Admin, SAÚDE 25 (3) ART 01
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SANTOLIN, C. B. História da obesidade na classificação internacional de doenças (cid): de 1900 a 2018. Arquivos de Ciências da Saúde
da UNIPAR, Umuarama, v. 25, n. 3, p. 167-172, set./dez. 2021.
RESUMO: O presente artigo teve como objetivo descrever o histórico da inserção da condição clínica denominada atualmente de
“obesidade” nas onze revisões da Classificação Internacional de Doenças (CID), publicadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS),
entre os anos 1900 e 2018. Para tanto, buscou-se pela palavra-chave “obesity” nos documentos, realizando, posteriormente, uma descrição
e uma análise da presença, modo de inserção e as mudanças ocorridas ao longo do tempo. Os resultados demonstraram que a condição já
foi e continua sendo inserida como sintoma, morbidade, coREVSmorbidade, causa de mortalidade e/ou doença. Concluiu-se que há uma
grande inconsistência lógica nos princípios que regem a classificação.
PALAVRAS-CHAVE: Obesidade. História. Classificação.
ABSTRACT: This article aimed at describing the history of insertion of the clinical condition currently referred to as “obesity” in the
eleven revisions of the International Classification of Diseases (ICD) published by the World Health Organization (WHO) between 1900
and 2018. For this purpose, a search for the keyword obesity was performed in the documents, with subsequent description and analysis
of the presence, mode of insertion, and changes occurring over time. The results demonstrated that the condition has been and continues
to be inserted as symptom, morbidity, comorbidity, cause of mortality and/or disease. It can be concluded that there is a massive logical
inconsistency in the principles that govern the classification.
KEY WORDS: Obesity. History. Classification.
DOI: https://doi.org/10.25110/arqsaude.v25i3.2021.8045
1
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). Bacharel, mestre e doutorando em Educação Física. [email protected]. https://orcid.
org/0000-0002-4031-6486
2
François Bossier de Lacroix (1707-1777), estatística australiano, mais conhecido como Sauvages, realizou a primeira tentativa de sistematização das
doenças em Nosologia Methodica. Já William Cullen (1710-1790), médico escocês, publicou em 1785 Synopsis nosologiae methodicae.
ISSN 1982-114X Arquivos de Ciências da Saúde da UNIPAR, Umuarama, v. 25, n. 3, p. 167-173, set./dez. 2021 167
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classificação de Bertillon das causas da morte”. Bertillon NELSON; SILVERMAN, 2007). Os documentos históricos
ficou à frente das comissões de elaboração das listas nas três que compuseram o corpus empiricus foram as onze edições
primeiras edições (WHO, 2018a) da CID, cujo acesso foi obtido através do site Wolfbane
Assim – um detalhe importante a destacar – as listas Cybernetic (2018) e do site ICD-11 (WHO, 2018).
que originaram as CIDs não vieram de sistemas nosológicos, Todas as edições acessadas estavam no idioma
mas, sim, dos registros de causas de mortalidade (WHO, original, inglês. As condições de interesse para a presente
2018a). Esse aspecto histórico marcou a CID, criando uma pesquisa foram traduzidas livremente para o português pelo
confusão entre causas de morte e doenças, o que já foi alvo autor, por meio de consultas a dicionários, quando necessário,
de muitas críticas, como se pode notar na passagem abaixo, buscando resguardar a literalidade e a especificidade dos
da própria OMS: termos médicos empregados.
Após o acesso aos materiais, realizou-se a consulta
Enquanto três séculos contribuíram com alguma em busca de termos médicos já usados ou ainda em uso para
coisa para a precisão científica da classificação de se referir à obesidade, tais como: obesity, corpulency, fat,
doenças, há muitos que duvidam da utilidade das dentre outros. Enquanto as listas ainda eram “pequenas”,
tentativas de compilar estatísticas de doenças, ou ou seja, com centenas de condições (até a LICM-5), esta
mesmo causas de morte, devido às dificuldades de consulta foi realizada item a item. Após atingirem milhares
classificação. (WHO, 2018a) (da CID-6 em diante), buscaram-se tais termos através das
ferramentas de busca de softwares de edição de textos, como
Assim, a quantificação estatística epidemiológica o Word, e leitor de pdf, como o Foxit reader.
depende da classificação, e esta depende de um sistema Os resultados encontrados foram descritos, com
universalmente aceito de codificação e princípios lógicos seus respectivos códigos, buscando explicar de que modo a
consistentes na classificação – nem sempre aceitos condição se inseria na hierarquia listada, além de descrever
unanimemente pela comunidade científica e pela área da possíveis mudanças no modo de inserção da condição ao
saúde. longo das onze revisões. Posteriormente as descrições,
O problema classificatório ganha contornos mais empreenderam-se análises e discussão dos resultados
críticos devido à vinculação aos sistemas legais, através dos encontrados, conforme o que já se conhece da história da
sistemas de saúde, como o SUS. No Brasil, desde a criação do obesidade.
SUS, em 1988, adotou-se as CIDs como classificação oficial.
Para várias situações médico-legais, exige-se o “número Resultados e discussão
da CID”, tornando tal lista uma ferramenta poderosa de
biopoder (FOUCAULT, 2008).
Um auxílio doença ou uma aposentadoria por A história dessas publicações começa em 1900, com
invalidez junto ao Instituto Nacional do Seguro Social a primeira edição de uma Lista Internacional de Causas de
(INSS) só são concedidos aos contribuintes se as condições Morte (LICM) – nome que se manteria até 1948 – trazendo,
patológicas forem caracterizadas através da CID. Apesar ao total, 191 condições listadas. Não há uma estratificação
disso, há incoerências quando a questão é a obesidade, pois ou hierarquização taxonômica – as condições são listadas e
apesar de ser atualmente classificada como doença na CID codificadas numericamente, de modo simples.
vigente, não se tem notícia de contribuintes beneficiados Ao consultar essa pequena lista, nenhuma das
com auxílio doença ou aposentadoria por invalidez devido condições se refere à obesidade, excesso de corpulência,
à obesidade. Índice de Massa Corporal (IMC), peso ou gordura corporal.
Isso não impediu, entretanto, que em outras A omissão, nesse caso, permite cogitar algumas hipóteses
situações, como em exames médicos para concursos igualmente plausíveis. Pode-se deduzir através desse
públicos, candidatos tenham sido excluídos por terem sido documento, portanto, que em 1900: a) ou tais condições
caracterizados como doentes, utilizando como recurso a não seriam consideradas realmente causas de morte; b)
presença da condição na CID (FOLHA DE SÃO PAULO, ou, se fossem, seriam identificadas com algum rótulo
2018). geral/inespecífico; c) ou não havia número significativo
epidemiologicamente de ocorrências (prevalência
Por isso, em vista da importância da articulação entre insignificante).
medicina e direito se dar à luz de tais listas, com potencial
para atingir, na prática, a todos, além de poder elucidar o Consta na lista, entretanto, a fome (56) como,
processo histórico de patologização da obesidade, no mundo sugerindo que a escassez de comida seria um problema mais
e no Brasil, o presente artigo teve por objetivo descrever preocupante, ocasionando, inclusive, óbitos, do que possíveis
a inserção dessa condição nessas listas de classificação de consequências de excessos alimentares.
doenças, desde a criação até a CID atual. Itens, aparentemente, curiosos presente na LICM-1,
como velhice3 (167) e uma série de mortes violentas (175-
191), podem ser entendidos se levarmos em consideração
Métodos que a lista seria uma relação de “causas de morte”, ou seja,
direcionada mais para médicos legistas ou seguros de vida do
As características da presente pesquisa caracterizam- que para clínicos e especialistas.
na como histórica e descritiva (STRUNA, 2007; THOMAS;
3
Do inglês old age.
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Apesar disso, destaca-se, ainda, nesta edição a de morte pode advir de algo considerado uma doença – e
presença de condições que, paradoxalmente, não levam à vice-versa. Uma grande parte das condições trazidas pela
morte, como convulsões (89) e epilepsia (88). Aparentemente, CID-6 é, na verdade, uma causa de morte e não poderia ser,
essa prévia de confusão em torno da diferença entre causa, de forma alguma, patologizada. Por exemplo, uma ampla
sintoma, forma de contágio, prognóstico, traumas, patologias, gama de acidentes, presentes nas LICMs, continua na lista,
entre outros, manter-se-á e aumentará exponencialmente, ao sugerindo que tais traumas seriam doenças.
longo das revisões, o número de condições listadas. Mas não foi só essa a ruptura em relação às listas
Em 1909 foi publicada a obra revisada, onde o anteriores. A OMS adota como conceito de saúde o “estado
número de condições ascende para 319 – um aumento de do mais completo bem-estar físico, mental e social e não
quase 70%, mas uma quantidade diminuta se compararmos apenas a ausência de doença” (SCLIAR, 2007, p.37). Desde
ao tamanho que tais listas ficarão próximo ao final do Século então, muitas críticas teriam sido feitas a essa definição,
XX. Apesar disso, nessa já há uma estratificação simples das principalmente a alegação de que seria um ideal inatingível
condições, que são codificadas com um número e, quando e que daria poder ao Estado de intervir na vida dos cidadãos,
há subcategorias, com letras maiúsculas. Em alguns casos, o que foi caracterizado, contemporaneamente, como um
existem até oito subcategorias. biopoder totalitário (SCLIAR, 2007; FOUCAULT, 2008).
Novamente, ao consultar a lista, nenhuma das Como Caponi (apud GOMES, 2009) ressalta, a
condições se referia aos itens que poderiam se referir a um inclusão da noção de bem-estar, sobretudo social, no conceito
excesso de gordura corporal, peso, IMC, tamanho do corpo, de saúde se inscreveria no espaço da normalidade, que como
etc. A fome (177), entretanto, permanece na lista. E, mais Canguilhem (1995) percebeu, confunde-se com a frequência
uma vez, também, várias condições que não levariam ao e com a média/moda estatística. Tal abordagem do conceito
óbito, como fimose (150-B), podem ser encontradas. de saúde encerraria questões valorativas, que deveriam estar
A terceira publicação, de 1920, traz uma pequena sob o poder do indivíduo.
redução da lista para 315. O esquema de estruturação torna- Como a definição do que seria saúde implica,
se mais complexo – letras minúsculas definem subgrupos e consequentemente, na definição do que seria doença, após
números definem subcategorias. a mudança, o número de condições mais que dobra em
Na LICM-3 é possível encontrar a condição relação à LICM-5; passando de 487 para mais de 4.500
denominada “coração gordo”4 [90 (9)], que seria a primeira (≈ 824% de aumento). Ou seja, se adotarmos a definição
aparição da gordura excessiva como agente etiológico de proposta pela OMS, como passa a ser feito na CID-6, há
uma condição que poderia acarretar em óbito. Excetuando poucas chances de que alguém seja considerado realmente
esse caso, assim como nas demais listas anteriores, nada saudável. A “área da saúde”, assim, seria melhor denominada
consta dentre os itens que remeta ao conceito de excesso de como “área da doença”. Consequentemente, também, é na
gordura corporal ou obesidade. Dessa vez, aparece o item CID-6 que aparece, pela primeira vez, tanto na classificação
“fome ou sede” (192). simplificada quanto na expandida, uma patologização
oficial da obesidade na história. A condição “obesidade não
Em 1929 será lançada a quarta edição revisada da
especificada, de origem endócrina” consta no item 287 e não
LICM, com o total de 331 condições listadas. Permanece a
figura dentro de nenhum subgrupo específico. Não é possível
condição denominada “coração gordo” [93b (1)] e, também,
deduzir se a condição foi posta na lista enquanto uma doença
a “fome ou sede” (189). O esquema de estratificação da lista
ou, simplesmente, enquanto um sintoma de uma disfunção,
segue o padrão da revisão anterior.
doença ou patologia endócrina. Há, entretanto, uma espécie
A quinta revisão, de 1938, conteve 487 condições de asserção etiológica no item, que sugere que disfunções
classificadas. Nada constou, entretanto, sobre condições endócrinas podem causar obesidade.
relacionadas ao excesso de gordura corporal. Mesmo a
Dentro da nova definição de saúde proposta pela
condição denominada “coração gordo”, presente nas duas
OMS, o possível raciocínio dos formuladores da lista,
revisões anteriores, deixa de constar na lista.
aparentemente, foi que – mesmo se a condição não se
Em 1948, ano em que a OMS foi fundada, ocorre enquadrasse como um “mal-estar”, especificamente, físico
a mudança do nome de Lista Internacional de Causas de ou mental – poderia ser entendido como um bem-estar social
Morte para Classificação Internacional de Doenças (CID). incompleto, já que os indivíduos sofrem estigmatização por
Originalmente, fora intitulada “International Classification serem anômalos antropometricamente, e, portanto, deveria
of Diseases, Injuries, and Causes of Death” (Classificação ser classificado como doença.
Internacional de Doenças, Lesões e causas de morte) (WHO,
Ressalta-se que em 1948, ano de divulgação
2018a). Estruturalmente, mantém-se uma lista estratificada,
da CID-6, não havia evidências clínicas claras de que o
mas com quatro dígitos numéricos e – em alguns subgrupos
excesso de IMC, peso ou gordura corporal fossem variáveis
– com uma letra inicial maiúscula.
independentes e, principalmente, causais para a associação
Apesar de a publicação ser, de fato, uma continuação dessas com as alegações que eram feitas baseadas,
da outra – tanto é que, dando sequência à série, nascerá como exclusivamente, em estudos epidemiológicos longitudinais
CID-6 – a pequena mudança do título de “causa de mortes” ou em ensaios clínicos controlados e randomizados. Também
para “doenças” tem uma implicação significativa. não havia uma definição oficial do parâmetro técnico que
O primeiro aspecto a ressaltar é que nem toda causa classificaria alguém como obeso, que só veio a ser definido
pela OMS em 1998 (OLIVER, 2006). Aparentemente, a
4
Fatty heart.
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“obesidade” referida na lista seria o equivalente da corpulência A OMS também não explica porque tais condições estariam
excessiva – e não com o significado médico atual. Por se na lista – se seriam doenças, sintomas ou causas de morbi-
tratar somente de uma lista, sem definições conceituais, não mortalidade.
é possível somente com esse material elucidar qual seria o A penúltima publicação revisada, o CID-10 –
real significado da palavra empregada. publicada em 1990 e ainda em uso tanto no Brasil como
A CID-7, lançado em 1955, aumenta um pouco internacionalmente – traz cerca de 14.000 condições
o montante de condições patológicas, totalizando cerca de consideradas patológicas. A codificação das condições é
4.900 itens listados. A classificação do item que referencia realizada com 3 caracteres, numa lista simplificada e menor,
a obesidade se mantém idêntico, inclusive no número de ou com 4 caracteres, na lista maior. O código é composto
referência, assim como a estrutura geral da lista e o esquema por uma letra maiúscula, seguida de dois números, que
de codificação. especificam a condição, seguido por um ponto, e, depois,
Igualmente, a CID-8 manterá um pequeno mais um número, que especifica um subitem.
acréscimo na lista, que somará aproximadamente, 4.500 As condições relacionadas à obesidade encontradas
condições. A única diferença na classificação da “obesidade estão dentro de uma categoria denominada “Obesidade e outras
não especificada como de origem endócrina” é que o número hiperalimentações” (E65-E68). As condições diretamente
da classificação passa a ser 277. Em termos estruturais e de ligadas ao tema deste estudo foram: “adiposidade localizada”
codificação, a CID-8 se mantém semelhante às CIDs 6 e 7. (E65), “obesidade” (E66) e “outras hiperalimentações”
Já na CID-9, publicada em 1975, ocorrem (E67). Somente a categoria E66 possuía subitens: “obesidade
mudanças significativas. A codificação das condições passa por excesso de calorias” (E66.0), “obesidade induzida por
a ser realizada com 5 números e se mantém a utilização de drogas” (E66.1), “obesidade extrema com hipoventilação
letras maiúsculas, em alguns casos, para definir subgrupos pulmonar” (E66.2), “outra obesidade” (E66.8) e “obesidade
de doenças. A lista atinge a marca impressionante de mais de não especificada” (E66.9).
17.000 itens (≈ 278% de aumento). Desde a primeira edição das CIDs, é possível
A relação entre o aumento do número de condições perceber uma grande inconsistência categórica na lógica
classificadas como patológicas e o aumento do “público nosológica. Em alguns itens, nomeia-se uma condição
alvo” ou consumidor dos serviços médicos e dos produtos considerada uma doença, enquanto em outros consta aspectos
farmacêuticos, parece óbvia o bastante para dispensar relacionados à etiologia (causa), ao modo de distribuição,
maiores aprofundamentos argumentativos. Oliver (2006) sintomas associados, dentre outros aspectos. Cogita-se que
se refere a um complexo industrial da saúde, que incluiria, se tornaria inviável e inoportuno especificar numa lista de
inclusive, a área da Educação Física. doenças quais as causas, sintomas dentre outros aspectos, de
cada doença. Entende-se que uma doença é um constructo
A condição denominada “obesidade e outras
conceitual abstrato, produzido por indução, a partir de
hiperalimentações” (278) é encontrado na lista reduzida,
recorrências de casos específicos, em que se identificou
que contabiliza 1.188 condições, enquanto na expandida
sintomas, causas, consequências, dentre outros aspectos, de
são discriminados os subitens “obesidade” (278.0) e
uma condição específica, causadora de um certo pathos. Se
“adiposidade localizada” (278.1). Vale ressaltar que há outras
uma lista que se pretende ser uma lista de todas as doenças
hiperalimentações no subgrupo 278, como hipervitaminoses,
possíveis de afetar a humanidade adentrar em questões
o que permite deduzir que o termo “obesidade” empregado era
secundárias, como causa, sintomas, etc. tal empreendimento
definido mais por uma suposta etiologia (hiperalimentação)
se tornaria inviável. Haveria, sem dúvida, locais mais
do que pela definição conceitual da condição em si.
oportunos – como os compêndios médicos – para destrinchar
A condição denominada unicamente de “obesidade” as minúcias que uma determinada doença pode ter.
também aparece em V77.8, um subgrupo de “Triagem
A CID 11 foi publicada em Junho de 2018 e entrará
especial para distúrbios endócrinos, nutricionais, metabólicos
em vigor no SUS a partir de 1º de Janeiro de 2022. Por estar
e imunológicos” (V77). Dado o exposto no parágrafo anterior,
disponível somente num site específico, que não permite uma
cogita-se que tenha sido acrescida enquanto distúrbio
consulta da lista completa na íntegra, fica difícil determinar
nutricional, de hiperalimentação.
quantas condições constam nesta revisão. A codificação foi
Novamente, nessa época, a OMS não estabelecia realizada com até 6 caracteres, que incluem letras maiúsculas
parâmetros técnicos de definição do que seria considerado e números.
adiposidade localizada ou obesidade. Portanto, caberia
O termo “obesidade” aparece em 26 condições
ao médico definir se a concentração de tecido adiposo em
listadas, conforme é possível consultar no quadro abaixo
determinado indivíduo se configuraria ou não em tal quadro.
(Quadro 1):
Quadro 1: Lista de condições e seus respectivos códigos com o termo obesidade na CID-11 (2018)
n Condição listada Código
1 Obesidade, inespecífica 5B81.Z
2 Outra hipofunção específica ou desordem da glândula pituitária obesidade 5A61.Y
3 Obesidade devido a desequilíbrio energético 5B81.0
4 Obesidade em crianças ou adolescentes 5B81.00
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Além do aumento considerável no número de essencial na dupla classificação. Entende-se que classificar
ocorrências de condições com a palavra-chave pesquisada, é uma atividade complexa, cujo objetivo é a organização,
em comparação às demais CIDs, uma novidade é a presença e que um dos princípios classificatórios fundamentais
da condição denominada “pré-obesidade”, utilizada como consiste em impedir casos como esses. A lista ideal deve
sinônimo de “sobrepeso” na lista. A patologização avança possuir categorias mutuamente excludentes para evitar o
sobre as diversas condições possíveis de vida, limitando confundimento classificatório e permitir a organização.
o espectro de normalidade, no qual ainda se poderia ser
classificado saudável. Assim, oportunamente para alguns,
Conclusões
a vida – em sua variabilidade intrínseca – vai se tornando
passível de tratamento, tornando todos pacientes em
potencial. O objetivo do presente artigo foi descrever as
Novamente, chama à atenção a incoerência inserções da condição atualmente denominada obesidade
nosológica – às vezes, a obesidade é uma condição patológica, nas listas de classificação de doenças (LICMs e CIDs) ao
às vezes um sintoma; às vezes, incluem-se aspectos longo da história. A análise dos dados permitiu concluir que a
epidemiológicos (subgrupo atingido), às vezes, etiológicos. primeira inserção da condição se deu em 1948, ano de criação
A diversidade de critérios numa lista classificatória gera a da OMS e de mudança do nome da lista de LICM para CID.
possibilidade de que um mesmo caso seja classificado em Pode-se perceber, também, um aumento considerável
dois ou mais itens, dada a lógica fuzzy5, causando confusão e no número de condições relacionadas à obesidade desde essa
falência do objetivo da iniciativa classificatória, que consiste primeira inserção até a última versão, de 2018. Além desse
em organizar. aspecto quantitativo, percebeu-se grande inconsistência
Para exemplificar esse ponto de vista, basta lógica nos princípios classificatórios das condições listadas
perceber que um mesmo sujeito pode ser classificado – em – qualitativamente, pode-se dizer que a lista tem fraquezas
relação à obesidade – em duas CIDs, tais como “obesidade lógicas consideráveis.
em adultos” (5B81.01) e “obesidade induzida por droga” As ambivalências criadas devido a isso podem servir
(5B81.1), já que o primeiro item listado especifica qual de pretexto tanto para classificar a obesidade como doença
subgrupo epidemiológico e o segundo especifica qual a – quando conveniente – como para classificá-la como mero
causa, não havendo, portanto, uma incoerência lógica sintoma, restringindo direitos que, porventura, beneficiários
5
Diferentemente da lógica dita nítida ou booleana, em que só se aceita dois
poderiam ter junto à sistemas e planos de saúde.
valores – verdadeiro ou falso, na lógica difusa ou fuzzy aceita-se valores Por isso, reitera-se a relevância do presente estudo,
intermediários múltiplos entre o verdadeiro e o falso.
ISSN 1982-114X Arquivos de Ciências da Saúde da UNIPAR, Umuarama, v. 25, n. 3, p. 167-173, set./dez. 2021 171
SANTOLIN, C. B.
do ponto de vista social, ao informar os cidadãos a respeito Alegre: Artmed, 2007, p. 189-201.
dessa temática. Do mesmo modo, para pesquisadores da
história da obesidade, é fundamental evidenciar, com fontes, THOMAS, J. R.; NELSON, J. K.; SILVERMAN, S. J.
que a institucionalização oficial da obesidade enquanto Métodos de pesquisa em atividade física. 5. ed. Porto
categoria clínica se deu em meados do Século XX, como se Alegre: Artmed, 2007.
pode ver.
Por fim, espera-se que outros estudos semelhantes VIGARELLO, G. As metamorfoses do gordo. Rio de
possam contribuir para preencher as lacunas existentes na Janeiro: Vozes, 2012.
história da patologização da obesidade.
WOLFBANE cybernetic. Disponível em: http://www.
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