Vúlneráveis - PCD - Vittoria M.

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E ECONÔMICAS

Grupos Vulneráveis: Pessoas com Deficiência- Caso Amil x F. R. C.


L. e A. G. F., do processo originário 0330219-51.2019.8.19.0001.

Vittoria Maressa de Almeida Labre -DRE: 120180334

Rio de Janeiro
Julho de 2024
SUMÁRIO

1-INTRODUÇÃO-----------------------------------------------------------------------------01
2-RECURSOS À SENTENÇA-----------------------------------------------------------02
3-CONCEITO DE PCD---------------------------------------------------------------------03
4-SÍNTESE FINAL --------------------------------------------------------------------------04
Introdução e Análise dos acórdãos, recursos e sentença do caso

O caso a ser tratado diz respeito a uma criança de 5 (cinco) anos, deficiente
com Transtorno do Espectro Autista (CID F84.0) que teve seu tratamento suspenso
após um ano de utilização através do plano de saúde Amil Assistência Médica
Internacional, na cidade do Rio de Janeiro (RJ). A menina foi representada por sua
mãe, F. R. C. L. e seu pai, A. G. F. L, que através do processo requereram a
condenação da operadora a pagar o custeio das terapias de psicologia ABA, com
todos os atendimentos de terapia multidisciplinar que sua condição exige. Afirma-se
na inicial que o atendimento requerido pela beneficiária não está disponível na rede
credenciada da operadora e que há limitações nas sessões terapêuticas para o
autismo (a Amil limitou a 40 sessões por ano). 1

Dos recursos contra a sentença executiva: Agravo, Apelação e Embargos de


Declaração

Primeiramente, cumpre ressaltar que houve agravo de instrumento (cujo


objetivo é evitar que a decisão da primeira instância cause à parte danos
irreversíveis),contra a sentença, pugnando efeito suspensivo da decisão que deferiu
em favor da tutela antecipada da paciente; visto que argumenta não ter cabimento
custear tratamento em rede particular, se os tem na rede própria, tendo sido
argumentado exaustivamente a respeito disso, fato que deveria ter-se dito na fase
dilatória, e se dito, não repetido na fase decisória. Como resultado ao agravo,
constatou-se de fato que não há dano e perigo em indeferir o agravo de
instrumento, visto que o dano a ser causado à autora é superior ao da Amil, visto
que a mesma apenas iria reembolsar o valor gasto pelos responsáveis da criança,
além de poder se manifestar sobre os valores que considerar impertinentes, afim de
preservar o equilíbrio do contrato.2
1
Sentença.
2020.https://www3.tjrj.jus.br/gedcacheweb/default.aspx?GEDID=0004A10ED6A278BA4B00890313D
CC1FC370FC50D092A272C
2
Primeiro Acórdão
:https://www3.tjrj.jus.br/gedcacheweb/default.aspx?UZIP=1&GEDID=0004DE0F147B587E6D84DEE
DBE3E61300E74C50C383D033A&USER=
Após isso, a ré interpôs apelação como recurso à decisão, afirmando que possui
uma rede ampla de credenciamento que atende aos requisitos que disse a autora,
desde o valor não fosse tão alto, bem como defende que a terapia ABA não poderia
ser apontada como meio de utilização no tratamento da criança, devido a (segundo
a ré) falta de comprovação científica de sua eficácia e argumenta que não há uma
quantidade de documentos que possam comprovar a “patologia” da autora. Este,
por sua vez, não apresentou contrarrazões e a apelação prosseguiu para ser
julgada pelo órgão colegiado da Décima Câmara Cível do Rio de Janeiro (RJ).

O acórdão, ao não acolher o recurso, argumenta que não é cabível negativa de


tratamento mesmo que este não conste no rol da ANS, visto que a doença está na
lista de cobertura de enfermidades da operadora, como está no contrato. Consta
ainda uma acusação indevida ao recusar o tratamento do beneficiário, alegando que
a deficiência do mesmo não foi devidamente comprovada, que faltavam provas além
do laudo; o que fora enxergado como um apontamento ilícito pelo colegiado.
Defende-se ainda que a contraprestação dos consumidores do serviço visa que
sejam cobertos os tratamentos propostos, independente da complexidade dos
mesmos, não observando infrações por tal motivo, às normas brasileiras.3

A ré interpôs embargos de declaração alegando que houve omissão quanto à


aplicação de uma norma na decisão, a qual reconhece que as cláusulas que
reconhece limitações aos serviços a serem reembolsados, não é abusiva e que o
mesmo só seria possível quando não ocorresse a utilização dos serviços dados pelo
plano, ou em situação de urgência e/ou emergência. A negativa de acolhimento do
recurso veio principalmente através do fato que a lista de cobertura da ANS é
mínima, ou seja, o básico em enfermidades/doenças/deficiências a serem atendidas
pelo plano. Destarte, o colegiado entendeu que não houve omissão na decisum,
pois o voto não deixou de ser bem fundamentado, mesmo enfrentando apenas uma

3
Apelação à decisão, 2021.
https://www3.tjrj.jus.br/gedcacheweb/default.aspx?UZIP=1&GEDID=0004FC398E628437127DFC89C
08CDE010D8DC50E630F5C5E&USER=
questão do recurso, levantados na Apelação, motivo pelo qual não há sentido em se
acolher os embargos de declaração.4

Conceito de Pessoa Com Deficiência e seu avanço

O conceito inicial foi definido oficialmente a partir da Convenção sobre os


Direitos das Pessoas com Deficiência, no ano de 20065, que definiu-as como
aqueles que têm impedimento de longo prazo, fisicamente, mentalmente,
intelectualmente ou sensorial, que seja capaz de impedir a participação efetiva, do
mesmo, na sociedade, sem diferenciação quanto às condições, ante às demais
pessoas.
A palavra deficiência não deveria ser interpretada com tamanha literalidade, já
que significa uma carência, defeito ou imperfeição a qual remete a uma
compreensão negativa do que aquele indivíduo tem e é. Ser deficiente não significa
portar uma necessidade especial nem mesmo portar, visto que a deficiência não é
algo do que o indivíduo possa abrir mão ou deixar de usar. O termo foi evoluindo
com o passar do tempo, visto que antes dos anos 2000, era-se mais comum
enxergar o PCD como ‘’portador de deficiência estrutural e corporal”, que fosse
imediatamente visível.
A partir do início do modelo social da deficiência novas perspectivas dessa
questão foram construídas a fim de reconhecer as barreiras sociais, ambientais e
culturais que cerceiam esse grupo, para poder facilitar e promover que estes
exerçam seus direitos integralmente, como cita pontualmente a Constituição Federal
de 1988 em seu art. 4º. Logo, o conceito deixa de abordar a pessoa como tendo
apenas uma condição específica, como se isso definisse suas capacidades totais:
intelectual, pessoal, interpessoal, mental, física - mas, sim, como uma limitação em
determinadas situações do cotidiano, tendo dificuldades em coisas que os outros
não teriam.

4
Embargos de declaração ao indeferimento da apelação
https://www3.tjrj.jus.br/gedcacheweb/default.aspx?UZIP=1&GEDID=0004266901454CD8DD3B8CD9
F7C7978EA2B5C50F2E056048&USER=
5
MORAGAS, Vicente Junqueira. 2022. TJDFT.
https://www.tjdft.jus.br/acessibilidade/publicacoes/sementes-da-inclusao/qual-e-a-definicao-de-pesso
a-com-deficiencia
A maior gafe cometida quanto às pessoas com Deficiência é o olhar
estigmatizado às mesmas, visto que possuem a “limitação”, generalizando esta a
todas as áreas da vida pessoa ao terem estranheza ao verem uma pessoa com
deficiência se relacionando; ou atribuírem a uma pessoa com autismo a dificuldade
intelectual diretamente; ou ao pensar que todos os indivíduos com Síndrome de
Down são incapazes e possuem deficiência cognitiva. Pelo contrário, como
supracitado, a deficiência deve ser enxergada como uma certa limitação, que por
sua vez, dependendo do indivíduo, pode ser física, mental, intelectual, sensorial ou
múltipla.
O caso exposto trata de uma criança com Transtorno do Espectro Autista, e, a
respeito deste, vale ressaltar alguns pontos importantes:

● O TEA foi considerado Pessoa Com Deficiência pela lei de nº 12.764, de


2012,
● O autismo, segundo o DSM-5 (Manual Diagnóstico e Estatístico de
Transtornos Mentais) é dividido em nível 1 (leve), 2 (autismo moderado) e 3
(autismo severo). Entretanto, muitos não entendem que as dificuldades de
cada nível pode variar e ser relativo, nada padronizado, visto que as
necessidades de suporte podem estar em qualquer nível. Vale ressaltar que o
nível 1, em sua maioria, não apresenta dificuldade cognitivo-intelectual, nem
em comunicação e linguagem, pelo contrário; tais indivíduos podem ter essas
áreas intactas e/ou avançadas6. Em suma, quanto maior o nível, maior a
quantidade de suportes que aquela pessoa poderá necessitar.7

● O autismo não é em hipótese alguma uma doença, sendo inadmissível ser


nomeado assim. Alguns planos de saúde têm impedido que o beneficiário
que tem autismo alegue no início que possui a deficiência, como cláusula de
preexistência de doença, o que é inadmissível8, visto que doença é a

6
Araújo, Liubliana Arantes de. et al., 05 de abril de 2019, Sociedade Brasileira de Pediatria, Departamento Científico de
Pediatria do Desenvolvimento e Comportamento.
https://www.sbp.com.br/fileadmin/user_upload/21775c-MO_-_Transtorno_do_Espectro_do_Autismo.pdf
7
SILVA, Micheline and MULICK, James A.. Diagnosticando o transtorno autista: aspectos fundamentais e considerações
práticas. Psicol. cienc. prof. [online]. 2009, vol.29, n.1 [cited 2020-10-01], pp.116-131.
http://pepsic.bvsalud.org/pdf/pcp/v29n1/v29n1a10.pdf
8
Lima, Fernanda. O que fazer quando o Plano de Saúde nega cobertura de tratamento multidisciplinar à paciente com
Autismo, sob alegação de preexistência da doença?. 2020
https://www.jusbrasil.com.br/artigos/o-que-fazer-quando-o-plano-de-saude-nega-cobertura-de-tratamento-multidisciplinar-a-pac
iente-com-autismo-sob-alegacao-de-preexistencia-da-doenca/1150228601
ausência de saúde, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), já um
transtorno é um estado alterado da saúde e nem sempre está ligado a
alguma doença. Na maioria das vezes está ligado à saúde mental9.

No caso em síntese houve uma gafe principal cometida pela ré, pois através do
agravo de instrumento interposto em face da decisão que deferiu a tutela de
urgência antecipada antecedente, visto que afirmou, ao negativar a validade do
laudo, que o mesmo era suficiente para constatar a deficiência da menor. Fica claro
que houve uma tentativa de descrédito por parte da agravante, além de também
alegar que, concedendo atendimento em rede particular fora de sua alçada, estaria
concorrendo em fumus boni iuris e periculum in mora.

Síntese final

A decisão foi compreensível na medida que deixou claro que a pretensão do réu
não prospera, principalmente sobre a tentativa de invalidar a documentação trazidas
pela autora, bem como o laudo da criança, dizendo que a papelada é insuficiente
para provar a deficiência da criança, independente de ter o CRM do médico. A
conduta do magistrado em conceder a tutela não foi menos necessária do que devia
ter sido, visto que observou que a autora poderia correr o risco de paralisar seu
tratamento, que tanto é necessário para o avanço terapeutico, principalmente
através da terapia ABA (Análise do Comportamento Aplicada - Applied Behavior
Analysis)10.
A caracterização dos deficientes como grupo vulnerável foi bem compreendido
pelo juiz do caso, visto que houve atendimento à veracidade do laudo, admitindo a
desnecessidade de médico perito, como requerido pela parte ré, o que iria tornar
mais confuso e conturbado para a menor. Portanto, admitiu-se a caracterização de
danos morais e materiais (valor de R$ 30.000 (trinta mil) e R$10.000 (dez mil) reais
pela ré ter rompido o ressarcimento do tratamento, impedindo que a paciente
9
Programa de Inclusão Social [s.d]. https://www.riscobiologico.org/lista/20130603_01.pdf

10
MELO, Cynthia de Freitas; et.al, 2020, Universidade de Fortaleza. Análise do Comportamento
Aplicada: a percepção de pais e profissionais acerca do tratamento em crianças com espectro
autista.
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1983-34822020000100007#:~:text=Os%
20resultados%20mostram%20que%20a,os%20comportamentos%20repetitivos%20e%20estereotipia
s.
continuasse com o mesmo. Dessarte, não resta caracterizado que a sentença, bem
como os acórdãos que responderam os recursos, foram importantes para reafirmar
a vulnerabilidade da beneficiária, possibilitando-a continuar seu tratamento através
da via judicial.

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