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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE

DEPARTAMENTO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS


DISCIPLINA: TEORIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS II

AGNE ALVES CAVALCANTE


AÍSHA NASCIMENTO MENDONÇA
ALÍCIA BARRETO DA CUNHA
JÚLIA ALVES DA SILVA SANTOS
PEDRO HENRIQUE BISPO SOUZA

O PROBLEMA DO EPISTEMICÍDIO: UMA REVISÃO BIBLIOGRÁFICA ACERCA


DOS TEXTOS DE AMUSQUIVAR E CARNEIRO

SÃO CRISTÓVÃO
SETEMBRO, 2024
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I. INTRODUÇÃO
O epistemicídio segundo Boaventura de Sousa Santos seria “o processo
político-cultural através do qual se mata ou se destrói o conhecimento produzido por grupos
sociais subordinados” (Santos, 1998, p.208). No presente trabalho, são utilizados textos de
Erika Amusquivar e Sueli Carneiro com intuito de apresentar suas ideias sobre o conceito de
epistemicídio aplicado no campo das Relações Internacionais com a invisibilidade de autores
do Sul Global e o controle epistêmico de reprodução de conhecimento vindo de minorias
raciais, respectivamente. Após a apresentação das ideias será feita uma análise comparada
sobre as duas obras, visando ponderar sobre as perspectivas que as autoras têm ao abordar
sobre o tema epistemicídio no meio acadêmico.

II. REVISÃO DA LITERATURA


Para melhor compreensão do tema e posteriormente a análise comparada, iniciaremos
o debate com uma revisão da literatura central exposta.

A. EPISTEMICÍDIO NA PERSPECTIVA DE AMUSQUIVAR


A obra de Erika Amusquivar “Geopolítica do Sul e os desafios epistêmicos nas
Relações Internacionais” aborda as questões que envolvem a epistemologia do Sul Global,
analisando os desafios que essa perspectiva possui na disciplina das Relações Internacionais
(R.I). Por conta da subalternidade que corre com esses países periféricos em relação ao Norte
Global, suas perspectivas são desconsideradas, já que o estudo hegemônico é aquele
considerado superior e neutro. Assim, a autora interpreta o pensamento ocidental como forma
de poder, que, por conta do seu falso universalismo, oprime as reivindicações dos países de
terceiro mundo.
Ao desenvolver a crítica, se desenvolvem diferentes perspectivas, que a autora separa
em três gerações: Pós colonialismo (1ª Geração); Pós-colonialismo Pós-colonial (2ª Geração);
Pós-colonialismo Decolonial (3ª Geração). A 1ª Geração ocorreu entre meados de 1960/70,
com um estudo anti-colonialista e com autor de destaque sendo Franz Fanon com sua obra
“Condenados da Terra”, Aimé Césaire, Albert Memmi e posteriormente Edward Said com sua
obra “Orientalismo”. A 2ª Geração se inicia logo em seguida e dura por volta de 1970/80,
com os estudos subalternos e formação do sul asiático, tendo como liderança acadêmica
Ranajit Guha, um marxista que analisou criticamente a historiografia colonial da Índia, tanto
aquela feita pelos europeus quanto pelos nacionalistas indianos. Nesse seguimento, surgiu o
estudo de Spivak, com sua obra mais conhecida sendo o “Pode o subalterno falar?”, no qual
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critica o silenciamento subalterno, ressaltando que o intelectual pós-colonial não pode fazer
isso por ele, reforçando a ideia da geração ser “pós-colonialismo pós-colonial”.
A partir dessa noção, a 3ª Geração surgiu com estudos relativos à América Latina,
principalmente com um grupo intitulado Modernidade/Colonialidade (M/C), possuindo como
principais autores Aníbal Quijano, Castro Gomes e, posteriormente, Walter Mignolo, que fez
uma crítica ao defender que os estudos anteriormente citados não romperam devidamente
como eurocentrismo e defendeu que a América Latina e outros países periféricos deveriam
criar e difundir seu próprio conhecimento, sem depender das teorias europeias. Ademais,
Immanuel Wallerstein seguiu essa linha de pensamento, contribuindo para o "giro epistêmico"
trazido pelos autores citados. Já Boaventura de Souza Santos avançou esses estudos,
cunhando o conceito de "Epistemologias do Sul", que contrapõe a Epistemologia do Norte e
valoriza a diversidade epistemológica global.
Desse modo, Erika Amusquivar, através de sua obra, ressalta a urgência de enfrentar o
epistemicídio no campo das Relações Internacionais, onde os saberes do Sul Global são
historicamente marginalizados pelo pensamento eurocêntrico. Ademais, a autora destaca que
a resistência dos países periféricos e eventos como a Conferência de Bandung levaram ao
surgimento de novas epistemologias que desafiaram a hegemonia ocidental, reivindicando
espaço no cenário acadêmico. Nesse contexto, o giro epistêmico é fundamental, pois promove
a inclusão de perspectivas do Sul, impulsionado por diferentes gerações de pensamento
pós-colonial e decolonial. Assim, o desafio atual é superar as lacunas que ainda existem para
defender um pluralismo epistemológico, que abordem as questões de raça, gênero e classe,
características da Epistemologia do Sul, enriquecendo o campo das Relações Internacionais
ao promover novos debates.

B. RACIALIDADE E EPISTEMICÍDIO SOB OLHAR DE CARNEIRO


Carneiro (2023) define o conceito de epistemicídio segundo Boaventura de Souza
Santos, entendendo-o como um dispositivo fundamental para a "dominação étnica e racial
pela negação da legitimidade do conhecimento produzido pelos grupos dominados". Isso
resulta na despossessão da razão do indivíduo, que se torna uma marionete do colonizador.
Desse modo, o epistemicídio se perpetua através da educação e da produção de conhecimento,
deslegitimando e subjugando indivíduos, individual e coletivamente. Esse processo destrói
saberes diversos, nega ao sujeito uma razão própria e impõe uma bagagem cultural que o
desconecta de suas raízes. Assim, conecta desigualdades raciais ao controle da produção e
reprodução do conhecimento, afetando povos excluídos, como negros e asiáticos, que
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assumem o papel do "outro" e têm sua humanidade e identidade negadas. Nesse contexto,
surge a dicotomia entre "ser" e "não ser", onde o "ser" é definido por cultura e progresso,
enquanto o "não ser" é excluído dessas qualidades.
A autora faz ainda uma correlação entre Boaventura, o estatuto do outro e o modelo de
sociedade de Charles Mills, constituindo-se como “a possibilidade ou impossibilidade de
ruptura com o paradigma de exclusão e com um tipo de integração que significa um adentrar
subordinado dos Outros mantidos na condição de colonizados, tutelados e dependentes”
(Carneiro, 2023, n.p). Destacando-se o conceito de epistemologia invertida, no qual Mills dá
ênfase nas normas de convivência ocasionadas pelo contrato social, principalmente em âmbito
moral e na produção de fatos, necessitando a aplicação de uma percepção tida como errada da
realidade para se adequar ao contrato social estabelecido pela autoridade epistêmica.
Assim, pode-se comprender que o racismo e a discriminação são frutos da ignorância
gerada pela inversão epistemológica e pela criação de uma imagem falsa do "outro", que
resulta em paradigmas sociais hegemônicos os quais distorcem a realidade. Esses paradigmas
fazem com que o conhecimento não pertencente aos hegemônicos seja visto como primitivo e
falso, adicionando mais uma camada aos resquícios do colonialismo presentes no cotidiano e
sua influência na produção de aprendizados que perpetuam dispositivos de controle. No
contexto brasileiro, isso se relaciona com a influência da Igreja Católica na colonização,
especialmente a participação dos jesuítas, que usaram métodos educacionais combinados com
táticas militares para condicionar os indivíduos de acordo com os interesses da coroa
portuguesa. Dessarte, o epistemicídio no Brasil está diretamente ligado ao epistemicídio
sofrido pelos negros e indígenas desde a origem do país.
Desse modo, pode-se inferir que os conceitos de raça e cultura são estruturados pela
repetição de paradigmas eurocêntricos naturalizados e internalizados no corpo social
brasileiro, como o racismo. Isso torna a sociedade brasileira não apenas refém de um contrato
social legado pela colonização, mas também perpetuadora dessas ideias, mantendo o ciclo de
naturalização. Nesse sentido, as desigualdades raciais, revestidas dessa naturalização,
perpetuam seu efeito de poder, deslegitimando os sujeitos enquanto indivíduos que fazem
parte de uma coletividade. Assim, na educação, o epistemicídio reforça uma ordem social
hierárquica, mantendo certos grupos no poder e impedindo a ascensão das minorias, criando
barreiras de conhecimento, separando o "outro" da comunidade, afetando profundamente uma
parte da população enquanto favorece outra.
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III. ANÁLISE COMPARADA


O tema do epistemicídio, explorado no presente trabalho por Erika Amusquivar e
Sueli Carneiro, converge na análise crítica sobre como a produção de conhecimento tem sido
historicamente moldada por relações de poder que marginalizam saberes fora do eixo
eurocêntrico. Apesar de partirem de enfoques distintos — um centrado na geopolítica do Sul
Global e outro nas dinâmicas raciais —, as autoras abordam a questão de forma
complementar, contribuindo para uma compreensão mais ampla desse fenômeno e apontando
caminhos para a superação das desigualdades epistemológicas.
Tanto Amusquivar quanto Carneiro veem o epistemicídio como uma prática
sistemática de exclusão, manifestando-se na negação da legitimidade dos conhecimentos
produzidos por grupos subalternizados. Amusquivar critica o campo das Relações
Internacionais, onde o pensamento eurocêntrico funciona como um mecanismo de poder que
promove um falso universalismo, impondo um modelo epistêmico que marginaliza as
contribuições dos países periféricos, considerados "inferiores" ao Norte Global. Para a autora,
a supressão dos saberes do Sul vai além da mera negação do conhecimento, buscando
obscurecer as lutas históricas por reconhecimento e autonomia dos países do Sul Global,
evidenciadas pelo giro epistêmico iniciado na Conferência de Bandung.
Em outra perspectiva, Carneiro aborda o epistemicídio conectando a questão racial ao
processo de exclusão epistêmica, argumentando que o racismo estrutural funciona como um
dispositivo de poder que nega o conhecimento produzido por grupos racializados. Essa
exclusão é sustentada pelo controle da educação e da produção de conhecimento,
desumanizando indivíduos subalternos ao afastá-los de suas raízes culturais e
epistemológicas. Desse modo, a autora recorre ao conceito de "epistemologia invertida", de
Charles Mills, para explicar como contratos sociais baseados em normas hegemônicas
perpetuam uma visão distorcida da realidade que favorece grupos dominantes, excluindo os
saberes dos racializados. No contexto brasileiro, essa dinâmica é exemplificada pela
influência histórica da Igreja Católica durante a colonização, que moldou um sistema
educacional voltado para subjugação e doutrinação dos povos colonizados.
Dessa forma, Carneiro aborda de forma abrangente os processos de exclusão
epistemológica, aprofundando-se nas raízes sociais e históricas dessa exclusão. Enquanto
Amusquivar foca na dinâmica geopolítica e na marginalização do conhecimento do Sul
Global especificamente nas Relações Internacionais, o autor expande a discussão para
explorar como o epistemicídio está intrinsecamente ligado às estruturas de poder racializadas
e à perpetuação de desigualdades sociais. Dessarte, Amusquivar destaca como a hegemonia
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eurocêntrica impede o reconhecimento e a legitimação das epistemologias do Sul,


evidenciando o impacto direto desse processo na academia. Sua análise oferece uma
perspectiva concreta de como o epistemicídio se manifesta institucionalmente, relegando o
conhecimento periférico a uma posição subalterna.
Portanto, embora as autoras abordem o tema do epistemicídio sob diferentes prismas,
suas análises se complementam. Amusquivar oferece uma perspectiva específica e situada
sobre como o epistemicídio afeta o campo acadêmico das Relações Internacionais, enquanto
Carneiro aprofunda a compreensão das origens e mecanismos sociais dessa exclusão,
revelando suas implicações mais amplas nas relações de poder e na construção de hierarquias
sociais.

IV. CONCLUSÃO
Portanto, embora Amusquivar e Carneiro adotem enfoques distintos — um voltado
para a geopolítica e outro para as relações raciais —, ambas as análises enriquecem a
compreensão do epistemicídio como um fenômeno complexo e sistêmico que afeta várias
esferas do conhecimento e da sociedade. Amusquivar destaca o impacto do epistemicídio nas
Relações Internacionais, enquanto Carneiro examina as raízes coloniais e raciais que
sustentam essa exclusão. As abordagens, complementares e diferentes, sugerem que combater
o epistemicídio requer uma perspectiva interseccional que abranja aspectos geopolíticos,
raciais e culturais. Isso implica reconhecer a diversidade epistemológica e integrar as
perspectivas do Sul Global e dos grupos racializados, rompendo as barreiras impostas pelo
pensamento hegemônico.
À vista disso, as contribuições das autoras reforçam a urgência de promover uma
pluralidade epistemológica que vá além dos limites estabelecidos pela hegemonia
eurocêntrica. Superar o epistemicídio demanda não só o reconhecimento de epistemologias
alternativas, mas também a transformação das estruturas educacionais e sociais que
perpetuam a exclusão, visando a construção de uma sociedade mais justa e inclusiva.
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REFERÊNCIAS

AMUSQUIVAR, Erika Laurinda. Geopolítica do Sul Global e os desafios epistêmicos nas


Relações Internacionais. In: ENCONTRO DA ABRI - ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE
RELAÇÕES INTERNACIONAIS, 8., 2021, Online. Anais […], 2021. p. 1-15. Disponível
em:
https://www.encontro2021.abri.org.br/arquivo/downloadpublic?q=YToyOntzOjY6InBhcmFtc
yI7czozNToiYToxOntzOjEwOiJJRF9BUlFVSVZPIjtzOjQ6IjQ5NzEiO
30iO3M6MToiaCI7czozMjoiMmQ3YzBiZDE2ZmI2OGM1YTA3YTFmYmUyM2M0ZmUx
OWYiO
30%3D. Acesso em: 30 set. 2024.

CARNEIRO, Sueli. Dispositivo de racialidade: a construção do outro como não ser como
fundamento do ser. Rio de Janeiro: Zahar, 2023.

SANTOS, Boaventura de Sousa. La Globalización del Derecho: los Nuevos Caminos de la


Regulación y la Emancipación. Bogotá: ILSA, Universidad Nacional de Colombia, 1998.

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