Reiki - Estudo Acadêmico
Reiki - Estudo Acadêmico
Reiki - Estudo Acadêmico
REIKI:
SÃO CARLOS
2004
PAULA DE CAMPOS BABENKO
Reiki:
São Carlos
2004
Ficha Catalográfica elaborada pelo DePT da
Biblioteca Comunitária da UFSCar
FOLHA DE APROVAÇÃO
Banca Examinadora:
AGRADECIMENTOS
À minha família, por seu amor incondicional e inesgotável apoio. À Lígia e Valdir
Babenko dedico este trabalho. Juntos, ainda que aos tropeços, estamos aprendendo a
conviver com a distância.
RESUMO
SUMÁRIO
Um dos fenômenos que tem chamado bastante a atenção durante os últimos anos diz
expansão, muito pouco tem se falado sobre uma das ênfases abordadas por essas práticas e
que, de uma maneira bastante simplificada, podem ser definidas como medicinas ou terapias
Reputadas por alguns como excentricidade, mas vividas por outros como o exercício
terapia.
em que é transformada a perspectiva pela qual os afiliados a essas terapias passam a organizar
1
A denominação práticas alternativas refere-se ao conjunto de práticas de origens diversas, cuja fundamentação
assenta-se em princípios holísticos e que parece ser típico dos estratos médios e intelectualizados da população
urbana. Embora outras denominações como “holísticas” ou “neo-esotéricas” também lhes sejam freqüentemente
associadas, não há um consenso sobre qual seria a maneira mais adequada para definir esse conjunto em sua
totalidade.
2
As medicinas ou terapias alternativas correspondem a uma das vertentes das práticas alternativas que abarca
um conjunto de práticas medicinais terapêuticas fundamentadas predominantemente em preceitos filosóficos
orientais.
3
Aqui entendida como o conjunto de preceitos de origens diversas que compõe o universo simbólico dessas
2
Tendo em vista essas considerações, esta dissertação tomou o reiki como objeto
privilegiado para a realização de suas análises tratando investigar como essa terapia
alternativa vem sendo incorporada aos serviços oficiais de atenção à saúde. Neste sentido,
entre os meses de junho e julho de 2001; (b) a segunda, que correspondeu aos meses de
dezembro de 2002 e março de 2003 e; (c) a terceira, iniciada na última quinzena de junho e
práticas alternativas.
4
O sistema médico oficial ou simplesmente modelo biomédico refere-se à teoria e prática médicas
predominantes no Ocidente e amplamente disseminadas em todo o mundo, tendo como sinônimas algumas
expressões que, em geral, definem a medicina como “oficial”, “tradicional”, “científica” e “alopática”. O sistema
médico oficial apresenta dentre suas principais características o foco sobre o ser humano enquanto entidade
essencialmente biológica (Kleinman, 1980).
5
De acordo com Dumont (1985), a passagem da “sociedade tradicional” para a “sociedade moderna” deu-se a
partir de uma “inversão de valores”, onde a noção de “pessoa”, anteriormente associada às “sociedades
tradicionais” e ao princípio de hierarquia social, passou a “coincidir” com a própria noção de “indivíduo”, que
passa a valorizar seu próprio “universo interior” em detrimento da idéia de sociedade. Portanto, se partirmos do
suposto que a categoria “pessoa” é uma lenta construção de cada grupo sobre os seus membros, tem-se que a
“pessoa”, agora transformada em “indivíduo”, torna-se uma expressão localizada das representações coletivas -
no sentido durkeimiano do termo - ou da ideologia - na terminologia dumontiana -, que se traduz na formação de
comportamentos constitutivos dessas “novas personalidades”.
6
Adota-se a denominação afiliados ao reiki para referir-se tanto às pessoas que oferecem serviços relacionados à
sua prática, como a realização de cursos de formação, palestras e workshops; quanto àquelas que apesar de não
terem passado pelo processo de formação em reiki utilizam esses serviços. Dessa denominação mais ampla
deriva um outro termo: reikiano, que ao se referir às pessoas que além de praticarem o reiki também oferecem
seus serviços, em relação ao seu grau de “envolvimento” com o reiki podem ser denominadas: iniciadas, pessoas
que cursam o nível I do reiki; terapeutas reikianos, aqueles que cursam pelo menos os níveis I e II do reiki e que
são “capacitadas” a realizar a aplicação da terapia em si mesmo ou nos outros; e os mestres, pessoas que
cursaram os níveis I, II e III do reiki e que além das aplicações terapêuticas estão aptas a iniciar outras pessoas
nessa prática. A denominação afiliados ao reiki, portanto, refere-se não apenas aos usuários desses serviços, os
também denominados clientes, mas engloba o vasto conjunto de reikianos, que pela sua própria definição abarca
seus iniciados, terapeutas e mestres.
3
No que se refere à estrutura desta dissertação, a análise dos dados etnográficos foi
são apresentadas algumas considerações sobre a demanda por essas práticas, evidenciadas as
condições em que foi realizada a pesquisa etnográfica e esclarecida a maneira como foi (re)
construído o objeto de investigação. Na Parte II: A trajetória do reiki, conta-se, acima de tudo,
histórias. A história de como o reiki foi descoberto, quais foram os responsáveis por inseri-lo
no Ocidente e, a mais curiosa de todas as histórias, marcada por desencontros, que reconstitui
a chegada do reiki ao Brasil. Na Parte III: O reiki como ritual, são pormenorizados: as
recentes e melhor elaborados. A Parte IV: Circuitos e espaços alternativos como contexto
etnográfico, assim como a Parte II é repleta de histórias. Histórias contadas por aqueles que
estabeleceu em Campinas, sobre os locais onde são oferecidos serviços e produtos a ele
relacionados, histórias sobre aqueles que só se dirigem às clínicas e centros holísticos para
receber sessões de reiki, histórias sobre aqueles que se tornam profissionais em reiki. Graças a
essas últimas pessoas, inclusive, é que se puderam contar histórias ainda mais curiosas que
revelaram: além dos terapeutas holísticos há mais gente se interessando pelo reiki.
diversidade dos relatos dos informantes, assim como a análise dos dados etnográficos,
7
O temo rede alternativa refere-se ao conjunto de pessoas que “circulam” pelas salas, clínicas e centros
holísticos, lojas de produtos esotéricos, sítios e chácaras onde são oferecidos os serviços e produtos demandados
por aqueles que se reconhecem “alternativos”, “holísticos”, “esotéricos”, “místicos” ou ainda “neo-esos” e que
apesar de suas heterogeneidades se agrupam em torno de uma regularidade discursiva: o “paradigma holístico”.
4
apontou nas Conclusões Finais aquele que, considerado pressuposto antropológico, serve de
recado à medicina oficial: tolerar é ainda muito pouco, é preciso compreender o outro para
1. A acusação da demanda
extensões. Em sua grande parte, a clientela dos espaços alternativos justifica a afiliação às
moderna, da “arte de curar indivíduos doentes” para a “disciplina das doenças”, supôs uma
passagem que se iniciou no final do século XV, com o Renascimento, e foi até o século XVI,
da prática clínica uma outra noção de “saúde” (que passou a ser vista como ausência das
transmissão dos conhecimentos de um professor para seus alunos, Foucault (1978) avaliou
que os casos tratados, ao serem reunidos numa espécie de corpo da nosologia, fizeram com
que a clínica médica se fechasse sobre a totalidade de uma experiência ideal, situação esta que
corresponderia a afirmar que mais importante que o encontro entre o doente e o médico, a
5
prática clínica ocidental moderna objetiva decifrar as doenças que acometem os pacientes,
Apesar de não existir uma categoria biomédica explícita de “doença”, Camargo Jr.
(1993) afirmou que há algumas proposições que não estão escritas em lugar nenhum, mas que
operam como uma “teoria das doenças”. Representativa dessa afirmação é a própria noção de
de existência concreta, expressas por um conjunto de sinais e sintomas que deve ser buscado
sido iniciado na literatura, nota-se, de acordo com Luz (1996), que pouco ou quase nada
Tesser e Luz (2002), evidencia a multiplicação de discursos sobre saúde coexistentes, cada
médico científico constitui apenas um deles. Mais do que isso, reiteram a existência de
Foi nesse contexto que Kleinman (1980; 1988) criticou o pressuposto de que os
referenciais biomédicos não são únicos tampouco universais e propôs que tais categorias
parte do indivíduo. Enfermidade, por outro lado, incorpora não somente a experiência e
percepção individual, que são relativas aos problemas decorrentes da patologia, mas também
engloba a reação social à enfermidade e diz respeito aos processos de significação da doença.
Como todo ato médico pressupõe uma relação que se estabelece entre os que promovem os
cuidados de saúde e aqueles que a eles recorrem, tem-se, no momento em que o paciente
procura tais serviços, a colisão entre duas visões diferentes: patologia de um lado e
enfermidade de outro.
Analisando o fenômeno sob essa perspectiva, uma das questões centrais ao defrontar
desenvolvido nos trabalhos de Kleinman (1980; 1988). Segundo esse autor, a saúde, a
enfermidade e o cuidado compõem partes de um sistema cultural e, como tais, devem ser
entendidos em suas relações mútuas. Por esse motivo, os diversos setores que compõem o
sistema de cuidados à saúde e seus respectivos modelos explanatórios devem ser examinados
7
em suas inter-relações, a fim de que sejam apreendidos a natureza dos mesmos e o modo
Tesser e Luz (2002), a esse respeito, afirmam haver alguns elementos envolvidos na
prognóstico, e o tratamento indicado para o problema. Esses elementos, tal como advertiram
os autores, nem sempre são pensados nessa seqüência ou estão completamente articulados
entre si, podendo inclusive apresentar inconsistências, erros e até mesmo contradições
internas. De toda maneira, essa parece ser a base a que as pessoas recorrem para tentar
Em cada cultura, a doença, a resposta que os indivíduos dão a ela, de que maneira a
saúde e que também contempla, dentre outros elementos, as crenças sobre a origem das
relações de poder entre todos os envolvidos (Foucault, 1978; Boltanski, 1979; Langdon,
1985). Os pacientes e os agentes de cura, portanto, são componentes básicos desse sistema,
estando imersos num contexto de significados culturais e de relações, não podendo ser
É por essa razão que “doença”, assim como qualquer outro sistema cultural, deve ser
entendido como um sistema simbólico. Ou, como sustentado por Kleinman (1980), estudos de
saúde como um sistema que é social e cultural na sua origem, estrutura, função e significado.
tendendo a constituir uma forma socialmente organizada para enfrentar a doença e formar, a
Luckman (1983) e, nesse sentido, admitindo que as relações entre os indivíduos são
estudos de Kleinman (1980; 1988) e o enfoque sobre a prática clínica oficial moderna.
pessoas doentes, suas expectativas frente ao tratamento e o modo como esses reagem em
relação à família e aos agentes de saúde são todos aspectos da realidade social, o autor sugeriu
que a prática médica “ocorre em” e cria mundos sociais particulares. O autor prosseguiu sua
análise denominando os aspectos da realidade social que permitiriam relacionar saúde aos
aspectos da realidade clínica. Esses aspectos referem-se ao contexto social que influencia o
outro. Tal conceituação, pois, torna-se útil para esclarecer não apenas como a prática clínica é
socialmente construída, mas, principalmente, evidenciar como “o mundo social pode ser
clinicamente construído”.
saúde são um tanto quanto complexas, parece ser de fundamental importância considerar os
múltiplos aspectos culturais que são subjacentes à “doença”, já que, frente à própria dinâmica
dessas interações, está em jogo a legitimação dos serviços de saúde frente à determinada
comunidade.
Observando que o sistema de cuidados à saúde não se limita ao setor oficial, Kleinman
9
(1980) concluiu que esse sistema é composto por três setores: o setor popular, o setor oficial
O setor popular, em geral o maior dos setores, é aquele em que a família e o grupo
social mais próximo desempenham papel importante. É um espaço eminentemente leigo, onde
a doença começa a ser definida e onde são desencadeados os vários processos terapêuticos de
parte dos casos tem a Biomedicina como referencial. Este é o setor que em certos países, por
ser mais desenvolvido e organizado, submete todas as outras práticas de saúde a sua
autoridade. E, por fim, o setor tradicional que abrange todas as demais práticas de saúde não-
famílias possuem diferentes modelos explanatórios para a etiologia das doenças, os sintomas,
construídas e necessitam serem negociadas no processo de cura. Têm-se, pois, que os padrões
de saúde e enfermidade variam não somente em diferentes sociedades, mas também no seu
indivíduos.
enfermidade”, Good (1994) teceu uma série de críticas à racionalidade biomédica e propôs
um modelo hermenêutico cultural para a prática clínica que, segundo o próprio autor,
fenomenologia desse processo, os modos pelos quais elas são narradas, os rituais empregados
como uma experiência dotada de sentido para cada sujeito particular, o autor ressaltou que,
rede de significados inerentes a cada contexto cultural mais amplo em que se inserem os
indivíduos. A enfermidade, tomada como rede semântica, realidade construída por meio de
Dialogando com essa tradição interpretativa, porém muitas vezes a ela se opondo,
surgiu ao longo dos anos de 1980 uma linha de estudos na Antropologia da Saúde que busca
dos sistemas médicos e as forças econômicas e políticas, locais e globais. Com esse objetivo,
Filho, 2002).
Young (1982), ao postular que a distinção entre patologia (disease) e a sua dimensão
experiencial (illness) mostra-se insuficiente para dar conta da dimensão social dos processos
de adoecimento, elaborou uma análise crítica dos modelos propostos por Kleinman (1980;
1988) e Good (1994). Para superar a limitação de tais modelos, que segundo o autor
consideram apenas o indivíduo como objeto e arena dos processos de enfermidade, não
concluíram que a Antropologia da Saúde que segue essa linha interpretativa, de fato,
enfermidade. Para esses autores, Kleinman (1980; 1988) manteve-se preso aos pressupostos
que ele mesmo criticou e questionou. Sua visão multidisciplinar da saúde e da enfermidade,
ainda que considerasse a importância concedida às crenças e aos significados culturais, bem
como a proposta de integração dos diversos setores do sistema de cuidados à saúde e dos
respectivos modelos explanatórios, não foi suficiente para deslocar o foco da abordagem
seguir o seu próprio recurso metodológico para discutir as categorias correlatas à enfermidade
Outra crítica dirigida aos estudos de Kleinman8 e Good (1994) está relacionada aos
fatores socioeconômicos dos processos de saúde e da doença. Young (1982) afirmou que
Good tenha ressaltado as relações de poder nos discursos e nas práticas médicas, ambos não
limitado a um pequeno círculo de pessoas. O complexo encadeado, por sua vez, diferencia-se
do protótipo por ser produto de forças inconscientes. As declarações dos informantes sobre a
12
enfermidade, de acordo com essa orientação, seriam produtos da combinação entre o modelo
Em continuidade com essa perspectiva crítica levantada por Young (1982), alguns
superar a dualidade entre cultura e sociedade, mediante a proposição de uma espécie de teoria
dos sistemas de signos, significados e práticas. Ao mesmo tempo em que essa teoria reforça a
noção de “rede semântica” desenvolvida por Good (1994), ela afirma a necessidade de se
termo neutro, mas sim que compreende um processo por meio do qual signos biológicos e
comportamentais são significados socialmente como sintomas. Esses sintomas, por sua vez,
culturalmente determinadas.
clínica, somados aos trabalhos etnográficos, evidenciam que os sistemas de cuidado à saúde,
8
Ibid.
13
Biomedicina que são desconsiderados pela própria prática clínica, seja na prevenção seja na
por seu envolvimento nos problemas que dificultam uma melhor resolução dos dilemas
vividos pela área da saúde. Não é para menos que crescem exponencialmente os estudos que
principais motivos pelo qual as terapias não-científicas, para aquém de serem reconhecidas
charlatanismo ou crendice.
Já há algum tempo fala-se que há algo errado Biomedicina. Falam disso os usuários,
os críticos dos serviços de saúde e os próprios médicos. O que varia nessas narrativas são as
problema.
médico-assistencial contemporâneo é sua expansão, quer ela seja diferenciada ou não, tanto
em relação ao provimento interno aos Estados nacionais de assistência básica, quanto a sua
passaram a prestar, bem como a progressiva generalização do seu consumo, dois pontos
9
Ibid.
14
serviços médicos. De acordo com Singer et al (apud Cardoso10), desde 1970 observa-se que
essa expansão tem se caracterizado pela extensão dos cuidados assistenciais por um lado, e
por uma “tecnificação” e crescimento de especialidades por outro, que, entre outros aspectos,
não somente dificulta o acesso aos serviços, mas também recobre um dado de extrema
clínica revelam que entre 50 a 70% do atendimento clínico realizado não há constatação de
reveste usualmente a prática clínica, seriam então considerados, tanto pelos pesquisadores,
como pelos próprios usuários, como uma das razões que levariam à permanência das práticas
natureza mágico-religiosa.
representativos desse processo, onde a prática clínica pode ser caracterizada por fatores de
10
Ibid.
11
Ibid.
15
Bernardo, 50 anos, sempre foi uma pessoa preocupada com seu estado de saúde.
Mantém uma dieta equilibrada e diariamente pratica exercícios físicos. Apesar desses
esforços, há cerca de três anos teve o princípio de um infarto, provavelmente ocasionado pela
elevação da pressão arterial. Diante da situação colocada, Bernardo inicia uma verdadeira
incursão aos consultórios de médicos particulares buscando encontrar a resposta para o mal
Foi durante uma conversa informal que ele relembrou determinada situação ocorrida
surpresa de Bernardo que esperava ser apalpado, ter auscultado o coração e os pulmões,
medida a pressão arterial e o pulso; o médico senta-se em sua mesa e começa a digitar os
são marcados pela espera: Bernardo, acompanhado do cardiologista, terão que aguardar o
cardiologistas, o médico constata que a pressão arterial de Bernardo continua elevada, altera o
medicamento sob a alegação que os remédios atuais não parecem eficazes no combate aos
serviços médicos, também aponta para o mesmo fato: o descontentamento com a medicina
oficial.
A informante, uma funcionária pública de 37 anos, após sofrer dias seguidos com a
mesma dor no peito, resolve procurar um posto de saúde próximo a sua residência. Durante a
realização do exame clínico Solange explicita a intensidade de sua dor dizendo que em
16
determinados momentos onde as “pontadas” se tornam mais latentes sequer consegue respirar.
A doente também informa que devido aos problemas com a família está com dificuldades
exame, o doutor diz não constar nada de grave. Evidenciando o dissenso simbólico entre esse
médico e a paciente, que gostaria que ao menos fosse questionada a natureza dos seus
problemas, o clínico avia a receita e sugere à Solange que retorne para casa e ocupe-se de seus
afazeres.
vasto conjunto de outros relatos onde fica evidenciada a razão principal pela qual se dá a
O segundo ponto a ser considerado em relação aos serviços médicos oficiais, conforme
ressaltado por Cardoso (1999a) é que mesmo com toda a extensão dos serviços médicos
cientifica”.
Esse, com efeito, é outro sinalizador da crise instalada na área da saúde: a corrida de
de cura que são distintas do modelo biomédico. Os dados alertam: na França, 82% dos
Estados Unidos, 35% da população já freqüentam consultórios de outros terapeutas que não
17
No Brasil, estima-se que 4 milhões de pessoas lancem mão de alguma forma de terapia
alternativa para tratar das suas doenças. No início de 2000, a Associação Brasileira de
comparação ao que ocorre nos Estados Unidos, onde perto de 60 milhões de pessoas
ano em todo o mundo. Só para se ter uma idéia, no Brasil há três vezes mais massagistas
doença pela análise da íris, somam quase a metade dos nefrologistas brasileiros12.
Ainda que exista toda essa demanda pelas práticas terapêuticas alternativas, o fato é
que por estarem fundamentadas em um sistema lógico que difere dos saberes e práticas
Ilustrando todo esse mal estar causado pelo exponencial crescimento dessa “outra”
medicina, o CFM pronunciou em vezes consecutivas sua desaprovação no que diz respeito ao
Foi o que aconteceu na ocasião em que o CFM foi consultado sobre a possibilidade de
José de Abreu. Em sua parte conclusiva o relator declarou: “pelo exposto, sou frontalmente
contra esse Projeto de Lei, por julgá-lo desprovido de sustentação técnico-científica e por
12
Revista Veja. São Paulo, edição 1749, ano 35, no 37, janeiro de 2002, p. 97.
18
colaborar para uma maior desatenção à saúde da população brasileira”13 [grifos meus].
Esse parecer, cujas conclusões presumidamente foram norteadas por uma série de
o parecer do Projeto de Lei antes citado, foi baseada no seguinte pressuposto: “por entender
procurar respostas nas mais diversas formas de apoio: religiões, psicofármacos, medicinas ou
terapias chamadas alternativas, estas sem nenhuma metodologia confiável e sem possibilidade
(...) conclui-se que as terapias que se intitulam holísticas não têm base científica e, portanto,
não devem ser legalizadas, tampouco postas ao alcance do público”14 [grifos meus].
holísticas são resultantes dos fatores ora considerados, resta tratá-las como um fenômeno
social e cultural que deve ser respeitado, desde que não prejudique as pessoas, tirando-lhes a
tocante a sua legalização, “consagrá-las legalmente seria um desserviço à Nação”16. Por fim,
acaba de ser apresentado, somos de opinião que as terapias holísticas são destituídas de
caráter científico, não devendo haver estímulos facilitadores para sua expansão no meio
social, principalmente se levarmos em conta que são as pessoas humildes e de mais baixo
13
Processo Consulta no 33/97 - CFM, aprovado em 05/06/1997.
14
Processo no 4927/00 - CFM (39/01), aprovado em 14/09/2001.
15
Ibid.
16
Ibid.
19
seus oficiantes como lícita, visto que inexiste Lei que preveja, limite ou impeça a sua prática.
Nesse sentido recorre-se a uma constatação levantada por Magnani (1999) segundo a
qual uma primeira atitude crítica pode ser considerar o interesse pelas práticas alternativas
seria um reflexo da sociedade consumista, não passando de uma bem sucedida estratégia de
marketing para vender determinados serviços. Depreende-se dessa constatação alguns setores,
que de alguma forma se sentem ameaçados pelo sucesso e popularidade de algumas dessas
ou curandeirismo.
Numa abordagem mais analítica, ainda de acordo o mesmo autor, a proposta mais
uma tendência pela busca de novas formas de espiritualidade18, supostamente mais ajustadas
enquadra o fenômeno como uma alternativa de consumo, ao lado de tantas outras do mercado
oferecidos nesse mercado, mas as atitudes a eles relacionadas como típicas da “pós-
17
Processo no 4927/00 - CFM (39/01), aprovado em 14/09/2001.
18
Que se distinguindo de uma conotação mais religiosa passaria a ser vivenciada como a busca pelo
entendimento, pelo “equilíbrio”, pela “ampliação de horizontes”, a fim de atingir-se o autoconhecimento e a
autopercepção. Portanto, daqui para adiante, esta será a referência ao utilizar-se o termo espiritualidade.
20
modernidade”.
A partir desse quadro torna-se necessário esclarecer que, sob o ponto de vista
biomédico, diz respeito precisamente sobre o que elas podem nos informar a respeito da
perspectiva dos estudos da religião, contudo, parece não se mostrar produtivo para apreender
as peculiaridades e inovações propostas por essas práticas, pois, apesar das diferenças entre os
sistemas religiosos, todos apresentam uma inserção institucional clara; ao contrário do que
acontece com as distintas disciplinas do universo alternativo, onde a regra parece ser a
justaposição de elementos rituais e doutrinários das mais variadas origens e tradições e a livre
alternativas pela falência das religiões institucionalizadas ou pela crise das “instituições
produtoras de sentido”19, esta dissertação buscou apreender a prática do reiki como geradora
de hábitos e comportamentos, pretendendo sob esse enfoque determinar sua lógica interna por
meio das relações que estabelece com a dinâmica cultural onde está inserida.
19
Id. Ibid.
21
pudessem ser identificados os espaços alternativos: salas, clínicas e centros holísticos20, lojas
modo, em bairros considerados de classe média e média alta da cidade22. Portanto, data dessa
época a classificação desses espaços, suas normas de funcionamento e a tipologia dos serviços
oferecidos.
terapêuticos reikianos23. Nesse período foram percorridas essas localidades para que
pudessem ser firmados contatos iniciais com os terapeutas que trabalhavam com o reiki. Com
que disponibilizaram folders e cartões pessoais em lojas esotéricas, àqueles que na ocasião
eram afiliados às respectivas entidades representativas25 e aos que divulgaram seus serviços
20
Durante a realização da pesquisa etnográfica foram localizados dezessete espaços alternativos: Achoian Centro
de Pesquisa em Terapias Holísticas, Sun Shine Bioclínica e Terapia Alternativa, CEAT: Centro de Estudos e
Terapia, Regia Barro Honda, Sil Estética e Terapia Alternativa, Instituto Darma, Espaço Adonai, Instituto
Gomes de Expansão da Consciência, Sammasati Centro de Meditação e Terapia, Acqua Moving Centro
Terapêutico, Sedona Terapias Alternativas, Instituto Gonaro Bach, Ziff Health do Brasil, Terapias Corporais:
Mariângela D’Andrea Balistiero, Centro de Terapia Reiki, Energia Pura e a Chácara Plêiades.
21
Para tanto se recorreu freqüentemente a algumas das lojas esotéricas localizadas, dentre as quais destacam-se:
Nova Era Espaço Cultural e Esotérico, Sherazad Comercial LTDA, Sinal de Luz, Elo Místiko, Barro Bonito,
Signus Materiais Esotéricos, Estrela Mística – todas localizadas na região central de Campinas.
22
Especialmente os bairros Chapadão, Taquaral, Cambuí, Guanabara, Alto da Cidade Universitária, Paineiras.
23
Propondo um primeiro recorte na categoria espaços alternativos, os espaços terapêuticos reikianos ou
simplesmente espaços reikianos se referem ao conjunto de salas, clínicas e centros holísticos; consultórios
psicológicos onde são oferecidas sessões de reiki, ou então realizados cursos, palestras, workshops e demais
atividades relacionadas a essa prática terapêutica alternativa.
24
A categoria circuito alternativo (Magnani, 1999) corresponde às diversas localidades comuns ao grupo dos
afiliados ao reiki e que oferecem serviços, treinamento ou produtos especializados nessa prática na cidade de
Campinas.
25
Fundamentalmente a Associação Brasileira de Reiki e Sindicato dos Terapeutas Holísticos.
22
em jornais de circulação local26 e sites na Internet. Foi a partir dessa identificação preliminar
outros reikianos. Buscando reconstituir a maneira como o reiki chegou a Campinas, nessa
a mudança na maneira como essa prática passou a ser oferecida. Assim, se no início desta
pesquisa verificava-se que a prática do reiki era restrita a lugares inacessíveis e freqüentados
por uma clientela flutuante, atualmente o reiki se encontra instalado em clínicas e centros
demandados por uma clientela formada por pessoas provenientes de camadas médias da
pesquisadora em alguns desses espaços para que, por meio da observação participante da
rotina desses locais e pelo acompanhamento de alguns casos terapêuticos narrados pelos
principais atividades realizadas nessas localidades, descobrir por onde “circulavam” seus
afiliados.
26
Especificamente os jornais Correio Popular, Diário do Povo e a Folha de São Paulo.
27
Visando manter o anonimato dos psicólogos contatados, bem como seus respectivos locais de trabalho, as
clínicas psicológicas acompanhadas durante a realização desta etnografia serão aqui chamadas de Centro de
Atendimento Psicológico, Instituto Árion e o Centro Holos, cuja intervenção terapêutica possui orientação
junguiana. Além dessas localidades recorreu-se também a três consultórios de gestalt-terapeutas.
23
investigação das motivações demandadas pela clientela do reiki; ou seja, o modo como essa
técnico-terapêuticos e mesmo cognitivos que lhes são subjacentes. Por meio dessa etnografia
mais detalhada foi então possível então traçar o perfil dos terapeutas e clientes do reiki e, a
partir disto, estabelecer determinados padrões que permitiram explicar seu comportamento em
reikianos.
etnográfica foi baseada em entrevistas com os terapeutas reikianos e sua clientela. Isto porque,
construção de uma leitura antropológica desse processo, de acordo com a definição proposta
Diante disso procurou-se, a exemplo do que fez Cardoso (1999b) em outros contextos,
afiliados ao reiki são expressas por um código simbólico comum a esse grupo, passível de ser
apreendido por meio de relatos singulares dos sujeitos a ele que se submetem. Pretendeu-se,
redes de relações sociais configuram uma espécie de “campo gravitacional” (Fry e Howe,
28
Para Bourdieu (1983) esse conceito como a maneira segundo a qual cada indivíduo organiza sua vida, isto é,
sua relação individual original para com as crenças, valores e normas da vida cotidiana, assim como a maneira
segundo a qual ele integra as normas do grupo, da classe e da sociedade global a que pertence.
29
Magnani (1999) define por trajeto a prática generalizada de “circular” pelas diversas localidades que são
24
1975) por onde são definidas as relações desses indivíduos entre si e com as práticas
terapêuticas das quais fazem uso e, em decorrência, passam a orientar sua percepção de
mundo.
intervenções, o campo das terapias alternativas se insere dentro de um “novo paradigma” que
Por ser portadora de uma diversidade interna, a Nova Era, ao enunciar a convergência
esotéricas do Oriente e do Ocidente e, como haveria de ser, aquelas que conjugam essas
serviços esotéricos.
ocidentais”, atribuindo aos mesmos a culpa pela maioria das mazelas da vida moderna. Por
outro lado, não dispensam algumas idéias desenvolvidas a partir de teorias científicas,
em si não são consideradas nem benéficas, nem maléficas. Na Nova Era tudo é relacional,
depende-se do uso que se faz. O mais importante para seus adeptos é que ser “alternativo” ou
“holístico” implica em compartilhar essa visão de mundo e, a partir disso, guiar a prática da
espiritualidade para determinadas áreas de interesse, como: a saúde, que passa a considerar o
bem estar físico, emocional e mental diante os processos de adoecimento; as terapias de auto-
A seguir são relacionadas algumas das principais pressuposições entre aquilo que os
para designar ritos ou elementos doutrinários reservados a membros admitidos a um círculo mais restrito.
26
A humanidade como conquistadora da natureza, visão A humanidade como participante da natureza. Ênfase
espoliadora dos recursos na conservação, na sanidade ecológica
Ênfase numa reforma externa, imposta Ênfase na transformação do indivíduo como essencial a
uma reforma bem sucedida
Um alto padrão de vida não faz necessariamente os seres humanos mais felizes ou
tornam o mundo melhor de se viver. (...) Estamos na Era de Aquário, período que
estimula a imaginação e a criatividade. Quando cada um de nós perceber que tem
um potencial muito maior do que imagina, vamos perceber que através da nossa
própria transformação é possível mudar o mundo [grifos meus].
Dentro desse contexto, e de interesse particular para as análises que resultaram nesta
adquirir no interior desse movimento: “antes de mudar o mundo é preciso mudar a si próprio”.
Conseqüentemente, ao mesmo tempo em que são propagados tais valores, torna-se cada vez
31
Dentre as quais destacam-se as publicações do físico Capra (1985; 1986).
32
Cf. Mauss, 1974.
27
mais esgotada a crença de que ideais comunitários podem ser alcançados pela via
institucional, que dentre outros possíveis exemplos fazem parte: a burocracia estatal, o
Podendo ser entendido como uma resposta à crise do individualismo em face à crise da
sociedade contemporânea, de acordo com Heelas (1996), esse Movimento se expressaria pela
singularidade e da universalidade.
alternativas, um dos fatores que poderia ser considerado responsável por esse fenômeno diz
respeito às próprias contradições geradas na medicina oficial e que foram detalhadas no item
1 desta dissertação.
33
Cf. Dumont, 1985.
28
desenvolvido pela medicina científica, mas como forma de minimizar algumas das
Dor e doenças são negativas por completo Dor e doenças são informações sobre conflitos e
desarmonias
A doença é a deficiência vista como uma coisa, uma A doença ou deficiência vista como um processo
entidade
Ênfase na eliminação dos sintomas, da doença Ênfase na obtenção do bem-estar máximo, “meta-
saúde”
evidenciando, de fato, como a problemática do indivíduo moderno pode ser deslocada para a
esfera das terapias, caberia agora apresentar a análise dos dados etnográficos e ilustrar como o
A TRAJETÓRIA DO REIKI
relatos sobre sua vida e a trajetória dessa prática terapêutica são bastante variados. Dentre as
histórias ouvidas foram identificadas algumas recorrências narrativas de maneira que, dentre
toda a diversidade, será destacada a versão que parece melhor elucidar o modo como o reiki
Essa versão conta que no final do século XIX, Mikao Usui, um monge japonês e
estudioso das religiões, percorre parte da China e da Índia buscando descobrir o método de
34
A justificativa utilizada pelos reikianos dizerem que o reiki foi redescoberto é fundamentada na crença em
que, mesmo antes da experiência de Mikao Usui, a “energia curativa universal”, para eles sinônimo de reiki,
sempre foi utilizada por grandes avatares como Buda e Jesus Cristo. Entre os reikianos, inclusive, não são raros
os que consideram Jesus Cristo como o “primeiro reikiano”.
30
cura de Buda. Foi no Japão, em um monastério budista, que ele teria achado alguns
pergaminhos escritos em sânscrito onde lhe foi revelado o método de cura utilizado por esse
avatar.
Frente a sua descoberta, contudo, impôs-se um novo obstáculo: uma coisa era
conhecer os fundamentos da técnica do reiki, a outra era saber como ativar a tão falada
Foi com esse intuito que Usui passou um período de vinte e um dias jejuando e
meditando no monte Koriyama, Japão. Para contar o tempo, o monge teria levado consigo
vinte e uma pedras sendo que, a cada dia que passava uma delas era descartada.
alguns projéteis de luz que o atingiram no chakra do terceiro olho (parte frontal da testa, entre
as sobrancelhas). O monge teve uma revelação onde lhe foram mostrado os símbolos35 do
colocar suas mãos sobre o dedo suas mãos ficaram quentes e o membro foi curado. O segundo
milagre refere-se à situação em que Usui chega a uma casa que servia a peregrinos, localizada
no pé desse mesmo monte. Cansado e faminto, pediu uma refeição completa e, diferentemente
do que acontece a uma pessoa que jejua durante todos esses dias, ele teria comido
normalmente. Como a mulher que lhe serviu sentia uma forte dor de dente, o monge, em um
gesto de retribuição, coloca suas mãos sobre a face da doente. No mesmo instante a dor teria
passado, configurando, assim, o terceiro desses milagres. Voltando para o mosteiro budista,
35
Esses símbolos, ilustrados nas p. 52 e 53 desta dissertação, correspondem a ideogramas chineses que conforme
os níveis de aprendizado são revelados aos alunos por seus próprios mestres. Tais símbolos têm conotação
secreta e pelo que se pôde observar durante a realização dos trabalhos etnográficos, dificilmente são revelados
31
Usui foi informado que seu amigo do monastério estava acamado padecendo de uma crise de
artrite. Como ele também teria sido curado por Usui, reikianos se referem a esse
Depois de ocorridos os quatro milagres, Mikao Usui leva o reiki a um bairro pobre de
Kyoto. Nessa época, no Japão, conforme o relato dos informantes, as pessoas que residiam
nesses bairros eram doentes ou debilitadas, e mantidas com a ajuda do restante da população.
Usui teria morado nesse bairro pobre por vários anos, ministrando curas e ensinando
gratuitamente o reiki. Depois de tratar essas pessoas, Mikao Usui pedia-lhes para começar
uma nova vida. Contudo, ao observar que algumas das pessoas curadas voltavam às ruas para
viver na mendicância, contrariando o que lhes era recomendado, os informantes concluem que
foi a partir desse processo que o monge percebeu que curar o corpo era apenas uma parte do
tratamento proposto pelo reiki e que a cura completa somente ocorreria quando a “energia
harmonia. É a partir dessa experiência, inclusive, que os reikianos justificam a cobrança dos
seus serviços, presumindo-se, a partir desses fatos, que as pessoas não serão plenamente
Interessante observar que quando o reiki chega aos Estados Unidos, por volta de 1938,
a trajetória de Mikao Usui é recriada. Fortemente marcada pelo aspecto cristão e não mais
qual Jesus Cristo curava teria descoberto a importância da imposição das mãos. Constatada
essa outra versão sobre o “mito” de Mikao Usui, parece inegável que o aspecto cristão
De acordo com a literatura que reconstitui a trajetória do reiki37, Mikao Usui abriu sua
primeira clínica em abril de 1922, na cidade de Tóquio, e três anos depois repetiu o feito,
abrindo outra clínica em Nakano. Em 1926 funda a Usui Shiki Reiki Ryoho, organização
japonesa responsável por transmitir, ainda hoje, os ensinamentos do reiki. Presidida por
Masayoshi Kondo desde 1999, a Usui Shiki Reiki Ryoho estrutura o aprendizado dessa prática
segundo três níveis, sendo o último deles equivalente ao mestrado em reiki38. Mikao Usui
Dentre os mestres formados por Usui, os reikianos citam Chujiro Hayashi, um médico
da Marinha japonesa, como seu aluno mais devotado, motivo este que justificaria sua
indicação para tornar-se sucessor do grande mestre39. Hayashi, que montou sua primeira
clínica de reiki em Tóquio, teria detalhado uma série de curas obtidas com o reiki e foi
baseado em seus estudos que criou um sistema de posições para a aplicação dessa terapia. A
esse método que utiliza posições previamente determinadas para proceder às aplicações
Havaí, chega ao hospital de Maeda, Japão, para se tratar. Após a morte de seu marido,
sofrendo de esgotamentos nervosos e com duas crianças pequenas para tratar, Takata foi
diagnosticada como portadora de uma doença rara no fígado. Como sua saúde não
37
De Carli, 1999.
38
Detalhamentos do processo de formação do terapeuta em reiki serão discutidos mais adiante, no item 7 desta
dissertação.
39
Maneira pela qual os reikianos referem-se a Mikao Usui.
40
As posições estabelecidas por Chujiro Hayashi, ilustradas nas p. 55, 56 e 57 desta dissertação, são as mesmas
que a maioria dos reikianos utiliza, ainda hoje, em suas sessões terapêuticas.
33
Na noite anterior à operação, Hawayo Takata teria ouvido uma voz que lhe dizia que a
cirurgia não seria necessária. Na manhã seguinte, ao entrar no centro cirúrgico, Takata
novamente ouve a voz que lhe diz as mesmas coisas. Diante da reincidência do ocorrido, a
paciente pergunta ao cirurgião se não há outro método para a sua cura, que não a cirurgia.
Respondendo à indagação de forma positiva, a única ressalva feita pelo médico foi que o
então lhe contou sobre a clínica de Chujiro Hayashi, para onde Takata dirigiu-se
curada.
Maravilhada com os resultados obtidos, Takata teria pedido a Chujiro Hayashi que lhe
transmitisse os ensinamentos do reiki. De início foi recusada como aluna por ser estrangeira.
Hayashi não queria que o reiki fosse praticado fora do Japão. Com o passar do tempo sua
Hawayo Takata foi iniciada no reiki na primavera de 1936, juntando-se aos agentes de
nível do reiki, retornando em seguida ao Havaí para abrir sua primeira clínica em Kapa.
Obteve então uma licença como massoterapeuta buscando legitimar-se junto às autoridades e
Em 1941, Takata foi chamada às pressas ao Japão. Quando chega à clínica de Hayashi,
uma surpresa: Chei, esposa de Chujiro, e outros mestres estavam presentes. Chujiro Hayashi
lhes disse que uma grande guerra estava para acontecer e que todas as pessoas envolvidas com
o reiki poderiam desaparecer, já que sua clínica seria fechada. Temendo que os ensinamentos
dessa prática fossem outra vez perdidos, Hayashi escolheu Takata como sua sucessora
fazendo-lhe um único pedido: que não ensinasse os preceitos do reiki sem que cobrasse por
34
isso. Os informantes contam que em maio de 1941, na presença de alguns alunos, Hayashi fez
A grande guerra que Chujiro Hayashi teria previsto foi a Segunda Guerra Mundial, e
tal como se pode presumir, o reiki desapareceu do Japão. Chie Hayashi sobreviveu, mas a sua
casa e a clínica de seu marido foram destruídos. De acordo com os informantes, foi graças a
Takata que o reiki sobreviveu: ministrou cursos primeiramente no Havaí, seguidos nos
Instruindo seus alunos por intermédio de histórias e exemplos, essa mestra nunca
permitiu que fizessem anotações durante as aulas. Sempre cobrando por seus ensinamentos,
justificava seu procedimento no juramento que havia feito ao seu mestre Chujiro Hayashi.
Apesar disso, em sua clínica, caso um cliente estivesse seriamente doente e precisasse de
muitas sessões, ela formava uma pessoa da família do doente para que pudesse tratá-lo.
Dedicando-se ao reiki durante trinta anos, foi em 1980 que Hawayo Takata e sua aluna
Bárbara Weber Ray fundaram em Atlanta The Reiki Association. Existente até hoje, essa
Hawayo Takata faleceu em dezembro de 1980, tendo iniciado vinte e dois mestres e
indicado como sucessora a neta Phyllis Lei Furumoto, responsável por continuar difundindo o
surgir41.
41
Ilustrando a atual perspectiva do universo reikiano, segue algumas de suas ramificações, maioria delas
predominantemente criada e difundida nos Estados Unidos: Angelic Reiki, Ascension Reiki, Blue Star Reiki,
Brahma-Satya Reiki, Ener Sense-Budho, Golden Age Reiki, Imara Reiki, Jinlap Maitri Reiki, Johrei Reiki,
Karuna Reiki, Kundalini Reiki, Lightarian Reiki, Mari El, Men Chos Reiki, Meridien Reiki, Radiance Technique,
Raku Kai Reiki, Reiki-Do, Reiki Essencial, Reiki Intuitive, Reiki Jin Kei Do, Reiki Mix, Reiki Plus, Reiki Sun Li
35
Nesse mesmo ano, em 1980, os mestres formados por Hawayo Takata fundaram a
American International Reiki Association. Em 1983, após divergências que não foram
pormenorizadas por nenhuma das fontes reikianas, alguns desses mestres, influenciados por
Phyllis Furumoto, se desligaram da The Reiki Association, associação criada por Hawayo
Takata e a própria Furumoto, e criaram uma outra associação denominada The Reiki Alliance.
Bárbara Weber Ray, discípula de Takata, que junto com sua mestre e a respectiva neta
foi uma das fundadoras do antigo The Reiki Association, ao se desentender com Phyllis
designação para a mesma prática terapêutica: The Radiance Technique, que se diferencia dos
demais métodos de ensino dessa prática alternativa ao estruturar seu aprendizado em sete
níveis.
Outra vertente terapêutica expressiva na linhagem do reiki foi iniciada com o Raku Kai
Reiki, que originou os métodos: Essential Reiki, Reiki Usui Tibetano, Shamballa Reiki, Reiki
Tibetano, Karuna Reiki. Criado pelo norte-americano Arthur Robertson, o Raku Kai Reiki
adiciona aos preceitos de Mikao Usui algumas práticas filosóficas hinduístas. Visando
meditações e técnicas de relaxamento que, por meio do controle da respiração, visam manter a
Embora existam diversos sistemas de reiki, ressalta-se que todos eles constituem
derivações dos ensinamentos de Hawayo Takata. Dessa maneira, o Reiki Tradicional de Usui
(linhagem do reiki criada por Chujiro Hayashi e trazida ao Ocidente por Hawayo Takata) é
Chung, Reiki Tradicional Japonês, Reiki Usui Tradicional, Reiki Usui Shiki Ryoho, Reiki Usui Tibetano, Saku
Reiki, Siddheartha Reiki, Brahma Satya Reiki, Seichim Reiki, Shamballa Reiki, Terá-Mai Reiki, Valley Reiki, Wei
Chi Tibetan Reiki.
36
considerado pelos reikianos como o método que mais se aproxima do Usui Shiki Reiki Ryoho
criado por Mikao Usui. A esse respeito, a pesquisa etnográfica comprovou que tal “relação de
modelo de incorporações do reiki que ao conjugar outras técnicas à sua prática terapêutica
Diante dessa variedade de sistemas reiki caberia, portanto, tomar alguns deles e
analisar, a fundo, qual é o discurso que lhes serve de fundamento. Em outras palavras, tratar-
se-ia de problematizar a seguinte questão: dentre toda essa diversidade “o que faz do reiki o
reiki?”.
5. O reiki no Brasil
Janeiro, foi realizado o primeiro curso brasileiro de reiki ministrado pelo mestre americano
trabalhavam no Instituto, o contato com Steven Cord Saik foi facilitado por uma das clientes
da clínica que, em março do ano de 1983, após conhecer pessoas ligadas ao grupo de Steven
37
realizado esse curso, foi fundada a Associação Brasileira de Reiki (AB-Reiki). Mais
concede uma entrevista a uma revista destinada aos praticantes e interessados em reiki44.
Nessa entrevista Claudete afirma não apenas que ela e Egídio fundaram a AB-Reiki,
como também admite que ela foi a responsável por organizar o primeiro curso de reiki no
Brasil.
entrevista45, Egídio diz não apenas que ele próprio foi o responsável pela organização do
primeiro curso de reiki no Brasil, mas também reivindica para si a fundação da AB-Reiki,
A peculiaridade dessa história revela, por outro lado, alguns aspectos que mais adiante
serão abordados: além de Claudete e Egídio trabalharem juntos no Instituto Eric Bern, Egídio
consenso, já que ambos assinaram uma carta destinada aos reikianos, por meio da qual
“trazemos boas notícias. São coisas que o coração humano demora em aprender: as trevas do
42
Revista Via Reiki. Rio de Janeiro, 3a edição, janeiro de 2003, sessão “Carta ao Leitor”.
43
Em 1988, Claudete tornou-se a primeira mestra em reiki da América do Sul.
44
Revista Via Reiki. Rio de Janeiro, 2a edição, setembro de 2002, entrevista “Veja como tudo começou!”.
45
Revista Via Reiki. Rio de Janeiro, 3a edição, janeiro de 2003, sessão “Carta ao Leitor”.
46
Tratando dessa “aparente coincidência”, o item 14 desta dissertação aborda as correlações entre os preceitos
nos quais está fundamentada a prática do reiki e configuração assumida pelo discurso de algumas linhas
psicológicas.
38
caminho. Esbarrar-se nelas exatamente para saber como retornar ao rumo, à luz”47.
maneira negociada entre Egídio e Claudete para que chegassem ao fim dessa polêmica..
Diante disso parece não haver mais dúvidas entre as atribuições de cada um desses
envolvidos. Assim, o primeiro curso de reiki realizado em 1983, no Rio de Janeiro, foi
organizado por Egídio. A fundação da Associação Brasileira de Reiki em 1989, por outro
códigos de conduta ética dos seus afiliados que em sua formação e exercício profissional
Claudete, a psicóloga que a criou. Serão reikianos reconhecidos pela Associação Brasileira de
Reiki aqueles que realizarem os cursos ministrados na própria associação ou então aqueles
estados.
47
Site da Associação Brasileira de Reiki - http://www.ab-reiki.com.br, consultado em 28/05/ 2003.
48
Aqui se torna imprescindível destacar que apesar da Associação Brasileira de Reiki ser a entidade
congregadora dos terapeutas reikianos que seguem a linha Reiki Tradicional de Usui, há outras associações que
visam integrar os praticantes de outras linhas do reiki. Contudo, para efeito de delimitação do objeto investigado,
algumas das etapas etnográficas desta pesquisa centraram-se fundamentalmente na AB-Reiki, e nos terapeutas a
39
AB-Reiki se organizam em núcleos localizados nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro,
Minas Gerais, Paraná, Mato Grosso, Rio Grande do Norte e no Distrito Federal. Cada um
desses núcleos estaduais engloba outros núcleos municipais, sendo que, atualmente, existem 7
Mato Grosso, 1 no Distrito Federal e 1 no Rio Grande do Norte49. Desses núcleos municipais
ainda derivam outros sub-núcleos cujo número exato nem mesmo a AB-Reiki consegue
estimar.
Constatando-se por meio da pesquisa etnográfica que além dos reikianos credenciados
pela Associação Brasileira de Reiki ainda existem vários deles que não são afiliados a essa
entidade, Lígia, que já foi a responsável pelo núcleo campineiro da AB-Reiki, revela que em
1998 calculava-se a existência de aproximadamente 400 mestres e mais de 100 mil pessoas
iniciadas nessa prática terapêutica. Embora não tivesse esses dados atualizados, essa mesma
informante acredita que, a cada ano, pelo menos 6000 brasileiros cursem o nível I do reiki.
terapia do reiki foi considerar a sua prática um “ritual”. Para tanto, os estudos de Turner
deve-se ao fato que os símbolos por ele utilizados (e que são conscientemente manipulados)
comum são orientados visando a homogeneização do universo cognitivo dos seus afiliados.
Além disso, como poderá ser observado por meio dos relatos sobre o processo de iniciação e
pela descrição etnográfica das sessões terapêuticas, as pessoas que se submetem aos rituais do
reiki (sejam os iniciáticos sejam ou terapêuticos) admitem curar-se. Nesse sentido é que para
além de considerar a prática do reiki um ritual, que atinge seu ápice nos processos de
iniciação, acrescenta-se a essa consideração o fator que justifica suas sessões terapêuticas: a
“purificação”.
Pretendendo ilustrar como o reiki pode ser considerado um “ritual de purificação” será
purificadoras, ambas fundamentadas nos preceitos dessa prática alternativa – ponto inicial
desta discussão.
41
6. Fundamentações da prática*
constatação que dentre toda a multiplicidade de sistemas reiki (que podem ou não conjugar
pelo Reiki Tradicional de Usui), o que os unifica em torno da mesma denominação é a noção
Admitindo que essa “energia vital universal” asseguraria o estado de saúde dos
indivíduos, os praticantes do reiki acreditam ser possível, por meio da imposição das mãos,
longo do corpo (os chamados chakras) que, quando desequilibrados, poderiam originar
alguma doença. Ou seja, o que o reiki propõe-se a fazer, durante as sessões terapêuticas, é
*
Parte desse material foi preliminarmente apresentada em Babenko, 2001.
50
Durante a realização da pesquisa etnográfica foram contatados praticantes do Reiki Tradicional de Usui,
42
aplicação do reiki era acometido por alguma “doença”, após submeter-se às sessões
terapêuticas e ter seus chakras equilibrados acredita curar-se (ou, pelo menos, minimizar
força de energia” que se situariam em diferentes planos, sendo que é por seu intermédio que
circularia a “energia vital”. É isso o que revela o depoimento de Maria Lucia, pedagoga e
reikiana:
É pelos chakras que circula a energia vital. São nesses centros de força que se
concentram o plano terrestre e o plano cósmico. A nossa má alimentação, má
respiração, angústia, depressão, pensamentos negativos, stresse diário e os
problemas hereditários criam bloqueios nos chakras impedindo o fluxo da força
vital através do organismo.
Ainda de acordo com as informações de Maria Lucia existem sete chakras principais
central situado na parte superior da cabeça (o chakra coronário) toda “energia” canalizada
seria então enviada aos demais chakras: frontal, laríngeo, cardíaco, plexo solar, sacro e
básico.
CHAKRA FUNÇÕES
Laríngeo ou Vishuda
Localização: base da garganta
Influência: aprofundamento do conhecimento
Significado: purificação
Relacionado: garganta, boca, glândula tireóide
Perturbações físicas: dores de garganta, torcicolo
Função psicológica: comunicação e expressão
Perturbações psíquicas: fobias, terror, inibição, rigidez
Cor: azul
Som: HAM
Cardíaco ou Anhata
Localização: meio do peito
Influência: amor incondicional
Significado: intacto
Relacionado: coração, sistema circulatório, pulmões
Perturbações físicas: asma, hipertensão, enfermidades cardíacas,
pulmonares
Função psicológica: amor e auto-expressão
Perturbações psíquicas: indiferença, egoísmo, autismo
Cor: verde
Som: YAM
44
CHAKRA FUNÇÕES
Fonte: Dados obtidos a partir da etnografia dos espaços terapêuticos psicológicos de Campinas.
psicológicas e a partes do corpo, qualquer alteração no fluxo energético dos chakras aponta
três anos.
Por mais que essas associações beirem a “naturalidade”, uma vez que o “fluxo
exercício das funções que lhes são correspondentes (como os olhos que se relacionam à visão,
a garganta ao aparelho fonador), o fato é que tais correspondências implicam, ou pelo menos
relacionado ao coração).
generalizada capaz de produzir efeitos: é ela que enquanto portadora de propriedades mágicas
traduz-se em mana dos afiliados às práticas alternativas e converte-se naquilo que Soares
(1994) denominou moeda cultural do mundo alternativo: é ela quem prepara o terreno
diversidades. A esse respeito Cardoso (1999a) constata que a extensão ocupada no campo das
terapias alternativas pelo conceito de “energia” evidencia o princípio holístico em que elas se
próprio sistema cosmológico sob o qual o universo alternativo está assentado, o conceito de
morou no bairro pobre de Kyoto. Naquela ocasião, percebendo que curar as doenças era
apenas uma das proposições do reiki (sendo que o mais importante era deixar a sua “energia”
atingir outros planos, além do físico, para que então ocorresse a mudança pessoal) Usui
formula alguns princípios pelos quais os praticantes do reiki deveriam orientar suas condutas.
Os princípios do reiki, tal como descrito pelos informantes, podem ser enunciados da
seguinte maneira:
Hoje eu conto com todas as minhas bênçãos. Acredita-se que manter um sentimento
de gratidão perante a vida seja viver em abundância: uma vez retomado o caminho natural
fica aberta a via para a abundância e o sucesso em todas as áreas da nossa vida. Dessa
livremente”.
Hoje eu abandono a raiva. Zangar e criticar são considerados atos inúteis, ineficazes e
prejudiciais pelos praticantes do reiki: quando alguém desencadeia a nossa ira ou desejo de
criticar, a forma de reagir corretamente é tentar perceber qual é a parte de nós mesmos que
reage dessa maneira. Geralmente trata-se de uma parte que não temos facilidade em aceitar,
considerados “energias vivas” com capacidade para atuar nas experiências individuais: se as
preocupações constituem uma fuga ao presente, um meio de fugir de nós mesmos, os afiliados
ao reiki acreditam que, por esse motivo, todas as preocupações, razão de nosso sofrimento,
47
Hoje eu sou gentil com todas as criaturas vivas. Por acreditarem que: o seu
semelhante, tudo o que vive, são outras tantas parcelas interdependentes do todo que
integramos, reikianos afirmam que enquanto não nos aceitarmos e respeitarmos nossa
afirmarem que “a vivência do presente sem preocupações conduz a uma vida menos tensa”, os
hoje eu trabalho, hoje eu agradeço”, pois, assim como sugere um desses princípios, e que
parece resumir todo esse conjunto de valores: devemos dar e receber livremente para que nos
sejam abertas as vias de abundância e sucesso em nossas vidas, afirma Maria Lúcia.
Ao disseminar tais princípios morais por meio dos quais são valorizadas condutas
como: manter um sentimento de gratidão à vida, evitar sentimentos de raiva, viver o presente
e não se preocupar com o que está por vir, trabalhar naquilo que se gosta, desenvolver a
autopercepção holística; a prática cotidiana do reiki passa a sugerir aos seus afiliados que
buscado autoconhecimento, chave de toda transformação pessoal e que, assim como proposto
48
7. O rito de iniciação*
ensinamentos são sempre transmitidos de um mestre para seus alunos. Para se tornar reikiano,
pessoa capacitada a aplicar o reiki em si mesmo e em outras pessoas, deverão ser cursados
minimamente dois estágios, sendo que cada um deles tem a duração de um final de semana.
Para se tornar mestre em reiki, o reikiano deve cursar um terceiro estágio que geralmente se
É Regina, mestre em reiki, quem explica de que maneira se estruturam esses cursos:
*
Parte desse material foi preliminarmente apresentada em Babenko, 2001.
49
Logo, o processo de formação em reiki é composto por níveis organizados sob uma
lógica que se assemelha à atmosfera maussiana da dádiva. Ao cursar o primeiro nível o aluno
mestre. No segundo nível de aprendizagem, ao ter acesso a outros símbolos do reiki, o aluno
doará essa “energia” realizando a aplicação em outras pessoas que, inclusive, podem estar a
pretendem se tornar reikianos, foi interessante perceber que a realização pontual desse ritual é
Nesse sentido, antes mesmo da pessoa passar pela iniciação deve seguir algumas
recomendações que, conforme explicou Cláudio, mestre em reiki, têm como objetivo:
natural de toxinas, para que a própria iniciação se desenvolva dentro do seu total potencial.
Dentre as recomendações que devem ser seguidas durante os sete dias anteriores à
Não comer carne vermelha, se possível evitar fumar, não ingerir bebidas alcoólicas,
manter a mente equilibrada e livre de pensamentos indesejados, refletir sobre a
responsabilidade de se tornar reikiano, estar ciente que após as iniciações a
energia reiki provocará várias transformações na sua vida de ordem energética,
mental e espiritual [grifos meus].
enfatizou: sempre falo para os meus alunos que para toda ação tem uma reação. É claro que
50
a iniciação traz ótimos benefícios, mas por outro lado, tudo isso tem uma implicação,
Por meio desses relatos percebe-se que ao mesmo tempo em que são feitas
recomendações sobre hábitos de consumo que devem ser abandonados, ainda que
determinadas mudanças que se refletirão diretamente no estilo de vida daqueles que a ele se
submetem (não ingerir bebidas alcoólicas, não fumar, não consumir carne vermelha).
imaginar, não ocorre uma única vez, quando a pessoa opta por se afiliar a essa prática
Durante a formação em reiki os afiliados à prática passam por sucessivos rituais onde
a cada novo nível de aprendizado são novamente “sintonizados à energia universal”. A esse
respeito, a prática etnográfica comprovou que entre os reikianos é comum acreditar que com o
avançar dos estágios maiores serão os benefícios proporcionados pelo reiki (o que poderá ser
observado por meio das associações que os reikianos fazem aos símbolos utilizados durante o
ritual de iniciação).
Quanto aos rituais de iniciação propriamente ditos e que são realizado da mesma
informantes indica que esse processo é vivenciado como um momento bastante especial:
Em que pese todo esse subjetivismo que parece caracterizar os rituais de iniciação
Conforme relataram alguns informantes, a pessoa que vai receber a iniciação senta-se
numa cadeira com a espinha ereta, pernas descruzadas e mãos em posição de oração à altura
do peito, em frente do chakra cardíaco. O ambiente deve ser o mais sossegado possível,
podendo-se colocar uma música para meditação, incenso e velas. O mestre se posiciona atrás
da pessoa que será iniciada e coloca as mãos sob os seus ombros para criar uma espécie de
ligação. Os símbolos do reiki são traçados com a mão em côncavo, presumindo-se que assim
plexo solar51.
validade é atribuída à união da ação (de mantras, sons) e representação (yantras, desenhos).
Compartilhando a noção que o sentido tem como condição primeira constituir os sistemas de
significações de dado grupo, tem-se, a partir dessa constatação, que a enunciação e evocação
dos símbolos do reiki somente encontram sentido dentro do contexto em que são empregados;
SÍMBOLO FUNÇÕES
Cho-ku-rei
Mantra: cho-ku-rei.
Mantra: sei-he-ki.
51
Depoimento prestado em Babenko, 2001.
53
SÍMBOLO FUNÇÕES
Esse símbolo direcionaria a “energia” para atuar sobre o corpo mental. Reikianos
Hon-sha-ze-sho-ne afirmam que com o uso do hon-sha-ze-sho-ne a “energia” pode ser enviada com a
mesma intensidade para qualquer parte do planeta. Quando utilizado esse símbolo
derrubaria as barreiras da distância interpondo-se entre o doador e o receptor de
reiki.
Utilizado para: (a) tratamento dos problemas psicológicos e (b) cura à distância.
Mantra: hon-sha-ze-sho-ne.
Dai-ko-myo
No terceiro nível os alunos são sintonizados com a “energia” do dai-ko-myo.
Mantra: dai-ko-myo.
Localizados num contexto específico de tempo e espaço, esses rituais induziriam seus
prosseguir integrado ao seu grupo. Partindo disso, ao constatar que cada vez que um símbolo
símbolos (o que foi indicado na Tabela 4). Acreditando que eles representam uma ascensão no
relação ao que está por vir e as reações são diversificadas: felicidade, choro, quentura nas
então mestre e alunos agradecem à “energia vital”. Nota-se aqui uma das diferenças entre as
prática do reiki prestam agradecimentos a uma força impessoal, à “energia universal”. Esse
princípio superior e totalizador (Magnani, 1999), como será evidenciado ao longo desta
Alguns reikianos apreciam música durante suas sessões. Essa música é sempre suave e
de baixo volume. A iluminação desses lugares, seguindo essa mesma tendência, é tênue. O
uso de roupas confortáveis, tanto por parte do terapeuta como do paciente, constitui regra.
Durante a sessão são desaconselhados o uso de óculos, sapatos e demais acessórios, como, por
reikiano são sempre voltadas para baixo e os cinco dedos mantêm-se unidos e estendidos. As
mãos ficam relaxadas e não exercem pressão sobre o corpo de quem irá receber a aplicação
energética (seja o cliente, seja o próprio reikiano) podendo ser posicionadas diretamente sobre
o corpo da pessoa ou ligeiramente acima dele. A imposição de mãos sob cada ponto ao longo
do corpo tem duração de aproximadamente três minutos e, totalizando, são vinte e três os
*
Parte desse material foi preliminarmente apresentada em Babenko, 2001.
56
Em cada posição, assim como acontece em cada sessão de reiki, as pessoas que
recebem a aplicação energética podem sentir diferentes sensações: calor, frio, vibrações,
sessões de reiki.
58
A sessão começa por trás da pessoa, para as posições na cabeça e garganta. Nesta
posição o terapeuta deve ter cuidado, pois se trata de uma zona extremamente
sensível e, por vezes, as pessoas sentem medo quando há pressão nessa região. Nas
posições do tronco o reikiano pode se mover para uma posição lateral de forma a
aplicar todas as posições comodamente, não havendo necessidade de se mover de
um lado para o outro do corpo, mas sim estender um dos braços. Desloca-se depois
para o lado dos pés do receptor para aplicar as posições dos joelhos e tornozelos.
Na posição da planta dos pés, onde a sessão deve ser terminada, pode ficar de frente
ou de costas para o receptor. Caso pretenda continuar a sessão na zona das costas,
que é opcional, poderá optar por deixar a posição dos pés para o final da sessão.
Outra forma de completar a sessão é varrer com as mãos a energia. Para isso o
reikiano deverá colocar as mãos cerca de vinte centímetros acima do corpo da
pessoa, com as palmas voltadas para baixo e delicadamente fazer o movimento de
varredura várias vezes no sentido “cabeça-pés”. A pessoa deve mover-se lentamente
e beber um copo de água mineral. É também importante explicar ao paciente, antes
ou depois da sessão, que ele pode ficar sujeito a um processo de desintoxicação52.
curas nos casos mais diversos: problemas de coração, cancro, doenças de pele, ferimentos
psicológicos etc. Os clientes, a esse respeito, afirmaram em sua maioria nunca ter recorrido
caso. Para casos mais simples, como uma dor de ouvido ou dor de cabeça, talvez baste uma
sessão. Para doenças mais sérias a sessão de cura deve ser repetida, ainda que em intervalos
52
Depoimento prestado em Babenko, 2001.
PARTE IV
extensa rede de afiliados ao reiki que circula pelas salas, centros e clínicas holísticas, lojas de
contatar os terapeutas alternativos, que se descobriu que em meados de 1980 alguns adeptos
60
Sandra, que desde então se encontrava ligada àquilo que definiu como rede da Nova
esforços para vincular em um mesmo circuito os praticantes locais das mais distintas
parapsicologia, à astrologia.
começam a surgir em Campinas em maior número, o que lhes possibilitou ganhar uma maior
visibilidade dentro daquilo que se pode considerar o período inicial de expansão das práticas
alternativas.
alternativas e intensificar as relações regionais entre esses praticantes foram seguidas, a partir
de 1986, por sua amiga Lindaura. Para tanto, ambas se valeram de conferências, reuniões
internacionais.
Procurando estreitar relações entre aqueles que de certa forma estavam ligados ao
mesmo circuito, difundindo atividades ligadas a um mesmo fim e organizando eventos onde
todos se juntavam em um mesmo espaço físico e participavam das mesmas atividades, essas
61
O perfil dos espaços alternativos que surgiram nessa época era do tipo “esotérico”, e
público em geral, o que pode ser explicado pela promoção regular de atividades realizadas
serviços oferecidos por nesses espaços, apesar de praticadas em menor escala do que
atualmente.
registra uma progressiva diversificação nos serviços oferecidos por cada centro ou clínica
disciplinas alternativas.
alternativos durante a década de 1980 é bem menos intensa do que a observada atualmente.
pertencentes às mais diversas orientações: dança dos orixás, terapias angélicas, magia pagã
européia etc. Nesse período, devido à clientela demandada, foram intensificados as ofertas de
cursos, palestras e seminários que combinavam várias dessas disciplinas: workshops sobre
meditação com anjos, cursos que enfatizavam a astrologia aplicada aos florais de Bach e
astrologia psicológica.
partir dos anos 1990 há uma reconfiguração da oferta de cursos e atendimentos terapêuticos
no âmbito dos espaços alternativos. Uma parcela crescente de espaços que durante 1980
(CFM) naquilo que diz respeito à não oficialização das práticas alternativas, a opção
encontrada por alguns dos terapeutas da área holística tem sido buscar legitimar seus serviços
reikianos, foi a promulgação da Lei 1966/97 das Terapias Holísticas e sua regulamentação
agosto de 1997, foi então que se tornou pública a criação do Conselho Federal de Terapia
resoluções oficiais sobre diversos temas, tais como: as regras básicas voluntárias para o
53
Devidamente registrado no 3o Registro Civil das Pessoas Jurídicas - São Paulo, CNPJ/MF 68.484.906/0001-
62, Ministério do Trabalho nº 46010.003516/93, publicado no Diário Oficial da União nº 165, de 30 de agosto de
1993, Registro Sindical definitivo publicado no Diário Oficial nº 55, de 21 de março de 1997, p. 5678, ratificado
como Sindicato Nacional pelo Ministério do Trabalho, publicado no Diário Oficial da União de 16/07/98, seção
1, pág. 01, registro No. 46000.002902/97, é uma sociedade civil de direito privado, sem fins lucrativos, de base
territorial nacional, cuja principal atividade é representar legalmente os profissionais Terapeutas Holísticos
autônomos (em suas variadas formas de nomenclatura) do Brasil perante os poderes constituídos, na defesa de
direitos e interesse coletivos e individuais, inclusive em questões judiciais ou administrativas. Atualmente a
entidade é presidida por Henrique Vieira Filho e sediada na cidade de São Paulo.
54
Atualmente os terapeutas holísticos se encontram enquadradas na Classificação Brasileira de Ocupações. A
64
cerca de 150 mil profissionais atuantes nessa área. Dados que realmente impressionam,
de fato o SINTE não superestima seus dados, o número de profissionais alternativos no país
alternativos possuem a Carteira de Terapeuta Holístico (CRT) que, de acordo com o próprio
profissional e os transforma nos mais prestigiados perante uma clientela crescente em todo o
mundo. Sem nenhuma Lei sequer que os obrigue, quem se candidata à obtenção de CRT está
regulamentar essa profissão, o SINTE adotou uma outra medida nesse sentido: a Certificação
de Conformidade Técnica, atitude que, via de regra, não depende da intervenção dos
Voluntárias (NTSVs).
“Mais do que nortear o terapeuta holístico para qualidade técnica total, as NTSVs
igualmente o harmoniza quanto aos interesses dos clientes e da sociedade brasileira como um
todo. (...) Outro fator primordial é facilitar à sociedade a identificação dos produtos e serviços
profissão é classificada como autônoma na Tabela de Enquadramento Fiscal sob variados códigos municipais.
65
consumidores com os parâmetros para decisão e aos próprios fornecedores pelo acréscimo de
A esse respeito pode-se dizer que, durante a pesquisa etnográfica, observou-se nas
salas onde ocorriam as sessões terapêuticas que não raro eram expostas certificações de cursos
reconhecidos pelo SINTE e alguns selos de qualidade: como adesivos que estampavam o
logotipo do referido sindicato, autocolantes que diziam: “terapeuta reconhecido pelo SINTE”,
cartões de visita e demais materiais de publicidade onde eram ilustrados os símbolos oficiais
da profissão. A esse respeito constatou-se que ao utilizar essas estratégias os terapeutas eram
imbuídos do propósito de procurar orientar a escolha dos seus clientes, uma vez que, ao expor
poderiam optar por usufruir serviços realizados por profissionais qualificados e reconhecidos.
terapeutas holísticos constitui, certamente, uma forma de diferenciar-se dos demais. Ou,
do joio e do trigo, sem perseguir a nada, nem a ninguém, mas valorizando quem as cumpre”57.
Tratar-se-ia então de perguntar: para o Sindicato dos Terapeutas Holísticos quem representa o
55
Para maiores esclarecimentos, ver p. 17 desta dissertação.
56
Site do Sindicato do Terapeutas Holísticos – http://www.sinte.com.br, consultado em 06/07/2003.
57
Ibid.
66
das terapias alternativas aqueles que possuírem a Carteira de Terapeuta Holístico Credenciado
SINTE;
formatação de uma apostila de curso, ensinando ao leitor o que é e como exercer corretamente
cada uma das técnicas que utiliza, incluindo descrição de casos reais e formas de tratamento;
4. Direito adquirido: comprovação de atuação na área há mais de quatro anos, seja por
profissional autônomo deve apresentar cópia do ISS contendo a data de início da atividade.
Empresas têm que apresentar o CNPJ e Contrato Social onde seja comprovada a vinculação à
credencial tem a validade de dois anos e o investimento anual para se tornar um profissional
reconhecido pelo Sindicato dos Terapeutas é de R$ 236,15, cujo pagamento pode ser
facilitado em até três vezes. A taxa de renovação bi-anual do número da CRT é de R$ 17,00,
58
A esse respeito pode-se afirmar que ao longo da pesquisa etnográfica não foi constatado qualquer curso
holístico que fosse reconhecido pelo Ministério da Educação (MEC).
67
metade dos terapeutas em reiki contatados eram credenciados ao SINTE, essa constatação
aponta para um dado não menos significativo: ao seguirem as NTSVs e almejarem a auto-
regulamentação, alguns terapeutas reikianos, ainda que à sua maneira, dão os primeiros passos
Consultórios psicológicos 01 06
Fonte: Dados obtidos a partir da etnografia dos espaços terapêuticos alternativos de Campinas.
59
Site do Sindicato do Terapeutas Holísticos – http://www.sinte.com.br, consultado em 06/07/2003.
68
Brasileira de reiki em Campinas e foi por seu intermédio que demais participantes do circuito
reikiano foram localizados. Segue fragmento do relato onde ela conta como surgiu seu
Foi assim que Tânia indicou uma psicóloga, também reikiana. Lídia, que é praticante
do budismo tibetano, em 1980 fez uma viagem à Índia. Foi nessa ocasião que conheceu
Claudete, que anos mais tarde seria professora de Tânia, que por sua vez é amiga pessoal de
Lídia.
Somente depois de contatar essas informantes foi possível reconstituir as bases da rede
69
titulada como mestre em reiki foi a própria Lídia que, durante alguns anos, exerceu o cargo de
constituem importantes marcos na rede reikiana61 campineira, já que são elas as responsáveis
pela organização das principais atividades associadas ao reiki na cidade. Agrupando pessoas
em verdadeiras redes, Tânia e Lídia ministram cursos, promovem palestras e iniciam pessoas
na prática do reiki.
A rede reikiana campineira é composta em sua maioria por mulheres casadas, na faixa
determinada família, caso em que marido, esposa e filho cursaram o mestrado em reiki. Após
finalizar os três níveis de aprendizado nessa prática terapêutica, a esposa abandonou seu
No interior dessa rede também podem ser citados exemplos de filiações em pares,
onde se constata que pais e filhos foram simultaneamente iniciados na prática, casais de
namorados passaram a freqüentar a mesma clínica ou ainda dos amigos que incentivaram
60
Claudete, como já foi dito, além de fundadora é a atual presidente da Associação Brasileira de Reiki.
61
A rede reikiana refere-se ao grupo de pessoas que “circulam” pelas salas, clínicas e centros holísticos, lojas de
produtos esotéricos, sítios e chácaras onde são oferecidos produtos e serviços demandados pelos afiliados ao
reiki.
70
da rede reikiana não seguem uma estrutura formal de organização, fator que pareceu
favorecer sua expansão. Por não haver a delegação de poderes, não são instituídos líderes no
interior desses grupos, cada um dos seus membros torna-se o centro da sua própria rede cujo
Estabelecer redes de relacionamentos, nesse contexto, não apenas garante o fluxo das
informações e códigos partilhados, mas também viabiliza o encontro entre pessoas, ainda que
Dessa maneira percebe-se que, mais do que promover a união de pessoas em torno de
crenças sobre uma prática terapêutica alternativa, a rede reikiana oferece aos seus afiliados, a
partir da sociabilidade que nela se estabelece, uma rede mais próxima de contatos
Esta arte de cura pela imposição das mãos [reiki], muito além da cura física
proporciona a capacidade de ganhar clareza e percepção mais profundas com
relação a assuntos emocionais e intelectuais, permitindo o caminho para novas
resoluções pessoais e mudanças de comportamento; reforçando a confiança pessoal
e o autofortalecimento”62.
Ou seja, o tratamento proposto pela terapia do reiki não se restringe à cura das
doenças, mas implica também em uma reformulação de hábitos e uma nova percepção do
mundo que não somente enfatiza os valores do indivíduo (autoconfiança, autopercepção etc.),
71
mas também cria novas formas de sociabilidade pela adesão dos afiliados a essas práticas e as
A afiliação ao reiki, tal como foi observado, evidencia algumas mudanças na forma
pela qual seus praticantes reordenam e re-organizam sua visão de mundo. Sugerindo uma
nova filosofia de vida, por meio da qual pretende-se abandonar antigos costumes e reformular
uma alimentação à base de produtos naturais) e estéticos (predileção por determinados objetos
Foi por meio de estudos realizados em Buenos Aires que Carozzi (2000), ao investigar
o processo de formação das mais distintas práticas alternativas, avaliou o impacto causado
pelas transformações ocorridas na vida daqueles que a elas se submetiam. A esse propósito a
autora constatou que “a reprodução de situações sociais transformadas dentro de suas redes
aparece como uma forma comum em que esses movimentos consolidam novos marcos
relevantes para a interpretação. “Dessa maneira, não será unicamente o problema de trabalho
62
Garcia e Berchielli, 2000.
63
Babenko, 2001.
64
Carozzi, 2000 : 45. Livre tradução.
72
todas as situações que o paciente ou seus agregados definam como problemas de trabalho ou
definirá como uma instância de autotransformação, mas todas as situações que ele próprio
defina como instâncias de aprendizagem, cura ou sanção” (Carozzi, 2000 : 46). Como
experiência daqueles que participam ou assistem à sua representação, seu potencial para
se multiplicar.
palavras, ações ou elementos de maneira tal que aqueles que a ela se expõem devem conhecê-
la e decodificá-la em um mesmo sentido. Assim, não apenas a situação redefinida deve ser
sentidos convergentes para que dadas impressões sejam compartilhadas, se consolidem como
Bourdieu (1983) caracteriza uma certa unidade de propriedades e de práticas, cuja particular
difusão. Deduz-se, a partir dessa constatação, que a conformação do campo reikiano, inserido
redes que o configuram, nesse sentido, tal como apontado por Fry e Howe (1975) em outros
jogo social, bem como os esforços acumulados para intervir neste jogo, são integradas em um
corpo, assim investido e representado, como um corpo socializado, resultado de uma história
coletiva que se inscreve nas posturas, nos movimentos, nos gostos, que educa os sentidos e
marca distinções. Ainda de acordo com esses autores, a noção de esquema corporal tem um
papel importante na construção do conceito de habitus, pois “conduz atenção ao corpo como
mais que agregado de comportamentos sociais, o habitus é uma potência virtual para
Sob esse aspecto, assim como o habitus, a posição dos indivíduos inseridos em uma
estrutura social passa a ser re-elaborada no interior de determinada cultura. Na medida em que
essa re-elaboração reflete e varia de acordo com quem as formula, as noções de doença e
prática terapêutica também passam a serem definidas pelo padrão cultural dos sujeitos que
dele fazem parte, que utilizam determinadas características para definir as “suas doenças” e
Tal fato implica não somente em reconhecer que é no interior de uma cultura que essas
65
Bourdieu, 1983.
74
A partir da Tabela 667 pode-se proceder a estudos comparativos entre os dados obtidos
referentes aos anos de 2002 e 2003. Se há cerca de dois anos o mapeamento etnográfico
De acordo com os informantes, durante o ano de 2001, a maior parte dos espaços
geográfica de tais localidades tem-se que alguns pólos foram incorporados a esse circuito
66
Rabelo e Alves, 2001 : 08.
67
Constando na p. 67 desta dissertação.
68
Dentre os bairros listados, o Parque Industrial é o único que não é caracterizado como sendo característico de
classes médias.
75
Ao percorrer algumas das ruas desses bairros, chama a atenção a existência vários
estabelecimentos provedores dos mesmos serviços. Assim, ao andar pelas ruas situadas em
No caso mencionado, por mais que as pessoas que se dirijam às mediações do Cambuí
não saibam exatamente quais lojas e centros holísticos irão encontrar, sabem que nessa região
de Campinas, certamente, será ofertada vasta gama de serviços relacionados ao reiki. Assim,
Interessante perceber que no interior dessa mancha estruturada por algumas ruas do
Cambuí e adjacências existem locais como a Elo Místiko, uma loja estabelecida na cidade há
mais de 15 anos e que parece constituir não apenas um local onde circula o comércio
esotérico, mas que, sobretudo, constitui um ponto de encontro onde pessoas interessadas em
Esse pedaço da mancha, tal como constatado por Magnani, configura um ponto de
76
dessa constatação o fato de que as pessoas que circulam pela loja Elo Místiko não
específico ao grupo dos reikianos, se reconhecem como sendo portadoras dos mesmos
estética por objetos com motivos orientais, pôsteres ilustrativos dos chakras, Mikao Usui,
alimentação procura basear-se em uma dieta com pouca carne vermelha e gordura,
privilegiando-se mel a açúcar, grãos e demais produtos sem a adição de conservantes; poucos
são os fumantes ou aqueles que ingerem bebidas alcoólicas; prefere-se usar roupas em tons
claros; aromatizar a casa com velas e incensos fabricados na chácara Plêiades. Por fim, na
possível afirmar que eles “falam a língua do reiki”, freqüentemente mencionando Mikao Usui
algumas chácaras onde são realizados encontros e confraternizações dos adeptos às práticas
alternativas (como a chácara Plêiades que além de organizar festas oferece algumas práticas
de relaxamento e fabrica incensos, velas e alguns objetos decorativos), além de sítios onde são
69
Id. Ibid. : 22.
77
semana poderão se locomover até alguma chácara localizada nos arredores da Cidade
categoria que, como sugere a própria denominação empregada por Magnani (2002), implica
bairro que colocam a necessidade de deslocamentos por regiões distantes e não contíguas. (...)
pedaço, trajeto, correspondem a recortes dos espaços e das estruturas que são apropriadas
relações de tal forma que passam a constituir uma espécie de modelo, capaz de ser aplicado a
recortes é possível ter a certeza de que se está em contato com o mesmo sistema simbólico de
maneira que o circuito reikiano campineiro poderia, dependendo do recorte desejado, ser
70
Id. Ibid. : 24.
71
Ibid. : 19.
72
Ibid.
78
por Magnani (2002), permite romper com as visões que vislumbram os grandes centros
urbanos como uma entidade à parte de seus moradores, pensados como sendo o resultado de
praticado74 nota-se que grande parte dos espaços alternativos tende a adotar algumas regras
básicas de funcionamento:
1. As atividades oferecidas nesses lugares são distribuídas entre consultas, cursos, palestras e
workshops.
terapeuta e do cliente.
indica que grande parte dos profissionais que trabalham nesses espaços não costuma ter salas
próprias.
4. Sistema de aluguel de salas, onde o pagamento pode constituir-se numa taxa fixa ou num
73
“Olhar de perto e de dentro” corresponde à postura etnográfica proposta por Magnani (2002) ao proceder às
incursões de campo quando se toma como objeto fenômenos localizados essencialmente em centros urbanos.
79
alternativos. A primeira delas diz respeito à distinção entres as clínicas e centros holísticos e
as salas de terapeutas holísticos, onde os serviços oferecidos são pontuais. A segunda refere-
se à apropriação desses espaços que podem ser caracterizados como um espaço coletivo de
que parecem garantir uma maior visibilidade do trabalho dos profissionais alternativos, em
por exemplo.
perspectivas e serviços que são oferecidos nesse circuito, já que sob a denominação espaço
Assim, com base na oferta de algumas dessas localidades constatou-se que era enorme
a diversidade dos serviços e atividades oferecidas, não sendo raro o profissional articular um
relacionadas aos saberes médicos oficiais, como o que será evidenciado mediante a inserção
74
Elo Místiko, Núcleo Energia Pura, Chácara Plêiades, Centro de Terapia Reiki, Espaço Adonai, Instituto Árion
e o Centro Holos.
80
esotéricos, eventualmente podem ser realizados palestras e cursos esporádicos versando sobre
aspecto terapêutico.
terapêuticas alternativas.
caráter dos serviços oferecidos se alinhar mais especificamente ao objeto central desta
subseqüentes.
alternativas: cristais, pirâmides, incensos, pêndulos e demais objetos com motivos esotéricos.
3. A rotatividade dos profissionais que trabalham nos espaços terapêuticos é menor do que a
81
descrever o caráter dos serviços prestados pelos reikianos recorreram-se a mais duas
Englobando clínicas, centros holísticos e chácaras onde são oferecidas outras práticas
visibilidade mediante a oferta de serviços disponíveis a um público cada vez mais amplo.
Nesse sentido, as localidades mapeadas contam com uma sala de espera onde são
abertos que se organizam sobre uma doutrina mínima: compartilhar de uma visão holística do
Foi pelo acompanhamento freqüente dessas atividades que se tornou possível sugerir
1. Além do reiki são oferecidas outras práticas alternativas, possibilitando aos freqüentadores
inúmeros arranjos que visam compor uma síntese pessoal, o que, por outro lado, possibilita
processo é o próprio reiki, que ao receber a incorporação de outros preceitos e práticas (como
2. Ainda que a profissionalização dos reikianos que trabalham nessas localidades seja
motivada pelo fato dessa prática constituir “um caminho para a cura”, esses terapeutas
experiência limite (o que, em termos práticos, corresponde a esses terapeutas sempre narrarem
sua trajetória de vida com expressões: “antes do reiki”, “depois que me tornei reikiano”). A
esse respeito, embora seja correto afirmar que os motivos que levaram os informantes ao
primeiro contato com as práticas alternativas foram os mais variados possíveis, houve a
possibilidade de agrupá-los em algumas categorias: (a) aqueles que devido aos problemas
oficial e então procuraram as medicinas alternativas; (b) outros que por “curiosidade”
curso, passando em seguida a exercê-las; e (c) alguns poucos que associam as práticas
3. A trajetória dos clientes inclui uma vasta experimentação religiosa, sendo recorrentes nos
relatos menções a passagens pelo espiritismo e sociedades secretas. Essa constatação não
apresenta novidades no universo das práticas alternativas, visto que os estudos que versam
75
Essas categorias foram primeiramente utilizadas por Tavares (1993) ao investigar alguns circuitos alternativos
cariocas e parisienses.
83
possível identificar que nessas localidades a noção de grupo não está ausente, mas apresenta-
junto” dos outros, mas sim “estar com”, durante situações pontuais, como durante a realização
de palestras, workshops, cursos de rápida duração. Dessa maneira, o modo pelo qual os
freqüentadores dos espaços terapêuticos espiritualistas orientam suas ações não se prende a
um vínculo identitário rígido, constatação esta que se traduz pela liberdade de escolha entre os
A distribuição física desses consultórios conta com uma sala de espera onde são
marcadas as consultas, salas onde acontecem as sessões psicoterápicas e a sala onde são
aplicadas as sessões reikianas. Em alguns desses espaços o reiki é oferecido na mesma sala
tenha como ponto central a concepção holística da saúde, a base de sua legitimação assenta-se
Como o objetivo central desta dissertação é demonstrar como o reiki vem sendo
incorporado ao campo dos serviços médicos oficiais, torna-se fundamental, depois dessa
breve descrição dos espaços terapêuticos reikianos, proceder à análise propriamente dita de
seja, acarreta a idéia de opção pessoal, ênfase no espaço interno e nas qualidades de cada um.
perdido e premido por exigências do mundo, onde a divisão entre o público e o privado
parece transformar-se rapidamente, sem que as ciências e o universo consensual pudessem dar
conta dessas mudanças, ou, pelo menos, é o que acreditam os teóricos da Sociologia
sob esse aspecto o discurso do senso comum próprio da classe média, que justifica, inclusive,
sua adesão a novas práticas terapêuticas que estariam, aí sim, imbuídas desse propósito, ou
tradicionais. Para tanto o autor parte das reflexões levantadas por Mauss (1974), que ao
reconstituir o caminho pelo qual se constituiu a “noção do eu” no Ocidente mostrou como as
para a sociedade moderna deu-se a partir de uma “inversão de valores” onde a noção de
com a própria noção de indivíduo (que valoriza seu próprio “universo interior” em detrimento
da idéia de sociedade). Sendo a categoria “pessoa” é uma lenta construção de cada sociedade
sobre seus membros, tem-se que a “pessoa” transformada em “indivíduo” torna-se uma
para a conformação de um campo terapêutico originado como forma de responder ou, pelo
re-orientam as concepções de corpo, doença e terapia que aparecerão como uma espécie de
alternativas passam a construir novos valores e atributos de “pessoa” que irão refletir-se no
processo terapêutico, pensado agora a partir do próprio indivíduo e dos planos relacionais nos
Desta maneira é que o reiki, a exemplo das demais práticas terapêuticas alternativas,
serviços de saúde, como também oferece uma base para a análise dos parâmetros ideológicos
contemporâneos, uma vez que se constitui um veículo fecundo para uma reflexão acerca da
novas identidades (alternativas) e que, como apontado por Magnani (1999), não podem ser
deslocar os aspectos tanto causais quanto relacionais do seu plano de referência sociológica.
Esse arcabouço teórico será útil na compreensão dos dados referentes à etnografia dos
76
Ibid.
87
maioria dos casos tratados nesses consultórios diz respeito a questões de ordem pessoal:
Buscando demonstrar a maneira pela qual essa tendência passa a ser assimilada pela
prática clínica oficial, seguem os dados etnográficos obtidos a partir de algumas localidades
dos pacientes, às conversas informais que ocorreram nas salas de espera dos consultórios, ou
então, dos casos relatados pelas próprias psicólogas e seus pacientes, esses dados retratam as
encaminhada, ao mesmo tempo em que se evidencia a natureza dos problemas que ali
chegavam.
88
1o Caso:
correspondem a momentos difíceis e tensos em sua vida. Os motivos que a levaram a tomar a
iniciativa da separação são os mesmos das outras vezes. Alegando que seus antigos maridos
corretamente pela separação. Após quatro aplicações de reiki descreveu o quanto estava se
2o Caso:
reconheça não ter vocação para a carreira. Admite nutrir grande interesse pelo curso de
agronomia. Depois de iniciar a terapia psicológica (e essa foi a motivação inicial para que o
cliente procurasse o consultório dessa junguiana que também é reikiana) o paciente começa a
questionar sua capacidade de tomar decisões e passa a sentir-se culpado: ele não correspondia
aos anseios de seus pais e, ao mesmo tempo, fazia um curso que não lhe agradava, relembrou
a terapeuta.
89
Com o apoio da namorada começou a receber aplicações de reiki. Afirma que após
seis sessões tomou a decisão de participar sua família sobre a intenção de transferência de
curso na faculdade.
3o Caso:
se uma pessoa muito religiosa, para ele a possibilidade de separação significaria uma grande
derrota, principalmente por saber que gostava de sua esposa e ela dele.
Três meses antes da primeira sessão de reiki, o paciente afirmou ter sofrido um infarto
e, em decorrência, quase morrer. Acredita que graças à terapia passou a refletir sobre a vida e
o que lhe aconteceu durante os últimos anos. O paciente relatou nessa mesma oportunidade
que seu relacionamento com a esposa também melhorou, de forma que uma nova esperança
4o Caso:
determinado parceiro. Entretanto, com o namorado atual, ela afirma que: por algum motivo
desconhecido, sente a necessidade de mudar. Isto porque, dizia ela: sempre quando começo a
namorar me sinto muito animada, mas conforme vai passando o tempo meu interesse pela
Pouco antes de começar a freqüentar as sessões de reiki, a informante afirmou que seu
namorado era refinado e tinha bom gosto, mas, apesar dele possuir essas qualidades que ela
90
própria reconheceu admirar, o relacionamento parece não mais satisfazê-la: cada pessoa que
namoro preenche apenas uma parte dos meus ideais. Por fim admitiu: sem paz interior não
Dez meses após a primeira consulta, a cliente admitiu estar com o mesmo namorado,
sentindo-se bem e completa. Ela considera que o reiki ajudou a solidificar seu relacionamento.
5o Caso:
consigo mesmo, de acordo com suas próprias definições, disse participar de uma sociedade
mística que lhe exigia tempo e dedicação. Devido ao acúmulo de tarefas requerido por esse
grupo, a informante relatou o surgimento de problemas com seu esposo, que exigia sua
presença nos momentos livres. Admitindo “ir dividida” às atividades de tal grupo, a cliente
sentia-se culpada em deixar o marido sozinho, justamente nos momentos em que poderiam
ficar juntos.
Após algumas aplicações de reiki disse não sofrer mais com as antigas crises renais.
Àquela ocasião também afirmou: ao mesmo tempo em que tento me tornar uma pessoa menos
rígida, percebo que já atingi um maior equilíbrio entre o lado de esposa e as necessidades do
desenvolvimento espiritual. Ela avalia: o mais importante é estar satisfeito com a vida e com
as pessoas que me rodeiam. O sentimento de culpa, de acordo com a terapeuta em reiki, não a
incomoda mais.
complementados na ocasião pelas observações das psicólogas, esses relatos elucidam o modo
por saberem que naquela localidade era ofertado o reiki. Em 4 dos 5 casos relatados, o reiki
aparece no discurso dos entrevistados configurando uma espécie de agente responsável por
minimizar os problemas que lhes acometiam. A natureza desses casos, ainda que aparecessem
Por acreditar que a motivação para a realização pessoal seja inata às pessoas, conduzir
Sob esse aspecto, e de acordo com esse ponto de vista, a individuação seria responsável por
levar as pessoas ao autoconhecimento, uma vez que durante este processo integrar-se-iam os
Tal como apontado na entrevista com Patrícia, psicóloga e mestre em reiki: é através
pelo reconhecimento daquilo que nos confere “identidade”, ou seja, depois de atingirmos
que é reprimido por nossa consciência e representado por nossa sombra, seremos então
capazes de confrontá-lo com as projeções que fazemos no sexo oposto que carregamos
Dentro desse quadro torna-se sugestivo que ao buscar expandir sua clientela, ainda que
para isso tenha que se diferenciar dos demais terapeutas, a inovação proposta pelo
práticas [fenômeno este que Russo (1993), ao referir-se à trajetória profissional dos
assegurada pela conjugação do reiki às consultas psicológicas. Para tanto junguianos se valem
de uma suposta relação entre os chakras e alguns aspectos psicológicos para explicar
77
Interessante constatar que dentre as três psicólogas que atendem na clínica, essa informante é a que possui a
maior clientela, fato que poderia ser explicado tendo-se em vista o caráter personalizado do seu atendimento.
93
diferentes “distúrbios”78.
Ilustrando essa situação, relata-se o caso de Cibele, uma psicóloga que utiliza um
pêndulo para medir os chakras de seus pacientes antes de proceder às sessões de aplicação do
O paciente deve estar deitado. O pêndulo deve ser posicionado sobre os chakras e
deve estar o mais próximo possível do corpo do paciente, mas de forma que não
haja contato. (...) Provavelmente o pêndulo se movimentará em forma de círculo.
(...) Poderá se mover para trás e para frente imitando uma elipse ou poderá se
mover em linha reta. O comprimento e a direção do movimento do pêndulo indicam
a quantidade e a direção da energia que flui pelo chakra. Se o pêndulo se
movimentar no sentido horário ele indica um chakra aberto, o que significa que
sentimentos e experiências correspondentes estão equilibrados. Se o pêndulo se
mover em sentido anti-horário significa que o chakra está fechado e o pêndulo
provavelmente indicará algum problema.
próximo à região superior da cabeça, Cibele infere que por estar com problemas relacionados
à compreensão dos fatos, o paciente pode apresentar desde ligeira confusão mental ou então
pêndulo se movimentar no sentido horário, a terapeuta não hesitará em dizer que o paciente é
uma pessoa equilibrada e que por não apresentar distúrbios significativos ao se expressar, não
apresenta inibição.
como Cibele, parecem reelaborar seu discurso clínico de forma que, a partir de então, aqueles
que quiserem atingir o self ou o equilíbrio e, portanto, não mais serem acometidos por
expressas por meio de um código de qualidades que somente se forem seguidas dia a dia
78
A Tabela 3, constando nas p. 43 e 44, indica quais seriam essas correlações.
94
Se para a Psicologia de Jung esses valores correspondem a metas que podem ser
transpor tal situação para o plano sociológico pode-se entender que esses atributos ou
dizer que está presente nessa abordagem que tipos de conduta os indivíduos devem ou não ter
(por exemplo, um indivíduo que tenha seu “fluxo energético normalizado” não apresentará
um “tipo ideal” de conduta a ser seguida por seus afiliados. Nesse sentido, à medida que esse
discurso passa a determinar valores positivos que serão recriados e/ou re-adaptados à esfera
social (busca pelo self, o autocentramento, o “equilíbrio”) tem-se uma gradual modificação no
Cibele, que admitiu que seu interesse pelo reiki surgiu quando após submeter-se à
terapia foi curada da asma, ao ser indagada sobre o propósito de fundir a Psicologia e terapias
alternativas em seu consultório disse não admitir abertamente a aplicação do reiki em suas
consultas.
Pesquisadora: Dentre os pacientes que chegam ao seu consultório, em que casos você aplica
Psicóloga: Acredito que a prática clínica deva se revestir de uma certa empatia. Depois de
certa dose de confiança [segundo a psicóloga este tempo leva em média um ano para ser
Psicóloga: Infelizmente o CRP ainda não autorizou a aplicação de reiki. (...) Acredito que
essa aprovação dependa exclusivamente de uma questão de tempo, assim como aconteceu
estudando bastante. Quero estar pronta para o dia que isso acontecer, mas, por enquanto...
demonstra o temor de ser penalizada pelos órgãos responsáveis pela fiscalização do exercício
da Psicologia. Em contra partida, enquanto espera que o CRP autorize o uso das práticas
distribuição de energia” (possibilitada pelas sessões de reiki) para justificar sua intervenção
1a Consulta:
que foi acompanhada, reconheceu sentir-se insegura quanto ao seu futuro profissional, isto
Comentou a paciente:
Quando surgem situações não muito definidas na minha vida acabo sempre me
desesperando. Passo noites em claro, não consigo comer, trato mal as pessoas. Não
gosto de me sentir assim, de me comportar assim. Quando essas situações passam e
tudo volta ao normal, na maioria das vezes, o que fica é que esse excesso de aflição
de nada adianta, só me consome!
A rejeição de si mesmo é uma negação de quem a pessoa é, explica Dina, uma gestalt-
Há três meses encorajada por uma amiga a procurar ajuda terapêutica, a paciente
conhecer e mais que isto, estou cada vez mais clareando meus objetivos. Acho que desta
entre o que a pessoa escolhe e o que é determinado. Pessoas são responsáveis pelo que
Cada pessoa é responsável pelas suas ações no ambiente. Culpar forças exteriores,
97
por exemplo, genéticas ou os pais pelo que a pessoa escolhe é auto-engano. Sentir-
se responsável por algo que a pessoa não escolheu, uma reação típica de vergonha,
também é um engano [grifos meus].
sessões os pacientes devem descobrir o que é moral de acordo com suas próprias escolhas e
valores. Longe de defender que qualquer coisa serve é a própria pessoa que avalia qual são
suas obrigações e a partir disso escolhe e valoriza o que trabalhar, conclui essa psicóloga
2a Consulta:
terapeuta, como reação a essa vergonha passou a se isolar de qualquer interação que não fosse
totalmente positiva.Segue o fragmento de consulta relatada por uma das terapeutas contatadas:
Terapeuta: Eu me sinto puxada por você. Imagino que você queira que eu o dirija.
Terapeuta: Você pode se dirigir! A propósito, neste momento eu acredito que você está nos
dirigindo para longe de seu self e eu não quero cooperar com isso.
Paciente: Bem, então vamos trabalhar com a minha crença de que eu não posso cuidar de
mim...
De acordo com Dina, nesse momento o paciente realiza um pequeno trabalho frutífero
de não ser aceito pelas outras pessoas. Transcorrido um ano do início da terapia, o
entrevistado, motivado pela própria psicóloga, recebeu a iniciação em reiki. A partir de então
afirmou compreender melhor a intenção das sessões terapêuticas e, de acordo com sua
3a Consulta:
Mulher, 61 anos. Segundo seu relato foi casada com um jogador de baralho que nunca
mesmo. Em sua primeira consulta admitiu que após três anos de jogatina incontrolável, de perder
quase todos os seus bens materiais e, por vezes seguidas, gastar todo o rendimento de sua
aposentadoria com Bingos procurou por auxílio profissional, já que estava cansada de ouvir seus
De acordo com a terapeuta, após seis meses de tratamento onde foram intercaladas sessões
formado por compulsivos, a paciente aprendeu a lidar melhor com suas ansiedades, suas
4a Consulta:
Mulher, 30 anos, dona de casa. Afirma estar muito brava com sua sogra que, segundo
Paciente: E estou.
Terapeuta: Impotência normalmente acompanha ira. Sobre o que você se sente impotente?
Paciente: Por mais que eu faça, não consigo que ela reconheça meus esforços [novamente
referindo-se à sogra].
Paciente: Não!
Terapeuta: E há uma intensidade em sua ira que parece ser maior do que a situação pede.
Paciente: O mais difícil para mim está sendo enxergar que meu marido não me apóia. Ele
Terapeuta: Como acontecia com seu pai? [de acordo com a psicóloga isto vem de trabalho
anterior, onde a paciente relatou sobre a relação com seus pais na infância. O trabalho
prossegue com o reviver do dano vivido na relação paterna, já que o pai nunca era receptivo,
esclarece a terapeuta].
100
Afirma a psicóloga:
Ao contrário de dizer à paciente que ela deve falar para sua sogra e marido o que
está sentindo, opta-se por fazer o processo inverso. Para resolver este problema
será necessário que a própria paciente chegue à conclusão de que ela precisa falar
o que sente e, acima de tudo, que liberte seus fantasmas passados, originados pelos
traumas da infância.
Essa paciente iniciou seu tratamento de forma distinta do que ocorre com a maioria
dos clientes. Primeiramente recebeu aplicações de reiki e somente após oito sessões,
aproximadamente dois meses após o contato inicial com a terapeuta, é que se submeteu ao
tratamento psicológico.
5a Consulta:
Mulher, 26 anos. Afirmou que há 10 anos sofre de bulimia. Imagine uma adolescente se
prendendo dentro de um casulo enquanto seu mundo se quebrava em mil pedaços? revelou a
informante. Levada por sua mãe a um médico psiquiatra, nossa informante, que continua a ser
medicada com psicotrópicos, realizou terapia em grupo por quase um ano e há quatro meses recebe
Sinto-me mais feliz, pois busquei em minha consciência esta ajuda, reconheci que de
fato posso me curar e tudo dependerá de mim. Eles [mencionando o psiquiatra e a
psicóloga] me estenderam as mãos e me levantaram e agora é seguir o caminho
[referindo-se à necessidade da continuidade do tratamento proposto pela terapia do reiki].
Não me importa quanto tempo levará, o que quero é olhar as pessoas sem me sentir
diferente delas, mesmo sabendo que ninguém é igual a ninguém [grifos meus].
Estas consultas, a exemplo dos casos apresentados, buscam retratar as atividades diárias de
nos casos gestalticos são salientados problemas de ordem interpessoal (problemas com a sogra,
A partir dessa premissa, Fritz Perls, considerado o fundador dessa terapia, sustentava
que o mundo vivencial de um indivíduo só pode ser compreendido por meio da descrição
direta que o próprio indivíduo faz de sua situação única. Do mesmo modo, Perls sustentou que
o encontro do terapeuta com um paciente constitui um encontro existencial entre duas pessoas
sujeito e objeto, e mesmo da cisão entre organismo e o meio. “Ao invés de considerar que
cada ser humano encontra um mundo que ele experiencia como sendo completamente
separado de si mesmo, Fritz Perls acreditava que as pessoas criam e constituem seus próprios
mundos; o mundo existe para um dado indivíduo como sua própria descoberta para o mundo”
79
Embora não haja equivalente preciso em português para a palavra alemã Gestalt, o sentido mais geral que se
pode dar ao termo corresponde a uma organização específica das partes que constitui um “todo” particular.
80
Dr. Wilhelm Wundt, em 1879, foi o fundador do primeiro laboratório de Psicologia, instalado na Universidade
de Leipzig. Imbuído de uma forte tendência positivista científica, a obra de Wundt pode ser analisada enquanto
importante marco da história contemporânea, principalmente o que tange os saberes do social e o psiquismo
(Duarte e Venâncio, 1995).
102
contatada, Ana. Psicóloga há mais de dez anos, essa interlocutora revelou-se especialmente
atenta à forma pela qual se expressam seus clientes. A psicóloga costuma “fichar” algumas
todo ato consciente é dotado de alguma intenção, não podemos compreendê-lo à parte do que
é pensado ou pretendido, esclarece Ana. Por esse motivo é que todo ato psíquico deve ser
Tal pressuposto leva terapeutas como nossa informante a sugerirem que quaisquer
própria pessoa. Assim, nas situações terapêuticas, o que o paciente faz, como ele se
movimenta, fornece tanta informação a seu respeito quanto o que ele pensa ou o que ele diz.
seu meio para criar um campo único de atividades). No contexto do funcionamento intra-
orgânico, Perls insistia em que os seres humanos são organismos unificados e em que não há
nenhuma diferença entre o tipo de atividade física e mental. Fritz Perls definia atividade
mental simplesmente como atividade da pessoa toda que se desenvolve num nível mais baixo
indivíduo como parte perene de um campo mais amplo que inclui o organismo e seu meio.
de contato entre ele e o seu meio, e é esse limite que define a relação entre eles. Num
indivíduo saudável esse limite é fluído, sempre permitindo o contato e depois o afastamento
do meio (Perls, 1981). Contatar constitui a formação de uma gestalt, afastar-se representa o
seu fechamento.
imediata que os indivíduos têm de seu meio, esses profissionais consideram “saudáveis”
apresenta contraditória) ambas terapias qualificam como saudáveis aqueles que além da
“equilibrados” (de acordo com a terapia do reiki) ou então autocentrados e/ou auto-regulados
(segundo a gestalt-terapia).
Encarando as doenças como “uma das várias partes que compõe o todo do indivíduo”,
Esse pode ser considerado outro aspecto aproximador das terapias gestaltica e
reikiana. De acordo com o reiki, a inadequada distribuição do “fluxo energético” nos chakras,
decorrente de algumas das atividades e hábitos cotidianos, seria determinante na origem das
doenças. Muito embora a gestalt-terapia não trabalhe em suas bases teóricas segundo os
conceitos de chakras e “energia”, a explicação para a causalidade das doenças parece ter a
mesma origem da explicação reikiana; isto porque, conforme indicado pela entrevistada, os
hábitos e estilos de vida, ou, de acordo com suas próprias definições, resultantes de
tanto o reiki quanto a gestalt-terapia parece voltar-se para a singularidade e a diferença dos
externos.
A gestalt parte do pressuposto que cada indivíduo é único e inigualável e que o seu
equilíbrio é sua melhor tentativa de se adaptar às pressões do seu meio. (...) Com
isto, da mesma maneira que houve uma organização específica para gerar o
comportamento patológico, parte-se do princípio que estas mesmas forças sejam
capazes de se re-organizar e se adaptar a novos requisitos.
O tratamento clínico proposto por Joana está voltado para a ampliação da consciência
do indivíduo sobre seus habitus, sobre como ele age ou como “se bloqueia” ao tentar alcançar
acompanhamento de alguns casos clínicos assistidos por psicólogos indicou que a gestalt-
inacabadas, mas convida o paciente a se conscientizar das situações atuais (Prado Jr., mimeo)
acreditando, sob esse aspecto, que algumas das situações e problemas não resolvidos no
A inabilidade das pessoas para lidar com o “espaço deixado entre o agora e o depois”,
tal como apontado pela gestalt-terapia, seria o fator responsável por levá-las a arquitetar
planos de um futuro mais seguro. Nesse sentido, muito embora a atitude de projetar metas de
longa duração seja recorrente entre seus pacientes, Joana recomenda “precaução” ao agir
justificar o porquê dos chamados “princípios reikianos” serem incluídos nessas sessões
terapêuticas.
o indivíduo, via terapia, é “culpabilizado” por suas próprias escolhas, uma vez que, enquanto
sujeito autônomo e autoconsciente, torna-se o principal, senão único, responsável por seus
simbólicos concorrentes entre si, e tendo que obrigatoriamente se vincular a um deles para
obter uma interpretação coerente da realidade, o sujeito, “não se dando conta” de seus
inconsciente, Prado Junior (mimeo) afirma que ela se transformou numa “técnica de
reproduz, como sugere Foucault (1978), a estrutura da direção da consciência, a nova terapia
“crescimento por meio da cura”, em favor das falas onde são enfatizados: o “alargamento de
“afinamento da sensibilidade”.
A perspectiva da terapia, ainda de acordo com Prado Junior (mimeo), não mais
subverte o sujeito, ela busca centrá-lo em seu núcleo. É a idéia do “homem total”, da
Transformada em “arte de viver”, a terapia faz com que o terapeuta abandone seu
compromisso com a ciência e assuma a função de guru, aquele que sabe naturalmente viver.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Revelando que o estado de saúde dos indivíduos está diretamente associado ao seu
comportamentos que os indivíduos têm diante delas. Esse foi o objetivo desta dissertação: ao
tomar o reiki como objeto privilegiado de análise procurou-se investigar o modo pelo qual
doença e da própria “pessoa” (e, portanto, distintas às do modelo biomédico) vêm sendo
demonstra que a consolidação dos espaços reikianos obedece à lógica da sua construção, por
meio de redes de relações interpessoais que também são responsáveis por sua organização e
difusão.
dos 30 anos e que inicialmente buscam melhorias de saúde e bem estar pessoal.
Posteriormente, com a participação efetiva em cursos, palestras e demais atividades esse fim é
redefinido e passa a ter por objetivo a busca da ampliação da própria consciência, o auto-
procurou evidenciar, o tratamento proposto pelo reiki não se restringe à cura das doenças, mas
implica na reformulação de hábitos e em uma nova percepção do mundo que não somente
enfatiza alguns valores do indivíduo, mas também cria novas formas de sociabilidade.
terapia era associada às práticas esotéricas, atualmente ela passa a ser ofertada por agentes
especializados. Dos reikianos cuja formação ocorria nos cômodos de suas próprias residências
dos serviços oficias de saúde que também utilizam o reiki em suas intervenções.
que apesar de fundamentar seu discurso na noção de indivíduo moderno passa a agregar à
prática clínica terapias holistas, tal como vem ocorrendo com o reiki. Nesse sentido, a
de forma mais detalhada não somente a inserção do reiki nesses espaços, mas principalmente
No que diz respeito à incorporação do reiki à Psicologia, um dos fatores que parece
explicar esse processo de incorporação das terapias alternativas aos serviços médicos oficiais
diz respeito à maneira pela qual o atendimento psicológico passa a ser orientado.
discurso psicológico, onde a linguagem cotidiana passa a ser preferida à linguagem científica.
autonomia que a Psicologia junguiana e a gestalt-terapia delegam aos seus pacientes. Esta
afirmação fundamenta-se a nas próprias situações de consulta, cujo caráter assume uma
“novas” psicologias referem-se insistentemente àquilo que “eu sou”, ao “que é meu”, às
qualidades, aos defeitos e aos atributos individuais. Desqualificando todo discurso impessoal
109
ou puramente teórico, a linguagem das novas psicologias não é tematizada em si mesma, ela
Embora não se trate aqui de julgar aqui a eficácia de tal estratégia terapêutica, o fato é
que ela oferece uma nova possibilidade para o entendimento das tão faladas “crises
Esse discurso, que visa apreender a experiência da pós-modernidade, tal como pôde
ser observado nos relatos dos reikianos, reflete o discurso do senso comum próprio da classe
média que é legitimado pela prática psicológica e justifica, inclusive, a sua afiliação a essas
Diante disso pode-se dizer a respeito do reiki que já não se trata exatamente de uma
prática alternativa, no sentido de uma utilização restrita a grupos específicos que fariam um
uso exclusivo de terapias não oficiais, mas que, objetivamente, corresponde a uma prática que
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114
SITES
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