Lei de Tortura

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LEI DE TORTURA

LEI Nº 9.455/97

Tortura
Os crimes de tortura são definidos pela Lei nº 9.455/97.
Na verdade, como se trata de conduta extremamente repugnante, a
própria Constituição Federal proibiu expressamente a prática da tortura:
Art. 5º (...)
III - ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou
degradante;
(...)
XLIII - a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou
anistia a prática da tortura , o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas
afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles
respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los,
se omitirem;

Assim, a doutrina afirma que a CF/88 trouxe um “mandado de


criminalização”, ou seja, uma determinação para que o legislador puna a
prática de tortura.
Fechando esse sistema normativo, existe também a Lei nº 12.847/2013,
que institui o “Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura”. Ela
não prevê crimes, mas sim medidas com o objetivo de fortalecer a
prevenção e o combate à tortura.

 Tortura para obter confissão (“tortura probatória, inquisitorial,


institucional, política ou persecutória”)

Art. 1º Constitui crime de tortura:


I - constranger alguém com emprego de violência ou grave
ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental:
a) com o fim de obter informação, declaração ou confissão da
vítima ou de terceira pessoa;
Pena - reclusão, de dois a oito anos.

Sujeito ativo
Todas as figuras previstas no inciso I do art. 1º são crimes comuns, ou
seja, podem ser praticados por qualquer pessoa.
Atenção para isso: ao contrário do que ocorre nos outros países, no Brasil,
mesmo o particular, ou seja, quem não é funcionário público, também
pode praticar crime de tortura. As Convenções internacionais preveem,
inclusive, a tortura como crime próprio. Isso, contudo, não interfere no
Brasil:
O art. 1.º da Lei nº 9.455/1997, ao tipificar o crime de tortura como crime
comum, não ofendeu o que já determinava o art. 1º da Convenção da
ONU Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos
ou Degradantes, de 1984, em face da própria ressalva contida no texto
ratificado pelo Brasil.
STJ. 5ª Turma. REsp 1.299.787/PR, Min. Laurita Vaz, DJe 3/2/2014.

Exemplos
• policial que bate em suspeito até que ele confesse o crime;
• patrão que, ameaçando ordenar que o segurança da empresa agrida o
empregado, o faz admitir que ele desviou dinheiro do caixa;
• credor que, com uma arma na cabeça do devedor, obriga que ele
assine um termo de confissão de dívida;

Tortura para que terceira pessoa confesse


Ex: o agente tortura o filho para que o pai confesse o crime.

Consumação
O crime se consuma com o sofrimento (físico ou mental) causado pelo
emprego da violência ou da grave ameaça.
Não importa, para fins de consumação, que o agente tenha conseguido
seu objetivo. Assim, mesmo que a vítima não dê a informação,
declaração ou confissão exigida, o crime já estará consumado.
A tentativa é possível, considerando que se trata de crime
plurissubistente.

Elemento subjetivo
É o dolo com o especial fim de agir (com o fim de obter informação,
declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa).

Prova ilícita
A prova obtida mediante tortura será considerada ilícita e, em regra,
deverá ser desentranhada dos autos.
Nesse sentido: art. 5º (...) LVI - são inadmissíveis, no processo, as provas
obtidas por meios ilícitos.
Vale relembrar também o art. 157 do CPP:
Art. 157. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as
provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas
constitucionais ou legais.
§ 1º São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo
quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou
quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente
das primeiras.
§ 2º Considera-se fonte independente aquela que por si só, seguindo os
trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução
criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova.
§ 3º Preclusa a decisão de desentranhamento da prova declarada
inadmissível, esta será inutilizada por decisão judicial, facultado às partes
acompanhar o incidente.

 Tortura para a prática de crime (“tortura-crime”)

Art. 1º Constitui crime de tortura:


I - constranger alguém com emprego de violência ou grave
ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental:
b) para provocar ação ou omissão de natureza criminosa;
Pena - reclusão, de dois a oito anos.

Exemplo
João tortura Pedro para que ele fraude uma licitação.

Natureza criminosa
O agente tortura a vítima para o cometimento de crime (“natureza
criminosa”).
Não se enquadra neste dispositivo o agente que tortura a vítima para que
ela pratique contravenção penal. Nesse sentido:
(Delegado PC/MS 2017 FAPEMS) O funcionário público que constrange
fisicamente o estagiário a praticar contravenção penal poderá ser
responsabilizado pelo crime de tortura do art. 1º da Lei nº 9.455/1997.
(errado)

Responsabilidade do torturador
O torturador responderá pela tortura-crime (art. 1º, I, “b”) em concurso
material com o crime que obrigou o torturado a praticar. O torturador é
autor mediato do crime que for praticado pelo torturado.

Ausência de responsabilidade do torturado


O torturado irá responder penalmente pela ação ou omissão criminosa
que praticou?
Não. O torturado agiu mediante coação moral irresistível e, por isso,
deverá ser absolvido com base em uma excludente de culpabilidade (art.
22 do CP).
 Tortura em razão de discriminação (“tortura discriminatória”)

Art. 1º Constitui crime de tortura:


I - constranger alguém com emprego de violência ou grave
ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental:
c) em razão de discriminação racial ou religiosa;
Pena - reclusão, de dois a oito anos.

Motivo do agente é apenas a discriminação


“Ao contrário do que ocorre nos dispositivos anteriores, neste, o agente
não tortura a vítima esperando dela alguma conduta (positiva ou
negativa). Tortura apenas por preconceito à sua raça ou religião.” (CUNHA,
Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Leis Penais Especiais. Salvador:
Juspodivm, 2018, p. 1096).

 Tortura-castigo, vingativa ou intimidatória

Art. 1º Constitui crime de tortura:


II - submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com
emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento
físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou
medida de caráter preventivo.
Pena - reclusão, de dois a oito anos.

Sujeito ativo:
Trata-se de crime próprio.
Somente pode ser agente ativo do crime de tortura-castigo (art. 1º, II,
da Lei nº 9.455/97) aquele que detiver outra pessoa sob sua guarda,
poder ou autoridade (crime próprio).
STJ. 6ª Turma. REsp 1.738.264-DF, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado
em 23/08/2018 (Info 633).

Há um vínculo preexistente, de natureza pública, entre o agente ativo e o


agente passivo do crime. Logo, o delito até pode ser perpetrado por um
particular, mas ele deve ocupar posição de garante (obrigação de
cuidado, proteção ou vigilância), seja em virtude da lei ou de outra
relação jurídica.
Intenso sofrimento
Veja que o legislador estabeleceu uma diferenciação:
• inciso I: exige apenas sofrimento (físico ou mental);
• inciso II: exige intenso sofrimento (físico ou mental).

Castigo pessoal ou medida de caráter preventivo


O agente pratica a tortura como forma de aplicar castigo pessoal ou
medida de caráter preventivo.
Assim, este tipo penal exige um elemento subjetivo especial (“dolo
específico”), que é a vontade de aplicar castigo pessoal ou medida de
caráter preventivo, também conhecido como animus corrigendi.

Art. 136 do CP x Tortura-castigo


Cuidado para não confundir a conduta do crime de “tortura-castigo” com
a de um delito de “maus-tratos”, previsto no art. 136 do CP:
Art. 136. Expor a perigo a vida ou a saúde de pessoa sob sua autoridade,
guarda ou vigilância, para fim de educação, ensino, tratamento ou
custódia, quer privando-a de alimentação ou cuidados indispensáveis,
quer sujeitando-a a trabalho excessivo ou inadequado, quer abusando de
meios de correção ou disciplina:
Pena - detenção, de dois meses a um ano, ou multa.

 Figura equiparada

§ 1º Na mesma pena (2 a 8 anos) incorre quem submete pessoa


presa ou sujeita a medida de segurança a sofrimento físico ou
mental, por intermédio da prática de ato não previsto em lei ou
não resultante de medida legal.

Sujeitos do crime
• Sujeito ativo: pode ser qualquer pessoa.
• Sujeito passivo: exige-se uma qualidade especial (deve ser uma pessoa
que está presa ou sujeita a medida de segurança).

Pessoa presa
O tipo abrange a prisão penal ou civil (devedor de pensão alimentícia)
Se for penal, pode ser provisória ou definitiva.

 Conduta omissiva (“tortura imprópria” ou “tortura anômala”)


§ 2º Aquele que se omite em face dessas condutas, quando
tinha o dever de evitá-las ou apurá-las, incorre na pena de
detenção de um a quatro anos.

Omissão
• Se o agente tinha o dever de evitar a tortura: neste caso, tem-se a
omissão imprópria (crime comissivo por omissão).
• Se o agente tinha o dever de apurar a tortura: trata-se de omissão
própria (crime omissivo puro).

Omissão imprópria
A omissão imprópria é aquela relacionada com a figura do “garante”
(garantidor).
Se o agente era garantidor da vítima, ele tinha o dever de evitar a
tortura.
Exemplo: a mãe tem ciência que seu marido tortura o filho dela, mas
nada faz para impedir a conduta.

Omissão própria
O agente soube da tortura, mas não determinou a sua apuração.
Ex: Delegado de Polícia é informado que um dos agentes que trabalha
com ele praticou tortura no último plantão contra um suspeito. Apesar
disso, ele se omite e não toma nenhuma conduta.

Não é crime hediondo


Importante ressaltar que este § 2º não é considerado crime hediondo ou
equiparado. Isso porque se entende que não há a “prática de tortura”
(que exige “ação”). O que o § 2º prevê é uma omissão.
Veja como o tema já foi cobrado em prova:
(MP/RS 2017 banca própria) Do art. 1º, da Lei nº 9.455/97, que incrimina
a tortura, extraem-se, as espécies delitivas doutrinariamente designadas
tortura-prova, tortura-crime, tortura-discriminação, tortura-castigo,
tortura-própria e tortura omissão, equiparadas aos crimes hediondos,
previstas na modalidade dolosa e com apenamento carcerário para
cumprimento inicial em regime fechado. (Errado)

 Formas qualificadas
§ 3º Se resulta lesão corporal de natureza grave ou gravíssima, a
pena é de reclusão de quatro a dez anos; se resulta morte, a
reclusão é de oito a dezesseis anos.

Preterdoloso
Prevalece que o § 3º é uma forma preterdolosa do crime de tortura.
Isso significa que somente se aplica o § 3º se a lesão corporal ou morte
decorreu de culpa do agente.
Se o agente tinha a intenção de praticar tortura e de matar a vítima, ele
deverá responder por tortura em concurso formal com homicídio.

Aplica-se apenas ao caput


Prevalece que estas formas qualificadas somente se aplicam ao caput do
art. 1º.
Assim, essas qualificadoras não podem ser aplicadas para as espécies de
tortura tratadas nos §§ 1º e 2º.

 Causas de aumento de pena


4º Aumenta-se a pena de um sexto até um terço:
I - se o crime é cometido por agente público;
II – se o crime é cometido contra criança, gestante, portador de
deficiência, adolescente ou maior de 60 (sessenta) anos;
III - se o crime é cometido mediante sequestro.

Agente público
A doutrina afirma que se deve utilizar o conceito do art. 327 do CP
(funcionário público).
Assim, para fins penais, agente público = funcionário público do art. 327
do CP.

Aplicação deste inciso II em conjunto com a agravante do art. 61, II, "f",
do CP
No caso de crime de tortura perpetrado contra criança em que há
prevalência de relações domésticas e de coabitação, não configura bis in
idem a aplicação conjunta da causa de aumento de pena prevista no art.
1º, § 4º, II, da Lei nº 9.455/1997(Lei de Tortura) e da agravante genérica
estatuída no art. 61, II, "f", do Código Penal.
STJ. 6ª Turma. HC 362634-RJ, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura,
julgado em 16/8/2016 (Info 589).

A majorante prevista no art. 1º, § 4º, II, da Lei nº 9.455/97 busca punir de
forma mais rígida o autor de crime que demonstrou maior covardia
porque cometeu o crime se favorecendo da menor capacidade de
resistência da vítima (que é uma criança). Há, pois, um nexo lógico entre
a conduta desenvolvida e o estado de fragilidade da vítima.
Por outro lado, a agravante prevista no art. 61, II, "f" do Código Penal
pune com maior rigor o agente pelo fato de ele ter demonstrado maior
insensibilidade moral, já que violou o dever de apoio mútuo que deve
existir entre parentes e pessoas ligadas por liames domésticos, de
coabitação ou hospitalidade.
Desse modo, esses dispositivos tratam de circunstâncias e objetivos
distintos, razão pela qual não há que falar na ocorrência de bis in idem.

 Efeito extrapenal
§ 5º A condenação acarretará a perda do cargo, função ou
emprego público e a interdição para seu exercício pelo dobro do
prazo da pena aplicada.

Art. 92, I, do CP
O art. 92, I, do CP prevê, como efeito extrapenal específico da
condenação, o seguinte:
Art. 92. São também efeitos da condenação:
I - a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo:
a) quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou
superior a um ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou
violação de dever para com a Administração Pública;
b) quando for aplicada pena privativa de liberdade por tempo superior a 4
(quatro) anos nos demais casos.

Os efeitos previstos no art. 92, I, do CP são automáticos? Em outras


palavras, sempre que houver condenação e forem aplicadas as penas
previstas nas alíneas “a” e “b”, haverá a perda do cargo?
NÃO. Para que esse efeito da condenação seja aplicado, é indispensável
que a decisão condenatória motive concretamente a necessidade da
perda do cargo, emprego, função ou mandato eletivo.
O parágrafo único do art. 92 expressamente afirma isso:
Art. 92 (...) Parágrafo único. Os efeitos de que trata este artigo não são
automáticos, devendo ser motivadamente declarados na sentença.

Na lei de tortura, esse efeito é automático


O STJ entende que, na Lei de Tortura, esse efeito da perda do cargo é
automático:
(...) A perda do cargo, função ou emprego público é efeito automático da
condenação pela prática do crime de tortura, não sendo necessária
fundamentação concreta para a sua aplicação. Precedentes. (...)
STJ. 6ª Turma. AgRg no Ag 1388953/SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis
Moura, julgado em 20/06/2013.

• Art. 92, I, do CP: o efeito não é automático (exige-se decisão


motivando);
• Art. 1º, § 5º da Lei de Tortura: o efeito é automático (não precisa
fundamentar).

 § 6º O crime de tortura é inafiançável e insuscetível de graça ou


anistia.

Esse § 6º apenas atende à determinação constitucional:


Art. 5º (...)
XLIII - a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou
anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas
afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles
respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los,
se omitirem;

Vale ressaltar que é possível a concessão de liberdade provisória sem


fiança para os acusados de tortura:

 § 7º O condenado por crime previsto nesta Lei, salvo a hipótese


do § 2º, iniciará o cumprimento da pena em regime fechado.

 Art. 2º O disposto nesta Lei aplica-se ainda quando o crime não


tenha sido cometido em território nacional, sendo a vítima
brasileira ou encontrando-se o agente em local sob jurisdição
brasileira.

Assim, aplica-se a lei brasileira mesmo que o crime de tortura tenha sido
praticado no exterior, desde que:
• a vítima seja brasileira (princípio da personalidade passiva); ou
• o agente esteja em local sujeito à jurisdição brasileira (princípio do
domicílio).

Trata-se de hipótese de extraterritorialidade incondicionada (não se exige


nenhuma condição específica).

 Competência
A competência para processar e julgar o crime de tortura, em regra, é da
Justiça Estadual.

• Se a tortura for praticada por um agente público federal, no exercício


de sua função, a competência será da Justiça Federal (art. 109, IV, da
CF/88).
• Se a tortura for praticada por policial militar, a competência será da
Justiça Militar estadual.
• Se a tortura for praticada por militar das Forças Armadas, a
competência será da Justiça Militar federal

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