O Sol Poente
O Sol Poente
O Sol Poente
Agradecimento
Nota do autor
PRÓLOGO
CAPÍTULO 1
CAPÍTULO 2
CAPÍTULO 3
CAPÍTULO 4
CAPÍTULO 5
CAPÍTULO 6
CAPÍTULO 7
CAPÍTULO 8
CAPÍTULO 9
CAPÍTULO 10
CAPÍTULO 11
CAPÍTULO 12
CAPÍTULO 13
CAPÍTULO 14
CAPÍTULO 15
Agradecimento
Para Rosária, Lourdes, Cáthia, Danielly (a principal das principais)
e Gisele.
Obrigado por tudo.
Nota do autor
Querido leitor,
É com muita alegria que chega em suas mãos a mais nova versão da
saga “Seres da Noite”. A saga foi revisada e teve algumas alterações.
Espero que aqueles que leram a primeira versão apreciem esta da mesma
forma.
É sabido que sempre quando lemos um livro sobre criaturas
sobrenaturais, seres mitológicos e outros elementos da fantasia, várias
dúvidas surgem em nossas cabeças, e muitas delas não são explicadas pelo
autor (ao menos no primeiro livro da saga). E é por saber disso que resolvi
criar um portal no qual publicarei pequenos contos para melhor explicar os
fatos que aqui serão narrados. Os contos serão disponibilizados
gratuitamente.
Se você quiser ficar por dentro de todas as atualizações, siga-me no
Instagram @autorruanmartins .
Ficarei feliz em vê-los por lá.
Obrigado!
Ruan Martins.
PRÓLOGO
Setembro de 2011
Todos os dias pela manhã, Thomas caminhava pelo parque
municipal de sua cidade. Era uma rotina normal e que o agradava. Ele via
as pessoas, cada uma presa à sua rotina, e por algum motivo sabia: hoje
seria diferente. Uma brisa leve deixava o clima fresco, agradável. Não que o
calor o incomodasse, há muito tempo ele deixou de se importar com isso,
mas esta brisa o fez lembrar do passado, do tempo em que vivia na Europa.
Sentiu a nostalgia de estar descansando na relva junto a seus irmãos e seus
pais. Um tempo tão distante…
Thomas chegou em uma parte do parque em que as pessoas não
costumavam ir. Há dois anos uma série de ataques preocupou a população
de Santa Elena. Em três meses, sete pessoas foram atacadas enquanto
caminhavam no parque. A polícia abriu uma investigação que se estendeu
até a chegada de Thomas à cidade, há seis meses, mas as testemunhas não
eram concisas e os depoimentos não batiam. Um dizia que fora atacado por
um animal, outro que fora um homem. Há quem diga que fora um vampiro.
A notícia despertou a curiosidade de muitos. A imprensa local divulgava
pequenas notas no jornal com a manchete: “Drácula de Santa Elena” e
“Mordidas no parque”. O fato é que as pessoas tinham medo de ir até
aquele lado do parque. A polícia isolou a área e encerraram as investigações
após um médico divulgar o laudo das vítimas dizendo que de fato fora um
animal o causador dos ataques.
Thomas estava diante de um morro que dava para uma pequena
cachoeira. Um lugar bonito, mas afastado de tudo. Ignorando qualquer tipo
de aviso, ele seguiu até a margem do pequeno lago que se formava com a
queda da cachoeira. Resolveu entrar e nadar um pouco. Há muito tempo ele
não aproveitava um lugar como aquele. Alguns minutos depois, ouviu
vozes se aproximando. Era uma mulher que conversava com seu cachorro.
Ela o cumprimentou.
— Olá! A água está boa?
— Um pouco gelada. ― Thomas respondeu com os olhos fixos nos
dela.
— Você é muito corajoso, eu não me arriscaria a entrar. O tempo
não está quente, fico com medo de gripar.
— De fato, hoje está bem fresco. Acho que foi o dia menos quente
desde que cheguei aqui.
Thomas saiu do lago e sentou-se na grama. A mulher segurava a
coleira do cachorro, um lindo labrador.
— Você não é daqui? ― ela perguntou.
— Não, sou de Felens. Não é longe daqui. Mas morei muito tempo
na Europa.
— Nossa! Já estive na França e na Itália, são lugares incríveis!
— Eu vivia em uma cidadezinha no norte da Itália. Bons tempos…
― Thomas estava admirado com a beleza da mulher. ― Você é daqui?
— Não, sou do sul do país. Vim atrás do meu pai. Ele desapareceu
há alguns anos. Descobri uma pista dele aqui na cidade e resolvi investigar.
— Entendi. Espero que o encontre. Bem, vou indo. Foi um prazer.
— O prazer foi todo meu. Ei, não se arrisque muito por aqui, há
muitos casos de ataques de animais nesta região.
— Não se preocupe, se cuide também.
Thomas seguiu para a saída do parque. Quando estava chegando a
um dos portões, dois homens surgiram em seu caminho.
— Olá, Thomas ― disse um dos homens. ― Há quanto tempo!
Thomas não fazia ideia de quem era aquele homem e sua expressão
deixou isso à mostra.
— Ei, Charles, parece que ele não se lembra de você ― disse o
outro.
— Desculpe, mas quem são vocês? ― Thomas perguntou.
Sem responder, Charles avançou para cima de Thomas e o derrubou.
O outro homem correu para golpeá-lo na barriga.
— Hélio, pegue as cordas! ― Charles gritou.
Thomas e Charles lutavam no chão. Socos e chutes eram
distribuídos a todo tempo. Charles usou toda sua força para golpear Thomas
na cabeça. Em segundos, Thomas estava desmaiado.
Quando acordou, percebeu que não estava mais no parque. Ele não
sabia que lugar era aquele, mas se parecia muito com um galpão. Sua visão
ainda estava um pouco embaçada, mas ele conseguiu enxergar três pessoas
paradas perto dele.
— Temos que matá-lo!
— Hélio, não seja bobo. Nós precisamos dele. Você sabe que a…
— Ei, calem a boca, ele está acordado.
Hélio caminhou até onde Thomas estava amarrado.
— Bom dia, bela adormecida! Vamos refrescar sua memória. Eu sou
o Hélio, filho de César, o homem que você matou. Aquele é o Charles, meu
cunhado. E esta é a Vanda, minha irmã.
Agora Thomas conseguia enxergar perfeitamente. Ele reconheceu a
terceira figura que ali estava. Era a mulher que o encontrou na cachoeira.
— Você! ― disse ele. ― Olha, eu não sei o que vocês querem, mas
pegaram o cara errado.
— Thomas, durante três anos eu procurei por você. Foram três anos
buscando vingança. E sinceramente, você é muito burro! Você achou que
seus ataques não iam ganhar a mídia? Eu sabia que era você!
— Olha, eu não sei do que vocês estão falando.
Hélio deu um chute em Thomas que cuspiu sangue.
— Desgraçado! Você é um vampiro maldito!
— Vanda, você já ligou para ela? ― Charles perguntou.
— Sim, ela já está a caminho.
— Vocês são uns idiotas! ― disse Thomas. ― Acham mesmo que
estas cordas vão me segurar? Eu tenho um palpite de quem seja “ela”, mas
isso não importa. Agora… ― Livrando-se das cordas, Thomas se colocou
de pé ― eu não vou deixar vocês vivos.
Thomas atacou Hélio que caiu morto no chão.
— Desgraçado! ― disse Charles correndo para cima dele.
— Vocês me pegaram desprevenido naquela hora, mas agora… ―
Thomas bloqueou o golpe de Charles e cravou seus dentes em seu pescoço.
― Seu sangue é horrível! ― ele cuspiu o sangue de Charles e em seguida
arrancou-lhe a cabeça.
Vanda estava em choque. O plano dos três estava perdido. Ela
jamais conseguiria resgatar seu pai das mãos daquela vampira. Sem pensar
muito ela se prostrou no chão.
— Thomas, por favor. Eu só quero encontrar meu pai. Ela disse que
se entregássemos você…
— Sua idiota! Seu pai já deve estar morto. Eu sabia que você não
estava na cachoeira por acaso. Mas, infelizmente, vocês despertaram minha
ira e a única coisa que me acalma é sangue!
Thomas agarrou Vanda pelo braço colocando-a de pé. Ela chorava e
implorava por misericórdia, mas Thomas estava dominado pelo ódio. Ele
cravou os dentes no pescoço de Vanda sugando até a última gota.
— Desgraçados! Olha o que me obrigaram a fazer!
Thomas levou os corpos para fora e os enterrou. Ele percebeu um
carro parado. A chave estava na ignição. Mais que depressa, Thomas entrou
no carro e seguiu pela estrada, fugindo de qualquer coisa que pudesse
incriminá-lo e indo para longe da pessoa que ele tinha certeza que estava
por trás dos ataques no parque e que era responsável por enviar estas três
pessoas.
Quando começou a reconhecer onde estava, Thomas abandonou o
carro e seguiu a pé até chegar à cidade de Felens.
— Merda! Eu ainda estou com fome!
CAPÍTULO 1
O dia mal amanhecera e lá estava ela. Victória Fonseca, uma garota
linda, que parecia ter sido esculpida por um Deus, preparava seu café. Seus
longos cabelos castanhos estavam presos em um coque. Seus olhos pretos
refletiam tristeza. Ela olhava atentamente para a vida que começava a
pulsar do lado de fora. Viu um pequeno pássaro pousar na árvore de
carambola que ficava bem ao lado de sua casa.
Ela era a irmã mais velha de Sara, uma garota não tão baixa, cabelos
longos e castanhos, como os de Vick, e olhos castanhos; e Patrick, um rapaz
alto, cabelos negros e olhos escuros. Um ano atrás seus pais morreram
enquanto esquiavam no Chile, e desde então, Vick ficou responsável por
seus irmãos. Eles viviam em Felens, uma cidade de 2.600 habitantes, na
região sudeste do Brasil, e os únicos parentes que restaram foram seus tios,
que moravam do outro lado da cidade, mas eles quase não se viam.
— Patrick, Sara, venham tomar o café, já estamos atrasados.
Sara tinha um jeito rebelde. Era a irmã do meio e sempre teve
ciúmes de Vick. Afundando os pés no chão, ela entrou na cozinha em
marcha.
— Eu já vou para escola, não estou com fome.
— Sara, custa tomar café com a gente?
Sara saiu sem olhar para trás.
— Não ligue para ela, mana.
— É difícil, Patrick. Desde a morte dos nossos pais ela age dessa
forma. Eu não sei se vou dar conta disso…
— Conta do quê?
— De cuidar de vocês. Nossas vidas mudaram tanto. Eu não sou
forte como a mamãe era.
— Não fale bobagens, você é a melhor irmã do mundo! ― Patrick
abraçou a irmã. ― Eu não sei o que seria de mim sem você.
— Obrigada, Patrick, você é incrível! Agora vamos, tome seu café,
que já estamos atrasados.
Eles estudavam na escola Eroma, uma das escolas mais antigas da
região. Era um prédio de dois andares com quinze salas de aula, quatro
banheiros, quadra, laboratório de ciências, um salão de eventos, onde
funcionavam as aulas de teatro e um laboratório de informática.
Vick sempre foi destaque na escola. Ela era o tipo de pessoa que
todos gostariam de ter como amiga. E por mais que ela tratasse todos da
mesma forma, algumas garotas não suportavam a presença dela. Ano
passado, pouco depois da morte de seus pais, Vick foi eleita presidente do
grêmio estudantil. Muitos alunos disseram ter votado nela por causa de seu
desempenho acadêmico. Alguns diziam que ela só ganhou as eleições
porque os eleitores tiveram pena.
Quando estava no pátio da escola, Vick se deparou com Brian, seu
ex-namorado. Ele era alto, cabelos loiros e lisos, e lindos olhos azuis. Como
sempre praticou esportes, tinha um corpo atlético e definido.
— Mana, acho melhor eu ir. Nos vemos no final da aula, tá bom? ―
Patrick disse se afastando.
— Tudo bem, até mais. Não se esqueça que a tia Margarida quer nos
ver hoje, tá?
Lentamente Brian aproximou-se dela.
— Oi, Vick ― Brian parecia triste. Seus olhos azuis cruzaram com
os dela parecendo enxergar sua alma.
Vick tentou ser forte, mas ela não resistia àqueles olhos azuis.
— Olá Brian, como está?
— Nada bem. Ainda tentando entender tudo o que aconteceu entre
nós.
— Não vamos tocar nesse assunto. Eu sei que você está triste, mas
já conversamos sobre isso. E também, já se passaram três meses…
— Eu não posso aceitar… Vick, eu amo você, e eu sei que você
também me ama.
— Brian, eu não sei o que estou sentindo. Eu te amei muito, mas
agora… eu não quero te magoar, juro que não quero, mas peço para não
insistir nesse assunto.
— Mas você não vê que já está me magoando? Eu sei que é muita
coisa em cima de você. Irmãos, casa, escola, mas eu posso te ajudar. Eu
estou trabalhando e posso te ajudar.
— Brian, eu não amo mais você. Não como antes. Eu te amo como
um amigo, um irmão. É esse amor que sinto por você. Desculpe se isso não
é o que você queria ouvir, mas é a verdade.
— Eu não vou desistir de você! Até mais, Vick.
— Até mais, Brian.
O sinal tocou anunciando o primeiro horário. Os dois se despediram
entrelaçados pelo sentimento ainda acordado dentro de seus corações. Vick
correu para sua sala. Ela tinha aula de História, e o professor não admitia
atraso.
— Vocês se lembram que marcamos nossa prova para hoje, não é?
Os alunos se olharam com surpresa. Simone, a melhor amiga de
Vick, chega atrasada na sala. Ela parecia eufórica, seus longos cabelos
negros estavam em pé e seus olhos castanhos completamente arregalados.
— Espero que tenha um bom motivo para chegar atrasada, Simone.
— Professor, eu… é… perdão…
— Entre logo! Mas não serei tão bondoso em uma próxima vez.
Simone sentou-se ao lado de Vick.
— O que aconteceu? ― perguntou Vick.
— Vick, você não vai acreditar…
— Conta logo!
O cochicho das duas incomodou o professor que fingiu não ouvir.
Simone continuou.
— Ontem duas pessoas morreram misteriosamente na rua da minha
casa, e o pior é que…
— Não enrola, Simone ― Vick estava atenta. O professor anotava
algumas coisas no quadro.
— Eles estão falando que foi um animal, porque ambos estavam
com dois furos no pescoço. Agora eu te pergunto: que animal deixa dois
furos no pescoço de um ser humano? Isso está parecendo aqueles filmes de
terror onde os vampiros estão à solta.
— Não seja boba! Vampiros não existem.
— Espero que o papinho das duas tenha alguma coisa a ver com a
matéria. ― disse o professor ― Agora formem duplas para fazer a prova.
No quadro está a distribuição de pontos da etapa. Boa sorte!
Quando o sinal tocou, os alunos deixaram as provas na mesa do
professor e seguiram para o refeitório. Lá, Simone continuou sua conversa
com Vick.
— Mas estes assassinatos estão cada vez mais estranhos. Você não
acha Vick?
— Eu não sei, Simone. É a primeira vez que esse tipo de assassinato
acontece em nossa cidade.
— Sim, mas em Santa Elena aconteceu algo parecido há dois anos.
Eu não duvido que tenha alguma ligação.
Simone percebeu que apesar de preocupada, Vick não estava muito
interessada no assunto.
— O que está acontecendo?
— Amiga, o Brian veio conversar comigo.
— E aí, vocês voltaram?
— Não, mas… ― ela fez silêncio alguns segundos, mas logo
continuou ― Acho que não tem como voltarmos. Eu sei que ele é lindo e
tudo, só que… eu não o amo como antes.
— Amiga, bola pra frente, você é linda! Logo você vai encontrar um
novo amor.
— Eu não estou com cabeça para outro relacionamento. Agora
minha prioridade é cuidar dos meus irmãos.
— Eu sei que você é a mais velha, e que os dois são menores de
idade, mas a Sara já está com 17 anos e o Patrick 16, eles já sabem se
cuidar. Você precisa se distrair um pouco. A vida tem sido difícil, eu sei,
mas o que seria da vida se tudo fosse fácil?
— Eles são responsabilidade minha. Não consigo pensar em outra
coisa a não ser neles. Mas a Sara me odeia e o Patrick é muito fechado. Eu
só queria que meus pais estivessem aqui.
Vick começou a chorar. Simone a confortou em um abraço.
— Vai ficar tudo bem, Vick. Olha, eu tenho que passar na biblioteca
antes da próxima aula, vamos comigo?
— Claro, vamos lá.
Elas seguem para a biblioteca. A bibliotecária está de costas quando
elas chegam, catalogando livros novos. O lugar era enorme, com vários
tipos de livros. Mas os que Simone mais gostava eram os de literatura
brasileira. Vick parecia distante, ela permaneceu calada enquanto Simone
devolvia alguns livros.
— Vick, já pensou no que faremos para o baile de formatura? ―
Simone perguntou na tentativa de animar a amiga.
— Não consegui pensar em nada. O que me conforta é que ainda
temos quatro meses.
— Eu sei, mas nossa turma é a de 2011, vamos comemorar os 50
anos da escola Eroma.
— Eu prometo que vou pensar com muito carinho. Agora vamos,
temos mais duas aulas.
Vick não conseguiu se concentrar nas aulas seguintes. Quando soou
o último sinal, levantou-se depressa.
— Vick, vamos lá para casa? ― Simone perguntou.
— Não posso, amiga. Tenho que visitar minha tia. Você sabe que
quase não vamos lá, né?
— Tudo bem, nos vemos amanhã. Me ligue se precisar de alguma
coisa.
Vick passou no banheiro antes de procurar seus irmãos. Lá, uma
garota de cabelos pretos com pontas loiras e olhos pretos, se maquiava no
espelho.
— Ah, é você!
— Tudo bem, Jéssica? ― Vick tentou ser educada.
— Eu estou ótima, mas você deve estar soltando fogos de artifício,
não é mesmo? Afinal, você roubou o meu posto de líder do grêmio.
— Eu não roubei nada. Eu não tenho culpa se você não conseguiu
os votos necessários.
— Você ainda vai me pagar. Espero que seu dia seja muito, mas
muito ruim. Até, mais, piranha…
Vick esperou Jéssica sair e seguiu em direção ao portão principal.
Patrick estava sentado no banco do lado de fora da escola, Sara estava
escorada em um poste.
— Vamos?
— Vick, você tem certeza que temos que ir?
— Patrick, nós temos que enfrentar essa barra. E já tem mais de um
mês desde a última vez que fomos lá. Nossa tia deve estar preocupada.
Prometo que não vamos demorar.
— Obrigado, mana.
— Podemos ir logo? Tô cheia desse papinho. ― disse Sara.
Quando chegaram à casa de seus tios, Margarida os aguardava na
porta. Ela era uma senhora de meia idade, usava uma blusa florida e uma
calça de pano azul. Seus cabelos estavam amarrados, e em seu rosto havia
um sorriso desconcertado.
— Oi, meus amores, como estão vocês? ― ela perguntou
estendendo os braços.
— Oi, tia. Estamos bem, e a senhora? ― Vick foi a única a
responder.
— Estou bem. Com saudades de vocês… Entrem, eu preparei
aqueles bolinhos de carne que vocês amam.
Eles permaneceram na casa de seus tios até às 5 da tarde. Sara já
estava impaciente. Juarez, o namorado de sua tia, não parava de contar a
história de quando trabalhou para o prefeito da cidade. Percebendo o
desconforto dos irmãos, e sentindo um cansaço físico e mental, Vick
despediu-se dos tios. Margarida os acompanhou até o portão. Ela chorava
na despedida. E assim, os três caminharam de volta para casa. O sol poente
despencava no céu, colorindo-o de um laranja e cinza. As cigarras
cantavam, e durante um longo tempo, foi a única coisa que conseguiram
ouvir. Quando estavam na rua de sua casa, Vick tentou quebrar o gelo.
— Custava conversar com a tia?
— Vick, eu não consegui. Eu só pensava na mamãe.
— Eu não conversei porque não quis. Não vou gastar minha saliva
com dois velhos gagás. Faça-me o favor!
— Nossa, Sara, você é uma idiota! ― Patrick disse furioso.
Sara se apressou e Patrick foi atrás, deixando Vick sozinha.
Já estava escuro quando Vick se aproximou de sua casa. Os barulhos
da noite pareciam assustá-la. Ela jurava escutar passos em sua direção.
Patrick e Sara já haviam entrado e ela estava sozinha naquela rua escura.
— Quem está aí? ― um silêncio mortal tomou conta do lugar
aumentando ainda mais o medo de Vick. ― Fique longe de mim ― vultos
passavam por ela a todo o momento, mas ela não via ninguém.
Ela tentou correr, mas a sensação de estar sendo seguida a deixou
em pânico. Suas pernas não obedeciam aos comandos dados pelo seu
cérebro. Ela já estava de frente para o portão de sua casa quando algo
extremamente forte a agarrou, puxando-a para cima.
O grito de Vick despertou a curiosidade de todos. Patrick saiu pela
porta à procura da irmã encontrando apenas seus livros.
†††††††††††††††††††
Vick acordou na margem de um rio e se assustou com aquele ser
parado em sua frente. Ela estava sentindo muito frio e dor. Já era dia.
— Quem é você? ― ela perguntou.
Aquele homem alto, forte, cabelos loiros e olhos negros, fitava Vick
de uma forma a deixá-la sem ar. Sua boca avermelhada mostrava suas
enormes presas sujas de sangue, o que assustou Vick ainda mais.
— Já fui chamado de muitas coisas. Monstro, demônio…
— Onde estamos? O que você fez comigo? ― apesar de estar com
medo, ela foi firme.
— Estamos no parque municipal de Felens. Sempre fui fascinado
por esse bosque. Não se preocupe, não fiz nada ilegal com você. Meu nome
é Thomas Alcantara, e eu sou um vampiro.
— Vampiro? ― Vick soltou uma gargalhada.
Thomas chegou ao lado de Vick numa rapidez absurda. Ele a
contornou, seus olhos estavam fixos nos dela.
— Sim, um vampiro. E eu tenho uma proposta para você.
— Você não pode estar falando sério. Eu vou chamar a polícia.
Vick tentou pegar seu celular, mas foi impedida por Thomas. Ao
sentir os dedos daquele homem apertarem seu punho, Vick lembrou-se de
sua mãe no caixão. A mão de Thomas tinha a mesma temperatura.
— O que você fez comigo?
— Eu a transformei. Você agora é uma vampira.
— Você não pode estar falando sério. Isso é uma brincadeira, não é?
— Faça o seguinte: feche seus olhos e concentre sua audição na
natureza à sua volta.
Vick obedeceu. Ela se concentrou o máximo que pôde. Ela ouviu o
som da correnteza do rio, ouviu o som dos animais andando na mata, e
mesmo sem conseguir explicar, Vick teve certeza que conseguia ouvir a
conversa de dois jovens há muitos metros de distância.
— Como isso é possível? ― ela perguntou.
— Posso te explicar tudo isso, mas gostaria de propor uma
condição. Nós podemos viver a eternidade juntos. Vou adorar ensinar
alguns truques a você. O que me diz?
— Eu… eu… seu desgraçado! ― Vick correu para cima de Thomas,
que por sua vez, a arremessou no chão. Vick sentiu algo penetrar sua pele.
Um graveto atravessou sua mão esquerda. Ela retirou o pedaço de madeira e
se levantou no intuito de atacar novamente, mas Thomas havia
desaparecido.
Os olhos de Vick se encheram de lágrimas. Ela fitou sua mão, que
até pouco tempo sangrava, e só o que viu foi a grama que ficara grudada.
Sua cabeça doía e ela sentia muita fome, um tipo de fome que ela nunca
havia sentido. Vick sabia do que precisava, mas ela não podia machucar
ninguém. Ela tinha uma certeza: não podia voltar para casa, não daquele
jeito. Precisava de ajuda. Foi então que um nome surgiu em sua mente:
Simone!
Ela tentou se localizar no parque. Nem se lembrava da última vez
em que esteve ali. Vick ouviu o som de algumas pessoas andando na
entrada do parque. Então, rezando para que tudo aquilo não passasse de um
sonho, ela seguiu para casa de Simone.
Chegando lá, ela percebeu três pessoas paradas na porta. Vick
reconheceu todas elas. Sara, Simone e Patrick conversavam. Ela não podia
colocar seus irmãos em risco. Concentrando-se neles, ela ouviu toda a
conversa.
— Simone, nós escutamos os gritos dela, mas quando saímos, não
havia ninguém lá. Você sabe onde ela pode ter ido, ou recebeu alguma
ligação? ― Patrick chorava.
Uma ideia surgiu na mente de Vick. Um telefonema resolveria tudo,
mas o que ela poderia dizer? Como explicaria o que havia acontecido?
Vick pegou seu celular e ligou para Simone que atendeu
imediatamente.
— Oi…
— Simone, por favor, não diga aos meus irmãos que sou eu.
Simone disfarçou. Mas se os dois continuassem ali, ela seria
descoberta.
— Oi, tia, como vai?
— Simone, mande-os embora e vá para o velho galpão depois da
escola.
— Tudo bem, até mais. Pessoal desculpe, mas eu tenho que ir à casa
da minha tia.
— Simone, se você souber de alguma coisa, por favor, me avise.
— Pode deixar, Patrick. Fiquem com Deus.
Ela esperou os dois irem embora e seguiu para o galpão.
Chegando lá, ela percebeu a porta aberta. Com o coração a mil por
hora, ela entrou. O lugar era horrível, o cheiro de urina quase fez Simone
vomitar.
— Vick, onde você está?
Vick pulou de uma altura imensa, assustando Simone.
— Estou aqui.
Simone se perguntava como isso era possível. Ela se recusava a
acreditar naquilo que seus olhos insistiam em lhe mostrar. Tomada pelo
medo ela se afastou.
Vick estava mais pálida do que antes, mais veloz. Simone estava
perplexa. Suas pernas tremiam. O suor que descia de seu rosto era gelado.
Vick estava chorando.
— Simone, eu posso te explicar…
— Amiga, o que aconteceu? Seus irmãos estão loucos atrás de você.
Falaram até em polícia.
— Eu sei que parece loucura, mas um vampiro chamado Thomas
me atacou.
— Um vampiro? Eu sabia que eles existiam! Mas… como assim?
Você está bem? ― Simone começou a ligar os pontos. ― Vick, ele…
— Ele me transformou, Simone. Agora eu sou uma vampira.
Elas começaram a chorar.
— Vick, eu sinto muito… eu não sei o que dizer…
— Olhe, eu preciso de você. Você é a única que pode me ajudar.
— Claro, Vick. Conte comigo.
— E por favor, não conte nada a ninguém. Eu não sei se consigo
controlar minha sede de sangue. Não posso colocar a vida de ninguém em
risco.
Vick olhava para Simone, e tentava ignorar o som do coração da
amiga bombeando o sangue.
— Pode deixar, Vick, eu não vou contar nada. Mas você já sabe o
que vai fazer? Onde vai ficar?
— Eu ficarei por aqui mesmo. Eu sei que é pedir demais, mas você
consegue trazer algo para eu beber?
— Sangue?
— Sim. Você consegue?
— Acho que sim. Minha mãe está fazendo estágio no banco de
sangue, talvez eu consiga entrar.
— Obrigada, amiga. Mas não se arrisque demais.
— Não se preocupe. Qualquer coisa eu te aviso. Até mais.
Simone correu até sua casa. Ao chegar lá, percebeu que sua mãe não
estava. Ela seguiu até a cozinha e encontrou o molho de chaves pendurado
no porta-chaves. Sem pensar duas vezes ela pegou as chaves e foi direto
para o banco de sangue. O segurança que estava de plantão encarou o rosto
corado de Simone. Ela não havia pensado nessa possibilidade. Qual
desculpa ela daria para conseguir entrar?
— Oi, tudo bem? Eu sou filha da Célia, meu nome é Simone Souza.
Minha mãe esqueceu uma pasta com uns documentos importantíssimos, e
eu preciso deles para ontem.
O segurança olhou desconfiado. E Simone percebeu que ele não
compraria aquela história.
— Desculpe, garota, mas não posso autorizar sua entrada ― ele foi
firme.
— Por favor, eu preciso…
Antes que Simone terminasse de falar, um segundo segurança
apareceu. Ele era alto, loiro, e muito bonito.
— Olá, Simone, tudo bem? Venha comigo, sua mãe disse que você
viria.
Simone ficou boquiaberta. Ela não sabia quem era aquele homem,
mas não pensou duas vezes, passou pelo primeiro segurança e seguiu o
segundo. Durante o percurso, Simone não parava de olhar para aquele
homem. Ele ia à sua frente, com passos ligeiros.
— Bom, acredito que você saiba onde encontrar o que procura, não
é mesmo? ― o homem perguntou sem olhar para trás.
— Quem é você? ― ela perguntou.
O homem parou. Ele se virou e encarou Simone. Seus olhos negros
encontraram os de Simone, e ela sentiu um frio em sua espinha. A luz do
prédio piscou por três vezes, e na quarta, eles foram imersos em uma
completa escuridão.
Quando as luzes se acenderam, Simone estava sozinha ali. Ela olhou
para os lados, tentando encontrar o mínimo de lógica no que acabara de
acontecer. Seu coração estava a mil por hora. Sem muito tempo a perder, ela
correu até os refrigeradores.
Ela abriu um dos refrigeradores, logo em seguida abriu sua mochila
e colocou algumas bolsas de sangue nela. Sua consciência pedia para que
ela saísse dali. Vick é quem tinha que resolver seus próprios problemas,
mas ela não podia, ela era sua melhor amiga.
Ainda com medo, Simone fez o caminho de volta. Quando estava
perto da saída ela percebeu o primeiro segurança dormindo tranquilamente
na guarita.
††††††††††††††††††††
Thomas caminhava feito um lobo solitário. Seus pensamentos
estavam distantes.
— Victória, esse é o nome dela…
Por algum motivo ele não conseguia tirá-la da cabeça.
— Vamos lá, Thomas, o que está acontecendo com você?
Com Vick não era diferente, mas ao contrário de Thomas, ela queria
vingança.
— Thomas, seu maldito! Quando eu te encontrar eu vou matar você!
― ela escutou passos se aproximando do galpão. Desesperadamente ela se
escondeu.
Eram dois homens bêbados, que, provavelmente, foram ali para
dormir. Vick sentiu o cheiro de sangue misturado com álcool.
— Vamos, Vick, controle-se. ― Ela tentou, mas o cheiro era
extremamente forte.
A vontade de matar dominou Victória, que com uma velocidade
enorme atacou um dos homens.
Vick estava completamente diferente, seus olhos estavam como os
de um morcego, em sua boca, os caninos estavam mais pontiagudos. Depois
de se alimentar de um, ela correu para atacar o outro. Ele tentou correr, mas
ela era mais rápida.
— Por favor, não me machuque. Eu tenho filhos…
Não adiantou, Vick tentou e tentou, mas ela já havia perdido o
controle. Segurou o pescoço do homem e cravou seus dentes, sugando o
sangue dele até a morte.
Simone chegou ao galpão e se assustou com o que viu. Aquela não
era a Vick, meiga e simpática, que todos conheciam. Era um monstro que
matava pessoas inocentes. Vick nem se deu conta da presença da amiga.
Simone soltou um grito de desespero.
— Vick, não!
O grito de Simone fez com que Vick pulasse para trás. Ela rosnava
como um cão. Depois de alguns segundos ela reconheceu a amiga e voltou
ao normal. Sua boca jorrava sangue e seus olhos, antes cheios de ódio,
agora demonstravam tristeza.
— Eu não me controlei… eu estava com fome.
Simone tentou encontrar vida em algum dos homens, mas já era
tarde. Ambos estavam mortos.
— O que foi que você fez? Olha, não importa, tome, isso deve dar.
Eu sou sua amiga, mas não vou lhe dar sangue todo dia. E não posso
concordar com o que você fez. Desculpe, mas eu… Até mais, Vick.
Simone saiu. Vick estava chorando. Tudo isso era culpa daquele
desgraçado. E tudo o que ela mais desejava era se vingar de Thomas, mas
como ela o encontraria?
De repente os dois homens levantaram-se como se nada tivesse
acontecido.
— O que você fez? ― um deles perguntou.
— Desculpa, eu não queria…
Antes que ela terminasse, um deles a agarrou por trás, dando a
chance do outro atacar. Eles chutavam e socavam todo o corpo de Vick. Ela
chegou a gritar, mas sua voz não saiu.
Um dos homens ergueu Vick e a arremessou no chão. Ela ouviu o
som de algo se quebrando em seu bolso. Era seu celular. O vidro da tela
quebrada entrou em sua coxa, fazendo com que um líquido escuro
escorresse por sua perna.
Era o fim. Vick morreria ali mesmo. O outro homem pegou um
pedaço de madeira e fez uma estaca.
— Vamos ver se a vida realmente imita a arte…
— Não, por favor, não faça isto. Eu lhe imploro.
— Eu também implorei, e o que você fez?
Ele ergueu a estaca e fez o movimento para acertar Vick, mas foi
interceptado por outra estaca que o atingiu bem no coração.
— Demorei? Você aí, mais um passo e você morre.
O dono da voz suave era lindo. Seus cabelos loiros balançavam com
o forte vento. Seus olhos negros como a noite refletiam um brilho tão forte
que Vick ficou sem ar. Era Thomas.
O homem que estava em cima de Vick caiu de lado, feito pedra. O
outro, que estava com uma estaca na mão, parou ao ouvir a voz de Thomas,
mas ainda com a estaca erguida.
— Não brinque comigo, você viu do que eu sou capaz.
Ele não deu importância para o que Thomas disse e continuou.
Rapidamente, Thomas o alcançou e dobrou o pulso dele para trás. Ele
gritou de dor. Thomas pegou a estaca e a cravou no peito do homem.
Houve um breve momento de silêncio. Thomas ficou ali parado,
olhando para os dois homens mortos. Vick, ainda de joelhos, tentava
processar tudo o que havia acontecido. Ainda muito fraca, ela se levantou,
pegou a estaca que estava no chão, e correu para cima de Thomas.
— Seu maldito, eu vou matar você!
Ela tentou acertar Thomas, mas ele foi mais rápido e segurou sua
mão.
— Minha querida, você não vai conseguir me matar, eu sou mais
forte.
Thomas apertou o pescoço de Vick com tanta força, que ela pensou
que iria arrancá-lo. Tomas a jogou contra a parede do galpão, e antes
mesmo que ela se levantasse, ele chegou até onde Vick caiu, e a ergueu.
— Pode demorar o tempo que for ― Vick disse com dificuldade.
―,mas eu vou acabar com você.
Thomas desapareceu.
†††††††††††††††††††
Oito dias se passaram e o desaparecimento de Vick deixou Patrick
sem orientação. Dois policiais estavam em sua casa coletando informações,
um alto, cabelos grisalhos e olhos da cor do mar; o outro negro, não tão alto
e olhos castanhos.
— Então, Patrick, estamos sem notícias, mas não vamos desistir.
Nossa equipe tentou rastrear o celular da sua irmã, mas não conseguimos
nenhum sinal. Já entramos em contato com a operadora, e estamos
aguardando a análise. Agora, conte-me como tudo aconteceu. ― o mais alto
perguntou.
— Nós fomos visitar meus tios, e quando estávamos voltando para
casa, houve uma discussão entre a Sara e a Vick. A Sara saiu na frente, e eu
corri para tentar conversar com ela… e… ― Patrick levou as palmas das
mãos ao rosto. Ele chorava. ― Eu escutei os gritos dela, o som era terrível.
Era como se…
— Como se o quê? ― o policial perguntou.
— Como se eles viessem do alto ― Patrick completou.
— A Sara está em casa? ― perguntou o outro.
— Está sim, eu vou chamá-la.
Alguns minutos depois, Patrick chegou à sala com a irmã.
— O que vocês querem?
— Queremos saber sobre o desaparecimento da sua irmã.
— Desaparecimento? Por favor, ela deve estar na farra, como
sempre faz.
— E você acha que ela ficaria lá por oito dias?
— Olha, policial, eu sei que meu irmãozinho está desesperado, mas
não é a primeira vez que a Vick faz isso.
— É mentira! ― Patrick gritou.
— Tá vendo? Olha como ele fica! Tudo por causa da Vick…
Acredito que vocês tenham coisas mais importantes para resolver, não é
mesmo?
— Tudo bem Sara. Agradecemos seu tempo. Patrick qualquer
informação nós te avisamos, mas por favor, se acalme.
— Ok, policial, obrigado.
— Não se preocupe.
Os policiais foram embora. Sara continuou na sala. Ela cruzou os
braços e encarou Patrick. Seus olhos estavam repletos de ódio.
— Olha aqui, Patrick, você tem que parar de trazer policiais aqui. A
Vick deve estar se drogando por aí. Ela é uma vagabunda. ― Os olhos de
Patrick encheram-se de lágrimas. Sem pensar duas vezes ele deu um tapa no
rosto de Sara.
— Eu não admito que você fale assim da Vick.
Sara pôs a mão onde o tapa tinha acertado e subiu irritada. Patrick
sentou-se no sofá. Seu coração estava apertado, ele sentia um nó na
garganta e as lágrimas não paravam de cair. Como uma pessoa desaparece
sem deixar rastro? Esta era uma das perguntas que se passavam na cabeça
de Patrick.
No dia seguinte, Patrick levantou-se bem cedo para ir à escola. Sara
já estava pronta.
— Patrick, eu quero você aqui antes das 10. Eu já vou para escola.
Tem torrada no forno e leite…
— Eu sei me virar sozinho!
— Eu só quis ser gentil com você. Até mais…
Ela saiu. Patrick tomou café, escovou os dentes e seguiu para a
escola. Quando estava próximo ao portão. Patrick parou. Ele observou
aquela figura parada na entrada da escola. Sem pestanejar, ele caminhou até
ela.
CAPÍTULO 2
— E aí, alguma notícia? ― os olhos de Brian escorriam lágrimas.
― Já são oito dias sem respostas. Cara, tem que ter uma explicação.
— Brian, olha… os policiais estão procurando, mas… talvez ela não
seja encontrada com… ― Patrick não conseguiu finalizar a frase.
Brian tentou segurar as lágrimas, mas não conseguiu. A saudade de
Vick era enorme.
— Eu não posso acreditar… isso não pode ser verdade. Patrick,
você deveria ser o primeiro a dizer que ela está viva. Vamos, fale para mim
que isto tudo não passa de um sonho e que logo vamos acordar. Por favor!
— Eu também queria que tudo isso fosse um sonho, Brian, mas
infelizmente é a verdade.
Simone assistia a tudo de longe e sofria com os dois. A vontade que
ela tinha era correr lá e avisar que Vick estava viva, mas ao mesmo tempo
morta. Um novo sentimento por Brian nascia em seu coração, era algo que
ela nunca havia sentido por ninguém. O sinal tocou. Simone seguiu para
sala onde uma angústia dominou seu coração. Ela sentia falta de Vick,
queria que ela estivesse ali. Mas agora seria impossível. O professor de
história entrou na sala. Muitos alunos cochilaram enquanto o professor
explicava a matéria. Simone divagava entre a explicação do professor e a
preocupação por Vick.
— Façam as atividades do livro. Páginas 145 a 150. Até amanhã.
O sinal tocou, era o segundo horário. Simone abriu seu livro de
biologia. A sra. Dias, uma mulher um pouco acima do peso, de cabelos
grisalhos e longos, olhos verdes e pele clara entrou na sala. Sua fama na
escola Eroma não era das melhores. Simone se lembrava perfeitamente do
último ano. Pouco antes do fim das aulas, a escola promoveu uma festa e a
sra. Dias chegou bêbada, gritando e tirando a roupa. Os diretores a
suspenderam da escola, mas por algum motivo ela retornou.
— Bom dia meninos. Hoje vamos falar sobre grupos de cobras
peçonhentas e não peçonhentas. Alguém sabe o que significa a palavra
áglifa?
Ninguém respondeu. Ela continuou.
— Já imaginava. Bem, a palavra peçonhenta significa venenoso. As
cobras não peçonhentas, ou seja, sem veneno, utilizam sua forte
musculatura para engolir as presas. Neste grupo temos a jiboia e a sucuri.
Temos também as opistóglifas que tem um par de dentes inoculadores de
peçonha na região posterior dos maxilares. Neste caso, temos a cobra-cipó e
a coral-falsa. Muito bem, vocês devem ter estudado em casa. Agora teremos
uma provinha.
Os alunos se assustaram. A professora entregou a prova e todos
ficaram ainda mais surpresos. A prova era em dupla, e a matéria era a que
ela acabara de explicar.
Brian se sentou junto a Simone, que sentiu seu coração pulsar mais
forte.
— Essa professora é doidinha, não é? ― ele perguntou rindo.
Simone estava encantada com aquele sorriso. Seus dentes eram brancos
como a neve e seus lábios avermelhados a hipnotizavam.
— É sim, maluquinha. Ela nem nos avisou sobre a prova.
— Relaxa, ela deu todas as respostas na explicação.
— Verdade ― ela riu sem jeito.
— E aí, Simone, como você está?
— Ainda tentando entender o que aconteceu. E você?
— Sem acreditar que a Vick se foi…
— Vamos aguardar as investigações da polícia, Brian. Não sabemos
o que pode ter acontecido, né?
— Pois é, mas o Patrick já perdeu as esperanças. Eu estou quase
perdendo as minhas também. Bom, vamos fazer a prova.
Ao terminarem a prova, eles saíram da sala. O intervalo seria em
seguida. Simone seguiu para o refeitório, e Brian foi com o time de futebol
para a quadra.
Sara distribuía o que parecia ser convites. Um grupo de pessoas se
reuniu ao seu redor. Simone aproximou-se para ver o que era e se assustou.
— Será hoje às 10. Não esqueçam a fantasia.
— Você não tem vergonha? ― Simone perguntou furiosa. ― Você
deveria estar sofrendo com o desaparecimento da sua irmã, e pelo contrário,
você vai dar uma festa? Faça-me o favor.
— Eu não ligo para Vick. Para mim, tanto faz se ela está viva ou
não.
— Você não tem coração?
— A Vick já foi tarde… Tome, aqui está o convite para a festa.
— Você só pode estar brincando. Olha, aqui, garota, se você acha
que eu vou nessa festa, você está muito enganada.
Simone sai furiosa e retornou à sala para a aula de física. O
professor chegou e cumprimentou a todos.
— Olá, pessoal. Como vocês estão? Lembram que eu falei na aula
passada que iríamos rever como fazemos para transformar a escala Celsius
em fahrenheit? Então vamos lá… ― O professor passou a fórmula no
quadro. Os alunos já estavam exaustos e ansiosos para o último horário, que
seria educação física. O professor terminou de explicar a matéria e em
seguida passou a lição de casa. ― Eu sei que vocês estão cheios de deveres,
e que amanhã tem a prova de física, mas já estamos quase no final do ano
letivo e vocês não podem sair da escola sem aprender isso. Eu só penso no
bem de vocês. Façam as atividades da página 214. Estudem para a prova de
amanhã.
Os alunos começaram a deixar a sala. Simone percebeu que o
professor a encarava.
— Simone, alguma notícia da Vick?
— Os policiais estão procurando, mas ainda não temos nenhuma
pista.
— Espero que a encontrem.
Simone sentiu sinceridade nas palavras do professor. De certo modo
ela sabia a resposta, mas ela prometeu a amiga que não contaria a ninguém.
E para ela promessa era dívida. O sinal tocou. O professor pegou seus livros
e saiu da sala.
Simone desceu as escadas e foi em direção à quadra. A professora
de Educação Física estava impaciente.
— Vamos logo, não estou com tempo. Hoje é aula prática de
futebol.
A professora montou dois times. Um de meninas e o outro de
meninos.
— Mas professora, assim nós vamos ganhar fácil, fácil ― disse
Shannon, um garoto alto, cabelos castanhos que brilhavam ao sol, olhos
negros intensos. Ele era o tipo de cara que passava o dia inteiro na
academia. Muitas garotas adoravam seu tipo físico, o que levantava seu
ego.
— Eu não te perguntei… Vamos lá, comecem.
Os alunos começaram o jogo. Foram 25 minutos de tortura para
Simone, que odiava aquele esporte. Nos minutos finais, ela saiu da quadra,
seu time perdia de oito a zero.
Simone seguiu para o vestiário e se trocou. Em seguida ela foi para
o galpão. Chegando lá, ela percebeu que Vick estava machucada.
— Vick, o que aconteceu?
— Aqueles dois homens se transformaram em vampiros e tentaram
me matar. Se não fosse o Thomas…
— Espera aí. O vampiro que te transformou esteve aqui?
— Ele matou os dois homens, e eu tentei matá-lo, mas ele é mais
forte.
— Você o quê? Vick, é óbvio que ele é mais forte! Você está bem?
— Me machuquei um pouco, mas já estou melhor.
— Que ótimo, Vick. Agora você tem um guardião
— Simone, não brinque comigo assim. Eu quero matá-lo e isso não
mudará.
— Tudo bem. Vamos cuidar dessas feridas…
— Não se preocupe, meu corpo se recupera rapidamente.
— Tudo bem, então. Olhe, eu vim aqui para te mostrar isso. ―
Simone tirou um pedaço de papel do bolso.
— O que é isso?
— É um convite para uma festa na sua casa hoje à noite. Consegui
esse convite com a Carol.
— Uma festa? Como assim?
— A Sara está organizando tudo. Vick, ela disse coisas horríveis
sobre você. Já o Patrick… ele está sofrendo muito, hoje eu ouvi uma
conversa dele com o Brian e ele tem certeza de que você está morta.
— Simone, eu vou aparecer nessa festa.
— Você está maluca? É perigoso.
— A festa é à fantasia, não é? Eu só preciso que você consiga uma.
— Eu continuo achando isso loucura, mas você é minha amiga e eu
tenho que te ajudar. Eu volto assim que conseguir a fantasia.
Simone seguiu para sua casa que ficava perto da praça principal.
Chegando lá, sua mãe estava sentada no sofá.
— Filha, você não vai acreditar.
— O que foi, mamãe?
— O estoque de sangue no banco foi saqueado. Levaram 7 bolsas de
sangue.
Simone engoliu em seco.
— Eles conseguiram descobrir quem foi? Digo, pelas câmeras?
— Ainda não. Por algum motivo desconhecido, as câmeras de todo
o prédio não gravaram nada.
— Que pena… ― Simone disse aliviada. ― Mãe, eu vou em uma
festa na escola, não precisa me esperar acordada, tá bom?
— Pensei que você não estava com cabeça para festas.
— E não estou, mas essa festa é para o grêmio estudantil, eu sou a
vice-líder, e com o desaparecimento da Vick…
— Eu ainda não me conformo com isso. Todos dizem que ela está
morta, mas… é triste demais imaginar isso.
— Bem mamãe, ela não está morta… Quer dizer, não sabemos disso
ainda.
— Ela era tão boa… Lembro claramente quando conheci os pais
dela. Vocês tinham um ano. Era uma manhã de segunda-feira, do ano 1993,
eu estava te levando para a creche e sua mamadeira caiu ao lado do carrinho
da Vick. O senhor Fonseca, sempre tão gentil, pegou a mamadeira do chão
e me entregou. A senhora Fonseca estava com um vestido vermelho. Ela
disse “Olha, Vick uma amiguinha para você’’. E desde então vocês não
desgrudaram mais.
Simone chorava sem parar. Sua mãe também chorava. Ela era amiga
da mãe de Vick há muitos anos e sentia muita falta dos domingos em que
saíam juntas, das noites observando as estrelas sentadas na sacada de sua
casa. Ela sentia falta de tudo. Quando recebeu a notícia da morte do casal
Fonseca, ela entrou em uma profunda depressão. Não saía mais de casa, não
conversava com mais ninguém, nem com Simone, sua própria filha. Simone
nem se lembrava da última vez em que saiu com sua mãe. Mas o tempo foi
passando e ela foi recuperando seu bom humor.
Simone olhou o relógio e viu que estava atrasada. Ela tinha que
conseguir uma fantasia para Vick.
— Mamãe, desculpe, mas tenho que me arrumar.
— Tudo bem, minha filha, eu só queria desabafar um pouco.
Simone subiu a escada correndo, entrou em seu quarto e abriu o
guarda-roupa à procura da fantasia. Revirou suas roupas e sapatos, mas não
a encontrou. Embaixo da cama havia duas caixas. Ela pegou uma das caixas
e encontrou a fantasia. Sabendo que teria pouco tempo, correu para o
banheiro. Ela ligou o chuveiro e deixou que a água caísse levando todo o
cansaço e a preguiça. Depois de 10 minutos no banho, ela voltou ao quarto
e colocou sua fantasia de bruxa. Passou seu perfume e saiu. Ela chegou ao
galpão exatamente às 18:30. Vick estava ansiosa.
— Olá, amiga, desculpe a demora.
— Até que enfim. Pensei que você não viria mais.
— Desculpe, é que minha mãe estava precisando conversar, e eu não
podia deixá-la angustiada.
— Sem problemas, amiga. Você achou a fantasia?
— Achei sim. A única fantasia com máscara que eu tinha.
Era uma máscara do Ghostface, Vick riu ao imaginar o quão ridículo
ela ficaria com aquilo. Exatamente às 21:30 elas saíram.
Simone chegou à festa acompanhada de Vick. Sara estava na porta
recebendo os convidados.
— Boa noite! Sejam bem-vindas. Pensei que você não viria.
— Bem, Sara, este lugar me traz muitas lembranças da Vick. Mas
vai ser bom me distrair um pouco.
— E quem é sua amiga?
— É minha prima. Ela não consegue falar direito com a máscara.
— Olá! ― disse Vick engrossando a voz.
— Sejam bem-vindas.
Era a primeira vez que Vick entrava ali desde que se transformou.
De longe Vick avistou Patrick subindo as escadas.
— Vick, fique do meu lado.
— Simone, eu tenho que ver uma coisa no meu quarto… Eu já
volto.
Ela subiu as escadas com cautela. Patrick estava parado na porta do
banheiro. Ela esperou que ele entrasse e foi para o seu quarto. Estava tudo
como ela havia deixado, sua cama estendida, posicionada no meio do
quarto. As cortinas pretas deixavam o quarto extremamente escuro. Seu
guarda-roupa de madeira ficava ao lado da escrivaninha. Nela estava uma
foto de seus pais. Vick tirou a máscara para ver melhor.
— Papai, mamãe, eu sei que de onde vocês estiverem, vocês estão
olhando por nós ― as lágrimas caíam sem parar. Ela sentia muita falta
deles.
Patrick abriu a porta do quarto e se deparou com Vick de costas. O
quarto estava em uma completa escuridão, mas a luz do corredor iluminou
exatamente onde ela estava.
— Vick, é você?
Em um relance, ela olhou fixamente nos olhos de Patrick. Ele por
sua vez se virou para avisar os outros. Brian foi o primeiro a chegar ao
quarto, encontrando-o vazio.
— Patrick, onde ela está?
— Ela estava aqui, Brian, eu juro.
Simone chegou alguns minutos depois. Ela estava com medo de
Vick não ter conseguido escapar.
— Onde ela está?
Brian aproximou-se da cama e encontrou uma mancha de sangue.
Ele se assustou. Se Vick realmente esteve ali, ela estava machucada.
— Pessoal, a Vick está machucada. Vamos procurá-la.
Os convidados começaram a sair. Eles estavam assustados. Sara
tentou de tudo para mantê-los ali, mas não adiantou. Ela ficou constrangida.
Com passos pesados, ela subiu até o quarto onde estavam Patrick, Simone e
Brian.
— Brian, você confia em mim, não é?
— É claro, Patrick. Eu confio em você.
— Vocês são todos loucos. A Vick está morta! Patrick, seu idiota,
você estragou minha festa. Eu te odeio.
— Sara, eu estou falando sério.
— Por favor, todos vocês, saiam já daqui! Vocês estragaram meu
dia!
Simone saiu o mais rápido que pôde, sem olhar para trás. Brian saiu
em seguida. Sara estava bufando de ódio.
— Patrick, você é um louco. Eu vou te internar em um hospício.
— Por favor, acredite em mim. Eu não estou louco, ela estava aqui,
eu juro.
— A Vick, graças a Deus, está morta. E não pense que eu vou
acreditar nessa sua história. ― Ela foi para seu quarto quase chorando.
Patrick tinha certeza de que vira Vick. E pela primeira vez, desde o
desaparecimento da irmã, Patrick sorriu novamente.
CAPÍTULO 3
Europa, 1451.
— Nós vamos morrer.
— Não, Lucas, não vamos. As bruxas são fortes, mas nós podemos
matá-las.
— Thomas, como faremos isto? Estamos em desvantagem.
Eles estavam em cima de uma árvore, o vento soprava forte. A
Europa era fria naquela época do ano.
A carruagem chegou alguns minutos depois. Uma linda mulher,
usando um longo vestido vermelho, desceu com a ajuda do cocheiro. A
garota era alta de olhos claros. Seus longos cabelos avermelhados estavam
embaixo de um enorme chapéu. Eles pularam da árvore e a
cumprimentaram.
— Samara, como está?
— Thomas, Lucas. Que surpresa! Pensei que estivessem mortos.
— Foi por pouco, mas nós viemos aqui para dizer que você corre
perigo. As bruxas estão atrás de nós.
— Se eu soubesse que era para pedir minha ajuda, eu não teria saído
de Paris tão rápido. Diga logo, o que vocês querem?
— Então, Samara. Precisamos da sua ajuda para encontrar os
Ripilus.
— Thomas, meu querido irmão. Os Ripilus estão em alguma parte
da Ásia. Eu não sei se eles estão dispostos a nos ajudar.
— Mas eles são nossa única esperança. Você sabe que os Ripilus são
extremamente fortes. Nós temos que trancar as bruxas em algum tipo de
maldição.
— Lucas, o que você tem a dizer?
Lucas estava calado até agora. Samara se dirigiu a ele com
ignorância.
— Eu não sei. Na verdade, eu estou com medo de morrer.
— Meu irmão, você sempre foi tão medroso… Olhe, eu posso tentar
encontrar os Ripilus. Mas não garanto nada. E só estou fazendo isso porque
vocês são meus irmãos, mas não se acostumem.
— Muito obrigado, Samara. Podemos ficar aqui com você? ―
Thomas perguntou.
— Claro… que não. Voltem para o castelo do papai. Nos vemos
amanhã. Agora me deixem a sós. Tenho muita coisa para resolver aqui.
Os dois desapareceram em um piscar de olhos. Samara entrou em
um casebre onde três pessoas estavam à sua espera.
— Samara, pensei que não viria mais.
— Trixi, você não confia em mim? Eu não poderia deixá-las
esperando.
— Eu confio em você, Samara, mas sua raça não é confiável.
— Nossa, assim eu fico sem graça. Mas os idiotas dos meus irmãos
estão caindo na conversa mole que eu disse a eles.
— Por qual motivo você deixaria de ajudar seus irmãos e viria para
o nosso lado? ― Lorai perguntou.
Samara andou pelo casebre. Sua expressão era de dúvida. Ela
respondeu com insegurança.
— Então, meus irmãos não têm o mesmo objetivo que eu. Eu quero
muito poder. E vocês podem me ajudar. Eu quero os dois mortos. Se
possível que eles sofram bastante.
— Pode deixar, Samara. Eu e minhas irmãs cuidaremos disso.
Quanto ao poder, você conseguirá tudo o que deseja, se ficar ao nosso lado,
é claro. Bem, vamos indo, minhas irmãs? ― Trixi perguntou. ― Até mais,
Samara.
— Até breve, Trixi. Eu vou enrolar meus irmãos mais um pouco.
Estou adorando este teatrinho.
Samara estava com um sorriso avassalador. Sua beleza era tamanha
que chegava a parecer ilusão.
Depois que as bruxas saíram, Samara ficou sozinha no casebre. Uma
forte tempestade começou a cair. Ela se deitou em sua cama e dormiu.
Na manhã seguinte, ela levantou bem cedo. Ainda chovia forte.
Levantou-se da cama e tomou um longo banho. Quando terminou, pegou
seu vestido, o mesmo que usara no dia anterior e seguiu para o castelo.
Eles já estavam na sala. O empregado foi avisá-los da chegada de
Samara.
— Com licença. A senhora Alcantara, acaba de chegar.
— Mande-a entrar ― disse Thomas.
— Com sua licença.
Ela chegou à sala observando o lugar. Estava exatamente do jeito
que seu pai havia deixado. Suas estantes, repletas de livros, preenchiam as
paredes do enorme castelo. Os móveis ainda resistiam ao tempo.
— Bom dia, meus irmãos. Tenho notícias para vocês…
— É sobre os Ripilus?
— É sim, Thomas, meu caro. Veja como sua irmã é dedicada. Eles
estão na Inglaterra e não na Ásia, como eu havia dito. Mas eles não vão
ficar lá por muito tempo, você conhece aquela raça, nunca ficam no mesmo
lugar.
— Pode deixar, Samara. Obrigado, hoje mesmo partiremos para a
Inglaterra. Você vem conosco?
— Desculpe, meu irmão, mas eu tenho outros problemas para
resolver aqui. Vejo que vocês não mudaram nada no castelo…
— Eu resolvi manter tudo como o papai deixou. Foi uma forma que
encontrei de continuar ligado a ele.
— É, ao contrário de você, eu teria mudado algumas coisas.
A chuva cessou. Samara estava observando o lugar. As lembranças
de sua infância estavam todas ali. Lembranças de quando ela era humana.
Seu coração, de uns tempos para cá, estava tão cheio de ódio que ela
não sabia mais o que era o amor, nunca mais sentiu seu coração bater como
antes.
— Pessoal, eu tenho que ir. Quero rever algumas pessoas antes de
partir.
— Tudo bem, Samara. Muito obrigado.
— Por nada, irmãozinho. Tenham cuidado, as bruxas são poderosas.
E eu tenho uma dica para convencer os Ripilus. Digam a eles que se
trancarem as bruxas, eles terão muito poder.
— E isto é verdade?
— Claro que não, Lucas. É só uma forma de garantir a vitória. Eles
fazem de tudo por poder.
Samara caminhou até a porta. Quando a abriu, avistou de longe um
belo campo repleto de flores. Ela se lembrava de quando brincava ali com
seus irmãos. O sol se abriu entre as nuvens negras e os raios tocaram a face
de Samara, que pela primeira vez, teve um sentimento de bondade em seu
coração. O cocheiro a aguardava do lado de fora. Ela olhou para trás e uma
lágrima rolou de seu olho esquerdo.
— Podemos ir, senhora?
— Sim, podemos.
Ela segurou a mão do cocheiro e entrou na carruagem. No caminho,
a paisagem era magnífica. Campos se misturavam com as estradas, animais
selvagens passavam a todo o momento perto da carruagem. Eles estavam
perto de uma enorme ponte quando os cavalos pararam. Samara escutou os
gritos que pareciam ser do cocheiro.
— Rudy, o que aconteceu? Vamos, ande logo, eu tenho que sair
deste lugar.
Samara saiu da carruagem e não encontrou o cocheiro. Não havia
ninguém ali, apenas ela. Os cavalos pareciam assustados. Ela estava atenta.
Um homem branco de olhos claros apareceu em sua frente.
— Olá, Samara. Você se lembra de mim?
— Tristan? O que você quer aqui e como me encontrou?
— Eu ando seguindo seu rastro desde que você me transformou.
— Que romântico. Eu costumo causar delírio nos homens. Mas o
que você quer exatamente?
O homem pulou em cima de Samara que caiu no chão.
— Maldito, fique longe de mim. Eu vou te matar…
— Você é quem vai morrer. Você matou minha família inteira… Até
meu filho. Agora eu quero vingança.
Samara colocou um sorriso sarcástico em seu rosto. Ela soltou uma
gargalhada que mais parecia um grito. Em um rápido movimento, ela
inverteu as posições. Agora ela estava em cima do homem.
— Você teve a chance de me matar, mas agora…
Ela levantou sua mão e a enfiou no peito do homem, arrancando seu
coração. Samara jogou o corpo da ponte. Ela continuou seu caminho a pé.
Alguns quilômetros depois, Samara avistou uma pequena vila.
Ela andou mais um pouco e chegou a um bar. O lugar estava cheio.
Pessoas se esbaldavam com as bebidas dali. Com muita sensualidade, ela
sentou na cadeira da frente.
— A senhora está esperando alguém? ― o dono do bar perguntou.
— Estou sim.
— E vai beber o quê?
— Nada, obrigada.
Alguns minutos depois uma mulher muito linda entrou no bar. Ela
sentou-se na cadeira ao lado de Samara.
— Desculpe a demora, mas é que foi difícil enganar minhas irmãs.
— Trixi, não se preocupe, não faz muito tempo que estou aqui.
— Então, novidades?
— Meus irmãos foram para Inglaterra, como foi combinado. Agora,
por favor, não falhe.
— Quem você pensa que eu sou? Minhas irmãs e eu vamos para lá
hoje mesmo. Seus irmãos vão morrer.
— É o que eu espero. Olhe, eu tenho que ir para Paris, mas eu posso
tentar ir até a Inglaterra para ver a morte dos meus irmãos.
— Muito bem, então. Com relação ao nosso segredinho?
— Eu o levarei para o túmulo. Adeus, amiga. Assim que vocês
acabarem, retornem a sua cidade. Aguardo notícias.
— Adeus, Samara ― Trixi saiu do bar deixando Samara sozinha.
Algumas horas depois ela se retirou. Na rua um rapaz a olhava
atentamente. Ela se aproximou dele com seu sorriso sedutor.
— Meu caro, porque olha tanto para mim?
— Sua beleza é tão grande que me hipnotizou.
— Meu caro, você é tão tolo!
— Desculpe se perto de você eu perco o senso.
— Seus galanteios não são ruins. Você também não é de se jogar
fora.
— Então, o que você me diz?
— Eu fiz uma coisa que vou me arrepender muito, mas tenho muito
tempo para consertar isso. Que tal irmos para um hotel?
— Acho uma boa…
Eles seguem para um hotel onde ela o mata.
CAPÍTULO 4
Simone foi direto para o galpão. Chegando lá, percebeu que Vick
chorava.
— Vick, eu disse que era perigoso.
— Simone, você sabe o que eu estou sentindo?
— Não faço a mínima ideia. Mas eu te avisei que seria perigoso.
— Eu vou aparecer para ele. Eu vou aparecer para o Patrick.
— Você ficou maluca? Imagine como ele ficaria?
— Vai ser amanhã depois da aula. Eu ficarei te esperando no
banheiro e depois que todos saírem, eu vou aparecer para o Patrick.
Simone estava com medo, mas ela sabia que nada do que ela fizesse,
faria a amiga mudar de ideia. Qual seria a reação de Patrick ao ver que a
irmã não era mais humana? O que ele iria dizer? Ele contaria para alguém?
Essas eram muitas das perguntas que passavam na cabeça de Simone.
Naquela noite, Simone dormiu ali mesmo. Sonhos estranhos
perturbaram sua noite. Ela estava ajoelhada sobre o corpo de Vick, ao seu
lado estava um homem com um sorriso assustador. No dia seguinte, quando
acordou, percebeu que Vick não estava mais ali. Mais que depressa ela se
levantou e foi para escola. No caminho, uma voz conhecida a chamou por
três vezes.
— Simone, espere. ― O coração de Simone acelerou, ela
reconheceu a voz.
— Oi, Brian, como vai?
Ela não parava de olhar para ele. Aquele brilho em seu olhar
hipnotizava qualquer garota. Mas a única garota capaz de fazer parte de sua
vida, era Vick, e agora ela não estava mais ali. Ou melhor, não como antes.
— O que foi? Tem alguma coisa suja em meu rosto?
Ele perguntou ao perceber que Simone não tirava os olhos dele.
— Não, tudo em você está perfeito… ― ela se conteve ― Eu tenho
que ir, até mais.
— Qual o motivo de tanta pressa? Nós somos da mesma sala.
— Eu tenho que ir ao banheiro. Mas depois a gente se vê.
— Então, até mais.
Ela correu para o banheiro. Seu coração parecia um tambor. Simone
ficou de frente para o enorme espelho analisando sua expressão. Ela abriu a
torneira e jogou um pouco de água em seu rosto. Pelo espelho, Simone viu
a porta atrás dela se abrir.
— Você demorou.
— E você me assustou. Vick, como você sai assim sem dizer nada?
— Me perdoe, mas é que eu estava ansiosa. E aí, você o viu?
— Ainda não. Vamos torcer para que tudo dê certo.
— Mas Simone, porque você tá tão pálida? O que tá acontecendo?
— Não é nada Vick, eu só tô cansada.
— Simone, você não sabe mentir para mim, vamos fala.
Simone se virou para o espelho novamente. Vick conhecia aquele
olhar. Simone sempre foi muito sincera, mesmo quando tentava inventar
alguma mentira.
— É sobre o Brian, não é?
Os olhos de Simone se arregalaram. Ela respirou fundo e disse:
— É sim amiga, mas eu não sei como contar isso a você.
— Vamos Simone, não enrole.
— Está bem, eu falo. Eu acho que estou apaixonada por ele. Pronto
falei…
Vick começou a rir sem parar. Simone, sem entender nada,
perguntou:
— O que foi? Eu sabia que você ia zombar de mim.
— Não é isso. É que você tava com medo de me contar isso?
— Eu tava com medo da sua reação. E agora você é uma… Bem ele
é seu ex-namorado, então…
— Não seja boba. Eu gosto do Brian, mas como amigo. Eu só quero
o bem de vocês dois. E eu sei que você é a garota ideal para ele. Vá em
frente amiga. Eu amo vocês dois.
Elas se abraçaram por alguns minutos, mas quando a porta principal
se abriu Vick, em uma velocidade inacreditável, entrou no banheiro.
— Simone, você está aí?
— Estou sim, Sara.
Sara entrou furiosa. Colocou seus livros em cima da pia e começou
a falar:
— O Patrick disse que a Vick estava com você ontem na festa. Isto é
verdade?
— É claro que não.
— Sabe o que é estranho, aquela sua prima não saiu com você da
festa. Onde ela foi?
— Olhe, eu não tenho que te dar explicações sobre nada. Se eu
soubesse algo sobre a Vick, eu falaria, mas por enquanto, me deixe em paz.
— Tudo bem, você venceu. Mas se eu descobrir que você está
mentindo, você me paga!
Sara pegou seus livros e foi embora. Simone respirou várias vezes
tentando tirar o nervosismo. Vick saiu do banheiro novamente.
— Nossa, amiga. Ela não é tão idiota quanto eu pensava. Nós vamos
ter que tomar cuidado.
— Pode deixar, eu vou tomar. Agora eu tenho que ir. Até mais tarde.
Simone seguiu para sala. Chegando lá, ela percebeu que Brian
estava sentado no lugar que era de Vick. Ao lado dela. Simone se sentou.
— Olá, senhorita mistério. Como você está?
— Senhorita mistério? O que você quer dizer com isso?
— Bem, você anda cheia de segredos, se esquivando…
— Não seja bobo. É impressão sua. Respondendo sua pergunta, eu
estou bem. E você?
— Levando a vida. O que achou da sua nova dupla?
— Não sei, preciso conhecê-lo mais um pouco.
— Bem, acredito que teremos tempo para isso.
— Sim, e também, já estamos no final do ano mesmo. E minha
antiga dupla…
Os dois se calaram. Os olhos de Brian demonstravam angústia.
— Como você tá lidando com isso? ― ele perguntou.
— Eu tento imaginar que ela tá bem e mais perto do que pensamos.
Mas eu não sei…
— O Patrick disse…
— Eu sei o que ele disse, mas não é verdade. Eu queria muito que
fosse.
A professora de química chegou à sala de aula com uma pasta cheia
de provas.
— Bem, nenhum aluno fechou a prova da minha matéria. A única
que tirou uma nota boa foi a Vick, mas infelizmente ela não está aqui para
receber os parabéns.
Houve um silêncio na sala. Todos ainda estavam muito abalados
com o desaparecimento de Vick.
— Abram o livro na página 112.
A professora começou a explicar sobre distribuição eletrônica.
Muitos alunos já estavam cansados de ver aquela matéria, mas a professora
Ágata explicava de novo e de novo, até que todos os alunos aprendessem.
Simone não parava de olhar para Brian. Sua mão estava gelada. Ele
percebera o nervosismo de Simone e não parava de rir.
— Do que você está rindo?
— De você. Você está pálida. O que foi, não gosta de ficar perto de
mim?
— Pelo contrário… Vamos prestar atenção na matéria.
Ela tentava não olhar, mas a paixão era maior. Seus olhos se
viravam para Brian mesmo sem a permissão de Simone. Seu cérebro falava
uma coisa, mas seu coração outra.
A professora passou alguns deveres no quadro e liberou os alunos
mais cedo. Simone despediu-se de Brian e seguiu para o banheiro. Verificou
se não tinha ninguém e entrou. Vick estava no mesmo lugar.
— Vick, amiga, você não sabe da maior!
— O que foi Simone? O que aconteceu?
— O Brian sentou no seu lugar. Ele disse que agora é minha nova
dupla.
— E isto não é bom?
— É sim. Quer dizer, não. Eu não consigo me controlar, ele é lindo
amiga… O que eu faço?
— Ora, fale para ele que você o ama. É o melhor que você pode
fazer.
— Você ficou louca? Eu não posso falar isso. De jeito nenhum.
— Bom, você é quem sabe, mas tome cuidado porque você pode
ficar sem ele viu?
— Você sabe me colocar contra a parede, viu? Eu vou voltar para
sala, o próximo horário é biologia e eu tenho que entregar uns trabalhos.
— E aí, amiga, como tá a nossa sala?
— Do mesmo jeito. Mas estão todos com saudades de você.
— Eu também tô com muita saudade de todos. Minha vontade é de
aparecer para eles e abraçá-los.
— E porque você não tenta? Quem sabe você não se controla?
— Eu não sei, amiga. Eu não sei o quanto posso me controlar.
Agora eu sou uma vampira. Eu tenho que ficar longe de todos para protegê-
los.
— É, mas eu pensei que você… Deixe para lá. É melhor mesmo,
mas eu tô morrendo de saudades das nossas conversas, eu te amo muito!
As duas estavam chorando. Vick principalmente, suas emoções
estavam à flor da pele. O sinal tocou obrigando-as a se separarem.
— Até mais, amiga. Não se preocupe, não vou machucar ninguém.
— Eu confio em você Vick. Até o final da aula.
Ela voltou para sala. A professora ainda não tinha chegado.
Brian estava sentado na mesa. Ele balançava as pernas e batia os
dedos na madeira grossa. Parecia nervoso.
Simone se aproximou lentamente.
— Onde a senhorita mistério estava?
— Eu fui ao banheiro. Virou meu guarda-costas?
— Depende, você quer que eu seja?
— Não, eu sei me cuidar ― disse ela com um sorriso.
— Mas eu insisto, senhorita mistério.
A professora entrou na sala assustada. Ninguém entendeu o motivo
de tanto pânico.
— Crianças, hoje duas alunas da escola Eroma foram brutalmente
assassinadas. Não quero provocar um caos, mas tenham cuidado. Pelo que
tudo indica, o assassino está perto da escola.
Todos se olharam meio assustados. “Será que a Vick tem alguma
coisa a ver com isso?’’, Simone se perguntava. Brian também estava
pensativo.
— Pessoal este assassino deve ser o mesmo que sequestrou a Vick e
supostamente a matou. Temos que avisar a polícia ― disse ele.
— Nós já avisamos, Brian. Agora a única coisa que eu peço a vocês
é que não andem sozinhos, principalmente à noite. E se virem alguma
pessoa estranha pela região, nos avisem. Mas agora vamos lá, por favor,
deixem seus cadernos em cima da mesa que eu vou passar dando visto na
atividade da aula passada. Antes que eu me esqueça, deixem os trabalhos na
mesa também.
Ela recolheu todos os trabalhos. Depois passou um texto enorme no
quadro sobre clones. Quando o sinal tocou, Simone correu para o refeitório.
O cardápio do dia era suco de goiaba e arroz temperado. Simone pegou sua
bandeja e foi para a primeira mesa do refeitório que era enorme. Os alunos
aproveitavam o intervalo para extravasar a energia acumulada. E se tratando
de uma escola de Ensino Médio, havia muita energia.
Simone nunca fez parte de algum grupo na escola. Bem, antes de
Vick desaparecer, algumas vezes elas se sentavam com os mais populares
da escola, mas isso não era algo com que ela se preocupasse.
Todos no refeitório tinham um assunto. Simone estava só. Ninguém
para conversar. Ela olhou para a mesa ao lado, e percebeu que Brian estava
em cima dela. Ele parecia tirar sarro de alguns amigos. De repente, pisando
em falso ao tentar descer da mesa, Brian caiu no chão. Ele se levantou
segurando uma das mãos, que pingava sangue. Ao cair, ele se cortou em um
parafuso solto no banco. Simone correu para ajudá-lo. Ela pegou sua blusa
de frio e embrulhou a mão de Brian.
— Temos que ir para a enfermaria.
Eles seguiram para a enfermaria, que ficava perto do banheiro onde
Vick estava. Ela sentiu o cheiro de sangue e tentou se controlar. Seus
ouvidos captaram uma conversa de duas vozes conhecidas.
— Obrigado, Simone. Eu brinquei mais cedo em ser seu guarda-
costas, mas você é quem se tornou a minha.
— Não precisa agradecer, Brian. Eu não fiz nada.
— Só de estar aqui comigo… Você sabe que eu não sou muito fã de
sangue, né?
— Sim, lembro bem quando estávamos no primário. Você se tremeu
todo quando a Alessandra caiu do escorregador.
— Pois é, agora eu consigo me controlar mais.
A conversa dos dois foi interrompida. Fernanda, uma garota do
primeiro ano, saiu do banheiro feminino aos gritos.
— Meu Deus! Tem um monstro no banheiro! Um monstro horrível.
Os olhos de Simone se arregalaram.
— Um monstro! Um monstro! ― Fernanda repetiu.
CAPÍTULO 5
Simone entrou no banheiro com o coração saindo pela boca. Ela
procurou pela amiga, mas o banheiro estava completamente vazio.
Fernanda ainda gritava. Ao se aproximar do terceiro box, ela percebeu uma
enorme jiboia enrolada pronta para atacar.
Ela se acalmou um pouco, pois de certo modo descobriu o motivo
da gritaria, mas ao mesmo tempo estava assustada. Por mais que a cobra
não fosse peçonhenta, ela não arriscaria levar uma picada. Lentamente ela
caminhou até a saída. Dois professores estavam do lado de fora, prontos
para entrar no banheiro e apanhar a cobra.
Brian já estava dentro da enfermaria. A enfermeira estava
enfaixando sua mão. Simone entrou ainda um pouco abalada.
— O que foi? ― ele perguntou.
— Uma cobra. Ela era horrível! Mas como está sua mão?
— Acho que vai ficar legal, só não vou poder jogar futebol por um
tempo. Mas porque você saiu correndo para o banheiro?
— Não é nada. Eu só queria ver o que era.
— Depois não reclame quando eu te chamar de senhorita mistério.
— Bobinho, agora vamos, temos dois horários ainda.
— Bem, eu não sei se vou conseguir escrever, mas como eu tenho
você…
— Eu vou cobrar, viu? Eu estou sendo muito generosa com você.
— E como você quer o pagamento?
Brian ficou cara a cara com Simone. Ela olhou dentro dos olhos
azuis dele que refletiam um brilho sufocante. Seus lábios se juntaram. Pela
primeira vez Simone sentiu o que era um beijo de amor verdadeiro.
— Me perdoe. ― Brian se retirou da enfermaria. Simone o seguiu.
— Brian, espere. O que foi? Por que você ficou assim?
— Você ainda pergunta? Eu não sei o que está acontecendo comigo.
Poxa, você é a melhor amiga da Vick.
— Pare com isso, Brian. Nós já somos muito grandes para nos
preocupar com isso. A Vick não estava mais com você, e ela iria querer que
você encontrasse…
Brian a beijou novamente.
— Eu não sei o que estou sentindo. Minha cabeça está confusa. Eu
não sei se amo a Vick ou… acho que talvez eu goste de você, Simone.
— Brian, eu te amo muito. Eu estava com medo de admitir isso, mas
é a verdade.
— Eu não sei… olhe, eu tenho que ir.
Ele saiu e deixou Simone só. Seu coração estava apertado. Ela podia
entender a reação de Brian, mas era nítido que ele sentia algo por ela.
Simone respirou fundo, limpou as lágrimas com as costas da mão, e seguiu
para sala.
Ela olhou para a mesa ao lado da sua, e percebeu que Brian não
estava lá, muito menos sua mochila. O professor de filosofia entrou na sala
com seu jeito arrogante de ser. Sentou-se em sua mesa e começou a falar:
— Algum de vocês sabe me informar os dois principais filósofos da
antiguidade?
Ninguém falou nada. Simone nem prestou atenção no que ele disse.
Sua mente estava totalmente voltada para Brian e o que acabara de
acontecer. O professor repetiu a pergunta.
— Vocês não sabem nada mesmo! Incompetentes! Vocês vão todos
repetir o ano. Os principais filósofos foram: Platão e Aristóteles. Agora
como vocês não sabem quem são eles, eu quero dois trabalhos para amanhã
no primeiro horário. Cada trabalho deverá ter 28 folhas. Um trabalho para
cada filósofo. Boa sorte. Lembrando que quem não trouxer irá ganhar uma
boa lição.
Os alunos se revoltaram, mas o professor de filosofia era assim
mesmo. Falava o que queria, fazia tudo o que desse na telha, e nunca era
punido por isso. Alguns boatos na escola diziam que ele tinha um caso às
escondidas com o diretor. Nada confirmado, mas muitas pessoas juravam
ter visto os dois se beijarem durante uma festa.
O último horário passou tão rápido que Simone nem percebeu. Os
alunos da escola se misturavam no pátio. Ela procurou por Patrick na
multidão.
— Patrick, ei, me espere…
— Simone? Olá, como vai?
— Eu estou bem, mas eu tenho uma coisa para te falar.
— É sobre a Vick?
— É sobre ela sim. Patrick, o que você me diria se eu te dissesse que
ela está viva? ― ela olhou para o lado para ver se alguém prestava atenção
na conversa.
Alguns alunos passavam ao lado deles, mas não prestavam atenção.
— Eu perguntaria onde ela está e correria para lá agora para abraçá-
la.
Simone esperou que o pátio ficasse vazio e começou a falar
novamente.
— Bem, ela não está viva, quer dizer, não completamente.
— Como assim?
— Vamos até o banheiro, lá eu explico.
Eles chegaram à porta do banheiro. Simone chamou por Vick que
lentamente saiu de lá.
— Vick, é você? Vick eu sabia que você estava viva, eu sabia.
Ele correu para abraçá-la. Os dois se apertaram como se pegassem
em um bicho de pelúcia.
— Patrick, eu estava morrendo de saudades de você. Eu te amo
muito, meu irmão.
— Vick, o que aconteceu? Onde você esteve? Você… você está
gelada. O que aconteceu? ― ele repetiu.
— Patrick, é uma longa história, mas resumindo eu virei uma
vampira.
— O quê? Eles existem? Mas como? Eu não posso acreditar.
Patrick não estava acreditando em nada daquilo. Para ele tudo não
passava de um sonho. Vick continuou.
— Existem. Eu sei que parece loucura, mas infelizmente é a
verdade. Eu sou uma vampira. Por isso eu não voltei para casa. Esses 10
dias foram uma loucura atrás da outra.
— Vick… eu… eu não sei o que dizer.
— Só quero que jure para mim. Você nunca vai contar para ninguém
que eu estou viva e que eu virei uma vampira.
— É claro! Eu juro. Mas e a Sara? Ela tem que saber.
— Patrick, a Sara nunca poderá saber disso ― desta vez Simone
disse ― Ela odeia a Vick imagine só o que ela iria aprontar?
Patrick ainda estava boquiaberto. Não sabia distinguir o real do
imaginário. Vick não era mais a mesma. De repente ela se transformou.
Seus olhos ficaram vermelhos como sangue.
— Saiam já daqui. Tem alguém vindo para cá. Simone, me encontre
no galpão amanhã, Patrick eu amo você.
Ela desapareceu. Alguns segundos depois que Vick saiu, Brian
dobrou o corredor à direita e veio em direção às duas figuras paradas ali.
— Olá, pessoal. ― disse ele.
— Brian, onde você estava?
— Eu estava pensando um pouco. Eu estou de saída, vamos?
Os três se dirigiram para a saída.
†††††††††††††††††††
Eles deixaram Patrick em casa e continuaram em direção à casa de
Simone.
— Então, Brian, você ainda me odeia por gostar de você?
— Eu nunca disse que te odiava, eu só disse que estava confuso.
Eles ainda estavam na rua da casa de Vick. Simone morava perto da
pracinha e Brian na rua seguinte. A noite estava caindo lentamente. O céu
agora ganhara uma cor avermelhada. As folhas caíam das árvores a todo
instante.
— Eu sei que você quer falar alguma coisa, Simone, estou ouvindo.
— Bem, eu sempre gostei de você, desde quando nós tínhamos uns
sete anos de idade. Você entrou na minha vida de repente. Eu não sabia o
que estava sentindo. Mais tarde você começou a namorar minha melhor
amiga, então eu me senti na obrigação de te esquecer. Mas nós não
mandamos no coração.
— Eu sei, Simone. Eu também gosto muito de você. E eu pensei
muito nesse tempo em que sumi. Você é uma das melhores pessoas que eu
conheço. Eu não quero magoar você. Mas quero te pedir uma coisa.
— E o que é Brian?
— Há dez dias eu tentei reatar com a Vick, e ela disse algo que faz
todo sentido agora… ela disse que me amava, mas de uma forma diferente,
e ao beijar você… eu tive a certeza de que eu não amava mais a Vick…
Simone, estou disposto a tentar, mas vamos com calma. Eu gosto demais de
você, e não quero machucá-la.
Brian a agarrou e lhe deu um beijo. Um forte vento levantou as
folhas secas que caiam em volta dos dois. Eles seguiram para casa de
Simone. Brian a deixou na porta e foi para casa. Simone entrou em seu
quarto com um sorriso que ia de orelha a orelha. Sua mãe ainda não havia
chegado do trabalho.
— Meu Deus, foi muito bom. Eu tenho que contar para Vick.
Ela foi para o banheiro e tomou um banho demorado. Ela escutou a
porta principal se abrir.
— Simone, você está em casa minha filha? Eu já cheguei.
— Estou no banho, mamãe.
Depois de sair do banho ela se sentou à mesa com sua mãe, coisa
que não fazia há muito tempo.
A chegada da primavera anunciou o fim de setembro. Outubro
trouxe um clima ameno para Felens. Os assassinatos estavam sendo
investigados, e a polícia continuava em busca de Vick. Ela continuava no
galpão, ainda arquitetando seu plano de vingança. Não vira Thomas desde a
última vez em que ele esteve ali, mas ela sabia que ele estava por perto.
Vick sentiu o cheiro dele algumas vezes.
Simone e Patrick visitavam Vick constantemente. Vick mostrava a
eles as habilidades que descobria. Além da capacidade de se curar de
qualquer ferimento em um tempo curto, Vick conseguia convencer as
pessoas a fazerem o que ela quisesse.
— Como você descobriu isso? ― Simone perguntou.
— Um homem entrou aqui um dia desses, mesmo com fome eu
consegui me controlar. Bastou olhar fixamente para os olhos dele, e dizer
para ele ir embora, que ele deu meia volta e saiu.
— Isso é incrível! ― disse Patrick.
— É, mas eu não sei se vou conseguir me controlar sempre. Digo,
tomar sangue de pequenos animais não me sacia da mesma forma que…
— O sangue humano, né? Vick, por que você não tenta se alimentar
do meu sangue? Quem sabe você não aprende a se controlar? ― perguntou
Patrick.
— Você ficou maluco? Patrick, você tem noção do que você está me
perguntando?
— É óbvio que sei, Vick, não deve ser impossível, afinal, você está
aqui conosco, e nunca nos feriu.
— É diferente. Eu consigo sentir o cheiro de vocês, consigo ouvir o
sangue correr em suas veias, mas nada se compara ao ato. Quando eu me
alimentei daqueles homens, eu… eu saí de mim. A sensação foi tão boa.
Sabe quando você está com sede e toma um primeiro gole de água? Você
sente a água descer por sua garganta e agradece por aquilo. É a mesma
sensação, mas ao contrário da sede de água, a sede de sangue não cessa.
— Vick, eu confio em você… se você…
— Patrick, por favor ― Simone interrompeu. ― Eu acho que a Vick
tem razão. Você não viu a forma que ela ficou quando estava se
alimentando… eu tive muito medo, ela parecia um…
— Demônio ― Vick completou. ― E talvez seja isso que eu tenha
me tornado.
— Jamais repita isso, Vick. Você não é um demônio.
— Bem, já está ficando tarde, e é melhor vocês irem ― ela disse.
Eles se despediram com um abraço demorado. Vick ficou na porta
do galpão observando os dois desaparecerem no horizonte.
†††††††††††††††††††
Na praça da cidade, em frente à prefeitura, pessoas pareciam
hipnotizadas. Elas olhavam um furgão preto com o desenho de duas
caveiras nas laterais parado na rua. Uma mulher alta, cabelos loiros, olhos
castanhos, e um homem um pouco acima do peso, mas forte, cabelos negros
e lisos, olhos verdes, desceram do furgão e caminharam até o barzinho da
praça.
— Estou procurando por Thomas Alcantara, você o conhece?
O homem do bar limpava o balcão e apenas levantou os olhos para
ver de quem era a voz suave que ele ouvira.
— Desculpe, garota, eu não conheço.
— E Simone Souza? ― desta vez foi o rapaz que perguntou.
— Ela mora na segunda rua à direita.
— Obrigado senhor.
Eles voltaram para o furgão e foram para casa de Simone. Chegando
lá eles se deparam com Simone entrando em casa.
— Simone! ― a garota gritou.
— Oi? Eu te conheço?
— Ainda não. Eu estou aqui para saber onde está Victória Fonseca.
Os olhos de Simone se dilataram. Ela não sabia o que dizer.
— Como assim? Quem são vocês?
— Meu nome é Dandara e o dele é Derick. E aí, você sabe ou não
onde ela está?
— Claro que não! Ela está desaparecida há mais de um mês. Mas o
que vocês querem com ela?
— Ela tem informações importantes para nós.
— Desculpe, mas infelizmente não poderei ajudar. Agora, se me dão
licença.
Simone entrou rapidamente. Dandara e Derick retornaram ao furgão.
Eles seguiram para um enorme campo longe da cidade. E lá eles se
instalaram.
†††††††††††††††††††
Thomas estava em um bar numa cidade perto de Felens. O bar
estava abarrotado de jovens. Alguns deles cantavam em um karaokê
improvisado. Thomas conversava com uma jovem.
— Então, seu nome é Isabella? Eu me chamo Thomas Alcantara,
você não quer ir para um lugar mais calmo?
— Mas é claro! Vamos para o parque.
— Você é quem manda. Vamos lá.
Eles seguiram para o parque que estava escuro e vazio. A noite
chegara muito rápido. Thomas pulou o portão e quebrou a fechadura.
— Nossa, como você é forte!
— Você não viu nada.
Ela entrou e se sentou no banco. Thomas a acompanhou.
— De onde você é, Thomas?
— Eu sou da Europa, mas moro há tanto tempo no Brasil que já me
considero brasileiro.
— Eu vim de São Paulo, mas isso não é importante, não é mesmo?
O que você quer fazer?
— Bem, eu queria te mostrar quem eu sou de verdade.
Thomas se transformou. A menina começou a gritar. Ele se
aproximou dela para mordê-la, mas algo o interceptou.
Era uma voz. Uma voz que fez com que ele caísse no chão. Thomas
gritava de dor. A garota fugiu.
Thomas não estava suportando a dor. Sua cabeça parecia prestes a
explodir.
A voz repetia a todo o momento:
‘‘Volte para Felens’’
“Volte agora!’’
‘‘Eles já estão na cidade’’
‘‘Ela corre perigo’’
— Quem é você? Onde você está? Saia da minha mente…
A voz continuava. Repetia sempre a mesma coisa. A dor era tão
forte que Thomas ficou em posição fetal. Ele se levantou em um salto, ele
sabia que mesmo utilizando seu poder, ele demoraria a chegar em Felens.
Ao sair do parque, Thomas percebeu um homem que estava prestes a entrar
em seu carro. Ele aproximou-se do homem e o influenciou a entregá-lo as
chaves. O homem não hesitou.
Thomas dirigiu rapidamente. A voz desaparecera, mas ele ainda
sentia muita dor. Quando entrou em Felens, ele abandonou o carro e,
usando seu poder, chegou ao galpão em segundos.
— Sua maldita! Como você conseguiu esse poder?
— Thomas? Do que você está falando?
— Você não me respondeu! Como você consegue entrar na minha
mente? Vamos responda. O que você quer de mim?
— Eu não sei do que você está falando.
Thomas agarrou o pescoço de Vick, levantando-a na parede.
— Não minta para mim. Eu vou matar você.
— Ao contrário ― Vick pegou um pedaço de madeira que estava
em seu bolso e cravou no peito de Thomas que foi ao chão. ― É você quem
vai morrer.
CAPÍTULO 6
Thomas se contorcia no chão. Vick se aproximou do corpo no chão
com um sorriso no rosto.
— Então, onde está sua força agora? Eu senti seu cheiro há
quilômetros daqui. Eu sabia que era questão de tempo.
— Sua idiota! Você não acertou o coração. Eu só quero saber o
motivo pelo qual você entra na minha mente. O que você quer de mim?
— Eu já disse que não sei do que você está falando. Eu só quero te
matar.
Vick retirou a estaca e cravou-a novamente. Thomas soltou um grito
assustador. Desta vez mirou o coração. Ela percebeu Thomas tremer. Seu
olhar era de desespero.
— Por favor, não me mate. Eu tenho respostas para tudo, eu juro!
— Cale a boca! Eu já disse que eu vou te matar.
— Você corre perigo, a voz… ela me disse que você corre perigo.
Vick o encarou. Ela não sabia o motivo, mas alguma coisa dizia que
ele falava a verdade, então soltou a estaca.
— Quantas vezes eu vou ter que dizer que sou mais forte do que
você?
— Você destruiu minha vida.
Thomas se levantou em um salto e agarrou Vick.
— Você é nova, eu já estou neste mundo há muito tempo. Se for
matar alguém, não brinque. Mate! Eu não sei que voz era aquela, mas ela
disse que você corria perigo. E estou disposto a te ajudar.
— Eu não preciso da sua ajuda. Eu odeio você!
— Eu não acredito em você ― ele aproximou-se de Vick. Ela deu
um passo para trás.
— Não se aproxime ― ela disse.
Por mais que ela o odiasse, Vick ficou impressionada com a beleza
de Thomas. Seus olhos eram negros como a noite, e sua boca, Vick não
conseguia parar de olhar para ela.
— Você pode até não ser a dona da voz que falou na minha cabeça,
mas de alguma forma, eu não consigo tirar você dos meus pensamentos.
— O quê? ― Vick tremeu.
— Eu estou apaixonado por você, Victória ― disse Thomas
chegando cada vez mais próximo.
Ele agarrou os braços de Vick e moveu a cabeça lentamente fazendo
com que seus lábios encontrassem os de Vick. Ela se assustou, mas não
soube responder por que não o afastou na hora. Era como se estivesse fora
de seu corpo, como se enxergasse tudo de cima. Uma lágrima escorreu de
seu olho esquerdo, e recobrando a consciência, ela o empurrou.
— Eu falei pra você ficar longe de mim.
Thomas desapareceu. Vick desabou em emoções. Seu coração
estava uma bagunça. Ela não sabia o que estava sentindo. No dia seguinte,
Simone chegou ao galpão bem cedo. Ela estava eufórica.
— Vick, você corre perigo!
— O que foi, Simone? O que aconteceu?
— Ontem, uma garota veio me perguntar sobre você.
— É alguém que você conhece?
— Nunca a vi. Ela disse que você tinha informações de que ela
precisava. Ah! Tinha um homem com ela. O nome dela é Dandara e do
homem, Derick.
— Simone, mas quem são esses dois?
Um vulto passou por elas. Simone sentiu apenas um vento atrás
dela.
— Você! ― disse Vick.
— Eu tenho todas as respostas para suas perguntas.
— Quem é você? ― perguntou Simone. ― Espera aí, eu conheço
você. Você é o segurança do banco de sangue!
— Sim, mas não sou segurança, eu só quis ajudar.
— O quê? Como assim? ― Vick estava confusa.
— Naquele dia, quando você se transformou e me pediu para
conseguir sangue, eu fui até o banco, mas o segurança não autorizou a
minha entrada, mas daí, esse homem apareceu e… foi você quem
transformou a Vick. Você é o Thomas.
— Sim, sou ― ele respondeu.
— Por que você ajudaria a Simone? Quer dizer, como você sabia
que eu havia pedido sangue a ela?
— Eu segui você depois que saiu do parque. Novatos tendem a fazer
uma bagunça por onde passam. E eu não quero nos expor. Vi você chegar
até a casa dela, segui você até aqui, no galpão, e ouvi toda sua conversa.
Não foi difícil localizar o banco de sangue.
— Eu não posso acreditar! ― Vick disse. ― Você disse ter
informações sobre quem são aqueles dois.
Ele se aproximou com certa cautela de Vick. Estava com um sorriso
no rosto que provocava ódio e ao mesmo tempo algo que Vick não
conseguia explicar.
— Então, eu descobri quem eles são, e acho que tenho uma ideia de
que informações são essas.
— Então fale, maldito.
— Calma, antes eu tenho um acordo a fazer com você.
— Como assim? Você é louco?
— É isso aí, um acordo. Eles são caçadores.
— Então porque eles estão atrás da Vick?
— Essa tal informação que eles falaram pode ser uma armadilha.
Eles são caçadores de vampiros!
— Vick, eu sabia, você corre perigo!
— Calma, Simone, eu quero saber mais. Como eles souberam sobre
mim?
— Bem, isso eu não sei dizer. Mas eu quero ajudar. O acordo é o
seguinte, você desiste desta idiotice de tentar me matar e eu te ajudo.
— Eu não quero sua ajuda, e eu nunca vou desistir de tentar matar
você.
— Vick, você está em desvantagem. Não é hora para orgulho besta.
― disse Simone.
— Simone, ele me transformou, você se esqueceu?
— Eu sei Vick, mas você fez o mesmo com aqueles dois homens.
Desculpe amiga, mas se tem alguma pessoa aqui que é diferente, este
alguém não é você.
As palavras de Simone foram com um soco no estômago de Vick.
Durante todo esse tempo, Vick ficou cega com o desejo de vingança que
nem se deu conta do que fizera. Ela não deu chances para aqueles homens.
— Você tem razão, Simone. Querendo ou não, eu sou como ele…
tudo bem, Thomas, eu darei uma trégua, por enquanto, mas depois que
descobrirmos o que esses caçadores querem comigo, eu não quero vê-lo
nunca mais.
Thomas não respondeu. Ele simplesmente olhou para Vick, e depois
para Simone.
— Bem ― disse ele após alguns minutos de silêncio ―, ao que tudo
indica, eles têm algum informante. Essa é a única explicação para saberem
sobre a Vick. Simone, como eles procuraram por você, talvez eles voltarão
a fazer contato. Caso isso aconteça, tente descobrir mais informações sobre
eles. Eu ficarei de olho. Até breve!
Thomas desapareceu em fração de segundos. Simone estava sem
graça. Ela caminhou até Vick e a abraçou.
— Amiga, desculpe! Eu não devia ter falado com você daquele
jeito.
— Fique tranquila, você disse a mais pura verdade. Eu estava cega
de ódio, mas o Thomas me transformou porque estava com fome. E eu fiz o
mesmo com aqueles bêbados.
— A ajuda dele será muito útil, ele já está acostumado com estas
coisas. E é a sua chance de aprender com ele. Talvez você até consiga voltar
para casa.
— Não sei, amiga. Eu não quero tanta proximidade com ele. Mas
confesso que o que eu mais queria era voltar para casa.
— Vamos dar tempo ao tempo, amiga. As coisas vão se resolver.
— Falando em resolver… e o Brian?
Simone ficou sem graça. Por mais que ela soubesse que ela tinha o
apoio de Vick, falar sobre isso a fazia corar.
— Nós estamos ficando. Ainda sem saber o que vai acontecer…
— Fico feliz por vocês, amiga.
— Muito obrigada, Vick. Amiga, eu vou nessa. Amanhã minha mãe
vai para um evento em São Paulo, ela vai ficar lá por algumas semanas.
— Tudo bem, amiga. Obrigada por tudo.
Simone saiu. Vick não parava de pensar em Thomas. Seu coração
estava pulsando rápido. Seu corpo estava quente, coisa que era difícil
acontecer com um vampiro.
Simone caminhou até sua casa. Cruzou as ruas de Felens
rapidamente. Ela estava atenta, Thomas dissera que os caçadores voltariam
a fazer contato. Tinha que estar preparada. Ao chegar em casa, ela subiu
para o quarto de sua mãe. Ela terminava de fazer a mala.
— E aí, mãe, animada? ― ela perguntou.
— Um pouco nervosa, mas animada. Essa é a chance para melhorar
meu currículo.
— Vai dar tudo certo. Eu só vou ficar com saudades.
— Não se preocupe, minha filha, é só por algumas semanas.
Simone deu um forte abraço em sua mãe.
— Mas me conta, como estão as coisas? Estou sentindo você um
pouco distante… ― a mãe de Simone ainda a abraçava.
— Ah, tem acontecido tanta coisa. Eu tô tentando processar tudo,
tomar as decisões certas, sabe?
— Eu entendo, filha. Você vai passar por muita coisa ainda. A vida
nem sempre será fácil, mas se você estiver cercada de pessoas que
realmente se importam com você, que querem o seu bem, fica bem mais
fácil resolver seus problemas.
— Você é incrível, mamãe.
— Vamos descer, eu preparei aquele empadão de frango que você
tanto gosta.
Elas se sentaram à mesa e devoraram a torta. Mais à noite, Simone
se deitou na cama de sua mãe, junto a ela.
No dia seguinte, quando acordou, sua mãe já não estava mais ali.
Era a primeira vez que Simone ficaria tanto tempo sozinha. Depois de se
arrumar, ela desceu para a cozinha, preparou seu café e seguiu para escola.
Chegando lá, percebeu que o lugar estava vazio. Entrando pela porta
principal, Simone avistou Pedro, o zelador, limpando o chão.
— Bom dia, Pedro. Onde estão todos?
— Você não tá sabendo? A professora de artes foi assassinada
ontem. A escola decretou um dia de luto.
— Nossa, eu não fiquei sabendo. Eu só vou pegar alguns livros e
vou embora.
— Tudo bem, não demore. Estou doido para ir para casa.
Ela dobrou a direita e encontrou os armários. Enquanto pegava seus
livros ela escutou a porta principal se abrir e fechar rapidamente. ‘‘Deve ser
o Pedro’’, pensou ela.
Simone não conseguiu entender os trinta segundos seguintes. Ela
escutou um grito vindo do corredor principal. Chegando lá ela viu um corpo
estirado no chão.
— Meu Deus! Pedro, o que aconteceu? ― ela disse se ajoelhando ao
lado do corpo. Simone estava de costas para a porta principal.
— Atrás de você! ― o zelador disse suas últimas palavras.
Simone se virou o mais rápido que conseguiu e não encontrou nada.
Ela voltou o olhar para o corpo de Pedro e escutou a porta atrás dela se abrir
e fechar com muita força.
Ela correu em direção à porta, mas ela estava trancada.
— Meu Deus!
Ela subiu as escadas tentando encontrar alguma ajuda. Pela janela
ela viu Jéssica correndo do lado de fora. Ela gritou por ela. Jéssica olhou
para janela, mas a ignorou. Ela desceu novamente e sentiu falta de algo, o
corpo do zelador havia desaparecido.
— Simone, o que você faz aqui?
A voz era de Sid, um colega de classe, que saía do banheiro.
— Sid? Você estava aqui?
— Eu estava na biblioteca. Por que você está com essa cara?
— O zelador… ele… ele morreu!
— Você ficou maluca? O zelador já deve ter ido embora. Até mais
Simone.
A porta, que para Simone estava trancada, para Sid se abriu com
facilidade. Simone saiu correndo da escola e voltou para sua casa. Ela
deitou na cama e disparou a chorar. Ela não entendia o que estava
acontecendo. Mas de uma coisa ela tinha certeza: Jéssica e Sid agiram de
maneira muito estranha. Seriam eles suspeitos? Mas como Dandara teria
chegado até os dois?
†††††††††††††
Thomas estava escondido atrás de uma árvore observando duas
pessoas conversando. Eles estavam sentados em frente a um furgão.
— Derick, alguma pista da Vick?
— Não, só o que todos sabem. Ela desapareceu há um mês e até
hoje ninguém teve notícias.
— Amanhã eu começo a estudar na escola Eroma. Vou ficar de olho
na Simone. Tenho certeza que ela sabe de algo.
— Então está combinado! Amanhã você se tornará os olhos e os
ouvidos da Simone. Eu vou comer algo. Você quer?
— Não, obrigada. Daqui a pouco eu entro.
Derick entrou no furgão. Thomas pisou em um galho que se
quebrou, produzindo um som muito alto.
Dandara caminhou até o local de onde vinha o som, mas o
encontrou vazio.
†††††††††††††
A campainha da casa de Simone tocou. Ela ainda com os olhos
cheios de lágrimas, atendeu a porta.
— Brian? O que faz aqui?
— Vamos dar um passeio? Está tudo bem?
— Sim, tudo ― disse ela limpando o rosto. ― Aonde vamos?
— Pensei em irmos ao parque, o que acha?
— Ótimo. Eu vou tomar um banho e já desço.
— Tudo bem. Vou esperar aqui.
— Pode me esperar na sala. Entre.
Brian entrou e se sentou no sofá da sala. Simone mudou sua
expressão. Agora não conseguia conter o sorriso.
Ela subiu as escadas, entrou no banheiro e ligou o chuveiro. A água
parecia varrer todos os problemas. Depois de alguns minutos no banho, ela
saiu e pegou uma calça jeans azul escura, uma blusa de manga curta
vermelha e se vestiu.
Quando desceu, Brian não tirava os olhos dela, que estava
maravilhosamente linda. Ele parou no pé da escada, estendendo a mão
direita para ela.
— Me concede a honra?
— Claro! Vamos?
— Vamos.
Eles seguiram para o parque da cidade. Eles caminharam por um
tempo e, depois de darem uma volta inteira na orla da lagoa, se sentaram na
grama. O parque estava lotado. Aquela tarde estava mais quente do que o
normal. As pessoas aproveitavam a sombra proporcionada pelas grandes
árvores. Os jardins estavam repletos de flores desabrochando. Era o
espetáculo da primavera. As flores dos ipês formavam um tapete onde
caíam. Eles ficaram no parque até o início da noite. No caminho de volta
para casa, Brian juntou sua mão à mão de Simone.
— Eu te prometo que vou fazê-la a garota mais feliz que esta cidade
já viu.
— Brian, eu amo você!
Lentamente, Brian colocou sua mão direita nos cabelos de Simone.
Sua mão esquerda segurava a cintura dela.
A mão direita acariciou o rosto de Simone, que se arrepiou. Os
lábios de Brian tocaram os de Simone, que sentiu uma sensação que nunca
havia sentido antes. Seu coração batia intensamente e suas mãos, apoiadas
no pescoço de Brian, estavam completamente frias.
— Eu também amo muito você. ― Brian disse.
Simone ficou paralisada. Foi a primeira vez que ela ouviu aquelas
palavras saindo da boca de Brian. Eles se beijaram mais uma vez, mas com
mais intensidade.
Brian se afastou, pois começou a perder o controle.
— Vamos com calma, né? ― ele disse ofegante. ― E aí, você ficou
sabendo da professora de artes?
— Fiquei sabendo sim, eu fui até a escola hoje.
— Você não recebeu a mensagem de texto? Ou o e-mail?
— Eu quase não uso meu celular. E há dias não checo meus e-mails.
— Eu fiquei sabendo ontem à noite. Se eu soubesse eu teria te
avisado.
— Brian, eu tenho que te contar uma coisa que aconteceu na escola
hoje, mas tenho que ter certeza de que você não vai contar para ninguém.
— Você sabe que pode confiar em mim.
— Bem, eu encontrei com o zelador. Ele estava limpando o corredor
próximo aos armários. Eu escutei um barulho vindo da entrada principal,
era um grito, e quando eu cheguei lá… eu… eu vi o zelador estirado no
chão. Tinha sangue, e ele parecia se contorcer de dor. Brian, ele morreu ali,
diante dos meus olhos. Eu não sabia o que fazer. Tentei sair pela porta, mas
ela estava trancada, eu juro que estava, mas daí o Sid apareceu e…
— Olá, Simone, Brian, que bom encontrar vocês aqui!
— Olá Sid ― disse Brian apertando a mão dele.
As pupilas de Simone ficaram completamente dilatadas.
CAPÍTULO 7
Simone se recusava a acreditar. Sid os acompanhou até a praça da
cidade, onde desapareceu entre as outras pessoas. Brian se voltou para ela
dizendo:
— O que você estava falando mesmo?
— Brian, só me leva pra casa, por favor. ― Simone tremia.
Brian a levou até a porta de sua casa e foi embora. Simone estava
doida para contar para Vick o que aconteceu nos últimos dias. Mas já era
tarde, ela não podia ir até o galpão, seria perigoso. Ela tentou ligar para o
celular da amiga, mas só caía na caixa postal.
Simone seguiu para seu quarto e se deitou. Ela não demorou muito
para dormir. Ela estava em um campo todo florido. O perfume das flores
cobria todo o lugar. Mas Simone não estava só. Ela estava com Brian.
— Eu não confio mais em você, Simone. Acho melhor terminarmos
por aqui. Quando você pretendia contar sobre a Vick?
— Brian, por favor, me entenda.
— Você não confia em mim, é isso?
— É claro que confio. Mas eu não podia, eu prometi isso a ela.
— Adeus, Simone…
Brian saiu lentamente. Simone começou a chorar. Thomas chegou
logo em seguida.
— Olá, Simone, chegou sua hora.
Thomas cravou seus dentes no pescoço de Simone que gritou de dor.
Ela despertou.
Ainda assustada, ela tocou seu pescoço, verificando-o. Quando
olhou para o relógio, percebeu que estava atrasada para escola.
Ela tomou banho, tomou café, pegou suas coisas e foi para escola.
Chegando lá, Brian a aguardava no portão.
— Oi ― disse ele dando um beijo nela ― O que foi? Você está
tensa.
— Não é nada. Só cansaço. Vamos para aula?
— Vamos.
A aula de matemática demorou a passar. Os olhos de Simone
demonstravam desespero. Brian percebera a expressão de Simone, mas não
falou nada. No intervalo, ela estava sentada em cima da mesa do pátio,
junto a Brian. Patrick parou de frente para os dois.
— Olá, pessoas.
— Patrick, como vai?
— Vou bem Simone, e você? Brian?
— Nós estamos ótimos. Brian, eu poderia conversar com o Patrick
só um minutinho?
— Claro, eu vou na quadra ver como anda o treino para o
campeonato. Vejo você na sala. Até mais parceiro. ― ele disse tocando a
mão de Patrick.
— Patrick, você não vai acreditar. Bem, uma garota apareceu para
mim perguntando sobre a Vick. Aí o Thomas foi até o galpão e disse que a
garota que está atrás da Vick é uma caçadora de vampiros e…
— Espera aí, o Thomas, o vampiro que transformou minha irmã foi
até o galpão? Para quê? Que garota é essa?
— É uma longa história, mas resumindo, a Vick corre perigo e o
Thomas veio nos ajudar. E nós achamos que eles têm algum informante.
— E você já tem algum suspeito?
— Não, mas ficarei de olho no Sid e na Jéssica.
— O Sid? Ele é um otário! Tem medo da própria sombra. Mas como
vocês chegaram aos suspeitos?
Simone contou toda a história para Patrick. Ele ficou abismado.
— Nós temos que contar para a Vick.
†††††††††††††††
Na quadra, Brian estava de olho no jogo. O time da casa tinha
Márcio, Carlos, Renato, Shannon e outros alunos. Eles ganhavam de 3 a 0
do time da escola Rosária Martins. Um garoto do outro time esbarrou em
Shannon, que foi ao chão. Ele se levantou com os olhos demonstrando ódio.
— Você é maluco? Não me viu aqui, seu veado?
— Foi mal, cara.
— Foi mal, porra nenhuma!
Shannon começou a socar a cara do garoto. Eles rolaram no chão.
Shannon, com uma força extraordinária, ficou por cima do garoto e socou
seu rosto, que agora estava toda ensanguentado. Foram necessários três
homens para tirar Shannon de cima do garoto. O jogo parou. Os médicos da
escola chegaram rapidamente para socorrer o menino que agora se
contorcia no chão. Os olhos de Shannon estavam como os de um lobo. Seus
dentes caninos estavam pontiagudos.
— Cara, você está bem? ― perguntou Márcio.
— Estou, me deixa em paz.
Shannon foi para o vestiário. Abriu a torneira e jogou um pouco de
água no rosto.
— Shannon, você tem que se controlar! ― ele disse para si mesmo
― Se eles descobrirem o que você é de verdade… controle-se. Meu Deus!
Me ajude. Eu não sei o que fazer.
Uma garota com cabelos cor de fogo, olhos claros entrou no
vestiário. Ela era tão pálida que Shannon pensou estar vendo um cadáver.
— Banheiro errado, gata. Você não pode entrar aqui ― disse
Shannon. ― O que quer?
— Você é bem forte! O que acha de trabalhar para mim? ― ela
perguntou.
— Como assim?
— Shannon, você não é o único que tem segredos.
— Não sei do que você está falando.
— Então você vai negar que é um lobisomem?
— Você ficou maluca? Estas coisas não existem. Agora, saia da
minha frente.
Shannon tentou sair, mas a porta do vestiário se fechou como
mágica. Shannon ficou espantado.
— Pense melhor. Eu posso te ajudar.
— Gata, eu já disse. Não sei do que você está falando. Agora me
deixe em paz.
— Caso mude de ideia, me encontre na mansão abandonada na
saída da cidade. É um casarão antigo, não vai ser difícil encontrar.
Ela desapareceu em um piscar de olhos. Shannon saiu do vestiário
confuso.
— Como ela sabe sobre mim? ― ele se perguntava.
†††††††††††††††
— E aí, Simone, conversou com o Patrick?
— Conversei sim. Eu tinha que saber como ele está se sentindo, a
Sara não dá sossego para ele.
— Coitado! Ele deve estar se sentindo péssimo. Ele adorava a Vick.
— É, realmente ele está muito triste. Brian, o que aconteceu na
quadra? Eles estão falando de uma briga.
— O Shannon surtou. Um garoto do outro time esbarrou nele, e ele
começou a socar a cara do menino.
— Ele é louco?
— Se ele é louco, eu não sei, mas ele estava fora de si, quase matou
o outro cara. Vamos para sala.
Eles seguiram para sala. O professor de filosofia chegou meio
assustado.
— Pessoal, ontem, o zelador foi encontrado morto dentro do
banheiro masculino. Não sabemos quem o matou, mas com certeza o serial
killer que está rondando a cidade chegou à escola. Tomem cuidado…
Simone percebeu que Sid não parava de olhar para ela. Jéssica
estava perplexa. Todos se assustaram com a notícia.
— Brian, eu estou com medo!
— Fique calma, Simone. Eu não deixarei que nada de ruim aconteça
com você. Simone, você disse algo sobre isso ontem… disse que o Sid…
— Brian, eu preciso que você confie em mim, mas ainda não posso
te contar tudo. Só fique longe do Sid, por favor.
O horário passou tão rápido que eles nem perceberam. A próxima
aula era na quadra. A professora de educação física estava deitada na
arquibancada olhando para cima. Seus olhos estavam em um branco
completo. Brian se aproximou dela chamando-a, mas ela nada respondia.
Ao encostar-se nela, ele sentiu o corpo gelado. Em seu pescoço havia duas
marcas profundas e arroxeadas. Ela estava morta.
— Pessoal, ela está morta! Chamem o diretor.
Alguns alunos estavam em choque. Simone correu para a diretoria.
Os corredores da escola já estavam abarrotados de gente. Ela dobrou a
esquerda no corredor dos armários, subindo as escadas até o segundo andar.
Ao chegar à diretoria, ela percebeu uma voz familiar.
— Então, amanhã eu já posso começar a estudar aqui?
— Claro, minha filha. Se nós não estivéssemos no último horário,
você começaria hoje mesmo. Gostei muito de você.
— Então, até amanhã.
A porta se abriu e Simone observou uma linda garota loira sair por
ela.
— Olá, Simone!
— Dandara? O que faz aqui?
— Eu serei a nova aluna da escola Eroma. Não é um máximo?
Simone não respondeu. Ela olhou para o diretor que parecia
hipnotizado por Dandara.
— Diretor, o senhor tem que correr para a quadra. Aconteceu algo
terrível.
— O que houve? ― ele perguntou.
— É melhor o senhor ver com seus próprios olhos.
Dandara fitou os olhos de Simone, e com um sorriso no rosto disse:
— Até amanhã, Simone.
— Fique longe de mim ― Simone disse.
O diretor chegou na quadra e se deparou com o corpo. Alguns
alunos estavam chorando. Outros corriam dali.
— Por favor, saiam todos. A polícia já foi acionada. Saiam, saiam.
Brian e Simone. Vocês ficam.
— Sim, senhor.
O diretor estava com uma expressão terrível. Parecia desesperado,
como se estivesse sem chão.
— Quem foi o primeiro a chegar aqui na quadra?
— Eu e os jogadores, senhor ― respondeu Brian.
— Muito bem. Podem ir. Vamos chamar a polícia.
Eles saíram. Simone estava chorando.
— Brian, eu não aguento mais.
— Simone, tenha calma. Eles vão prender esse assassino.
— Não é isso! É só…
Simone desmaiou. Brian a carregou no colo e a levou para a
enfermaria.
Ele a deitou na maca e tentou reanimá-la. Não estava adiantando.
— Simone, por favor, acorde. Simone…
Ela estava novamente no campo. Vick estava com ela desta vez.
— Vick, onde estamos?
— Nós estamos juntas para sempre. O Thomas te transformou.
— Eu não posso! O Brian… Vick não.
Simone não estava acreditando. Como aquilo era possível? Como
ela se transformou? Onde Brian estava?
— Vick, eu não quero me alimentar. Eu não posso machucar
ninguém.
— Você precisa, não tem outro jeito… Simone, Simone acorde.
Simone!
Ela acordou. Simone estava em um hospital. Brian estava ao seu
lado.
— Meu amor, o que aconteceu? ― perguntou ela.
— Foi só uma queda de pressão.
— Por quanto tempo eu dormi?
— Por duas horas. Olha, você vai ficar bem.
— Brian, e a professora? O que eles fizeram com ela?
— Eles a levaram para o IML. O resultado da autópsia sai em três
semanas.
— Coitada, ela era até legal.
— É, mas o que eu achei estranho foi como o assassino a deixou.
Dois furos no pescoço, isso não é meio satânico?
— Ou coisa de vampiros…
— Simone, você sabe que vampiros não existem! Mas, agora que
você falou, todas as outras pessoas estavam com os mesmos dois furos no
pescoço. Esse assassino é um louco.
— Brian, eu quero ir embora.
— A gente já vai. Só vou esperar o médico voltar.
— Eu amo você. Obrigada por ficar do meu lado.
— Eu também amo você.
†††††††††††††††
— Então, Jéssica, alguma novidade?
— Não, Dara. Eu não descobri nada ainda.
— Meu tempo está acabando e minha paciência também. Mas
amanhã eu vou ser sua nova amiguinha na escola.
— Você vai estudar na escola Eroma?
— Vou sim. Agora eu ficarei mais perto da Simone e dos outros
amigos de Victória Fonseca.
— Então você não vai mais precisar dos meus trabalhos?
— É claro que vou! Você pensa que eu vou conseguir vigiar todos
de uma vez só?
— Você tem certeza que a Vick está viva?
— Absoluta! E esses assassinatos estão relacionados a ela.
— Você acha que ela está matando essas pessoas?
— Não seja burra, Jéssica. E isso é um assunto que você não precisa
saber.
— Tudo bem, desculpa. Bem, é melhor eu ir. Nos vemos amanhã.
Até mais, Dandara.
— Até, Jéssica.
Dandara passou na biblioteca da cidade, que ficava perto da
prefeitura. Na estava um enorme letreiro escrito: Biblioteca de Felens. Ela
entrou pela porta principal e encontrou um lugar com milhares de livros. A
bibliotecária, uma senhora bem idosa de óculos enormes, a recebeu com um
sorriso simpático no rosto.
— Posso ajudá-la, minha filha?
— Claro! Onde eu encontro exemplares sobre vampiros?
— Quarta estante à sua direita, prateleira 14.
— Obrigada.
Dandara seguiu para o local. Chegando lá, ela encontrou centenas de
livros sobre vampiros. Ela pegou um livro grande, de capa preta e o abriu.
As páginas do livro já estavam amareladas, mostrando que era
antigo. Em algumas páginas desenhos assustadores de vampiros
despertavam a curiosidade de Dandara. Ela parou o dedo sobre uma linha
em que estava escrito: 1453. Ela começou a ler.
“França, 1453.
Eu acordei bem cedo hoje. Meus olhos ainda não se acostumaram
com a luz forte do sol. Não sei o motivo, mas os vampiros não são mais
escravos do sol como antes. Hoje, podemos andar tranquilamente sem nos
preocupar.
Ontem meu dia foi muito complicado. Quando estava próximo a
Paris, pensei ter visto uma pessoa que há muito tempo não via. Seus olhos
azuis ainda me hipnotizavam, seus longos cabelos loiros brilhavam tão
intensamente quanto o sol. Mas eu sabia que algo estava errado.
Lembro-me bem da última vez em que a vi. Era setembro de 1312. O
dia estava chuvoso e o sol não aparecera. Nos encontrávamos às
escondidas, pois seu pai, um barão muito perigoso, a proibia de ver
homens.
Ela chegou a mim com os olhos cheios de lágrimas e me abraçou.
— Ah! João, nós não poderemos mais nos encontrar. Meu pai
descobriu tudo e jurou matá-lo em praça pública.
— Luiza! Como ele descobriu? Nós fomos tão cautelosos.
— Ele, de certo, escutou minha conversa com a governanta. Eu
sinto muito.
— Eu não sei o que será da minha vida sem você. Vamos fugir.
— Eu não posso! Ele nos encontrará e nos matará
— Luiza, eu te amo muito. Eu não posso acreditar que estamos
terminando tudo.
— Desculpe, eu tenho que ir.
Ela saiu sem me dar o último beijo. Meus olhos se encheram de
tristeza. Saí dali com um ódio terrível dentro do peito. Eu disse que foi
estranho eu tê-la visto por um único motivo: ela estava morta. Eu a matei.
Naquela noite depois das onze, eu fui até o castelo onde ela morava e matei
os guardas. Quando cheguei aos aposentos de seus pais, eles se assustaram
com o que viram.
— O que é você? Você é um demônio?
— Você! Você é o culpado de tudo isto.
Pulei no pescoço do barão com tanta força que o quebrei. Sua
mulher só gritava. Luiza chegou quando eu sugava o sangue de seu pai.
— João, não.
Meus olhos estavam vermelhos de ódio e minha boca jorrava
sangue.
— O que você fez? O que é você?
— Eu sou um monstro. Eu sou um assassino! Eu sou um vampiro.
— Saia daqui seu monstro. Eu te odeio.
Eu não aguentei ouvir aquilo. No fundo, eu sabia que era verdade.
O ódio que eu estava sentido naquele momento era tão forte que eu, sem
pensar duas vezes, pulei no pescoço dela e suguei seu sangue até a última
gota.
Voltei para casa atordoado. Eu estava arrependido. Como pude ter
feito aquilo? Como eu tive coragem de matar a garota que eu amava?
Deitei-me em meus aposentos com uma dor terrível em meu peito.
Não tinha mais razão para viver. Não tinha um motivo para
continuar vivo. Eu era um monstro e o que me deixava vivo era o amor que
eu sentia por Luiza. Mas agora ela estava morta. Eu a matei. Mas eu não
tinha coragem de me matar.
Ontem quando tentei me aproximar, ela desapareceu. O que foi real
e o que foi imaginação? Eu não sabia a resposta.”
Dandara fechou o livro. Já estava escuro quando ela saiu da
biblioteca.
Quando chegou ao furgão, Derick estava dormindo. Ela, sem fazer
barulho, deitou e dormiu.
No dia seguinte ela levantou bem cedo, tomou banho e foi para
escola. Andou pelas ruas de Felens, confiante. Passou pela praça da cidade,
despertando a curiosidade dos homens. Seu jeito sensual de andar atraia
todos os olhares para ela.
Chegou à escola com um sorriso sarcástico no rosto. Os alunos
paravam para ver a nova aluna.
— Escola Eroma, seu pesadelo acaba de chegar.
CAPÍTULO 8
Inglaterra, 1451
Thomas e Lucas observavam algo. Já era noite, estava frio. A
Inglaterra não era um lugar bom para um vampiro. Ali viviam muitos
caçadores, e Thomas se lembrava muito bem do que aconteceu na última
vez que esteve naquelas terras.
— Thomas, parece que eles estão aqui.
— É Lucas, só podem ser eles. Que outro ser deixa seu alimento
vivo?
Eles olhavam três pessoas rastejando, pedindo ajuda.
— Os Ripilus são seres cruéis, não sabemos se eles vão nos ajudar.
— A Samara tem razão em uma coisa, eles fazem de tudo por poder.
Então vamos lá. Não podemos perder tempo.
Os dois saíram de onde estavam e seguiram até a porta da casa. Um
homem alto, cabelos negros como a noite e olhos verdes, os recebe.
— Alcantara? O que faz aqui?
— Você está disposto a ganhar muito poder?
— Depende. De quanto poder você fala?
— Muito mais do que você imagina, meu caro. As bruxas estão com
um ódio mortal dos vampiros e não vão desistir de matar todos os que são
descendentes de vampiros também.
— Então, eu não preciso me preocupar. Meu bando está seguro.
Afinal, nós somos vampiros, lobisomens e bruxos ao mesmo tempo. Veja
que maravilha!
— Eu falo sério. Todos nós corremos grande perigo.
— Thomas, eu não sei o que faço para você sair do meu pé. Eu
posso até ajudar você, mas com uma condição.
— E qual condição é essa?
— Eu quero que você liberte os lobisomens.
— O quê? Você ficou maluco? Os lobisomens estão presos naquela
jaula há mais de dois séculos. O que você quer com eles?
— Isso é problema meu. Agora a escolha é sua. Ou você liberta os
lobisomens para mim, ou eu deixarei você morrer. E aí?
††††††††††††††††††
— Chegamos, Malvina. A Samara falou que eles estariam aqui.
— Trixi, você confia naquela vampira?
— Ela é diferente, e não seria doida de tentar me passar a perna.
Elas caminharam pela montanha até chegarem a um pequeno
povoado. As casas de pedra eram cobertas por enormes telhados de palha.
— Então Trixi, onde eles estão? ― perguntou Malvina.
— Espere, vou canalizar a energia deles ― alguns minutos depois
ela continuou. ― Estão na casa ao lado do salão.
— O que você está esperando? ― Trixi gritou para Malvina. ― Vai
lá e os distraia. Eu e a Lorai vamos entrar depois.
Malvina desapareceu em um piscar de olhos. Trixi e Lorai seguiram
lentamente para o povoado.
— Olá, Thomas! Como vai?
— Malvina? Como você nos encontrou?
— Sua irmã não é tão falsa como eu pensava. Ela nos ajudou
bastante.
— A Samara? ― perguntou Lucas.
— É sim, meu caro. Minhas irmãs já estão chegando. Até lá,
ninguém sai daqui. ― Os Ripilus se olharam com indiferença. Thomas
estava assustado. Trixi e Lorai entraram em seguida. Trixi estava com ódio
em seus olhos.
— Trixi, nós podemos resolver isso de uma forma mais justa.
— Thomas, meu querido, você já teve sua chance de ser nosso
aliado, mas agora… ― duas figuras apareceram na porta. O líder dos
Ripilus gritou.
— Thomas, eu tive uma ideia. ― Em segundos eles já não estavam
mais na Europa. Eles estavam em uma densa mata. Thomas não reconheceu
aquele lugar.
— Onde estamos? ― perguntou Trixi.
— Aqui, minha querida bruxa, é o lugar com maior concentração de
magia em todo o mundo. E vocês não serão capazes de usar seus poderes.
Estamos em um outro continente, em solo sagrado. ― o líder dos Ripilus
falou. ― Nós estamos em sua nova casa.
— Como assim? Do que você está falando, Ripilu maldito? Onde
estamos? ― Trixi gritou.
— Estamos em Felens!
— Felens? ― dessa vez foi Thomas quem perguntou.
— Sim, Thomas. Daqui a alguns anos, sua irmã, Samara Alcantara,
erguerá aqui a cidade de Felens. Em homenagem à sua querida amiga Trixi.
Mas não foi por isso que eu os trouxe aqui. Chegou a hora de vocês
conhecerem o verdadeiro poder dos Ripilus. Nós, que fomos usados por
vocês durante anos, que sempre fomos capachos de vocês… vejam do que
somos capazes.
Thomas ficou impressionado com o que viu. A noite caíra de
repente. Eles escutaram os galopes de um cavalo, e ao olharem para onde o
som vinha, perceberam uma enorme chama onde deveria estar a cabeça do
cavalo.
— Vá, diga a ela que chegamos ― o líder dos Ripilus ordenou ao
cavalo de cabeça de fogo.
O cavalo correu para dentro da mata. A lua brilhava intensamente
no céu, e de repente, do lado contrário onde o cavalo havia entrado, um
grupo de homens de pele avermelhada e completamente nus chegaram
carregando uma mulher alta, magra e de longos cabelos negros. Que
mascava alguma coisa. Ela também estava nua.
Os Ripilus se ajoelharam com a chegada do grupo. Thomas os
encarou. Ele não estava entendendo nada daquilo. O que eram aquelas
pessoas? Por que andavam nus? E quem era aquela mulher que eles
carregavam.
— Eu sou Yebá Bёló. Vocês estão em solo sagrado. Nós somos a
tribo Desanos. ― Thomas sabia que ela se dirigia a ele. ― Ripilu, eu o
avisei sobre o que aconteceria caso voltasse aqui, não é?
— Desculpe, mas não pude evitar, estamos prestes a travar uma
batalha terrível, e só você pode impedir que minha espécie seja destruída.
— Não nos intrometemos em assuntos de terceiros. Você sabe bem
que não podemos evitar que as coisas aconteçam. Eu exijo que vocês saiam
daqui. Voltem para seu mundo. É meu último aviso.
Os Ripilus se levantaram. O líder deles olhou com piedade para
Yebá, que gesticulou com a cabeça, como se exigisse que eles saíssem dali.
Thomas olhou para as bruxas, que até então não haviam falado nada.
Trixi olhava com receio para Yebá. Malvina e Lorai pareciam com medo.
— Ripilu, o que significa isso? ― Lucas perguntou.
— Foi a única coisa que eu consegui pensar. Thomas, não teremos
outra alternativa. Eu atacarei a Yebá, e você terá alguns segundos antes que
ela se recupere. Use o colar que está no pescoço da Lorai para trancar as
bruxas.
— Como eu vou pegar esse colar? ― Thomas perguntou.
— Você verá.
Eis que o som de um assobio tomou conta do lugar. Os homens da
tribo começaram a olhar para o alto à procura de alguma coisa. Alguns
deles ergueram o que parecia ser um arco. O assobio ficava cada vez mais
próximo e mais assustador. O som de galopes se uniu ao assobio, e o cavalo
de cabeça de chamas reapareceu fazendo um círculo de fogo onde a tribo
estava. Yebá tentou fazer com que os homens da tribo saíssem, mas era
tarde demais. O assobio ficou mais forte, e uma coruja negra surgiu de
repente. Ela pousou em um galho de uma árvore próxima, e Thomas se
assustou ao vê-la transformar-se em uma mulher. A mulher soltou uma
gargalhada aterrorizante e com seu cajado atacou Yebá, que caiu
desacordada. Os homens da tribo se desesperaram, eles tentaram reanimar a
mulher, mas nada acontecia.
— Thomas, agora! ― O Ripilu gritou.
De repente, o colar que estava no pescoço de Lorai flutuou até as
mãos de Thomas.
— Seu desgraçado! ― Trixi gritou enquanto tentava usar seu poder.
― Por que vocês conseguem usar seu poder aqui?
— Está vendo essa mulher? ― o Ripilu apontou para a mulher-
pássaro que gargalhava. ― Ela é Matinta, a agourenta. Eu a salvei de uma
armadilha há alguns anos, ela me deve uma. Thomas segure a pedra que
está no colar e repita o que eu disser.
Thomas apertou a pedra o máximo que conseguiu. De repente uma
voz surgiu em sua mente, mas não era a voz do Ripilu, era uma voz
diferente.
“É sua chance. Diga: transformem-se em pedra. Não ouça o que o
Ripilu diz.”
“Vamos, diga logo. E assim que vocês estiverem longe daqui, use a
pedra do colar e repita: controle supremo.”
— Transformem-se em pedra ― Thomas disse.
O Ripilu olhou para Thomas sem entender o que ele havia dito. Eles
olharam para as bruxas que de repente se transformaram em pedras.
Thomas estava mais calmo e já não ouvia aquela voz.
— Thomas, o que você disse? ― o Ripilu perguntou.
— O que você me pediu para dizer. ― Thomas mentiu.
— Bem, não temos tempo. Vamos sair daqui.
Thomas olhou ao seu redor e tudo havia desaparecido. Eles estavam
de volta ao bar. O Ripilu sorriu para ele.
— Bem, agora chegou o momento do acerto de contas. Eu ajudei
vocês, agora eu quero o colar.
— Antes, eu quero saber tudo que aconteceu. Quem eram aquelas
pessoas? Como você soube sobre eles?
— Meu grupo vagou por todos os cantos desse planeta à procura de
poder, e nenhum lugar chamou tanto nossa atenção como aquele. Quando
chegamos lá, fomos surpreendidos pela tribo Desanos. Eles são nativos
daquelas terras. Não são os únicos, é claro, mas eles têm a proteção de
Yebá, uma deusa poderosíssima. Matinta é uma bruxa de uma outra tribo,
ela tem o poder de se transformar em pássaro, e seu canto amaldiçoa
aqueles que não lhe retribuem. Ela consegue controlar outros seres da noite,
como aquele cavalo. Yebá e Matinta são inimigas e, um dia, enquanto
catalogava algumas plantas medicinais, percebi que uma coruja estava presa
no chão. Ela não conseguia sair. Eu a ajudei, consegui retirar uma coisa
pontiaguda que estava fincada no chão, e desenterrei uma pequena chave.
Tudo isso intuitivamente. Era como se o assobio da coruja me dissesse o
que fazer. Por ter ajudado Matinta, Yebá disse que se eu retornasse ali, ela
acabaria com todos da minha raça. ― Thomas estava atento. Em sua mão
ele segurava o colar. ― Você ficaria fascinado com quantas coisas existem
no mundo, Thomas. Um dia poderei contá-lo sobre como Yebá criou aquele
povo, mas por ora, só o que você precisa saber é que a pedra do colar da
Lorai veio da antiga morada da deusa. E reza a lenda que é de onde todo ser
mágico se origina.
— Mas como você sabia do colar?
— Thomas, eu sei muita coisa. Eu conheço as bruxas mais do que
você imagina. Bem, mas agora que eu cumpri minha parte do acordo, e as
bruxas estão presas, tudo o que eu quero é o colar, assim ficaremos quites.
— Desculpe, amigo. Eu não cumprirei minha parte no acordo.
Adeus Ripilus. Controle Supremo ― Thomas gritou enquanto apertava o
colar.
Os Ripilus que ali estavam ficaram em estado vegetativo. Seus olhos
perderam o brilho.
— Thomas, o que você fez? ― Lucas perguntou.
— Lucas, vamos levá-los para o castelo. As masmorras devem
servir de abrigo, por enquanto.
Lucas se levantou, os Ripilus fizeram o mesmo. Eles pareciam
zumbis.
— E a Samara? O que faremos? ― Ele perguntou antes de partir.
— Nós vamos procurá-la e matá-la.
Eles desaparecem levando os Ripilus. Chegando ao castelo, o
mordomo os recebe.
— Senhores, a irmã de vocês deixou uma carta.
— Aquela vadia! ― Lucas gritou.
Thomas abriu a carta.
“Thomas e Lucas.
Espero que estejam mortos, mas se não estão, quero que saibam que
vou atrás de vocês e vou matá-los. Eu sou mais forte do que vocês pensam.
Tudo o que fiz foi por causa de poder. Vocês são dois idiotas que acham que
deveríamos viver como os humanos. Nós somos superiores, e é por isso que
eu e Trixi nos demos tão bem. Ela me contou todos os segredos.
Ela me contou sobre a pedra dos poderes, onde elas aprisionaram
parte de seu poder. Uma segunda parte está no sangue de uma família, e
existe uma terceira fonte de poder, que segundo Trixi, é muito maior do que
as duas outras juntas, mas ela não me revelou o que era. Afinal, por mais
que confiasse em mim, ela não se arriscaria tanto.
Querem saber como eu a conheci? Bem, depois da morte do nosso
pai, eu vaguei por toda a Europa. Eu buscava a liberdade que sempre quis,
mas que por causa de vocês, nunca tive. E assim, cheguei em uma pequena
cidade no sul da Espanha.
Chovia muito naquele dia, e eu, buscando um lugar para me
esconder da chuva, encontrei uma espécie de pensão. Era um lugar
horrendo, mas serviria para passar a noite. Fui até o refeitório à procura
de alguma coisa ou alguém para comer, eis que avistei uma mulher baixa,
cabelos ruivos e pele clara sentada em uma das mesas. Ela parecia triste.
Eu me aproximei e comecei a conversar. Expliquei que buscava algo para
comer e ela me disse que não encontraria nada por lá.
Eu me transformei e tentei atacá-la, mas não sabia que ela era uma
bruxa. Ela simplesmente ergueu a mão e me arremessou do outro lado do
refeitório. Eu caí em cima de uma mesa, e a louça que nela estava, caiu no
chão se quebrando. Trixi Felens sabia exatamente quem eu era e estava
preparada esperando por mim.
Ela me revelou coisas que vocês jamais terão conhecimento. Disse
que sou a chave para o que está por vir. E não pensem vocês que ficarão
impunes após o episódio de hoje. Sacrifícios são necessários, e nada dura
mais do que o tempo.
Até breve, meus irmãos”
— Então, Thomas, o que você me diz?
— Bem, Lucas, a Samara pagará por isso. Ela está obcecada por
poder.
— É, ela se superou. Trair seus próprios irmãos…
— Pra ela tanto faz. Mas agora, eu a odeio. Vamos para Paris, ela
deve estar lá, com certeza.
— Irmão, eu estou cansado. Você não está? Acredito que podemos
esperar.
— Você tem razão, Lucas. Podemos descansar, mas amanhã
partiremos bem cedo.
No dia seguinte, eles partiram bem cedo. Paris estava
maravilhosamente linda. Lucas e Thomas andaram tranquilamente pelas
ruas da cidade. Os dois caminharam por várias horas. Entraram em todos os
tipos de estabelecimentos, mas não encontraram nenhum sinal de Samara.
Quando o sol começou a se pôr, eles chegaram até um estábulo afastado de
tudo. Um vento gelado começou a soprar. As folhas das árvores
acompanhavam o vento em uma dança descompassada.
Thomas e Lucas alimentaram-se de um cavalo que pastava num
campo próximo. Os relinchos de dor do animal chamaram a atenção de um
homem magro, cabelos grisalhos e que usava roupas remendadas.
— Demônios! ― ele gritou. ― Mais demônios!! Mandei um de
vocês para a cova ontem à noite.
Thomas olhou para o irmão, limpou sua boca, que estava
completamente suja de sangue, e caminhou até o homem.
— Você está dizendo que matou um de nós?
— Sim, não foi difícil, ela parecia fraca ― o homem respondeu.
— E o que você fez com ela? ― Thomas perguntou. Seus olhos
fixos nos do homem, que naquele momento, parecia começar a ceder à
hipnose.
— Eu a enterrei no cemitério da igreja. Muitas cruzes, muitas.
— Leve-nos até lá. ― Thomas ordenou.
O homem se virou e começou a caminhar em direção à estrada pela
qual Thomas e Lucas vieram. Quando chegaram em um declive, avistaram
uma igreja de pedra, que parecia abandonada, com um cemitério ao lado.
— Thomas, você acha que a Samara seria morta por esse velhote?
— Não, Lucas, eu não acho. Mas eu tenho um palpite.
— E qual seria…
Antes que terminasse a pergunta, Lucas foi interrompido pelo
homem
— Foi aqui, bem nesse túmulo ― o homem apontou para um
amontoado de terra que parecia ter sido revirado recentemente.
Thomas analisou toda a situação, olhou ao redor e buscou confirmar
sua hipótese.
— Lucas ― Thomas gritou. ―,corre!
Os dois tentaram correr, mas de repente foram ao chão. O homem
que até então parecia um ser indefeso transformou-se em um ser horrendo.
Sua cabeça prendia-se ao que parecia um corpo de leão, mas a cauda, com
muita dificuldade Thomas conseguiu enxergar algo parecido a um ferrão de
escorpião.
— Vocês morrerão aqui ― disse a criatura com rosto de homem.
— Thomas, o que é isso? ― Lucas perguntou enquanto tentava se
esquivar da cauda da criatura.
— Não sei, Lucas, mas eu tinha razão, a Samara sabia que viríamos.
Os dois tentavam ao máximo escapar do ferrão, que com certeza
possuía veneno. Com uma velocidade incrível, quase comparada a de um
vampiro, a criatura pulou em cima de Lucas. Ele tentou empurrá-la, mas
não conseguiu. Ainda estava fraco. Ele olhou para a boca da criatura, e se
apavorou ao ver três fileiras de enormes dentes.
Thomas correu o mais rápido que pode, mas não conseguiu chegar a
tempo de impedir que a criatura cravasse sua cauda bem no peito do irmão.
Lucas soltou um grito aterrorizante. Ele sentiu o veneno entrar em seu
corpo, e começou a tremer. Sabia que este era o fim, ele não teria chance
alguma.
A criatura retirou a cauda do peito de Lucas, a ergueu, e estava
prestes a atacar novamente quando Thomas se colocou na frente. Ele
também sentiu o veneno agir rapidamente. Sentiu seu corpo enfraquecer e
perder os reflexos. Ele caiu em cima do irmão. Olhou para a criatura, para
aquela fileira de dentes, e desejou morrer.
— Vejo que conheceram meu cachorrinho… ― uma voz conhecida
alcançou os ouvidos de Thomas. Parecia tão distante.
Com a visão turva, ele viu um ser se aproximar. Era uma mulher, e
ela parecia sorrir. Lucas estava imóvel, mas Thomas conseguia ouvi-lo
tentar respirar.
— Vocês dois pensaram que seriam capazes de me derrotar? Depois
de tudo o que eu fiz? ― a mulher disse, e nesse momento Thomas teve
certeza: era Samara.
— Sua vadia! ― Thomas disse quase sem ar.
— Maninho, eu esperava mais de vocês.
— Eu… vou… matar… você…
— Acho que não. Você não vai conseguir muita coisa. Eu sabia que
os Ripilus ajudariam vocês. Eu só não esperava que eles os levariam tão
longe. Principalmente para um lugar onde os poderes das bruxas não
funcionariam. Vocês tiveram contato com uma deusa, uma das criadoras de
tudo o que existe. E é para lá que eu vou. Eu irei acabar com aquela tribo, e
dominarei o mundo. Mas antes, quero contar-lhes uma história.
Samara usou os pés para tirar Thomas de cima de Lucas. O corpo de
Thomas pendeu para o lado e ele ficou deitado como se estivesse
observando as estrelas.
— Na noite em que o papai morreu, eu estava com ele em seus
aposentos. Ele me contou coisas sobre nossa família, coisas que me fizeram
questionar: até onde uma pessoa pode ir por poder. Ele me contou sobre
como ele se transformou em vampiro. Como vocês sabem, nosso pai nasceu
na Itália. Certo dia, quando já tinha quase trinta anos, ele conheceu nossa
mãe durante um dos eventos da corte italiana. A mamãe era de uma família
importantíssima vinda de Portugal. Os dois se apaixonaram e durante muito
tempo viveram um romance às escondidas. Quando o pai de nossa mãe
descobriu, ele quis matar nosso pai, que fugiu para a Grécia. Papai vagou
por vários dias até encontrar uma pensão para passar a noite. Na madrugada
do dia seguinte, ele ouviu alguém bater à sua porta chamando por seu nome
e, ao atender na primeira batida, ele foi condenado à morte. Naquela noite,
enquanto dormia, sentiu seu corpo paralisado, e ao abrir os olhos, se
deparou com um ser sentado em seu peito. Era uma criatura inchada, de
pele pálida como a morte e com presas longas, seus olhos eram brilhantes e
as mãos peludas como de um lobo. A criatura era um Vrykolaka, um dos
primeiros vampiros. A criatura sugou o sangue do nosso pai, e quando se
satisfez, desapareceu. Pouco tempo depois nosso pai faleceu de uma doença
misteriosa.
Samara olhava para cima, ela evitava o contato com os olhos dos
irmãos, que padeciam de uma dor tão forte, que o máximo que conseguiam
fazer, era ouvir.
— Cerca de três dias depois ― Samara continuou. ―, ele disse ter
acordado em uma vala, no que parecia ser uma ilha. As pessoas daquela
época, com medo do Vrykolaka, enterravam muitas pessoas em ilhas, pois
acreditavam que os vampiros não atravessavam a água. Bobagem, é claro,
mas ele, conhecedor das histórias e se lembrando da criatura que o visitara
antes da morte, soube que não pertencia mais ao mundo dos vivos. Ele
então começou a vagar pelo mundo. Fazendo vítimas. Vivendo como podia.
Eis que ele retorna à Itália, e sabendo de seu poder, convence nosso avô a
permitir o casamento com nossa mãe. Anos mais tarde nós nascemos. Sim,
Thomas, nós nascemos humanos, mas nosso pai nos transformou assim que
completamos 20 anos. Foi um combinado que ele fez com nossa mãe. E
assim, com todos os filhos transformados em vampiros, o papai achou que
poderia viver tranquilamente, mas a mamãe adoeceu logo em seguida, e não
aceitando que ela mesma se tornasse uma de nós, ela tirou sua vida. Todos
os vampiros conseguem ouvir coisas, Thomas. Todos os vampiros
conseguem manipular os humanos, mas pouquíssimos conseguem ler
mentes, menos ainda são os vampiros com outros poderes. E o papai me
contou onde eu conseguiria tal poder. Foi por isso que eu o matei. Foi por
isso que eu peguei a estaca e cravei bem em seu peito. E é por isso que eu
os matarei neste exato momento. Eu quero poder, e não permitirei que
ninguém interfira nisso.
Thomas sentiu tanto ódio que seus olhos se encheram de lágrimas.
Ele queria se levantar e acabar com a irmã ali mesmo, mas uma voz surgiu
em sua mente, a mesma que ele ouviu quando estava na batalha com as
bruxas.
“Use a pedra para se curar e curar seu irmão”
“Deixe ela atacar vocês”
“A criatura morrerá assim que atacar novamente”
Thomas conseguiu levar a mão ao bolso e apertar a pedra do colar.
Ele desejou com todas as forças se curar e curar Lucas, e em questão de
segundos, ele sentiu uma energia enorme emanar de seu corpo. Ele
levantou-se em um salto e atacou Samara. A criatura correu para atacar
Thomas, e ao fincar o ferrão em seu braço, ouviu-se um rugido forte, e a
criatura se transformou em pedra.
Lucas também partiu para cima de Samara, que agora, apesar de não
demonstrar, sentia muito medo. Ela não sabia como aquilo era possível.
Como aqueles dois conseguiram se curar do veneno de sua manticora?
— Eu vou matar você, Samara ― disse Thomas segurando o
pescoço da irmã.
Lucas pegou uma cruz que estava próxima dele, e a quebrou
fazendo uma estaca. Ele arremessou para Thomas que a pegou ainda no ar e
cravou bem no meio do peito de Samara. Ela caiu no chão se contorcendo
de dor.
— Seu desgraçado! Você sabe que para matar um vampiro você tem
que acertar o coração.
— E você sabe que existem outras maneiras, não é mesmo?
Decapitação, por exemplo.
— Você não tem nada que o ajude nisso ― ela disse dando uma
gargalhada.
— Irmão, deixe que eu faço isso. ― Lucas disse furioso.
Lucas retirou a estaca do meio do peito de Samara, ergueu mais uma
vez e fez o gesto de cravá-la novamente, desta vez mirando o coração, mas
Samara foi mais rápida, e levantando-se, arremessou Lucas na parede de
pedra da igreja e desapareceu na noite escura.
— Lucas, você está bem?
— Estou sim. Aquela vadia! Eu a odeio, Thomas.
— Lucas, eu prometo que acabarei com a vida dela. Nem que eu
precise morrer para que isso aconteça. Aquela desgraçada matou nosso pai.
— Thomas, o Bóron não era meu pai.
Thomas escutou aquilo como se fosse a confissão de um crime.
— O quê? Do que você está falando, Lucas?
— Na noite anterior à sua morte, ele me chamou em seus aposentos
e disse que havia me encontrado.
— Lucas, isso é impossível.
— Não mano, não é.
— Por que está me contando isso agora?
— Thomas, eu pensei que você me rejeitaria por isso. Você sempre
cuidou tão bem de mim. Eu pensei que se você descobrisse que eu não era
seu irmão… você se afastaria.
— Eu jamais faria isso com você, Lucas. Você é meu irmão, e nada,
nem ninguém mudará isso.
Thomas o abraçou.
— Agora vamos, temos muito o que fazer ― disse Thomas.
Os dois desapareceram na noite.
CAPÍTULO 9
Os alunos da escola não paravam de olhar para Dandara. Ela parecia
um quadro de algum pintor famoso em uma galeria de arte.
— Com licença, você poderia me informar onde é a sala do terceiro
ano?
— É na segunda porta à esquerda, no segundo andar. Você é nova
aqui, né?
— Sou sim. Cheguei hoje. Prazer, meu nome é Dandara.
— Prazer, Sara.
Dandara seguiu para a sala. Chegando lá Shannon, que estava
escorado na porta, soltou um assovio.
— Nossa, acho que os anjos estão caindo do céu.
— Nossa, você é tão idiota!
— Meu nome é Shannon, gata.
— Então, por favor, Shannon “gata”, saia da minha frente.
Ela entrou na sala e se sentou no fundo. Simone chegou
acompanhada de Brian e se assustou.
— Simone, o que foi? ― perguntou ele.
— Não é nada. Olha, temos uma nova colega de classe.
— O Shannon parece ter gostado dela.
— É, e ele, como está?
— Ah, eu não converso muito com ele, mas sei que ele tá fora do
time de futebol.
— Também, ele quase matou aquele jogador do outro time.
— É, ele é muito agressivo. Mudando de assunto, o que você vai
fazer depois da aula?
— Eu tenho que ver a Vi… bem, eu tenho que resolver algumas
coisas relacionadas ao grêmio.
— Precisa de ajuda? ― ele perguntou.
— Não precisa, é só burocracia. Com o desaparecimento da Vick, e
a formatura chegando, tá tudo uma bagunça.
— Tudo bem, então.
Sid novamente não parava de olhar para Simone. Ela estava louca
para que a aula acabasse para correr até o galpão e contar tudo a Vick.
Dandara estava inquieta. Shannon não saia de perto dela.
— Então, gata, como eu ia dizendo, eu pratico três esportes por dia,
corro e malho a semana toda. Olha a força dos meus bíceps.
Shannon se exibia para ela, que parecia nem ligar.
— Nossa, você é forte mesmo! Agora dá para calar a boca?
— Desculpe, gata. Vou me sentar.
O sinal para o recreio tocou. Todos saíram da sala.
Dandara estava sentada em uma mesa com Sara, Jéssica, Shannon e
outras pessoas. Ela era a atração principal.
— Sara, quem são aqueles dois? ― ela perguntou apontando para
Simone e Brian.
— São dois idiotas! A garota se chama Simone e o garoto Brian.
— Por que você fala deles assim?
— Porque ele era o ex-namorado da minha irmã, e ela a melhor
amiga dela.
— Você tem uma irmã?
— Tinha, mas ela morreu. Ela se chamava Victória Fonseca.
— O quê? Você era irmã da Vick?
— Sim, você a conhecia?
— Não, mas vi algumas coisas no noticiário sobre o
desaparecimento dela.
— Não sinta. Ela não faz falta nenhuma.
— Mas você disse que ela está morta, já encontraram o corpo?
Quero dizer, como você tem tanta certeza?
— Ah, a polícia disse que não tem pistas do paradeiro dela. Até hoje
nenhum corpo foi encontrado, nem mesmo o celular dela pode ser
rastreado. Você consegue pensar em outra explicação?
Dandara a encarou. Ela não sabia o que dizer. Sara falava da irmã
com desprezo, não seria fácil tirar informações sobre ela.
Os dois últimos horários passaram muito rápido. Simone despediu-
se de Brian e correu para o galpão, que ficava bem perto da escola. A tarde
estava agradável. Alguns alunos seguiam a pé para casa, e Simone apressou
os passos para não ser vista por eles.
Chegando lá, ela se deparou com Vick sentada em um pedaço de
papelão. Ela lia o que parecia ser o jornal local.
— Simone! Que surpresa. Como vão as coisas?
— Vick, eu tenho muita coisa para contar a você. A Dandara está
estudando na escola, é a nova amiga da Sara, e acho que ou o Sid ou a
Jéssica podem ser o informante. Eu fui para escola esses dias e o zelador
estava morto…
Simone contou tudo para Vick. Ela não estava acreditando no que a
amiga lhe dissera.
— Simone, isso é muito grave, mas não se preocupe vou resolver
isso de uma vez por todas.
— Como assim, Vick? O que você está pensando em fazer?
— Eu vou até a casa do Sid esta noite. Quero tirar esta história a
limpo.
— Vick, você ficou maluca? Se você for na casa do Sid, ele vai
espalhar para a escola inteira que você tá viva. E como eu disse, tem a
Jéssica também.
— Amiga, confie em mim. Vou pedir ao Thomas para ficar de olho
na Jéssica. Mas e aí, como você tá?
— Estou cansada, amiga. Não me entenda mal, mas tudo isso tá me
deixando exausta, apavorada. O Brian ainda não suspeita de nada, mas eu
morro de medo de deixar algo escapar.
— Eu tenho certeza de que não tá sendo fácil, Simone. Mas acredito
que tudo se resolverá.
— Assim espero, amiga. Mas, Vick, me promete uma coisa, não
machuque o Sid.
— Não se preocupe, eu jamais o machucaria.
— Vick, e o Thomas?
— Simone, pode parecer loucura, mas até que ele é uma pessoa boa.
— Eu disse que ele não era tão ruim assim. Ele só te transformou
porque estava com fome.
— É, eu já não sinto aquele ódio que eu sentia por ele. Nós estamos
aprendendo a conviver juntos.
— Você não acha que isto pode significar outra coisa?
— Como assim, Simone?
— Você está se apaixonando por ele.
— Você ficou maluca?
— Vick eu te conheço. Este é o mesmo olhar de quando você me
contou sobre o Brian.
— Ah, mas com ele foi diferente, o Brian foi meu primeiro amor. E
eu jamais vou perdoar o fato do Thomas ter me transformado em vampira.
Estando ele com fome ou não.
— Pode até ser, mas eu sei que você sente algo muito forte pelo
Thomas.
— Falando de mim? ― a figura se materializou bem atrás de
Simone que soltou um grito.
— Thomas, como vai? ― ela perguntou se recuperando do susto.
— Vou bem, Simone. E aí, alguma novidade?
— Bem, acredito que a Vick pode te explicar. É melhor eu ir
embora. Volto assim que puder. Vick, por favor, não se arrisque demais.
— Pode deixar, amiga. Até logo.
Assim que Simone saiu, Thomas se sentou no chão ao lado de Vick.
— E aí, qual é a novidade?
— A Simone acha que o Sid é o informante. Ela falou que foi à
escola anteontem e encontrou o zelador morto. A escola estava vazia, ou
melhor, foi o que ela pensou. O Sid estava lá. Ele estava saindo do
banheiro. E no dia seguinte, quem foi encontrado no banheiro? O zelador.
— Vick, eu acho que esse Sid é um bom suspeito.
— Ah, e o zelador tinha duas marcas no pescoço. E olha essas
notícias aqui ― Vick estendeu o jornal para Thomas. Ele o pegou e leu
algumas manchetes.
— A polícia já está desesperada. Mais de dez assassinatos em
Felens em menos de três meses. Vick, algum vampiro deve estar por trás
disso.
— Mas aqui na cidade só tem nós dois, não é? ― Vick tentou não
ser rude.
— O que você está querendo dizer com isso?
— Se eu não fiz isso, só sobra você.
— Vick, eu não fiz isso, eu juro.
— Então isso complica mais as coisas. Se não fui eu, e muito menos
você, outro vampiro está aqui fazendo o trabalho sujo.
††††††††††††††††
Simone seguiu para casa. Ela contornou a praça da cidade onde
algumas pessoas estavam sentadas nos bancos, crianças brincavam, e outras
passeavam com seus cachorros. Quando chegou próximo a sua casa, ela
percebeu que havia alguém em seu portão.
— Você demorou ― Brian disse.
— Há quanto tempo você tá aqui?
— Não sei, acho que uns 20 minutos. E aí, conseguiu resolver as
coisas do grêmio?
— Do grêmio? Ah, sim, consegui.
— Simone, Simone… Vamos entrar? Eu tenho uma surpresa para
você.
Eles entraram. Simone percebeu uma luz bem fraca na cozinha. As
luzes da casa estavam todas apagadas.
— Brian, o que é isso?
— É minha surpresa.
— Jantar à luz de velas? Que romântico!
— É, você não merece, mas…
Simone o agarrou e lhe deu um beijo.
— E o que você fez para o jantar?
— Bem, eu fiz macarrão ao pesto com frango e bacon.
— Hum… vamos ver se está bom… mas, como você entrou aqui?
— Bem, a janela do seu quarto estava aberta. Eu subi pela árvore e
entrei.
— Sabia que eu posso denunciá-lo por invasão?
— Sabia, mas você não teria coragem.
— Ah, é? Mas é lógico que eu não tenho. Eu não consigo ficar
longe de você!
Após o jantar, os dois se sentaram no sofá da sala. Simone colocou
uma música suave na TV. Brian começou a beijá-la. O coração dela
disparou em seu peito. Eles se beijavam com bastante intensidade. A mão
de Brian encostou na cintura de Simone que sentiu seu corpo gelar. Brian
tirou a camisa e deixou seu corpo definido à mostra. Simone, dessa vez,
sentiu a temperatura de seu corpo subir. Eles voltaram a se beijar, e ela, com
um pouco de dificuldade, tirou sua camisa. Ela sempre imaginara como
seria sua primeira vez, e tudo estava indo conforme suas expectativas. O
medo que ela sentiu não se comparava ao sentimento de prazer que
percorreu cada centímetro de seu corpo.
††††††††††††††††††
Vick e Thomas seguiram para casa de Sid. A casa estava em uma
completa escuridão. As portas estavam trancadas, mas no andar de cima,
uma janela estava aberta.
Eles entraram por ela. Sid estava dormindo.
— Sid, acorde ― Thomas chamou.
Sid se levantou ainda meio sonolento. Seus olhos estavam
semiabertos. Mas quando reconheceu as duas figuras paradas ali, se
levantou em um salto.
— O que vocês fazem aqui?
— Calma, Sid, nós só queremos conversar.
— Eu não tenho nada para falar com vocês.
Thomas pulou em seu pescoço.
— E aí, mudou de ideia?
— Tudo bem. O que querem saber?
— De onde você conhece a Dandara e o Derick?
— O quê? Eu só conheço a Dandara da escola. E nem converso com
ela.
Thomas ainda apertava seu pescoço. Sid lutava para respirar.
— Não minta para nós. Vamos, fale!
— Eu juro. Eu juro. Não me mate, por favor ― Sid começou a
chorar.
— Então como você sabe sobre nós?
— Eu não posso falar.
Thomas se transformou.
— Você tem três segundos. 1… 2…
— Thomas, pare ― Vick tirou a mão de Thomas do pescoço de Sid.
― Sid, você tem que nos dizer. É importante.
— Vick, se eu falar, eu estarei morto.
— Eu não deixarei que isso aconteça. Nós o protegeremos, mas eu
preciso que você nos conte.
— Tudo bem, eu falo. Eu não sei o nome dela, mas foi ela que
matou o zelador e me falou sobre vocês. Ela entra em minha mente, ela me
obriga a fazer coisas que eu não quero. E ela disse que o próximo a morrer
será o Patrick.
— O quê? Como assim o Patrick? ― Vick quase gritou.
— Vick, calma! Sid, como é essa garota?
— Ela é alta, os olhos são claros, cabelos longos e avermelhados. E
ela dá medo.
— Muito bem, Vick, ele está falando a verdade. Vamos embora!
— Espere, Sid, o que ela disse sobre meu irmão?
— Que vai transformá-lo em vampiro.
Os olhos de Vick encheram-se de lágrimas. Ela desapareceu bem
diante dos olhos de Sid. Thomas ficou mais alguns segundos e depois
desapareceu, deixando o quarto em um completo silêncio. Sid correu para
fechar a janela. Quando se virou para o lado da cama novamente, um vulto
saiu das sombras.
— Parabéns, adorei a encenação ― a figura disse em um tom
apavorante.
— Samara? Você estava aqui?
— Eu não me perdoaria se eu perdesse esse show. Mas você não deu
conta do recado. Eles me descobriram.
— Desculpe, eles iam me matar.
— Bobinho, isso não faria diferença… você não é mais útil, adeus,
Sid.
— Não, por favor… ― com uma enorme força ela arrancou o
pescoço de Sid.
††††††††††††††††††
Simone acordou bem cedo no dia seguinte. Ela seguiu para a
cozinha, procurou pelo caderno de receitas de sua mãe, e começou a
preparar pães de queijo. O cheiro de café coado na hora despertou Brian,
que logo se juntou a ela na cozinha.
A campainha da casa de Simone soou desesperadamente. Brian,
percebendo que Simone estava atenta ao forno, caminhou até o portão. Ele
o abriu e caiu de joelhos ao reconhecer a figura que ali estava.
— Você? Você está viva? ― ele disse chorando.
— Brian, meu amor, quem é? ― Simone veio logo atrás dele. ―
Vick!
— Simone, olha, a Vick está viva! ― Vick entrou na casa sem
graça.
— Simone, me desculpe, eu não sabia…
— Já estava na hora do Brian descobrir, amiga.
— Espera aí, Simone, você já sabia que ela estava viva?
— Brian, é uma longa história.
— Simone, por que você não me contou? Como você pôde? Você
não confia em mim, é? ― ele estava transtornado.
— Não, Brian é que…
— Acho que você não é quem eu pensava.
Vick deu um grito.
— Chega! Brian o motivo dela não ter contado é porque eu… eu me
transformei em uma vampira.
— O quê? Como assim? Isso é impossível.
Vick se transformou. Brian deu um passo para trás.
— Brian, foi por isso que eu não te falei nada.
— Saiam de perto de mim. Vick, você se tornou um monstro.
Ele saiu correndo da casa de Simone. Ela e Vick choravam.
— Amiga, me perdoe. Eu não sabia que ele estava aqui.
— Para onde será que ele foi?
— Ele está atordoado, deve ter ido para casa. Espero que ele não
conte a ninguém.
— Vick, ele não vai. Mas o que você faz aqui?
— Amiga, eu vim aqui para dizer que o Sid não é o informante. Ele
jurou que não conhece a Dandara e muito menos o Derick. Mas ele falou
sobre uma vampira que também está atrás de nós.
— Como assim, Vick? O que essa vampira quer?
— Ele disse que a vampira quer transformar o Patrick, não sei o
porquê, mas o Thomas está indo atrás de informações. Eu vou atrás do
Brian, deixa eu conversar com ele a sós, temos muita coisa para esclarecer.
— Tudo bem, amiga. Eu passo na casa dele mais tarde. Tome
cuidado, amiga.
Vick saiu deixando Simone apavorada. Ela só conseguia pensar na
reação de Brian. Vick seria capaz de acalmá-lo? Ele a perdoaria por ter
mentido? De repente ela sentiu um cheiro forte vindo da cozinha. Ela
lembrou-se dos pães de queijo no forno, e correu até lá. Estavam
queimados.
Simone escutou a porta de sua casa se abrir. Uma mulher loira
entrou por ela com um sorriso no rosto.
— Dandara? O que faz aqui?
Dandara atirou alguma coisa em Simone. Ela sentiu seu corpo ficar
pesado e a última coisa que viu foi Dandara e Jéssica entrando em sua
cozinha.
††††††††††††††††††
Brian sentia um mix de emoções. Ele não estava acreditando no que
acabara de ver. Tudo isso tinha que ser um sonho. Vampiros não existem!
Ele estava ficando maluco. Seus olhos, cheios de lágrimas, avistaram uma
figura parada na porta de sua casa.
— Você deve ser o Brian. Bem, meu nome é Derick, e estou atrás da
Victória. Você sabe onde ela está?
— Eu… eu não sei.
— Desculpe, mas eu não acredito em você. ― Derick, com uma
força absurda, acertou o rosto de Brian com um soco. Brian, pego
desprevenido, caiu no chão desacordado.
Já era noite quando Brian acordou, amarrado em uma árvore. Ele
olhou em volta e percebeu um enorme furgão parado em um tipo de
acampamento. Havia uma fogueira em frente ao veículo, e duas cadeiras
dobráveis encostadas em sua lateral. Ele observou que havia uma outra
pessoa amarrada em uma árvore próxima. Era Simone.
— Simone? Simone, você está bem?
— Brian? Onde estamos?
— Eu não sei.
Eles viram uma pessoa sair do furgão. Ela portava um tipo de arma.
Brian não conseguiu identificar o calibre, nem mesmo que tipo de arma
exatamente era aquela, mas não parecia nada convencional.
— Boa noite, pombinhos. Eu tenho duas notícias para vocês: a
primeira é que nós não vamos pegar leve. E a segunda, bem, na verdade a
segunda é uma pergunta: vocês estão dispostos a morrerem pela Vick?
CAPÍTULO 10
Dandara estava com um sorriso maléfico em seu rosto. Ela se
aproximou dos dois e repetiu a pergunta:
— E aí, vocês querem morrer para salvar a Vick?
— Dandara, eu já lhe disse que não sei da Vick!
— Simone, eu sei que você está mentindo. Agora diga, onde ela
está?
— Eu prefiro morrer! ― Simone disse cuspindo no rosto de
Dandara.
— Agora você entregou o ouro. Tudo bem, fiquem aqui o quanto
quiserem. Eu vou trazer alguma coisa para vocês comerem. Enquanto isso,
pensem se a Vick faria o mesmo por vocês.
Ela entrou no furgão. Simone estava chorando. Brian tentava se
soltar das cordas que o prendia ali.
— Simone, por que você não fala logo sobre a Vick?
— Brian, ela é minha amiga, você é o ex-namorado dela, como você
pode…
— Aquela não é mais a Vick, a verdadeira Vick morreu.
— Aquela é a Vick sim. Brian, você acha que ela queria ter se
transformado?
— Não, e as pessoas que ela matou? A professora, o zelador… Meu
Deus, quem mais ela matou?
— Brian, a Vick não matou essas pessoas. Tem outro vampiro na
cidade. Eu juro! Brian, confie em mim. Onde tá aquele amor que você
sentia por ela?
— Simone, você está falando a verdade?
— Eu juro. A Vick tá desesperada, mas se você nos der uma chance
de explicar tudo, você vai ver que ela continua a mesma.
— O que a Dandara quer com a Vick?
— Eu não sei, só o que sei é que ela é uma caçadora de vampiros.
— Desculpe não ter acreditado em você. Eu fiquei com medo.
— No início eu também fiquei, mas ela precisa da nossa ajuda.
— Quem mais sabe?
— O Patrick. Ele teve que saber. É uma longa história, mas a Vick
vai te explicar tudo. Vocês têm muita coisa para conversar.
— Tudo bem, eu confio em você. Simone, ela está voltando. ―
disse Brian apontando a cabeça para Dandara.
— E aí, vão contar ou não?
— Nós não sabemos onde ela está. Ela descobriu que vocês
chegaram à cidade e desapareceu. ― disse Brian tentando esconder a
verdade.
— Você acha que eu sou idiota? Eu quero a verdade.
— Eu falo a verdade. Mas, para alguém como você, não faz
diferença, não é mesmo?
— Garoto, não brinque comigo. Você não sabe do que sou capaz.
— Dandara, pense no que você está fazendo. A polícia vai nos
encontrar.
— Simone, querida. Eu sou muito esperta. Eles nunca vão me
encontrar. E só para saberem, não estamos mais em Felens.
Brian conseguiu tirar as cordas que o amarravam. Dandara não
percebeu.
— Dandara, onde estamos? ― Brian perguntou tentando distraí-la.
— Por que você acha que eu contaria?
— Porque você está em desvantagem ― uma voz saiu de trás da
árvore.
— Vick? Como você nos encontrou?
— Não temos tempo.
Dandara tentou impedir que Vick desamarrasse Simone, mas ela era
mais forte. Ela apontou sua arma para Vick, que conseguiu se desviar do
que pareciam ser pequenos pedaços de madeira. Vick arremessou Dandara
no furgão. Ela acertou a lataria do automóvel que produziu um som muito
alto.
— Vick, sua maldita!
— Adeus, Dandara. Thomas, pegue o Brian.
Os dois desapareceram. Dandara ficou ali sem mexer um músculo.
Derick chegou logo que os dois saíram.
— Dara, o que houve?
— Onde você estava? ― ela perguntou furiosa.
— Desculpa, Dara, eu…
— Não importa, me ajude a levantar.
Os dois entraram no furgão. Dandara não podia acreditar que
chegara tão perto de conseguir o que queria. Vick e Thomas estiveram ali,
ao alcance de suas mãos, e ela não foi capaz de detê-los.
††††††††††††††††††
Simone parecia voar. Seu estômago chegou a embrulhar, e ela
ameaçou vomitar, mas quando percebeu, já estava parada em frente ao
antigo galpão.
— Simone, você está bem?
— Estou sim, Vick. Como você nos encontrou?
— Eu fui para casa do Brian depois de sair da sua casa, para tentar
fazer com que ele me ouvisse. Eu vi quando o Derick o atacou . Eu segui os
dois e cheguei até onde vocês estavam.
— Ela voltou e me chamou. ― disse Thomas.
— Quem é você? ― perguntou Brian.
— Meu nome é Thomas Alcantara.
— Ele é o vampiro que me transformou.
— O quê? E você não teve raiva dele? Vick, por que você anda com
ele?
— Porque eu sou como ele, Brian. É uma longa história, mas agora
temos assuntos mais urgentes. Simone, eu quero que você preste muita
atenção no que eu vou dizer agora, o Patrick corre perigo. Passe a observá-
lo na escola, em casa, sabe-se lá onde, mas vigie.
— Tudo bem, Vick. É por causa do outro vampiro?
— É sim. Simone, enquanto eu não tiver certeza de que esse
vampiro tá fora da cidade ou morto, eu não posso deixar o Patrick sozinho.
— Tudo bem. Vick. Ah, antes que eu me esqueça, a Jéssica estava
com a Dandara quando ela me atacou.
— Então, ela era a informante. Mas como a Dandara a conheceu?
— Eu não sei, amiga, mas se elas chegarem perto de mim
novamente…
— Simone, podemos ir? ― Brian perguntou.
— Claro, Brian. Vamos para minha casa.
— Vocês têm certeza de que estão bem? ― Vick perguntou
encostando a mão no ombro de Brian que se esquivou.
— Desculpe, eu não quis fazer isso ― ele disse ao perceber o olhar
de tristeza de Vick.
— Amiga, nós estamos bem, amanhã podemos voltar aqui e
conversar sobre tudo isso. Tudo bem assim, Brian?
— Por mim, sim.
Brian olhou para Vick com piedade. Thomas observava a tudo com
uma feição pensativa. Vick o fitou como se perguntasse o que ele estava
pensando.
— É, Vick, o círculo está se fechando.
— Como assim, Thomas?
— Não é estranho este vampiro ter aparecido logo quando a
Dandara e o Derick chegaram à cidade?
— Continuo não entendendo.
— Eles podem não estar atrás de nós, mas sim, seguindo este
vampiro.
— Pode ser, mas então por que essa obsessão em nos encontrar?
— Eles são caçadores, nós dois somos um alvo também. Sem contar
que eles podem achar que estamos ajudando o outro vampiro.
— Thomas, você gosta do que é?
— Você gosta? ― Vick ficou calada. Thomas continuou. ― É claro
que não. Mas ser vampiro tem lá seu lado bom.
— E qual é? Viver para sempre?
— Não, ter muito tempo para consertar seus erros.
Thomas agarrou Vick e lhe deu um beijo. Ela não protestou.
— Thomas, chega! ― ela disse afastando-o com violência. ― Não
vamos confundir as coisas. Eu quero ser sua amiga.
— Eu quero ser mais do que isso.
— Você é louco? Eu já disse, não vamos confundir as coisas. Posso
te fazer mais uma pergunta?
— Claro! Eu estou aqui para responder todas as suas perguntas.
— Há quanto tempo você está vivo?
— Eu nasci em outubro de 1424. Então, eu estou na terra há 587
anos.
— E como você se tornou um vampiro?
— Bom, meu pai se apaixonou por minha mãe enquanto ainda eram
humanos, mas era um amor impossível, porque meu pai não era nobre.
Minha mãe pertencia a uma importantíssima família portuguesa, mas
morava na Itália. Quando meu avô descobriu, ele quis matar meu pai, e isso
o obrigou a fugir. Ele foi parar na Grécia onde foi transformado em vampiro
por uma criatura chamada Vrykolaka, um dos primeiros vampiros. Anos
depois, meu pai retornou à Itália e convenceu meu avô a permitir o
casamento entre ele e minha mãe. Os dois se casaram e assim, entramos
para a nobreza. Quando tínhamos 20 anos, meu pai nos transformou. Eu,
meu irmão Lucas, e minha irmã Samara.
— O que aconteceu com seus irmãos?
— Eu nunca mais soube deles. Devem estar mortos. Ou na Europa,
sei lá. Eu me desliguei completamente da minha família e do meu passado.
— Sinto muito, Thomas. Você não é tão ruim quanto eu pensava.
— Obrigado, Vick, mas sou sim. Eu fiz muitas coisas ruins. Tirei
muitas vidas, e a maioria delas foi por diversão.
— Você realmente me atacou por estar com fome?
Thomas desviou o olhar. Ele parecia buscar a resposta, mas não
encontrava.
— Bem, Vick, sim e não. Eu havia me alimentado pouco antes
naquele dia, mas matar nos faz querer cada vez mais. Você sentiu isso ao
transformar aqueles homens, não é? Eu já estava saindo de Felens quando
eu vi vocês. Eu olhei para você, e algo me chamou a atenção, Vick. Eu não
sei explicar, mas parecia que eu sabia que você transformaria minha vida…
― Thomas levou as costas de sua mão até o rosto de Vick.
— Thomas, por favor…
— Vick, eu me arrependo da forma como começamos, mas eu tenho
certeza de que podemos recomeçar. Se eu tivesse uma chance de mudar o
passado, de todas as coisas horrendas que eu já fiz, te transformar em
vampira seria a única coisa que eu mudaria.
Vick olhou no fundo dos olhos de Thomas. Era uma mistura de
desejo, medo e remorso. Ela viu seus lábios se juntarem novamente, e mais
uma vez, não relutou.
— Thomas, vamos parar por aqui.
— Você é quem manda. Bem, eu preciso averiguar algumas coisas,
eu volto assim que eu puder.
Thomas desapareceu, deixando Vick pensativa. Seus sentimentos
estavam cada vez mais confusos.
††††††††††††††††††
No dia seguinte, Simone chegou à escola acompanhada de Brian. O
pulso dele ainda estava vermelho por causa das cordas. Antes que
alcançassem a porta da sala de aula, uma figura loira bloqueou o caminho
dos dois.
— Eu quero que vocês mandem um recado para a Vick. Diga a ela
que nós nos veremos novamente, só que da próxima vez, eu vou acabar com
ela.
— Dandara, se você entrar em nosso caminho novamente, eu vou
esquecer que você é mulher e vou acabar com sua raça! ― Brian disse
cerrando o punho.
Simone segurou a mão de Brian.
— Não me faça rir, você teve sua chance, mas precisou da ajuda de
sua amiguinha morta-viva. ― Dandara disse entrando na sala.
Simone avistou Patrick de longe, desejando estar em qualquer lugar,
menos em sua sala de aula. Ela puxou Brian pelo pulso guiando-o até o
menino.
— Patrick! Precisamos conversar ― disse ela.
— Simone? Quanto tempo! E a Vick como ela está?
— É sobre isso que eu quero falar. Bem, agora o Brian já sabe de
tudo.
— E aí, brother! Tudo ok?
— Estou bem sim, Brian. A Sara é que não está muito bem. Ela está
namorando aquele tal de Derick. Parece que a Jéssica os apresentou. Ele
não sai lá de casa. Fez várias perguntas sobre a Vick.
— O quê? Como assim? ― perguntou Simone.
— Pois é, eu achei muito estranho. Esse cara surgiu de repente,
parece ser irmão daquela Dandara.
— Patrick, tem muita coisa que você precisa saber, mas a Vick disse
que tem um vampiro atrás de você.
— De mim? Mas por quê?
— Nós não sabemos ainda, mas por enquanto, não ande por aí
sozinho. E fique longe do Derick e da Dandara. Eles são perigosos e vão
fazer de tudo para saber onde a Vick está.
— Tudo bem. Simone, vou tomar cuidado. Ei, dia quatorze é o
aniversário da Vick, então, eu pensei de a gente fazer alguma coisa para ela.
— É uma boa ideia, Patrick. Eu tinha até me esquecido que já estava
tão perto.
— Acredito que ela ficará feliz, né?
— Tenho certeza de que sim, Patrick. Agora vá para sala, nos vemos
assim que der.
— Até mais, gente. ― Patrick se retirou.
— O Derick namorando a Sara? ― Simone estava perplexa.
— Ele só quer saber sobre a Vick.
— Tenho certeza, Brian, mas isso me preocupa. Eles podem usar a
Sara ou o Patrick para atraí-la.
— Será? Se eles quisessem fazer isso, acho que já teriam
conseguido. Olha o que fizeram conosco.
— Eles são muito estranhos. O que eles tanto querem com a Vick?
— É uma boa pergunta. Bom, vamos para a sala, já perdemos boa
parte do primeiro horário.
Eles seguiram para a sala. Dandara estava sentada em cima da mesa,
e rodeada por Jéssica, Shannon e alguns outros alunos. O professor de
História, que não tolerava atrasos, chegou à sala logo após Simone e Brian,
em seu rosto havia uma expressão distante e amedrontada. Ele se sentou
com brutalidade. Com as mãos no rosto, disse transtornado:
— Podem voltar para casa de vocês. A escola perdeu mais um de
seus alunos. Sid Guimarães foi encontrado morto em sua casa hoje de
manhã. A escola ficará fechada por alguns dias, até o caso ser resolvido. Eu
os aconselho a sair da cidade. Vamos todos morrer, vamos todos morrer! ―
o professor repetiu aos gritos.
Muitos alunos, naquele momento se puseram a correr. As garotas,
gritando como loucas, saiam da sala.
Brian segurou o braço de Simone e a levou para fora.
— Simone, que loucura!
— Brian, nós temos que ir até o galpão.
— Vamos chamar o Patrick.
Eles foram para a sala de Patrick que ficava no segundo andar da
escola. Os alunos do primeiro ano não pareciam saber sobre o ocorrido com
Sid, e o professor, que Simone o reconheceu como seu antigo professor de
Inglês, passava algumas coisas no quadro. Simone bateu à porta.
— Posso ajudá-los? ― o professor perguntou.
— Por favor, o senhor poderia liberar o aluno Patrick Fonseca mais
cedo? É que estamos finalizando a homenagem para a Vick na formatura, e
precisaremos da ajuda dele. ― Foi a melhor desculpa que Simone arrumou
na hora. O professor a encarou bruscamente, e por alguns segundos, ela
pensou que a resposta dele seria outra.
— Ok ― disse o professor. ― Patrick, pegue suas coisas. Tem duas
pessoas aqui fora aguardando você.
Ele se levantou e foi até a porta.
— Olá, Simone, Brian, o que foi?
— Vamos embora, precisamos resolver as questões da homenagem
para a Vick. ― Simone repetiu.
Os três andaram rapidamente pelos corredores do segundo andar.
Quando desciam as escadas para o primeiro andar, Dandara os aguardava.
— Olá, pessoal. Onde vocês pensam que vão?
— Dandara? Era só o que me faltava! Não é da sua conta.
— Simone, minha querida, eu sei muito bem que vocês vão atrás da
Vick. Eu também sei que foi ela que matou o tal Sid, não é mesmo? Como
você vai explicar isso para todo mundo?
— Cale a boca, sua loira oxigenada! ― Simone disse, zangada.
— Eu vou matar você, sua porca doentia. ― Dandara pulou em
cima de Simone. As duas rolavam no chão, se estapeando.
Brian e Patrick seguraram as duas.
— Vocês são loucas? Parem já com isso! Dandara, é a última vez
que eu aviso…
— Brian, meu querido, eu não tenho medo de você! E você Simone,
fique esperta. Eu vou arrumar uma brecha e você vai ver comigo.
— Vá embora, sua louca!
Dandara saiu. Eles continuaram andando da escola, olhando a todo
momento para ver se ela os seguia. Tendo o caminho livre, eles deram a
volta por trás do prédio da escola, e seguiram para o galpão.
— Vick, o que vocês fizeram com o Sid? ― perguntou Simone.
— O quê? Como assim, Simone?
— O Sid, ele foi encontrado morto na casa dele.
— Meu Deus! Isso é sério?
— É sim Vick. O Sid está morto.
— Simone, você sabe que não fui eu. Muito menos o Thomas… ou
não… É claro! Aquele maldito mentiu para mim. Vamos esperar por ele. Eu
quero tirar esta história a limpo.
— E aí, mana. ― Patrick se aproximou de Vick e lhe deu um
abraço. ― Você está bem?
— Estou sim, Patrick e você?
— Estou bem. Só preocupado com o que a Simone disse. Vick, por
que um vampiro está atrás de mim?
— Eu não sei, mano. Mas fique tranquilo, eu e o Thomas estamos
de olho.
Um vulto passou pelas costas dos três elementos parados na porta do
galpão. Simone sentiu uma respiração fria em sua nuca.
— Olá, pessoas! Que bom que vocês estão aqui. Tenho novidades
sobre a Dandara e o Derick.
— Thomas, precisamos conversar.
— O que foi Vick? Você parece tensa.
— Foi você que matou o Sid?
— Vick, é claro que não! Olhe, eu estava com você.
— É, mas depois que chegamos aqui, você saiu. Onde você foi?
— Eu fui me alimentar. Vick por favor. Acredite em mim.
— Eu não sei, Thomas, não sei, mas você disse que tem novidades.
Conte.
— Bem, eu estava vigiando aqueles dois. Uma garota chamada
Jéssica estava com eles e conversavam sobre um colar. Parecia algo muito
precioso.
— Colar? O que eles querem com um colar? ― perguntou Simone.
— Bem, Simone, eu acho que eles não querem necessariamente o
colar, mas sim a pedra que tem no colar.
— Como assim, Thomas?
— Eu vou contar uma história a vocês. Há muitos anos, as bruxas
trancaram uma parte de seus poderes em uma pedra e a outra parte no
sangue de uma família. Esta pedra é oriunda da antiga morada da deusa
Yebá, cultivada pelos povos indígenas da Amazônia. A pedra por si só já
possuía um poder absurdo.
— Mas como elas fizeram isso e continuaram com poderes?
— Elas tinham mais uma fonte de energia que eu não sei qual é.
Mas esta pedra ganhou o nome de pedra dos poderes. Quem possuí-la, terá
muito poder.
— É, mas onde está esta pedra? ― Brian perguntou.
Thomas retirou um colar do bolso. Uma pedra de quartzo pendia em
um pingente.
— Aqui está. Consegui roubar isso antes de trancar as bruxas. ―
Thomas voltou a guardar o colar.
— E, Thomas, você falou sobre uma família. Que família é essa?
— A sua, Vick.
††††††††††††††††††
— É, Jéssica. O Thomas deve saber onde está a pedra.
— Dandara, você já pensou que essa história pode ser mentira?
— Jéssica, nós temos que correr este risco. Eu preciso conseguir
essa pedra. Ela será a chave para alcançar meus objetivos.
— E por que você acha que o Thomas sabe sobre ela?
— As vozes me disseram. Elas me enviaram até aqui. ― Dandara
estava exausta. Ela estava sentada em uma cadeira em frente ao furgão. A
noite caía lentamente, e as estrelas já começavam a brilhar no céu. ―
Jéssica, é melhor você ir embora, eu preciso pensar no que fazer.
— Tudo bem, Dara. Derick, você não vai visitar a Sara hoje?
— Não, estou bastante ocupado ― ele respondeu.
Ela observou que ele polia algumas armas. Havia uma besta, armas
de fogo e algumas outras que Jéssica nunca havia visto.
— Até mais, então ― ela disse se retirando.
Derick esperou Jéssica desaparecer no horizonte e sentou-se perto
de sua irmã.
— É, essa garota não vale nada!
— Derick, não fale assim. Ela está nos ajudando bastante. Ou você
acha que eu conseguiria vigiar todos ao mesmo tempo? Mudando de
assunto, e seu namoro com a Sara?
— Aquela menina é um saco. Ela só reclama. Quando fala da Vick
só sabe dizer que ela não prestava. O irmão é um depressivo, vive
enfurnado no quarto. Eu não aguento mais.
— Você vai ter que aguentar mais um pouco.
— Não tenho outra alternativa, né? A polícia esteve lá algumas
vezes. Estão falando em arquivar o caso, porque não encontraram nenhum
sinal da Vick. Sabe o que eu acho, ela não deve estar em Felens, ou a
polícia local é incompetente. Uma cidade pequena como essa e eles não
fazem uma varredura por todos os lugares?
— Maninho, você sabe que vampiros conseguem se esconder muito
bem, né?
— Pois é, mas mesmo assim.
— Eu só quero trazer nossos pais de volta!
— Calma, mana, nós vamos achar a pedra. Não se preocupe.
— Derick, eu não aguento mais. Eu só não quero ter o mesmo final
deles.
— E você não vai! Eu não vou deixar.
††††††††††††††††††
— Thomas, espere um minuto, minha família?
— É sim, Vick. A sua família. Quem transformar duas pessoas da
sua família terá a metade do poder das bruxas.
— Então é por isso que o vampiro está atrás do Patrick! Meu Deus,
Thomas, você me transformou por causa disso?
— Vick, eu juro que quando te transformei eu não sabia que você
era da família Fonseca. Eu juro! Seus antepassados eram caçadores de
vampiros e estavam aliados às bruxas.
Vick, com os olhos repletos de ódio, deu um salto e chegou até
Thomas.
— Seu maldito. Eu te odeio. Saia daqui.
— Vick, calma. Eu juro que eu não sabia. Vick, é sério.
— Eu não acredito em você. Saia já daqui antes que eu te mate.
Thomas desapareceu. Vick foi consolada pelos três que ali estavam.
— Mana, eu estou bem, a Sara está bem. Você não tem com o que se
preocupar.
— Patrick, é claro que eu tenho. Esse vampiro está atrás de você.
— Vick, eu vou ficar bem. Não se preocupe.
Thomas andou pela cidade, transtornado. Ele estava perto de uma
enorme estrada de terra. No final da estrada, ele percebeu uma figura
distorcida. Era uma garota, ele a reconheceu.
— Eu sabia que era você ― disse ele.
— Olá, Thomas. Eu estava com saudades.
— Samara, o que você faz aqui?
— Já disse que estava com saudades. Maninho, por que você não
acredita em mim?
— Cale a boca.
— Irmão, até parece que você não me conhece.
— Esse é o motivo da pergunta, o que você faz aqui?
— O mesmo que você. É claro que você já sabe que o sangue da
família Fonseca nos dá a metade dos poderes das bruxas.
— É, eu sei.
— Então por qual motivo você não pegou o poder? Ah, é claro.
Você se apaixonou pela garota.
— Samara, cale a boca.
— Você é tão baixo. Como você ignora todo aquele poder? Mas o
melhor é que você deixou todo o poder para mim. Como você só
transformou a Vick, para mim sobram dois.
— Nem pense em pôr a mão neles.
— Ou o quê Thomas? Você vai fazer o que fez na Europa? Vai
tentar me matar?
— Vou sim, só que desta vez eu não vou vacilar.
— É o que veremos. Eu vou ficar na cidade. Daqui dois meses eu
vou estar aqui neste mesmo lugar te esperando.
— Me esperando para quê?
— Se você não tiver transformado o Patrick ou a Sara…
— O que você vai fazer?
— Eu vou transformá-los e vou pegar todo o poder.
Samara desapareceu. Thomas continuou andando sem rumo. Um
carro passou disparado ao seu lado, e se chocou em uma árvore. O cheiro de
sangue veio à tona. Thomas observou o lugar e percebeu que estava vazio.
Ele se aproximou do carro onde uma mulher estava presa às
ferragens. Ela ainda estava acordada. Seu rosto estava coberto de sangue e
ela não mexia nada além dos olhos.
Thomas abriu a porta do carro e agarrou o pescoço da mulher
sugando o sangue dela até a última gota.
— Samara! Eu vou matar você ― ele gritou para o vento.
CAPÍTULO 11
— Mana, não se preocupe. Tudo vai ficar bem.
— Patrick, por favor, tenha cuidado. E eu sei que é difícil, mas cuide
da Sara. ― disse Vick, chorando.
— Amiga, não se preocupe, nós ficaremos de olho neles.
— Simone, obrigada por tudo, mas não quero que vocês se
arrisquem demais por mim.
— Vick, você está correndo perigo. É nossa obrigação te ajudar.
— É, Vick ― desta vez foi Brian quem falou. ― Nós sempre
estaremos aqui por você.
— Obrigada, gente. Vocês são muito importantes para mim.
Os três saíram. Vick desabou. Ela estava confusa. Thomas estava ou
não falando a verdade? Quanto poder esse vampiro conseguiria se
transformasse mais duas pessoas da família de Vick?
— Thomas, por que você fez isso?
— Fiz o quê? ― Thomas apareceu no galpão. ― Eu vim em paz.
Escute, eu sei quem é o vampiro que está atrás de seus irmãos, melhor
dizendo, a vampira.
— E quem é Thomas?
— A Samara, minha irmã.
— Thomas, mas ela não estava morta?
— Eu nunca disse que tinha certeza. Vick, ela é muito perigosa.
Você tem que sair da cidade. Você e seus irmãos.
— Eu nem sei por que estou te ouvindo, Thomas.
— Não venha com esta história novamente.
— Que história?
— Essa história que você não me perdoará por ter te transformado
― ele disse se aproximando dela. ― Que você só está dando uma trégua.
Mas na verdade você não quer assumir.
— Saia de perto de mim. Eu não quero ficar perto de você.
— Assumir que me ama. Que está completamente apaixonada por
mim. Que o que você mais quer é beijar minha boca.
Vick não estava resistindo a Thomas. Ele a deixava de um jeito
inexplicável. Vick estava tensa.
— Thomas, eu não estou brincando.
— Então me prove que tudo que eu disse é mentira, que você
realmente quer me matar. Vamos Vick. ― Ele encostou sua testa na testa de
Vick. O olhar de Thomas cruzou com o de Vick de uma forma que a deixou
imóvel. Ela cedeu. Em segundos, seus lábios estavam juntos.
Ela sentiu os lábios gelados de Thomas, encostarem de leve em seu
pescoço.
— Thomas, eu…
— Vamos, me diga que eu estou errado.
— Eu não consigo! Eu estou tentando resistir, mas eu não posso.
— Por quê?
— Porque eu estou apaixonada por você! ― disse beijando-o.
Os dois não se importaram com o local. Thomas se despiu em uma
velocidade absurda, e com ferocidade, arrancou as roupas de Vick. Ela
beijava o pescoço de Thomas, e por um instante, sentiu como se aquele
calor humano tivesse voltado para seu corpo.
Outubro terminou trazendo um sentimento de esperança para todos.
Vick sabia que não seria fácil, mas eles conseguiriam acabar com Samara.
Ela protegeria seus irmãos e seus amigos.
A cidade de Felens respirava aliviada pelo desaparecimento do
assassino em série. Há mais de dezoito dias ele não fazia nenhuma vítima.
A polícia continuava investigando os assassinatos, mas não conseguiram
chegar a nenhum suspeito.
Simone se levantou bem cedo. O dia estava ensolarado, e tudo
parecia ir bem. Sua mãe estava de volta, ela havia preparado um delicioso
café da manhã. Na mesa havia pão de queijo, broa de fubá, leite fresco e um
café forte, do jeito que ela gostava. Ela se permitiu ficar um pouco mais na
companhia de sua mãe. Falaram sobre a vida, sobre planos futuros, e
principalmente, como eram felizes por estarem ali, juntas.
Quando chegou à escola, Simone encontrou Brian meio cabisbaixo.
— O que foi, meu amor?
— Hoje tem prova, esqueceu? E o pior é que eu não estudei nada.
— Não se preocupe, vamos, ainda temos tempo para estudar um
pouco. ― Simone puxou Brian pelos corredores da escola. Eles entraram na
biblioteca e começaram a estudar.
— Eu não consigo me concentrar. Você é muito linda.
— Brian, pare já com isso. Vamos estudar. Ei, amanhã é aniversário
da Vick.
— Hã? É mesmo. Eu já estava me esquecendo. O que vamos fazer
para ela?
— Eu não sei, temos que ver com o Patrick. Ele é quem está
combinando tudo. Mas agora, preste atenção aqui. Leia este texto e tente
gravá-lo. Isto é o que vai cair na prova.
— O que seria de mim sem você?
— Você seria um bobalhão. Como o Shannon ali. ― Simone
apontou o dedo para Shannon, que estava sentado numa mesa no canto da
biblioteca.
— O que ele tem? Parece meio doente.
— Eu não sei, Brian, mas desse aí eu quero distância.
Shannon estava com uma expressão horrível. Seus olhos estavam
em um vermelho escuro que lembrava o sangue coagulado. Sua aparência
suja e doentia o deixava parecido com aqueles maníacos de filmes de terror.
O sinal tocou e todos os que estavam ali na biblioteca, seguiram
para suas devidas salas. Na sala de Simone, um professor baixinho e
cabelos negros, estava aguardando os alunos. Ele usava uns óculos que
cobria praticamente todo o seu rosto.
— Bom dia, meu nome é Gilberto, e eu sou o novo professor de
teatro. Eu sei que vocês estão no final do ano, mas eu tenho um trabalho
para vocês. Como eu não os conheço, e optando por uma maior interação
entre vocês, eu tomei a liberdade de montar os grupos. Prestem atenção que
eu só vou falar uma vez. ― o professor começou a distribuir os alunos em
grupos. Simone já estava impaciente, pois até então, o professor não havia
mencionado seu nome. ― E o último grupo: Simone, Brian, Márcio,
Carlos, Jéssica, Willian, Shannon e Dandara.
Simone olhou para Brian com uma expressão de completa
indignação.
— Brian, isso só pode ser brincadeira.
— Calma, Simone, é só um trabalho. Vamos deixar passar.
— Agora eu quero que vocês juntem as pessoas do seu grupo e
escolham um tema. O tema é livre. ― disse o professor.
— Que tal, Sonhos de uma noite de verão? ― perguntou Shannon.
— Não, todo mundo já está cansado de ver esta peça.
— Que tal alguma coisa sobre vampiros? ― Dandara perguntou em
um tom irônico.
— Isso, Dara, todos gostam de histórias de vampiros. Crepúsculo,
Diários do Vampiro…
— Eu discordo de você, Jéssica.
— É, o Brian está certo. Nós temos que fazer uma peça que prenda
o público.
— Quem está com eles? ― Dandara perguntou.
— Eu acho vampiros uma boa ― disse Carlos.
— Eu concordo ― disse Márcio.
— Isso significa que vocês são minoria. O tema será vampiros.
— Lembrando que vocês têm uma semana para me entregar os
temas das peças. A melhor peça será apresentada no baile de formatura ― o
professor acrescentou.
— Eu fico responsável por montar a peça. Daqui dois dias eu trago
o papel que cada um vai fazer ― disse Dandara com arrogância.
— Dandara, eu não sei o que você está tramando, mas fique sabendo
que eu não vou entrar em seu joguinho.
— Simone, você prefere repetir o ano?
— Eu prefiro.
— Espero que esta discussão seja parte do trabalho ― disse o
professor em protesto. ― Meninas, os ensaios não serão na sala de aula,
então, se nenhuma das duas quer ir para a diretoria, sentem-se.
Elas obedeceram. Brian tentou acalmar Simone, mas ela estava
furiosa. O professor continuou.
— Bem, qual o motivo deste trabalho? Eu realmente espero que
vocês tenham algum talento. Muitos de vocês não se mostram por
vergonha, então eu quero ver quem ganhará os pontos necessários para
entrar na faculdade. Motivo besta? Talvez… Tenham um bom dia.
O professor saiu da sala. Em seguida, o sinal tocou. Os corredores
da escola se encheram novamente. Os últimos horários foram uma tremenda
tortura para Simone. No final da aula, ela procurou por Patrick no pátio da
escola. Quando o viu na multidão gritou por ele. Ele reconheceu a voz e
esperou. Sara, que estava a sua frente protestou.
— Patrick! ― Sara gritou Patrick que fingiu não a ver. ― Vamos
embora. Eu não quero você com essa gente.
— Sara, quantas vezes eu vou ter que dizer que já sei me cuidar
sozinho?
— Então, se acontecer alguma coisa com você, eu não vou me
importar.
— Você já não se importa. Agora, me deixe em paz.
Patrick chegou até onde Simone estava. Ela esperou Sara
desaparecer no horizonte e começou a falar.
— Amanhã é aniversario da Vick. O que vamos fazer?
— Então, eu pensei em fazer um bolo e alguns salgados. O que
acha? Vampiros comem isso, né?
— Eu acho que sim, mas a Vick ficará feliz com nossa presença.
Vamos esperar o Brian, ele passou na quadra para ver as coisas dos últimos
jogos.
— Ok. Está tudo bem, Simone?
— Sim, Patrick, só estou preocupada com um trabalho que temos
que fazer. Adivinhe quem está no meu grupo? A Dandara! ― Simone nem
esperou Patrick palpitar.
— O quê? Que droga! Não tem como mudar de grupo?
— Não, o professor foi bem claro que quer uma interação maior
entre os alunos.
Simone sentiu uma mão tocar seu ombro. Era Brian que retornava
da quadra.
— Desculpe a demora, é que eu estava organizando algumas coisas.
E aí Patrick, como vai? Já decidiram o que vão fazer?
— Estou bem. Pensamos em levar um bolo e alguns salgados para o
galpão.
— Ótima ideia! ― Brian disse.
— Então, vamos? A Sara já está uma fera. É bem capaz de me
deixar fora de casa.
Simone sentiu uma sensação horrível. Era como se vários olhos
estivessem sobre ela.
— Credo! ― ela disse. ― Acabei de ter uma sensação horrível de
que alguém estava nos observando.
— Deixe de ser boba, Simone. Não tem ninguém aqui. Agora,
vamos embora.
Assim que partiram, uma figura de cabelos avermelhados desceu de
uma árvore.
— Vão aproveitando seus últimos dias de vida queridos. Eu estou de
volta!
— Falando sozinha, Samara?
— Shannon, meu querido, eu estava pensando alto. Por que
demorou?
— Eu estava tentando convencer o novo professor de educação
física a me deixar no time.
— Você ainda perde seu tempo com os humanos?
— Bem, Samara, eles nunca fizeram nada de mal para mim.
— Os humanos te odeiam. Você tem que odiá-los também. Não se
prenda a familiares, amigos, a ninguém. Todos são iguais. Agora vamos,
tenho um trabalhinho para você.
††††††††††††††††††
— Thomas, o que você está fazendo? ― Vick perguntou para
Thomas enquanto ele acariciava seus cabelos.
— Eu? Só estou vendo o quão você é linda.
— Você também é lindo, Thomas.
— Desculpe por ter destruído sua vida.
— Thomas, minha vida já estava destruída. Eu não era feliz, minha
família estava desmoronando… e por mais que eu não esteja com eles, por
mais arriscado que seja ser quem eu sou, eu tenho uma chance de protegê-
los.
— Mesmo assim, Vick. E só de saber que a Samara está atrás de sua
família, isso me faz questionar muitas coisas.
— Como assim, Thomas?
— Bem, eu estava em São Paulo antes de vir para Minas. Mas eu
sentia um desejo enorme de vir para o interior, de vir para Felens. Quando
eu cheguei em Santa Elena, era como se meu coração dissesse que eu estava
no caminho certo, que minha vida seria diferente. E tudo se consumou
quando eu encontrei você. Fui atraído para proteger você, mas por uma
infelicidade, meu desejo por sangue falou mais alto. E a Samara está atrás
desse poder, e tudo o que eu posso fazer é proteger sua família. Não posso
falhar novamente.
— Thomas, onde sua irmã deve estar agora?
— Eu não sei, Vick, mas gostaria de saber. O que eu mais quero é
cravar uma estaca no coração daquela maldita.
— Eu estou com medo dela transformar o Patrick ou a Sara. Eu não
quero esta vida para eles.
— Vick, você já pensou em reaparecer?
— Como assim, Thomas?
— Bem, você pode voltar e dizer que foi sequestrada, mas
conseguiu fugir. E com seus poderes, você pode convencer quem você
quiser de que essa história é verdade. É muito fácil dominar a mente
humana.
— Eu não sei, mas vou pensar.
— Eu estou falando sério. Você pode viver como uma humana. Eu
já vivi por muito tempo ao lado dos humanos. É fácil se controlar. Ainda
mais você que sempre se alimentou de sangue animal. Vick, pense bem.
— Já disse que vou pensar.
A noite chegou. Simone estava se arrumando para sair com Brian.
Ela usava um longo vestido azul. Ele chegou em sua casa às sete da noite.
— Como você consegue ficar cada dia mais linda?
— Pare com isso, Brian. Eu não estou linda.
— É claro que está. Você é a garota mais linda que eu já vi na vida.
— Onde nós vamos?
— Que tal ao cinema?
— Acho uma boa. Faz tempo que eu não sei o que é cinema.
Eles compraram os ingressos para o cinema. O filme acabou
faltando três minutos para dez da noite. Brian acompanhou Simone até a
porta de sua casa.
— Brian, você não quer entrar?
— Já está tarde. Amanhã tem aula.
— Você pode dormir aqui e amanhã vamos juntos.
— Sua mãe não vai gostar nada disso ― ele disse com medo.
— Deixe de ser bobo! Minha mãe não vai falar nada.
Os dois entraram. Simone e Brian subiram as escadas se beijando.
Eles tentaram não fazer barulho, mas era quase impossível.
†††††††††††††††††††
— Patrick, eu vou sair com o Derick.
— Sara, já está tarde. Você não acha arriscado ficar saindo por aí?
— Cuide da sua vida! Eu sei me cuidar sozinha.
Ela saiu. Patrick estava sozinho em casa. Ele subiu para seu quarto e
se deitou na cama. Algumas horas depois ele se levantou assustado. A porta
principal abriu e fechou na mesma velocidade. Patrick olhou para o relógio
e viu que já passavam das três da manhã. Ele caminhou até o quarto de
Sara, e ela não estava lá. Patrick estava assustado. Ele se lembrava do que
Vick disse: tinha um vampiro atrás deles. Com o coração batendo como um
tambor, ele desceu as escadas. A sala estava em uma escuridão completa.
— Quem está aí? ― ele gaguejou ao perguntar.
Não obtendo respostas, ele tentou acender as luzes, mas os
interruptores não funcionaram.
— Sara, é você? ― ele gritou para escuridão.
As panelas da cozinha caíram em conjunto. Ele caminhou até lá.
— Quem está aí?
Ele sentiu algo muito gelado tocar seu pescoço.
— Olá, amiguinho, que tal brincarmos um pouco?
— Quem é você?
As luzes se acenderam e Patrick percebeu duas pessoas na cozinha.
A primeira, ele não reconheceu, mas a segunda ele não teve dúvida. Era
Shannon, mas ele estava diferente, seus olhos estavam como os de um
felino. Suas unhas estavam enormes, os dentes triplicaram de quantidade e
tamanho. Mas era ele. Era o Shannon.
— Bom, vamos às apresentações. Eu me chamo Samara, a vampira
da qual sua irmãzinha tola, tentou protegê-lo. E você já conhece o Shannon.
— Então, você finalmente resolveu dar as caras. Eu não tenho medo
de você!
Samara pegou no pescoço de Patrick, desta vez com mais força.
— Olha aqui, garotinho. Ao contrário do meu irmão, eu não brinco
com a comida.
— Irmão? Quem é seu irmão?
— Ah, você não sabe? Bem, meu irmão é o novo namoradinho da
sua irmã.
— O quê? O Thomas é seu irmão?
— Pois é. O mundo é pequeno, não é mesmo?
— O Thomas não pode ser seu irmão, você é diferente.
— Garoto, eu sou realmente o oposto do Thomas. Mas eu posso te
garantir que ele é pior que eu. Agora chega de conversa. Shannon, sua vez.
Shannon com uma enorme velocidade arremessou Patrick contra o
armário. Uma faca caiu no chão. Patrick a pegou sem que os dois
percebessem.
— Bom, se você quer me transformar, transforme logo.
— Foi você quem pediu ― ela pulou em cima de Patrick que por
sua vez, cravou a faca no peito dela.
— Maldito! Que droga!
Patrick correu para o andar de cima. Ele entrou em seu quarto e
trancou a porta.
— Shannon, pegue-o.
— Pode deixar comigo.
Shannon subiu a escada e chegou ao corredor do segundo andar. Ele
quebrou porta por porta até chegar ao quarto de Patrick. O quarto estava
vazio. A janela estava aberta. Samara chegou alguns segundos depois.
— Onde ele está?
— Ele fugiu!
— Que droga!
— Samara, você está bem?
— Estou sim. Aquele maldito não conseguiu me ferir muito. Vamos
embora, não tem nada que me interessa aqui.
†††††††††††††††††††
Patrick caminhava na escuridão. Seus pés estavam machucados. A
queda do segundo andar foi muito feia. Ele caiu em cima de uns arbustos
que ficavam do lado de fora da janela de seu quarto, o que amorteceu a
queda.
Alguns minutos depois ele chegou à casa de Brian. Ele bateu à
porta, mas ninguém atendeu.
— Brian, Brian. Sou eu, o Patrick. Vamos Brian.
Ninguém respondeu. Ele continuou chamando, até que a mãe de
Brian atendeu a porta.
— Patrick! Isso são horas?
— Desculpe, dona Marta, mas eu estou procurando o Brian ele está?
— Não, ele saiu com a Simone. Ele não deve voltar hoje. Mas o que
aconteceu? Você está pálido.
— Não foi nada. Eu já vou. Obrigado e desculpe o incômodo.
— Não se preocupe. Você tem certeza de que está tudo bem?
— Está sim, é que a Sara não voltou para casa, eu estou preocupado,
só isso.
Patrick, com muito esforço caminhou até a casa de Simone. Quando
ele estava na porta da casa dela, caiu no chão desacordado.
No dia seguinte, ao abrir a porta de sua casa, Simone se deparou
com um garoto deitado na varanda.
— Patrick? O que aconteceu? Brian venha me ajudar!
Brian, mais que depressa, chegou à porta.
— O que foi, Simone? Qual o motivo da gritaria? Meu Deus! Ele
está bem?
— Não sei, ele está desacordado. Vamos levá-lo para dentro.
Eles o colocaram no sofá. Patrick demorou cerca de meia hora para
acordar.
— Onde eu estou? ― disse ele atordoado.
— Na minha casa, Patrick. O que houve?
— A Samara, a vampira que está atrás de mim, esteve lá em casa. E
ela é irmã do Thomas.
— Como assim, Patrick? ― Brian não estava entendendo.
— Ela me disse que é irmã do Thomas e que vai me transformar. O
Shannon está junto com ela. E, bom, considerando todos os absurdos que
temos visto, acho que posso dizer com quase absoluta certeza que ele é um
lobisomem. Meu pé está doendo. Eu tive que pular da janela do meu quarto
para escapar deles.
— Patrick, você tem certeza disso?
— Eu juro, Simone, eu juro.
— E a Sara? Ela não estava em casa?
— Não, ela saiu com o Derick e não voltou.
— Patrick, preste atenção, você vai ficar aqui. Eu e o Brian vamos
chamar a Vick para vir até aqui te ver. Por favor, não saia. Não se preocupe,
minha mãe já foi para o trabalho.
Os dois saíram. Eles correram até o galpão onde encontraram Vick
deitada ao lado de Thomas.
— Vick, feliz aniversário, amiga. ― Simone entrou estendendo os
braços para Vick.
— Obrigada.
— Parabéns, Vick.
— Obrigada, Brian. Mas o que está acontecendo?
— Eu vou direto ao ponto. Vick, você precisa ir até minha casa. O
Patrick está machucado. Ele vai te explicar tudo. Tem uma chave que fica
no vaso de plantas da entrada principal.
— Mas o que aconteceu? ― Vick repetiu a pergunta.
— Vick, a vampira, a irmã do Thomas, tentou atacá-lo.
— O quê? Aquela vadia!
— Ele está bem, só machucou o pé, mas ele precisa de você. Eu
gostaria de ir com vocês, mas temos que resolver algumas coisas na escola.
— Não se preocupe, Simone, eu entendo. Nós seguiremos para lá,
podemos nos encontrar aqui mais tarde. ― Vick e Thomas desapareceram.
Brian e Simone deixaram o galpão e partiram em direção à escola.
Eles já estavam atrasados e a julgar pelo vazio do pátio, o sinal já havia
tocado. Chegando à sala de aula, eles notaram que o professor de teatro já
estava montando os grupos.
— Com licença, senhor Gilberto.
— Entrem. Sentem-se com o grupo de vocês. Vejo que algumas
pessoas já estão com a peça pronta, não é mesmo? Dandara, você pode vir à
frente para explicar um pouco sobre o tema, e contar um pouco sobre a
peça?
— Claro, professor ― ela caminhou até o quadro negro. ― Bem
pessoal, o tema do meu grupo será vampiros. O motivo é que esses seres
são fascinantes. A minha história se passará aqui em Felens. Vocês terão
uma hora e meia de apresentação, mas tenho certeza que vocês vão gostar.
— Dandara, conte-nos sobre os personagens ― disse o professor.
— Bem, eu e o Shannon seremos caçadores de vampiros. Os demais
serão as vítimas.
— A Simone e o Brian não vão fazer nada?
— Eu já ia chegar nesse ponto professor. Bem, como eu soube da
morte da melhor amiga da Simone, eu resolvi prestar uma homenagem. Eles
serão vampiros. E vão se chamar Victória e Thomas.
Simone e Brian ficaram boquiabertos.
CAPÍTULO 12
— O quê? Você só pode estar brincando ― disse Simone, em
protesto. Ela e Brian estavam perplexos. ― Professor, ela não pode fazer
isso. É uma ofensa a Vick.
— Simone, minha querida, eu não vejo nada de mal nisso. Isto é
apenas teatro, vale de tudo. Muito bem, agora pode se sentar, Dandara.
— Obrigada professor ― ela caminhou até a mesa com um
sorrisinho sarcástico no rosto. Simone estava furiosa. ― Simone, querida,
isso é uma simples homenagem.
— Sua vagabunda! Eu vou acabar com você ― Simone ameaçou
avançar em Dandara, mas Brian a impediu.
— Simone, calma.
— Brian, eu não suporto mais as provocações desta garota.
— Mas é só uma peça, vamos pensar assim.
— Eu mudei algumas coisas. Semana que vem, no dia 22, dois
grupos vão apresentar a peça para escola. O primeiro grupo é o da Dandara
e o segundo, o da Sheila. Estão dispensados. Hoje os professores terão uma
reunião sobre as classes da escola, e por isso vocês serão liberados mais
cedo. Mas, amanhã teremos aula normal, ok? Até breve, jovens.
Os alunos foram pegos de surpresa, mas festejaram. Simone correu
junto a Brian para sua casa. Vick ainda estava lá. Thomas estava escorado
na parede.
— Pessoal, nós voltamos. A Dandara montou uma peça e adivinha?
Os nomes dos personagens principais são Thomas e Victória.
— E deixe adivinhar, eles são vampiros?
— É isso aí, Thomas! Ela passou dos limites.
— Eu já sei o que eu vou fazer. Simone quando é esta peça?
—Dia 22. Semana que vem.
— Então, deixe comigo! Você e o Brian vão apresentar esta peça.
Não se preocupe, eu tenho tudo sob controle.
— Mana, foi mal. Eu tinha preparado uma surpresa para você. Mas
eu deixei tudo em casa, o bolo, os doces, tudo.
— Não se preocupe, eu não me importo. O que me faz mais feliz é
saber que você está bem.
— Eu gostaria de conversar com vocês. ― disse Thomas.
— O que foi, Thomas? ― Vick perguntou.
— A Samara está jogando sujo. Ela disse que voltaria em dois
meses. Ela quer nos assustar. O Patrick falou que a acertou com uma faca.
A Samara não deixaria que ele encostasse em um fio do cabelo dela. Se ela
quisesse transformá-lo, ela teria feito.
— Mas por que ela faria isso?
— É muito simples Vick, ela quer que tenhamos medo. Eu a
conheço, sei do que ela é capaz.
— Que droga! Eu não sei o que fazer. Temos dois grandes
problemas. A Dandara e o Derick e a Samara. Meu Deus, a Sara! Não
podemos deixá-la sozinha. Eu vou atrás dela.
— Vick, espere. Vamos pensar com calma. Simone, você viu a Sara
na escola?
— Não, Thomas. Quer dizer, nem percebi. Hoje só tivemos o
primeiro horário e fomos liberados. Mas eu não a vi no corredor.
— Meu Deus, onde a Sara está? Thomas, eu vou até minha casa.
— Não, Vick, eu vou. Você fica aqui com seus amigos.
Ele desapareceu. Patrick estava muito mal. Seu pé estava inchado e
começava a ganhar uma cor escura.
— Vick, nós temos que levá-lo ao médico.
— Eu sei, Simone. Brian, você pode levá-lo?
— Claro, eu vou pegar o carro da minha mãe.
— Simone, obrigado por tudo.
— Não precisa agradecer, Patrick, você faria o mesmo por mim.
Vick, sobre a Dandara, o que você está pensando em fazer?
— Na hora certa você verá. Eu prefiro manter segredo. Eu quero
que todos fiquem surpresos.
— Eu espero que dê certo.
— E vai dar. Não se preocupe. Não é nada demais. Será que a Sara
está bem? ― disse ela tentando mudar o rumo da conversa.
— Vamos pensar positivo, amiga.
Elas escutaram uma buzina do lado de fora. Era Brian com o carro.
— Simone, verifique se está tranquilo lá fora.
— Tudo bem, Vick, está tudo tranquilo.
Vick pegou Patrick no colo e o levou até o carro. Depois de colocá-
lo confortavelmente no banco, Brian saiu com o carro.
Thomas estava em frente à casa de Vick. Parecia não haver ninguém
lá.
— Sara, onde você está?
— Olá, Thomas. ― uma voz conhecida veio de trás dele.
— Você?
— É a sua vez ― a pessoa o acertou na cabeça. Ele desmaiou.
Quando acordou já era noite. Ele estava ao lado de uma enorme
cachoeira. Thomas estava amarrado.
— Acordou?
— Samara, por que você está fazendo isso?
— Eu mudei de ideia. Eu quero você longe para eu fazer o que eu
quiser com esta cidade.
— Você é louca! Este é o Shannon? Então você conseguiu um novo
cachorrinho?
— Você fez questão de matar o meu antigo… Eu amo animais!
— Você não vê que ela só está te usando? ― Thomas direcionou a
pergunta a Shannon.
— Eu confio nela. E sei que ela não vai fazer nada de mal comigo.
Não é mesmo, Samara?
— É claro, Shannon, mas com o Thomas…
— Samara, me solte.
— Nós temos muita coisa para conversar.
— Onde está a pedra dos poderes?
— Eu não sei! E se eu soubesse, você seria a última pessoa para
quem eu contaria.
— Não brinque comigo, você não está em condições.
— Vamos, me mate. Aí você jamais saberá onde a pedra está.
— Você acabou de dizer que não sabe sobre o paradeiro da pedra.
— É, eu disse, mas eu sei quem pode encontrá-la.
— Esta conversa está começando a me interessar. Vamos, continue.
— Os Ripilus podem te dizer onde a pedra está. Eles estão no
castelo do papai, na Europa.
— Thomas, eu não vou cair nesse seu papinho! Eu sei que isto tudo
não passa de uma mentira.
— Eu juro que não é. E também, a mentirosa da família é você, não
é?
— Você vai se arrepender!
— Eu não tenho medo de você. Não mais. Samara, você deveria ser
diferente.
— Eu era. E o que vocês fizeram? Me colocaram como a vilã da
história!
— Isso não é verdade e você sabe. Você sempre foi bondosa, mas aí
conheceu aquele cara, como ele se chamava mesmo?
— Victor? Ele não tem nada a ver com isso. Vocês me
transformaram no que eu sou hoje. O papai sempre dando atenção para você
e o Lucas. E eu sempre sobrando. Então eu comecei a odiar todos os
humanos.
— Mas o papai não era humano, e mesmo assim você o matou.
— Eu queria poder. Muito poder. E eu sabia que ele me impediria,
então, só dei um empurrãozinho.
— Você começou a odiar os humanos por qual motivo mesmo?
Você ficou só. Ninguém te queria por perto. Nem o Victor.
— Cale a boca seu maldito. Eu vou acabar com você de uma vez por
todas.
— E o que está esperando?
— O momento certo. Aguarde. O Shannon vai te fazer companhia.
Eu tenho assuntos mais importantes para resolver. Até mais, maninho.
†††††††††††††††††††
Quando Vick retornou ao galpão, ela percebeu que Thomas não
estava lá. Ela aproximou-se da cama improvisada que fizera, e se deparou
com uma caixinha e um bilhete.
“Vick,
Bem, eu não sou muito bom com as palavras, mas eu gostaria que
você soubesse que eu amo muito você. Amo como nunca amei ninguém.
Hoje consigo enxergar quanta coisa eu fiz, coisas ruins. Quantas pessoas
eu machuquei, quantas eu matei, e tudo isso porque eu não conhecia o
amor, não verdadeiramente. Mas eis que você apareceu. Como a chama de
uma vela iluminando a escuridão. Obrigado por ser quem é. Quero passar
a eternidade ao seu lado, e farei o impossível para que você seja a pessoa
mais feliz desse mundo.
Este colar é meu presente pelo seu aniversário. Como você já sabe,
a pedra que está nele foi onde as bruxas trancaram parte do poder. Caso
algo aconteça comigo, use-a para derrotar a Samara. Não se preocupe,
você saberá como usá-la.
Eu amo você, Vick!
Thomas Alcantara”
Vick chorava. Tudo o que ela mais queria era conseguir proteger
quem ela mais amava. E naquele momento, tudo parecia desmoronar. Seu
peito ardia como se brasas estivessem acesas nele. De repente ela ouviu um
carro se aproximar do galpão, e concentrando-se nas vozes que ouvia,
identificou quem eram. Simone e Brian entraram no galpão.
— Vick, o Patrick está bem ― Simone disse com um tom calmo. ―
Ele distendeu o tendão, mas logo estará bem. O médico disse que em uma
semana ele poderá andar normalmente. Sua tia Margarida está com ele no
hospital.
— Que ótimo, amiga. Alguma notícia da Sara?
— Ela apareceu no hospital com o Derick. Estava furiosa com a
bagunça deixada pelo Patrick. Disse que ele teria que arrumar tudo assim
que se recuperasse.
— A Sara está passando de todos os limites. Simone, ela não tem o
mínimo de empatia.
— Vick, desculpa, amiga, mas a Sara é podre.
— Você tem toda razão, Simone, ela é podre! Mas fico feliz que o
Patrick esteja bem.
— Onde está o Thomas? ― Brian perguntou.
— Eu não sei, mas sinto algo ruim, como se ele estivesse em perigo.
— Ele disse que iria atrás da Sara, não foi? Será que o Derick não o
pegou?
— Eu acho que não. Ele não seria tão descuidado ao ponto de
aparecer de uma vez lá em casa.
— Então não temos outra alternativa a não ser esperar.
Os dias foram passando e deixando Vick mais aflita. Ela não
recebeu nenhuma pista do paradeiro de Thomas, mesmo pedindo respostas
à pedra. Na verdade, Vick ainda tentava entender como ela funcionava. Até
então, o máximo que ela conseguiu foi ouvir uma voz suave, mas não
entendeu o que ela dizia.
Patrick já estava recuperado da queda. Seu pé ainda doía um pouco
quando forçava demais, mas já andava normalmente. Sara até tentou
impedir a tia de ficar em sua casa durante os primeiros dias, mas Margarida
tinha o gênio mais forte do que o de Sara.
Na semana seguinte, os alunos preparavam tudo para a grande
apresentação à noite. Os professores estavam fazendo os últimos ajustes na
iluminação, os grupos ensaiavam no auditório, tudo tinha que sair perfeito.
Simone tentava decorar suas falas com a ajuda de Brian.
— Thomas, por que você o atacou? ― Simone certificava-se se era
isso mesmo.
— Vick, eu… Desculpe, eu vou ter que fazer de novo.
— Brian, assim não dá, né? A apresentação é hoje.
— Calma, Dandara. Eu só esqueci minha fala. Agora vai. Vick eu
sou um vampiro e estava com fome!
Depois de passar e repassar o texto, Simone foi para casa se
aprontar. Brian passaria lá para buscá-la antes das dezoito. Ela não teria
muito tempo. Quando ficou pronta, Simone desceu as escadas e se
encontrou com sua mãe.
— Pegou tudo? ― ela perguntou.
— Sim, mamãe. O figurino não é muito elaborado.
— Sabia que eu queria ser atriz quando tinha sua idade? Eu até fiz
vários cursos de teatro, mas meus pais não permitiram que eu seguisse.
— Sinto muito, mãe.
— Não sinta, minha filha. Hoje eu me sinto realizada com tudo o
que eu conquistei.
O som da buzina de Brian fez com que as duas se apressassem e
corressem para o lado de fora.
— Vamos lá? ― ele perguntou.
A escola estava lotada. Pais, alunos e professores se misturavam nos
corredores. Todos pareciam felizes. Simone despediu-se de sua mãe e
seguiu junto à Brian para o local onde montaram o camarim. Shannon não
apareceu para a peça, o que obrigou Dandara a mudar um dos personagens.
Quando estavam todos prontos, eles seguiram para o palco e tomaram suas
posições.
A luz do auditório se apagou quase por completo. Uma luz branca
iluminou apenas um lugar do palco, o lugar onde Dandara estava.
— Boa noite alunos, professores e pessoas de Felens, meu nome é
Dandara e estou aqui para mostrar-lhes minha peça. Espero que gostem.
A luz se apagou, mas logo se acendeu novamente. Um silêncio
enorme tomou conta do auditório.
Simone entrou em cena. Ela andava por uma estrada com pouca luz,
e estava acompanhada de mais dois alunos. O texto era tão ruim que alguns
espectadores davam risadas.
Os dois alunos saíram de cena, e essa foi a deixa para Brian entrar
em cena.
— O que uma garota linda faz andando sozinha?
— Não é da sua conta. Agora me deixe em paz.
— Você não sabe quem eu sou, não é mesmo? Deixe-me te mostrar!
― Brian mordeu o pescoço de Simone que caiu no chão.
— O que você fez comigo?
— Eu te transformei em vampira.
Dandara apareceu.
— Vampiros malditos, eu vim acabar com vocês.
— Quem é você? ― perguntou Brian.
— Meu nome é Dandara e eu sou caçadora de vampiros.
Brian e Simone começaram a correr pelo palco. Dandara os seguiu.
— Está vendo, se você não tivesse me transformado, eu não estaria
passando por isso ― disse Simone. O público caiu na gargalhada.
Os dois estavam encurralados. Duas pessoas passavam pela rua.
Brian pulou no pescoço de um deles.
— Se você não me deixar ir, eu o mato.
— E quem disse que eu me importo?
Brian cravou os dentes no pescoço de Márcio.
— Eu fico mais forte quando me alimento. Você nunca vai me pegar
― ele desapareceu do palco.
Dandara caminhou até Simone. As luzes ficaram fracas. Um globo
de luz vermelha focou nas duas. Uma música de suspense começou a tocar.
Dandara aproximou-se de Simone.
— Então só me restou você. Agora é sua vez de morrer. Carlos
agarre-a.
Carlos a agarrou por trás. Ele a apertou com tanta força, que Simone
soltou um gemido de dor. Dandara caminhou até mais perto e agarrou o
pescoço dela. A luz focava apenas em Simone. Um silêncio torrencial
tomou conta do lugar. Simone esquecera sua fala.
— Por que você não fala nada? Vamos fale alguma coisa ―
Dandara sussurrou para Simone.
O público se olhava. Todos aguardavam o final daquela peça
medíocre. Algumas pessoas começaram a rir sem parar. E isso fez Dandara
perder a cabeça.
— Vamos, sua maldita! Por que você não fala nada? ― dessa vez
ela gritou.
Neste instante a porta do auditório se abriu bruscamente. As pessoas
se assustaram e por reflexo, olharam para trás, para a porta do auditório.
Estava escuro, e só o que viram foi um vulto caminhando até o palco.
Quando o vulto finalmente parou, em cima do palco, a luz vermelha se
transformou em branca novamente, e todos ficaram chocados com o que
viram.
A figura que entrara pela porta estava de frente para Dandara. E
todos tiveram certeza: era Victória Fonseca. Ela estava de volta.
— O que você quer comigo? ― Vick perguntou.
CAPÍTULO 13
— E aí, Dandara? O que você quer comigo? ― ela repetiu.
— Eu não posso falar com você aqui. Vamos para o vestiário.
Os alunos da escola Eroma estavam chocados. Depois de dois
meses, Victória Fonseca, a linda menina que todos pensavam estar morta,
retornava sabe-se Deus de onde.
Dandara saiu acompanhada de Vick. Elas chegaram ao vestiário
mudas.
— Vamos lá, Dandara. Eu estou esperando!
— Vick, eu sei que vai ser difícil você acreditar em mim depois de
tudo o que eu fiz, mas me escute.
— Fale ― Vick a obrigou.
— Eu vivia no Espírito Santo com meu irmão e meus pais. Em
outubro do ano passado, uma vampira entrou em minha casa e matou meus
pais. Ela se revelou como Samara Alcantara. É a irmã do Thomas. É por
este motivo que eu e meu irmão estamos atrás de vocês. Nós não queremos
machucá-los. Queremos machucar a Samara.
— Se o que você está falando é verdade, por que vocês
sequestraram meus amigos?
— Foi a única forma que encontrei de provocar você. Eu sabia que
você estava com o Thomas e que com certeza ele sabia onde a Samara
estava. E aí onde ele está? Eu preciso encontrar a Samara e matá-la de uma
vez por todas.
— Antes, eu tenho mais uma pergunta. Como vocês sabiam que eu
estava com o Thomas?
— Eu não sei te explicar direito, mas desde a morte dos meus pais
eu ouço vozes. E elas me mandaram até aqui. Meus pais também eram
caçadores de vampiros. Durante uma viagem que fizeram à Europa, eles
conseguiram um diário de uma bruxa chamada Malvina. No dia em que
matou nossos pais, a Samara levou o diário com ela.
— O que tinha de tão importante nesse diário?
— Não tinha muita coisa. Elas não revelaram tantos segredos. Mas a
Samara deve saber de alguma coisa, afinal, por qual motivo ela teria tanto
interesse nele?
— Tá, mas por que você não foi direta quando abordou a Simone? E
como você conheceu a Jéssica?
— Eu não sabia qual seria a reação das pessoas ao ouvirem minha
história. Principalmente quando eu falasse sobre as vozes. No dia em que
fomos até a casa da Simone, eu não tinha certeza se ela sabia sobre você. E
a reação dela entregou tudo. Eu comecei a acompanhar a rotina da cidade, e
acabei conhecendo a Jéssica. Ela me ajudou bastante. Me ajudou a conhecer
mais sobre vocês. Vick, eu sei que parece loucura, mas eu não quero
machucar vocês.
— Dandara, eu acredito em você.
— Vick, onde está o Thomas? Ele deve saber onde a Samara está. É
a nossa chance para destruí-la.
— Eu não sei. Ele desapareceu há uma semana. Eu não faço ideia de
onde ele pode ter ido.
— Isso não é um bom sinal. Se a Samara estiver por perto, ela pode
ter… Vick, eu vou atrás do meu irmão, vamos nos preparar para acabar com
ela.
— Me encontre no galpão abandonado perto da escola.
Dandara partiu. Vick voltou para o auditório com os passos firmes.
Ela parou no palco ao lado de Simone. Todos estavam chocados.
— Boa noite, pessoal! Bem, eu sei que muitos de vocês pensaram
que eu estava morta, mas eu na verdade fui sequestrada. Eu quase fui morta,
mas um rapaz chamado Thomas, me encontrou em outro estado. Eu estava
fraca e debilitada, mas ele cuidou de mim e me ajudou a retornar. Eu não sei
o que houve com os sequestradores, e nem quero saber. O importante é que
estou bem.
Algumas pessoas pareciam não acreditar no que Vick estava
dizendo. Outras choravam sem parar.
— Amiga, você é louca! ― disse Simone abraçando-a.
Os alunos se levantaram e aplaudiram.
— Vamos para o galpão, temos muito o que conversar.
†††††††††††††††††††
— Derick você não vai acreditar… ― quando chegou ao furgão,
Dandara se deparou com Derick caído no chão. ― Derick, o que
aconteceu?
— Dandara, a Samara esteve aqui. Ela está com o Thomas. E aquele
garoto, o Shannon… ele é um lobisomem.
— O quê? Temos que avisar a Vick!
— A Vick? Como assim?
— Ela apareceu na escola durante a peça. É uma longa história, no
caminho eu te conto.
— Não, olhe, eu sei que queremos vingança, mas eu estou com um
pressentimento ruim.
— Não se preocupe, o que pode dar errado?
— Não vamos nos arriscar.
— Sinto muito mano, mas se esta é a chance de acabar com ela, não
podemos deixar passar. Chegamos longe demais para desistir.
†††††††††††††††††††
Sara estava apavorada. Agora estava tudo perdido, Vick estava de
volta. Ela caminhava apressada pelo pátio da escola.
— Sara, ― Patrick gritou. ― Precisamos ir até onde a Vick está.
— Patrick, como isso é possível? Depois de tanto tempo… Onde ela
está?
— Sara, calma, a Vick vai explicar tudo. Ela está no galpão
abandonado, aquele perto da escola. Vamos lá.
Eles partiram para o galpão onde Vick conversava com Brian e
Simone.
— Então, a Dandara fez tudo aquilo porque a Samara matou os pais
dela?
— Foi, Simone. Eu sei que é difícil acreditar nisso, mas eu fiz com
que ela dissesse a verdade.
— Pode ser, Vick, mas eu não confio neles.
— Brian, se o objetivo deles é acabar com a Samara, eles podem
contar comigo!
Um vulto percorreu por todo o galpão. Brian foi arremessado do
outro lado, caindo desacordado em cima de um as vigas de madeira.
Simone gritou. Ela não conseguia ver quem, ou o que os atacava.
— Então, vocês estão planejando me matar? ― uma voz saiu de trás
deles.
— Quem é, você? ― Simone perguntou.
— Gente, que indelicadeza da minha parte. Sou Samara, a
cunhadinha da Vick.
— Sua desgraçada! Se você pensa que eu deixarei você chegar perto
dos meus irmãos, você está muito enganada.
— Ora, ora, ora, vejo que você tem determinação. Mas querida, eu
sou mais forte do que todos vocês aqui. E eu não vou poupar forças para
conseguir o que eu quero.
— Simone, veja se o Brian está ferido ― disse Vick.
No instante em que Simone começou a correr na direção de Brian,
Samara avançou sobre ela. Simone caiu no chão, cobrindo o rosto com os
braços, na intenção de se proteger.
— Fique longe da minha amiga! ― Vick deu um salto, caindo em
cima de Samara. ― Simone, fuja.
Simone correu o máximo que pôde para chegar à porta do galpão.
Ao abri-la viu que tudo estava perdido. Quatro pessoas caminhavam até ela.
Dandara carregava uma bolsa de viagem que parecia estar repleta de armas.
Derick portava uma besta com várias estacas de madeira no gatilho. E ao
lado deles, Sara e Patrick.
— O que foi, Simone? Você tá bem? ― perguntou Dandara.
— A Samara. Ela tá aqui.
Derick e Dandara correram para dentro. Eles viram Brian no chão.
Simone tentou impedir a entrada dos irmãos de Vick, mas Patrick correu
para dentro do galpão.
— Patrick, Sara, saiam daqui. ― Vick gritou.
— Samara, sua vadia. Lembra de mim? ― Dandara perguntou.
— É claro, fofinha. Mas, o que você quer aqui?
— Eu quero matar você.
— E com o que você pretende fazer isso?
— Com isto ― Dandara tirou um lança estacas do bolso e saiu
correndo em direção a Samara, atirando.
— Você só pode estar brincando!
Samara esperou Dandara se aproximar e, com uma força absurda,
agarrou o braço dela e o virou para trás. O grito de Dandara foi a coisa mais
horrível que Sara já ouviu. O sangue jorrava por onde o osso fraturado se
expôs. Samara começou a beber o sangue ali mesmo.
Dandara tentou usar seu outro braço para cravar uma estaca em
Samara, mas foi inútil. Como se tivesse se teletransportado, Samara se
colocou atrás de Dandara, segurando seu pescoço. Ela cravou os dentes bem
na artéria dela que se contorceu de dor. Quando se satisfez, Samara a
arremessou bem onde Derick estava. Derick estendeu os braços para agarrar
o corpo da irmã. Ele tentou amortecer o impacto, mas com a força com que
Samara a arremessou, ele acabou caindo no chão.
— Dandara, não! Vamos Dara, fale comigo! ― ele se juntou ao
corpo da irmã. Os olhos de Dandara demonstravam aflição. Ela tentava
respirar, mas o ar não chegava. Sua boca estava jorrando sangue.
— De… Derick, não me deixe transformar, por… favor.
Com os olhos vagos, como se não houvesse mais vida nela, Dandara
produziu um som rouco e abafado. Parecia ser sua última tentativa de
respirar. Depois disso, só houve silêncio.
— Você matou meus pais, matou minha irmã, mas não permitirei
que mate mais ninguém aqui.
Ele pegou a besta do chão, tirou uma estaca do gatilho e cravou no
peito da irmã. As lágrimas caiam de seus olhos, e ele mal conseguia
enxergar, mas ergueu a arma, e antes que Samara pudesse se mover, acertou
uma estaca em sua perna direita. Samara sentiu a madeira penetrar em sua
carne e rasgá-la.
— Mas vocês humanos pensam mesmo que podem me vencer
assim?
Samara caminhou lentamente na direção de Derick. Ela sorria. Vick
se colocou no meio do caminho.
— Você não vai machucar mais ninguém.
— Vick, já ia me esquecendo, antes do Thomas morrer, ele pediu
para que eu dissesse que ele te amava.
— O Thomas está morto?
— Sinto muito, mas ele estava me atrapalhando. Eu me encarreguei
de matá-lo pessoalmente. Foi tão bom cravar aquela estaca em seu coração.
Ver seu corpo se transformar em pó…
— Isso é mentira.
— Querida, eu não minto. Mas vamos ao que interessa.
Aproveitando que estão todos aqui, eu vou começar minha vingança. Vick,
onde está a pedra dos poderes?
— Eu não sei de que pedra você está falando.
— Olha como você fala comigo. Seus irmãos estão todos aqui, e eu
posso muito bem acabar com eles.
Sara não estava entendendo nada. Ela via os corpos caídos no chão e
estava apavorada.
— Patrick, eu vou embora daqui ― ela disse correndo para a porta
do galpão.
— Ninguém sai daqui ― Samara em segundos estava ao lado de
Sara.
— Sai de perto de mim ― ela gritou.
— Não vai doer nada ― ela cravou os dentes no pescoço de Sara
que soltou um grito de dor.
— Sara, não! ― Vick partiu ao encontro da irmã, que neste
momento, caiu de joelhos.
Samara estava de pé. Ela dava gargalhadas. Vick estava
desesperada. Ela precisava de um plano para tirar todos dali. Ela olhou para
Derick, que parecia desnorteado. Ele ainda segurava o corpo da irmã. Brian
ainda estava desacordado, e Simone, sua melhor amiga, estava parada na
porta do galpão com as duas mãos na boca.
— Patrick, leve a Sara daqui. Simone, tente levar o Brian ― Vick
ordenou.
Mais que depressa, Patrick chegou até onde Sara estava e com a
ajuda de Vick a ergueu, fazendo-a se apoiar em seu ombro. Ele começou a
caminhar para a saída do galpão quando sentiu alguém puxá-lo para baixo.
Sara tombou para o lado e Patrick sentiu uma forte dor em seu pescoço.
— Eu disse que ninguém sai daqui ― Samara disse.
Vick não conseguiu processar as informações do que aconteceu a
seguir. Ela viu Patrick carregar Sara, viu Samara, em menos de um
segundo, chegar até eles e agarrar a cabeça do irmão. E então, aconteceu a
cena mais chocante da vida de Vick.
Samara torceu o pescoço de Patrick com tanta força, que todos
escutaram o som dos ossos se quebrando. Ela então, com uma brutalidade
animal, arrancou a cabeça do irmão de Vick com apenas um soco.
Vick observou incrédula o corpo de Patrick cair no chão, e
automaticamente olhou para cima, para onde a cabeça rodopiava no ar, e
alguns segundos depois, ouviu o som oco que se produziu ao cair no chão.
Patrick estava morto. Estava tudo acabado para eles.
— Eu posso ficar sem o poder da sua família, mas eu não quero que
vocês saiam daqui, entenderam? Se alguém mais se intrometer, eu não
pouparei ninguém. Agora eu vou mostrá-los o motivo real pelo qual voltei.
Simone estava em pânico. Sara agonizava no chão. Vick não seria
capaz de vencer Samara. E ela sabia muito bem disso.
Samara pegou um pedaço de vidro e fez um corte em seu braço.
Depois ela pegou um pouco de sangue de Sara e de Patrick e os misturou.
— Forças das trevas, eu fui responsável por aprisionar as bruxas
Felens nesta maldição. E agora estou completamente arrependida e uma
prova disto é esta. Eu, Samara Alcantara trago de volta aquelas que nunca
deveriam ter sido trancadas. Eu trago de volta com a ajuda das forças
ocultas, Trixi, Malvina e Lorai Felens.
O que pareciam ser três estátuas surgiram do chão. De repente
houve um clarão que deixou todos ali desnorteados. Simone cambaleou
para trás e protegeu os olhos com as mãos. O galpão estava em chamas.
Samara, mais que depressa, começou a levar as estátuas para o lado
de fora. Vick fez o mesmo com seus amigos. Depois de esvaziarem o
galpão, as duas pararam uma de frente para a outra.
— Samara, eu posso morrer, mas eu vou levar você junto.
— E quem vai ajudá-la nisso? Sua amiguinha humana?
— Não, eu.
— Thomas! ― disse Vick. ― Eu sabia que você não estava morto.
Eu sabia.
— Desculpem a demora. Eu estava meio ocupado. Mas agora, você
vai morrer, Samara.
— Vick, onde está o colar que eu te dei? ― perguntou Thomas.
— Está comigo ― Vick abaixou a gola da blusa que usava e
mostrou o colar para Thomas.
— Que bom. Vocês facilitaram meu trabalho. Agora ele será meu.
Samara correu em direção a Vick que por sua vez fechou a mão e
em um movimento rápido acertou Samara ainda no ar. Ela caiu no chão
abrindo uma rachadura enorme.
— Thomas, por que ele só funcionou agora? ― perguntou Vick.
— Eu não sei, Vick. Mas não vamos perder o foco. Derick, ei,
Derick, olhe para mim ― Thomas gritou para Derick que estava de joelhos
ao lado do corpo da irmã. ― Eu preciso que você nos ajude. Use o máximo
de armas que você tiver. Não desista agora. Honre o sacrifício de sua irmã.
Derick se levantou e recarregou sua arma. Ele começou a atirar
freneticamente, mas nenhuma estaca acertou Samara.
— Vocês não vão me vencer. Eu sou mais forte.
Thomas a alcançou e a jogou no chão. Quando estava prestes a se
levantar, Derick atirou mais uma vez. Dessa vez, três estacas acertaram
Samara. Uma delas ficou presa em seu peito, bem perto do coração. Vick
correu até ela.
— Eu quero ver você sofrer. O que você acha de ficar sem um
braço? Tome! ― Vick arrancou o braço esquerdo de Samara que caiu no
chão novamente gritando de dor.
— Deixe-me ir. Eu juro que não volto. Eu não quero morrer. Eu
conto tudo a vocês. Sobre os poderes, sobre as bruxas… Thomas, por favor,
eu sou sua irmã. Thomas!
— Desculpe Samara, mas você não significa nada para mim. Eu
odeio você. Morra! ― Thomas retirou a estaca da irmã, e sem pensar duas
vezes, afundou sua mão no peito dela, arrancando seu coração.
Finalmente Samara estava morta. Vick juntou seu corpo ao de
Thomas em um forte abraço.
— Thomas, que bom que você está vivo. Eu amo você ― foi a
primeira vez que Vick tivera coragem para dizer aquilo.
— Eu também amo você, Vick.
Simone correu até os dois. Ela estava abalada, mas bem.
— Vick, nós temos que levar a Sara para um hospital. Ela está
perdendo muito sangue.
— Não! Eu não posso perder mais ninguém ― Vick caminhou até
Sara e tocou em seu corpo. ― Minha irmã, me desculpe por envolvê-la
nisso.
A ferida no corpo de Sara se curou no momento em que Vick a
tocou.
— Como isso é possível? ― Simone perguntou.
— O colar tem tanto poder assim? ― perguntou Simone.
— Acredito que sim. Sara, minha irmã, você está bem?
— Estou sim, só um pouco zonza. O que aconteceu?
— Eu explico depois. Vamos para casa.
Thomas, com a ajuda de Derick, enterrou os corpos de Dandara e
Patrick ali mesmo, em frente ao antigo galpão que agora estava todo
destruído. Vick caminhou até Brian e, tocando-o da mesma forma que fizera
com Sara, o despertou.
— Olá, Brian. Vamos para casa. Derick, você também. Temos muita
coisa para conversar.
Eles seguiram para a casa de Vick. Ela sentiu um alívio, e ao mesmo
tempo, uma angústia tremenda ao entrar ali. Olhou para a sala de estar, os
retratos na parede. As fotos de Patrick…
— Vick ― Thomas disse se aproximando ―, eu sinto muito pelo
seu irmão.
— Obrigado, Thomas. Mas a culpa foi minha. Eu não deveria ter ido
até a escola hoje.
— Vick, a culpa não foi sua. A Samara atacaria hoje, você indo ou
não à escola. Ela tinha até hoje para libertar as bruxas da maldição.
— Por que, Thomas?
— Em março acontecerá um eclipse no qual os poderes das bruxas
serão recarregados.
— Que maldição é essa? ― Simone perguntou.
— Essa guerra começou por causa de um amor proibido. Lorai
Felens, uma das bruxas mais poderosas da Europa conheceu um rapaz por
quem se apaixonou perdidamente. Ela não sabia, mas ele era um vampiro.
Ela também desconhecia a real natureza de seu grande amor. Durante algum
tempo eles seguiram se encontrando. Eis que um dia, por um motivo
desconhecido, este homem revelou às pessoas que Lorai era uma bruxa. E
naquela época, a Igreja começava a perseguir mulheres que eram acusadas
de bruxaria. A história vocês já conhecem. Mas as bruxas juraram vingança
contra a família desse vampiro, e adivinhe? O desgraçado era meu tio. E
restaram apenas três da família Alcantara. Elas foram atrás de nós, mas o
que não esperávamos era que nossa irmã estaria do lado delas.
— E como vocês conseguiram vencê-las?
— Nós contamos com a ajuda dos Ripilus. Eles são seres mágicos.
São vampiros, lobisomens e bruxos ao mesmo tempo. Eu não sei como
surgiram, mas são muito fortes. Eles nos trouxeram aqui para o Brasil,
quase sessenta anos antes deste território ser invadido. Antes de todo o
genocídio do povo indígena. E usando o colar, ou melhor, a pedra do colar,
que é oriunda da morada da deusa Yebá, nós conseguimos trancá-las em
uma maldição, mas Samara descobriu uma forma de quebrá-la. E o eclipse
é a peça chave para isso.
— Nós temos que impedir que isso aconteça.
— Simone, é tudo o que eu mais quero, mas eu não faço ideia de
como faremos isso. Na verdade, eu nem sei como elas conseguirão sair
dessa maldição. O que eu contei a vocês, foi tudo o que eu ouvi da própria
Samara.
— O que significa que pode ser mentira?
— Em partes, sim. Mas ela conseguiu resgatar as estátuas, e para
isso ela precisava de muito poder. Alguma fonte ela tinha.
Sara ouvia tudo atentamente. Ela olhava para todos ali, e se
perguntava se aquilo não passava de um sonho. Bruxas, vampiros,
lobisomens. Tudo isso era fantasia, lendas. Acreditar nisso era o mesmo que
acreditar que o Papai Noel trazia os presentes na véspera de Natal.
— Sara, tá tudo bem? ― Vick perguntou.
— Vick, posso conversar com você?
— Claro! Vamos para o meu quarto.
As duas subiram para o segundo andar. Vick caminhou pelo
corredor e sentiu um aperto no peito ao passar pelo quarto do irmão. Ela viu
que a cama estava bagunçada. O edredom estava caído no chão, e o lençol
quase solto no colchão. Tentando não chorar, ela chegou até o seu antigo
quarto.
— Pronto, Sara, podemos conversar aqui.
— Vick, eu gostaria de pedir desculpas. Por tudo. Você sempre foi
um exemplo para mim. Eu adorava brincar com você, contar meus
segredos, mas aí você começou a namorar o Brian, não brincava mais
comigo, e sequer passava um tempo comigo. Eu comecei a ter raiva de
você. Daí nossos pais morreram, e eu não sabia como te pedir ajuda. Eu
estava desesperada, precisava de amparo, carinho… ― Sara chorava. Ela
olhava nos fundos dos olhos de Vick. ― Eu não vi outra saída a não ser me
fingir de forte. Fingir que eu era capaz de lidar com meus problemas,
principalmente, que não precisava de ninguém. Vick, por favor, me perdoe
por tudo o que eu disse sobre você, por ter sido tão cruel…
Vick a abraçou, e por um instante, parecia que tudo estava em paz.
Que elas eram aquelas crianças que brincavam juntas, que contavam seus
segredos uma para a outra. Sara a abraçava cada vez mais forte.
— Sara, você não precisa me pedir desculpas. Eu fui falha. Eu
também quis mostrar que era forte, que eu conseguia cuidar de vocês, mas
na verdade, eu não cuidava nem de mim. Eu fiquei tão preocupada em não
deixar faltar o mínimo para nós aqui, que eu não lembrei do que a mamãe
sempre dizia. As pessoas podem ter tudo aquilo que o dinheiro pode
comprar, mas se não tiverem o mínimo de amor, carinho e afeto, elas jamais
serão completas.
— É por isso que eu quero recomeçar. Quero fazer diferente. E
infelizmente tivemos que perder nosso irmão para eu perceber isso. Quando
você desapareceu, alguma coisa me dizia que você voltaria, mas agora, com
o Patrick… eu… ah, Vick, por que isso teve que acontecer?
— Sara, eu gostaria de ter a resposta para isso. Gostaria de tirar essa
dor do seu peito. Olha, agora eu sou uma vampira, e isso deve ficar em
segredo, mas de agora em diante, estaremos sujeitos a muitas coisas. Eu
prometo a você que farei de tudo para proteger vocês. Agora vamos voltar
lá pra baixo.
Vick se virou e começou a caminhar até a porta, mas antes que
alcançasse o corredor, ela caiu no chão desacordada. Sara correu até ela e
tentou reanimá-la, mas nada surtia efeito. Ela gritou por socorro, e Thomas
foi o primeiro a chegar no andar de cima.
— Vick, fale comigo! Acorde! ― Thomas estava desesperado. ― O
que aconteceu?
— Eu não sei, ela simplesmente desmaiou.
Thomas pegou Vick nos braços e a colocou na cama. Ela recobrou a
consciência alguns minutos depois. Sua cabeça doía, e tudo girava.
— Vick, qual foi a última vez que você se alimentou? ― Thomas
perguntou.
— Não me lembro ― ela respondeu.
— Você precisa se alimentar. Eu vou procurar algum animal.
— E se ela se alimentasse de um de nós? ― Brian perguntou.
— Você ficou maluco, Brian? ― Vick quase gritou.
— Vick, sangue humano fortalece muito mais do que sangue
animal. E você vai conseguir se controlar.
— Thomas, você não pode estar falando sério. Eu não quero me
alimentar dos meus amigos.
— Tudo bem, não vou insistir, mas vai chegar uma hora em que
você não terá opção. Eu já volto. ― Thomas desapareceu.
Com os braços cruzados, e fuzilando Vick com os olhos, Simone se
aproximou da cama.
— Você continua teimosa, né? Vick, você tem que aprender a se
controlar, e para isso, vai ser necessário a exposição.
— Amiga, por favor, eu não quero.
Houve um breve minuto de silêncio. Derick, já um pouco mais
conformado com toda a situação, caminhou para mais perto daqueles que
estavam ao redor de Vick.
— Então, eu gostaria de pedir perdão por toda confusão que
causamos. Nós estávamos desesperados querendo vingança. E no final, só o
que conseguimos foi a morte da Dandara. Eu vou voltar para o Espírito
Santo, tentar levar uma vida diferente.
Mesmo depois de tudo, Brian e Simone não conseguiram
demonstrar empatia para Derick. Eles assentiram com a cabeça, mas nada
disseram.
— Derick, todos nós fizemos coisas das quais nos arrependemos ―
Vick disse. ― Nosso objetivo era o mesmo, e no final das contas,
conseguimos derrotar a Samara.
— Sim, Vick, e nos custou tão caro, né? Mas a memória do Patrick e
da Dandara nos fará mais fortes. Bom, vou nessa. Até qualquer dia. Sara,
você pode me acompanhar até a porta?
Os dois desceram as escadas e seguiram para o portão. Derick
parecia sem graça. Ele coçava a cabeça.
— Então, tudo isso não passou de um teatro, né? ― Sara perguntou.
— Sara, me desculpe, eu tive que me aproximar de você para
alcançar o meu objetivo, mas eu quero recomeçar. Quero que você me
conheça verdadeiramente. Mas isso demandará tempo.
— Bem, eu acho uma boa. E como faremos isso? Já que você está
voltando para o Espírito Santo?
— Mensagens, e-mails, sei lá, mas não quero perder o contato com
você.
Derick beijou Sara. Ela era um pouco mais baixa do que ele, o que o
obrigou a se curvar.
— Até logo, Sara ― ele disse saindo.
†††††††††††††††††††
Thomas estava novamente no parque da cidade. Ele procurava
algum animal para alimentar Vick. O dia começava a amanhecer, e ele
conseguiu ouvir os animais diurnos começarem sua rotina. Um pequeno
coelho saiu de sua toca e pulou em direção a Thomas. Sem pensar duas
vezes, ele capturou o animal e o levou até a casa de Vick.
Ela se sentou na cama e se alimentou. Neste momento, Thomas
estava sozinho com ela.
— Thomas, obrigada.
— Não precisa me agradecer, mas o que seus amigos disseram é
verdade. Você tem que aprender a se controlar.
— Thomas, eu vou ficar bem.
— Vick, a pedra consumiu sua energia. Você precisa repor. E esse
coelho não será o suficiente.
— Thomas, chega! ― ela gritou. ― Eu já disse que não quero!
— Você é quem sabe.
— Mudando de assunto, como você conseguiu escapar?
— A Samara deixou o Shannon me vigiando, mas ele é um idiota.
Ele é um lobisomem novato, não sabe usar suas habilidades. Eu aproveitei
um momento de descuido e fugi.
— E onde será que ele foi parar?
— Eu não faço ideia. Mas espero que ele não volte a cruzar o meu
caminho.
— Há dois meses eu jamais imaginaria que todas essas criaturas
pudessem ser reais.
— Vick, existem tantas criaturas, tantos seres da noite. Cada país
possui sua versão, sua lenda. Muitos deles vivem escondidos, com medo
dos humanos, outros conseguem se camuflar, como é o nosso caso.
— Você já conheceu muitas criaturas?
— Bastante, mas não sou do tipo que mantém contato. Prefiro ficar
perto da minha própria espécie.
— E seus amigos?
— Vick, eu rodei cada canto desse mundo. Conheci várias pessoas.
Posso dizer que algumas delas eu consigo chamar de amigos.
— Então, caso precisemos de reforços para vencer as bruxas, você
tem a quem recorrer?
— Sim. Tenho alguns contatos.
— Eu estou com muito medo, Thomas.
— Eu também estou. Mas não podemos nos desesperar. Agora
descanse um pouco, você ainda está fraca.
Vick obedeceu. Ela sentia seu corpo fraco. Como quando estava
gripada, e seu corpo ficava pesado. Thomas se acomodou na cabeceira da
cama. Sentou-se ali e começou a acariciar os cabelos de Vick até ela pegar
no sono. Pela janela ele percebeu que já era dia.
Thomas se levantou e caminhou ao redor do quarto, observando as
coisas de Vick. Havia uma prateleira repleta de livros. Uma mesinha branca
estava encostada perto da janela. Em cima dela havia um notebook. Ele deu
mais uma volta e se deparou com uma escrivaninha repleta de fotos. Ele
pegou uma aleatoriamente e observou Vick ainda criança ao lado dos pais e
dos irmãos. Eles estavam na praia.
Thomas seguiu para o corredor e, passando pelo quarto de Sara,
percebeu que ela dormia profundamente. Brian e Simone dormiam no
quarto de Patrick. Descendo as escadas ele ouviu o barulho da TV, que
estava ligada no noticiário. O repórter falava sobre a prisão de um homem
suspeito de ser o responsável pelos assassinatos que aconteceram em
Felens.
“Foi preso nesta madrugada na cidade de Bento Alves, o homem
identificado como Anderson de Freitas. Ele é suspeito de uma série de
crimes na região, como o assassinato de mais de quinze pessoas. Ele foi
pego em flagrante quando tentava sequestrar uma mulher em Bento Alves.
A mulher, que terá sua identidade protegida, conseguiu fugir e denunciá-lo
à polícia. Questionado sobre a autoria dos crimes em Felens e em Santa
Elena, Anderson se declarou inocente. Retornaremos com mais notícias em
breve.”
Thomas desligou a televisão. Ele sabia que aquele homem não era o
responsável pela morte das pessoas de Felens, nem mesmo de Santa Elena.
Samara, sua irmã, havia deixado um rastro de destruição. Ele sabia que tudo
não passava de uma feliz coincidência.
A campainha tocou, e como era o único acordado, Thomas atendeu
o portão. Era um policial, e ele olhava para Thomas com suspeita.
— Bom dia, gostaria de falar com Victória Fonseca, ela se encontra?
― um dos policiais perguntou.
— Sim, vou chamá-la.
Thomas escorou o portão e correu para o andar de cima. Vick ainda
estava um pouco fraca, mas ao ouvir o que Thomas disse, se levantou em
um salto. Ela desceu e convidou o policial a entrar. O policial se acomodou
no sofá.
— Bem, gostaria de saber o que aconteceu com você durante este
tempo em que ficou desaparecida.
— Eu fui sequestrada. Eles me levaram para outro estado. Eu não
sabia quem eram porque eles me vendaram o tempo todo. Duas semanas
antes de eu aparecer, este homem, Thomas Alcantara, me encontrou em um
casebre e me levou para sua casa. Eu estava muito ferida e ele cuidou de
mim.
— E os sequestradores?
— Eles não estavam lá. Às vezes eles saíam pela manhã e só
voltavam à noite.
— E você rapaz, como a encontrou?
— Eu morava perto do casebre onde a Vick foi mantida refém. Eu
comecei a perceber uma movimentação estranha na rua de casa. Suspeitei
que algum crime estava acontecendo e chamei a polícia. ― disse Thomas
meio confuso.
— Você pode me dizer a cidade em que estavam? ― o policial
perguntou desconfiado.
— Sorocaba, em São Paulo ― Vick respondeu.
— Victória, você sabe que mentir para polícia é crime, né? Se essa
história for…
Antes que ele terminasse de falar, Thomas olhou fixamente nos
olhos do policial e disse.
— Você vai esquecer o que a Victória disse, mas manterá a memória
de que ela foi sequestrada e encontrada em outra cidade. A polícia de
Sorocaba já enviou todos os detalhes da prisão dos sequestradores. Vocês
nunca mais incomodarão a Vick com essa história.
O policial ficou olhando para o nada durante alguns segundos.
Quando saiu do transe, ele se levantou.
— Bem, acho que já tenho tudo o que preciso para arquivar seu
caso, Victória. Tenham um ótimo dia.
O policial saiu. Vick sentiu um alívio tremendo. Ela sabia que entrar
na mente de um humano era muito difícil, mas Thomas fez parecer fácil.
— Thomas, eu não sabia mais o que dizer. Ainda bem que você
conseguiu convencê-lo.
— Vick, esta é uma habilidade que necessita de prática. Mas você
precisa se alimentar de sangue humano para continuar com esse controle.
Vick não disse nada. Ela lutava internamente com a ideia de ter que
se alimentar de sangue humano para conseguir poder, mas sabia que ainda
não conseguiria se controlar. E se ela matasse algum de seus amigos? Ela
conseguiria sobreviver com mais essa culpa?
— Vick, você tem todo o direito de não querer se alimentar de
sangue humano, mas estamos prestes a enfrentar uma das criaturas mais
poderosas. E só conseguiremos proteger seus amigos se você estiver forte.
Mesmo que você tenha a pedra. Você a usou por pouco tempo e veja como
você ficou.
— O Thomas tem razão, Vick. Eu e o Brian somos humanos, não
conseguiremos fazer muita coisa. Nem mesmo o Derick, um caçador de
vampiros, conseguiu fazer muita coisa, imagine nós?
Sara caminhou até Vick. Ela estendeu seu pulso para a irmã.
— Vick, tente, o Thomas está aqui, ele não permitirá que você perca
o controle.
— Sara, por favor, não insista ― Vick implorou.
— Vick, vamos. Eu confio em você.
Vendo que eles não desistiriam até ela concordar com aquilo, Vick
levou a boca até o pulso da irmã. Sara sentiu os lábios gelados de Vick
tocarem sua pele. Quando os dentes de Vick perfuraram a carne de Sara, ela
sentiu como se fossem duas agulhas finas, como aquelas usadas em
acupuntura. Vick sugou o sangue da irmã e sentiu um prazer gigantesco. Ela
sugou, sugou e sugou. Parecia insaciável. Thomas, percebendo que logo ela
perderia o controle, agarrou Vick pelos ombros e a afastou de Sara.
— Vick, chega ― disse Thomas.
Vick estava com um olhar amedrontador. Ela queria mais. Estava
com muita fome. Ela ameaçou avançar em Sara novamente, mas Thomas a
segurou mais forte. Vick rosnava, o que fez Simone se lembrar do dia em
que a encontrou, no dia em que Vick transformou aqueles dois homens.
— Thomas, ela não vai conseguir se controlar ― Simone gritou.
Vick se soltou de Thomas e avançou em Sara, que caiu no chão.
Brian correu para tentar impedir a amiga, mas foi arremessado no sofá.
— Eu estou com muita fome! ― disse Vick.
— Simone, Brian, saiam já daqui ― Thomas gritou.
Vick tentava alcançar o pescoço de Sara, que se protegia com os
braços. Thomas pulou nas costas de Vick e a puxou para trás. Os dois
tombaram para o lado, e ele a segurou com mais força.
— Sara, venha, vamos para fora ― Simone disse estendendo a mão
para ela.
Sara se levantou e correu para o lado de fora da casa. Brian chegou
logo em seguida.
— Que loucura! ― disse ele.
— Não deve ser fácil se controlar. Sara, você está bem?
— Sim, Simone. A mordida não doeu tanto. Será que o Thomas vai
conseguir?
— Espero que sim, Sara. Eu espero que sim.
Dentro da casa, Thomas tentava acalmar Vick. Ela ainda estava com
a boca suja de sangue, e com a língua, ela limpou os lábios. Thomas
cochichou no ouvido dela.
— Vick, fique calma. Vamos! Você é mais forte do que seu desejo.
Demorou alguns minutos até que Vick conseguisse voltar ao normal.
Ela continuou deitada, amparada por Thomas. Ela chorava tão alto, que ele
encostou sua cabeça nas costas dela. Ele não suportou ouvir os gritos de
arrependimento dela.
— Thomas, o que foi que eu fiz?
— Vick, está tudo bem, a Sara está bem. Você vai aprender a se
controlar. É tudo questão de tempo.
— Não, Thomas, eu não vou. Eu jamais beberei sangue humano
novamente. Thomas, eu… eu não posso mais.
Thomas não sabia o que dizer. De certa forma ele se sentia culpado
por ter insistido tanto nessa história. Vick ainda chorava.
— Vick, me perdoa ― ele disse beijando sua cabeça.
CAPÍTULO 14
Vick ficou distante de todos durante alguns dias. Não deixou de
falar com eles, mas quase não se aproximava. Ela parecia sentir vergonha
do que aconteceu naquele dia, e mesmo Sara mostrando a ela que não havia
se machucado, que não havia acontecido nada, Vick insistia em ficar
distante.
A última semana de novembro foi a que ela mais se distanciou.
Sentindo que precisava de um tempo longe de todos, Vick pediu a ajuda de
Thomas para encontrar um lugar onde pudessem ficar sem temer pela vida
das pessoas. Ele pensou em vários lugares, mas nenhum deles se comparava
à sua cidade natal. Era isso, eles deveriam ir para a Itália. Lá, nas
propriedades da família Alcantara, Vick não precisaria se preocupar com
seus amigos.
— Vick, e se nós fossemos para a Itália? Poderíamos ficar no castelo
da minha família. Não se preocupe, não é por muito tempo. Podemos ficar
uma ou duas semanas.
— Eu aceito. Preciso desse tempo para reorganizar minha vida.
Ainda estou me sentindo muito mal pelo o que eu fiz com a Sara.
— Eu já disse que não precisa se sentir assim. Todos nós passamos
por isso.
— Não adianta, Thomas. Eu não vou me perdoar por isso.
No primeiro dia de dezembro eles partiram para a Itália. Vick sentiu
um aperto no peito ao deixar todos aqueles que ela amava para trás. Se
sentiu a pior pessoa do mundo por tudo o que havia causado.
Quando entrou no avião, ela deixou seus pensamentos vagarem. E
sem perceber, caiu no sono. Ela estava em um lugar onde ela se sentia
confortável, onde podia ser ela mesma. Vick estava em um campo repleto
de flores, correndo com os pés descalços na grama verde. Thomas estava
logo atrás. Ela sentiu o aroma fresco da relva, o perfume de cada flor. Tudo
estava conforme ela sempre quis.
— Vamos, Thomas, já estamos atrasados.
Eles continuaram correndo até chegar a uma planície. Vick avistou
um grupo de pessoas sentadas no chão. Ela sabia exatamente que eram
aquelas pessoas e, ao se aproximar, sentou-se no meio deles.
— Vocês demoraram ― Patrick disse abraçando a irmã.
— Patrick, que saudade de você! Como estão as coisas por aqui?
— O papai e a mamãe estão cuidando muito bem de mim ― Patrick
apontou para um casal que conversava com uma senhora de cabelos
grisalhos.
— Eu imagino que sim. Patrick, eu gostaria de pedir desculpas pelo
que aconteceu com você.
— Vick, a culpa não foi sua. Veja quem está aqui.
Uma mulher de altura média, cabelos castanhos, longos e cacheados
se aproximou deles. Vick não a reconheceu.
— Eu conheço você? ― Vick perguntou.
— Ainda não. Você precisa me ouvir, não temos muito tempo.
— Quem é você?
— Victória, você precisa convencer o Lucas a ir com vocês para
Felens.
— Quem é Lucas? Eu não estou entendendo.
— Mana, preste atenção no que ela está dizendo. ― Patrick disse.
— Victória, você precisa convencê-lo a voltar com vocês para
Felens.
— Tudo bem, eu lembrarei disso.
— No momento certo você saberá quem sou. Quando a escuridão
parecer dominar tudo e todos, a luz que irradia de sua alma será capaz de
iluminar o mundo.
A mulher desapareceu diante dos olhos de Vick. Ela tentou
perguntar a Patrick quem era ela, mas ele parecia não escutar. De repente
todas as pessoas que ali estavam começaram a sumir. Ela ouviu uma voz
chamar pelo seu nome. Quando abriu os olhos, percebeu que Thomas a
encarava.
— Você dormiu a viagem inteira. Está tudo bem?
— O quê? Nós já chegamos?
— Sim, está tudo bem com você?
— Está sim, quer dizer, eu tive um sonho estranho. Eu vi o Patrick,
meus pais e… bom, deixa pra lá.
— Tudo bem. Vamos logo, estou ansioso para chegar em casa.
Os dois seguiram para a esteira de bagagens e aguardaram até que
suas malas aparecessem. Vick ainda pensava nas palavras da mulher
misteriosa. Ela não sabia o motivo, mas algo dizia que ela podia confiar
nela. Quando as malas chegaram ao campo de visão de Thomas, ele as
recolheu e guiou Vick até a saída do aeroporto. Eles pegaram um táxi. O
taxista ouviu as instruções de Thomas, colocou o endereço no GPS e seguiu
viagem.
Vick ficou impressionada com a paisagem daquela região da Itália.
Pela janela do carro ela observou os Alpes cobertos de neve. Thomas estava
com um olhar nostálgico. Ele conhecia cada parte da Itália, mas aquela, em
específico, era sua preferida.
— Thomas, que região é essa?
— Nós estamos no norte da Itália, numa comuna chamada Funes.
Meu pai nasceu aqui. É um dos lugares mais lindos do mundo.
A viagem não demorou muito, e quando Vick percebeu, o taxista já
estava estacionando o carro. Eles estavam em frente a um enorme castelo de
pedra cinza.
— Thomas, eu estou impressionada.
— Você não viu nada.
Thomas guiou Vick para a entrada do castelo, onde um homem alto,
cabelos da cor de palha, e olhos claros retirava a neve do caminho.
— Não acredito! Thomas, é você mesmo?
— Lucas, meu querido irmão! Quanto tempo! ― Thomas deu um
forte abraço no homem que derrubou a pá na neve.
— Eu pensei que não o veria novamente.
— Você não vai se ver livre de mim assim, maninho. Essa é a
Victória, minha namorada.
Vick estendeu a mão para Lucas que a apertou gentilmente. Ele
tinha um sorriso lindo.
— Espero que o Thomas tenha falado bem de mim.
— Bem, na verdade ele não falou muita coisa ― Vick preferiu ser
sincera. Vick sabia que Thomas tinha dois irmãos, mas ele quase não falava
da família.
— Eu imaginei. O Thomas não costuma falar sobre a família. Bem,
prazer em conhecê-la. Por favor, entrem.
Eles entraram no castelo. Vick observava os quadros pendurados nas
paredes, as cortinas enormes nas janelas de cor vermelha. Candelabros que
pareciam não ter mais nenhuma utilidade. Tudo era lindo. Eles chegaram
até uma enorme sala onde havia estantes com diversos livros. No centro
havia uma mesinha rodeada por enormes sofás de madeira.
— O que o fez voltar aqui, Thomas? ― Lucas disse, servindo a eles
uma taça de vinho.
Thomas contou toda a história para o irmão. Lucas ouviu tudo
atentamente, e ao final, respirou profundamente.
— Cara, eu sei que sempre foi nosso desejo acabar com a Samara,
mas eu não consigo dizer como eu me sinto.
— Bem, Lucas, eu estou aliviado.
— Nós estamos ― disse Vick.
— Então, você é da família Fonseca? A Samara esteve sempre um
passo à nossa frente, não é mesmo, Thomas?
— Lucas, ela sempre fez de tudo por poder. Ela teve o que merecia.
— Você acha que as bruxas conseguirão sair da maldição tão
facilmente? Apenas com a energia do eclipse?
— Não sei. Uma coisa é certa: ela conseguiu o que queria. Quando
eu vi aquelas estátuas novamente, eu fiquei apavorado.
— E quem não ficaria? Se elas se libertarem da maldição, será nosso
fim.
— Lucas, é por isso que precisamos de você. Você precisa voltar
conosco para Felens.
†††††††††††††††††††
Simone acordou bem cedo naquela manhã. O sol estava escondido
entre as nuvens escuras. Sua mãe estava sentada no sofá assistindo TV.
— Bom dia, mamãe.
— Bom dia, Simone. Acordou cedo!
— Eu fiquei sem sono. O que está assistindo?
— Jornal. Eles passaram uma reportagem sobre a Vick. Disseram
que os sequestradores foram presos em São Paulo. Falaram também sobre o
maníaco que andou por aqui. Espero que fiquem presos para sempre!
— É bom saber que eles pagarão por seus crimes, né?
— Mas e aí, como vão as coisas? A Vick deu notícias?
— Ainda não. Acredito que ela passou por muita coisa. Precisa
desse tempo.
— Eu não consigo imaginar o que essa menina passou. Mas onde
você vai tão cedo?
— Eu tenho que ir até a escola, nós temos que preparar as coisas
para a formatura.
— Estou tão feliz por você, minha filha.
— Obrigada, mamãe. Vou indo, então.
— Você não vai comer nada?
— Não estou me sentindo muito bem. Acho que comi alguma coisa
que caiu mal. Mas não se preocupe.
Simone seguiu para escola onde os alunos arrumavam a decoração
para a formatura. Alguns alunos montavam os arcos onde os balões seriam
pendurados. Outros estendiam o tapete por onde os formandos subiriam
para o palanque montado no auditório. Brian estava em cima de uma
escada. Ele segurava a faixa com o seguinte letreiro:
“Sejam bem-vindos, Turma de 2011. Estamos juntos nessa.”
— E aí Simone, como você acha que ficou? ― Brian perguntou
quando viu que Simone havia chegado.
— Está lindo! Mas eu acho que…
Simone caiu no chão de joelhos. Brian desceu da escada quase
escorregando. Ele chegou até onde Simone estava e a ajudou a se levantar.
— Ei, você tá bem? ― perguntou Brian.
— Sim, só estou um pouco enjoada.
— Você tomou café antes de vir para escola?
— Não, ultimamente tudo o que eu como me faz passar mal.
— Você só pode estar brincando. Simone você está grávida. ― Ele
disse quase gritando.
— Fala baixo, Brian! Eu não tenho certeza, eu vou fazer um teste
hoje. Mas até eu ter certeza, se acalme.
— Se for verdade, eu serei o cara mais feliz.
— Brian, nós temos apenas dezoito anos. Você acha que somos
capazes de criar um filho?
— Eu tenho certeza! Simone, eu sempre quis ser pai. Nós vamos dar
um jeito.
— Não vamos falar disso aqui. Vamos terminar de arrumar tudo
isto.
Eles ficaram na escola até o cair da tarde. Quando terminaram a
organização, Brian acompanhou Simone. Eles já estavam próximos à
pracinha da cidade, quando Jéssica apareceu em seu caminho.
— Preciso conversar com vocês. Onde é que a Dandara se meteu?
Ela não me responde mais, não me procura…
Eles ficaram surpresos. Com tudo o que aconteceu, eles nem se
lembravam da existência de Jéssica. Eles não sabiam o quanto ela sabia, e
principalmente, não sabiam se ela colocaria o segredo de Vick em perigo.
— Nós não sabemos sobre ela ― Simone mentiu.
— Você acha que eu acredito em você?
— Bem, Jéssica, se você não acredita em mim, eu não preciso dizer
mais nada.
— Simone, ela me garantiu que assim que ela encontrasse a Vick,
ela me recompensaria por toda a ajuda que eu ofereci.
— Jéssica, a Simone já disse que não sabemos sobre a Dandara.
Agora, se você nos der licença, temos coisas mais importantes para fazer.
Os dois seguiram até a farmácia que ficava na praça da cidade, ao
lado da prefeitura. Simone, com seu rosto corado de vergonha, chegou até o
balcão com o teste de gravidez. A moça do caixa olhou bem fundo nos
olhos dela. Simone pagou pelo teste e correu para o lado de fora.
Brian a levou até em casa. Ela já estava ansiosa. Sua mão suava frio,
e seu coração batia descompassadamente.
— Meu amor, assim que você tiver a resposta, você promete que me
mandará uma mensagem avisando?
— Eu prometo, Brian. Nos vemos amanhã ― disse ela beijando-o.
Simone entrou e correu para seu quarto. Ela trancou a porta e tirou o
teste da caixinha. Ela leu as instruções da caixinha, e seguiu o passo-a-
passo. Alguns minutos depois, com o coração saindo pela boca, Simone
olhou para o resultado.
— Meu Deus! Eu estou grávida!
†††††††††††††††††††
Do outro lado da cidade, Shannon andava atordoado. Ele estava sujo
e parecia doente.
— Samara, sua maldita! Porque você fez isto comigo? Eu confiava
em você.
Uma garota alta, de cabelos negros surgiu em frente à Shannon.
— Olá Shannon, como vai?
— Quem é você e como sabe meu nome?
— Meu querido, eu sei muita coisa sobre você. Sei que é um
lobisomem e sei também que você quer vingança por tudo o que aquelas
pessoas fizeram com você.
— Mas eles não fizeram nada comigo. Quem fez foi a Samara. Ela
que me deixou sem explicação nenhuma. Ela me usou e agora desapareceu.
— A Samara não desapareceu, ela está morta. Mas ela me deixou
um trabalho e disse que você seria o único que eu poderia confiar. Meu
nome é Melissa Ramos. Venha comigo e eu explico tudo o que você precisa
saber.
— Como eu vou saber se posso confiar em você?
— Você não vai saber. Mas se não tentar, nunca vai se vingar. Eu sei
onde têm outros como você e sei que a batalha que está por vir, vai trazer
todos eles de volta.
— Vamos, eu não quero perder mais tempo.
Os dois desapareceram no horizonte.
†††††††††††††††††††
— E então, Lucas, o que me diz? ― Thomas perguntou.
— Eu não sei, irmão. Como podem ver, eu transformei o castelo do
papai em um museu. São muitas coisas para administrar e, além disso, eu
prometi a mim mesmo que não me envolveria mais com isso.
— Lucas, eu sei que é difícil abrir mão de todo o conforto em que
você vive, mas isso não passa de ilusão. Quando as bruxas se livrarem da
maldição, elas virão atrás de nós, você estando ou não envolvido com isso.
— Thomas, eu perdi a pessoa que eu mais amei em toda a minha
existência. Tudo isso porque eu estava atrás de vingança.
— Lucas, eu sei que acabamos de nos conhecer, e que talvez eu não
tenha o direito de te cobrar isso, mas acredito que todos nós perdemos
pessoas que amamos. ― Vick disse em um tom suave. ― Se tem uma coisa
que eu aprendi nesse pouco tempo em que me transformei, é que o preço da
eternidade é muito caro.
— Eu sinto muito, gente, mas se vocês vieram aqui para tentar me
convencer a lutar, vocês vieram por nada. Com licença.
Lucas se retirou. Thomas estava com uma expressão preocupada.
Ele não esperava essa atitude do irmão, não depois de tudo o que passaram.
Vick lembrou-se do sonho que teve no avião, e agora tudo fazia sentido. Ela
precisava convencer Lucas a voltar com eles para Felens. Mas como ela
faria isso? Como ela conseguiria convencê-lo?
— Thomas, o que aconteceu de tão trágico na vida do Lucas?
— Há muitos anos ele se apaixonou por um humano chamado
Ezequiel. Durante muito tempo os dois viveram felizes, como se
pertencessem ao mesmo mundo.
— Ele sabia o que o Lucas era?
— Não no começo, mas meu irmão não conseguiu esconder por
muito tempo. Só que ao contrário do que ele imaginava, Ezequiel não fugiu,
não ficou com medo. Os dois decidiram morar juntos, e foi aí que tudo
aconteceu. Em uma noite, enquanto jantavam tranquilamente, a Samara
apareceu na casa deles. Ela estava atrás da pedra dos poderes, e como não
sabia do meu paradeiro, foi atrás da única pessoa que saberia sobre mim. O
Lucas se negou a dizer qualquer coisa, é claro, mas Samara sempre foi
perversa. Ela torturou o Ezequiel na frente dele, e ainda o obrigou a beber
todo o seu sangue.
— E ele não tentou nada para impedir?
— O que ele tentaria? A Samara era muito mais forte, e ao ver
Ezequiel naquele estado, ao sentir o cheiro do sangue que escorria de seu
pescoço, Lucas não conseguiu se controlar. A Samara o obrigou, é claro,
mas no final, ele sentiu prazer naquilo. Essa é a nossa cruz. O sabor da
morte é o que nos dá prazer.
— E o que aconteceu com Ezequiel?
— Bem, depois de tudo isso, o Lucas se viu obrigado a transformá-
lo. Ezequiel, ao despertar da morte, desapareceu no mundo. Não sei se ele
sentia raiva, ódio, ou apenas indiferença. Só o que sei é que Lucas jamais o
reencontrou.
— Thomas, coitado do Lucas.
— Pois é, Vick. Desde então ele vive recluso, tenta se passar por
humano. Não se alimenta de animais e nem de pessoas.
— E como ele sobrevive?
— Venha, vou mostrar algo a você.
Os dois seguiram para um outro cômodo do castelo. Ao chegarem
em um corredor escuro, Vick visualizou uma escada que se perdia na
escuridão. Eles desceram e chegaram a uma espécie de masmorra. Vick se
lembrou de ter visto algo parecido em algum filme. Havia uma enorme
porta de madeira, presa com grossas barras de ferro. Thomas retirou as
barras e empurrou a porta para dentro. Vick se assustou com o que viu.
Havia cerca de vinte pessoas sentadas em cadeiras de madeira. Eles
olhavam fixamente para o mesmo lado, mas não havia vida em seus olhos.
Eles tinham a aparência de humanos, mas Vick sabia que não eram.
— Thomas, o que são eles? ― ela perguntou.
— São os Ripilus. Criaturas mágicas criadas pelas bruxas. O Lucas
se alimenta do sangue deles. Eles são uma mistura de lobisomens, bruxas e
vampiros. Eles têm a capacidade de escolher no que se transformar.
— Mas, com todo esse poder, por qual motivo eles ficam presos
aqui?
— Eles não tiveram escolha. Com a ajuda da pedra, nós os
prendemos aqui. Eu sei, isso é errado, mas era isso ou morrer.
— Thomas, eu não posso acreditar nisso. Vocês usam essas
criaturas. Isso é inacreditável.
— Você vai aprender que para nós, a vida será sempre uma escolha
entre matar e morrer.
— A questão é que eles não estão mortos. Vocês estão tratando-os
como escravos! Vamos embora, eu já vi o suficiente.
Vick saiu primeiro. Ela estava chocada com tudo aquilo. Thomas
fechou a porta novamente e correu para alcançá-la.
— Vick, eu não me orgulho disso, mas foi a única maneira que
encontramos de não morrer.
— Thomas, sempre há uma escolha. Cada vez que você me conta
uma parte do seu passado eu me pergunto se você é realmente quem diz ser.
— Vick, espere aí ― Thomas segurou o pulso dela. ― Eu já disse
que tivemos que fazer isso. Eu sei muito bem as coisas que fiz no passado,
sei bem quantas pessoas eu machuquei. E sei que tudo isso que está
acontecendo são consequências dos meus atos, mas eu só consigo resolver
um problema de cada vez, e por agora, a coisa mais importante é lidar com
as bruxas.
— Desculpa, Thomas, eu acho que exagerei um pouco. Olha, eu não
estou falando que concordo em mantê-los aqui, mas vamos resolver o
problema das bruxas primeiro. Depois pensamos no que faremos com os
Ripilus.
— Vamos procurar pelo Lucas. Eu acho que sei onde ele está.
Thomas guiou Vick para fora do castelo. A neve caía lentamente
cobrindo toda a estrada. Algumas pessoas cumprimentaram Thomas pelo
caminho. Todos pareciam muito simpáticos.
Eles caminharam durante alguns minutos e chegaram até uma
igrejinha. A igrejinha tinha uma torre parecida com uma torre de castelo.
Vick conseguiu perceber que o telhado, apesar de coberto pela neve, era
cinza. Havia alguns banquinhos ao redor, e bem ao fundo, Vick ficou
admirada com a imponência dos Alpes.
— Thomas, que lugar lindo!
— Você tem que ver no verão. Podemos voltar aqui depois que tudo
isso passar, o que acha?
— Eu adoraria.
— Esta é a Chiesa di Santa Maddalena. O Lucas vem sempre para
cá quando precisa pensar.
Eles entraram na igrejinha e Vick ficou ainda mais impressionada.
Ela já havia entrado em igrejas lindíssimas. E apesar de não ser uma pessoa
religiosa, apreciava a arquitetura católica.
Um tapete vermelho se estendia verticalmente até o altar, onde
encontrava um outro tapete da mesma cor posicionado horizontalmente. Os
bancos de madeira cor de mel estavam distribuídos em fileiras iguais. Nas
paredes haviam imagens de santos. Eram como quadros e a moldura
pareciam feitas de gesso.
Vick conseguiu contar cinco pessoas sentadas nos bancos, mas só
reconheceu uma. Lucas estava sentado no primeiro banco em frente ao altar.
Por um instante Vick pensou que ele rezava, mas ao chegarem mais perto,
ela percebeu que ele chorava.
— Ei, cara, tá tudo bem? ― Thomas disse sentando-se ao lado do
irmão. Ele passou o braço por sobre os ombros de Lucas, puxando-o para
mais perto.
— Não, Thomas, não está. Eu sei que eu preciso ajudar vocês,
afinal, eu também sou culpado por trancar as bruxas, mas… eu não suporto
mais. Depois delas o que nos espera? Quem será o próximo na fila da
vingança?
— Eu entendo você, meu irmão. Você sempre foi a pessoa com o
coração mais gentil que eu já conheci. E apesar de não saber, você tem uma
força incrível. Tudo o que eu mais queria era ter conseguido poupar você de
tudo isso. Ter te dado a chance de viver normalmente, mas infelizmente eu
só podia contar com você. Você era o único amigo que eu tinha. E é por isso
que eu peço mais uma vez, venha conosco para Felens, vamos acabar com
as bruxas de uma vez por todas, depois disso, nós estaremos livres.
— Lucas, o que você disse fez muito sentido para mim. O que
aconteceu com o Ezequiel não foi culpa sua. Recentemente eu passei por
algo parecido, e eu me senti a pior pessoa do mundo, sem coragem de olhar
na cara da minha irmã e dos meus amigos, mesmo eles mostrando a todo o
momento que estavam bem. O que eu quero dizer é que você me ajudou a
perceber que essa é nossa condição, nossa natureza, e nos esconder só
deixará as coisas mais pesadas. Temos que ter a coragem de ser quem
somos. ― Vick dizia aquelas palavras para Lucas, mas carregando para si
tudo aquilo. A angústia que ela sentia ao se lembrar do que havia
acontecido com Sara parecia se dissipar, e como se uma chama tivesse se
acendido em seu peito, ela explodia de esperança.
— Victória, muito obrigado. Eu sei que não dá pra fugir do passado,
sei também que mesmo vivendo como um humano, o mundo está repleto de
seres da noite. Seres magníficos, e que assim como nós, estão passando por
batalhas internas, sofrendo com o medo de ser quem são. E acabar com as
bruxas não será apenas uma vitória nossa, mas uma chance para que todos
possam existir. Nós sabemos o que a Trixi é capaz de fazer, e não podemos
permitir que ela alcance seus objetivos.
— Então, isso significa…?
— Significa que eu irei para Felens com vocês.
CAPÍTULO 15
O grande dia havia chegado. Era a formatura dos alunos do terceiro
ano da escola Eroma. Um passo a mais para o futuro. Caminhando na
estrada da vida. O sol brilhava intensamente, o gramado do campus estava
em um verde escuro de tirar o fôlego. Vinte e oito alunos subiram em um
palco improvisado e o diretor começou um discurso.
— Boa tarde a todos os pais e familiares. Hoje será um dia que
ficará para sempre em suas memórias. Os alunos da escola Eroma, não só
saem daqui formados, eles saem homens e mulheres com um futuro
brilhante pela frente. Turma de 2011, parabéns. E queremos homenagear
todos os alunos e professores que foram mortos pelo assassino em série que
aterrorizou nossa cidade nos últimos meses. Que eles encontrem o descanso
eterno ― ele fez um breve minuto de silêncio. ― É com muito orgulho que
eu chamo aqui… Simone Souza.
Simone subiu ao palco com os olhos transbordando. Ela olhou para
sua mãe no final da fila de cadeiras e não se conteve.
— Boa tarde a todos! Eu não sei por onde começar. O que muda em
nós ao nos formarmos? Bem, eu não sei a resposta para essa pergunta, mas
o que sei, é que eu concluí mais uma etapa da minha vida. Uma etapa onde
deixamos de ser crianças, e passamos a entender o mundo como ele é. Uma
etapa em que nos tornamos adultos! Eu queria primeiramente agradecer a
Deus por me dar o dom da sabedoria. E quero agradecer também a todos os
professores, funcionários e alunos da Escola Eroma. Agradecer a minha
mãe e a Vick. Acho que é só. Não, não, não. Ao Brian também.
Todos deram uma breve gargalhada, enquanto Simone saia do palco.
— Por favor ― o diretor continuou. ―, Brian Campos.
— Boa tarde pessoal. Eu estou aqui hoje graças a vocês. Mamãe, eu
te amo. Obrigado, pessoal. Eu não seria nada sem o apoio de vocês.
E assim, aluno por aluno, todos fizeram seus discursos. Por fim, o
diretor mandou os alunos para o gramado.
Todos eles jogaram o capelo para cima e se abraçaram. Se sentiam
aliviados por concluírem esta etapa, felizes por todas as amizades que
fizeram, e ao mesmo tempo, receosos sobre o que o futuro preparava para
cada um. E assim encerrou a vida escolar dos alunos de 2011.
— Mas ainda não acabou. ― O diretor gritou. ― Vamos para o
segundo tempo: festa!
— Simone, eu te amo ― disse sua mãe abraçando-a.
— Eu também te amo muito, mamãe.
Os dias seguiram com este ar de renovação. Na segunda semana de
dezembro, Vick voltou com Thomas e Lucas da Itália. Ele rapidamente se
enturmou com os amigos de Vick.
Thomas levou Lucas até onde as estátuas das bruxas estavam. Eles
as contornaram observando cada detalhe. Lucas percebeu uma rachadura
em uma delas, o que causou arrepios.
— Thomas, quando será o eclipse? ― ele perguntou.
— Em março.
— Acho que elas vão sair da maldição antes disso. Olhe estas
rachaduras.
— O que faremos?
— Não há nada que podemos fazer. Vamos levá-las para algum
lugar seguro. Tem uma mansão abandonada na entrada da cidade, podemos
colocá-las lá.
Quando Thomas ergueu a primeira estátua, que ele reconheceu
como sendo Lorai Felens, um diário caiu no chão. Ele tinha a capa marrom
escuro, com um pentagrama no meio. As páginas estavam amareladas.
— O que é isso? ― Lucas perguntou.
— Parece ser um diário.
Thomas abriu o diário e leu as primeiras páginas. A caligrafia era
linda. As letras pareciam desenhos.
“Funes, 1400
Hoje, eu e minhas irmãs fizemos uma coisa muito importante. Com
base em estudos feitos pelas praticantes da antiga sabedoria, nós
conseguimos pegar um pouco de sangue de vampiro e misturá-lo ao nosso
sangue e ao sangue de Lobisomens. O que descobrimos foi uma coisa
surpreendente.
Ao misturar o sangue no corpo humano, ele sofre um tipo de
mutação. O ser se torna um Ripilu. A Trixi que escolheu o nome, disse ter
lido em algum lugar.
O mais interessante, é que ele consegue ter os três poderes. Eles
podem se transformar em lobo, vampiro e ainda têm os poderes de uma
bruxa. Claro que nós somos mais poderosas. Eles não conseguem usar seu
poder contra nós, a não ser que estejamos em solo sagrado. Eu não sei o
quanto isto vai nos ajudar. Os humanos estão começando a desconfiar da
nossa existência. A Malvina, como sempre, está planejando algo para nos
dar tempo. Eu não sei o que aconteceria se eles descobrissem nossa
existência.
Eu estou apaixonada, o conheci na manhã de sábado e desde então
não consigo tirá-lo da cabeça. Seu nome é Jhosep. Infelizmente não
podemos nos ver sempre. Minhas irmãs odeiam humanos, e se ele descobrir
que sou uma bruxa, não sei qual será sua reação.
Espero que tudo dê certo.
Boa noite!
Lorai Felens”
— Será que encontraremos alguma coisa sobre onde elas trancaram
o poder?
— Não sei. Vamos levar este diário com a gente.
— Eu sabia que as bruxas haviam criado os Ripilus, mas há quanto
tempo elas vinham tentando? E o que é essa antiga sabedoria?
— Eu não faço ideia. Mas o que lemos só confirma o que
imaginávamos. O tio Jhosep foi o causador de toda essa guerra.
— Bem, vamos acabar com isso logo.
Os dois moveram as estátuas até a mansão abandonada. Ao
finalizarem, eles retornaram para casa. A noite estava fresca, Vick estava
sentada na varanda de casa acompanhada de Sara. Elas conversavam sobre
a véspera de natal e planejavam uma grande celebração. Sara estava feliz.
Derick dissera que viria para o natal, e que provavelmente ficaria até o ano
novo. Eles estavam curtindo essa espécie de namoro virtual.
Simone ainda não havia revelado sua gravidez para seus amigos,
nem mesmo para sua mãe. Era uma mistura de medo e de alegria que ela
não conseguia descrever.
Lucas passou vários dias lendo o diário de Lorai, mas não encontrou
nada de muito importante. Ela contou algumas coisas sobre sua vida, sobre
quando descobriu que Jhosep era um vampiro, e principalmente, quando ele
revelou ao mundo que ela e as irmãs eram bruxas.
Lorai contava também das maldades praticadas por Trixi. Ela era
uma mulher sem escrúpulos. Trixi era adepta da magia das trevas, portanto,
adorava fazer sacrifícios humanos. Era por isso que das três, Trixi sempre
foi a mais forte. Sobre Malvina, Lorai quase não falava nada, a única coisa
que ela mencionava era o fato dela parecer a sombra de Trixi.
Quando chegou a véspera de natal, todos se reuniram na casa de
Vick. Como de costume, ela fez uma farofa, arroz com uva-passa, salada de
carambola e um delicioso pernil. E de sobremesa, uma torta holandesa. Ela
estava feliz, mas ao olhar todos ali, sorrindo, comemorando, Vick sentiu
falta de Patrick. Ele era a parte que sempre faltaria. E essa dor não poderia
ir embora.
Simone aguardou até que o relógio marcasse meia noite. Ela se
levantou, erguendo a taça e pedindo a atenção de todos.
— Bem, eu gostaria de compartilhar uma notícia com vocês. Eu
estou grávida…
— O quê? Eu não acredito! Que notícia maravilhosa! ― Vick disse
levantando e abraçando a amiga.
— Parabéns. Que esta criança venha com muita saúde. ― Derick
disse.
— Uma nova vida! Que vocês sejam felizes. ― Thomas disse
propondo um brinde.
No dia seguinte, mesmo com o coração quase saindo pela boca,
Simone contou para a mãe que estava grávida. Célia pulou de alegria.
Encheu a filha de abraços e beijos, deixando-a aliviada. Ela sabia que o
apoio da mãe e dos amigos deixaria tudo mais fácil.
Lucas continuava a ler o diário de Lorai, e desta vez parecia ter
chegado em uma pista. Ele começou a ler um trecho onde a bruxa
mencionava um ritual para recuperar poder.
“Todas sabemos sobre os poderes que conseguimos a partir de
elementos da natureza, e por mais que existam bruxas que preferem o
ocultismo, como é o caso da Trixi, todos os anos, durante os Sabás, as
bruxas de todo o mundo recuperam suas forças.
Este ritual que descreverei aqui, deve ser feito entre os dias 21 ou
22 de dezembro, durante o solstício de verão. Para isso, a bruxa deverá
fazer um círculo físico (ou simbólico, caso ela tenha um número ideal de
pessoas em seu Coven) antes do nascer do sol. O ideal é que seja um
círculo de pedras, pois quando os raios do sol alcançarem as pedras,
haverá a conexão entre as dimensões, deixando mais fácil adquirir poder.
Caso se faça um círculo simbólico, pode-se usar velas para que a bruxa
consiga energia das chamas.”
Lucas continuou lendo, e eis que um trecho o fez ficar boquiaberto.
“Muito se fala sobre trazer pessoas de volta dos mortos. Nós já
tentamos algumas vezes, mas ainda não conseguimos. É preciso uma magia
poderosíssima para isso, e como sempre, magia das trevas. Com as
pesquisas que temos feito, nos deparamos com um impasse: para trazer
uma pessoa de volta à vida é necessário um sacrifício maior do que aquela
alma. Ou seja, para ressuscitar alguém, outras pessoas devem morrer. A
Trixi está obcecada por esse assunto, e tudo o que ela faz é tentar descobrir
outras maneiras de conseguir. Ela encontrou um antigo feitiço de
transposição de mente. Basicamente seria pegar um corpo vazio e
depositar a mente de outra pessoa nele, mas ainda assim, sacrifícios são
necessários.”
— Ei, escutem essa. As bruxas estavam pesquisando sobre como
trazer alguém de volta à vida.
— Como assim, Lucas? Isso é possível?
— Bem, Vick, elas não conseguiram fazer o ritual. Pelo o que a
Lorai disse aqui, é preciso entender de magia das trevas, e sacrificar várias
vidas em troca de uma.
— Que horror!
— E não acaba aí, existe uma outra maneira que basicamente
consiste em trocar a mente da pessoa. Por exemplo, se você estiver prestes a
morrer, sua mente pode ser transferida para um outro corpo, fazendo com
que você consiga sobreviver.
— Isso é pavoroso demais ― disse Vick. ― Se fosse possível, e se
não precisasse de sacrifício, eu gostaria de ter o Patrick de volta.
— Tenho certeza de que todos nós gostaríamos de trazer alguém de
volta.
Na véspera de ano-novo, Thomas estava na cozinha ajudando Vick
nos preparativos para a ceia. Na sala, Simone e Brian colocavam os talheres
sobre a mesa e organizavam tudo. Sara estava com Derick cuidando das
bebidas e petiscos.
Lucas estava andando pela cidade à procura de ingredientes para
uma receita que ele costumava fazer na Itália. Um prato feito de linguiça e
lentilha. Depois de sair do supermercado, caminhou pelas ruas de Felens
que começavam a ficar desertas. Há muitos anos a prefeitura cancelou a
tradicional queima de fogos na praça. As pessoas não se interessavam mais
por isso, e preferiam celebrar em casa.
Ele passou pela praça, cumprimentou algumas senhoras que
voltavam da igreja, e entrou na rua que dava acesso à casa de Vick. Antes
que chegasse ao seu destino, Lucas começou a ouvir alguém sussurrar seu
nome. Ele olhou para trás e percebeu que não havia ninguém na rua. A voz
ficou mais forte, e agora, além de seu nome, ele conseguia ouvir outras
palavras.
“Lucas, venha até nós”
“Você sabe onde nos encontrar, Lucas”
“A mansão abandonada, na entrada da cidade”
Derrubando as sacolas que carregava no chão, e preso em um transe,
ele obedeceu às vozes.
†††††††††††††††††††
— O Lucas está demorando ― Vick disse ao perceber que o
cunhado não havia voltado.
— Agora que você falou, faz mesmo muito tempo que ele saiu ―
Simone disse.
— Pode ser que o supermercado esteja cheio. Vocês sabem como é,
né? As pessoas deixam tudo para última hora.
— Sim, mas pela hora que ele saiu…
Antes que Thomas concluísse, a porta da sala de estar se abriu em
um estrondo. Um forte vento começou a soprar dentro da casa de Vick. As
cortinas produziam sons de chicotes, de tão forte que balançavam. Os pratos
e talheres postos por Brian e Simone, voaram nas paredes se quebrando.
Ao olharem para a porta, eles perceberam Lucas apoiado no portal
de madeira com a mão esquerda. Sua mão direita apertava o peito. Ele
estava com uma expressão aterrorizada. Seus olhos estavam completamente
arregalados. Ele deu um passo para frente e caiu no chão.
— Lucas, o que aconteceu? ― Thomas disse abaixando para ajudar
o irmão.
— Elas estão aqui. As bruxas voltaram ― ele desmaiou.
O vento ficou cada vez mais forte, e agora parecia que havia um
tornado ali dentro. As luzes começaram a piscar, como se a qualquer
momento fossem explodir. O som da corrente elétrica caminhando pelos
fios ficou cada vez mais alto. Thomas, que ainda estava ajoelhado ao lado
do irmão, olhou para cima. Na porta, havia três figuras sombrias paradas.
Elas olhavam para eles com um sorriso assustador.
— Olá, Thomas, sentiu minha falta? ― uma delas disse entrando na
casa.