A Pedagogização Do Conhecimento PDF

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 27

A PEDAGOGIZAÇÃO DO CONHECIMENTO: ESTUDOS SOBRE

RECONTEXTUALIZAÇÃO

CONHECIMENTO, LOCALIZAÇÃO E AUTORES

Na década de 60, eu diria que ocorreu uma convergência considerável no


campo das ciências sociais e psicológicas, uma convergência que talvez tenha
sido única no que diz respeito à série de disciplinas díspares envolvidas. Essa
convergência incluía disciplinas com epistemologias, métodos de pesquisa e
princípios de descrição radicalmente opostos e merece ser estudada à parte
pela sociologia do conhecimento. O trabalho inicia-se com a análise de uma
convergência conceitual dentro dos campos sociopsicológico e lingüístico no
início da década de 1990 e prossegue analisando as conseqüências da
recontextualização desse conceito nos campos de recontextualização
pedagógica. De dois modelos pedagógicos fundamentais surgem uma tipologia
complexa de modos pedagógicos e as identidades que esses modos projetam.
A institucionalização desses modos e sua mudança são investigadas,
comparando-se as identidades projetadas pelo sistema educacional e a
formação das novas identidades do que se chama capitalismo de transição. No
entanto, a origem dessa convergência não é o objeto deste trabalho, mas, sim,
sua conseqüência pedagogizadora. Nossa análise da lógica social desse
conhecimento pode ser útil para o estudo de suas origens. O conceito de
conhecimento que tenho em mente passou por todas as principais ciências
sociais de uma forma ou de outra, trata-se do conceito de competência. Na
década de 1960 e início da década de 1970, este conceito pode ser encontrado
nas áreas indicadas a seguir, podendo até mesmo ser que o conceito esteja
oculto no modelo dos jogos de linguagem de Wittgenstein v:

Lingüística: competência lingüística (Chomsky)

Psicologia: competência cognitiva (Piaget)

Antropologia social: competência cultural (Lévi-Strauss)

Sociologia: competência dos membros (Garfinkle)

(realizações práticas)

Sociolingüística: competência comunicativa (Dell Hymes)


O conceito refere-se aos procedimentos para fazer parte do mundo e construí-
lo. As competências são intrinsecamente criativas e se adquirem tacitamente
por meio de interações informais. São realizações práticas. A aquisição desses
procedimentos está além da esfera das relações de poder e de seus
posicionamentos diferenciais e desiguais, ainda que a forma que essas
realizações possam assumir não esteja claramente fora das relações de poder.
Nessa perspectiva, os procedimentos que constituem uma determinada
competência podem ser considerados como sociais: a negociação da ordem
social como prática, estruturação cognitiva, aquisição da linguagem e novas
elaborações culturais com base nas que já existiam. Esses procedimentos não
foram legados por qualquer cultura e, nesse sentido, não pertencem a
nenhuma especificamente. Eles podem repousar sobre uma base biológica,
como é o caso em Chomsky, Piaget e Lévi Strauss, porém definitivamente não
em Garfinkle. No entanto, essa base biológica não origina atributos fixos e
imutáveis, ao contrário, aponta para variedade e possibilidades: um biologismo
“progressivista”* . Embora não seja especificamente vinculada ao conceito de
competência, tentarei demonstrar mais adiante que essa base traz consigo um
possível antagonismo para comunicação, especificado por meio de
procedimentos explícitos e formais e sua base institucional; uma tendência a
adotar o populismo (Jones, Moore, 1995).

COMPETÊNCIA E SUA LÓGICA SOCIAL

Quero agora examinar aquilo que poderia ser chamado de lógica social desse
conceito. Por lógica social refiro-me ao modelo implícito do social, o da
comunicação, da interação e do sujeito inerente ao conceito. Eu diria que uma
análise da lógica social de competência revela:

1. anúncio de uma democracia universal de aquisição. Todos os sujeitos são


intrinsecamente competentes e todos possuem procedimentos em comum. Não
existem déficits;

2. que o sujeito é ativo e criativo na construção de um mundo válido de


significados e prática. Aqui há diferenças, porém não déficits. Tomemos a
criatividade na produção da linguagem (Chomsky), a criatividade no processo
de acomodação (Piaget), a bricolagem em Lévi-Strauss, as realizações práticas
de um membro (Garfinkle);

3. ênfase no sujeito capaz de se auto-regular, o que é um desenvolvimento


positivo. A instrução formal não promove outro avanço ou expansão além
desse. Os socializadores oficiais são suspeitos, pois a aquisição desses
procedimentos constitui um ato tácito, invisível, não sujeito à regulação pública;
4. visão crítica, cética, das relações hierárquicas. Isto é continuação do ponto
(3), pois, de acordo com algumas teorias, a função dos socializadores não deve
ir além da facilitação, acomodação e controle do contexto. As teorias sobre
competência têm um tom emancipatório. Sem dúvida, em Chomsky e Piaget, a
criatividade situa-se fora da cultura. É inerente ao trabalho mental;

5. mudança da perspectiva temporal para o tempo presente. O tempo


apropriado procede do ponto de realização da competência, uma vez que é
esse ponto que revela o passado e prenuncia o futuro.

Obviamente, essas cinco características da lógica social não se aplicam


igualmente a todos os usos do conceito, porém a maioria se aplica. Além
disso, a ênfase sobre uma característica pode ser maior em um uso do que em
outro.

Resumindo, em termos gerais, de acordo com as teorias da competência,


existe uma democracia inerente de procedimentos, uma criatividade inerente e
uma auto-regulação virtuosa e inerente. E, se não forem inerentes, os
procedimentos advêm do exterior e contribuem para a prática social, com um
potencial criativo. No entanto, esse idealismo da competência, a celebração do
que somos em comparação com aquilo que nos tornamos, tem seu preço; isto
é, o preço de separar o indivíduo da análise da distribuição de poder dos
princípios de controle que, seletivamente, especializam modos de aquisição e
realizações. Assim, o anúncio da competência desloca-se dessas
especializações seletivas e, portanto, desloca-se das macroi mperfeições do
microcontexto. Não é difícil, contudo, ver a repercussão do conceito de
competência nas ideologias liberais, progressivistas e até mesmo radicais do
final da década de 1960, bem como de seus patrocinadores, principalmente
aqueles que dominavam a educação. E é nisso que agora quero me
concentrar. É óbvio que, ao elaborar essas teorias, os teóricos da competência
tinham pouca ou nenhuma preocupação com a educação. Seus textos criavam
posições e se dirigiam, geralmente de forma antagônica, a outros textos do
campo intelectual, naquilo que chamamos de campo da produção do discurso.

Esses textos extraíram sua importância da relação com outros textos, por
exemplo, Chomsky e os gramáticos dos constituintes imediatos, Piaget e
o behaviorismo, Garfinkle e o funcionalismo estrutural, Lévi-Strauss e
suas estruturas inconscientes contra as particularidades dos grupos e
indivíduos.

Embora seja verdade que Chomsky, Piaget e Lévi-Strauss operavam com


variedades de estruturalismo, certamente esse não é o caso de Garfinkle e da
etnometodologia; tampouco é o caso da competência comunicativa na
sociolingüística de Dell Hymes. O conceito de competência tem, portanto,
raízes epistemológicas diferentes, até mesmo opostas. O que provavelmente
havia de comum entre todos os teóricos era uma postura antipositivista. O que
está em questão é como um conceito que surgiu no campo intelectual, e
cujos autores tinham pouca ou nenhuma relação com a educação,
Apontei para a convergência, dentro do campo da produção do discurso
intelectual, das disciplinas das ciências sociais e psicológicas para o
conceito de competência e extraí aquilo que entendo ser a lógica social
que subjaz ao conceito. Indiquei que essa lógica social era particularmente
interessante para os ocupantes de uma posição especializada no campo de
recontextualização pedagógica. De fato, a lógica social interessava aos
membros dominantes do campo oficial de contextualização (Plowden Report,
1969). No final da década de 1960, a lógica social da competência
predominava tanto no campo de recontextualização pedagógica quanto no
campo oficial de recontextualização pedagógica, o que era uma convergência
incomum1 . Percebe-se nitidamente que nem todas as disciplinas pedagógicas
foram influenciadas pelo mesmo conceito de competência. Piaget foi mais
importante para a psicologia educacional e para a educação primária2 ;
Chomsky, mais relevante para a psicologia e para a linguagem;
etnometodologia e competência comunicativa para a sociologia da
educação britânica; a competência comunicativa de Labov e Chomsky
para os estudos de linguagem. Na verdade, no último caso, Halliday foi
convocado e sua teoria, recontextualizada para fornecer um conceito de
competência contextual ou competência genérica.

MODELOS PEDAGÓGICOS: COMPETÊNCIA E DESEMPENHO

Quero agora mostrar como a “competência” recontextualizada criou uma


prática pedagógica específica, basicamente na pré-escola e na escola primária.
Para isso, vou criar dois modelos comparativos de prática e contexto
pedagógicos. Compararei um modelo de competência com um modelo de
desempenho (ver Quadro 1). Resumidamente, um modelo de desempenho
de prática e contexto pedagógicos coloca a ênfase na produção do
adquirente, um texto específico que o adquirente deve elaborar, e nas
habilidades especializadas e necessárias para a produção desse texto ou
produto específico.

Aqui gráfico . idem artigo .

Discutirei esses modelos com referência às características que ambos


têm em comum:

1. categorias de tempo, espaço e discurso;


2. orientação pedagógica para avaliação;
3. controle pedagógico;
4. texto pedagógico;
5. autonomia pedagógica;
6. economia pedagógica.

1. Discurso

Modelos de competência O discurso pedagógico emerge na forma de projetos,


temas, diversidade de experiências, uma base de grupo em que os adquirentes
aparentemente têm controle significador sobre a seleção, seqüência e ritmo. As
regras de reconhecimento e elaboração de textos legítimos estão implícitas. A
ênfase recai na concretização de competências que os adquirentes já têm (ou
considera-se que tenham). A estratificação desloca as diferenças entre os
adquirentes: a classificação é fraca.

Modelos de desempenho

O discurso pedagógico aqui provém da especialização dos sujeitos,


habilidades, procedimentos que são nitidamente marcados com respeito à
forma e função. As regras de reconhecimento e elaboração de textos legítimos
são explícitas. Os adquirentes têm relativamente menos controle sobre a
seleção, seqüência e ritmo. São atribuídas notas aos textos dos
adquirentes (desempenhos) e a estratificação desloca as diferenças entre
os adquirentes. As classificações são fortes.

Espaço

Modelos de competência

Existem poucos espaços pedagógicos especialmente definidos, embora os


locais facilitadores (por exemplo, um tanque de areia) possam ser claramente
determinados. Os adquirentes têm controle considerável sobre a
construção de espaços como locais pedagógicos e a circulação é
facilitada pela falta de limites regulatórios que restrinjam o acesso e a
movimentação. A classificação é fraca.

Modelos de desempenho

O espaço e as práticas pedagógicas específicas são nitidamente marcadas e


explicitamente reguladas. Os interstícios para que os adquirentes construam
seu próprio espaço pedagógico são restritos. Os limites regulatórios que
restringem o acesso e distribuem os movimentos são explícitos e bem
demarcados. A classificação é forte.

Tempo
Modelos de competência

Esses modelos selecionam o tempo presente como a modalidade temporal. O


tempo não é explícita ou minuciosamente pontuado como marcador de
diferentes atividades: como conseqüência, a pontuação do tempo não constrói
um futuro. Por isso, o tempo presente é enfatizado. Além disso, o
seqüenciamento fraco e implícito das diferentes atividades (sem uma sucessão
aparente) combinase com o ritmo fraco para enfatizar o tempo presente. Visto
que a ênfase recai naquilo que cada adquirente está revelando em um
momento particular (que só o professor sabe) e que isto é o significador daquilo
que o professor deveria tornar disponível, então a dimensão do tempo da
prática pedagógica é o tempo presente da perspectiva do adquirente.

2. Avaliação

Modelos de competência

Aqui, a ênfase é dada naquilo que está presente no produto do adquirente.


Tomemos como exemplo uma classe na qual um adquirente desenhou uma
imagem. Provavelmente o professor dirá “Que desenho encantador, fale-me
sobre ele”. Os critérios de avaliação do discurso instrucional provavelmente são
implícitos e difusos. No entanto, os critérios do discurso regulador (critérios de
conduta, atitudes e relação) provavelmente são mais explícitos. Ver a seguir
“controle” para posterior análise.

Modelos de desempenho

A ênfase aqui está naquilo que está faltando no produto. Vamos considerar
uma classe na qual o adquirente terminou de pintar uma casa. Provavelmente
o professor dirá “Que casa graciosa, mas onde está a chaminé?” Ou, se o
aluno desenhou uma pessoa, o comentário pode ser “Muito bem, mas seu
homem só tem três dedos!” Se a ênfase estiver naquilo que está ausente no
produto do adquirente, então os critérios serão explícitos e específicos, e o
adquirente tomará consciência de como reconhecer e realizar um texto
legítimo.

3. Controle

Modelos de competência

Uma vez que o espaço, o tempo e o discurso não originam enquadramentos e


classificações explícitos, essas variáveis não podem constituir nem transmitir
ordens. A falta de enquadramentos e classificações explícitos torna a
possibilidade e o uso do controle posicional uma estratégia de baixa prioridade.
Além disso, esse controle influi sobre o conceito do transmissor, como
facilitador e do adquirente, como auto-regulador. O controle, então, tende a
ser inerente às formas personalizadas (que variam de aluno para aluno),
que são realizadas em formas de comunicação com enfoque nas
intenções, disposições, relações e reflexibilidade do adquirente. Isso não
significa que os modos posicional e imperativo de controle não
ocorrerão, mas, sim, que se trata de modos menos privilegiados.
Modelos de desempenho

O espaço, o tempo e o discurso originam classificações e enquadramentos


explícitos que, embora possam abrir espaços para disputas, constituem e
transmitem ordens. Esses enquadramentos e classificações são recursos do
controle posicional que, por sua vez, legitimam os enquadramentos e as
classificações. O próprio modo do discurso instrucional encerra os adquirentes
em uma regulação disciplinadora que confere alta visibilidade a qualquer
desvio. A economia dos modelos de desempenho, determinada por regras
explícitas, faz do recurso a modos de controle pessoal uma opção menos
atraente, uma vez que esses modos muitas vezes impõem comunicação
prolongada em base individual. Devo esclarecer que os adquirentes
desenvolvem estratégias para subverter as ordens tanto no modo de
competência como no modo de desempenho, porém as estratégias
tendem a ser mais específicas.

4. Texto pedagógico

Modelos de competência

Aqui o texto não é tanto o produto de um adquirente, pois esse produto indica
algo mais além dele próprio. Revela o desenvolvimento da competência do
adquirente, de modo cognitivo-afetivo ou social, e esses são os enfoques. O
professor opera com uma teoria de leitura do produto que o adquirente lhe
oferece (ou não). Essa teoria de leitura marca a atuação profissional do
professor e constitui recontextualização das ciências sociais e psicológicas, as
quais legitimam esse modo pedagógico. Conseqüentemente, o significado dos
signos de um adquirente não está ao alcance do adquirente, apenas do
professor Aqui o texto pedagógico é essencialmente o texto que o adquirente
produz, isto é, o texto pedagógico é o desempenho do adquirente. Esse
desempenho é expresso por meio de notas. A atuação profissional do
professor consiste em uma prática pedagógica explícita e no sistema de
atribuição de notas, que origina um possível trabalho de correção com uma
teoria diagnóstica correspondente, prática e distribuição de responsabilidades.

Declarei anteriormente que os modelos de desempenho relativos à


competência enfatizam o futuro. Contudo, com referência à produção do texto
pedagógico, pode-se dizer que os modelos de desempenho expressam o
passado. A prática pedagógica que produz o texto posiciona o adquirente,
invisivelmente, no passado e em seus rituais que produziram o discurso
instrucional. Dessa maneira, nos modelos de desempenho, o futuro torna-se
visível mesmo se o que o construiu foi um passado invisível para o adquirente.
No caso dos modelos de competência, o futuro é que é invisível para o
adquirente (visível apenas para o professor) e o presente é continuamente
visível.
5. Autonomia

Modelos de competência.

Esses modelos requerem um campo e um nível de autonomia relativamente


amplos, embora os professores de qualquer instituição de ensino
provavelmente tenham autonomia reduzida para sua prática pedagógica, uma
vez que esse modo requer práticas homogêneas. Embora a construção de um
contexto e prática específicos tenham aspectos em comum, qualquer contexto
e prática particular também dependerão das características particulares dos
adquirentes e seus contextos. Como resultado, cada instituição requer um grau
de autonomia para que isso seja concretizado. Os recursos pedagógicos
exigidos pelos modelos de competência tendem a ser menos
predeterminados na forma de livros didáticos ou rotinas de ensino. Os
recursos geralmente são elaborados pelos professores e, para isso, é
preciso ter autonomia. Em relação aos modelos de desempenho, os
modelos de competência não são tão suscetíveis a um exame minucioso
e a uma responsabilização por parte do público, uma vez que é mais
difícil avaliar objetivamente seus produtos. Por fim, os modelos de
competência não foram feitos para futuros especializados e são, portanto,
menos dependentes e menos regulados.

É mais difícil discutir autonomia com respeito aos modelos de desempenho,


uma vez que existem diferenças fundamentais em suas modalidades.
Resumidamente, é possível distinguir entre os futuros do desempenho que se
referem somente a desempenhos que eu chamarei, preliminarmente, de
modalidades introvertidas (introverted modalities ) e os futuros do desempenho
que sejam dependentes de algum tipo de regulação externa, que eu chamarei
inicialmente de modalidades extrovertidas (extroverted modalities). No caso
das modalidades introvertidas, o futuro refere-se à exploração de um
discurso especializado em si mesmo como atividade autônoma. No caso
das modalidades extrovertidas, o futuro tende a depender de algum tipo
de regulação externa, por exemplo, a economia ou os mercados locais.
No caso das modalidades introvertidas, enquanto o discurso
especializado constrói – isso lhe é autorizado – autonomia, qualquer
prática pedagógica particular e o desempenho do adquirente subordinam-
se à regulação externa do currículo, no que tange à seleção, seqüência,
ritmo e critério de transmissão. Pode ser que, em virtude da forte
classificação do discurso, espaço e tempo, a prática individual de ensino (ao
contrário do que acontece nos modelos de competência) varie dentro dos
limites dos desempenhos esperados dos adquirentes. No caso das
modalidades extrovertidas, a autonomia é nitidamente menor em virtude
da regulação externa dos futuros do desempenho. No entanto, aqui é
possível, sob determinadas condições administrativas, que as
instituições (ou unidades organizacionais dentro das instituições)
desfrutem de autonomia quanto à maneira como distribuem seus
recursos financeiros e discursivos para otimizar seu nicho de mercado.

6. Economia

Modelos de competência.

Os custos de transmissão desses modelos tendem a ser mais elevados


do que os custos dos modelos de desempenho. Os custos incorridos na
formação de professores tendem a ser altos em virtude da base teórica
dos modelos de competência. A seleção de alunos tende a ser mais
rígida, uma vez que as qualificações necessárias sejam talvez mais
restritas e tácitas do que no caso dos professores dos modelos de
desempenho. Além disso, existem custos invisíveis referentes a aspectos
necessários para que o modelo de competência seja bem-sucedido em seus
próprios termos. Os custos invisíveis referem-se ao tempo dispendido em cada
tarefa. Geralmente, o professor tem que elaborar os recursos
pedagógicos; a avaliação requer tempo para estabelecer o perfil do
adquirente; e, na discussão de projetos em grupos, é necessário incluir a
participação dos pais; fornecer feedback sobre o desenvolvimento do
adquirente (ou a falta de) é um outro fator que implica custo. Dentro da
instituição, é necessário haver uma ampla interação entre os professores para
fins de planejamento e monitoramento da prática, uma vez que a estrutura é
mais elaborada do que recebida. Só raramente esses custos invisíveis são
explicitamente reconhecidos e incluídos nos orçamentos, porém fazem parte
dos compromissos individuais do professor. Essa falta de reconhecimento pode
tornar a prática pedagógica ineficiente em virtude das exigências da prática ou,
caso essas exigências estejam preenchidas, a falta de reconhecimento pode
originar ineficiência em virtude do cansaço dos professores.

Modelos de desempenho

Os custos de transmissão desses modelos são relativamente menores do que


os custos dos modelos de competência. No caso dos modelos de desempenho,
a formação requer uma base teórica muito menos elaborada, de forma que
essa base não exige tanta provisão de pessoal. O caráter explícito da
transmissão faz com que esses modos sejam menos dependentes dos
atributos pessoais do professor, o que significa um número maior de
profissionais disponíveis. A responsabilização é facilitada pela
“objetividade” do desempenho e, assim, os resultados podem ser
mensurados e otimizados. Os modelos de desempenho podem muito bem
recorrer a pacotes e algoritmos para reduzir os custos de formação,
aumentando assim o número de professores disponíveis. Geralmente, os
modelos de desempenho são mais suscetíveis ao controle externo e seus
aspectos econômicos. Por fim, o planejamento e o monitoramento não geram
custos invisíveis como acontece com os modelos de competência, devido às
estruturas explícitas da transmissão e do seu progresso. Nenhum dos pontos
acima substitui a importância do comprometimento, motivação e atributos
pessoais do professor, porém essas qualidades operam dentro de modelos
particulares.

MODELOS E SEUS MODOS

Eu indiquei que existem modelos de competência e modelos de


desempenho, porém até agora forneci somente o modelo geral de cada
modalidade. Será útil insistir um pouco mais nas diferenças entre esses dois
modelos gerais antes de analisar suas variações. No caso de modelos de
competência, existe um enfoque em procedimentos comuns compartilhados
dentro de um grupo. Nos casos por nós analisados, trata-se de grupos de
crianças, mas esses procedimentos comuns podem muito bem ser
compartilhados com outras categorias, por exemplo, comunidades
étnicas, grupos de classe social. Dessa perspectiva, os modelos de
competência são prognosticados em relações fundamentais do tipo
“similares a”. As diferenças entre adquirentes não são sujeitas à
estratificação, porém podem ser vistas como contribuições
complementares à realização de um potencial em comum. Com base
nisso, é possível distinguir três modos distintos de modelos de
competência. Todos os três têm em comum um misto de emancipação e
oposição, mas em graus diferentes e com enfoques diferentes. Farei a
distinção entre esses modos em termos da localização das relações
“similares a”. No primeiro modo (primeiro em termos históricos), as
relações “similares a” localizam-se dentro do indivíduo e referem-se aos
procedimentos que todos os indivíduos têm em comum. Esse modo se
opunha ao que se considerava como formas de autoridade repressiva
(geralmente na figura do homem) na família e na escola, assim como na
indústria, e era emancipatório com respeito ao novo conceito da criança a
ser realizado por práticas e controles pedagógicos apropriados. Esse
modo, que legitimava uma nova ciência sobre o desenvolvimento infantil, a
profissionalização dos responsáveis pelos cuidados infantis e carreiras
profissionais para mulheres, tinha implicações para os fortes modos patriarcais
da autoridade familiar. Essencial e resumidamente, o enfoque desse modo era
sobre o potencial intra-indivíduos, que poderia ser revelado por meio da prática
e de contextos pedagógicos apropriados. O modo poderia ser chamado de
liberal/progressivista. Foi desenvolvido, patrocinado e institucionalizado
por aquela fração da nova classe média em ascensão, localizada no
campo do controle simbólico (Bernstein, 1975, 1977, 1990; Jenkins, 1990).
O segundo modo localiza relações “similares a” não dentro do indivíduo,
mas dentro de uma cultura local (de classe, étnica, regional). A referência
aqui é quanto à validade das competências comunicativas intrínsecas a
uma cultura local, geralmente dominada. Esse segundo modo pressupõe
uma oposição entre a prática pedagógica oficial predominante e as práticas e
contextos pedagógicos locais. O segundo modo pressupõe um
silenciamento do último pelo primeiro. Os patrocinadores desse modo
mostram, ou tentam mostrar, que um grupo de competências – científicas,
matemáticas, lingüísticas, cognitivas, médicas – é gera-do por práticas
comunicativas locais, porém estas são ignoradas, não percebidas ou
reprimidas por membros dos campos pedagógicos oficiais. Chamarei esse
modo de populista. O terceiro modo provém do segundo, pelo fato de
localizar a competência dentro de um grupo ou classe dominada, porém,
ao contrário do primeiro, esse modo não enfoca competências inerentes.
Tampouco enfoca procedimentos intra-indivíduos como faz o primeiro
modo. O terceiro modo enfoca as oportunidades interclasses/grupos,
materiais e simbólicas, para atenuar seu posicionamento objetivo e
dominante. A prática e os contextos pedagógicos criados por esse modo
pressupõem um potencial emancipatório comum a todos os membros do grupo.
Isso pode ser posto em prática por meio de uma investigação, pelos próprios
membros do grupo, daquilo que os torna necessariamente impotentes em
circunstâncias de renovação pedagógica. A isso chamarei modo radical (Paulo
Freire é um bom exemplo de criador desse modo). Esse modo é encontrado
com mais freqüência na educação informal de adultos. Em termos gerais, todos
os três modos de competência enfocam relações “similares a”, embora essas
relações tenham diferentes localizações. Todos os três enfatizam a diferença e
não o déficit. Todos os três se opõem a procedimentos de estratificação,
anunciam uma criatividade–emancipação em comum. Todos os três operam
com formas de uma pedagogia invisível (Bernstein, 1975, 1977, 1990). No
entanto, dentro do campo de recontextualização pedagógica, esses modos
ocupam posições opostas. O terceiro modo, o modo radical, está ausente do
campo oficial de recontextualização – COR – e sua presença como uma
posição no campo de recontextualização pedagógica – CRP – depende da
autonomia desse campo. Da mesma forma que os diferentes modos de
competência podem ser caracterizados, os diferentes modos de
desempenho também podem ser caracterizados. Os modos de
desempenho diferem uns dos outros de acordo com o modo de
especialização de seus textos. Os modos de desempenho baseiam-se em
diferentes princípios de construção do texto, em diferentes bases de
conhecimento e diferentes organizações sociais. Enquanto os modos de
competência baseiam-se em diferentes localizações das relações
“similares a”, os modos de desempenho baseiam-se em relações
“diferentes de”. Os modos de competência geralmente regulam o início da
vida escolar dos adquirentes ou seções de recuperação. Os modos de
desempenho são empiricamente normais em todos os níveis da educação
oficial. Dessa perspectiva, os modos de competência po-dem ser vistos
como interrupções ou resistências a essa normalidade ou podem ser
apropriados pela educação oficial para finalidades específicas e locais.
Farei a distinção dos três modos de desempenho de acordo com sua
base de conhecimento, enfoque e organização social.

Singulares

Singulares são estruturas do conhecimento cujos criadores apropriaram um


espaço para dar a si próprios um nome exclusivo, um discurso especializado
separado com seu próprio campo intelectual de textos, práticas, regras de
entrada, exames, licenças para exercer, outorga de certificações e punições
(física, química, história, economia, psicologia etc.). De modo geral, as
disciplinas singulares são narcisistas, orientadas para seu próprio
desenvolvimento, protegidas por limites e hierarquias fortes.

Regiões

As regiões são construídas por meio da recontextualização das


disciplinas singulares em unidades maiores, que operam tanto no campo
intelectual das disciplinas como no campo da prática externa. As regiões
são interfaces das disciplinas singulares e as tecnologias que elas tornam
possíveis. Portanto, engenharia, medicina, arquitetura são regiões. Regiões
contemporâneas seriam ciência cognitiva, administração, análises de negócios,
comunicações e mídia. A regionalização na educação superior tem avançado a
passos largos nas novas universidades, como pode ser comprovado por uma
rápida passada de olhos nos prospectos de cursos oferecidos por essas
instituições. Que disciplinas passam a fazer parte de uma região dependerá do
princípio da recontextualização e sua base social. Dessa forma, as
disciplinas singulares que entram na medicina expandiram-se para incluir
a sociologia da medicina. A regionalização enquanto procedimento
discursivo ameaça as culturas pedagógicas dominadas pelas disciplinas
singulares e gera questões sobre a legitimidade dessas culturas, por
exemplo, jornalismo, dança, esporte, turismo, como estudos
universitários. No entanto, as mudanças na reprodução de disciplinas
tradicionais singulares como base do curso para a forma modular
facilitam a regionalização. A regionalização necessariamente enfraquece
tanto a base discursiva autônoma quanto a base política das disciplinas
tradicionais singulares e, assim, facilita as mudanças nas estruturas
organizacionais das instituições em direção a um maior controle
administrativo central. As regiões têm, talvez, autonomia sobre seus
conteúdos de forma que respondam melhor, a ser mais afetadas, pelo
mercado que faz uso de seus produtos. A crescente regionalização do
conhecimento é, então, um bom indicador de sua tecnologização, de
centralização do controle administrativo e dos conteúdos pedagógicos
recontextualizados de acordo com a regulação externa. Aumentar a
regionalização necessária implica o enfraquecimento da força da
classificação dos discursos e de suas identidades narcisistas e, assim,
uma mudança de orientação de identidade em direção a uma maior
dependência externa: uma mudança de identidades introjetadas para
identidades projetadas (ver discussão mais adiante). É interessante notar
que a organização do discurso no nível da escola é firmemente baseada
em disciplinas singulares, apesar dos movimentos em direção à
regionalização na educação superior. De fato, a tentativa de introduzir
temas que “cortem o caminho” das disciplinas singulares conforme
determinado pela Education Reform Act 1988 (Lei da Reforma
Educacional de 1988) foi ineficiente (Whitty, Rowe, Aggleton, 1994). Talvez
o equivalente da regionalização na educação superior seja a mudança
para habilidades genéricas no nível da escola básica.

Genérico

Esse modo de desempenho é recente e se distingue de outros modos pelos


seguintes aspectos:

1. Localização da recontextualização : os modos genéricos são elaborados e


distribuídos fora, e de forma independente, dos campos da recontextualização
pedagógica. Esses modos originaram-se no Manpower Services Commission –
MSC (1977; 1981) (Comissão dos Serviços de Mão-de-Obra) e da Training
Agency – TA (1989) (Agência de Treinamento), sob a égide do Departamento
de Emprego. Como apontam Moore e Hickox (1995), os programas foram
desenvolvidos a partir de um trabalho anterior da MSC/TA com elementos
componentes do emprego em associação com a Youth Training Scheme – YTS
(Esquema de Treinamento da Juventude). Esses programas desenvolveram-se
de acordo com uma metodologia especial de “competências” empregada no
uso da análise funcional (Jones, Moore, 1995) pelo National Council for
Vocational Qualifications (Conselho Nacional de Qualificações Vocacionais),
em seus programas-padrão (ver também Hyland, 1994; Eraut, 1994).

2. Enfoque : os modos genéricos são basicamente dirigidos para experiências


extra-escolares, trabalho e “vida”. 92 Cadernos de Pesquisa, n. 120, novembro/
2003

3.Localização : os modos genéricos são predominantemente, porém não


exclusivamente, encontrados em Further Education – FE [cursos técnicos e
profissionalizantes]. Jones e Moore (1995) afirmam que: O impacto da
competência [leia-se desempenhos genéricos] sobre o setor FE, no qual a
influência é mais marcante, envolveu uma reestruturação importante da cultura
profissional, práticas de trabalho, estilo de administração de faculdade e
condições de serviço que subverteram tanto a educação liberal quanto a
tradição das profissões técnicas.

4. Reconhecimento inadequado : os modos genéricos são produzidos por


uma análise funcional das características subjacentes necessárias para a
execução de uma habilidade, tarefa, prática ou mesmo uma área de trabalho.
Essas características subjacentes e aparentemente necessárias são
conhecidas como “competências”. Como Jones e Moore (1995) analisam de
maneira convincente, essas características subjacentes e tácitas, identificadas
como “competências”, ressonâncias apropriadas de um modelo de oposição,
silenciam a base cultural das habilidades, tarefas, práticas e áreas de trabalho,
originando um incipiente conceito de capacitação (ver também Whitty, 1991).

MODELOS, OPOSIÇÕES E IDENTIDADES

Agora já posso elaborar o potencial discursivo do campo de recontextualização


que caracteriza o contexto contemporâneo. Atualmente, o tipo de discurso
apropriado depende mais e mais da ideologia dominante no campo oficial
de recontextualização (COR) e da relativa autonomia do campo de
recontextualização pedagógica (CRP). Essas questões serão discutidas
na próxima seção, na qual examinaremos a mudança inicial dos modos
de desempenho para os modos de competência, bem como a mudança
reversa, dos modos de competência para os modos de desempenho.
Aqui, quero examinar as oposições e a construção de identidades
inerentes aos diferentes modelos e modos. As divisões dentro, e a
oposição entre, os modelos de competência e desempenho criaram três
modos de competência: liberal/progressivista, populista e radical, e três
modos de desempenho: disciplinas singulares (o modo especialista),
regional e genérico. Os modos de competência são considerados
terapêuticos (porém “capacitadores” por seus patrocinadores), embora
os objetivos de cada modo sejam diferentes, ao passo que os modos de
desempenho, pelo menos os regionalizados e os genéricos, servem a
finalidades econômicas e são considerados instrumentais. É possível
constatar que modos diferentes de ambos os modelos significam
posições opostas nos campos da recontextualização. No caso dos
modelos de competência, o modo liberal/progressivista e o modo
populista são opostos, pois o último acusa o primeiro de retirar o
adquirente de seu contexto local cultural. O modo radical se opõe a ambos
os modelos, uma vez que eles deixam de posicionar o discurso pedagógico na
contenda política e também de utilizar esse discurso como meio de mudar a
consciência política. No caso dos modos de desempenho, existe um potencial
(que muitas vezes se concretiza) de oposição entre os modos especialista
(disciplinas singulares) e as novas regiões. Estas são consideradas como
categorias mistas suspeitas e que competem pelos parcos recursos existentes.
Todos os modos de competência, apesar das oposições, têm em comum a
preocupação com o desenvolvimento (liberal/progressivista), o reconhecimento
(populista) e a mudança (radical) da consciência. Os modos de competência
são terapêuticos e diretamente conectados ao controle simbólico. Os modos de
desempenho e principalmente sua mudança estão mais diretamente ligados à
economia, embora tenham nitidamente funções de controle simbólico. No
entanto, o quadro é mais complexo para esses modos, como veremos agora. A
evolução de uma série de disciplinas singulares, estruturas de conhecimento
especializado da divisão do trabalho discursivo, é basicamente um fenômeno
do século XIX. O desenvolvimento da língua inglesa estava ligado ao
desenvolvimento do nacionalismo e da posição internacional da Grã-
Bretanha ao final do século XIX. O desenvolvimento da Universidade de
Londres, com suas estruturas de conhecimento especializado em
instituições especializadas (escolas e institutos), estava ligado à
administração do império. O desenvolvimento das ciências sociais e
econômicas estava ligado às novas tecnologias do mercado e à
administração de subjetividades. Os clássicos proporcionaram acesso
privilegiado aos níveis administrativos do serviço civil. As ciências
especializadas forneceram a base para as tecnologias materiais. No
entanto, apesar desses vínculos externos, as disciplinas singulares são
como uma moeda de duas faces, de forma que é possível ver somente
uma face por vez. A face sagrada separa-as, legitima sua diversidade e
cria identidades exclusivas sem outras referências além da sua vocação.
A face profana aponta para seus vínculos externos e as lutas internas
pelo poder. Do ponto de vista organizacional e político, as disciplinas
singulares elaboram a manutenção de limi-tes nítidos. Desse ponto de
vista, as disciplinas singulares desenvolvem uma nítida autovedação
autônoma e identidades narcisistas. Essas identidades são elaboradas
por procedimentos de introjeção. As regiões são recontextualizações das
disciplinas singulares e sua face interna está voltada para as disciplinas
singulares, enquanto a externa está voltada para os campos externos da
prática. As regiões universitárias “clássicas”, medicina, engenharia,
arquitetura, refletem essa dupla posição, pois as associações
profissionais determinam os padrões da prática e, muitas vezes, o
credenciamento ou um credenciamento adicional. Se as disciplinas
singulares foram a forma modal da organização discursiva durante os 100
anos entre meados do século XIX e meados do século XX, é possível que
as regiões se tornem a forma modal a partir do final do século XX. As
identidades produzidas pelas novas regiões mais provavelmente se voltarão
para os campos da prática e, assim, suas disputas tenderão a ser dependentes
das necessidades desses campos. Aqui, as identidades são o que são e aquilo
que se tornarão, como conseqüência da projeção daquele conhecimento como
prática em algum contexto. E o futuro daquele contexto regulará a
identidade. A volatilidade daquele contexto controlará a natureza da
regionalização do conhecimento e, assim, a identidade projetada. Se os
procedimentos da introjeção elaboram as identidades produzidas pelas
disciplinas singulares, então os procedimentos da projeção elaboram as
identidades produzidas pela nova regionalização do conhecimento. O
terceiro modo de desempenho, genérico, é complexo. Compreende as
características fundamentais de todos os modos de competência, isto é, as
relações “similares a”. No entanto, o que é “similar a” no caso dos modos de
competência é uma sensibilidade comum à humanidade (modo
liberal/progressivista), uma cultura local em comum (modo populista), uma
posição e oposição em comum (modo radical). O que é “similar” no caso dos
modos genéricos é um conjunto de habilidades em geral subjacentes a uma
gama de desempenhos específicos. Dessa forma, os modos genéricos e os
desempenhos que eles originam estão diretamente ligados às
instrumentalidades do mercado, à construção daquilo que é considerado
desempenho flexível. Dessa perspectiva, sua identidade é elaborada pelos
procedimentos de projeção apesar da semelhança superficial com modos de
competência. A figura 1 determina as possibilidades discursivas do campo de
recontextualização em dois eixos: controle e discurso. O controle se refere à
função terapêutica e econômica geral, e o discurso se refere ao modo
pedagógico. O modo de desempenho especialista (disciplinas singulares) é
ambíguo com respeito à construção e controle da identidade. O modo
“autônomo” é ambíguo, uma vez que o contexto atua seletivamente, seja a
autonomia enfatizada e a dependência mascarada, ou seja a dependência
adotada de forma pragmática. Dessa forma, a identidade aqui é desintegrada,
embora seja gerenciável quando os elementos introjetados e os elementos
projetados podem ser realizados em contextos distintos, isto é, fortemente
classificados. O modo dependente é mais claro. Aqui o desempenho é
dependente do econômico e o discurso é explicitamente aplicado. As
exigências econômicas, ou aquilo que é considerado como sendo exigências,
atuam seletivamente sobre o enfoque do discurso.

Por fim, tenho considerado esses modelos e seus modos como


descontínuos e como originadores de formas distintas. É fundamental
entender que nem sempre é assim. Os modelos e modos podem originar
aquilo que seria chamado de pacote pedagógico em que podem ocorrer
misturas. Um modo terapêutico pode ser inserido em um modo
econômico, mantendo seu nome e ressonâncias originais e, ao mesmo
tempo, originar uma prática oposta.

O CAMPO DE RECONTEXTUALIZAÇÃO E SUA DINÂMICA

Analisei a convergência no campo de produção do discurso para o conceito de


competência e mostrei como ele deu origem à construção de uma modalidade
pedagógica geral subjacente nos diferentes modos: liberal/progressivista,
populista e radical. Não há dúvida de que o modo liberal/progressivista surgiu
muito antes da convergência (Jenkins, 1990), mas sua institucionalização no
campo oficial de recontextualização somente ocorreu quando da publicação do
Plowden Report (1969).
Discutirei agora como os modos de competência se tornaram posições
dominantes no campo de recontextualização pedagógica no final dos
anos 60. Também mencionei anteriormente como os modos de
competência ecoavam as ideologias de emancipação prevalecentes nessa
área, embora isso não seja propriamente uma explicação. Como
preparação para essa discussão, fiz o esboço de um modelo de
desempenho generalizado antes de examinar seus vários modos. Nos
anos 60 e início dos anos 70, o governo britânico não dispunha de
controle direto sobre os conteúdos pedagógicos e modalidades de
transmissão, que estavam mais diretamente ligados às atividades do
campo de recontextualização pedagógica. Em outras palavras, esse
campo desfrutava naquela época de grande autonomia com respeito à
formação de professores. Essa formação era o resultado de posições
pedagógicas discursivas naquele campo, responsáveis pela regulação de
princípios recontextualizadores. A principal reforma educacional do
período, adoção do modelo compreensivo* , que visava tornar a escola
mais abrangente, mudou apenas a forma organizacional ; o discurso
pedagógico não era tema de legislação. A mudança de forma pelo Estado no
ímpeto do movimento a favor da redução de privilégios arbitrários (escolas
seletivas) criou um espaço local autônomo para a elaboração do currículo e a
forma de aquisição. A eliminação do processo de seleção, como resultado do
movimento que visava a tornar a escola mais abrangente, dentro do modelo de
escola compreensiva, removeu um regulador fundamental da organização e
das exigências curriculares da escola primária. Assim, tanto no nível primário
como no secundário, existia um espaço pedagógico a ser apropriado pelas
atividades do campo de recontextualização pedagógica. Os modos de
desempenho eram ligados e legitimados pelas escolas de currículo
tradicional, mais seletivas, e sua organização discursiva, códigos das
disciplinas singulares e códigos de coleção. Por sua vez, isso regulava o
modo pedagógico dominante da escola primária: o modo de desempenho.
Assim, o controle dos modos de desempenho no campo de
recontextualização pedagógica estava ligado à estrutura organizacional e
discursiva da educação primária e secundária.

Os modos de desempenho enfocam algo que o adquirente não possui, uma


ausência e, conseqüentemente, passam a enfatizar o texto a ser adquirido e o
transmissor. Os modos de desempenho selecionam as teorias de
aprendizagem de enfoque behaviorista, que são acentuadamente atomísticas,
a partir do campo de produção do discurso. E esta seleção
(recontextualização) traz conseqüências para as posições behavioristas
no campo de produção do discurso. Isso ilustra a relação simbiótica entre
esse campo e o campo de recontextualização pedagógica. Com a
mudança na estrutura organizacional da educação secundária, centrada
no enfraquecimento da classificação, surgiu um espaço para
apropriações pedagógicas tanto no nível primário como no secundário,
não subordinado à regulação direta do Estado. Como esse espaço
deveria ser preenchido, passou a ser uma função da educação: primária
ou secundária. Em ambos os níveis havia um forte movimento em direção à
modalidade de competência e seus modos, movimento esse poderosamente
legitimado pela convergência no campo de produção do discurso. No campo de
recontextualização pedagógica, com o enfraquecimento das posições de
desempenho, as posições de competência, que eram previamente
subordinadas, passaram a ser dominantes, dando ensejo ao surgimento de
novas posições de competência. Do ponto de vista de posições de
competência, os modos de desempenho eram baseados no conceito de déficit
e os de competência no de capacitação. Assim, partindo dessa perspectiva,
diferentemente de “terapêutico”, como identificado anteriormente, o modo
liberal/progressivista foi a base da capacitação cognitiva, o modo populista da
capacitação cultural e o modo radical da capacitação política. Cada um desses
modos recontextualizou diferentes teorias no campo de produção do discurso
como resumido anteriormente. Por conseguinte, na década de 60 e início da
década de 70, embora o modelo de competência predominasse, havia
modalidades opostas dentro do CRP: correntes de oposição entre os modos
liberal/progressivista, populista e radical. Afirmei que existia um novo espaço
para a inserção de modelos pedagógicos gerados pelo CRP. O
enfraquecimento da classificação de discursos, adquirentes e contextos
organizacionais facilitou a predominância das modalidades de competência e
de seus modos tanto no COR como no CRP e, depois, na formação de
professores (e, talvez, até em sua prática) em ambos os níveis, primário e
secundário. Durante os anos 60, como resultado do envelhecimento gradual da
população do Pós-Guerra, houve uma expansão das faculdades de educação e
uma subseqüente redução de controle do quadro docente e de estudantes.
Além disso, ocorreu uma mudança no discurso em direção a maior
especialização dos discursos teóricos e sua maior predominância. Um
processo semelhante ocorreu na escola secundária, na qual a falta de
professores deslocou as relações de poder, ou seja, o poder seletivo da
administração passou para o dos professores. Ao mesmo tempo, como se vivia
em um período de pleno emprego, as escolas transferiram o seu foco de
atenção para as questões que abordavam o universo das relações sociais
(multiculturalismo, culturas jovens) e do lazer. Não apenas foram criados novos
espaços em todos os níveis educacionais, da educação superior até a pré-
escola, mas também novas agendas começaram a preencher esses espaços.
Assim, só foi possível institucionalizar os modelos de competência e seus
modos nos níveis primário e secundário por conta do enfraquecimento geral do
sistema de classificação dentro de e entre os diferentes níveis, bem como por
meio da introdução de novos agentes que gozavam de autonomia perante o
CRP, além da comunicação ideológica entre aquele campo e o COR: na
verdade um conjunto ímpar de condições. Muito já se escreveu sobre o papel
cada vez maior da intervenção estatal a partir do final dos anos 70 e não se
tem a intenção de analisar aqui a literatura publicada sobre o assunto. O
movimento do Estado para controlar o conteúdo da educação ocorreu antes do
final dos anos 70 (conselho escolar), mas o ímpeto fundamental ocorreu
durante o Regime Thatcher. Em todos os níveis do sistema educacional
verificou-se uma combinação de descentralização com referência às
instituições locais e sua gestão, e de centralização com respeito ao seu
monitoramento e financiamento, que mudou a cultura das instituições
educacionais, suas estruturas administrativas internas, os critérios de
nomeação de pessoal e, especialmente, as promoções e suas práticas
pedagógicas. A sobrevivência e o crescimento passaram, assim, a depender
da otimização de um nicho de mercado, de produções objetivas e de
procedimentos de valor agregado. Ao mesmo tempo, a centralização de
controle sobre os conteúdos da educação, a divulgação das responsabilidades
das autoridades educacionais locais, o estabelecimento de comitês e a
nomeação de autoridades geridos e aprovados pelo ministério apropriado
reduziram a autonomia do CRP e mudaram as posições predominantes dentro
dele. Isso também propiciou a introdução de novos discursos, por exemplo,
aqueles voltados para a gestão e avaliação. A autonomia do CRP foi ainda
mais reduzida pelo fato de a formação de professores passar a ter a escola
como base, o que afetou os discursos pedagógicos teóricos e a sua pesquisa,
reduzindo sua significância e mudando sua orientação para atender interesses
práticos e políticos. O deslocamento para modelos de desempenho e seus
modos foi iniciado pelo COR que havia passado a regular mais diretamente as
práticas, os conteúdos e a pesquisa pedagógicos. Que modo de desempenho
regulava claramente qual prática dependia dos níveis da educação e
distribuição curricular no interior das instituições, dentro de um determinado
nível. Quero agora abordar a elaboração e inserção de modos genéricos como
a base pedagógica de experiências de “trabalho” e de “vida”. Os modos
genéricos não são meros procedimentos pedagógicos econômicos de
aquisição, mas se baseiam em um novo conceito de “trabalho” e de “vida”, um
conceito que bem poderia ser chamado de “algo destinado ao curto prazo”. Isto
é, onde uma habilidade, tarefa ou área de trabalho passa por um processo de
desenvolvimento contínuo, desaparecimento ou substituição; onde a
experiência de vida não se pode basear nas expectativas de um futuro estável
e do lugar que se ocupa nele. Nessas circunstâncias, considera-se
absolutamente necessário o desenvolvimento de uma nova habilidade vital:
“capacitação”, a habilidade de lucrar com a continuidade das reformas
pedagógicas e, assim, enfrentar as novas exigências de “trabalho” e de “vida”.
Essas reformas pedagógicas serão baseadas na aquisição de modos
genéricos, dos quais se espera que concretizem todo o seu potencial de
flexibilidade e transferência, não se limitando apenas a desempenhos
específicos. Assim, os modos genéricos são totalmente estruturados no
conceito de “capacitação”. Tal capacitação acentua “algo” que o ator deve
possuir para que possa ser formado e reformado da maneira mais apropriada,
de acordo com as contingências tecnológicas, organizacionais e de mercado.
Esse “algo”, que é crucial para a sobrevivência do ator, da economia e,
presumivelmente, da sociedade, é a habilidade de ser ensinado, a habilidade
de responder à pedagogia concomitante, subseqüente, intermitente, de forma
eficiente. Processos cognitivos e sociais serão especialmente desenvolvidos
para tal futuro pedagogizado. Entretanto, a habilidade de responder a tal futuro
depende da capacidade e não de uma dada habilidade. A capacidade de dar
ao ator a possibilidade de se projetar de forma significativa e não de forma
pertinente nesse futuro e de resgatar um passado coerente. Essa capacidade é
o resultado de uma identidade especializada e isso precede a habilidade de
responder a programas de reciclagem concomitantes e subseqüentes. Nesse
sentido, formar e reformar com eficiência depende de algo mais do que o seu
próprio processo. Depende da elaboração de uma identidade especializada.
Essa identidade, que é a interface dinâmica entre carreiras individuais e a base
social ou coletiva, só pode ser elaborada em bases sólidas. Não é meramente
a construção psicológica de um trabalhador solitário à medida que passa por
um processo de transição durante o qual se espera que o seu desem- penho
seja totalmente baseado na capacitação. Essa identidade surge de uma ordem
social particular, por meio de relações nas quais ela se insere juntamente com
outras identidades de reconhecimento recíproco, apoio, legitimação mútua e,
finalmente, por intermédio de um propósito coletivo negociado. Parece haver
um vazio no conceito de capacitação, um vazio que torna o conceito auto-
referente e, assim, excludente. Se a identidade produzida pela “capacitação” é
socialmente “vazia”, como é que o ator reconhece a si próprio e os outros? Por
meio da materialidade do consumo, por sua distribuição, por sua falta. Aqui os
produtos de mercado transmitem os significadores com os quais as
estabilidades, as orientações, as relações e as avaliações temporárias são
elaboradas. A extensão dos modos genéricos de sua base em práticas
manuais para uma série de práticas e áreas de trabalho, institucionaliza o
conceito de capacitação como o objetivo pedagógico fundamental. O campo
especializado de recontextualização produz e reproduz conceitos imaginários
de trabalho e de vida que abstraem tais experiências de relações de poder das
condições vividas e negam as possibilidades de compreensão e crítica .

O ESTADO E A RECONTEXTUALIZAÇÃO.

Se passarmos a considerar a mudança para modelos de desempenho e seus


modos, em relação ao processo de recontextualização com o qual esses
modelos e modos são imaginativamente elaborados como discursos e práticas
pedagógicos, então devemos primeiramente examinar a forma de controle
oficial sobre esses procedimentos recontextualizadores. No caso da educação
de nível superior, não existe campo oficial de recontextualização para a
elaboração de um discurso de educação de nível superior oficial. Entretanto,
existe uma forte regulação indireta imposta ao processo recontextualizador
pelo Higher Education Funding Council Executive [Conselho Executivo para
Financiamento da Educação Superior] – inclusive o emprego decisivo de
seletividade da pesquisa –, e pelos Research Councils [Conselhos de
Pesquisa] e, no caso de algumas instituições, pela sua posição no setor. As
instituições de educação superior têm de otimizar seus resultados com respeito
ao ensino e pesquisa de acordo com essas restrições. Embora cada instituição
tenha seu próprio campo de recontextualização e sua estrutura particular de
gestão, cada uma delas compete com outras semelhantes3 . Por conseguinte,
o campo da educação superior aceita a estratificação interna das instituições,
que fornece então seu grupo de referência para a recontextualização interna.
Aqueles que se encontram no topo ou quase no topo dessa hierarquia podem
conservar suas posições mais por conseguirem atrair ou manter as principais
estrelas do mundo acadêmico do que por mudanças em seus discursos
pedagógicos que atendam às exigências do mercado. Isso não significa
naturalmente negar a existência de avanços no campo intelectual,
especialmente em se tratando de resultados tecnológicos bem-sucedidos,
significa, sim, que eles não parecem muito inclinados a regionalizar seus
discursos4 . Em contrapartida, aquelas instituições que estão em posição bem
menos privilegiada na estratificação são normalmente as que não conseguem
atrair estrelas e, por conseguinte, estarão muito mais preocupadas em explorar
as possibilidades do mercado de seu discurso pedagógico. Assim, essas
instituições estarão mais propensas a desenvolver identidades projetadas. O
que elas são passa a ser uma função das exigências determinadas pelo
contexto de mercado e isso significa os recursos para a construção de sua
identidade particular. Nesse caso, a regionalização será provavelmente um
procedimento recontextualizador decisivo, e os conteúdos e nomes
provavelmente se deslocarão para o que é considerado como demanda. Se
essas instituições desenvolverem identidades projetadas, então aquelas
próximas do topo da pirâmide talvez consigam manter suas identidades
introjetadas tradicionais, embora elas estejam agora mais ambíguas e
ambivalentes, em virtude de suas orientações mais apropriadas. Como
resultado, na educação superior não existe apenas uma estratificação de
contextos recontextualizadores e de regionalização, mas também uma
estratificação de identidades, não somente de instituições, mas igualmente de
pessoal e de estudantes. O processo de recontextualização na educação
superior pode, assim, gerar um discurso pedagógico altamente variado (por
meio da estratificação) com base em um movimento provavelmente comum
rumo à modularização. Fica agora bastante claro que os modos de
desempenho dominam tanto o nível primário como o secundário. Entretanto,
esses modos são diferentes daqueles encontrados na educação de nível
superior, na qual, conforme mencionei, estão ocorrendo mudanças acentuadas
em direção à regionalização. Por conseguinte, em conseqüência do Currículo
Nacional (e de suas muitas versões), existe uma classificação mais forte,
porque o currículo é uma coleção de disciplinas singulares, cujos aspectos
comuns não são postos em prática de forma efetiva (Whitty, Rowe, Aggleton,
1994). O monitoramento desse currículo pelo Estado por meio de provas
nacionais e as estruturas de exames públicos sustentam esse código de
coleção. O enquadramento, por outro lado, diminuiu de importância em relação
à avaliação devido ao papel cada vez maior da avaliação contínua e à
possibilidade de os estudantes repetirem o curso se a nota obtida não for a
esperada. As escolas podem explorar muito bem essa fraqueza estrutural
sobre avaliação como forma de aumentar o seu desempenho. Embora o
monitoramento do currículo escolar tenha sido centralizado, a estrutura
administrativa foi descentralizada. As escolas têm agora maior autonomia
sobre o orçamento e sua alocação, bem como sobre sua situação
administrativa (podendo optar por não serem controladas pela autoridade
local). O enfoque principal dessa estrutura gerencial é o desempenho da escola
com referência à capacidade de atrair e conservar estudantes, seu
comportamento e suas realizações. Visto desse ângulo, embora os discursos
pedagógicos tenham diferentes enfoques, o enfoque gerencial de todas as
instituições, em todos os níveis, é semelhante. A estrutura administrativa
tornou-se o dispositivo para a criação de uma cultura empresarial competitiva.
Esta última é responsável pelos critérios adotados nas principais nomeações
administrativas e na contratação de pessoal especializado para promover a
eficiência desta cultura. Existe assim um deslocamento entre a cultura do
discurso pedagógico e a cultura gerencial. A cultura do discurso pedagógico
das escolas é retrospectiva, com base em uma narrativa passada de controle e
significância das disciplinas, ao passo que a estrutura gerencial é prospectiva,
apontando para o novo espírito empreendedor e suas instrumentalidades. O
Estado inseriu então uma cultura pedagógica retrospectiva em uma cultura
gerencial prospectiva. Entretanto, a ênfase no desempenho dos alunos e os
passos tomados para melhorar e manter tal desempenho, para a sobrevivência
da instituição, provavelmente abrirão caminho para a instrumentalidade
promovida pelo Estado. O valor intrínseco do conhecimento pode ser destruído
mesmo que o código de coleção do currículo pareça sustentar tal valor. O
Estado, por conseguinte, por meio de maior centralização e de novas formas
de descentralização, introduziu mudanças nos modelos e métodos
pedagógicos, nas estruturas gerenciais e nas culturas de todas as instituições
educacionais, além de patrocinar modos genéricos. A reprodução de formas
reconhecidas e recompensadas pelo Estado é facilitada pela mudança nas
posições de controle nos campos de recontextualização (COR, CRP), pela
introdução de novos discursos e, o mais importante de tudo, pela
predominância de novos atores imbuídos de novas motivações
REORGANIZAÇÃO DO CAPITALISMO E A FORMAÇÃO DE IDENTIDADES

Investigamos as mudanças nos processos recontextualizadores em todos os


níveis educacionais e a nova inserção no trabalho e na vida. Com exceção das
instituições de elite, sugerimos que esse processo está deslocando as
identidades pedagógicas oficiais em que, os códigos foram adquiridos de
modos introjetados para modos projetados. Vimos que os modos introjetados
são narcisistas, hierárquicos e elitistas e argumentamos que as novas formas
de modos projetados corroem uma base coletiva e substituem os
compromissos internos e sentimentos de dedicação por instrumentalidades de
curto prazo. O discurso até agora teve como única preocupação a elaboração e
a distribuição de discursos pedagógicos, instituições e identidades oficiais.
Embora tal discurso transmita, ou esperase que ele transmita, soluções e
estratégias politizadas de grupos e partidos dominantes, ele não está de forma
alguma imune a outras influências, regulações e construção de identidades, as
quais finalmente passamos a abordar. Muita coisa já foi escrita sobre o pós-
modernismo, a última fase do modernismo e a localização de identidades
(Giddens, 1990,1991; Harvey, 1989; O’Neil, 1995), e não tenho nenhuma
intenção de discorrer aqui sobre essa literatura.

Entretanto, parece claro que, na antiga fala, aquelas identidades enfocadas do


ponto de vista biológico (idade, gênero, relação de idade), as chamadas
identidades “adstritas”, foram consideravelmente enfraquecidas, são ambíguas
e podem até certo ponto ser realizadas. Essas pontuações culturais e
especializações (idade, gênero, relação de idade) não possuem hoje
mecanismos suficientes para a construção de uma base estável e coletiva.
Além do mais, novamente na fala antiga, as identidades localizadas de classe e
ocupação tornaram-se mecanismos atualmente considerados insuficientes para
as identidades estáveis não ambíguas. Esse enfraquecimento dos mecanismos
estáveis, não ambíguos, coletivos, para a construção de identidades, como
resultado desse novo período do capitalismo de transição, causou perturbação
e também o desmonte de tais identidades, e, ao mesmo tempo, ensejou a
possibilidade de construção de novas identidades. Podemos diferenciar três
construções fundamentais de identidade, com oposições tanto no interior de
cada construção como entre elas: descentradas, retrospectivas e prospectivas
(ver Figura 2). São vários os recursos usados na construção dessas
identidades. As identidades descentradas são construídas a partir de recursos
locais. As identidades retrospectivas inspiram-se nas grandes narrativas, sejam
elas culturais ou religiosas, que servem de modelos. As identidades
prospectivas, por sua vez, devem sua construção a recursos narrativos que
criam uma recentralização da identidade, isto é, dando à identidade uma nova
base coletiva.
Identidades descentradas

Recursos opostos e com diferentes localizações servem de base para a


construção dessas identidades. Em um caso os recursos são o mercado e, no
outro, os recursos são terapêuticos. Farei uma distinção entre identidade
instrumental e identidade terapêutica.

Instrumental (mercado)

Origina-se nos significadores de mercado. A identidade surge de uma projeção


para artigos de consumo que transmite para o eu e outros os atributos
espaciais e temporais da identidade, isto é, seu quem, seu quê e seu
progresso. Tais construções são estáveis apenas no método de elaboração,
não nas formas temporais. Para essas identidades, os limites são permeáveis e
o passado não serve de guia para o presente, muito menos para o futuro. A
base econômica dessas identidades orienta sua política: anticentralista.

Terapêutica

Essa identidade é construída com recursos locais e é descentrada, mas oposta


às identidades de mercado. Se as identidades de mercado são produzidas por
meio de projeção, então a terapêutica é produzida por introjeção. Aqui o
conceito de eu passa a ser fundamental, sendo visto como um projeto pessoal.
É uma construção regulada internamente e independente dos significadores
externos de consumo. Ela é uma construção verdadeiramente simbólica. A
identidade assume a forma de uma narrativa aberta que constrói uma
linearidade interna. A exemplo da identidade de mercado, também para a
terapêutica as fronteiras são permeáveis e o passado não é um guia
necessário ao presente ou ao futuro. Se a identidade de mercado depende da
segmentação do shopping center então a identidade terapêutica é igualmente
dependente de procedimentos internos razoáveis de segmentação externa.

Identidades retrospectivas

Essas identidades usam como recursos as narrativas do passado que sejam


capazes de fornecer modelos e critérios. Nesse aspecto, as identidades
retrospectivas contrapõem-se às identidades descentradas, uma vez que
ambos os modos instrumental e terapêutico rejeitam as narrativas passadas
como modelos e critérios para o presente ou para o futuro. Da mesma forma
como distinguimos dois modos opostos de identidades descentradas, também
diferenciaremos os dois modos opostos de identidades retrospectivas:
fundamentalista e elitista.

Fundamentalista
Essa é uma identidade retrospectiva elaborada com base em recursos
religiosos fundamentalistas. Ela cria as condições para uma identidade não
ambígua, estável, intelectualmente inacessível, coletiva. Além disso, absorve o
eu em todas as suas manifestações, fornecendo-lhe um local livre de
instabilidades e ambigüidades correntes e futuras para análise crítica, relação e
comportamento. Ela também produz um isolamento considerável entre o
sagrado e o profano, permitindo a entrada no mundo profano sem sofrer os
efeitos de algum tipo de apropriação ou colonização. Em termos menos
metafóricos, ela estabelece uma forte separação entre influências
comportamentais e modernizadoras ou pós-modernizadoras. Assim, o
fundamentalismo islâmico possibilita a apropriação de tecnologias ocidentais
sem penetração intelectual. Mais próximo de nós, a ascensão de movimentos
religiosos fundamentalistas ocupa funções semelhantes. Também podemos
considerar o nacionalismo e o populismo como fundamentalistas, uma vez que
ambos recorrem a explicações mitológicas de origem, pertencimento, evolução
e destino.

Elitista

Trata-se de uma identidade retrospectiva, totalmente oposta à fundamentalista,


elaborada segundo os mecanismos da alta cultura; uma construção e
apropriação elitista. Essa narrativa do passado fornece modelos, critérios e
padrões de comportamento. É um amálgama de conhecimento, sensibilidades
e maneiras, de educação e criação. Entretanto, ela pode ser apropriada por um
tipo especial de educação, sem interferência da criação. Com as identidades
fundamentalistas, ela compartilha classificações fortes e hierarquias internas,
mas, ao contrário dos novos fundamentalismos, ela não aceita o envolvimento
com o mercado. Embora as identidades fundamentalistas possuam sólidas
regras de associação, a conversão é alcançável; isso é bem diferente no caso
de identidades elitistas, uma vez que elas exigem um aprendizado bastante
longo e árduo. Se as identidades descentradas utilizam a projeção e introjeção
como métodos organizadores, acreditamos que as identidades retrospectivas
(fundamentalistas ou elitistas) dependam mais das formações de um superego
forte.

Identidades prospectivas

Essas identidades são essencialmente voltadas para o futuro. Elas podem até
mesmo utilizar e se sustentar em narrativas, mas tais recursos narrativos de
construção de identidade prospectiva situam a identidade no futuro. Os
recursos narrativos de identidades retrospectivas estabelecem e legitimam
essas identidades no e em torno do passado. Enquanto as identidades
descentradas se distanciam do coletivo, as identidades prospectivas apontam
para uma nova base de solidariedade voltada para aqueles a quem foi dado o
direito de serem reconhecidos. Nesse sentido, pode-se dizer que as
identidades prospectivas estão em processo de recentralização. Elas alteram a
base de reconhecimento e de relação coletiva. As identidades prospectivas são
lançadas por movimentos sociais, por exemplo, aqueles que tratam de gênero,
raça ou região. Em seu ponto de partida, elas são evangelizadoras e
confrontadoras. As identidades prospectivas compartilham com as identidades
fundamentalistas a consumação do eu no sentido de que as manifestações
envolvem toda a personalidade. As identidades prospectivas, a exemplo do que
acontece com as fundamentalistas, estão engajadas na conversão, assim
como as identidades fundamentalistas estão envolvidas em atividades
econômicas e políticas para preparar o desenvolvimento de seu novo potencial.
Embora algumas dessas identidades tenham características semelhantes, elas
são mutuamente exclusivas no sentido de que a adoção de uma exclui a
possibilidade de outras. (Pode haver inter-relação das identidades
fundamentalistas e identidades prospectivas). Esta classificação rigorosa
sugere bases sociais distintas e diferentemente especializadas. A posição de
classe social pode não fornecer tal base5 . Na verdade, essas identidades
podem bem ser significadoras de frações de classe em vez de identidades de
classes sociais propriamente ditas. Talvez fosse melhor identificar a posição
social dessas identidades, ou antes, a posição social que atua seletivamente
na sua construção em termos de campos de controle simbólico e economia
bem como das posições dentro de tais campos. À guisa de tentativa,
poderíamos sugerir o seguinte. As identidades terapêuticas e elitistas serão
provavelmente elaboradas por discursos pedagógicos e distribuídas em
agências especializadas no campo de controle simbólico. As descentradas.
(instrumentais) são selecionadas por aqueles no campo econômico que não
ocupam posições empresariais, por exemplo, as novas tecnologias da
informação. As fundamentalistas (no Ocidente) serão provavelmente
selecionadas por aqueles que têm uma base empresarial no campo econômico
ou uma base ameaçada naquele campo. As identidades prospectivas serão
mais provavelmente encontradas no campo de controle simbólico do que no
campo econômico. O que importa é que apenas uma das sete identidades
possíveis entre os três tipos é o tipo projetado, enquanto no campo de
identidades pedagógicas oficiais existe um movimento geral em direção ao tipo
projetado. Essa parece ser a base de oposição entre as identidades reguladas
pelo Estado e as identidades do tipo projetado, distribuídas pelo Estado; uma
resposta em termos educacionais ao capitalismo de transição, e o surgimento
de novas possibilidades de formação de identidade do tipo introjetado é
também um resultado desse mesmo tipo de capitalismo. Esse deslocamento
entre o princípio organizador de formação de identidade, dentro e fora da
educação oficial, pode bem ser uma condição importante para uma reavaliação
crítica das instituições educacionais e o princípio e foco de seus discursos. A
própria natureza diversa e contraditória das novas formações de identidade cria
uma base generalizada de resistência. Tal diversidade pode ser menos um
índice de fragmentação cultural como nas histórias pós-modernistas e mais um
ressurgimento cultural geral de rituais de subjetividade em novas formas
sociais. Pela primeira vez produzimos um discurso e uma cultura pedagógicos,
virtualmente seculares, e que são ao mesmo tempo uma recuperação do
sagrado . Isso não quer dizer que tais formas serão bem-vindas, patrocinadas
ou generalizadas.

Você também pode gostar