relações sexuais com ele. [...] Para os homens a
questão principal era a pobreza. Muitos deles já viviam e trabalhavam
como agregados no mesmo domicílio de sua esposa, ou então eram tão
pobres que desposar uma escrava permitia-lhe ter o sustento da esposa
pago também pelo proprietário da mulher.129

Esses sujeitos, que se viram inseridos em uma sociedade escravista,


buscavam diversos subterfúgios de resistências para amenizar os efeitos que a sua
condição jurídica e econômica os impunha. Por indução dos seus senhores, ou escolha
pessoal dos nubentes, a eleição das testemunhas do casamento, ainda que não tenha
igual estatuto do compadrio, poderia servir de estratégia para auferir algum
beneficiamento pessoal, claro que dentro dos limites das condições impostas pelo
sistema.
As escolhas por determinados sujeitos como testemunhas dos casamentos
serviriam para construir uma política de boa vizinhança entre os fazendeiros que viviam
próximos. A vinda de uma fazenda para a outra, no dia destas celebrações, sugeria
aproximação entre as vizinhanças. É plausível lembrar que a realidade de
Quixeramobim, em meados do século XVIII e início do XIX, ainda se configurava
como espaço de disputas por terras e poder entre famílias, e destas contra os indígenas
mais resistentes, sobreviventes das guerras de extermínios, como já tratada no capitulo
01. Esses sertões ainda eram zonas de grandes perigos não somente naturais e de
disputas por terras e poder. Na maioria das vezes, o elemento mediador dos conflitos era
a violência de toda sorte. Assim sendo, ter um vizinho como aliado na defesa dessas
terras era importante. Os cativos, a seu turno, poderiam muito bem aproveitar essa
aproximação que o ritual do casamento propiciava para reverter em alguns ganhos ou
favorecimentos no momento de maior necessidade, como no caso de vir a intervir na
aplicação de castigos, ou mesmo da venda de um membro da família para outra fazenda
ou Freguesia.
Nos registros de casamentos analisados, não encontramos nenhum em que
constassem as testemunhas ou pelo menos uma parte delas que fossem escravizadas ou
mesmo egressas da escravidão, o que pareceu um padrão no período. Não podemos
desconsiderar a possível relação “entre o maior controle metropolitano e a ausência de
testemunhas escravas para os casamentos, pois certamente os laços de compadrio

129
LUNA, Francisco Vidal e KLEIN, Herbert S. Escravismo no Brasil. Op. cit. p. 243.
79

fortaleciam relações de sociabilidade, o que não era do agrado da administração


colonial”.130 Esses dados não podem ser considerados em absolutos, haja vista que nem
todos os registros há a descrição da condição jurídica das testemunhas. No entanto,
aponta o indício de que para o cativo era interessante ter relação mais próxima com
sujeitos livres e que em uma situação de conflito ter uma voz ou um possível apoio a
seu favor era fundamental.
Outro fator predominante em todas as décadas estudadas, nos registros de
casamentos, foi que na composição das testemunhas eram sempre formadas apenas por
homens. Exceto um caso particular, em que há a presença de uma mulher.

Aos doze de novembro de novembro de 1809, nesta Matriz de


Quixeramobim às dez horas do dia feitas as denunciações, na forma
do sagrado Concílio Tridentino, sendo confessados, cazei solenemente
em face da Igreja a Thomas, preto, Angola, viúvo que foi de Leandra
Maria, escravo, do Ajudante João Luiz Pereira com Mariana da
Conceição, preta, Angola, forra, escrava que foi de Bernardo Muniz,
moradores nesta Freguesia, sendo presentes por testemunhas Felix
José de Souza e Antonia Maria; logo lhes dei as benções nupciais
conforme os ritos e cerimonias da Santa Madre Igreja de que fiz este
termo para constar em que assinei. Vigário: João Roiz Leite. 131

A presença feminina como testemunha foi bem irrisória, sendo em apenas


um caso em particular em toda a documentação estudada. Coincidentemente ou não, é
um casamento envolvendo cativos. Antonia Maria, testemunha, poderia ser também
escravizada, uma vez quer seu nome não constava o sobrenome, e assim, era indício de
a mesma vivia em cativeiro. Deveria ser uma regra imposta pela a Igreja durante o
período colonial, permitir ou mesmo restringir aos homens a função de testemunhas nas
cerimonias de casamentos. Lott em seus estudos sobre matrimônios de escravizados em
Vila Rica nos séculos XVIII e XIX somente veio perceber a presença de mulheres como
testemunhas a partir de 1828.132 Em nossa pesquisa encontramos esse caso particular em
1809 e mais nenhum anterior nem mesmo referente aos casamentos entre livres.
Portanto, confirmando a regra geral para todos os matrimônios.
As nossas fontes de casamentos forneceram outros dados importantes: o
horário da realização das cerimônias e o local. Embora na maioria dos registros de
casamentos aqui analisados não constarem a hora da cerimônia, nos que constam

130
LOTT, Mirian Moura. Casamento e relações de afetividade entre escravos: Vila Rica: séculos XVIII e
XIX. Anais da V Jornada Setecentista, Curitiba, 26 a 28 de novembro de 2003, p. 504.
131
Assentos de casamentos da Freguesia de Quixeramobim, Livro 02 (1800-1818), Fls. 112.
132
LOTT, Mirian Moura. Casamento e relações de afetividade entre escravos: Vila Rica: séculos XVIII e
XIX. Anais da V Jornada Setecentista, Curitiba, 26 a 28 de novembro de 2003.
80

percebemos a predominância pelo horário da manhã, entre oito e onze horas.


Historiadores, que pesquisam esses mesmos documentos e abordam a família
escravizada, consideram as primeiras horas da manhã um horário “menos nobre” e,
portanto, reservado para a realização dos casamentos dos cativos.133 Quixeramobim não
parece seguir essa norma, haja vista que há matrimônios realizados no turno matutino,
tanto para casais livres como escravizados e forros. E, portanto, não estabelece nenhuma
hierarquia nesse sentido, assim como a opção pela a escolha do local da realização dos
mesmos, sendo que em sua maioria foram realizados na Igreja Matriz da Freguesia,
independentemente da condição jurídica desses nubentes.
Para a população escravizada, forra e indígena da Freguesia de
Quixeramobim, os sacramentos cristãos podem ser lidos pelo o prisma da construção de
família e dos laços de parentesco. Mas também, por suas estratégias de resistências, pois
esse ritual pouco ou nada representava em termos de valores culturais para a maioria
destes sujeitos, de origem e costumes que não dialogavam em nada com o catolicismo
europeu. Ademais, o casamento por meio da Igreja “podia significar para muitos [desses
africanos e indígenas] a formalização e consolidação de uniões pretéritas”. Uniões estas
que “devem ser vistas antes de tudo como mecanismo de integração e de transformação
daqueles que um dia foram majoritariamente estrangeiros, estranhos ou até inimigos, em
amantes e parentes”.134
Se as uniões consideradas legítimas pela Igreja, nunca foram único modelo
e unanimidade, em paralelo se formavam outros arranjos familiares, constituídos através
de uniões consensuais, concubinatos, relações sexuais consentidas, ou por meio de
estupros que veio gerar filhos, constituindo assim uma sociedade com um grande índice
de mães solteiras e, por conseguinte, famílias matrifocais. Isto é, o grupo familiar
centrado na mãe estando o pai frequentemente ausente, sendo esta responsável pelo
sustento dos seus filhos. São esses modelos plurais de famílias que iremos analisar por
meio dos assentos de batismos nos tópicos seguintes.

133
Sobre essa temática ver em: FARIA, Sheila de Castro. A colônia em movimento. Fortuna e família no
cotidiano colonial. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998; FLORENTINO, Manolo Garcia & Góes, José
Roberto. A paz das senzalas. Famílias escravas e tráfico atlântico, Rio de Janeiro, c. 1790-c.1850. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 1997; MOTTA, José Flávio. Corpos escravos, vontades livres. Posse de
escravos e família escrava em Bananal (1801-1829). São Paulo: FAPESP/Annablume, 1999.
134
LOPES, Janaina Christina Perrayon. Casamentos de escravos e forros nas freguesias da Candelária,
São Francisco Xavier e Jacarepaguá: uma contribuição aos padrões de sociabilidade marital no Rio de
Janeiro (c.1800-c. 1850). Anais do I Colóquio do Laboratório de História Econômica e Social, LAHES,
UFJF. Juiz de Fora, 2005, p. 02.
81

3.3. Mães solteiras, concubinas e seus filhos naturais: formação familiar


escravizada e forra em Quixeramobim (1740 – 1810)

Como já debatido anteriormente, a Igreja no período colonial e imperial


somente considerava união conjugal a legitimada por seu rito matrimonial. No entanto,
muitos outros arranjos familiares foram se constituindo em paralelo. É plausível
lembrar, que não era um ato simples a realização de um casamento aos moldes
católicos. Havia vários empecilhos, como já tratado nos tópicos anteriores, como por
exemplo, “impedimentos econômicos, religiosos ou fruto de uma escolha pessoal”:
“Uma das formas [mais comuns] de se constituir família se deu pela consensualidade ou
concubinato”.135 Para a realidade cearense, tendo sua formação social composta,
sobretudo, por indígenas, africanos e seus descendentes, para alguns destes que,
inclusive, não comungavam com a cultura cristã, faria pouco sentido, em termos de
valores culturais, o cumprimento deste ritual para suas vidas. E assim sendo, preferiam
viver suas relações longe destas formalidades.

Nos registros de batismos, quando os filhos são classificados como


legítimos, aparece o nome do pai e da mãe, já os que se apresentam como natural,
consta apenas o nome da genitora, indicando assim que estes são de pais não casados na
Igreja. Pela documentação em análise, “não é possível qualificar se filhos de
concubinatos simples, adulterino, incestuoso, clerical ou misto”.136 No entanto, nesses
dados sobre legitimidade e naturalidade, vemos um grande percentual de famílias
encabeçadas por mulheres, ou seja, mães solteiras, tanto para as de condição jurídica
livre, como as escravizadas e forras. Torres-Loñdono sugere uma explicação plausível
para esses dados, compreendendo que “embutidos nas atas de batismo, os índices de
ilegitimidade apontam concepções fora do casamento que podiam remeter ao
concubinato, mas também a relações esporádicas, às vezes a um único encontro”.137
Para Rangel Cerceu Neto, as relações compreendidas como de concubinagem “provém

135
CHAVES, Elisgardênia de Oliveira. Op. Cit. p. 236.
136
CHAVES, Elisgardênia de Oliveira. Op. Cit. p. 238.
137
TORRES-LONDOÑO, Fernando. A outra família: concubinato, Igreja e escândalo na colônia. São
Paulo: Edições Loyola, 1999, p. 57.
82

de união livremente consentida entre homens e mulheres, podendo ser eventual,


transitória ou duradoura, e de que foi legitimada pelo costume”.138

Quando tratamos aqui sobre as mães ditas solteiras, primeiramente


explicaremos o que estamos considerando como tais. Nossa compreensão dialoga com a
de Marcia Cristina de Vasconcellos, isto é, abrange “aquelas que não estavam
envolvidas em relações legitimadas pela Igreja Católica, o que não significa que
vivessem em ‘promiscuidade’”. Elas poderiam ter engravidado através de relações com
seus parceiros estáveis, “mas também após atos de violência sexual, comum entre
indivíduos que, em tese, não tinham a ‘posse’ de seus corpos”.139
Uma das mulheres que vivia em família matrifocal na Freguesia de
Quixeramobim, na década de 1760, era Rosa, escrava de João Marinho. Conseguimos
segui-la durante nove anos por meio dos registros de batismos dos seus três filhos. O
primeiro foi Inácio, nascido em 27 de janeiro de 1765, ido a pia batismal no mesmo
ano; o segundo, Manuel, nascido aos 02 de março de 1768, batizado em 21 de junho de
1768; e por último, Leonarda, batizada em 14 de junho de 1773. 140 Os dois últimos
filhos possuem os mesmos padrinhos, Vicente Mendes, solteiro e Senhorinha Rodrigues
Leitão, casada com Estevão da Cunha. Ficando assim, perceptível que havia um
vínculo, quiçá de amizade, mas seguramente de convivência entre Rosa e seu compadre
e sua comadre. Vicente também poderia ser o pai dos afilhados e, nessa sua ação de
apadrinhamento, seria uma maneira encontrada por ele (s) de dar uma determinada
proteção as crianças.

138
CERCEAU NETO, Rangel. Um em casa de outro: concubinato, família e mestiçagem na Comarca do
Rio das Velhas (1720-1789). Op. cit. p. 46.
139
VASCONCELLOS, Marcia Cristina de. Mães solteiras escravas no litoral sul-fuminense, século XIX.
Fazendo Gênero 09. Diásporas, Diversidades, Deslocamentos 23 a 26 de agosto de 2010, p. 03.
140
Assentos de Batismos da Freguesia de Quixeramobim (1756 -1802), livros 01 fls 20 e 30 e Livro 02,
(1755-1777), fls. 53v.
83

Tabela 07 - Legitimidade e sexo dos batizandos freguesia de Quixeramobim, 1740-1810.


Décadas Homem Mulher
Legítimo Natural Exp. Sem Ref. * Total Legítima Natural Exp. Sem Ref.* Total
Condição L E F L E F L E F L E F L E F L E F
1740/1749 11 01 - 01 - - - 02 02 - 17 17 01 - - - - 04 - 22
1750/1759 25 03 - 01 - - 02 07 01 - 39 35 - - - - 08 06 - 49
1760/1769 124 07 - 03 01 - 03 30 26 01 195 122 02 - 07 03 - 03 24 26 - 187
1770/1779 386 21 - 54 43 01 14 18 29 01 567 352 16 - 53 47 - 12 35 30 02 547
1780/1789 182 08 - 18 16 - 02 04 04 - 234 156 01 - 22 21 - 03 09 13 - 225
1790/1799 435 36 01 97 57 02 17 17 12 - 674 447 37 - 94 53 02 12 13 20 - 678
1800/1810 1.030 70 02 182 116 - 36 41 18 - 1.495 933 60 - 168 115 05 37 58 09 - 1.385
Total 2.193 146 03 356 233 03 74 119 92 02 3.221 2.062 117 00 344 239 07 67 147 108 02 3.093
% 34,7 2,3 0,05 5,6 3,7 0,04 1,2 1,9 1,4 0,04 51 32,6 1,8 00 5,4 3,8 0,1 1.0 2,3 1,7 0,04 49
Sem Referência ao Sexo 15
Total de Registros 6.329
Legenda: L = Livre; E = Escravo; F = Forro; Exp.= Exposto; (Sem Ref.*) = Sem referencia a legitimidade, naturalidade.
Fonte: Livros 01 e 02 de batismos da freguesia de Russas (1740-1755), Arquivo da Diocese de Limoeiro do Norte (ADLN) e livros 01 ao 08 de batizados da Freguesia de
Quixeramobim (1755 -1810).
84

Na tabela acima, Quixeramobim entre os anos de 1740 – 1810, o índice de


legitimidade da sua população feminina e masculina correspondente a 71,4%. Os filhos
naturais possuem o percentual de 18,6% e o índice de expostos,141 não chegam a 3%.
Esses últimos apresenta uma pequena maioria para os homens, isto é, 1,3% para 1%
para mulheres.
Os filhos classificados naturais são os concebidos através de relações fora
do matrimonio católico, quer seja concubinagem, mancebia, relacionamentos
consensuais, ou mesmo por meio da violência. Para a categoria dos expostos fica difícil
arriscar de que tipo de relações eles derivaram, tendo em vista a falta de informações
sobre os seus pais. Nesses registros correspondentes aos enjeitados, eles não trazem
dados sobre a condição jurídica, nem ao menos faz referência à legitimidade dos
mesmos. As informações registradas são apenas: o nome do dono da casa onde a criança
foi deixada e que em geral é um dos padrinhos dela. As relações de compadrio serão
melhores refletidas no capítulo seguinte.
De acordo com Nadalin, os expostos ou enjeitados “são geralmente
incluídos na categoria de ilegítimos, na hipótese de que fossem crianças, na sua maioria,
também nascidas fora do matrimônio”.142 E, logo, poderia ser uma estratégia
desenvolvida pela Igreja ou mesmo por essas mães de proteger sua identidade e/ou do
suposto pai, caso esse rebento tenha sido concebido em relações paralelas ao casamento
e, assim, evitar o escândalo.
Os motivos para o abandono de crianças tanto no período colonial como no
imperial brasileiro foram os mais diversos, sendo os mais comuns os que estavam
relacionados diretamente às questões financeiras das mães dos enjeitados ou mesmo o
desejo de ocultar uma gravidez indesejada.143 Nesse sentido, Sheila de Castro Faria
sugere outras possibilidades que justifique essa ação:

A exposição de crianças representava a própria manutenção da


estabilidade familiar ou, melhor dizendo, da moralidade familiar. Para
os mais ricos, esconder filhos naturais ou adulterinos poderia
significar manter a herança dentro da legalidade e da moral católica.
Abandonar os filhos indesejáveis permitia às pessoas solteiras

141
Exposto ou exposta é referente às crianças que foram abandonadas em casas de famílias, onde a
identidade dos pais biológicos ficava no anonimato. Essa medida de expor as crianças na porta de casa de
populares era comum em áreas rurais, como no caso da Freguesia de Quixeramobim, nas zonas mais
urbanizadas havia a roda dos enjeitados.
142
NADALIN, Sergio Odilon. Op. cit. p. 104.
143
BACELLAR, Carlos de Almeida Prado. Viver e sobreviver em uma vila colonial: Sorocaba, séculos
XVIII e XIX. São Paulo: Annablume/Fapesp, 2001, p. 208.
85

voltarem sem empecilhos ao mercado matrimonial. Acho pouco


provável que filhos de casais pobres tenham expostos seus filhos,
mão-de-obra que se tornariam adiante. Já mães solteiras teriam,
quando pobres, talvez mais necessidade de fazê-lo, mas mesmo assim
acho que a origem do enjeitado, independentemente da fortuna dos
pais, está relacionado com uma gravidez indesejada, não prevista. Em
suma, mesmo que a exposição de crianças possa ter-se dado por
motivos econômico-financeiros ou morais, o que se pretendia era
manter a unidade produtiva familiar em funcionamento, fosse pobre
ou rica, dentro do que se pensava serem as condições mínimas
favoráveis.144

Para mães escravizadas, os sentidos da prática do abandono seria outros


tantos; variando desde forçar a adoção por pessoas livres e de cabedal e, assim, não
somente salvar o seu rebento do cativeiro, como também proporcionar-lhe melhores
perspectivas de vida. Nos registos aqui analisados, há apenas 01 caso de criança exposta
na casa de um sujeito escravizado, os demais foram abandonados em casas de pessoas
livres e na sua maioria com alguma patente como: capitão, tenente, alferes, coronel etc.
Para a questão do sexo biológico na exposição das crianças em Quixeramobim,
percebemos uma pequena predominância de meninos em relação às meninas, sendo 74
para eles e 67 para elas.
Outra informação relevante é a questão da cor/qualidade das crianças
expostas. Apesar de serem poucos os casos em que aparece esse dado, nos registros em
que constam, foram apenas dois casos que aparecem à qualidade de mulato (a), os
demais foram classificados como brancos, pardos e indígenas. Todos foram registrados
como livres, inclusive o caso em que a criança foi exposta em uma casa de cativos.
Portanto, o enjeitamento seria, no caso dos filhos de cativos, um mecanismo de
aquisição de alforria para seus infantes.
No que se refere ao índice de legitimidade em Quixeramobim entre os anos
de 1740 – 1810, para as famílias livres, o casamento católico foi bastante marcante na
constituição dessas famílias, haja vista que é maioria. Por outro lado, os filhos naturais
estão presentes em todas as décadas estudadas e são bastante significativos,
principalmente quando associamos esse dado à condição jurídica de suas mães. Num
total de 5.362 crianças livres, as legítimas compreenderam o percentual de 79,3%
(4.255); as naturais, 13% (700); expostas, 26% (141) e 5% (266) sem referência. Para as
famílias cativas, dito melhor: dos 935 batizandos escravos, 28,1% (263) eram legítimos,
50,5% (472) eram naturais e 21,4% (200) sem referência. Das crianças forras que

144
FARIA, Sheila de Castro. Op. cit. p. 71.
86

representava 0,2% (17) do total, 17,6% (3) eram legítimas, 58,8% (10) naturais e o
restante sem referencia. Para além dos registros que não apresentaram nenhuma
referência sobre a legitimidade e naturalidade dos batizandos, podemos perceber por
meio desses dados tabulados acima, que a lógica predominante é que há uma relação
muito mais acentuada entre ilegitimidade e escravidão.
Os registros de batismos que referenciam a legitimidade e cor/qualidade dos
batizandos escravizados e forros são bastante raros. Para os filhos de escravizados
elencamos o seguinte, dos 263 legítimos: 3,4% crioulos (09); 1% mulatos (03); 0,4%
negro (01); e 0,7% pretos (02). Dentre os 472 naturais: 1% crioulos (05); 1% mulatos
(05); 1% negros (05) e 0,8% pretos (04). Por último e não menos importante, os forros,
computando o total de 17, sendo estes 11,7% mulatos (02) e 17,6% pardos (03).
O casamento católico não foi privilégio apenas para as pessoas livres,
brancas e com cabedal. Ele, também, acontecia em boa parte da população escravizada e
forra na sociedade brasileira e, por conseguinte, na quixeramobinense. Mulheres de
várias etnias, indígenas e “africanas”, tal como “seus descendentes escravos (pretos,
crioulos, pardos, cabras, mulatos, dentre outros), constituíam a maior parcela do
contingente feminino que vivia fora das uniões matrimoniais sacramentadas pela
Igreja”. Elemento este, bastante perceptível no nosso estudo, assim como nos trabalhos
de Rangel Cerceu Neto em Rio das Velhas – MG, entre os anos de (1720 – 1789) e nas
Freguesias de Aracati e Russas (1720 – 1820) de Elisgardênia Chaves.145
Para a realidade do Quixeramobim colonial, uma sociedade escravista e de
economia agropecuarista, as fazendas possuíam poucos cativos. Assim, a relação da
ilegitimidade e a escravidão podem estar associadas à questão espacial e de convívio
nesses pequenos planteis, haja vista que muitos cativos necessitavam buscar em
fazendas vizinhas seus consortes, pois havia pouca disponibilidade onde eles viviam.
Essa perspectiva dialoga com a de Sheila de Castro Faria, quando afirma que...

[...] crioulos casavam menos porque lhes era mais difícil encontrar
parceiros: seus companheiros de cativeiro, africanos, casavam-se entre
si; os demais, parentes próximos, estavam interditados. Quando era
possível ― encontravam parceiros, de outros donos, o matrimônio
estava impossibilitado por imposição senhorial. Respondiam, então,
com a ilegitimidade.146

145
CERCEAU NETO, Rangel. Um em casa de outro: concubinato, família e mestiçagem na Comarca do
Rio das Velhas (1720-1789). Op. cit. p. 43.
146
FARIA, Sheila de Castro. A colônia em movimento: fortuna e família no cotidiano colonial. Op. cit.
p. 336.
87

Em nossa documentação de batismo, os filhos legítimo e naturais aparecem


em todos os seguimentos sociais, sejam livres, escravizados ou forros. Para tanto, o
índice de ilegitimidade é superior para as camadas sociais escravizadas e egressas da
escravidão. Essa constatação também ficou patente em muitos estudos históricos sobre
famílias no Brasil colonial. As mães solteiras foram majoritárias em quase todos os
espaços brasileiros, apesar das possiblidades que o casamento cristão concedia, a saber:
desde status à legitimidade social, religiosa e política. No entanto, o que poderia
explicar as altas taxas de famílias formadas através das relações consideradas ilegítimas
pela igreja? Para a realidade colonial brasileira, de modo geral, Ronaldo Vainfas oferece
algumas reflexões para explicar essas escolhas que vão além das questões dos entraves
burocráticos e econômicos como já tratamos nos tópicos anteriores.

A nosso ver, os segmentos pobres deixaram de se casar no Brasil não


porque lhes fossem impossível enfrentar obstáculos financeiros e
burocráticos exigidos pelo matrimônio oficial, nem muito menos por
terem escolhido qualquer forma de união oposta ao sacramento
católico. Amancebavam-se por falta de opção, por viveram, em sua
grande maioria, num mundo instável e precário, onde o estar
concubinado era contingência desclassificação, resultado de não ter
bens de ofício, da fome e da falta de recursos, não para pagar o
casamento, mas para almejar uma vida conjugal minimamente
alicerçada segundo os costumes sociais e a ética oficial. Forros,
brancos, pobres, mestiços, pardos, gente que vivia à cata de alguma
oportunidade que lhes amenizasse a miséria, do ouro, das Minas ou de
Mato Grosso, de qualquer serviço eventual, do banditismos – por que
haviam de casar? Itinerantes, inseguros, deserdados numa grande
fronteira como era o Brasil da época, esses homens não tinham
escolha senão a de unir-se a mulheres de igual condição, mulheres que
não tinham marido, como então se dizia, e que dificilmente o teriam
na sociedade colonial.147

A mobilidade geográfica no espaço de Quixeramobim é um ponto


importante. Dialogando com as questões postas por Vainfas, deve ser levada em
consideração para compreender os perfis familiares de livres, escravizados e forros
dessa Freguesia. Ademais, a população estabelecida nos solos quixeramobinenses, bem
como nas freguesias circunvizinhas possuíam um caráter bastante fluido e de pouca
fixação, principalmente as camadas mais pobres e livres, empregadas no cuidado com o
gado. Assim, pobres, forros e índios, “à procura de sua sobrevivência, tinham facilidade

147
VAINFAS, Ronaldo. Trópicos dos pecados: moral, sexualidade e inquisição no Brasil. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2010, p. 123.
88

em aceitar formas mais simples de relacionamento do que um casamento, cheio de


entraves, exigências e custos”. 148
A maioria dos sujeitos escravizados em Quixeramobim não se encontravam
casados, mas em outros arranjos familiares, como mostram os registros de batismos. O
número relativamente elevado de filhos naturais entre crianças escravizadas e forras
confirma que naquela região havia outros tantos tipos de relações afetivas e duradouras
entre esses sujeitos.
Um fator fundamental que não podemos deixar de abordar é o referente ao
caráter cultural dessas mulheres africanas tidas como mães solteiras. Elas em sua
maioria, descendentes diretas de africanos ou mesmo vindas de várias regiões deste
continente, poderiam muito bem optar por relações fora do matrimônio, já que a
“ilegitimidade não foi problema entre as nações africanas, uma vez que o sangue e a
linhagem eram transmitidos pela mãe, cabendo muito mais à família da mãe a educação
e a manutenção das crianças”.149 E essa pode ser uma chave de leitura para compreender
o cotidiano feminino e familiar escravista em Quixeramobim.
Para amenizar as condições duras impostas pelo sistema escravista, muitas
estratégias de resistências e sobrevivências foram acionados. A construção de laços
familiares e de parentescos como mecanismo de manutenção e de ampliação de
comunidades de negros, pardos ou mesmo pobres livres, foi constante e atravessou os
séculos. A forma mais direta de constituir vínculo familiar era através das uniões
afetivas. O compadrio, também, aproximava as famílias, independentemente de serem
casadas formalmente na Igreja ou não, afinal, o rito do batismo era o mais democrático,
abarcando todo esse complexo social. Que proteção essa mães e pais cativos ou forros
buscavam no compadrio? Quem são esses sujeitos que apadrinhavam? O compadrio
poderia ser estratégia de controle senhorial em Quixeramobim? Essas relações serão
tratadas com maior foco no capítulo seguinte.

4. CAPÍTULO 03: SOB A UNÇÃO DOS SANTOS ÓLEOS: BATISMO E


COMPADRIO DE ESCRAVIZADOS E FORROS NA FREGUESIA DE
QUIXERAMOBIM (1740-1810)

148
TORRES-LONDOÑO, Fernando. Op. cit, p. 59 e 61.
149
PRAXEDES, Vanda Lucia. A teia e a trama da fragilidade humana os filhos ilegítimos em Minas
Gerais, 1770-1840. Dissertação (Mestrado em História). Programa de Pós-graduação em História da
Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2003, p. 15.
89

Nas últimas décadas, os estudos historiográficos sobre as famílias escravas


brasileiras têm focado na compreensão sobre as questões envolvendo as diversas formas
de sociabilidades entre os cativos. O parentesco ritual construído através do batismo
católico foi a principal estratégia utilizada pelos cativos para o “estabelecimento de
150
relações sociais na luta pela (re)construção de suas vidas comunitárias”. Para além
do ritual religioso de inserção dos filhos no mundo cristão, o batismo também cumpria o
papel na constituição, ou mesmo na consolidação dos laços de sociabilidade e
solidariedade entre sujeitos de condições sociais diferentes. Mesmo mediante aos
limites impostos pela condição de cativo e das diversas circunstâncias históricas, essas
relações atravessadas pelos vínculos do compadrio, favoreceram por vezes a garantia de
direitos, melhores condições de vida e, para alguns, trouxe a liberdade. 151
Nessa linha de raciocínio, Florentino e Goés152 compreendem que o
sacramento do batismo para a população escravizada, representou, de forma mais direta,
uma oportunidade na construção de proteção e ajuda mútua. Isto é, a relação de
parentesco estabelecida pelos laços de compadrio favorecia a aproximação desses
sujeitos cativos com homens e mulheres livres, forras e escravos, ampliando assim, suas
redes de solidariedade e vínculo parental entre os seus diferentes e iguais socialmente.
Para Schwartz, os laços parentais estabelecidos entre os sujeitos de
diferentes condições sociais e jurídicas, através do compadrio, extrapolavam as
fronteiras da inserção no mundo cristão, pois eram utilizados também para ampliar os
laços parentais, uma vez que:

[...] Seguramente a ‘família’ estendia-se muito além dos limites de


qualquer unidade residencial. É sempre muito difícil recapturar tais
laços, mas no ato ritual do batismo e no parentesco religiosamente
sancionado do compadrio, que acompanha esse sacramento, temos
uma oportunidade de ver a definição mais ampla de parentesco no
contexto dessa sociedade católica escravocrata e testemunhar as

150
BOTELHO, Tarcísio Rodrigues. Batismos e compadrio de escravos: Montes Claro (MG) século XIX.
Juiz de Fora, LOCUS: Revista de História, Vol. 03. Nº 01, p. 108 – 115, 1997, p.109.
151
Sobre essa temática ver: SOUZA, Sonia Maria de. Terra, família e solidariedade: estratégias de
sobrevivência camponesa no período de transição, Juiz de Fora (1870-1920). Bauru, São Paulo, Editora
Edusc, 2007. MACHADO, Cacilda. A trama das vontades: negros, pardos e brancos na construção da
hierarquia social do Brasil escravista. Rio de Janeiro: Apicuri, 2008. GUDEMAN, Sthephen e
SCHWARTZ, Stuart. Purgando o pecado original: compadrio e batismo de escravos na Bahia do século
XVIII, In: REIS, João José (Org.). Escravidão e Invenção da Liberdade. Estudos sobre o negro no
Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1988.
152
FLORENTINO, Manolo; GOÉS, José Roberto. A Paz das Senzalas: famílias escravas e tráfico
atlântico, Rio de Janeiro, c.1790-c. 1850. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1997.
90

estratégias de escravos e senhores dentro das fronteiras culturais


determinadas por esse relacionamento espiritual. 153

Nessa perspectiva, o batismo não favorecia apenas aos sujeitos em situação


de cativeiro, como também aos seus senhores, na medida em que o parentesco espiritual
oferecia a possibilidade de construção de redes de interesses mútuos. Para os
proprietários de escravos, sua escravaria estar em dias com as obrigações católicas era
uma forma de status que poderia se converter em algum favorecimento perante a
burocracia colonial. Já para a população cativa, havia a ampliação dos limites familiares
para além da consanguinidade, pois os padrinhos eram considerados os pais espirituais
do batizando e de certo modo essa relação poderia ser mais bem explorada em seu
favor.
Os estudos desenvolvidos a partir das fontes batismais são relevantes para a
compreensão dos laços de compadrio, pois “estabelecem ligações entre cinco atores
sociais: o batizando, o pai, a mãe, o padrinho e a madrinha.”154 Para além disso, as atas
de batismos são umas das fontes mais completas do período colonial, no sentido que
esse ritual alcançava boa parte da população, independentemente de sua condição social
e jurídica.
Após a realização da cerimônia, o padre ou o escrivão lavrava o assento de
batismo em um livro reservado para isso. Nele, registrava a data do referido evento, por
vezes, não sempre a data do nascimento do batizando, bem como o local onde foi
realizado o rito; o nome da criança, idade, legitimidade/naturalidade, condição social e
cor/qualidade. Em seguida, o nome do pai e da mãe quando a criança era filha legítima;
quando era filha natural constava apenas o nome da genitora. No caso de exposta
(abandonada), há menção do evento e nome do dono da casa onde estava sendo
enjeitada; se escravizada, trazia o nome do proprietário. Os nomes dos padrinhos e suas
respectivas condições sociais eram também descritas: livres, escravizados e forros. Em
alguns registros, constavam o nome dos avós paternos e maternos. E, por último, o local
onde os pais e padrinhos viviam.
Como podemos observar, os registros eclesiásticos nos proporcionam uma
gama de informações a respeito dos mais diversos aspectos sociais do período colonial
153
SCHWARTZ, Stuart. Segredos Internos: engenhos e escravos na Sociedade Colonial: 1550-1835.
Tradução de Laura Teixeira Motta. São Paulo: Cia Das Letras/CNPq, 1988, p.330.
154
QUIRINO, Gisele Dias. Família e Compadrio: um estudo das relações sociais na Vila de Porto Feliz
(São Paulo, Século XIX). XIV Encontro Regional da AMPUH, RIO, Memória e Patrimônio. Julho de
2010, p. 02.
91

brasileiro. No que se referem, em particular, as atas de batismo, esse rito católico se


configurou como o mais praticado de todos os sacramentos. Nos livros de batismo
aparecem todos os setores da sociedade: ricos, pobres, brancos, indígenas, africanos,
livres, escravos e forros.
Em algumas paróquias brasileiras, à exemplo de São Raimundo Nonato no
sertão do Piauí, estudada por Déborah Gonçalves Silva155, havia livros específicos para
registrar os batismos dos escravos. Isso não veio a ser o caso da realidade
quixeramobinense no nosso recorte temporal estudado. Nesta freguesia, os livros de
batismos, casamentos e óbitos eram de uso comum para toda a população, bem como,
os locais para a realização desses rituais católicos não se configuravam como espaços de
construção de diferenciação entre a população livre, escravizada e forra. A maioria dos
batizados ocorreram na Igreja Matriz. Alguns casos específicos foram realizados nas
dependências das fazendas, e isso era praticado pela população escrava e livre.
A partir do levantamento de dados, através dos registros de batismo da
Diocese de Quixeramobim-Ceará, entre os anos de 1740-1810 buscamos nesse terceiro
capítulo, compreender qual a importância e significados do batismo e do compadrio
para os pais e mães escravizados e forros e seus compadres e comadres. Essas fontes
nos permitem adentrar o cotidiano das famílias escravas e o mundo da escravidão,
através das redes de sociabilidade e solidariedade que o compadrio proporcionava.
Respeitando os limites e os silêncios impostos por essa ordem documental, traçaremos
alguns paralelos comparativos entre os trabalhos já desenvolvidos sobre famílias
escravas brasileiras e as residentes nos solos quixeramobinense do período colonial. A
partir de então, passaremos a conjecturar algumas possíveis compreensões para as
práticas de apadrinhamentos desses sujeitos. Traçamos alguns questionamentos sobre
essa prática secular do batismo e compadrio nessa Freguesia. O que levaria a um casal
eleger um padrinho e/ou madrinha escrava para a seu filho? E na eleição de um livre ou
forro como padrinho do seu rebento? Muitas e diversas podem ser as respostas que
atravessam essas questões que vão além das relações de amizades, parentesco
consanguíneo, vizinhanças e de barganha. Essas e outras questões, responderemos nos
tópicos seguintes.

155
SILVA, Déborah Gonçalves. Op. cit., 2013.
92

4.1. Batismo e laços de compadrio entre as famílias escravizadas e forras em


Quixeramobim (1740-1810)

O batismo sendo o primeiro sacramento cristão era o responsável por purgar


o pecado original, ou seja, representava a passagem do mundo pagão para o mundo
cristão, a conversão ao cristianismo. Segundo as Constituições Primeiras do
Arcebispado da Bahia, de 1707, esse rito era para o cristão, a “porta de entrada” na
Igreja Católica e a chance de salvação da alma. Morrer sem passar por esse sacramento
significaria a perda da salvação da alma, bem como, só poderia receber os demais
sacramentos quem antes tivesse passado por ele.156
O significado do batismo católico contrastava com os valores da sociedade
escravista, haja vista que ele representava a “igualdade, humanidade e libertação do
pecado, simbolizava qualidades incompatíveis com a condição de escravo”. 157 Essa
contradição potencial, entre o batismo e o mundo da escravidão, necessitou de novos
arranjos nas leis eclesiásticas. No entanto, na prática foram conciliados e mantidos em
separado esses elementos conflitantes. Assim, a inserção do sujeito escravizado no
mundo cristão não modificava em nada sua condição jurídica.
Dada a sua importância nas sociedades católicas, o batismo tinha um
alcance amplo da população não somente na vida como na morte. Para evitar o risco de
um indivíduo morrer sem o batismo, foram criadas leis eclesiásticas que assegurassem à
assistência da “boa morte”. Em casos muito especiais, como por exemplo, crianças ou
adultos que se encontravam em perigo de morte e estivesse há uma distância que os
impossibilitasse a assistência de um pároco local, o ritual batismal poderia ser realizado
“em qualquer lugar e por qualquer pessoa posto que seja leigo, ou excomungado,
herege, ou infiel, tendo a intenção de batizar como manda a Santa Madre Igreja. E posto
que o baptismo feito por qualquer das ditas pessoas fica valioso.”158
Nos registros de batismos aqui analisados, encontramos 19 casos in periculo
mortis, isto é, batizados na hora da morte. Dez foram feitos por leigos e nove por
padres, dois realizados na igreja matriz e os demais, nas casas dos respectivos pais,

156
GUDEMAN, S.; SCHWARTZ, S. B. Purgando o pecado original: compadrio e batismo de escravos na
Bahia no século XVIII. In: REIS, J. J. (org.). Escravidão e invenção da liberdade: estudos sobre o
Negro no Brasil. São Paulo: Brasiliense/CNPq, p. 33-59, 1988.
157
SCHWARTZ, Stuart B. Segredos internos: engenhos e escravos na sociedade colonial, 1550-1835.
São Paulo: Companhia das Letras, 1988, p. 331.
158
VIDE, D. Sebastião Monteiro da. Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia. Brasília:
Edições do Senado Federal, 2007, p. 17.
93

como nos casos de Francisco, pardo, filho de Antônio José e Anna Teresa, batizado com
a devida forma por João Luís Pereira. Outro caso foi de Josefa, filha legítima de
Christovão Gomes de Melo e Maria Francisca, batizada em perigo de morte pelo
Comandante Bento Ferreira Marques em sua Fazenda Jantar.159 E assim sendo, eles
tiveram uma morte assistida aos moldes católicos. Dentre estes batizados nas últimas
horas de vida, há três crianças escravizadas e as demais, livres.
A maior parte desses batismos in periculo mortis foram registrados nos
livros de óbitos. Por isso, a pequena presença de crianças nessas condições em
Quixeramobim, mesmo tendo em vista a alta mortalidade infantil na época.
O alto índice de mortes prematuras de crianças no Brasil colonial contribuiu
para que as autoridades eclesiásticas exigissem certa urgência da população em batizar o
mais cedo possível seus rebentos. As constituições primeiras do Arcebispado da Bahia
possuíam uma normativa em que o batismo de crianças fosse realizado até o oitavo dia
de nascida. Assim, alcançar todos os sujeitos desde a tenra idade independentemente da
sua condição social e jurídica. De acordo com Flávio Motta, para os sujeitos
escravizados no Brasil:

[...] sete anos era o limite do batizado obrigatório, tanto para os


cativos recém-chegados como para os nascidos na terra, mesmo sem o
consentimento dos pais. Depois dessa idade, só seria ministrado
atendendo ao desejo do infiel, ordenando as leis baianas que os filhos
fossem apartados dos pais para que mais facilmente possam converter-
se, e pedir o batismo‘. O batizado do escravo vindo da África
compreendia uma série de perguntas feitas na língua local, ou por
meio de intérprete, para verificar-se se o boçal já havia adquirido
conhecimento do significado do sacramento que estava recebendo. 160

No que diz respeito à idade os batizando escravizados e filhos de africanos


ou seus descendentes em Quixeramobim, quando o registro traz essa informação,
percebemos a grande predominância de crianças sendo batizadas com dias de nascidas
ou meses, salvo dois casos particulares de escravos adultos. Devido à proximidade
espacial e dinâmicas sociais similares, essa prática também foi percebida nas freguesias
vizinhas, Russas e Aracati, estudadas por Elisgardênia Chaves.161

159
Livro de batismo número 07 (24 de abril de 1806 a 26 de dezembro de 1810), Fls. 37 v e 147 v.
Arquivo da Diocese de Quixeramobim, Paroquia de Santo Antônio – ADQPSA.
160
MOTTA, José Flávio. Corpos escravos vontades livres: posse de cativos e família escrava em
Bananal (1801-1829). São Paulo: FAPESP: Annabume, 1999, p. 56.
161
CHAVES, Elisgardênia de Oliveira. 2016, Op. cit.
94

Para realização da cerimônia de batismo, uma das principais exigências era


a presença de padrinhos, os pais espirituais. A partir de concílio de Trento, foram
instituídas algumas normativas para a escolha. Eles não poderiam ser os pais carnais,
mas sim indivíduos que fossem batizados e conhecedores da doutrina católica. 162 Era
imbuída aos padrinhos, parcialmente, a formação moral e a educação espiritual dos seus
afilhados. A escolha desses não se dava de forma aleatória, mas sim, mediante jogos de
interesses e de confiança entre os pais e seus compadres e comadres.163 Ademais, era
através do compadrio, que os cativos estreitavam relações parentais e de solidariedade
com homens e mulheres livres, libertos e outros escravos.164
Havia um conjunto de normas definidas no Concílio de Trento e que foram
(re) apropriadas pelas Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia para definir o
perfil dos padrinhos, uma vez que esses passariam em tese, a partir do rito batismal, a
fazer parte da família por vínculos espirituais.

Conformando-nos com a disposição do Santo Concílio Tridentino,


mandamos que no Baptismo não haja mais que um só padrinho, e uma
só madrinha, e que não admmitão juntamente dous padrinhos, e duas
madrinhas; o quaes padrinhos serão nomeados pelo pai, ou a mãi, ou
pessoa, a cujo cargo estiver a criança; e sendo adulto o que ele
escolher.[...] Mandamos outro sim, que o padrinho, ou a madrinha
nomeados toquem a criança, ou a recebão a tempo, que o sacerdote a
tira da pia batismal feito já o Baptismo e que o Sacerdote que batizar
declare aos ditos padrinhos, como ficão sendo seus fiadores para com
Deos pela perseverança do baptizado na Fé, e como por seus
padrinhos espirituais, tem obrigação de lhes ensinar a Doutrina
Christã, e bons costumes. Também lhes declare o parentesco
espiritual, que contrahirão, do qual nasce impedimento, que não só
impede, mas dirime o Matrimônio; o qual parentesco conforme a
disposição do Sagrado Concílio Tridentino, se contrahem sómente
entre padrinhos, o baptizado, e seu pai, e mãe [...].165

Como podemos perceber na citação acima, as relações de parentesco


espiritual passavam a ser consideradas a partir do momento do ritual do batismo. O
padrinho ou madrinha estariam impossibilitados de vir a contrair matrimônio com os
seus afilhados, pois lhes eram atribuídas responsabilidades com esse vínculo parental.

162
Idem, p. 39.
163
LEBRUN, François. O sacerdócio, o príncipe e a família. In André Burguière e tal. O choque das
modernidades. Ásia, África, América e Europa. V. 3. Lisboa, Terramar, 1998, p. 89.
164
GUDEMAM, Stephen e SCHWARTZ, Stuart. Purgando o pecado original: compadrio e batismo de
escravos na Bahia no século XVIII. In: REIS, João José (org). Escravidão e invenção da liberdade.
Estudos sobre o negro no Brasil. São Paulo: Brasiliense, p. 33-59, 1988.
165
VIDE, D. Sebastião Monteiro da. Op. cit. p. 26.
95

Os “pais e padrinhos passavam a tratar-se como compadre ou comadre, ou seja, pais


suplementares da criança batizada”.166
De acordo com Luna e Klein, o compadrio foi um importante sistema de
“parentesco ritual usado por todas as classes, inclusive pelos cativos”. Ele servia não
somente para o auxílio na educação espiritual dos afilhados, mas, sobretudo, para
ampliar as relações entre os pais, agora compadres, nos mais diversos laços parentais e
de solidariedade. Assim sendo, “o padrinho ou a madrinha assumia a obrigação de
ajudar o afilhado em todas as ocasiões especiais e incorporá-lo à sua família em caso de
falta dos familiares da criança”.167
No caso envolvendo sujeitos escravizados, essa participação ativa dos
padrinhos na vida dos afilhados era menos sentida, mas não deixava de ser solicitada
nem que fosse apenas através de uma intervenção nos momentos mais dramáticos, de
um possível castigo, ou mesmo numa eventual venda de um ente querido para outro
plantel ou região. Deste modo, o batismo extrapolava a esfera do rito religioso e
adentrava na esfera social, se configurando também, como elemento de solidariedade:

[...] estruturante nas redes de família estendida no Brasil. Mesmo


contrariando as normas da Igreja, nem sempre os elementos mais
pobres da sociedade de onde provinham os padrinhos tinham
condições de honrar plenamente as obrigações do apadrinhamento;
por isso, alguns escravos eram batizados com apenas um padrinho
presente.168

No nosso arcabouço de fontes da paroquia de Quixeramobim entre os anos


de 1740–1810, catalogamos 935 registros de batismos envolvendo batizandos
escravizados. Nesses assentos, percebemos vários casos em que se consta apenas a
presença de um padrinho, que poderia está diretamente associado a essa prática
identificada por Luna e Klein. Na tabela abaixo, os números correspondentes ao termo
sem referência é justamente essa ausência de padrinhos e ela é mais sentida na
participação de madrinhas.

Tabela 08: Padrinhos e madrinhas de batizados escravos segundo a condição


social, Freguesia de Quixeramobim (1740 – 1810).
Padrinhos/Madrinhas Homem Mulher Total %
Padrinhos Livres 827 775 1602 85,6
Padrinhos Escravizados 32 38 70 3,7

166
SCHWARTZ, Stuart B. Segredos Internos. Op. cit. p. 330.
167
LUNA, Francisco Vidal e KLEIN, Herbert S. Escravismo no Brasil. Op. cit. p. 254.
168
Idem, p. 256.
96

Padrinhos Forros 02 00 2 0,1


Madrinhas Santas 00 4 4 0,2
Sem referencias 74 118 192 10,4
Total 935 935 1870 100,0
Batismos envolvendo escravos Total 835,0
Fonte: Livros 01 e 02 de batismos da freguesia de Russas (1740-1755), Arquivo da Diocese de Limoeiro
do Norte (ADLN) e livros do 01 a 08 de batizados da Freguesia de Quixeramobim (1755 -1810), Arquivo
da Diocese de Santo Antônio de Quixeramobim – (ADSAQ).

Como podemos observar nos dados acima, a característica principal do


compadrio envolvendo sujeitos escravizados na freguesia de Quixeramobim foi à
preferência por sujeitos livres na construção dos seus laços de compadrio. Os padrinhos
livres compreenderam pelo menos 85% do total. A cifra caiu bastante para os padrinhos
na condição de escravizado e forro, sendo que o primeiro chegou a 3,7% e o último um
percentual bem irrisório de 0,1%. Isso demonstra a predominância da escolha por
relações verticais construídas a partir de parentesco espiritual.
Mediante os limites impostos por nossas fontes, não foi possível identificar
quem fazia essa escolha dos pais espirituais para os filhos dos cativos, se o proprietário,
ou os pais. Pelo elevado numero de mães solteiras nessa freguesia, a eleição por
indivíduos livres como padrinhos poderia ser uma escolha delas na busca por uma
proteção futura para seu filho (a)? Ou a eleição dos padrinhos era feita pelo proprietário
para manter o controle das relações parentais dos seus subordinados?
Sheila de Castro Faria, trabalhando em contexto de grandes planteis de
escravos, em região de lavouras, bem como Slenes lançam luz sobre essas questões,
compreendendo que as “relações de compadrio eram escolhas dos escravos, já que seria
absurdo supor senhores indicando como padrinhos de seus cativos escravos de outros
donos”. No nosso caso, 3,7% do total dos batizados envolvendo cativos, optaram por
padrinhos escravos de outros senhores. A supracitada autora constatou também, que “os
pais dos batizandos privilegiavam pessoas de fora de suas unidades, com uma forte e
169
acentuada incursão no universo livre, principalmente em relação às mães solteiras”.
Nessa mesma linha de raciocínio Robert Slenes, acrescenta que ao preferir não escolher
entre seus iguais como padrinhos de seus filhos, os pais escravizados haviam entendido

169
FARIA, Sheila de Castro. A colônia em movimento: fortuna e família no cotidiano colonial. Op. Cit.
Op. cit. p. 321.
97

“a necessidade, num mundo hostil, de criar laços morais com pessoas de recursos, para
proteger-se a si e aos filhos”.170
Em estudos realizados na paroquia de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais,
em Curitiba, Paraná, entre os séculos XVIII e XIX por Stuart Schwartz, foi percebido
igualmente predominância pela adesão de padrinhos livres para as crianças
escravizadas, mesmo sendo em um espaço de grandes escravarias, diferentemente da
realidade de Quixeramobim. O referido autor compreende que poderia está implícito
nessa escolha certo reconhecimento social do padrinho livre. Quando o padrinho era
outro escravo, a preferência era por sujeito de plantel diferente do apadrinhado e, em
grande maioria, ocorreram de o padrinho ser livre e a madrinha cativa, demonstrando
assim, a possibilidade de redes de parentesco e sociabilidade para além dos limites das
propriedades.171
Todas essas explicações sobre a escolha de sujeitos livres como padrinhos
devem ser consideradas na análise da realidade das famílias escravizadas e forras em
Quixeramobim. Conferimos nos cargos, títulos e patentes dos padrinhos: 04 padres, 19
capitães, 05 alferes, 01 sargento, 04 ajudantes, 01 comandante e 28 donas. Isto é, 3,3%
dos padrinhos livres escolhidos para apadrinhar crianças escravizadas e forras no nosso
levantamento.
A escolha por pessoas com títulos para padrinhos, também foi percebido nas
famílias livres. Catalogamos 343 capitães, 42 alferes, 08 ajudantes, 27 padres, 94
tenentes e 422 donas, ou seja, 17,4% dos padrinhos das crianças livres possuíam cargos
ou patentes. E, portanto, não foi apenas parte das estratégias de resistência dos cativos, a
escolha de sujeitos com cargos públicos como padrinhos, mas sim da sociedade como
um todo, claro que respeitando os limites e peculiaridades desres e os seus lugares
sociais.
E quando a escolha do compadrio era feita entre iguais em condição social e
jurídica, quais seriam as estratégias dos pais e mães que optavam por padrinhos e
madrinhas companheiros da escravidão? Na Freguesia de Quixeramobim (1740 – 1810),
encontramos 43 casais (padrinhos com madrinhas) escravizados; 19, apenas os
padrinhos cativos; e 20, somente as madrinhas que são escravas. Mesmo sendo minoria,
a escolha por padrinhos escravizados, foram mais de 82 famílias que optaram por este

170
SLENES, Robert W. Senhores e subalternos no Oeste Paulista. In: ALENCASTRO, Luiz Felipe de
(Org.). História da vida privada no Brasil. Império: a corte e a modernidade nacional. São Paulo:
Companhia das Letras, 1997, p.271.
171
SCHWARTZ, Stuart. Escravos roceiros e rebeldes. Bauru: EDUSC 2001, p. 223.
98

padrão de apadrinhamento. Ana Maria Rios,172 em estudo sobre as famílias negras em


Paraíba do Sul, espaço de grandes escravarias, identificou que o número de padrinhos
cativos era superior a dos livres. De acordo com a autora, a estratégia utilizada por esses
sujeitos era de manter e ampliar por meio de redes de parentescos e apadrinhamento a
comunidade escravizada.
Para a Freguesia de Quixeramobim, constituída por pequenos planteis,
realidade distinta da espacialidade analisada pela supracitada autora, o percentual de
cativos que optaram por padrinhos livre foi bem superior aos de condição escrava.
Tendo em vista que os proprietários quixeramobinenses possuíam poucos cativos e,
assim, dentro dos limites da escravaria havia pouca disponibilidade e condições dos
sujeitos escravizados construírem compadrios entre si. Ademais, o diálogo com os
escravos das fazendas circunvizinhas poderia ser pouco incentivado por esses donos,
uma vez que os laços de parentescos rituais favoreceriam o fortalecimento das redes de
solidariedade e resistências entre estes.
Para as famílias cativas que optaram, mesmo que em minoria por
construírem reações horizontais de compadrio, essa tática utilizada, pode ser
compreendida através da lógica de manutenção e ampliação das redes de solidariedade
em suas comunidades de negros, pardos e indígenas. Tendo em vista que a escravização
não era somente reservada a africanos e seus descendentes, mas também aos nativos
como podemos verificar nos capítulos anteriores.
Contudo, apesar das diferenças que estas regiões apresentam em relação ao
sertão quixeramobinense, as interpretações desses resultados tornam-se muito
importantes para a compreensão da dinâmica das relações do sistema escravista. Mesmo
mediante as peculiaridades das relações sociais desenvolvidas em cada escravaria, havia
algo em comum que atravessava todas elas que era os anseios de homens e mulheres
escravizados na busca por dias melhores e o parentesco ritual surgia como uma das
poucas possibilidades.
Embora a maioria da população cativa escolhia indivíduos livres como
padrinhos dos seus filhos, um elemento importante no compadrio em Quixeramobim foi
a pequena participação dos proprietários apadrinhando os filhos dos próprios cativos.
Durante todos os 71 anos pesquisados, somente foi identificado 04 casos particulares

172
RIOS, Ana Maria Lugão. Família e Transição: famílias negras em Paraíba do Sul, (1872-1920).
(Dissertação de Mestrado em História), Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal
Fluminense, Niterói, 1990.
99

em que o senhor apadrinhou crianças de sua própria escravaria. Foram eles: Antônio
Bezerra do Vale, Antônio José Fernandes, Gonçalo Nunes Leitão e o Capitão Mor João
Bernardo. Eles apareceram na documentação de batismo sendo proprietários e
padrinhos de: o primeiro de 04, o segundo 06, o terceiro 02 e o quarto de 06 crianças.
Essas práticas iam além do espaço da religião, agindo também no espaço social e
econômico.
A hipótese postulada por Gudeman e Schwartz,173 sobre o comportamento
dos senhores de evitar apadrinhar os filhos dos seus cativos, derivava implicações
morais: uma suposta perda de poder sobre os seus subordinados com essa atitude.
Ademais, a incompatibilidade que havia entre a propriedade escrava e o parentesco
espiritual, ou melhor, o batismo cristão era para existir em paralelo com a escravidão e
não para aboli-la. Tais práticas acabaram por reforçar o componente de
dominação/submissão e ajudaram a debilitar o caráter igualitário do parentesco
espiritual.
Diante do exposto, o que levaria um proprietário de escravo apadrinhar
filhos de suas escravas, como nos quatro casos encontrados em Quixeramobim? Não
podemos descartar o que poderia está implícito na ação de um senhor em apadrinhar um
filho (a) de uma de suas cativas, não de todas. Deveria ser uma forma sutil de dar
proteção e cuidado ao seu filho bastardo e ao mesmo tempo ter sua identidade paterna
preservada no anonimato.
Outra questão que se insere nas peculiaridades da sociedade sertaneja
quixeramobinense é sua religiosidade. A pequena freguesia de Quixeramobim, cuja
população era composta por indígenas, africanos e seus descendentes, a despeito de
existir outras formas de religiosidade, era um espaço de práticas católicas, não apenas
percebidas pela participação da sua população nos sacramentos da Igreja como
casamentos e batismos, aqui analisados. Nos dados das atas batismais, referentes a essa
freguesia, não são raros os que trazem “Nossa Senhora” como madrinha. Desses casos,
04 são de madrinhas de crianças escravizadas e filhas de mães crioulas. A escolha por
madrinhas santas provavelmente representava o gesto inspirado na busca de proteção à
parturiente.174 Seria uma escolha da mãe? Nesse caso, ela já estaria inserida à cultura

173
GUDEMAM, Stephen e SCHWARTZ, Stuart. Purgando o pecado original: compadrio e batismo de
escravos na Bahia no século XVIII. In: REIS, João José (org). Escravidão e invenção da liberdade.
Estudos sobre o negro no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1988.
174
VENÂNCIO, Renato Pinto. O Compadre Governador: redes de compadrio em Vila Rica de fins do
século XVIII. Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 26, nº 52, p. 273-294, 2006, p. 275.
100

católica? Ou seria uma sugestão da parteira, possivelmente cativa e com indício de


católica?

4.2. Batismo e concessões de liberdades: os forros na pia batismal em


Quixeramobim (1740 – 1810)

Pesquisas em diferentes espacialidades e a partir de uma diversidade de


documentos e abordagens comprovaram que a compra e aquisição de liberdade
estiveram presentes em toda a sociedade brasileira desde quando foi estabelecido o
sistema escravista. A interpretação dos resultados desses estudos vem demonstrando a
maior predominância de mulheres alforriadas em relação aos homens. Para Douglas
Cole Libby, a explicação para as mulheres adultas adquirirem mais alforrias do que os
homens procediam das relações que elas desenvolviam com sujeitos livres, uma espécie
de artimanha feminina que favoreceu não apenas a compra de liberdade delas como a de
seus filhos.
O referido autor acrescenta outro elemento que ajuda na compreensão desse
quadro: as relações paternalistas, uma vez que “a resistência feminina ao sistema tendia
a ser mais silenciosa e sutil [...] do que a resistência masculina”. Assim sendo, “a
orientação particularmente masculina da dominação de senhores de escravos parece ter
se estendido aos recém-nascidos, fazendo dos meninos candidatos à alforria menos
desejáveis que as meninas”.175
Em Quixeramobim entre os anos de 1740 -1810 há pouca presença de
sujeitos alforriados entre adultos e crianças nas documentações de casamentos e
batismos. Isso colabora para a compreensão de que a aquisição de liberdade era bastante
rara nesse espaço. Principalmente pelo fato da capitania do Ceará não possuir um porto
negreiro e a mão de obra escravizada, quando não era a nativa, era adquirida em
Pernambuco e Maranhão em virtude dos seus altos custos. 176 Além do número reduzido
de cativos, eles constituíam uma capital importante e, assim, as alforrias eram pouco
incentivadas.

175
LIBBY, Douglas Cole. À procura de alforrias e libertos na freguesia de São José do Rio das Mortes (c.
1750 - c. 1850). In: BOTELHO, Tarcísio R. e LEEUWEN, Marco H. D. Van. (Orgs.). Mobilidade social
em sociedades coloniais e pós-coloniais: Brasil e Portugal, séculos XVIII e XIX. Belo Horizonte:
Veredas e Cenários, 2009, p. 26 e 27.
176
FUNES, Euripedes. Os Negros no Ceará. In: SOUSA, Simone. Uma Nova História do Ceará.
Fortaleza: Fundação Demócrito Rocha, 2000.
101

No tocante as questões econômicas, estudos têm demonstrado que em


espaços mais urbanizados, ou mesmo nos de atividades mais rentáveis como a
mineradora, a título de exemplo, por oferecer mais possibilidades de comércio e
serviços, “contribuíram para que os escravos tivessem mais condições de acumular
pecúlio usado para comprar a alforria e isso, em parte, justificaria uma maior incidência
de forros nas áreas urbanas”. 177
Em contributo com essa compreensão, Rakel Galdino em estudo sobre as
Mulheres escravas e forras na Ribeira do Acaraú (1750-1788), verificou que nas
localidades pesqueiras e nas vilas como as de Granja e Sobral havia maior mobilidade
social entre a população cativa. Isto é, nesses espaços o número de alforrias foi mais
acentuado do que nas partes mais rurais do Acaraú. Esse fenômeno estava diretamente
associado às atividades econômicas desenvolvidas nessas áreas mais urbanizadas. Por
possuir uma rede de pequenos e diversificados comércios e ofereciam alguns serviços
especializados, favorecia a maior mobilidade entre os sujeitos escravizados, uma vez
que estes possuíam maior autonomia na realização das atividades de comércio,
facilitando assim, a circulação dos mesmos entre as pessoas livres e outros cativos da
região.178
Para a realidade quixeramobinense de meados do século XVIII e início do
XIX, ainda bastante rural e de economia mais voltada para as práticas agropastoris, em
decorrência disso, as possibilidades de compras e/ou doações de alforria para homens,
mulheres e crianças eram bastante reduzidas.
Apesar da pequena presença de sujeitos forros nas nossas fontes de batismo,
encontramos 16 crianças alforriadas: 09 meninas e 07 meninos, um percentual de 1,7%
dos 935 registros de batismos. Essa situação se aproxima da compreensão de Libby,
uma vez que as meninas compreende o maior número de alforriadas. Seis destas
crianças estão descritas como libertas na pia batismal. Para além da convenção ao
cristianismo, “a cerimonia e os registros de batismo desempenhavam algumas funções
práticas, como registrar, por escrito, a doação, concessão de alforrias”, 179 haja vista que
era um documento de valor civil, redigido e assinado por uma autoridade episcopal e
arquivado nas paroquias, portanto, com valor legal. Nesse sentido, o ato de alforriar na

177
CHAVES, Elisgardênia de Oliveira. 2016, Op. cit.p.124.
178
GALDINO, Maria Rakel Amancio. 2013, Op. cit. p. 176 a 178.
179
VASCONCELOS, Márcia Cristina Roma. Família Escrava em Angra dos Reis, (1801-1888). Tese
de Doutorado apresentada no programa de pós-graduação em História Econômica da Universidade de São
Paulo, USP. São Paulo, 2006, p. 145.
102

pia batismal era uma forma segura desses sujeitos terem esse documento comprovativo
da compra ou aquisição, por outras vias, da liberdade de seus filhos, pois assim estaria
bem guardado para o caso de uma futura contestação.
A prática de alforriar na pia batismal foi bastante usual no Brasil durante
todo período escravista. Com o alto índice de concubinatos ou mesmo por outras
formas de ralações consentidas ou de violências, “esse era o caminho usual para pais
reconheceram filhos bastardos e a libertação da criança requeria apenas uma declaração
dos pais e padrinhos”.180
Em Quixeramobim, o primeiro caso de criança forra apareceu em 1769, 29
anos após o inicio do nosso recorte temporal de estudo. Trata-se de Pedro, de três meses
de idade. Esse registro se encontra em estado de conservação bastante danificado,
comprometendo assim, sua leitura e compreensão de várias informações como o nome
da mãe, dos padrinhos e dos mecanismos utilizados para a aquisição da sua liberdade. O
segundo caso apareceu na década seguinte e este está bem legível.

Felipe, molatinho de idade de dois meses, filho da parda Juliana,


solteira, escrava da viúva Luiza da Roxa, fregueses dessa Freguesia de
Quixeramobim, moradores na Serra do Braga. Foi por mim batizado
na Matriz por forro por assim mandar sua senhora, por ter recebido
dos padrinhos abaixo nomeados, vinte mil réis preço que se ajustaram
para efeito de se forrar o dito mulatinho ao tempo que fosse batizado
aos 28/07/1771. Sendo padrinhos, Joaquim José, solteiro e Feliciana
Maria do espírito Santo, molher de Manoel Freire do Nascimento, por
procuração de Luzina Maria de Andrade, filha de Domingos Ferreira
de Andrade. De que fiz esse assento no dia 29 do mesmo mês e ano
supra. Manuel Rodrigues de Freitas, Cura.181

Como podemos perceber na leitura do registro acima, Felipe é filho de mãe


solteira e escravizada, uma característica predominante entre mães com crianças
alforriadas em Quixeramobim. Juliana conseguiu por meio do compadrio a aquisição da
liberdade de seu rebento e o valor pago de 20 mil réis por seus padrinhos, ou apenas
pelo padrinho. Esse caso enseja muitos questionamentos, a saber: qual seria o interesse
desses padrinhos em alforriar o afilhado? O que seria que Juliana havia de cumprir para
que seus compadres pagassem pela a liberdade de seu filho recém-nascido? Ademais,
era um investimento de alto risco comprar a alforria de uma criança em tenra idade, haja
vista o grande índice de mortalidade infantil na época. Seria Joaquim José, também

180
LUNA, Francisco Vidal e KLEIN, Herbert S. Escravismo no Brasil. Op. cit. p.284.
181
Arquivo da Diocese de Santo Antônio de Quixeramobim – (ADSAQ), Livro batismo, número 02
(1755-1777), Fls. 124.
103

solteiro, o pai da referida criança? Ou seria a força dos laços de amizades e


solidariedade responsáveis por esse feito?
Buscamos seguir Juliana por toda documentação através do nome, no
entanto, não a encontramos em nenhum outro momento, nem mesmo Felipe. Joaquim
José, ou pelo menos alguém com nome homônimo ao dele, foi localizado em mais três
registros de batismos apadrinhando crianças de definição indígena, parda e mulata. Esse
padrinho seria um “bem” feitor para os oprimidos? Essa e as outras questões propostas
acima, não foram possíveis de ser respondidas, haja vista os limites impostos pelas
fontes, todavia podemos constatar que as relações de compadrio eram bem mais
complexas e dinâmicas do que apenas um ritual religioso, eram também espaços para
barganhas e trocas de favores.
Caso similar ao anterior ocorreu com Miguel de 09 dias de nascido, filho
natural de Rosa, cabra, escrava de Antônio Domiciano, batizado aos 30 de setembro de
1778. Os padrinhos são os irmãos João Ferreira e Maria Monteiro, ambos solteiros. “Foi
batizado forro por assim mandar o seu senhor, por ter recebido 20 mil réis valor do dito
parvulo."182 Não está aqui explicito de quem o proprietário de Miguel recebeu essa
quantia referente à compra da alforria do mesmo, provavelmente foram dos padrinhos.
Algumas características presentes nos 16 registros de crianças alforriadas:
11 delas eram filhos de mães solteiras cativas, 03 naturais, mas sem referência a
condição jurídica das respectivas mães e 02 filhas legítimas, uma delas de pai e mãe
escravizados e a outra apenas o pai, já a mãe era forra. Neste último caso, a criança
deveria está registrada como livre, mas não foi o que ocorreu e nem única vez que isso
veio a incidir.
Não descartamos a possibilidade da utilização de artimanhas femininas,
como identificou Douglas Libby, que enfatiza o favorecimento de aquisições de
alforrias dessas crianças, tendo em vista que a maioria das mães eram solteiras e assim,
mais livres para viverem outros tipos de relações extraconjugais. Com isso não estamos
afirmando que as mulheres que viviam em matrimônios não pudessem se valer desses
atributos. De modo geral, elas privilegiaram os filhos em detrimento das suas
liberdades, uma vez que dentre os 16 casos 15, são pertencentes às mães em condição
de escravizadas.

182
Arquivo da Diocese de Santo Antônio de Quixeramobim, (ADSAQ), Livro batismo, número 03 (1777
- 1780), Fls. 45 v.
104

Interessante compreender aqui o caso do forro Antônio, filho legítimo de


Vitoriano da Cunha, escravo de José da Cunha Saraiva e Angélica Maria, parda, forra.
Há um pequeno impasse nesse evento, se a mãe da referida criança era liberta, logo seu
ventre era livre e Antônio nasceria em liberdade, sem necessidade de ser alforriado.
Contudo, essa poderia ser uma forma de reforçar a legitimidade da alforria dele,
deixando por escrito nos registros paroquiais de batismo, caso venha esses pais
faltarem. Podendo também, ser prática comum dos proprietários de escravos, não
respeitar as leis como já apontado em outras situações similares. No capítulo I, tratamos
do caso de Inocência, filha de mãe indígena com pai escravizado. Ela viveu em
condição de cativa, até conseguir sua alforria. Uma prática comum não somente no
sistema escravista de Quixeramobim, mas no Brasil com um todo.
Para Cacilda Machado, muito embora “[...] o estabelecimento de relações de
compadrio com pessoas de status superior pudesse funcionar bem na busca de proteção
social e mesmo como mecanismo de manutenção e de ampliação de uma comunidade
de negros e pardos [...]”, o parentesco espiritual também consolidou a dominação e a
submissão no círculo das relações. Contudo, mesmo mediante a constatação das
complexas relações verticais impressas nas redes de compadrio, a autora afirma que o
compadrio, também “[...] promovia o estreitamento das relações entre escravos e
183
proprietários, entre livres e cativos, entre negros, pardos e brancos”. Seguindo essa
linha de raciocínio, a escolha dos padrinhos pelos pais escravizados era de suma
importância na ampliação de laços de solidariedade dentro e fora do cativeiro. Assim, a
complexidade das relações de compadrio e parentescos encontrava-se imbricada em
cada caso analisado.
Outro mecanismo utilizado para a aquisição de liberdade dos filhos era por
meio do abandono em casa de famílias de posses. Apesar de não ser o único motivo
para exposição de crianças, essa ação foi bastante utilizada por mães escravizadas de
todo o país para adquirir mais rápido a manumissão dos seus rebentos, principalmente
as solteiras. O enjeitamento dessas crianças em casas de alguém de posses ou mesmo
que gozasse de liberdade muitas vezes era bastante estratégico.
Os motivos pelos quais as famílias abandonavam suas crianças são quase
impossíveis de serem identificados. Carlos Bacellar aponta algumas justificativas para
compreender essas mães ou famílias que decidiram praticar tal ação, uma vez que não

183
MACHADO, Cacilda. A Trama das Vontades: negros, pardos e brancos na construção da hierarquia
social do Brasil escravista. Rio de Janeiro: Apicuri, 2008, p 74.
105

se buscava “lares que simplesmente pudessem criar aquela criança, dar-lhes condições
de sobrevivência que, provavelmente, não disporia junto aos pais biológicos”. Nesse
caso a questão financeira era a que mais pesava. Todavia, os destinos desses enjeitados
poderiam tomar rumos diferentes. Dependo da casa em que fossem deixadas, essas
crianças poderiam ser recebidas de modos distintos, com sorte poderiam ser aceitas
como filho (a), “tornando-se membro da família, ou aceitação do mesmo como
agregado, tornando-se mão-de-obra auxiliar”, sendo essa última prática mais
recorrente.184
O número de crianças expostas em Quixeramobim, entre os anos de 1740-
1810, não foi insignificante como podemos ver na tabela 07 do capítulo 02, página 86.
Totalizando 141 expostos, sendo 74 meninos e 67 meninas. Nesses registros não há
referencia sobre a filiação das mesmas, haja vista os donos das casas que as recebiam,
não faziam ideia de quem eram. Todos, entretanto, aparecem em condição de livre.
Logo, ao expor o filho ou filha, era garantida a eles a liberdade, caso suas mães
incógnitas fosses escravizadas. As qualidades/cores descritas sobre elas, quando
aparecem na documentação, são as mais variadas possíveis: 18 pardos, 04 mulato, 04
cabras, 01 mameluca, 02 índias, 13 brancas e 01 que se considera branca. Portanto, não
há apenas um perfil único de crianças enjeitadas.
Os pardos são os que mais aparecem entre os enjeitados. Essa categoria é a
mais complexa de compreensão, tendo em vista a sua amplitude de usos. Para Eduardo
França Paiva, essa palavra é a mais difícil de conceituar, pois pardo é sempre superior a
negro, bem como, para uma mãe africana, seus filhos nascidos com outras misturas na
América são “pardos”.

A partir do século XVI, “pardo” tornou-se categoria comum, por


vezes indicativo de “qualidade” (denotava algumas misturas com
negro, crioulos, mulatos, zambos, que poderia ter ocorrido com
brancos ou índios, principalmente), em outas vezes, mais expressando
a cor da pele.185

Assim sendo, embutidos na categoria de pardo estão os filhos de indígenas,


africanos, seus descendentes e brancos. Ficando complicado distinguir se essas crianças

184
BACELLAR, Carlos de Almeida Prado. Viver e sobreviver em uma vila colonial: Sorocaba, séculos
XVIII e XIX. São Paulo: Annablume/Fapesp, 200, p. 218.
185
PAIVA, Eduardo França. Dar nome ao novo. Uma história lexical da Ibero-América entre os séculos
XVI e XVIII (as dinâmicas de mestiçagens e o mundo do trabalho). Belo Horizonte. Autentica Editora,
2015, p. 213.
106

expostas que estão descritas como pardas vem de lares de pais negros, crioulos,
indígenas cativos e a exposição desses poderia confirmar a hipótese de que o
adiantamento da alforria dos mesmos viria pelos meios e subterfúgios legais. É válido
também o argumento de que ao serem descritas como pardas é pelo fato delas se
encontrarem em situação de liberdade, uma vez que a categoria de qualidade preta,
negra e crioula era quase exclusiva para a população cativa.
Outro dado interessante para os expostos em Quixeramobim foi à frequência
de crianças abandonadas em uma mesma casa, como demostra a tabela abaixo:

Tabela 09 - Casa com mais de uma criança exposta


Exposto na casa de: Vezes
Ana Correia 02
Ana Ferreira 02
Antônio das Virgens 04
Bartolomeu 03
João da Cunha Pereira 02
João da cunha pereira 02
Leonardo Vieira Dalto (tenente) 02
Narcizio Gomes 03
Fonte: Livros 01 e 02 de batismos da freguesia de Russas (1740-1755), Arquivo da
Diocese de Limoeiro do Norte (ADLN) e livros 01 ao 08 de batizados da Freguesia de
Quixeramobim (1755 -1810).

As casas que mais receberam crianças abandonadas foram a de Antônio das


Virgens, Bartolomeu e Narcizio Gomes, todas com mais de dois casos. É impossível
identificar, a partir de nossas fontes, quais as condições sociais desses sujeitos, o que
poderia justificar a escolha de suas casas para deixar os enjeitados. Uma vez, contudo,
que a criança era exposta, com sorte, poderia ser criada como filho. Esse foi o caso de
Manuel, deixado na casa de Narcízio Gomes e, segundo as fontes, criado como filho.
Em alguns casos aparece o título e as patentes de alguns dos donos dessas casas.
Encontramos na documentação 01 alferes, 01 coronel, 05 capitães, 02 tenentes e 04
donas.
A lógica de abandonar os rebentos em casas de pessoas com títulos e posses
não parece que foi utilizada em dois dos casos: o de Joaquim – expostos aos 03 dias de
nascido na casa de José, mulato, escravo de João da Cunha Pereira – e de Vicente –
pardo de 03 semanas, na residência de Maria, preta forra. Pode parecer precipitado
afirmar que José e Maria eram indivíduos sem posses, tendo em vista apenas as
informações de suas condições jurídicas. O primeiro, contudo, vivia em cativeiro e
107

assim, possivelmente não dispunha de recursos. A segunda era forra, mas diante da
experiência na escravidão, minava bastante as possibilidades de ter algum patrimônio,
uma vez que não havia e nem nunca houve políticas de amparo aos saídos do mundo da
escravidão. Portanto, é quase redundante chamar escravo ou forro de pobres, salvo
casos muito particulares como o de Chica da Silva, por exemplo.
Diante das diversas estratégias impressas na prática do abandono de
crianças, podemos concluir que nessa freguesia, este não era feito de modo aleatório,
mas sim de caso pensado e com muitas lógicas subjacentes que o justificavam.

4.3. Padrinhos “preferenciais”: a sociabilidade dos senhores, padrinhos e escravos


na freguesia de Quixeramobim (1740 – 1810)

Como já debatido acima, uma das possibilidades de interação entre o


universo cativo e o livre era por intermédio do compadrio. Muitos estudos
historiográficos se dedicaram a essa temática lançando luz ao passado escravista
brasileiro, adentrando as fronteiras familiares a partir das redes de parentescos
espirituais entre os cativos e a população livre. Uma característica particular desses
estudos foi a constatação de que, tanto nos grandes como nos pequenos plantéis nas
diversas regiões do Brasil, eram frequentes pessoas livres como padrinhos de crianças
cativas. Salvo espaços de economia mais dinâmica: como nas zonas de mineração e de
rede urbana mais estruturada, por exemplo.
Quixeramobim em meados do século XVIII e início do XIX ainda era um
espaço bastante rural, constituído de pequenas escravarias se comparado a outras
regiões brasileiras. Constatamos a predominância de padrinhos livres nas escolhas das
famílias escravizadas e forras, como já foi analisado nos tópicos anteriores. Carlos
Engemann atenta para uma compreensão mais ampla dessas relações de compadrio,
destacando duas modalidades para compreender as ligações entre as comunidades
escravizada e livre pelo viés do ritual de batismo e do compadrio. Ele compreende a
“simbiose” dessas comunidades a partir de duas vertentes, a saber: a primeira
considerada por ele incidental, isto é, quando o padrinho livre aparece uma única vez
apadrinhando um filho de algum cativo. Nessa categoria, fica bastante complexo
108

compreender as estratégias travadas na construção de redes de sociabilidades e de


proteção, se eram ansiadas pelos pais ou padrinhos. 186
A segunda modalidade compreende a dos “padrinhos preferenciais”, isto é,
aqueles que aparecem apadrinhando a partir de dois filhos de cativas do mesmo
proprietário. Esta é bem mais reveladora para compreendermos as construções de
estratégias, tendo em vista a associação das duas comunidades livre e escravizada,
através do compadrio. Nesse caso, os padrinhos “preferenciais” “[...] parecem ter
investido seu potencial em um único senhor, isto é, mesmo tendo batizado um número
187
considerável de cativos, por opção ou condição, o fizeram de um mesmo senhor”.
Segundo o supracitado autor, esses padrinhos se utilizavam por intermédio do
compadrio junto aos sujeitos escravizados do mesmo senhor para estreitar os seus laços
de amizades, confianças e barganha com esses últimos. No entanto, nem Engemann,
nem tampouco nós, desconsideramos a participação ativa da população cativa nesse
processo, afinal se utilizava também do compadrio com os livres na construção de suas
redes de parentesco e de interesses mútuo e pessoal.
Apesar de Carlos Engemann ter estudado essas relações em grandes planteis
do sudeste do Brasil, suas reflexões são bastante interessantes para pensar a realidade
dos sertões quixeramobinenses setecentistas. Verificamos não somente a predominância
de padrinhos livres nas famílias escravizadas por todas as décadas estudadas, bem como
em várias situações há repetição do nome do mesmo padrinho ou madrinha
apadrinhando outras crianças do mesmo proprietário.
Ainda de acordo com o referido autor, nessas circunstâncias em que o
mesmo sujeito surge apadrinhando outros rebentos de escravos da mesma escravaria,
aponta para o indício de que era uma estratégia mais do padrinho do que dos pais do
afilhado. E assim, esses sujeitos se utilizavam do compadrio com as famílias
escravizadas, para alcançar outras formas de plasmar laços de reciprocidade e
fortalecimento de alianças com as comunidades livres e de estamentos sociais diferente
ou igual aos seus.
Em Quixeramobim esses sujeitos qualificados como padrinhos
“preferenciais”, como quer Engemann, imbuídos nesses jogos de interesses, alguns

186
ENGEMANN, Carlos. De Laços e de Nós: constituição e dinâmica de comunidades escravas em
grandes plantéis do sudeste brasileiro do Oitocentos. (Tese de Doutorado). Universidade do Estado do
Rio de janeiro, 2006.
187
ENGEMANN, Carlos. , 2006, Op. cit. p. 213.
109

deles chegaram a levar a pia batismal 04 escravos de um mesmo senhor, como segue na
tabela abaixo. Diante desse indício, podemos pensar essas relações travadas também
nessa espacialidade, claro que respeitando as peculiaridades locais.

Tabela 10 - Padrinhos preferenciais, proprietários dos seus afilhados e número de


escravos apadrinhados (1740 - 1810).
PROPRIETÁRIO PADRINHO E AFILHADO
MADRINHA
Antônio Domingues Alvares Vieira Antônio Rodrigues 02
(Capitão)
Comandante Bento Luiz Ramalho Anna Francisca 02
Manuel Alvares Ferreira (Capitão) Custodio Ramos Mendes 02
Agostinho Cardoso Úrsula Maria das Virgens 02
Alexandre Guedes Da Cruz José Francisco Pereira 02
Alferes José da Cunha Saraiva Francisco Alvares 02
Dona Ana Maria do Ó Bernardino de Castro 02
Aniceto Pereira José de Lemos 03
Ana Pereira 02
Antônio Ferreira Sandes Junior Leandro Machado 02
Antônio Ferreira de Brito José Lopes De Moraes 02
Antônio Pereira De Queiroz (Capitão) Luiz escravo 02
Izabel escrava 02
Miguel José De Queiroz (Capitão) Ângela Maria Rosa 02
Capitão Mor José dos Santos Lessa Feliciana Gomes 02
Caietano da Silva Luz 04
Francisca Carneiro Francisco Xavier 02
Maria Gomes 02
Tenente Ignácio Lopes Francisco de Freitas 02
Ana Thereza 02
José Antônio Mauricio Domingo José 03
Florência Maria 03
Eusébio Victorino 02
Monteiro
José Ferreira Santiago Domingos (escravo) 02
Damiana(escrava) 02
José Lobo dos Santos Francisco Xavier Cordeiro 03
Jose Teixeira de Seixas Manuel Domingos Pereira 02
Maria Ferreira 02
Josefa Maria de Sousa (viúva) Maria José do Ó 02
Simão Lopes da Paz 02
Manuel Lopes 02
Luiz Pereira Baptista Francisco (escravo) 02
Luciana (escrava) 02
Manuel Gomes Diniz Luzia Francisca 02
José Ramos d´Andrade 02
Manuel Pereira da Silva Francisca Gertrudes da 02
Conceição
Fonte: Livros 01 e 02 de batismos da freguesia de Russas (1740-1755), Arquivo da Diocese de Limoeiro
do Norte (ADLN) e livros 01 ao 08 de batizados da Freguesia de Quixeramobim (1755 -1810).
110

Caietano da Silva Luz foi o padrinho que mais levou a pia batismal os filhos
de cativos de um mesmo senhor, o capitão-mor José dos Santos Lessa, foram ao todo
quatro. Como os sobrenomes do padrinho e do proprietário são distintos, eles, pelo o
que parece, não são parentes consanguíneos, mas possivelmente amigos ou Caietano era
agregado do referido capitão, supomos. Somente dois dos batizados ocorreram no
mesmo dia, os outros dois são em anos diferentes, em média de um a dois anos de
diferença de um para o outro. Em todo caso, esse padrinho “preferencial” esteve
presente nas dependências ou proximidades da fazenda do referido capitão, pelo menos
nesse curto espaço de tempo de 03 anos. Caetano, também, não apareceu em nenhum
momento nas fontes de batismos e casamento como sendo dono de algum escravo,
assim sendo, seria ele um sujeito de poucas posses e sua relação com o proprietário dos
seus afilhados era vertical? Bem como das 04 crianças apadrinhadas por ele, 03 são
filhas naturais, e duas delas da mesma mãe. Podemos conjecturar que ele poderia vir a
ser pai de algumas delas, uma possibilidade que não pode ser descartada. Nesse caso, o
vinculo que ele teria se estendia a comunidade cativa dessa fazenda e não diretamente
com o senhor.
José Lemos é o segundo na escala de quem mais teve afilhados cativos, de
um mesmo senhor, a saber: três de Aniceto Pereira. Esse referido padrinho e sua família
são os que mais estiveram presentes nos rituais católicos como padrinhos, testemunhas
de casamentos e proprietários de cativos em Quixeramobim (1740 – 1810). Ele é filho
de Luís de Lemos de Almeida e Leonor de Barros, irmão do capitão-mor Manuel
188
Ferreira de Lemos e Maria Ferreira de Lemos. Essa família batizou ao todo 23
crianças de seus cativos. E ele esteve como testemunha em dois casamentos de
escravizados e como proprietário em três. Aniceto Pereira, a seu turno, só apresentou
essas três crianças a pia batismal. Levando em consideração o número de cativos por
senhor ou clã familiar, José de Lemos era um caso bastante particular, pois, possuía a
das maiores escravarias dos sertões quixeramobinense e, portanto, de grande
patrimônio.
Nessas circunstâncias, as redes de compadrios traçadas entre Aniceto
Pereira, seus escravos e José de Lemos, se apresentam bastante complexas, tendo em
vista que o padrinho “preferencial” possuía grandes posses e era de família influente na

188
Livro 01 de casamentos da Freguesia de freguesia de Russas (1740-1755), Arquivo da Diocese de
Limoeiro do Norte - (ADLN). Livros 01 e 02 de casamentos da Freguesia de Quixeramobim (1755-1810).
Livros 01 e 02 de batismos da freguesia de Russas (1740-1755), Arquivo da Diocese de Limoeiro do
Norte (ADLN) e livros 01 ao 08 de batizados da Freguesia de Quixeramobim (1755 -1810).
111

região. Engemann ao analisar situação similar a esta acima, compreendeu que é


possível que “estes padrinhos, [...]raras vezes são eles mesmos grandes proprietários de
189
escravos, possam estar se conectando à uma esfera mais seleta de senhores”. Bem
como podemos compreender que a escolha dos pais espirituais poderia vir dos próprios
cativos, haja vista que são sujeitos históricos e como humanos estão inseridos nas
tramas das vontades, mesmo sendo estas tolhidas pelas condições impostas ao mundo da
escravidão.
Outra possibilidade que pode ser anexa a essa leitura do cotidiano
quixeramobinense colonial, a partir das construções de redes e comunidades livres e
escravas é a perspectiva da conveniência. Ela pode ter sido responsável por alguns
casos, “mas em boa medida este pode ter se constituído num dos fazeres possíveis a
conectar elementos da comunidade de senhores com a esfera cativa”. 190
Na tabela 08 acima, podemos acompanhar outro tipo de experiência dos
considerados “padrinhos preferencias”. Neste caso, são os casais de padrinhos de
condições jurídicas iguais aos seus compadres e comadres, isto é, também cativos. A
reincidência de um mesmo casal, apadrinhar filhos de escravos do mesmo senhor foi
identificada em três propriedades distintas. Cada uma delas teve um casal de
escravizados se dispondo a levar aos enlaces batismais duas crianças de uma mesma
escravaria. Na escravaria do Capitão Antônio Pereira de Queiroz, contou com Luiz e
Izabel, escravos, não há especificação de qual eram os seus senhores, nem se os mesmo
eram casados. A segunda foi a de Luiz Pereira Baptista, com Francisco e Luciana,
ambos, escravos de Narcizo Gomes. E por último, a de José Ferreira Santiago com
Domingos, escravo do capitão João Ferreira Vieira e Damiana, escrava de José Alvares.
Respeitando os limites impressos pelas fontes, não foi possível identificar
quais relações esses dois primeiros casos tinham com a família dos padrinhos e dos seus
respectivos proprietários. No entanto, nenhum deles pertence aos senhores dos seus
compadres, podendo ser uma forma de construir redes de solidariedades com seus
vizinhos e iguais em condição jurídica. No último caso acima, de Domingos e Damiana
eles, diferente dos demais, apadrinharam os dois filhos de Garcia, escravo Angola e
Francisca, crioula. Nessas circunstâncias, podemos compreender que havia aí uma
amizade construída entre os envolvidos e quiçá foi uma escolha dos próprios pais por
padrinhos de confiança e com laços de afeto.

189
ENGEMANN, Carlos. 2006, Op. cit. p. 216.
190
ENGEMANN, Carlos. 2006, Op. cit. p. 218.
112

Para os dois casos primeiros de “padrinhos preferenciais” escravizados que


apadrinharam filhos de famílias diferentes, apesar de compartirem da mesma escravaria,
pertenciam, segundo Engemann, à categoria de 'conectores' uma vez que batizam filhos
de escravos de famílias diferentes e de vários senhores, formando, assim, via
comunidade escrava, uma rede de associação entre proprietários e padrinhos. 191
De todo modo, essas foram algumas das formas expressas de resistências,
de solidariedades e de manutenção do sistema escravista da sociedade dos sertões
centrais cearenses e também adotadas aos seus modos em outras partes do país como
foram constatadas nos estudos que nos auxiliaram teoricamente nos nosso trabalho.
Muitas e diversificadas formas de socialização foram travadas nesses espaços e que
essas experiências ainda foram pouco trabalhadas. No entanto, em nenhum momento
buscamos esgotar essa temática que é atravessada por infinidades de perspectivas para
novos estudos.

191
ENGEMANN, Carlos. 2006, Op. cit. p. 219.
113

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Trabalhar com a temática da escravidão, por meio de fontes, abordagens,


perspectivas e objetos diversos, é sempre bem-vindo ao debate historiográfico,
principalmente em se tratando de um país como o Brasil, marcado profundamente pela
cultura escravista. Este sistema comprovou que suas raízes foram bastante profundas,
uma vez que suas estratégias de sustentação e manutenção se apresentaram
copiosamente efetivas mesmo após a Lei Áurea. Ele ainda se encontra presente em
nossa cultura, seus ecos nos são audíveis ainda hoje: tanto nos discursos racistas que
elegeram um presidente da República, como na superexploração do trabalho doméstico,
o ódio e desprezo reservados ao escravo, não superados ao final dessa instituição
perversa, são atualizados em novas facetas.
Ao optarmos por estudar as famílias escravizadas e forras em
Quixeramobim entre os anos de 1740 – 1810 tivemos por objetivo compreender os
aspectos da vida cotidiana dos homens e mulheres dos sertões cearenses. Esses espaços
foram considerados, pela historiografia do Instituto Histórico do Ceará, zonas de
escravidão “branda”, por não haver grande contingente de cativos por proprietário; uma
forma clara de suavizar esse grande crime da humanidade. No entanto, não encontramos
nesses sertões um sistema escravista menos doloroso do que em outras partes do país,
ou mesmo do que em qualquer sistema que suprima as liberdades de pessoas.
Verificamos que para além das estratégias resistências mais diretas, a existência de um
conjunto de meios próprios que esses sujeitos se utilizaram para lidar com a dor do
cativeiro. O que estamos chamando de meios para lidar com a dolorosa experiência na
escravidão, são as estratégias de resistência e de sobrevivência, utilizadas por esses
sujeitos vitimas de um sistema cruel como o escravista.
Para compreendermos partes desse cotidiano das famílias livres,
escravizadas e libertas quixeramobinenses do período colonial, buscamos através de
uma leitura dos dados demográficos, como também nas entrelinhas de nossas fontes de
casamentos e batismos. Uma leitura atenta, orientada nas teorias e metodologias da
História Social e da Demografia Histórica, nos ajudou a compreender códigos pouco
visíveis de resistência e manutenção do sistema escravista nessa espacialidade, como
ocorreu nos casos dos “padrinhos preferenciais”. Sujeitos livres ou mesmo escravizados
que buscavam no compadrio, junto às famílias escravizadas, se inserirem em redes de
proximidades e confiança com os respectivos proprietários. Uma estratégia de construir
114

por meio do parentesco ritual com cativos, alianças ou favorecimentos pessoais com
sujeitos livres e de posse.
Ao cruzarmos os dados presentes em nossas documentações, observamos
que as famílias escravizadas se encontravam atadas por laços de parentescos não
somente consanguíneos, mas também ritual. No caso do casamento católico, mesmo que
este não alcançasse toda a comunidade cativa, no entanto, encontramos famílias
nucleares, constituídas por pai, mãe e filhos de escravizados e forros, juntos por
gerações. Em paralelo a esses arranjos familiares formalizados pelo rito católico, havia
outros casais que preferiram outros formatos de uniões por meio da consensualidade,
mas que permaneciam por anos a fio.
Verificamos um número considerável de mães solteiras não somente
escravizadas e libertas, mas também, livres. Esses arranjos familiares buscaram
buscavam formas de sobrevivência, ou mesmo de melhores condições de vida para si e
seus rebentos. Uma dessas estratégias era o compadrio, em sua maioria através das
relações verticais com sujeitos de condição social e jurídica diferente das suas. No
entanto, há em menor quantidade, casos em que a escolha dos pais espirituais dos seus
filhos é pelos companheiros de cativeiro. Buscando assim, nessa última situação,
construir redes de solidariedade com seus iguais, ou mesmo ampliar suas comunidades.
Nas relações de compadrios envolvendo as famílias escravizadas e forras,
elas foram unânimes na preferência por compadres livres. Assim sendo, essa ação pode
ser entendida com estratégia de proteção ou sobrevivência, nesse sistema tão limitante
de direitos humanos.
Dentro das particularidades do sistema escravista quixeramobinense,
constatamos que a escravização não era exclusividade da população africana, ou mesmo
dos seus descendentes. Estende-se à parte da população indígena, mesmo que de
maneira mais disfarçada, pelo menos nas descrições dos documentos eclesiásticos.
Encontramos vários indícios em nossas fontes dessas práticas, constatando assim, uma
fina e tênue linha entre a liberdade e a escravidão dos indígenas presentes nessa
espacialidade.
Mesmo mediante limites e silêncios impostos por nossas fontes,
identificamos a construção dos laços familiares de parentescos consanguíneos, bem
como fortes e duradouras redes de amizades, solidariedade e de vizinhanças entre esses
sujeitos livres, escravizados e libertos da Freguesia de Quixeramobim. Essas relações
analisadas demonstraram quão plural foi a forma de viver dos cativos dessa Freguesia.
115

Bem como nas ações estratégicas forjadas pelo parentesco espiritual, também
fundamentais para o fortalecimento e a construção de laços de afetividade e de
sobrevivência nesses sertões.
Buscamos, através dos questionamentos levantados e das constatações que
chegamos com a realização dessa pesquisa, recompor parte desse passado colonial de
Quixeramobim. E esperamos que as histórias de vidas desses sujeitos históricos, que
atravessaram essa narrativa, tenham sido apresentadas primando pelo respeito às
especificidades humanas, sem que elas possam ser lidas, ou compreendidas como forma
de reforçar preconceitos ou discriminações.
Contudo, mesmo com o crescimento progressivo de pesquisas envolvendo a
temática da escravidão no Brasil, ainda há muito a ser descortinado desse passado,
principalmente, se tratando dos estudos locais que vem sempre surpreendendo com
novas e peculiares revelações desses contextos. Assim sendo, muitas e novas questões
ainda ficaram por ser analisadas na nossa pesquisa, uma vez que além de humanamente
impossível, nunca foi nossa intenção esgotá-las. Para pesquisa futura iremos trabalhar
com os inventários post mortes em diálogo com as fontes eclesiásticas de batismos,
casamentos e óbitos e assim, abordamos questões referentes a cultura material da
Freguesia de Quixeramobim.
116

FONTES DA PESQUISA

REGISTROS PAROQUIAIS DO ARQUIVO DA DIOCESE DE LIMOEIRO DO


NORTE - (ADLN).
Livros de batismos, freguesia de Russas:
Livro de Batizados Nº 01 – Freguesia de Russas, 1730 a 1761.
Livro de Batizados Nº 02 – Freguesia de Russas, 1741 a 1764.
Livro de Batizados Nº 03 – Freguesia de Russas, 1742 a 1789.

REGISTROS PAROQUIAIS DO ARQUIVO DA DIOCESE DE SANTO


ANTÔNIO DE QUIXERAMOBIM – (ADSAQ).

Livros de Batismos – Diocese de Quixadá - Paróquia de Santo Antônio -


Quixeramobim – Ceará.192
Livro de Batismo Nº 01 – 21 de Janeiro de 1756 à 10 de Junho de 1802.
Livro de Batismo Nº 02 – 26 de Novembro de 1755 à 12 de Fevereiro de 1777.
Livro de Batismo Nº 03 – 19 de Janeiro de 1777 à 22 de Setembro de 1780.
Livro de Batismo Nº 04 – 20 de Outubro de 1786 à 20 de Julho de 1799.
Livro de Batismo Nº 05 – 09 de Janeiro de 1791 à 29 de Julho de 1808.
Livro de Batismo Nº 06 – 08 de Abril de 1800 à 20 de Abril de 1806.
Livro de Batismo Nº 07 – 20 de Abril de 1806 à 26 de Dezembro de 1910.
Livro de Batismo Nº 08 – 20 de Dezembro de 1808 à 31 de Março de 1816.

Livros de casamentos – Diocese de Quixadá - Paróquia de Santo Antônio -


Quixeramobim – Ceará.

Livro de Casamentos Nº 01 – 16 de Novembro de 1755 a 29 de Julho de 1800.


Livro de Casamentos Nº 02 – 09 de Agosto de 1800 a 24 de Outubro de 1818.

INSTITUTO HISTÓRICO DO ESTADO CEARÁ – IHEC

192
https://familysearch.org/search
117

Revistas do Instituto Histórico do Ceará - RIHC.

Barão de Vascocellos. ― Capitania do Ceará. Revista do Instituto Histórico do Ceará


- (RIHC). Fortaleza, Tomo: XXIII, 1909.
BRÍGIDO, João. ― A capitania do Ceará. Revista do Instituto Histórico do Ceará -
(RIHC). Fortaleza, Tomo: XXIV, 1910.
BRÍGIDO, João. ― Ephemeredes do Ceará. Revista do Instituto do Ceará - (RIHC).
Fortaleza, Tomo: XIV, 1900
BRÍGIDO, João. ― Povoamento do Ceará. Revista do Instituto Histórico do Ceará -
(RIHC). Fortaleza, Tomo: XIV, 1900.

Arquivo Público do Estado do Ceará – (APEC)

Datas de Sesmarias do Ceará: digitalização dos volumes editados nos anos de 1920 a
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