Agências de Viagens: Desafios de Um Mercado em Reestruturação

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Turismo - Visão e Ação - vol. 7 - n.3 p. 495 - 502 set. /dez.

2005

Agências de viagens: desafios de um mercado


em reestruturação
Agencias de viajes: desafíos de un mercado
en reestructuración.

Travel agencies: challenges for a market


undergoing restructuring.

Ricardo Lago*
e-mail: [email protected]
Everton Luis Pellizzaro de Lorenzi Cancellier**
e-mail: [email protected]

Resumo
A distribuição do produto turístico tem mudado nas últimas décadas. O avanço tecnológico e a liberalização dos
mercados transformaram o mercado e têm imposto aos empreendimentos turísticos grandes desafios para remodelar
suas empresas, alterando o foco de atuação da organização ou mesmo o de todo um setor. Fenômenos atuais marcantes
como o comércio eletrônico e a desintermediação provocam profundos impactos nas atividades das agências de viagens,
gerando, ao mesmo tempo, ameaças e oportunidades. Neste trabalho são discutidas as perspectivas e desafios dos dois
tipos de agências mais presentes no mercado brasileiro: as agências emissivas e as agências receptivas. Serão observadas
as questões econômicas, mercadológicas, tecnológicas políticas e éticas que desafiam essas empresas.
Palavras-chaves: Agências de viagens, Tendências, Turismo.

Resumen
La distribución del producto turístico está cambiando en las últimas décadas. El avanzo tecnológico y la liberalización
de los mercados transformaron el mercado y han impuesto a las empresas turísticas grandes desafíos para remodelar sus
empresas, alterando el foco de actuación de la organización o aún el de todo un sector. Fenómenos actuales notables
como el comercio electrónico y la desintermediación provocan profundos impactos en las actividades de las agencias de
viajes, generando al mismo tiempo amenazas y oportunidades. En ese trabajo se discuten las perspectivas y desafíos de
los dos tipos de agencias más presentes en el mercado brasilero: las agencias emisoras y las agencias receptivas. Serán
observadas las cuestiones económicas, mercadológicas, tecnológicas políticas y éticas que desafían esas empresas.
Palabras-clave: Agencias de viajes, Tendencias, Turismo.

Abstract
The distribution of the tourism product has changed in recent decades. Technological advances and the liberation of the
markets have transformed the market and imposed major challenges on tourism businesses to remodel their companies,
altering the focus and operation of the organization, or even the entire sector. Outstanding phenomena in today’s
environment, such as electronic commerce and de-mediation, have brought profound impacts on the activities of travel
agencies, generating, at the same time, threats and opportunities. This work discusses the prospects and challenges of
two types of agency which are most commonly found in the Brazilian market: emissive and receptive agencies. It
observes the economic, market, technological, political and ethical issues which present a challenge to these companies.
Key words: Travel agencies, Trends, Tourism.

*
Mestre em Turismo e Hotelaria pela Universidade do Vale do Itajaí, UNIVALI.
**
Doutor em Administração pela Universidade de São Paulo, USP. Professor dos Programas de Mestrado em Administração e Mestrado em
Turismo e Hotelaria da Universidade do Vale do Itajaí - UNIVALI.

Artigo recebido: jun./2004. Aprovado: fev./2005. 495


Ricardo Lago; Everton Luis Pellizzaro de Lorenzi Cancellier - Agências de viagens: desafios de um mercado em reestruturação

1 Introdução

O desenvolvimento tecnológico e a globalização provocaram um grande abalo na cadeia de


distribuição do produto turístico, obrigando muitos agentes de viagens a repensar suas estratégias de
negócios e seu posicionamento no mercado (POON, 1993; BARRETO, 1995; TOMELIN, 2001;
O’CONNOR, 2001; MARIN, 2004).
No Brasil, essa situação não é diferente e o setor de agências de viagem vêm passando por
grandes transformações. Até a década de 1980, o mercado brasileiro era regulamentado e o numero
de concorrentes limitado pela burocracia necessária para abertura de novas agências. Em 1986,
através do Decreto-lei 2.294/86, se reduziu o número de exigências provocando um rápido
crescimento do número de estabelecimentos. Com um maior número de agências houve uma
pulverização do mercado, o que comprometeu gradativamente o poder de negociação das agências
individualmente junto aos seus fornecedores, principalmente as companhias aéreas. Em meados da
década de 1990, com o surgimento da Internet, os fornecedores passaram a contar com mais esse
canal de distribuição, que não exige pagamento de comissões e permite dispor a oferta do produto a
praticamente qualquer pessoa, não importando onde ela esteja.
Essas mudanças têm provocado um forte impacto nas atividades ligadas ao turismo, e em
especial, às agências de viagens, oferecendo, ao mesmo tempo, ameaças e oportunidades. Neste
trabalho são discutidos desafios e possibilidades que as agências de viagens estão enfrentando em
meio à transformação do mercado de turismo. Inicialmente, é apresentado o contexto legal das
agências de viagens no Brasil. Em seguida, são discutidos os desafios atuais das agências de
viagens, abordando-se aspectos específicos das agências emissivas e das agências receptivas, uma
vez que sofrem pressões competitivas diferentes. Ao final, são apresentadas as conclusões e
considerações do trabalho.

2 O contexto legal das agências de viagens no Brasil

Na legislação brasileira, agência de turismo é definida como “a sociedade que tenha por objetivo
social, exclusivamente, as atividades de turismo” seja diretamente ou por meio de representação de
empresas prestadoras de serviços turísticos, conforme o Decreto-lei n.º 84.934, de 21 de julho de
1980. Essa norma também dispõe sobre as atividades e serviços das agências de turismo e
regulamenta o seu registro e funcionamento. Segundo a legislação brasileira, são atividades
privativas das agências de turismo: venda comissionada ou intermediação remunerada de
passagens, passeios, viagens e excursões; intermediação remunerada na reserva de acomodações;
recepção, transferência e assistência especializada a turistas ou viajantes; operação de viagens e
excursões, individuais ou coletivas, compreendendo a organização; contratação e execução de
programas, roteiros e itinerários; representação de empresas transportadoras, empresas de
hospedagem e outras prestadoras de serviços turísticos; e divulgação pelos meios adequados,
inclusive propaganda e publicidade dos serviços.
Ainda segundo a legislação brasileira, poderão ser realizadas pela agência de turismo, sem
caráter privativo, as atividades de: obtenção e legalização de documentos de viagens; reserva e
venda, mediante comissionamento, de ingressos para espetáculos públicos, artísticos, esportivos,
culturais e outros; transporte turístico de superfície; desembaraço de bagagens, nas viagens e
excursões de seus clientes; agenciamento de carga; prestação de serviços para congressos,
convenções, feiras e eventos similares; operações de câmbio manual, observadas as instruções do
Banco Central; e outros serviços que venham a ser especificados pela Embratur.
O Decreto-lei n.º 84.934/80, no seu artigo 4º, classifica as Agências em duas categorias:
“Agências de Viagens e Turismo” e “Agências de Viagens”. As Agências de Viagens e Turismo

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podem operar livremente excursões do Brasil para o exterior, assim como realizar excursões pelo
território nacional. Às Agências de Viagens é vedado o exercício de operações ao exterior,
executando as excursões rodoviárias com o maior percentual de duração no Brasil e
complementando com países limítrofes.
A legislação brasileira usa genericamente os termos agências de viagem ou agências de viagem
e turismo para classificar todos os empreendimentos que realizam algum tipo de intermediação,
incluindo, aqui, as operadoras. Tanto a academia quanto o trade turístico usam diferentes
nomenclaturas para especificar os tipos de agências de turismo e outros intermediários: operadoras,
consolidadoras, agências emissivas, agências receptivas e agências de cambio são alguns dos tipos
de agências que atuam no mercado brasileiro. Para efeitos deste trabalho, serão discutidas as
perspectivas futuras das agências emissivas e receptivas no mercado brasileiro.

3 O contexto e desafios das agências de turismo

A venda de produtos de terceiros passou a ser a atividade básica das agências de viagem após a
Segunda Guerra Mundial. A cadeia de distribuição típica do pós Segunda Guerra era formada por
agências pequenas e facilmente substituídas por outras, não exigindo investimento direto das
fornecedoras de serviços turísticos. Segundo Gee e Fayos-Sola (2003) esse era o principal benefício
desse sistema de distribuição terceirizado.
Na medida em que os custos de computação e comunicações começaram a cair ao longo dos
anos 1970 e 1980, começou-se a colocar terminais automatizados nas agências, permitindo que os
próprios funcionários buscassem informações e fizessem as reservas (O‘CONNOR, 2001). No
entanto, estas estruturas ainda eram caras e pouco maleáveis, exigindo cabos, linhas telefônicas e
terminais dedicados exclusivamente à tarefa de fazer as reservas. Embora a tecnologia facilitasse a
comunicação com os fornecedores, acabava exigindo deles, como no caso das companhias aéreas,
uma grande e cara equipe de reservas para lidar com os processos realizados pelas agências, ao
mesmo tempo em que pagavam comissões em cada reserva. Aos fornecedores parecia que
estavam pagando duas vezes pelo mesmo trabalho e as pressões crescentes por competitividade
nos anos 1990 os levaram a pensar alternativas para a distribuição dos seus serviços, seja criando
outros canais, seja reformulando suas relações com os canais existentes (O‘CONNOR, 2001).
Uma das conseqüências dessa reorientação foi a emergência de uma política comercial que o
mercado denominou de “guerra das comissões”, capitaneada pelas companhias aéreas norte-
americanas que passaram a limitar as comissões pagas aos agentes de turismo a fim de cortar
custos (GEE; FAYOS-SOLÁ, 2003).
Outra conseqüência, porém com impactos mais duradouros, foi a possibilidade de distribuir
diretamente os produtos turísticos. A popularização da Internet permitiu levar os sistemas, antes
exclusivos das agências, até o consumidor final, propiciando uma redução significativa nos custo de
distribuição e fazendo com que os fornecedores passassem a concorrer com as próprias agências
de viagem. Com isso, o agente tem se tornado um intermediário desnecessário em muitas situações,
já que na grande rede o cliente tem acesso a todas as informações que ele teria em seu GDS
(Global Distribution System), mantendo contato direto com o fornecedor do produto, seja um
hotel, uma empresa aérea ou um provedor de serviço turístico, no local do destino.
Aliados às novas tecnologias, a globalização e os fatores geopolíticos modernos contribuem para
formar um novo cenário em que a competição entre empresas se desloca do local para o global.
Todos competem com todos e em todos os lugares, principalmente quando o produto em questão é
baseado em informação, como é o caso do turismo. Conseqüentemente, fica claro que a dinâmica
competitiva da atualidade provoca transformações profundas na posição estratégica de cada
elemento em todo o setor turístico (JOHNSTON; ABDLA, 2003).

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Esses são importantes sinais de que o mercado de atuação das agências de viagens está
vivendo um momento de transição. Uma diretriz importante a ser considerada é que toda agência
vive do turismo, mas nem todo turismo acontece por intermédio de agências. Contempla-se, até
mesmo, a possibilidade de prescindir das agências varejistas, uma vez que o atual estágio da
tecnologia permite que qualquer pessoa com um computador ligado a uma rede possa fazer suas
reservas diretamente com as operadoras ou mesmo com os fornecedores diretos, chegando-se a
especular sobre o desaparecimento das agências de viagens, especialmente as de varejo
(BARRETO, 1995).
Esses impactos, no entanto, afetam de forma diversa as agências emissivas e as receptivas. É
importante observar essas diferenças quando se discute tendências do mercado, pois cada uma
dessas agências tem desafios próprios e a atividade fim da agência está completamente ligada a
como ela será afetada no futuro.

3.1 Agências emissivas

As agências emissivas, também chamadas de detalhistas, são, segundo Gee e Fayos-Solá


(2003), o último elo no processo de consumo, conectando o consumidor aos fornecedores de
vários produtos turísticos como meios de hospedagem, meios de transporte, atrações, seguros de
viagem e eventos entre outros. Essas agências, que atuam apenas como intermediárias, vendem
produtos de vários fornecedores, servindo como filtro de todas as opções disponíveis, podendo
levar para o cliente as melhores opções dos vários fornecedores.
Ocorre que essa vantagem dá claros sinais de que está sendo erodida. As agências de viagens
possuem produtos cada vez mais similares e homogêneos e, geralmente, os produtos oferecidos
numa organização são comumente encontrados nas outras do setor. Essa padronização tem
facilitado, também, a comercialização online sem uso de intermediários. Com as novas formas de
alcançar o consumidor, nada mais natural que os fornecedores busquem formas mais rentáveis de
distribuição, utilizando os meios eletrônicos de distribuição direta e relegando às agências
emissivas um segundo plano.
No mercado turístico atual, não há mais uma diferença clara do mercado de atuação das
agências de viagem e dos fornecedores turísticos, transformando antigos parceiros em
concorrentes. Assim, é cada vez maior o número de empresas turísticas que oferecem seus
serviços diretamente ao consumidor através da Internet.
No caso das companhias aéreas, estas fazem uso de sua marca para avançar sobre outros
mercados de atuação. Um exemplo claro é o Sabre, inicialmente projetado como ferramenta para
gerenciar as reservas da American Airlines, o sistema incorporou o serviço de reservas de
companhias concorrentes, hotéis, aluguel de automóveis e outros serviços turísticos, dando
origem a uma das maiores agências on-line do mundo. O sistema, que tinha como fonte de
receitas taxas cobradas por reservas efetuadas pelos agentes de viagens, acabou por se tornar
um concorrente das próprias agências, ofertando uma ampla gama de serviços de diversos
fornecedores pela Internet.
O fenômeno da desintermediação pelo uso de canais eletrônicos parece ser irreversível,
conforme apontam pesquisas de comportamento do consumidor. Em 2001, 18% dos adultos
canadenses disseram ter utilizado a Internet para reservar um elemento de seus planos de
viagem, incluindo transporte aéreo, hotel ou aluguel de carros. Da mesma forma, 92% dos
canadenses que reservaram parte de suas viagens on-line disseram que agora estão utilizando
menos os agentes de viagens (JOHNSTON; ABDLA, 2003).
O crescente uso de tecnologias de informação indica que as agências precisam fazer pesados
investimentos em tecnologia e qualificação de seus funcionários (MARIN, 2003). Porém, as
pequenas e médias empresas têm recursos limitados, não apenas em termos financeiros, mas

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também de gerenciamento e tempo de funcionários, e o uso de canais eletrônicos é considerado


complicado e difícil (O‘CONNOR, 2001). Essa limitação de recursos é agravada pela redução
das comissões, o que diminui significativamente a lucratividade de uma agência e sua capacidade
de investir. Isso faz com que algumas fontes alternativas de receitas sejam desenvolvidas, mas
também tem trazido à tona práticas comerciais questionáveis, como o direcionamento das vendas
para fornecedores que pagam maiores comissões e não pela busca de melhores alternativas para
os clientes, num conflito entre a ética profissional e a luta pela sobrevivência (GEE; FAYOS-
SOLÁ, 2003).
Essa postura de buscar a melhor alternativa financeira para a agência e não a melhor
alternativa para o cliente já tem sido verificada em alguns mercados. De acordo com uma
pesquisa realizada no Estados Unidos e publicada no Consumer Reports, em Julho 2001, apenas
51% das agências ofereceram a menor tarifa disponível para o cliente. Outros 12% apresentaram
as melhores tarifas após uma segunda consulta, 25% nunca apresentaram a melhor tarifa e 12%
apresentaram as tarifas mais caras como sendo as mais baratas. Se os agentes optarem por usar
serviços mais caros como forma de obterem maiores comissões eles provavelmente obterão
sucesso no curto prazo, mas poderão comprometer sua imagem como consultores e, portanto, seu
próprio futuro.
Johnston e Abdala (2003) alertam que as agências de viagens, mesmo que não sejam
eliminadas do processo de distribuição pelo uso da tecnologia da informação, certamente terão
suas atividades modificadas. Na verdade, a Internet está levando as pequenas empresas
turísticas a se transformarem em um ritmo muito mais rápido do que estavam acostumadas.
Em face deste cenário, para que as agências emissivas sobrevivam e obtenham sucesso neste
ambiente em constante transformação, torna-se necessário que estas disponibilizem aos seus
clientes, juntamente com o produto que irão adquirir, algum valor agregado e/ou alguma vantagem
que as tornem competitivas e diferenciadas.
Como alternativas para a geração de receitas, as agências passaram a cobrar taxas de
serviços ou service fees, essas taxas podem ser cobradas de várias formas, mas as três mais
comuns, segundo a Associação Brasileira de Agências de Viagens – ABAV, são: management
fee, transaction fee e flat fee.
A Management Fee corresponde à cobrança mensal de um valor fixo do cliente. Sua
vantagem reside em permitir controle mais simples e direto na apuração da receita e maior
clareza e objetividade para o cliente. Sua desvantagem está na dificuldade de cobrança de
serviços que são difíceis de valorar, como a alteração de reserva, reemissão de bilhetes ou
atendimento de aeroporto, podendo sujeitar a agência a um grande volume de trabalho com
resultado operacional desproporcional.
A Transaction Fee corresponde a um valor diferenciado por cada serviço realizado. Sua
vantagem consiste em permite maior cuidado na cobrança, uma vez que todo o serviço tem seu
preço estabelecido e sua desvantagem está em poder tornar o relacionamento com o cliente
extremamente mercantilista, dificultando o controle da qualidade dos serviços prestados.
A Flat Fee corresponde ao valor cobrado por serviço não importando sua natureza. Sua
vantagem reside na simplicidade do sistema de cobrança, por tratar-se de taxa fixa, e sua
desvantagem está em poder gerar insatisfação do cliente se o custo tornar-se desproporcional ao
volume de viagens.
Uma outra alternativa para as agências emissivas passa pela personalização do atendimento.
Naisbitt (1999) argumenta que com a maior utilização dos computadores, o atendimento pessoal
passa a ser um diferencial importante. A cada dia as pessoas são forçadas a interagir mais com
máquinas e menos com humanos, o que pode levá-las a evitar o contato com as máquinas e
procurar sempre que possível a interação com as pessoas.
De acordo com O’Connor (2001), os serviços especializados que agregam valor às viagens

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são uma alternativa para manter e conquistar novos clientes. Além de serem mais rentáveis,
tours exóticos, ecológicos, culturais e acompanhamento de especialistas (músicos, biólogos,
professores universitários) durante a viagem são uma tendência emergente. Ao mesmo tempo,
mostra-se cada vez mais importante o desenvolvimento de produtos próprios, altamente
especializados e destinados a nichos de mercado. A qualidade e a elaboração de serviços
personalizados devem ser pensados como alternativas importantes para a sobrevivência das
agências de turismo neste novo cenário. No processo de venda de uma passagem aérea, por
exemplo, não é suficiente apenas emitir o bilhete, se faz necessário que o profissional de turismo
detenha o maior conhecimento possível acerca da finalidade que o motiva a adquirir o que está
comprando: clima, moeda, idioma, grau de risco da viagem etc. Assim, além de entregar o produto
é preciso incluir algum valor que agregue benefícios, percebidos pelo consumidor final.

3.2 Agências receptivas

A agência de receptivo é a responsável pela operação local da viagem, ou seja, é ela que
atende o turista no seu destino providenciando transfers, ingressos para espetáculos, city tours e
outros serviços requisitados. Gee e Fayos-Solá (2003) chamam esse tipo de agência de
operadoras, mas esse termo no Brasil é mais relacionado aos atacadistas. Assim como as
emissivas, a atividade das agências receptivas tem sido modificada, forçando-as a se adaptarem
às novas tecnologias, seja na comercialização dos pacotes ou no atendimento ao cliente.
Ao contrário das agências emissivas, as agências de receptivo vivem um momento de grandes
oportunidades. Com a Internet é possível que uma pequena empresa atue no mercado mundial,
competindo ou em parceria com empresas maiores, companhias aéreas, operadoras ou
provedores de conteúdo entre outros. A expectativa de crescimento do turismo receptivo no
Brasil tem estimulado a criação de muitas novas agências. A EMBRATUR espera que o número
de turistas estrangeiros chegue a 9 milhões até 2007 e o número de desembarques nacionais atinja
66 milhões no mesmo ano, duplicando o tamanho do mercado de turismo no Brasil.
Além disso, de acordo com O’Connor (2001), a Internet facilita a distribuição dos pacotes
pelos meios tradicionais, ou seja, através das operadoras e agências de turismo, disponibilizando,
para estas, informações em tempo real sobre vagas e serviços especiais, tais como: guia bilíngüe,
informações meteorológicas, horário de funcionamento e venda de ingressos de atrações,
museus, teatros, etc.
Soma-se a estas vantagens o fato de que a Internet reduz os custos de propaganda, graças à
maleabilidade para alterar as informações de um site a qualquer hora e a um custo muito reduzido,
se comparado aos custos de impressão de folhetos, cartazes ou, ainda, com a veiculação na
televisão. O uso de sistemas informatizados de reservas também contribui para o aumento da
eficiência dessas agências.
Porém, as agências receptivas também enfrentam desafios. Segundo Tapper (2001), as
operadoras negociam grandes volumes e usam seu poder de compra para negociar tarifas mais
baixas, reduzindo a lucratividade das pequenas agências receptivas.
Outro desafio a ser enfrentado é gerar novas experiências para os turistas. Poon (1993) expõe
que os antigos turistas eram homogêneos e previsíveis, enquanto os novos turistas são espontâneos
e imprevisíveis, eles são diferentes da multidão e querem estar no controle. O advento de guias
eletrônicos e outras tecnologias utilizadas para fornecer informações podem tornar os turistas cada
vez menos dependentes dos guias locais e, portanto, das agências de receptivo.
Além disso, o futuro das agências receptivas está intimamente ligado ao futuro do destino.
Crises cambiais, terrorismo, instabilidade política ou mesmo o declínio do próprio destino podem
ter um efeito devastador sobre essas empresas, já que elas são estruturadas em função do local
em que se situam.

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4 Conclusão

O setor de turismo vive grandes paradoxos. Enquanto alguns autores pregam o fim dos
intermediários, é possível ver verdadeiros impérios serem erguidos sobre essa atividade, a exemplo
das agências de turismo on-line. Mas, ao mesmo tempo em que o fluxo turístico continua a crescer,
as empresas se dizem cada vez mais sufocadas pelas baixas margens de lucro.
Parece existir um movimento de concentração de mercado, ou seja, um menor número de
grandes empresas. Isso pode ser observado por toda a industria turística, companhias aéreas em
processo de fusão ou fazendo alianças, grandes redes hoteleiras avançando sobre o mercado de
reservas e, até mesmo, pequenas empresas atuando através de suas associações como a ABAV.
Estas mudanças representam uma nova era para as agências de turismo. Uma era de mais
eficiência, menores custos, uso intensivo de tecnologia com acesso a um universo quase ilimitado
de informações, mas que traz consigo a concorrência global, a guerra de preços e a
desintermediação dos negócios. Neste contexto, as agências de viagens nos moldes atuais
precisam adequar suas estruturas e processos para que continuem competitivas em um ambiente
marcado pela possibilidade dos produtos e serviços adquirirem a forma digital.
Para as agências de viagens competirem no mercado atual é preciso agir rápido para
identificar as novas oportunidades, mas também é preciso poder de negociação, pois com a
concorrência global e a profissionalização da atividade, dificilmente haverá espaço para o agente
de viagens amador que “adora viajar”. Se a concentração deverá favorecer e aumentar o poder
das grandes empresas, este mesmo movimento pode trazer conseqüências desagradáveis com a
redução do número de opções disponíveis ao consumidor. Uma alternativa para as agências é
procurar identificar necessidades específicas dos consumidores não facilmente atendidas pelos
sistemas computadorizados ou por segmentos que não podem ser massificados.
No entanto, é importante observar que na medida em que as crianças e adolescentes da era
digital forem sendo inseridos no mercado consumidor, o uso de máquinas poderá ser tão natural
quanto a interação com pessoas. Isso porque para a maioria das crianças de hoje o uso de
computadores é muito mais natural do que para os adultos, principalmente para os mais idosos.
Embora não se possa mensurar a real intensidade e velocidade das novas tendências e,
consequentemente, prescrever os caminhos que podem ser seguidos, resta apenas a inconteste
certeza de que a mudança é definitiva.

Referências

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