Vol 2

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 134

CORREGEDORIA NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO

GUIA DE ATUAÇÃO RESOLUTIVA


- VOL. 2 -

Guia de
MEDIAÇÃO E
CONCILIAÇÃO
CORREGEDORIA NACIONAL
DO MINISTÉRIO PÚBLICO

GUIA DE
MEDIAÇÃO E
CONCILIAÇÃO

Brasília, 11 de abril de 2023.


Antônio Augusto Brandão de Aras
Presidente

Oswaldo D’Albuquerque Rogério Magnus Varela Gonçalves


Corregedor Nacional Ouvidor Nacional

Otavio Luiz Rodrigues Jr. Rodrigo Badaró Almeida de Castro

Rinaldo Reis Lima Jayme Martins de Oliveira Neto

Moacyr Rey Filho Carlos Vinícius Alves Ribeiro


Secretário-Geral
Engels Augusto Muniz
José Augusto de Souza Peres Filho
Antônio Edílio Magalhães Teixeira Secretário-Geral Adjunto
Ângelo Fabiano Farias da Costa

Paulo Cezar dos Passos

Daniel Carnio Costa

Jaime de Cassio Miranda

Brasil. Conselho Nacional do Ministério Público.

Guia de mediação e conciliação / Conselho Nacional do


Ministério Público. Corregedoria Nacional do Ministério Público. –
Brasília : CNMP, 2023.
133 p. – (Guias de Atuação Resolutiva, v.2)

1. Mediação. 2. Conciliação. 3. Solução de conflito. 4. Ministério


Público - atuação. l. Corregedoria Nacional do Ministério Público.

CDU 347.918

Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca da Procuradoria-Geral de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul
CORREGEDORIA NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Guias de Atuação Resolutiva (v. II)
Guia de Mediação e Conciliação

Coordenação Superior:
Oswaldo D’Albuquerque Lima Neto
Corregedor Nacional do Ministério Público

Coordenação, Revisão e Redação


Paulo Valério Dal Pai Moraes
Procurador de Justiça do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul

Redação:
Ricardo Schinestsck Rodrigues
Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul
Ivana Kist Huppes Ferrazzo
Promotora de Justiça do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul
Fernanda Broll Carvalho de Almeida
Promotora de Justiça do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul
Élcio Resmini Meneses
Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul

Revisão:
Gregório Assagra de Almeida
Procurador de Justiça do Ministério Público do Estado de Minas Gerais
Marcelo José de Guimarães e Moraes
Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado do Amapá
Vinícius Menandro Evangelista de Souza
Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado do Acre
Jacqueline Orofino da Silva Zago de Oliveira
Promotora de Justiça do Ministério Público do Estado do Tocantins
Marco Antonio Santos Amorim
Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado do Maranhão
Silvio Roberto Oliveira de Amorim Junior
Coordenador-Geral da Corregedoria Nacional do Ministério Público

Composição de Imagens
Paulo Valério Dal Pai Moraes
Procurador de Justiça do Ministério Público do Estado Rio Grande do Sul
Coordenação de suporte editorial e ponto focal

Suzanna do Carmo Louzada


Analista do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul – Biblioteconomia

Suporte editorial

Adriano de Castro Silveira


Técnico do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul - Informática

Fernanda Duarte Bernardes


Analista do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul – Letras

Gabriela Zeni
Assessor Especial do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul

Liziane Pozzobon
Analista do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul – Administração

Mara Inês Balem Kuse


Analista do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul – Biblioteconomia

Sonia Beatriz da Silva Pinto


Técnico do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul – Administrativo

Victoria Faccini Kloppemburg


Estagiária de Biblioteconomia do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul

Alessandra Meireles Silva


Secretária de Gabinete da Corregedoria Nacional do Ministério Público/CNMP

Camila Mattos de Pinho


Assessora-Chefe da Corregedoria Nacional do Ministério Público/CNMP

Juliana Daher Delfino Tesolin


Advogada e ex-Assessora da Corregedoria Nacional do Ministério Público/CNMP

Adriane Larissa Remedios Costa


Estagiária da Corregedoria Nacional do Ministério Público/CNMP
CORREGEDORIA NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Guia de Mediação e Conciliação

PREFÁCIO

Prezados leitores,

É com imenso júbilo que apresento este “Guia de Mediação e Conci-


liação”, consistindo em importante marco prático e teórico na abordagem de
técnicas e ferramentas autocompositivas, delineando diretrizes e posturas que
devem nortear a atuação resolutiva do Ministério Público brasileiro.

O Guia foi desenvolvido pela Corregedoria Nacional durante o biênio


2022-2023, em conjunto com uma série de outros materiais, práticas e pro-
gramas voltados a fomentar a cultura de resolutividade na Instituição.

Nesse contexto, destacam-se: o Manual de Negociação; os 3 (três)


volumes da Revista Jurídica da Corregedoria Nacional - Coletânea Especial
de Fomento à Resolutividade (Estímulo à Atuação Resolutiva, Atuação Preven-
tiva - Eficácia Social na Defesa dos Direitos Fundamentais e Unidade, Inde-
pendência Funcional e Integridade no Ministério Público brasileiro); o Glossário
da Resolutividade; o Vade Mecum e a Biblioteca da Corregedoria Nacional; as
Correições Ordinárias de Fomento à Resolutividade promovidas nas unidades
e ramos do Ministério Público brasileiro; e a implementação do Certificado de
iniciativas resolutivas.

Todos esses produtos, juntamente com o Guia que ora se apresenta,


notabilizam a consolidação de uma nova dimensão de Corregedoria, caracteri-
zada pelo fomento à resolutividade. Além das clássicas funções fiscalizatória,
orientativa e avaliativa, devem as Corregedorias-Gerais e a Corregedoria Na-
cional – que são garantias institucionais do bom e adequado funcionamento
do Ministério Público – ocuparem-se com a implementação de cultura institu-
cional pautada na resolutividade de modo a reconhecer, avaliar e expandir boas
práticas geradoras de impacto social positivo.

Com efeito, com a promulgação da Carta Cidadã de 1988, emerge um


novo modelo de Ministério Público, com vocação democrática e papel funda-
mental na reconstrução do discurso e da prática jurídica em prol da concretiza-
ção dos direitos fundamentais e da realização dos valores da República.

Nesse contexto, a busca por soluções efetivas aos conflitos, contro-


vérsias e problemas que tocam interesses para cuja defesa é legitimado o MP
passa a integrar o núcleo de sua própria missão constitucional. É com a cons-
ciência dessa conjuntura que se concebe o presente Guia, elaborado no intuito
de auxiliar os integrantes do Ministério Público brasileiro a atuarem de forma
resolutiva no desempenho de suas atribuições, sob a dinâmica prospectiva ou

7
CORREGEDORIA NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Guia de Mediação e Conciliação

preventiva, como também no aspecto reativo.

Os temas abordados são diversos e abrangem tanto aspectos teóricos


quanto práticos no que concerne às técnicas de autocomposição sob os ângu-
los da pacificação social e da resolutividade.

Ressalta-se, por necessário, que este guia não possui qualquer pre-
tensão impositiva nem se propõe a esgotar todas as possíveis formas de atua-
ção para o alcance dos resultados constitucionais perseguidos pelo MP. Antes,
consubstancia-se em ferramenta valiosa para auxiliar os membros do Minis-
tério Público a desenvolverem suas potencialidades e talentos, enveredando
pelo campo das emoções e sentimentos na arte da resolução de problemas,
orientando-os a uma atuação responsiva e direcionada à transformação da re-
alidade social.

Por fim, gostaria de expressar meus sinceros agradecimentos aos


membros e membras do Ministério Público, servidores, colaboradores e espe-
cialistas que contribuíram para a elaboração deste Guia. Seus conhecimentos
e experiências aqui compartilhados enriquecem e tornam especial a presente
obra coletiva, e, por isso, desejo que os leitores possam desfrutar de todo esse
esforço empenhado.

Espero que este “Guia de Mediação e Conciliação” seja fonte de inspira-


ção e orientação a todos aqueles que almejam a construção – que é e deve ser
sempre constante – de um Ministério Público compromissado com a efetiva
concretização dos valores da República e dos direitos fundamentais, assegu-
rando-lhes a máxima efetividade possível por meio do uso adequado e respon-
sável dos instrumentos jurídicos que lhe são disponibilizados.

Brasília, 14 de agosto de 2023

Oswaldo D’Albuquerque Lima Neto


Corregedor Nacional do Ministério Público

8
CORREGEDORIA NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Guia de Mediação e Conciliação

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO 13
1.1. CONTEXTO DE SUSTENTABILIDADE MUNDIAL 13
1.2. CORREGEDORIAS DO MINISTÉRIO PÚBLICO E ATUAÇÃO SUSTENTÁVEL 15
1.3. OBJETIVOS DO GUIA DE MEDIAÇÃO E DE CONCILIAÇÃO 17
1.4. METODOLOGIA UTILIZADA NO GUIA DE MEDIAÇÃO E DE CONCILIAÇÃO 18
2. CONCEITOS PRÁTICOS DE MEDIAÇÃO E CONCILIAÇÃO 21
3. ATUAÇÃO INTERVENTIVA DO TERCEIRO IMPARCIAL, EMOÇÕES E
SENTIMENTOS 27
4. ALICERCES PRÁTICOS ESTRUTURANTES DA MEDIAÇÃO/CONCILIAÇÃO 31
5. TÉCNICAS EFICIENTES DE MEDIAÇÃO AVALIATIVA/CONCILIAÇÃO –
PROPOSTA METODOLÓGICA PRÁTICA. FASES DA MEDIAÇÃO/CONCILIAÇÃO 39
6. FASE DA PREPARAÇÃO DA MEDIAÇÃO/CONCILIAÇÃO 41
6.1 PRÉ-MEDIAÇÃO, CAUCUS E ANAMNESE 41
6.2. PLANEJAMENTO SUBJETIVO, DEFINIÇÃO DE PAPÉIS E O MINISTÉRIO
PÚBLICO MEDIADOR/CONCILIADOR 45
6.2.1. Definição de papéis 45
6.2.2. Profissionais do MP trabalhando em conjunto como M/Cs e como
negociadores 47
6.2.3. Membros do Ministério Público podem ser mediadores/conciliadores? 48
6.2.4. Cuidados na organização e planejamento da parte subjetiva da
autocomposição 50
6.3. PREPARAÇÃO E PLANEJAMENTO OBJETIVOS 51
6.3.1. Criação de grupos de WhatsApp e característica continuada da
interlocução 52
6.3.2. Preparação do local ou sessão on-line 54
6.3.2.1. Sessões on-line – vantagens – interlocutores nos seus próprios
ambientes 55
6.3.2.2. Melhor avaliação das linguagens não verbais on-line 56
6.3.2.3. Sessões e reuniões presenciais 57
7. FASE DO INÍCIO DA SESSÃO CONJUNTA E APRESENTAÇÃO DAS REGRAS DA
MEDIAÇÃO/CONCILIAÇÃO – DECLARAÇÕES DE ABERTURA 59

9
CORREGEDORIA NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Guia de Mediação e Conciliação

7.1. APRESENTAÇÃO DE TODOS E CONSENSOS QUANTO À PARTE


SUBJETIVA DA MEDIAÇÃO 59
7.2. DECLARAÇÃO DE IMPARCIALIDADE E NÍVEIS DE ATENÇÃO 59
7.3. M/C – EXCELENTE ESCUTADOR E ANOTADOR 60
7.4. EXPLICANDO O TRABALHO DO MP NA AUTOCOMPOSIÇÃO 61
7.5. ESCLARECIMENTO SOBRE OS PRINCÍPIOS APLICÁVEIS À MEDIAÇÃO/
CONCILIAÇÃO 61
7.6. PROPOSTAS SOBRE AS REGRAS PROCEDIMENTAIS DA MEDIAÇÃO 62
7.7. ESCLARECIMENTO SOBRE O PRINCÍPIO DA VOLUNTARIEDADE NA
MEDIAÇÃO/CONCILIAÇÃO E OBTENÇÃO DE CONSENSO QUANTO ÀS
FUNÇÕES DO M/C 64
8. FASE DA NARRAÇÃO DOS FATOS E IDENTIFICAÇÃO DOS PROBLEMAS 65
8.1. A FALA DOS MEDIANDOS, EMOÇÕES E SENTIMENTOS 65
8.2. TÉCNICA DO SILÊNCIO 66
8.3. TÉCNICA DA RESPIRAÇÃO 66
8.4. TÉCNICA DO CONTROLE DA REATIVIDADE 67
8.5. TÉCNICA DA ESCUTA 68
8.7. LINGUAGEM NÃO VERBAL DO CORPO E O M/C 70
8.8. TÉCNICA DAS SÍNTESES CONCLUSIVAS E DA OBTENÇÃO DE
CONSENSOS 71
9. FASE DA DETECÇÃO DOS INTERESSES E DAS NECESSIDADES 73
9.1. CONCEITOS DE POSIÇÕES, INTERESSES E NECESSIDADES 73
9.2. TIPOS DE NECESSIDADES 77
9.3. TÉCNICAS DE IDENTIFICAÇÃO DE INTERESSES E NECESSIDADES 77
9.4. TÉCNICA DO RESPEITO E DA VALIDAÇÃO 79
9.5. TÉCNICA DA DESCONSTRUÇÃO DE IMPASSES – PROPOSTAS DO M/C –
REGRA DE OURO DA AMIZADE 80
9.6. TÉCNICA DO BOM HUMOR 82
9.7. TÉCNICA DA ESCUTA 83
9.7.1. Escuta passiva 84
9.7.2. Escuta de reconhecimento 85
9.7.3. Escuta ativa e parafraseio 85
9.7.4. Escuta empática 86
9.7.5. Escuta inclusiva 87
9.7.6. Escuta excludente 87

10
CORREGEDORIA NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Guia de Mediação e Conciliação

9.8. COLONIZAÇÃO DOS DIÁLOGOS 88


9.9. A DIFICULDADE DE ESCUTAR E BENEFÍCIOS DA ESCUTA 89
9.9.1. Dificuldade de escutar 89
9.9.2. Escuta e respeito 90
9.9.3. Escuta e informações 90
9.9.4. Enxergar os interlocutores 91
9.9.5. Escuta e unidade de propósitos implementadores 92
9.9.6. Escuta e o princípio da persuasão da reciprocidade 92
9.10. M/C E DISTANCIAMENTO CONTEXTUAL 93
10. FASE DA RECONTEXTUALIZAÇÃO OU REENQUADRAMENTO 95
10.1. CONCEITO DE ENQUADRAMENTO 95
10.2. BENEFÍCIOS DA TÉCNICA DO ENQUADRAMENTO 97
10.3. CONOTAÇÃO POSITIVA 98
10.4. HISTÓRIAS ALTERNATIVAS OU PERIFÉRICAS 100
11. FASE DA GERAÇÃO E SELEÇÃO DE OPÇÕES, ALTERNATIVAS E
PROPOSTAS 103
11.1. INTRODUÇÃO AO TEMA 103
11.2. CONCEITOS DE ALTERNATIVA E DE OPÇÃO 104
11.3. OPERACIONALIZAÇÃO DAS ALTERNATIVAS E OPÇÕES 105
11.3.1. “Uma fatia do bolo de cada vez” 105
11.3.2. Técnica do escalonamento e da organização temporal por prioridades,
pautada por acontecimentos externos ao agente (implementação de
intenções) 107
11.3.3. Técnica da livre consensualidade entre os mediandos 110
11.3.4. Técnica da expansão de recursos 111
11.3.5. Técnica da intercalação 113
11.3.6. Técnica do brainstorm 113
11.3.7. Técnica da coerência interna da autocomposição 114
11.3.8. Técnica da agregação de terceiros à autocomposição 114
11.3.9. Técnica da utilização de recursos sensoriais 115
11.3.10. Técnica do reality check (teste de realidade) 116
11.3.11. Técnica da observação contextual e bilateral das alternativas 118
12. ACORDO, FORMALIZAÇÃO E HOMOLOGAÇÃO 119
13. AVALIAÇÃO, MONITORAMENTO E CUMPRIMENTO DA MEDIAÇÃO/
CONCILIAÇÃO 123

11
CORREGEDORIA NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Guia de Mediação e Conciliação

13.1. REGRAS DE SUSPEIÇÃO E IMPEDIMENTO DO M/C 123


13.2. MECANISMOS DE AVALIAÇÃO DAS MEDIAÇÕES/CONCILIAÇÕES 124
13.3. ATUAÇÃO CONJUNTA DOS PROMOTORES/PROCURADORES
NATURAIS COM OS COLEGAS INTEGRANTES DE ESTRUTURAS DE
AUTOCOMPOSIÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO 125
13.4. TRABALHAR OS MÉTODOS AUTOCOMPOSITIVOS COMO TÉCNICA, E
NÃO COMO PROCEDIMENTO FORMAL 127
13.5. MONITORAMENTO, CUMPRIMENTO, ÍNDICES DE RESOLUTIVIDADE
SOCIAL, ESTATÍSTICA DE DADOS 128
14. A POSSIBILIDADE MEDIADORA NAS INSTÂNCIAS INTERNAS - A
PRÁTICA NA CORREGEDORIA-GERAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO – CASE 129
14.1. PASSOS PARA A MEDIAÇÃO (SEM CARÁTER DISCIPLINAR), CONFORME
PREVISTO NO PROVIMENTO 130
14.2. PASSOS PARA A MEDIAÇÃO (COM CUNHO DISCIPLINAR), CONFORME
PREVISTO NO PROVIMENTO 130
15. MENSAGEM FINAL 132

12
CORREGEDORIA NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Guia de Mediação e Conciliação

1. INTRODUÇÃO

1.1. CONTEXTO DE SUSTENTABILIDADE MUNDIAL

Seguindo a orientação de muitos países, o Brasil tem expe-


rimentado profundas modificações nas estruturas sociais, administrati-
vas e judiciais a partir do início de uma nova consciência no sentido de
que as práticas pacificadoras e de cooperação têm o condão de propor-
cionar uma melhor resolução para os conflitos, controvérsias e proble-

13
CORREGEDORIA NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Guia de Mediação e Conciliação

mas1 que surgem nos relacionamentos em sociedade, neles incluídas as


vivências inter e intrainstitucionais do Ministério Público.
Isso acontece, principalmente, porque o Brasil está inserido
no Programa da Organização das Nações Unidas (ONU), que trata dos
Objetivos de Desenvolvimento Sustentável em nosso País2, sendo eles
os que abaixo são apresentados:

Especificamente tratando do Ministério Público, em que pese


ser necessária a participação efetiva da nossa Instituição em todos os
objetivos acima, é importante destacar o de número 16, que trata da
1 A distinção que é feita entre conflito e controvérsia é necessária porque o conflito se
caracteriza por um antagonismo de posições ou de interesses em que exista a resistência por
parte de um dos envolvidos; já a controvérsia não possui tal característica, sendo identificada
apenas pela divergência, na qual não exista resistência. A palavra resistência, portanto, é que
estabelece a distinção. É usado o conceito de “problema”, pois em várias situações da atuação
Institucional não existem conflitos a resolver. Por exemplo, na atuação preventiva do Ministério
Público em que é feito trabalho objetivando a implementação dos Planos de Prevenção Contra
Incêndio – PPCI em condomínios, casas de espetáculo, bares, restaurantes, hotéis etc., pode
não haver conflito, o que acontecerá se os instados a cumprir as exigências legais aceitarem
imediatamente implementar o que determina a lei. Nessa situação, apenas haverá um “problema”,
que será resolvido por intermédio de uma negociação direta entre os membros da Instituição
e aquele que precisava regularizar a segurança do estabelecimento ou do condomínio. Um
segundo exemplo seriam convênios entre o Ministério Público e outras instituições públicas.
Para a formalização do documento, seriam utilizadas técnicas de negociação para solucionar o
“problema”, não se falando em conflito, pois, na maior parte das vezes, ele não existe. Ex.: convênios
entre o Ministério Público e as Universidades Federais para a análise de combustível adulterado. O
Ministério Público comprometia-se a oferecer o material humano, veículos de coleta, investigação;
e as Universidades ofereciam seus laboratórios, o material, as análises e os laudos técnicos, sem
que houvesse qualquer conflito.
2 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (BRASIL). Objetivos de desenvolvimento
sustentável no Brasil. Disponível em: <https://brasil.un.org/pt-br/sdgs>. Acesso em: 1 jul. 2022.

14
CORREGEDORIA NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Guia de Mediação e Conciliação

“PAZ, JUSTIÇA e INSTITUIÇÕES EFICAZES”, porque, para que consiga-


mos implementar uma atuação, de fato, eficaz, pacífica e justa, é funda-
mental que, em primeiro lugar, tais objetivos sejam conseguidos e traba-
lhados no âmbito interno das estruturas ministeriais.

1.2. CORREGEDORIAS DO MINISTÉRIO PÚBLICO E


ATUAÇÃO SUSTENTÁVEL
O artigo 2º da Portaria nº 03, de 10 de janeiro de 2017, do
CNMP prevê que a Corregedoria Nacional é órgão “orientador, fiscaliza-
dor e avaliador das atividades funcionais e da conduta de membros e
servidores do Ministério Público brasileiro.”
A partir de tal dicção legal, percebe-se com clareza o primeiro
alicerce da Corregedoria, qual seja: a orientação dos membros da Insti-
tuição Ministerial, em especial no tocante às práticas pacificadoras e de
autocomposição.
Todavia, esse desiderato da Corregedoria necessita de ser
aprimorado ante as determinações inclusas na Resolução nº 118, de
1º de dezembro de 2014, do Conselho Nacional do Ministério Público,
quando instituiu a Política Nacional de Incentivo à Autocomposição no
âmbito do Ministério Público, por intermédio dos seguintes objetivos:
Art. 2º Na implementação da Política Nacional descrita
no artigo 1º, com vista à boa qualidade dos serviços, à
disseminação da cultura de pacificação, à redução da
litigiosidade, à satisfação social, ao empoderamento social
e ao estímulo de soluções consensuais, serão observados:
I - formação e treinamento de membros e, no que for cabível,
de servidores;
II - acompanhamento estatístico específico que considere
o resultado da atuação institucional na resolução das
controvérsias e conflitos para cuja resolução possam
contribuir seus membros e servidores;
III - valorização do protagonismo institucional na obtenção
de resultados socialmente relevantes que promovam a
justiça de modo célere e efetivo. (grifo nosso)

15
CORREGEDORIA NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Guia de Mediação e Conciliação

Também no artigo 7º da mesma Resolução, é dito que com-


pete às unidades e ramos do Ministério Público brasileiro o desenvolvi-
mento da Política Nacional de Incentivo à Autocomposição; a promoção
da capacitação, treinamento e atualização permanente de membros e
servidores nos mecanismos autocompositivos de tratamento adequado
dos conflitos, controvérsias e problemas; e a inclusão, no conteúdo dos
concursos de ingresso na carreira, dos meios autocompositivos.
Com o intuito de regulamentar e explicitar as fontes normati-
vas, foi aprovada, em 22 de setembro de 2016, durante o 7º Congresso
Brasileiro de Gestão do Ministério Público, a Carta de Brasília, documen-
to no qual a Corregedoria Nacional do Ministério Público e as corregedo-
rias-gerais dos Ministérios Públicos dos estados e da União aprovaram
diretrizes que passam a ser implementadas pela Recomendação nº 54,
de 28 de março de 2017, do Conselho Nacional do Ministério Público.
Cabe às Corregedorias, portanto, na busca da concretização
da sustentabilidade institucional, trabalhar no sentido de implementar
alterações culturais e administrativas, estimuladas pelas vertentes de
orientação, avaliação e fiscalização, materializando-se, assim, os prin-
cípios da Administração Pública previstos no artigo 37 da Constituição
Federal de 1988, em especial a diretriz constitucional da eficiência.

16
CORREGEDORIA NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Guia de Mediação e Conciliação

1.3. OBJETIVOS DO GUIA DE MEDIAÇÃO E DE


CONCILIAÇÃO
O Guia de Mediação e de Conciliação tem como objetivo
agregar valores, práticas e posturas autocompositivas ao cotidiano de
trabalho do Ministério Público, de modo que tais experiências possam
ser disseminadas na sociedade, seja por intermédio da atuação direta
dos profissionais do Ministério Público, seja pela criação de estruturas
de conciliação e de mediação nas comunidades, escolas, na área tribu-
tária, penal e tantas outras.
Com isso, poderá, da mesma forma, ser cumprida uma das
principais metas do Mapa Estratégico do Conselho Nacional do Ministé-
rio Público: a transformação social.
Portanto, este guia sobre as técnicas de mediação e de con-
ciliação, na linha do que foi brevemente contextualizado, é mais um passo
que a Instituição realiza nesse caminhar, tendente a tornar mais próximas
dos profissionais do Ministério Público algumas práticas que permitirão
novas reflexões sobre posturas normalmente adotadas por todos nós.

17
CORREGEDORIA NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Guia de Mediação e Conciliação

Pretendemos, também, que o guia contribua para o desen-


volvimento de melhores procedimentos, estratégias e planejamentos,
no intuito de, eficientemente, concretizar resultados efetivamente reso-
lutivos, humanos e pacificadores.

1.4. METODOLOGIA UTILIZADA NO GUIA DE MEDIAÇÃO E


DE CONCILIAÇÃO
A neurociência desvendou muitos mistérios do comporta-
mento humano. Um deles é o fenômeno “Nós versus Eles”3, paradoxal-
mente criado pelo hormônio ocitocina, que é a substância responsável
por estabelecer vínculos de confiança e de bem-estar.
No caso das corregedorias, em decorrência das suas fun-
ções naturais de fiscalização, avaliação e orientação, impostas pela lei, é
possível a criação desse viés adversarial no âmbito intrainstitucional, o
que pode acontecer devido à inadequada compreensão sobre a impor-
tância dos necessários controles internos e orientadores em todas as
instituições.
Não somente por isso, pretendemos que o Guia de Mediação
e de Conciliação constitua-se em um ambiente de diálogo entre todos
os colegas do Ministério Público que a ele tiverem acesso, como se es-
tivéssemos conversando.
Assim, a metodologia de exposição do conteúdo adotou a pri-
meira pessoa do plural, o “nós”.
Consequentemente, todos poderão perceber e experienciar,
cognitivamente e emocionalmente, suas efetivas inserções nos contex-
tos a seguir abordados, sendo essa uma técnica que se vale dos co-

3 “Nosso cérebro forma dicotomias do tipo ‘Nós versus Eles’[...] com uma velocidade
estonteante [...] o cérebro agrupa rostos por gênero ou status social em uma velocidade
equivalente[...]. As fissuras do cérebro que dividem Nós e Eles são esmiuçadas na discussão
do capítulo 4 sobre a ocitocina. Lembre-se de que esse hormônio estimula a confiança, a
generosidade e a cooperação com relação a Nós, mas um comportamento muito mais mesquinho
com relação a Eles – maior agressividade antecipatória em jogos econômicos e maior disposição
em sacrificar o outro grupo (e não o nosso) pelo bem comum.”. (SAPOLKY, Robert M. Comporte-se:
a biologia humana em nosso melhor e pior. São Paulo: Companhia das Letras, 2021. p. 381-383).

18
CORREGEDORIA NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Guia de Mediação e Conciliação

nhecimentos neurocientíficos, objetivando ativar estruturas cerebrais


empáticas, próprias das vivências em conjunto, para a compreensão,
ponderação e reflexão a respeito dos conteúdos aqui propostos.
Da mesma forma, utilizamos imagens, porque o hemisfério
cerebral esquerdo é mais linguístico, sequencial e racional, enquanto o
hemisfério direito é espacial, não sequencial e mais emocional, promo-
vendo a visualização de imagens, a evocação de “histórias” (storytelling)
geradoras de sentimentos. Essa estratégia didática possibilita engajar
(negociação entre os dois hemisférios) raciocínios e conteúdos a memó-
rias emocionais.
O guia não tratará, prioritariamente, de aspectos normativos,
doutrinários ou jurisprudenciais – serão abordados em guia específico
–, mas, sim, de questões práticas a serem observadas nas mediações/
conciliações.
Assim, que possamos aproveitar com abertura, crítica cons-
trutiva e entusiasmo o presente guia de autocomposição intrainstitucio-
nal do Ministério Público brasileiro.

19
CORREGEDORIA NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Guia de Mediação e Conciliação

20
CORREGEDORIA NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Guia de Mediação e Conciliação

2. CONCEITOS PRÁTICOS DE
MEDIAÇÃO E CONCILIAÇÃO
A Lei nº 13.140/2015 (Lei de Mediação) dispõe, no seu artigo
1º, parágrafo único, sobre o que seja mediação:
Parágrafo único. Considera-se mediação a atividade técnica
exercida por terceiro imparcial sem poder decisório, que,
escolhido ou aceito pelas partes, as auxilia e estimula a
identificar ou desenvolver soluções consensuais para a
controvérsia.
Já o Código de Processo Civil traz conceito diverso de media-
ção, além de distingui-la da conciliação. Transcrevemos:
Art. 165 Os tribunais criarão centros judiciários de solução
consensual de conflitos, responsáveis pela realização de
sessões e audiências de conciliação e mediação e pelo
desenvolvimento de programas destinados a auxiliar,
orientar e estimular a autocomposição.
§ 2º O conciliador, que atuará preferencialmente nos casos
em que não houver vínculo anterior entre as partes, poderá
sugerir soluções para o litígio, sendo vedada a utilização de
qualquer tipo de constrangimento ou intimidação para que
as partes conciliem.
§ 3º O mediador, que atuará preferencialmente nos casos
em que houver vínculo anterior entre as partes, auxiliará aos
interessados a compreender as questões e os interesses em
conflito, de modo que eles possam, pelo restabelecimento
da comunicação, identificar, por si próprios, soluções
consensuais que gerem benefícios mútuos.
Por sua vez, o Manual de Mediação do Conselho Nacional de
Justiça assim conceitua mediação:
A mediação pode ser definida como uma negociação
facilitada ou catalisada por um terceiro. Alguns autores
preferem definições mais completas sugerindo que a
mediação é um processo autocompositivo segundo o qual
as partes em disputa são auxiliadas por uma terceira parte
neutra ao conflito ou por um painel de pessoas sem interesse
na causa, para se chegar a uma composição. Trata‑se de um
método de resolução de disputas no qual se desenvolve um
processo composto por vários atos procedimentais pelos
quais o(s) terceiro(s) imparcial(is) facilita(m) a negociação
entre as pessoas em conflito, habilitando‑as a melhor
compreender suas posições e a encontrar soluções que se

21
CORREGEDORIA NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Guia de Mediação e Conciliação

compatibilizam aos seus interesses e necessidades. 4


O mesmo Manual de Mediação do CNJ apresenta o conceito
de conciliação:
[...] pode‑se afirmar que ainda existe distinção em relação à
mediação, todavia, a conciliação atualmente é (ou ao menos
deveria ser) um processo consensual breve, envolvendo
contextos conflituosos menos complexos, no qual as partes
ou os interessados são auxiliados por um terceiro, neutro
à disputa, ou por um painel de pessoas sem interesse na
causa para ajudá‑las, por meio de técnicas adequadas, a
chegar a uma solução ou acordo.5
Dissecando os conceitos, percebemos que a vertente con-
ceitual diferenciadora adotada pelo Poder Judiciário tem como foco a
existência de vínculo anterior, a complexidade e a resolução de conflitos
entre as partes.
Tais distinções, todavia, não abrangem a integralidade de as-
suntos a resolver por parte do Ministério Público.
Com efeito, na forma do que já consta na Cartilha de Nego-
ciação da Corregedoria Nacional do Ministério Público, trabalhamos na
dimensão dos conflitos, controvérsias e dos problemas.
A distinção entre conflito e controvérsia é necessária, porque
o conflito se caracteriza por um antagonismo de posições ou de interes-
ses, em que exista a resistência por parte de um dos envolvidos.

4 CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Manual de mediação judicial. Brasília:


CNJ, 2016. Disponível em: <https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2015/06/
f247f5ce60df2774c59d6e2dddbfec54.pdf>. Acesso em: 24 jan. 2023.
5 CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Manual de mediação judicial. Brasília:
CNJ, 2016. Disponível em: <https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2015/06/
f247f5ce60df2774c59d6e2dddbfec54.pdf>. Acesso em: 24 jan. 2023.

22
CORREGEDORIA NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Guia de Mediação e Conciliação

Já a controvérsia não possui tal característica da resistência,


sendo identificada apenas pela divergência, na qual não exista resistên-
cia. A palavra resistência, portanto, é que estabelece a distinção.

Ainda usamos o conceito de problema, pois, em várias situa-


ções da atuação institucional, não existem conflitos a resolver.

Por exemplo, na atuação preventiva do Ministério Público em


que é feito trabalho objetivando que sejam implementados os Planos
de Prevenção Contra Incêndio (PPCIs) em condomínios, casas de espe-
táculo, bares, restaurantes, hotéis etc., pode não haver conflito, o que
acontecerá se os instados a cumprir as exigências legais aceitarem ime-
diatamente implementar o que determina a lei. Nessa situação, apenas
haverá um problema, que será resolvido por intermédio de negociação
direta entre os membros da Instituição, outros órgãos públicos e aque-
les que precisam regularizar a segurança dos estabelecimentos ou dos
condomínios.
Um segundo exemplo seria a formalização de convênios en-
tre o Ministério Público e outras instituições públicas. Para tanto, pode-
riam ser utilizadas técnicas de mediação para solucionar o problema, não
se falando em conflito, pois, na maior parte das vezes, ele não existe (ex.:

23
CORREGEDORIA NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Guia de Mediação e Conciliação

convênios entre o Ministério Público e as Universidades Federais para a


análise de combustível adulterado. O Ministério Público se comprome-
teria a oferecer o material humano, veículos de coleta, investigação, e as
Universidades ofereceriam seus laboratórios, o material, as análises e os
laudos técnicos, sem que houvesse qualquer conflito).
O esclarecimento acima também serve para ressaltar que, na
experiência prática e cotidiana do trabalho dos profissionais do Ministé-
rio Público, eventual existência ou não de vínculos anteriores entre as
partes não se apresenta como um elemento de distinção idôneo entre
mediação e conciliação, evidenciando, em realidade, apenas uma visão
individualista de um processo civil paritário (uma parte contra a outra),
quando, na verdade, a nossa Instituição trabalha predominantemente
com problemas complexos, estruturais, multidisciplinares, nos quais as
técnicas de mediação e de conciliação podem e devem ser amplamente
utilizadas.
Para fins de compatibilização com o sistema adotado pelo
Poder Judiciário, talvez pudéssemos apresentar como distinção entre
mediação e conciliação o fato de, na conciliação, haver a atuação mais
interventiva do terceiro imparcial (conciliador) fazendo propostas e su-
gestões aos conciliandos, sendo mais incisivo no tocante às posturas
menos flexíveis das partes ou, até mesmo, prospectivo quanto a alter-
nativas, opções e acordos.
Na mediação, então, caberia ao terceiro imparcial (mediador)
também facilitar o diálogo, como ocorre na conciliação, mas de uma ma-
neira menos interventiva6, a fim de que as partes possam chegar por si

6 André Gomma citando Leonard Riskin, da Universidade do Missouri, em GOMMA, André


de Azevedo (org.). Estudos de arbitragem em mediação e negociação. Brasília: Brasília Jurídica,
2002. – A mediação adotada no Brasil é, predominantemente, não opinativa. Esta característica
parte do entendimento que uma parte da doutrina possui sobre o tema quanto à existência
de basicamente dois tipos de posturas do mediador, quais sejam a avaliadora e a facilitadora.
Na avaliadora, o mediador assume uma posição mais interventiva, avalia e emite prognósticos,
recomendações, podendo pressionar as partes para que fechem o acordo (avaliador-restrito),
chegando, até mesmo, a oferecer propostas (avaliador-amplo). Na postura facilitadora, o mediador
é menos ativo nas pressões, devendo as partes, por si só, encontrarem o consenso, dando a
elas um sentimento de efetiva participação e controle sobre a resolução do problema. Entendem
os adeptos da postura facilitadora que ela é mais profícua para o efeito de que as partes se
autoajustem, encontrem as soluções e se empoderem, com vistas à futura resolução de conflitos.

24
CORREGEDORIA NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Guia de Mediação e Conciliação

próprias às soluções que melhor atendam aos interesses e necessida-


des de todos.
Portanto, no desenvolvimento deste trabalho, adotaremos
opção metodológica, pragmática e didática que equiparará a mediação
avaliativa à conciliação, por ambas terem a característica da intervenção
do terceiro imparcial produzindo propostas, alternativas e intervenções
diversas, tendentes à facilitação do diálogo.
Com isso, pretendemos oferecer oportunidade aos profissio-
nais do Ministério Público para que escolham a denominação que en-
tenderem mais adequada ao caso concreto sob análise, respeitando-se,
desta forma, a independência funcional.
Também com o sentido de facilitar, adotaremos a denomina-
ção M/C para designar MEDIADOR/CONCILIADOR, abreviando essas pa-
lavras, pois serão referidas muitas vezes ao longo deste guia.

25
CORREGEDORIA NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Guia de Mediação e Conciliação

26
CORREGEDORIA NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Guia de Mediação e Conciliação

3. ATUAÇÃO INTERVENTIVA DO
TERCEIRO IMPARCIAL, EMOÇÕES E
SENTIMENTOS
A experiência dos profissionais do Ministério Público à frente
de mediações e conciliações tem demonstrado ser absolutamente co-
mum que as partes envolvidas no problema estejam nervosas, muitas
vezes com medos, arrogâncias, agressividades.
O oposto também pode acontecer, ou seja, interlocutores ex-
cessivamente permissivos, exageradamente humildes, ausência de de-
fesa e de reação a ataques infundados do outro negociador etc.
Esses estados de
ânimo geram hormônios de es-
tresse, entre eles a adrenalina e o
cortisol, os quais, quando despe-
jados no organismo em excesso,
prejudicam imensamente a me-
mória de longo prazo, o apren-
dizado, a memória de trabalho e,
consequentemente, o raciocínio
e a boa tomada de decisão.
Nesse sentido, a pos-
tura passiva do terceiro imparcial,
não interventiva, não propositiva
de alternativas, que venha a atri-
buir integral e exclusivamente às partes nervosas a definição no tocante
às opções de solução dos problemas, não é adequada à luz da neuroci-
ência e da própria razão de ser dos métodos autocompositivos. Ao que
tudo indica, é imensamente mais profícuo possibilitar que conciliadores e
mediadores (neste caso mediador avaliativo) treinados façam suas inter-
venções e propostas, as quais serão avaliadas pelas partes, a fim de que
ofereçam a última palavra relativamente aos consensos ou não.

27
CORREGEDORIA NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Guia de Mediação e Conciliação

Não bastasse isso, em casos complexos envolvendo ques-


tões jurídicas e fáticas diversas, não é aceitável que sejam desprezados
a experiência e os conhecimentos técnicos do profissional do Ministério
Público no seu mister de servir como M/C, pois terá melhores condições
de orientar soluções fático-técnicas que não teriam como ser aventadas
pelas partes, ainda mais no estado de ânimo alterado que muitos casos
concretos naturalmente promovem.
Outro fator que contribui para o estímulo às intervenções do
conciliador ou, se desejarmos, do mediador avaliativo ministerial é o pró-
prio DNA dos profissionais do Ministério Público, no qual é fácil identificar
o ímpeto investigativo (investigar sobre eventuais propostas criativas e
inovadoras), resolutivo e propositivo, apresentando-se como incompatí-
vel com as nossas características institucionais orientar neste guia em
sentido inverso, ou seja, que o mediador seja um mero espectador não
interventivo dos mediandos, pois a prática demonstra que muitas opções
geradas pelo terceiro imparcial conciliador acabam sendo acolhidas, com
resultados profícuos para todos os envolvidos na autocomposição.
Existe, da mesma forma, um elemento decisivo para o estí-
mulo às intervenções do M/C ministerial com expertise, propostas neste
guia. É a constatação de que nossa Instituição possui vários parceiros
conveniados ou trabalhando em cooperação, como o Tribunal de Contas,
as Agências Reguladoras, Universidades, mesmo entes privados, que po-

28
CORREGEDORIA NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Guia de Mediação e Conciliação

dem ser sugeridos para auxiliar em mediações/conciliações, diferencial


este que precisa ser apontado, porque o desejado neste trabalho é a cria-
ção de estruturas de autocomposição no Ministério Público que sejam
customizadas para as nossas realidades, de modo que possamos assu-
mir nossa específica identidade no realizar a pacificação social no Brasil.
Por isso, “fórmulas” que eventualmente possam valer para
outras instituições ou situações tratadas por M/Cs privados, ou mesmo
profissionais públicos de outros Órgãos, merecem adaptações quando
se tratar da atuação de profissionais do Ministério Público.
Objetivando atender às expectativas da sociedade em rela-
ção ao Ministério Público, a partir da nossa identidade institucional, é que
fazem parte das capacitações em autocomposição promovidas pelos
CEAFs, Escolas do Ministério Público e Corregedorias conteúdos de au-
tocontrole, autoauscultação (aprender a autoavaliar as reações do cor-
po, desconfortos, medos etc.), autorregulação das emoções e dos sen-
timentos, expertises essas que possibili-
tam ao profissional de autocomposição
tranquilidade (a pessoa tranquila despeja
serotonina, dopamina, ocitocina e endor-
finas, hormônios e neurotransmissores,
que são fundamentais para o aprendi-
zado, criatividade, inovação e resolução
de problemas) suficiente para apresentar
propostas, alternativas e posturas mais
sensatas, factíveis, proporcionais, razoá-
veis e implementáveis.

29
CORREGEDORIA NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Guia de Mediação e Conciliação

30
CORREGEDORIA NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Guia de Mediação e Conciliação

4. ALICERCES PRÁTICOS
ESTRUTURANTES DA MEDIAÇÃO/
CONCILIAÇÃO

4.1. IDENTIDADE INSTITUCIONAL AUTOCOMPOSITIVA


Feitos esses comentários iniciais, sugerimos, como primei-
ro alicerce estruturante, a reflexão sobre a fixação da nossa específica
identidade institucional no trato dos conflitos, controvérsias e proble-
mas levados à mediação/conciliação do Ministério Público.
Significa dizer que temos experiência, estrutura e realidades
específicas de trabalho e que é a partir dessas vivências que devemos for-
matar nossa maneira peculiar de trabalhar em mediações e conciliações.
Usando da praticidade, há situações em que o Ministério Pú-
blico – tanto o MP autor, o custos iuris, como, também, integrantes dos
Núcleos Permanentes de Incentivo à Autocomposição – é convidado a
participar de espaços de mediação em outras instituições, cujos media-
dores seguem a regra da não intervenção com propostas na interlocu-
ção. Em tais momentos, percebe-se a forma totalmente diferente com
que trabalham, por exemplo, mediadores vinculados ao Poder Judiciário
e ao Ministério Público, causando espécie àqueles as propostas de acor-
do lançadas pelos mediadores ministeriais.

31
CORREGEDORIA NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Guia de Mediação e Conciliação

Outra peculiaridade das nossas atuações é que fazemos


atendimento de parte e atendimentos extrajudiciais variados, em que,
muitas vezes, nem sequer há conflito. Isso porque o Ministério Público
trabalha em larga escala de forma preventiva.
Esse é o motivo pelo qual discorremos em item anterior sobre
as distinções entre conflito e problema, pois, ao trabalharmos na dimen-
são dos “problemas”, assumimos uma postura mais ampla e completa na
busca da resolutividade social.
Merece destaque, ainda, o fato de que a complexidade dos
assuntos tratados pelo Ministério Público exige que tenhamos expertise
para trabalhar diretamente com técnicas de mediação e de conciliação,
mesmo não estando formalmente instaurado procedimento específico
de mediação ou de conciliação.
Com efeito, uma coisa é trabalhar como mediador/conciliador.
Outra, muito diferente, é trabalhar como negociador, mas com técnicas
de mediação ou de conciliação para resolver problemas.
Figuremos o exemplo real em que o Ministério Público intentara
ação civil pública ambiental contra duas empresas, tendo uma delas
sido excluída da lide sob o argumento de que apenas comprara a área
comercial onde haviam sido encontrados resíduos sólidos deixados pela
empresa vendedora. A empresa excluída também acabou demandando
judicialmente a vendedora. Após longas tratativas em que os diálogos
estavam difíceis, o Núcleo de Autocomposição do Ministério Público
propôs que fossem utilizadas técnicas de mediação/conciliação, o que foi
imediatamente acolhido pelas partes, passando alguns dos profissionais
do MP a atuar exclusivamente como mediadores/conciliadores (M/Cs),
enquanto outros membros do MP continuaram como negociadores.
Não por coincidência, os diálogos ficaram muito mais facili-
tados quando passaram a ser tratados por terceiros imparciais do MP,
fazendo com que, em poucos dias, acabasse por ser firmado complexo
acordo, envolvendo duas ações judiciais e múltiplos atores.
Um dos fatores pelos quais foi exitosa a técnica acima des-
crita foi porque a introdução de membros do MP como terceiros impar-

32
CORREGEDORIA NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Guia de Mediação e Conciliação

ciais facilitou a implementação da técnica da despolarização.


Com efeito, o MP atuando como M/C pode executar com
mais proficiência o controle de diálogos produtivos, a facilitação das ne-
gociações entre aqueles que estão mais polarizados em suas posições,
o que também é feito por intermédio do apontamento do terceiro im-
parcial para que os negociadores explorem soluções já alvitradas, muito
interessantes, mas que as partes, devido às emoções exacerbadas da
polarização, eventualmente não tenham conseguido perceber.
Reiteremos, portanto, que, para trabalhar com técnicas de
mediação/conciliação, não há a necessidade de serem instaurados for-
malmente procedimentos específicos para tanto, bastando que sejam
utilizadas técnicas como a despolarização, validação, acolhimento e tan-
tas outras que, a seguir, comentaremos.

4.2. ALICERCE DA FLEXIBILIDADE INTRÍNSECA


O segundo alicerce estruturante trata-se da flexibilidade in-
trínseca dos métodos autocompositivos, fazendo alusão às característi-
cas dos processos estruturais ensinadas por Zaneti, Didier e Alexandria.7
Significa registrar que os procedimentos, normas processu-
ais e métodos autocompositivos são instrumentos a serviço dos acon-
tecimentos materiais, do caso concreto.

7 DIDIER JUNIOR, Fredie; ZANETI JÚNIOR, Hermes; OLIVEIRA, Rafael Alexandria


de. Elementos para uma teoria do processo estrutural aplicada ao processo civil brasileiro. Revista
de Processo, São Paulo, v. 45, n. 303, p. 45-81, maio 2020.

33
CORREGEDORIA NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Guia de Mediação e Conciliação

Destarte, o foco é a resolução e o tratamento adequado do


problema estrutural, seja pela utilização das técnicas de mediação, de
conciliação, de práticas restaurativas e de negociação, não importando
a denominação que seja dada ao método.
Aliás, a experiência das Corregedorias, dos Núcleos Perma-
nentes de Incentivo à Autocomposição, dos Centros de Apoio e dos mais
variados setores ministeriais indica que há grande volume de trabalho
dos colegas em problemas estruturais, complexos e multidisciplinares,
os quais, pelas suas próprias características, acabam induzindo os pro-
fissionais do Ministério Público a estados de ânimo com valência nega-
tiva (ansiedade, medo, confusão, falta de tempo, excesso de trabalho).
Em tais circunstâncias, impõe-se às estruturas de apoio da
nossa Instituição, sejam Núcleos de Autocomposição, Centros de Apoio,
Corregedorias etc., em um primeiro momento, a utilização de práticas
restaurativas direcionadas ao nosso próprio staff de colegas, a fim de
compatibilizar entendimentos diversos (há casos envolvendo colegas
da área ambiental, urbanismo, direitos humanos, crime, tributário), em
respeito aos princípios da indivisibilidade, unidade e da independência
funcional (art. 127, § 1º, da Constituição Federal), bem como, e principal-
mente, para aliviar tensões emocionais que atrapalharão, certamente, a
execução de um trabalho autocompositivo profissional e eficiente.
Assim, não é incomum que, a partir de um mesmo caso concre-
to, sejam usadas técnicas de práticas restaurativas, de mediação, de conci-
liação e de negociação, concretizando-se a necessária flexibilidade intrín-
seca dos métodos autocompositivos (a imagem a seguir apresenta várias
formas de trabalhar no mesmo caso concreto, inclusive a campo, em me-
diações nas comunidades) para a solução de problemas complexos.

34
CORREGEDORIA NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Guia de Mediação e Conciliação

4.3. ALICERCE DA MULTIDISCIPLINARIDADE


O terceiro alicerce é a multidisciplinaridade.
A multidisciplinaridade é uma característica do nosso tempo
em que a uberização (economia colaborativa), o transumanismo8, a we-
bização (web)9 dos relacionamentos, o big data10 são as maiores expres-
sões da mudança operada.

8 Sobre o tema, vide: FERRY, Luc. A revolução transumanista. Tradução: Éric R. R. Heneauld.
Prefácio: entrevista de Luc Ferry a Jorge Forbes. São Paulo: Manole, 2018.
9 FERRY, Luc. A revolução transumanista. Tradução: Éric R. R. Heneauld. Prefácio:
entrevista de Luc Ferry a Jorge Forbes. São Paulo: Manole, 2018. p. 87.
10 “[...] A primeira internet é a mais conhecida, a de todos os dias, isto é, a internet da
comunicação. É amplamente dominada pelo quase monopólio dos Gafa [Google, Apple, Facebook,
Amazon], aos quais é preciso acrescentar inúmeras redes sociais, como Twitter ou Linkedin, e
também todos os aplicativos que tornam viva a economia colaborativa no modelo Uber, Airbnb,
BlablaCar, Trocmaison.com, Vente-privee.com, Leboncoin.fr, Drivy.com, ParuVendu.Fr. Wikipédia
[...] Hoje, eles agregam e `pilotam´, com fins mais ou menos mercantis, centenas de milhões de
indivíduos reunidos em comunidades em rede. Essa internet oferece utilizações evidentemente
pagas [...] embora algumas pareçam gratuitas, o que não passa de uma ilusão: à primeira vista
utilizam-se gratuitamente os serviços do Google, Facebook ou do Twitter. A navegação na tela
parece gratuita para o usuário: fazemos uma pesquisa na web ou postamos mensagens diversas
sem gastar um único centavo. [...] por meio de estratagemas altamente eficientes essa aparente
gratuidade permite, de fato, gerar lucros astronômicos, já que essas prósperas empresas,
falsamente desinteressadas, coletam o tempo todo uma infinidade de dados diversos sobre nosso
modo de vida, nossas aspirações, nossa saúde, nossas peculiaridades, nossas preocupações e
nossos hábitos de consumo (é primeiramente o que se chama de big data), os quais revendem
a preços exorbitantes a outras empresas – permitindo que estas afinem suas estratégias de
comunicação, de inovação e de venda, direcionem e personalizem a publicidade enviada aos seus
clientes, ao mesmo tempo que contextualizam cada vez mais as respostas dadas às perguntas
dos diferentes internautas.” (FERRY, Luc. A revolução transumanista. Tradução: Éric R. R. Heneauld.
Prefácio: entrevista de Luc Ferry a Jorge Forbes. São Paulo: Manole, 2018. p. 87).

35
CORREGEDORIA NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Guia de Mediação e Conciliação

Impõe-se, portanto, que estejamos minimamente afinados


com as novas realidades de comunicação, da economia comportamen-
tal (alguns grandes expoentes são Daniel Kahneman e Richard H. Thaler,
ambos vencedores do prêmio Nobel), das neurociências, das técnicas de
autocomposição, para que possamos atender com profissionalismo aos
novos desafios do tratamento de problemas complexos.
Esse é um dos motivos pelos quais optamos por fazer algu-
mas inserções de conceitos e de realidades de outras áreas do conheci-
mento atreladas ao estudo do comportamento humano (neurociências,
tecnologia da informação, economia comportamental, psicologia), objeti-
vando demonstrar que toda tomada de decisão está diretamente vincu-
lada aos hormônios e neurotransmissores que acabam sendo produzi-
dos em decorrência dos estímulos externos e internos que recebemos
no cotidiano, seja por influência direta de acontecimentos que esteja-
mos vivenciando, seja, principalmente, por acontecimentos que já viven-
ciamos (memórias, traumas, experiências) ou que pensamos que iremos
vivenciar (planejamento do futuro, medos de tomar determinadas deci-
sões, consequências imaginadas em decorrência das decisões que ava-
liamos adotar etc.).

4.4. ALICERCE DA VOLUNTARIEDADE


O quarto alicerce corresponde à voluntariedade, prevista no
art. 2º da Lei nº 13.140/2015 (Lei de Mediação), quando informa que a
“mediação será orientada pelos seguintes princípios: [...] V - autonomia
da vontade das partes; § 2º Ninguém será obrigado a permanecer em
procedimento de mediação.”

36
CORREGEDORIA NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Guia de Mediação e Conciliação

Também no art. 30 da Lei de Mediação, que trata do princípio


da confidencialidade, está previsto que
Art. 30 Toda e qualquer informação relativa ao procedimento
de mediação será confidencial em relação a terceiros,
não podendo ser revelada sequer em processo arbitral ou
judicial salvo se as partes expressamente decidirem de
forma diversa ou quando sua divulgação for exigida por
lei ou necessária para cumprimento de acordo obtido pela
mediação. (grifo nosso)
Por isso, é fundamental que, antes de qualquer medida de
início do procedimento de mediação/conciliação, seja obtida a anuência
expressa das partes envolvidas no problema quanto a suas concordân-
cias em participarem da autocomposição.
De igual forma, as partes podem, a qualquer tempo, desistir
da mediação/conciliação, sendo este mais um dos efeitos do alicerce da
voluntariedade.
Relativamente aos demais alicerces estruturantes, remete-
mos os colegas às considerações feitas sobre o tema no Guia de Nego-
ciação da Corregedoria Nacional, fazendo menção expressa ao princípio
da contextualização, ao paradigma da investigação de informações e
dados, ao paradigma da “escuta”, ao paradigma da cooperação, ao para-
digma da implementação, ao paradigma da experienciação, ao paradig-
ma do “não julgamento” e ao paradigma da prevalência do interesse pú-
blico e da relevância social.

37
CORREGEDORIA NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Guia de Mediação e Conciliação

38
CORREGEDORIA NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Guia de Mediação e Conciliação

5. TÉCNICAS EFICIENTES
DE MEDIAÇÃO AVALIATIVA/
CONCILIAÇÃO – PROPOSTA
METODOLÓGICA PRÁTICA.
FASES DA MEDIAÇÃO/CONCILIAÇÃO
Desenvolveremos a seguir proposta de fases de mediação/
conciliação estruturada para problemas complexos, que poderá ser uti-
lizada em qualquer tipo de assunto que mereça a atuação de terceiro
imparcial, cabendo ao profissional do Ministério Público realizar as adap-
tações eventualmente necessárias para o atendimento das peculiarida-
des do caso concreto.
Fases da mediação/conciliação:
a) preparação da mediação/conciliação;
b) apresentação e definição das regras da mediação/conci-
liação;
c) narração dos fatos e identificação dos problemas;
d) detecção dos interesses e necessidades;
e) recontextualização ou reenquadramento;
f) geração e seleção de alternativas, opções e propostas;
g) acordos e formalização dos pactos;
h) avaliação, monitoramento e implementação das soluções
consensuadas.
Salientamos que os métodos autocompositivos não primam
pela rigidez formal, cabendo o alerta para que os colegas do MP possam,
à luz das suas realidades de problemas a resolver, melhor planejar seus
cenários de mediação/conciliação.
Por exemplo, falaremos de pré-mediações, de reuniões pri-
vadas (caucus) e tantas outras técnicas, mas essa última, por exemplo,
poderá, eventualmente, ser realizada em qualquer fase da mediação, não

39
CORREGEDORIA NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Guia de Mediação e Conciliação

necessariamente somente antes da primeira reunião conjunta de todos


os envolvidos no problema.
De igual modo, novas rodadas de planejamento do cenário
de mediação/conciliação poderão ser feitas após as primeiras fases dos
métodos tratados, ante o surgimento de novas realidades, casos fortui-
tos ou de força maior, ou então, por exemplo, para readequar estratégias
de consenso após a descoberta de informações que tenham vindo ao
palco da autocomposição em decorrência das trocas de conversas.
Destacamos que utilizaremos a numeração 6, 7, 8, 9, 10 [...]
para cada uma das fases da mediação, sempre ressalvando que, no to-
cante à conciliação, consideramos o conceito normativo apontado na
Resolução nº 118, de 1º de dezembro de 2014, do CNMP, nos artigos 11 e
12, como sendo a intervenção propositiva do terceiro imparcial (estare-
mos equiparando-a à mediação avaliativa – vide nota de rodapé nº “6” o
critério distintivo em relação à mediação facilitadora).

40
CORREGEDORIA NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Guia de Mediação e Conciliação

6. FASE DA PREPARAÇÃO DA
MEDIAÇÃO/CONCILIAÇÃO

6.1 PRÉ-MEDIAÇÃO, CAUCUS E ANAMNESE


A anamnese “[...] é uma entrevista realizada pelo profissio-
nal de saúde ao seu doente, que tem a intenção de ser um ponto inicial
no diagnóstico de uma doença, ou uma resposta humana aos processos
vitais [...]”.11
Na dimensão ministerial de que a mediação/conciliação são
métodos de tratamento adequado de resolução de problemas, torna-se
fundamental a realização de entrevistas prospectivas com todos os en-
volvidos no conflito, na controvérsia e nos problemas, buscando definir
as questões objetivas e subjetivas que integram o assunto, com vistas
ao estabelecimento de um planejamento eficiente da autocomposição.
O caucus é reunião privada que pode acontecer antes ou de-
pois das reuniões conjuntas com todos os envolvidos no “problema”, vi-
sando prospectar informações sobre o estado de ânimo de mediandos/
conciliandos sobre suas demandas, expectativas, bem como a respeito
da possibilidade ou não de serem colocados frente a frente, seja na via
presencial ou on-line12.
As pré-mediações, igualmente, servem para que os M/Cs te-
nham condições de passar informações aos envolvidos sobre o trabalho

11 ANAMNESE (SAÚDE). In: WIKIPEDIA: a enciclopédia livre. Disponível em: <https://


pt.wikipedia.org/wiki/Anamnese_(sa%C3%BAde)>. Acesso em: 6 dez. 2022.
12 “No que tange aos mediadores, a pré-mediação possibilita que, a partir do contato com
os indivíduos e suas motivações, identifiquem se o instrumento é o método de composição mais
apropriado para as questões trazidas; se o mediador atesta independência em relação ao tema e
as pessoas envolvidas; se a comediação seria conveniente ou não na condução do diálogo. No
que tange aos mediandos, estes recebem informações sobre o processo de autocomposição
visando: (i) elencar claramente os temas que os trazem à mediação; (ii) possibilitar a escolha
consciente da Mediação como médio de resolução do conflito e/ou das questões existentes; (iii)
identificar se encontram em si mesmo disponibilidade para rever posições rígidas ou competitivas;
(iv) trabalhar focados na busca de soluções de benefícios mútuos; (v) reconhecer a possibilidade
de empenho na observância dos propósitos e princípios éticos do instituto.” (ALMEIDA, Tania.
Caixa de ferramentas em mediação: aportes práticos e teóricos. São Paulo: Dash, 2014. p. 37.).

41
CORREGEDORIA NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Guia de Mediação e Conciliação

que é desenvolvido pelo Ministério Público na autocomposição, os ob-


jetivos, as etapas do procedimento, a fim de que sejam criados os pri-
meiros vínculos de confiança, de proximidade e de motivação para que a
parte ingresse na autocomposição.
Nessas reuniões privadas, poderão ser prospectadas in-
formações confidenciais que a parte não desejaria revelar aos demais
interlocutores, obstáculos emocionais, expectativas irreais, propostas,
opções de resolução etc.
O trabalho com pré-mediações unilaterais revela-se, na prá-
tica, como um dos principais instrumentos para alavancar e desenvolver
uma mediação/conciliação contextual, planejada, ampla, objetiva, co-
operativa e prospectiva que, muitas vezes, se bem empreendido com
cada uma das partes, tem o potencial de fazer com que cheguemos à
primeira reunião conjunta e já tenhamos a conclusão do acordo.
Exemplo disso aconteceu em mediação cujo problema com-
plexo era a implementação de uma lei municipal de plano de cargos e sa-
lários, regularmente votada, mas não implementada pelo prefeito. Após
várias ações judiciais e longos anos de trâmite sem qualquer solução,
por intermédio de várias pré-mediações com o sindicato dos municipá-
rios, Poder Judiciário, Poder Executivo e Poder Legislativo (que, inclusive,
propôs e aprovou outra lei municipal para a implementação do acordo,
também cedendo parte do seu orçamento para pagar atrasados), quan-
do colocados pela primeira vez em reunião conjunta culminaram por as-
sinar um complexo acordo.
Após homologado judicialmente, o pacto teve reflexos na ex-
tinção das demandas coletivas que orbitavam o problema, oportunizan-
do a implementação da lei de cargos e salários, o pagamento de atrasa-
dos, além de pacificar toda a cidade, a qual estava dividida e polarizada
há anos por causa da referida lei.
Na realização da técnica das pré-mediações, também pode-
rão ser ouvidos técnicos, colegas especialistas do Ministério Público, as
partes envolvidas, desenvolvendo-se a prática principalmente por inter-
médio da técnica do uso de perguntas, que será tratada na sequência.

42
CORREGEDORIA NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Guia de Mediação e Conciliação

O objetivo das pré-mediações é identificar dados, informa-


ções, desejos, necessidades, posições, interesses, expectativas, per-
cepções e tudo quanto possa ser importante, nos aspectos subjetivos,
objetivos e afetivos (afeto no sentido de emoções e sentimentos subja-
centes ao problema a resolver) para que sejam criadas alternativas úteis
à obtenção de consenso entre todos.
A anamnese pode durar várias horas, sendo importante res-
saltar que o eventual dispêndio de maior tempo nesta fase abreviará a
resolução ou evitará problemas outros que poderão surgir ao longo da
autocomposição.
Exemplo disso seria a hipótese em que, por não ter sido efe-
tuada uma anamnese adequada na prospecção de informações amplas,
em uma mediação de regularização de ocupação de área pública, não
é perguntado pelo M/C sobre a existência de pessoas descendentes
de quilombolas, as quais estão presentes no parcelamento clandesti-
no. Como consequência, não é convidado pelo profissional do Ministério
Público Estadual que está à frente do “problema” o colega do Ministério
Público Federal encarregado da proteção a essas populações vulnerá-
veis. Avente-se a hipótese em que, após meses de tratativas e concluído
consenso para que a população seja transferida para uma área urbaniza-
da e em melhores condições, ingressa o MP Federal com demanda para
obstaculizar o cumprimento do pacto consensualizado, impugnando o
acordo. Em tais circunstâncias, toda a autocomposição terá sido inútil,
devido a uma incorreta anamnese do caso.
O foco da anamnese será, portanto, a obtenção da visão de
“drone” (referência inclusa no Guia de Negociação, que faz alusão aos
equipamentos voadores que se elevam com câmeras e permitem uma
visão mais abrangente da realidade), oportunizando que seja descorti-
nado o contexto do “problema”, a partir do qual será efetuado o planeja-
mento da mediação/conciliação.
Em síntese, as tarefas executadas nas pré-mediações fixarão
os aspectos objetivos da autocomposição, tais como questões fático-
-jurídicas, obstáculos concretos e hipotéticos a solucionar, pretensões

43
CORREGEDORIA NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Guia de Mediação e Conciliação

de cada um dos envolvidos, problemas de implementação que já devem


ser prospectados, assim como, será buscado definir a parte subjetiva,
ou seja, os interlocutores, stakeholders13 (partes interessadas ou in-
tervenientes), técnicos, implementadores (sejam outras instituições ou
pessoas físicas) que possam contribuir para que os consensos acabem
concretizados, além da fixação dos papéis que cada um dos participan-
tes da mediação/conciliação terá no procedimento.

Sintetizamos esse item apresentando de maneira objetiva, mas


não exaustiva, os benefícios das reuniões privadas:
a) proporcionar maior confiança ao mediador, pois amplia o
conhecimento de cada parte;
b) perguntar a cada parte com mais liberdade;
c) certificar-se de que a pretensão da parte seja sincera;
d) obter informações adicionais;
e) averiguar os verdadeiros interesses, e não somente as
posições;
f) determinar o campo de interesse;
g) aferir a verdade;
h) confirmar dúvidas e suposições;
i) averiguar os sentimentos e necessidades;
j) desenvolver opções viáveis;
k) avaliar o poder de decisão da parte;
l) assinalar as debilidades da posição da parte;

13 STAKEHOLDER. In: WIKIPEDIA: a enciclopédia livre. Disponível em: <https://pt.wikipedia.


org/wiki/Stakeholder>. Acesso em: 26 jan. 2023.

44
CORREGEDORIA NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Guia de Mediação e Conciliação

m) recordar o difícil prognóstico de um resultado judicial;


n) discutir pontos específicos a negociar;
o) reformular as pretensões.

6.2. PLANEJAMENTO SUBJETIVO, DEFINIÇÃO DE PAPÉIS


E O MINISTÉRIO PÚBLICO MEDIADOR/CONCILIADOR

6.2.1. Definição de papéis

É importante não olvidar a questão dos papéis que cada um


exercerá no cenário de consenso, porque a não organização do que ca-
berá a cada um, principalmente no âmbito interno dos vários colegas que
atuam em problemas multidisciplinares do Ministério Público, poderá ter
consequências desastrosas.
Com efeito, o Ministério Público poderá assumir vários papéis
na atuação da mediação/conciliação.
Poderão trabalhar vários M/Cs (é o fato do comediador ou co-
conciliador), em conjunto como os Promotores e Procuradores naturais
do caso, seja na condição de órgãos agentes, seja na condição de custos
iuris.
Também é possível agregar colegas dos Centros de Apoio
Operacional, das Corregedorias, de Núcleos temáticos específicos, dos
Núcleos Permanentes de Autocomposição etc.
Igualmente é muito útil em autocomposições estruturais
complexas a existência de colega observador das linguagens não verbais
e verbais, o qual terá a função de repassar ao mediador e ao comediador
informações sobre a linguagem corporal dos interlocutores, de modo que
os colegas mediadores tenham melhores condições de executar inter-
venções, afagos, validações, despolarizações etc. Em suma, essa função
do mediador/observador tem-se revelado como extremamente útil no
sentido de evitar arroubos de agressividade, colonização e eternização
de falas, sarcasmos, deboches, desvios de foco dos diálogos etc.

45
CORREGEDORIA NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Guia de Mediação e Conciliação

Tendo em vista esses vários papéis passíveis de serem assu-


midos pelos profissionais do MP, é preciso que sejam feitas negociações
intrainstitucionais (aqui destacamos a importância do alicerce da flexi-
bilidade intrínseca, pois, mesmo em cenários de mediação/conciliação,
poderão ser necessárias negociações periféricas fundamentais como
essa, visando compatibilizar os princípios da indivisibilidade, da unidade e
da independência funcional) para que sejam organizadas as funções de
cada um, não podendo, por exemplo, um colega chamado a atuar na au-
tocomposição como profissional técnico de uma área específica, seja da
saúde, ambiental, crime, direitos humanos etc., passar a realizar funções
de mediador. Com o perdão da expressão, trata-se do clássico “cada um
deve ficar no seu quadrado”.
De igual forma, não é adequado que os colegas promotores/
procuradores naturais, na eventualidade de existirem outros colegas
mediadores/comediadores, realizem, conjuntamente, a mesma atividade
de mediação, até porque, se o fizerem, poderão inviabilizar suas atua-
ções como Órgão agente ou como custos iuris (o colega que atua como
mediador/conciliador posteriormente tem vedação para atuar nessas
duas posições).

46
CORREGEDORIA NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Guia de Mediação e Conciliação

6.2.2. Profissionais do MP trabalhando em conjunto como


M/Cs e como negociadores

Tentando demonstrar de maneira prática como podem ser


feitas as primeiras organizações do procedimento de autocomposição
adequado, destacamos que um mesmo caso concreto admite a escolha
do cenário de autocomposição negociação, como também de media-
ção/conciliação.
Exemplificando, em temas como Acordo de Não Persecução
Penal (ANPP) e Acordo de Não Persecução Cível (ANPC), há colegas que
adotam o cenário de mediação/conciliação, no qual o promotor/procu-
rador natural fica na condição de negociador, portanto, “polarizado”, en-
quanto outros colegas (normalmente dos Núcleos Permanentes de Au-
tocomposição) atuam como mediadores entre os colegas negociadores
e o investigado/negociador.
Nesse contexto, também é possível que seja designado co-
lega capacitado nos métodos autocompositivos como conegociador, ao
lado do promotor/procurador natural/negociador (já atuam como nego-
ciadores naturais em ANPP e ANPC), a fim de garantir melhor equilíbrio
de forças. Isso é feito porque não é incomum que o investigado compa-
reça à interlocução com 3 ou 4 advogados, ao passo que, do outro lado,
existe apenas o colega promotor/procurador natural negociador, situa-
ção de desequilíbrio muito prejudicial e causadora de constrangimentos
inaceitáveis, até porque os mediadores/conciliadores do Ministério Pú-
blico, em tais situações, devido à necessária imparcialidade decorrente
da Lei, não poderão intervir de modo a auxiliar o colega como negociado-
res, pois seu papel será de mediadores/conciliadores imparciais.
Em síntese, valendo-nos do exemplo dos ANPPs e ANPCs,
tanto são possíveis cenários de negociação em que o colega promotor/
procurador natural atua diretamente e de maneira polarizada em interlo-
cução com o investigado/negociador como também é possível trabalhar
os ANPPs e ANPCs no cenário de mediação/conciliação.

47
CORREGEDORIA NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Guia de Mediação e Conciliação

Como dito antes, cada colega é livre para escolher o cenário


autocompositivo que melhor funcionar para o caso concreto específico
tratado.
Indicamos como mais profícuo o cenário mediação/concilia-
ção, porque a posição de um terceiro imparcial sempre atribui mais con-
forto e credibilidade à interlocução, haja vista a possibilidade de serem
intensificados, infrutiferamente, os debates, oportunidades essas nas
quais a intervenção do terceiro é fundamental para o reenquadramento
cognitivo e emocional dos mediandos.

6.2.3. Membros do Ministério Público podem ser


mediadores/conciliadores?

Pergunta reiterada é se membros do Ministério Público po-


dem ser mediadores/conciliadores.
O artigo 784, inciso IV, do Código de Processo Civil assim
dispõe:
Art. 784. São títulos executivos extrajudiciais:
[...]
IV - o instrumento de transação referendado pelo Ministério
Público, pela Defensoria Pública, pela Advocacia Pública,
pelos advogados dos transatores ou por conciliador ou
mediador credenciado por tribunal;

Analisando o artigo, percebe-se que não há vedação para


que o Ministério Público atue como terceiro imparcial.
Aliás, a Resolução nº 118/2014 do CNMP, que instituiu a Polí-
tica Nacional de Incentivo à Autocomposição, é expressa quanto à pos-
sibilidade de membros do Ministério Público atuarem como M/Cs.
Exatamente por isso é que consta no artigo 2º, inciso I, a “for-
mação e o treinamento de membros e, no que for cabível, de servidores”;
e, no artigo 7º, inciso V, “a inclusão, no conteúdo dos concursos de in-
gresso na carreira do Ministério Público e de servidores, dos meios auto-

48
CORREGEDORIA NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Guia de Mediação e Conciliação

compositivos de conflitos e controvérsias”; além da “criação de Núcleos


Permanentes de Incentivo à Autocomposição, compostos por mem-
bros...”, conforme inciso VII do mesmo artigo da Resolução nº 118/2014,
com atribuições para “atuar na interlocução com outros Ministérios Pú-
blicos e com parceiros”, na forma prevista na alínea “b” do citado artigo.
Ainda vemos no artigo 10, § 1º, que “Ao final da mediação,
havendo acordo entre os envolvidos, este poderá ser referendado pelo
órgão do Ministério Público [...]”, e, no artigo 12 da mesma Resolução nº
118/2014, a previsão de que
Art. 12 A conciliação será empreendida naquelas situações
em que seja necessária a intervenção do membro do
Ministério Público, servidor ou voluntário, no sentido
de propor soluções para a resolução de conflitos ou
de controvérsias, sendo aplicáveis as mesmas normas
atinentes à mediação.
Para concluir, o artigo 18 da Resolução nº 118/2014 dispõe que
Art. 18 Os membros e servidores do Ministério Público serão
capacitados pelas Escolas do Ministério Público, diretamente
ou em parceria com a Escola Nacional de Mediação e de
Conciliação (ENAM), da Secretaria de Reforma do Judiciário
do Ministério da Justiça, ou com outras escolas credenciadas
junto ao Poder Judiciário ou ao Ministério Público, para que
realizem sessões de negociação, conciliação, mediação
e práticas restaurativas, podendo fazê-lo por meio de
parcerias com outras instituições especializadas.
Não nos olvidemos, todavia, de que a Lei nº 13.140/2015 es-
tabelece, no artigo 5º, que “Aplicam-se ao mediador as mesmas hipóte-
ses legais de impedimento e suspeição do juiz.”
No artigo 6º da mesma Lei de Mediação também é previsto
que “O mediador fica impedido, pelo prazo de um ano, contado do tér-
mino da última audiência em que atuou, de assessorar, representar ou
patrocinar qualquer das partes.”
Aqui, então, um alerta para que seja avaliada pelos colegas a
possibilidade de que M/Cs dos Núcleos de Incentivo à Autocomposição
ou de outras estruturas ministeriais com tais atribuições possam atuar
com a necessária imparcialidade, a fim de que os colegas Promotor/Pro-
curador Natural fiquem livres para participar somente como negociado-

49
CORREGEDORIA NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Guia de Mediação e Conciliação

res do MP, situação essa não abrangida (negociação) pela restrição legal
ora apontada.
O artigo 9º da Lei de Mediação ainda prescreve, para os me-
diadores extrajudiciais, nessa condição estando os profissionais do Mi-
nistério Público, a exigência de que apenas sejam pessoas capazes, que
tenham a confiança das partes e que sejam capacitados para fazer a
mediação.

6.2.4. Cuidados na organização e planejamento da parte


subjetiva da autocomposição

No tocante aos demais participantes da autocomposição, é


importante que o staff de mediação/conciliação seja criterioso na or-
ganização daqueles que integrarão o cenário autocompositivo, zelando
para não excluir colegas ou interlocutores que tenham condições de in-
fluir positivamente na construção dos consensos, mas tendo o mesmo
cuidado para não incluir pessoas que nada influirão ou que possam cau-
sar entraves indevidos à pacificação buscada.
Instituições parceiras também devem estar no radar desse
planejamento, sempre procurando os M/Cs buscarem informações so-
bre os interlocutores que representarão tais instituições, a fim de evitar
surpresas e diminuir o nível de risco relativo ao convite de pessoas que
eventualmente prejudiquem a interlocução.
Na linguagem da autocomposição, as pessoas interessadas
no problema a ser solucionado são chamadas de stakeholders.

50
CORREGEDORIA NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Guia de Mediação e Conciliação

Podem ser pessoas habilitadas a implementar consensos, re-


presentantes de categorias ou instituições, colegas que tenham espe-
cialização na questão sob análise, ou seja, múltiplos atores poderão vir a
integrar a mesa de diálogo, até mesmo peritos, mas isso requer grande
cuidado e atenção.

6.3. PREPARAÇÃO E PLANEJAMENTO OBJETIVOS


A preparação e o planejamento objetivos seguem as mesmas
referências já declinadas no Guia de Negociação da Corregedoria Nacio-
nal, motivo pelo qual remetemos os colegas para as sugestões lá escritas.

51
CORREGEDORIA NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Guia de Mediação e Conciliação

6.3.1. Criação de grupos de WhatsApp e característica


continuada da interlocução

Após a anamnese, é importante avaliar a criação de grupo


de WhatsApp entre os colegas que forem trabalhar na autocomposição,
podendo ser englobados outros profissionais que detenham a confiança
de todos, seja da área pública como da privada.
A criação do grupo tem o objetivo de agilizar as conversas e
organizações, repassar material, informações etc.
Essa técnica deve ser executada com muita cautela, porque
pode envolver questionamentos a respeito da eventual imparcialidade
dos M/Cs ministeriais.
Todavia, na forma já referida anteriormente, a situação de au-
tocomposições com a presença de membros do Ministério Público como
mediadores/conciliadores exige adaptações, alterações essas que se-
guem os princípios do artigo 37 da Constituição Federal (legalidade, im-
pessoalidade, moralidade, publicidade, eficiência).
Para que possa ser melhor compreendido, por exemplo, em
mediações/conciliações complexas e multidisciplinares, é imprescindível
que haja uma pré-mediação promovida pelos M/Cs do MP entre os pró-
prios colegas (Promotores/Procuradores naturais, integrantes do Centros
de Apoio Operacionais, Corregedoria, colegas especialistas, etc.) de Mi-
nistério Público, para que sejam dirimidas divergências intrainstitucionais
pelo diálogo, compatibilizando-se, assim, o respeito à independência fun-
cional com a concretização dos princípios da unidade e da indivisibilidade.
Em relação a interlocutores externos à Instituição, não há
essa preocupação específica, porque eles não estão submissos aos
princípios da unidade e da indivisibilidade.
Exatamente por isso é que não costumam ser formados gru-
pos de WhatsApp com todos os negociadores.
Uma segunda razão para não serem criados grupos de What-
sApp entre todos é que começariam conversas entre os negociadores
polarizados em ambiente absolutamente impróprio para uma interlocu-
ção profícua.

52
CORREGEDORIA NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Guia de Mediação e Conciliação

De fato, isso seria incontrolável pelos M/Cs, porque seriam


postados comentários escritos, áudios ou vídeos sem qualquer controle,
o que certamente causaria conflitos, incompreensões e maiores proble-
mas a solucionar.
Na forma do que já foi apontado rapidamente, a linguagem
cinestésico-corporal (linguagem do corpo, gestos, olhares, postura etc.)
contribui com 56% da comunicação, sendo que em torno de 37% da
comunicação acontece por meio da linguagem não verbal chamada de
paralinguística (tom de voz, fluência, latência, volume etc.).
Portanto, se fossem viabilizadas mediações pelo WhatsApp,
haveria uma perda de, no mínimo, 91% de informações comunicacionais,
o que seria um absurdo em termos de tratamento adequado de conflitos,
controvérsias e problemas.
Para diminuir essa aparente disparidade de tratamento entre
os negociadores internos e os externos à Instituição, os M/Cs poderão
oferecer seus contatos aos negociadores externos, abrindo margem
para que ocorram ligações, comentários, pleitos, os quais poderão ser
repassados aos negociadores internos, nessas condições podendo, sim,
acontecer atividades de intermediação próprias da mediação/concilia-
ção, inclusive para a veiculação de propostas.
Aliás, devemos ressaltar que é imprescindível que os negocia-
dores externos tenham ao menos o contato de um dos M/Cs, objetivando
concretizar os princípios da cooperação, da duração razoável do processo,
da eficiência, evitando-se com isso que, a cada questão, tenham de ser
convidados todos os envolvidos na interlocução, o que, na maior parte das
vezes, não é justificável, tampouco possível de equacionar.
Também é importante esclarecer que poderá ser uma opção
dos colegas o uso da presente técnica. Entendemos que ela deve ser
oferecida em razão da eficiência, em que pese a existência de alguns
aspectos negativos que, eventualmente, poderão ser apontados pelos
colegas no executar tal prática.

53
CORREGEDORIA NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Guia de Mediação e Conciliação

Apenas como exemplo, pode haver a possibilidade de os gru-


pos estarem sempre ativos, e, por se tratar de um espaço virtual e ins-
tantâneo, os M/Cs terão de estar em constante monitoramento, no in-
tuito de executarem o seu mister em situações urgentes ou que exijam
rápida resposta.
Por outro lado, muito mais vanta-
gens existem em executar a prática, porque
em questões de minutos são organizadas ses-
sões, inspeções a campo, troca de materiais,
de minutas, motivos esses mais que suficien-
tes para respaldarem o uso da técnica.

6.3.2. Preparação do local ou sessão on-line

Inicialmente deve ser dito que, no âmbito da flexibilidade dos


procedimentos autocompositivos, é plenamente viável que sejam tra-
balhados os cenários de mediação/conciliação mesclando sessões pre-
senciais com virtuais.
A pandemia nos trouxe inúmeras novas realidades, sendo
uma delas a possibilidade e, em alguns casos, a exigência do trabalho
on-line, haja vista que muitas atividades paralisariam caso não fosse as-
sumida essa nova maneira de trabalhar no mundo virtual.
Diversamente do que o senso comum indicava, a mediação/
conciliação on-line possui várias vantagens se comparada com as inter-
locuções presenciais.
É bem verdade que também existem desvantagens decor-
rentes da impossibilidade de as pessoas poderem usar algumas lingua-
gens não verbais, entre elas a linguagem tacêsica (do tato), já mencio-
nada na abordagem do Guia de Negociação, além da linguagem olfativa
e do próprio hábito em todos nós criado devido aos anos de prática de
reuniões face a face.

54
CORREGEDORIA NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Guia de Mediação e Conciliação

Todavia, a neurociência tem demonstrado que o contágio


emocional14 também acontece virtualmente, espaço esse esse que pro-
porciona uma série de outras vantagens, que acabam maximizando re-
sultados de consenso.

6.3.2.1. Sessões on-line – vantagens – interlocutores nos


seus próprios ambientes

A primeira grande vantagem é que as pessoas podem realizar


a interlocução nos seus próprios ambientes, sejam profissionais ou pri-
vados (residências), o que já é um fator decisivo de melhoria da neuroquí-
mica dos envolvidos, pois, por mais tensa que esteja a interlocução, a
pessoa está mais segura nos seus espaços de privacidade, tomando a
sua água, o seu cafezinho e,
na pior das hipóteses, sabe
que poderá, a qualquer mo-
mento, “simplesmente des-
conectar-se” e se afastar de
situações insustentáveis.

14 “[...] a internet e as mídias sociais chegam em qualquer lugar, sejam regiões urbanas ou rurais,
e novos estudos estão demonstrando que humores, emoções e comportamento on-line se
mostram tão contagiosos quanto os comportamentos off-line da `vida real´ (em pessoa) – talvez
até mais. A imitação como um espelho inconsciente do que outras pessoas fazem não se desliga
só porque o comportamento que estamos percebendo é em formato digital e não físico. De fato,
graças ao fato de a mídia social nos conectar uns aos outros de maneira muito mais ampla do
que jamais experimentamos, hoje há muito mais oportunidades para efeitos de contágio do que
costumava haver. [...] Pesquisadores no Facebook mediram quão positivos ou negativos eram os
posts no feed de notícias de determinado usuário [...] Eles constataram que as pessoas realmente
enviavam elas mesmas posts mais positivos se tivessem recebido posts mais positivos de outros,
e posts mais negativos se estivessem no grupo que recebera feeds mais negativos. No todo, essa
pesquisa demonstrou que todos os tipos de comportamento, incluindo comer em excesso, ser
cooperativo, rude, bem-educado, jogar ou não lixo no chão, são tão contagiantes nas redes sociais
quanto são presencialmente. A imitação inconsciente não exige proximidade física.” (BARGH, John.
O cérebro intuitivo: os processos inconscientes que nos levam a fazer o que fazemos. Tradução:
Paulo Geiger. Rio de Janeiro: Objetiva, 2020. p. 233-236.).
Ressaltamos que este último estudo trata de posts em mídias sociais, devendo ser transferidos os
ensinamentos para a realidade de sessões ou reuniões on-line, onde podem ser vistas as pessoas
nos seus “quadradinhos”, situação essa na qual são potencializados os contágios (principalmente
feitos pelos neurônios-espelho) emocionais vivenciados.

55
CORREGEDORIA NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Guia de Mediação e Conciliação

6.3.2.2. Melhor avaliação das linguagens não verbais on-line

As interlocuções virtuais igualmente permitem que se avalie


melhor as linguagens não verbais, seja a cinestésico-corporal (lingua-
gem do corpo, olhos, boca, mãos, trejeitos, piscar, tremer etc.), a arte-
fática (brincos, roupas, quadros, porta-retratos, livros, estantes, instru-
mentos musicais, em suma, artefatos usados pelos interlocutores e que
são revelados no “quadradinho” virtual) ou a proxêmica, que é a distância
com que o interlocutor se coloca em relação à câmera.

Esse ganho no tocante às linguagens não verbais acontece


porque as pessoas estão na tela em zoom, podendo ser mais facilmente
identificados sinais linguísticos e emoções manifestadas por todos.
Não bastasse isso, as interlocuções virtuais permitem que
as pessoas se comuniquem livremente no decorrer da interlocução, ou
seja, M/Cs podem comunicar-se entre si, aprumar rumos, ressignificar
estratégias de conciliação, receber informações fundamentais do me-
diador-observador já comentado – o mesmo podendo ser feito entre
cada um dos polos de negociação.
Por vezes, os mediadores podem oferecer seus contatos te-
lefônicos para os mediandos/conciliandos, os quais também poderão
enviar mensagens aos M/Cs de maneira privada, objetivando mencionar

56
CORREGEDORIA NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Guia de Mediação e Conciliação

questões úteis que não possam ser reveladas a todos os presentes na


interlocução on-line.

Em suma, as mediações on-line alavancaram os métodos au-


tocompositivos no Brasil, oportunizando uma maior quantidade e quali-
dade nas reuniões de consenso.
Relativamente às mediações/conciliações face a face, algu-
mas questões precisam ser abordadas em específico.

6.3.2.3. Sessões e reuniões presenciais

Inicialmente, o corpo de mediação/conciliação deve buscar a


criação de uma atmosfera de segurança, acolhimento e paz no ambien-
te em que será conduzida a sessão de consenso, visando equiparar o
estado de ânimo e humor que normalmente os interlocutores já natural-
mente vivenciam nas mediações/conciliações on-line, conforme acima
apontado.
Usar mesas redondas é importante, pois cria um clima de
igualdade e permite que todos possam se enxergar, se perceber de for-
ma menos opositiva, sendo tarefa do terceiro imparcial promover a orga-
nização dos lugares onde cada um se sentará.

57
CORREGEDORIA NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Guia de Mediação e Conciliação

Em casos complexos, com muitos colegas comediadores, é


útil intercalá-los com os mediandos, a fim de que realizem intervenções
rápidas, inclusive, por exemplo, com um simples toque no dorso da mão
(linguagem tacêsica) em situações em que aconteçam conversas pa-
ralelas, dúvidas, comentários em voz baixa contendo erros de entendi-
mento etc. Com isso, o mediador principal potencializa suas atividades,
delegando intervenções que somente têm utilidade no momento preci-
so em que ocorrem os desvios de um diálogo produtivo.
O M/C deve estar muito atento nesses momentos iniciais,
buscando informações na linguagem corporal dos mediandos sobre seu
conforto, pouco ou muito calor, frio, vento, sede, fome, sono, porque pes-
soas com mal-estar podem despejar adrenalina e cortisol em excesso,
sendo esses hormônios antagonistas de conversas construtivas, na
medida em que afetam o autocontrole, a memória, o raciocínio e, conse-
quentemente, a tomada de decisão.
Estando as partes suficientemente calmas, o M/C pode dar
início à sessão.

58
CORREGEDORIA NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Guia de Mediação e Conciliação

7. FASE DO INÍCIO
DA SESSÃO CONJUNTA E
APRESENTAÇÃO DAS REGRAS DA
MEDIAÇÃO/CONCILIAÇÃO –
DECLARAÇÕES DE ABERTURA

7.1. APRESENTAÇÃO DE TODOS E CONSENSOS QUANTO À


PARTE SUBJETIVA DA MEDIAÇÃO
Nesta fase, é importante que o M/C promova a apresentação
de todos, assim como faça ele os questionamentos que forem necessá-
rios sobre a participação de terceiros observadores, peritos, outros co-
legas do MP que tenham sido sugeridos para servir como técnicos em
alguma área específica de especialização ou de experiência.

7.2. DECLARAÇÃO DE IMPARCIALIDADE E NÍVEIS DE


ATENÇÃO
Iniciando a sessão conjunta, após a realização de sessões
privadas, caso tenha sido adotada essa prática salutar, deve o M/C se-
guir algumas posturas fundamentais, tais como sempre zelar pela impar-

59
CORREGEDORIA NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Guia de Mediação e Conciliação

cialidade; ser sensível às ansiedades dos mediandos; não falar somente


a uma das partes e sim dividir o nível de atenção, de compreensão aos
argumentos; olhar nos olhos dos me-
diandos – ação que não pode ser feita
de maneira ostensiva, pois há culturas
orientais que não se sentem confortá-
veis com alguém lhes fitando os olhos;
não mostrar superioridade em relação
às partes e ter equilíbrio e autodomínio
das suas emoções.

7.3. M/C – EXCELENTE ESCUTADOR E ANOTADOR


Desejamos ressaltar que o bom M/C se destaca por ser, tam-
bém, um bom escutador e um excelente anotador de tudo o que aconte-
ce de relevante nas sessões.
Essa tarefa é fundamental para
que o terceiro imparcial possa recordar os
principais pontos abordados na interlocu-
ção, haja vista que, em ambientes comple-
xos e estressantes de negociações estru-
turais, também o M/C pode receber influ-
ências maléficas de emoções negativas, as
quais, na forma já dita, acabam afetando a
memória.
Além disso, as anotações ser-
vem para mostrar aos mediandos o grau de atenção e de acolhimento
ao que é falado pelas partes, contribuindo, ao final, para que seja feita a
ata da reunião.

60
CORREGEDORIA NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Guia de Mediação e Conciliação

7.4. EXPLICANDO O TRABALHO DO MP NA


AUTOCOMPOSIÇÃO
Ato contínuo, o M/C passa a introduzir a mediação às partes,
falando sobre o seu papel como terceiro imparcial, explicando o trabalho
do Ministério Público, estimulando e, também, realizando métodos auto-
compositivos de resolução de problemas, objetivando o empoderamento
das partes e a pacificação social.

7.5. ESCLARECIMENTO SOBRE OS PRINCÍPIOS


APLICÁVEIS À MEDIAÇÃO/CONCILIAÇÃO
Deverá ser esclarecido sobre os princípios da confidenciali-
dade, da informalidade, da voluntariedade, da cooperação e outros que o
mediador entenda fundamentais, bem como sobre as funções do M/C,
procurando facilitar o diálogo entre os envolvidos, promovendo o enten-
dimento das questões controver-
tidas entre eles, auxiliando na bus-
ca de opções, de estratégia e de
processos a seguir, com vistas à
obtenção de consensos suficien-
tes e que possam atender aos in-
teresses e necessidades de todos,
sempre orientados pelo interesse
público e pela relevância social.

61
CORREGEDORIA NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Guia de Mediação e Conciliação

7.6. PROPOSTAS SOBRE AS REGRAS PROCEDIMENTAIS


DA MEDIAÇÃO
Na declaração de abertura, é necessário propor regras proce-
dimentais da mediação (tempo de fala de cada um, quem começa a fa-
lar, se as partes permitirão apartes etc.) aos participantes, sejam partes,
advogados, comediadores, observadores, que, após discutidas e apro-
vadas, serão a lei procedimental a ser seguida, aliada às demais determi-
nações já inclusas nas Leis que regem a matéria.
É útil que seja definida a ordem das falas das partes, o tempo
de cada uma e os conteúdos subjetivos dessas, que deverão respeitar a
urbanidade, mas sem prejuízo da demonstração das emoções e dos senti-
mentos subjacentes ao problema.
Aliás, essa é uma regra fundamental da interlocução. As emoções
e os sentimentos precisam vir à tona, a fim de que as questões possam ser,
efetivamente, solucionadas, visto que a tomada de decisão acontece primeiro

62
CORREGEDORIA NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Guia de Mediação e Conciliação

em nível emocional15 – as neurociências trouxeram esses conhecimentos so-


bre as fases inconscientes da tomada de decisão –, somente após chegando
aos níveis conscientes, quando, então, são feitas as escolhas dos fundamen-
tos racionais que também integraram a decisão final.

15 “Todos nós tomamos decisões pessoais, financeiras e de negócios confiantes de que


pesamos de forma apropriada todos os fatores importantes e agimos de acordo com eles – e que
sabemos como chegamos a essas decisões. Mas conhecemos apenas as nossas influências
conscientes, e por isso temos apenas uma visão parcial delas. Como resultado, nossa visão de
nós mesmos e de nossas motivações, e da sociedade, é como um quebra-cabeça em que falta
a maior parte das peças. Nós preenchemos os espaços em branco e fazemos adivinhações, mas
a verdade sobre nós é muito mais complexa e sutil do que aquilo que pode ser entendido como
um cálculo direto de mentes conscientes e racionais.” (MLODINOW, Leonard. Subliminar: como o
inconsciente influencia nossas vidas. Tradução: Claudio Carina. Rio de Janeiro: Zahar, 2013. p. 38).

Fundamental sobre o tema também:


“Nossa educação insuficiente sobre os processos não conscientes provavelmente explica, por
exemplo, por que tantos de nós falham lamentavelmente em fazer o que seria bom em matéria
de alimentação e exercício. Pensamos estar no controle, mas com frequência não estamos, e
as epidemias de obesidade, hipertensão e doenças cardíacas são a prova. Nossa constituição
biológica nos inclina a consumir o que não devemos, mas além disso o mesmo fazem as tradições
culturais que se pautaram nessa constituição biológica e foram por ela moldadas, e até a indústria
da publicidade que a explora. Não se trata de uma conspiração. É uma coisa natural.[...] O mesmo
se aplica à epidemia de dependência de drogas. Uma das razões por que muitos indivíduos se
tornam dependentes de todo tipo de droga, sem falar do álcool, tem relação com as pressões
da homeostase. É natural que no decorrer de cada dia todos nós deparemos com frustrações,
preocupações e dificuldades que desequilibram a homeostase e em consequência nos fazem
sentir mal-estar, talvez angústia, desânimo ou tristeza. Um efeito das chamadas substâncias
viciantes é restaurar rapidamente e por um período finito o equilíbrio perdido. Como o fazem? Creio
que elas alteram a imagem sentida que o cérebro está formando de seu corpo naquele momento. O
estado de desequilíbrio homeostático é neuralmente representado como uma paisagem corporal
obstruída, desarranjada. Depois de certas drogas, em certas dosagens, o cérebro representa
um organismo funcionando com mais suavidade. O sofrimento que corresponde à imagem
anteriormente sentida assume a forma de prazer temporário [...] Advogados, juízes, legisladores,
planejadores e educadores precisam familiarizar-se com a neurobiologia da consciência e da
tomada de decisão. Isso é importante para promover a elaboração de leis realistas e preparar as
futuras gerações para o controle responsável de suas ações.” (DAMÁSIO, António. E o cérebro
criou o homem. Tradução: Laura Teixeira Motta. São Paulo: Companhia das Letras, 2011. p. 342 e
343.)

63
CORREGEDORIA NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Guia de Mediação e Conciliação

7.7. ESCLARECIMENTO SOBRE O PRINCÍPIO DA


VOLUNTARIEDADE NA MEDIAÇÃO/CONCILIAÇÃO E
OBTENÇÃO DE CONSENSO QUANTO ÀS FUNÇÕES DO M/C
O M/C deve informar às partes que elas detêm o poder de
deliberar sobre a continuidade, desenvolvimento e conclusões adota-
das no procedimento autocompositivo, mas que deverão zelar por um
tratamento urbano entre todos, além de consentirem que o M/C pre-
sida a reunião, o que significa tomar decisões sobre o uso da palavra, a
intensidade dos debates, o foco nas questões relevantes, métodos de
prospecção de alternativas (brainstorm, oitiva de peritos, inspeções no
local etc.), bem como propor a conclusão da reunião e a organização das
sessões seguintes, caso sejam necessárias.
Deve ficar plenamente esclarecido que o M/C não pratica ati-
vidade jurisdicional, tampouco atua como julgador. Suas responsabilida-
des como terceiro imparcial devem ser igualmente informadas.

64
CORREGEDORIA NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Guia de Mediação e Conciliação

8. FASE DA NARRAÇÃO DOS FATOS E


IDENTIFICAÇÃO DOS PROBLEMAS

8.1. A FALA DOS MEDIANDOS, EMOÇÕES E SENTIMENTOS


Uma de cada vez, as partes narram sua percepção dos fatos
e dos problemas, expressando as emoções e sentimentos que emergem
da situação a ser solucionada.
Destacamos que as expressões das emoções devem acon-
tecer, mas não ao ponto de se perder o controle da sessão, devendo ser
constante o zelo pelo respeito, sem agressões ou ofensas.
Cabe ao M/C, então, ter paciência e não apressar as partes, pro-
curar não as interromper, concentrar-se nesse momento de profunda es-
cuta, controlando o nível de discussão quando ela não se revele produtiva.

65
CORREGEDORIA NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Guia de Mediação e Conciliação

8.2. TÉCNICA DO SILÊNCIO


Técnica salutar é a utilização do silêncio após propor refle-
xões, raciocínios complexos etc., pois, algumas vezes, o silêncio é elo-
quente no esclarecimento de pontos importantes, os quais podem pas-
sar despercebidos caso a parte esteja falando ou executando qualquer
outra tarefa diversa da reflexão.

8.3. TÉCNICA DA RESPIRAÇÃO


Muito salutar, da mesma forma, seja para os próprios M/Cs
como para as partes, é a respiração durante a sessão.
Pode parecer peculiar esse alerta, mas a inspiração – ingres-
so de ar no organismo – ativa o sistema nervoso simpático, o qual pro-
move as ações de luta ou fuga, enquanto a expiração – saída de ar do
organismo - ativa o sistema nervoso parassimpático, responsável pela
nutrição, descanso, recomposição do organismo. Em palavras mais dire-
tas, ao expirarmos nos acalmamos, constituindo-se essa técnica como
fundamental de ser aplicada no caso de alterações inadequadas nos
ânimos na reunião. A figura a seguir16 mostra a influência dessas ações
nos nossos órgãos:

16 Disponível em: <https://pt.123rf.com/photo_96991220_human-nervous-system-


medical-vector-illustration-diagram-with-parasympathetic-and-sympathetic-nerves.
html?vti=lzqo6m951l9ijs40v4-1-13>. Acesso em: abr. 2022.

66
CORREGEDORIA NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Guia de Mediação e Conciliação

Na execução dessa técnica, o M/C pode expor o resultado da


ativação dos sistemas nervosos simpático e parassimpático ou simples-
mente informar que a expiração tem o condão de acalmar. Ato contínuo
propõe a realização da atividade – não tenhamos constrangimento de
efetivar ações como essa, reconhecidas como muito eficientes pelas
neurociências, nas quais, inclusive, as técnicas de meditação são estu-
dadas com profundidade e seriedade –, objetivando reconduzir as partes
ao leito do diálogo.

8.4. TÉCNICA DO CONTROLE DA REATIVIDADE


Como estamos na fase de narração dos fatos e identificação
dos problemas, é comum que a parte que esteja escutando a outra ini-
ciar sua visão do problema possa experimentar a impaciência e a impul-
sividade de intervir na fala, reagindo ao que é dito. Por isso, é salutar que
sejam definidas as regras para os apartes, objetivando neutralizar um
dos principais obstáculos ao entendimento, que é a reatividade.
A reatividade é uma consequência natural da discordância
em relação ao que está sendo dito, tendo como resultado o aumento
da adrenalina e do cortisol despejados pelo estresse decorrente da não
concordância com o que é exposto. A adrenalina aumenta a pressão

67
CORREGEDORIA NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Guia de Mediação e Conciliação

sanguínea, enquanto o cortisol, por inibir a liberação da serotonina, é res-


ponsável pela impulsividade.
Tudo o que desejamos em uma mediação/conciliação é, por-
tanto, a redução do cortisol a níveis adequados e o aumento da seroto-
nina, pois esse neurotransmissor promove o bem-estar, além de estar
associado à ocitocina (hormônios dos vínculos de afeto) e à dopamina
(neurotransmissor de ativação do sistema de recompensa e de prazer do
cérebro).

8.5. TÉCNICA DA ESCUTA


Deve o M/C ser muito enfático em relação ao dever de escuta
de cada parte, organizando, previamente, as falas quando da fase ante-
riormente comentada (as regras da interlocução). Essa técnica é funda-
mental para a construção de diálogos construtivos, nos quais um fala, o
outro escuta, invertendo-se as condutas na sequência, de modo que, na
fala de cada um possam se expressar as concordâncias ou discordân-
cias no tocante ao que é abordado, por um e por outro, reciprocamente.
O M/C, da mesma forma, tem de estar atento para que ofe-
reça oportunidades, inclusive dando escuta de maneira igual a todos os
mediandos/conciliandos.

68
CORREGEDORIA NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Guia de Mediação e Conciliação

Esse é um dos pontos pelos quais é importante que as me-


diações sejam feitas por mais de um M/C, tendo em vista ser impossível
presidir os trabalhos, escutar e anotar aquilo que todos dizem, perceber
as linguagens não verbais e ainda realizar a sintonia fina de equilibrar o
ato de escutar entre os mediandos.

8.6. TÉCNICA DO USO DE PERGUNTAS


Durante o desenrolar desta fase, a grande ferramenta técni-
ca do M/C será o uso de perguntas, cujo método já foi exaustivamente
demonstrado no Guia de Negociação, motivo pelo qual pedimos licença
para remeter os colegas àqueles comentários.
De qualquer forma, é importante reiterar que usar perguntas
para trazer as partes à reflexão sobre alguma postura inadequada que
esteja sendo praticada é a melhor forma de não criar discussões polari-
zadas entre partes e mediador.
Vamos oferecer alguns exemplos de perguntas do M/C:
• “Gostaria de perguntar se não seria mais adequado manter-
mos nosso planejamento inicial e, enquanto um fala, o outro
escuta. Seria possível isso, a fim de que tenhamos discursos
construtivos?”
• “Compreendo suas inconformidades com o que está sendo
exposto, mas lhe parece adequado, para que encontremos
algum ponto de consenso, que o senhor bata na mesa em
tais momentos?”

69
CORREGEDORIA NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Guia de Mediação e Conciliação

Destacamos que a pergunta feita a alguém naturalmente


obriga a que seja devolvida a resposta. No caso, devemos agir para que
a resposta seja dada precipuamente por aquele que esteja realizando a
conduta incorreta. Essa técnica promove o que é ensinado por Willian
Ury, ao mencionar que não devemos fazer os interlocutores caírem de
joelhos, mas, sim, cabe ao M/C fazer com que as partes caiam em si.
Destarte, o jugo e a imposição que pudessem partir do M/C
são substituídos por proposta de reflexão com perguntas.

8.7. LINGUAGEM NÃO VERBAL DO CORPO E O M/C


Outra técnica muito eficaz é a linguagem corporal do M/C,
devendo estar atento para que procure ter expressões faciais e corpo-
rais leves e neutras, o que exigirá treino constante. Tal ferramenta está
aliada ao bloqueio de qualquer sintonia com eventuais ondas energéti-
cas de agressividade emitidas por quaisquer dos interlocutores.
Lembramos, nesse particular, que possuímos uma espécie
de wi-fi social, responsável pela empatia, aprendizado por imitação etc.,
que são nossos neurônios-espelho17 – estruturas descobertas em 1994
por Giacomo Rizzolatti, em Parma, Itália, por intermédio dos quais podem
ser transmitidas informações sobre as emoções, os sentimentos e, até
mesmo, as intenções dos nossos interlocutores e de nós mesmos.

17 TERUYA, Alexandre Key et al. Neurônios-espelho. Neurociências em debate. [S.l.], 3 abr.


2014. Disponível em: <http://cienciasecognicao.org/neuroemdebate/arquivos/1590>. Acesso em:
6 fev. 2023.

70
CORREGEDORIA NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Guia de Mediação e Conciliação

Esse, portanto, é um alerta que devemos fazer enfaticamen-


te, com a devida proporção da expressão “ninguém esconde nada de
ninguém”.
Isso quer dizer que estamos em constante transferência de
informações com quem nos relacionamos, de modo que sentimentos de
desconforto, desconfiança, mal-estar podem estar associados às ener-
gias com valência negativa eventualmente lançadas pelos nossos inter-
locutores ou por nós mesmos.
Um M/C treinado precisa ter expertise para lidar com a natu-
reza biológica, em especial com os neurônios-espelho.

8.8. TÉCNICA DAS SÍNTESES CONCLUSIVAS E DA


OBTENÇÃO DE CONSENSOS
Ao final desta fase, o M/C tentará obter o consenso de todos
no tocante a quais problemas estarão na pauta de resolução, estratégia
de foco que tem como fito direcionar a concentração, os pensamentos e
os sentimentos das partes para a resolução de metas específicas e reais.
Como técnica utilizará, portanto, a ferramenta das sínteses
conclusivas, arrolando, por consenso, os pontos que as partes elegeram
como objeto de solução.

71
CORREGEDORIA NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Guia de Mediação e Conciliação

Aliás, sínteses conclusivas são ferramentas que devem ser


implementadas sempre que necessário no desenvolvimento da media-
ção/conciliação, porque tornam o problema melhor visualizável por todos
no tocante à sua abrangência, características, natureza, simplificando e
organizando os trabalhos.

72
CORREGEDORIA NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Guia de Mediação e Conciliação

9. FASE DA DETECÇÃO DOS


INTERESSES E DAS NECESSIDADES

9.1. CONCEITOS DE POSIÇÕES, INTERESSES E


NECESSIDADES
Reproduziremos aqui parte do que foi mencionado sobre in-
teresses no Guia de Negociação.
É importantíssimo diferenciar posição de interesse para a boa
condução de uma mediação/conciliação.
É extremamente comum que a controvérsia, problema ou o
conflito se estabeleçam a partir do confronto de posições. Estas corres-
pondem aos motivos superficiais que levaram ao impasse, caracterizan-
do-se por definições rígidas, estanques e incompatíveis com a flexibili-
dade necessária para que sejam encontrados pontos de consenso.
Utilizaremos as palavras de Alessandra Gomes do Nascimen-
to Silva, trazendo o famoso exemplo de Harvard, que expressa com pre-
cisão a diferença entre posições e interesses:
Diz o episódio que duas meninas, irmãs, brigavam
vigorosamente por causa de uma laranja. Sem aguentar
mais a algazarra causada pela briga, a mãe interveio e sem
pestanejar optou pela salomônica divisão da laranja ao meio,
dando a cada criança uma metade. Mais tarde descobriu-
se como foi pobremente resolvido o impasse. Uma das
meninas queria a laranja para fazer suco e a outra a queria
para com sua casca fazer letras do alfabeto. Ou seja,
bastaria descascar toda a laranja, entregando a totalidade
da casca a uma delas e o restante a outra para que ambas
assim obtivessem tudo o que desejavam.18
Essa estória é muito elucidativa, porque demonstra a diferen-
ça entre interesse e posição.
A posição de cada uma das meninas, ou seja, a maneira como
se colocaram no relacionamento divergente que vivenciavam estabele-

18 SILVA, Alessandra Gomes do Nascimento. Técnicas de negociação para advogados. São


Paulo: Editora Saraiva, 2002. p. 24.

73
CORREGEDORIA NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Guia de Mediação e Conciliação

cia um conflito de difícil resolução, pois ambas tinham a mesma posição:


“queremos a laranja”.

*Tradução: “O quê?” / “Você não!”

Os interesses, entretanto, eram diferentes e, portanto, plena-


mente compatibilizáveis, na forma do que vimos no exemplo. O que fal-
tou, então, foi uma boa comunicação, uma boa mediação do tipo “ganha-
-ganha”, que pudesse ser capaz de evidenciar quais as efetivas necessi-
dades de cada uma das envolvidas na disputa.

*Tradução: “ganha, ganha”

O que faltou, no exemplo fornecido, foi utilizar a técnica do


uso de perguntas por parte da mãe das meninas, objetivando descobrir
os reais interesses de ambas, haja vista que a posição dos negociado-
res, de um modo geral, é exposta ostensivamente, superficialmente (no
sentido de que não representa com profundidade o que realmente é de-
sejado como valor maior), mas, por vezes, tem o condão de camuflar as
reais motivações envolvidas nas controvérsias, que são os interesses.

74
CORREGEDORIA NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Guia de Mediação e Conciliação

Dessa forma, o bom M/C deve direcionar a “investigação” para a


descoberta dos interesses dos interlocutores, na medida em que, eviden-
ciados que sejam, oportunizarão propostas de compatibilização mais fáceis
de serem aceitas pelas partes, na forma vista no exemplo de Harvard.
Esse tema dos interesses é fundamental para a condução tam-
bém de mediações/conciliações, haja vista que o princípio da vinculação ao
atendimento do interesse (PVI19) é um relevante vetor para que tanto ne-
gociadores como mediadores possam balizar suas propostas, opções, al-
terações de rumo no procedimento das sessões etc., reportando-se sem-
pre aos interesses envolvidos na controvérsia, para o efeito de que sejam
tomadas decisões mais próximas da realidade e daquilo que, efetivamente,
desejam ou precisam as partes envolvidas no problema.
Stuart Diamond20 distingue interesse de necessidade, co-
mentando o que segue:
[...] o termo `interesse´ geralmente pressupõe certa
racionalidade. A maioria das pessoas presume que as
partes podem ter uma discussão racional sobre benefícios
desejados. A verdade é que o mundo está cheio de pessoas
irracionais sobre benefícios desejados. A verdade é que
o mundo está cheio de gente irracional, que fica zangada,
carinhosa, carente, temerosa etc. Assim, para satisfazer
as necessidades intangíveis das pessoas e aumentar o
bolo, você precisa conhecer também suas necessidades
emocionais e irracionais. Perguntamos aos participantes de
nossos cursos quais eram seus sonhos e medos. Obtivemos
sonhos como viajar, velejar, ser dono de um restaurante,
disputar uma maratona e abrir uma empresa. Obtivemos
medos como cobras, multidões, falar em público, voar e
altura.21
Podemos dizer que a abordagem sobre as necessidades se-
ria um avanço das pesquisas iniciais da Escola de Harvard, trazendo o
expert em métodos autocompositivos para um patamar de resolução de
problemas mais amplo, humano e resolutivo.
19 Sobre o tema, ver: MORAES, Paulo Valério Dal Pai. A negociação ética para agentes
públicos e advogados: mediação, conciliação, arbitragem, princípios, técnicas, fases, estilos, ética
da negociação. Prefácio: Juarez Freitas. Belo Horizonte: Fórum, 2012. p. 116-126.
20 Diamond é professor do famoso curso de negociação da Wharton Business School.
21 DIAMOND, Stuart. Consiga o que você quer: as 12 estratégias que vão fazer de você um
negociador competente em qualquer situação. Tradução: Ivo Korytowski. Rio de Janeiro: Sextante,
2012. p. 120.

75
CORREGEDORIA NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Guia de Mediação e Conciliação

Na vida, são inúmeros os exemplos em que acontecem pro-


blemas que estão diretamente atrelados a necessidades.
Há um famoso exemplo citado pela doutrina de negociação
no qual grande empresa multinacional desejava obter a exclusividade de
fornecimento de uma matéria-prima elaborada por uma pequena empre-
sa do interior da Itália, o que tornaria o pequeno fornecedor um milionário.
Todavia, o proprietário da pequena empresa não aceitou fir-
mar o contrato com exclusividade e o impasse se instaurou, levando à
não conclusão do pacto.
Não se dando por satisfeito com a negativa, um negociador
da multinacional perguntou ao dono da pequena empresa porque ele
não queria assinar com exclusividade se iria ficar milionário. A resposta
foi que não poderia deixar de fornecer a mesma matéria prima para outra
pequena empresa dos seus primos, pois resultaria em um grave proble-
ma familiar.
Obtida essa resposta, ficou fácil evoluir na negociação, tendo
todos concordado em acrescentar ao contrato uma cláusula de exce-
ção, por intermédio da qual haveria a exclusividade, exceto em relação à
pequena empresa dos primos italianos.
Na forma vista, os interesses racionais por um percebimento
milionário foram sobrepostos por necessidades emocionais, relacionais,
familiares, que, no mundo da vida, são imensamente mais importantes.
Outra lição é que vale a pena se valer da técnica do uso de
perguntas no intuito de descobrir interesses e necessidades.

76
CORREGEDORIA NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Guia de Mediação e Conciliação

9.2. TIPOS DE NECESSIDADES


As necessidades podem ser de várias ordens.
Serão necessidades biológicas quando direcionadas à satis-
fação de carências básicas e de sobrevivência, tais como alimento, água,
ar, eliminação de dejetos etc.
Psicológicas, como amor, segurança, poder, controle, reco-
nhecimento, pertencimento.
Altruístas, como a autoestima e o desenvolvimento pessoal.
Em termos de necessidades, não há como não citar Abraham
Maslow e a sua famosa pirâmide:
cre

5. Realização Pessoal
sc
im
en

4. Estima
to
so

3. Sociais
br
ev
ivê

2. Segurança
n
cia

1. Fisiológica

9.3. TÉCNICAS DE IDENTIFICAÇÃO DE INTERESSES E


NECESSIDADES
Christopher Moore apresenta algumas maneiras de identifi-
car interesses e necessidades:
Algunas cualidades especialmente útiles son la actitud de
escucha activa, la reformulación, la paráfrasis, el resumen,
la generalización y El fraccionamento [...] Uma combinación
especialmente usual de estas habilidades es el proceso
Del ensayo (testing) (Moore, 1982b). El ensayo exige que
un negociador o mediador escuche cuidadosamente las

77
CORREGEDORIA NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Guia de Mediação e Conciliação

declaraciones de otro negociador, y luego practique la


retroacción del interes cuya expresión escucha. A través del
ensayo y el error, el oyente pude alcanzar poco a poco la
comprensión y el acuerdo con respecto a las necesidades de
su adversaio. Otro método de identificación de los intereses
es el modelado de hipótesis (Pruitt y Lewis, 1977), en que el
negociador o el mediador expone una serie de alternativas
o propuestas de acuerdo hipotético a otro negociador. El
interrogador no pide que se establezca un compromiso
o que se acepte cualquiera de las propuestas; sólo pide
una indicación del carácter más o menos satisfactorio de
la propuesta. Las propuestas repetidas que contienen
diferentes soluciones para satisfacer los intereses de otro
puden ampliar en um mediador o negociador la comprensión
de las necesidades que habrá que satisfacer, sin que haga
falta afrontar directamente la identificación de los intereses.
Este enfoque se utiliza a menudo cuando una parte oculta
sus necesidades o cuando no hay suficiente confianza para
develarlas.22
Todavia, não há como negar que a técnica do uso de pergun-
tas é a primeira a ser executada, constituindo-se em um procedimento
direto de tentativa de revelação dos interesses e necessidades dos en-
volvidos na mediação/conciliação.
Objetivando evitar repetições indevidas, já que a técnica se
aplica a qualquer método autocompositivo, pedimos licença para reme-
ter os profissionais do Ministério Público para a leitura sobre o desenvol-
vimento da técnica do uso de perguntas inclusa no Guia de Negociação
da Corregedoria Nacional do Ministério Público.
No intuito de descortinar os interesses e necessidades, além
da técnica do uso de perguntas, é importante que o M/C saiba trabalhar
com a valorização de diferenças culturais, sociais, econômicas etc. das
partes, de modo que possam ser compreendidas reciprocamente, esti-
mulando-as ao respeito mútuo.

22 MOORE, Chistopher. El Proceso de Mediación: métodos prácticos para la resolución de


conflictos. Tradução: Aníbal Leal. Buenos Aires: Granica, 2010. p. 308-309.

78
CORREGEDORIA NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Guia de Mediação e Conciliação

9.4. TÉCNICA DO RESPEITO E DA VALIDAÇÃO


Os mediandos não conseguirão negociar bem caso o M/C
não tenha muita atenção às questões do respeito23 para com as diferen-
ças de cada um dos envolvidos na interlocução.
Outra técnica é a validação.
Conforme dicionário Aurélio, validar é “legitimar; fazer com
que se torne válido a partir das regras em vigor”.24
Poderíamos formular um exemplo consideravelmente co-
mum em comunidades vulneráveis, nas quais são criados suínos, algu-
mas vezes sem as menores condições higiênicas, sendo comum a atua-
ção das fiscalizações municipais e do Ministério Público para coibir essa
atividade.
Em situação hipotética envolvendo mediação/conciliação
entre o Município e humildes criadores, não é difícil que aconteçam ma-
nifestações exaltadas por parte desses, na medida em que, normalmen-
te, criam os animais para aplacar a fome, na direta necessidade de so-
brevivência.
Em tais circunstâncias, caberá ao M/C com expertise e sensi-
bilidade agir para validar a ação realizada pelos criadores, de modo a tentar
compatibilizar diálogos com as autoridades públicas, esclarecendo que as
pessoas demonstram estar lutando pela sobrevivência e, talvez, sugerin-
do que, ao invés de tratar o assunto individualmente, discutissem-no sob
o enfoque coletivo. Essa alteração de enfoque oportunizaria amplas alter-
nativas, como a criação de uma pocilga comunitária integrada pelos cria-
dores, com o auxílio das autoridades, ou quaisquer outras soluções que
pudessem consensualizar os interesses e necessidades das partes.

23 A respeito, pedimos licença para remeter a atenção dos colegas ao Guia de Negociação
da Corregedoria Nacional do Ministério Público, onde foram desenvolvidas as questões atinentes
à apreciação, afiliação, status, papel, autonomia.
24 VALIDAR. In: DICIO: dicionário on-line de português. Disponível em: <https://www.dicio.
com.br/validar/>. Acesso em: 6 fev. 2023.

79
CORREGEDORIA NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Guia de Mediação e Conciliação

Em sentido inverso, não usar da


validação, reprimindo manifestações mais
exaltadas e não as contextualizando no âm-
bito das necessidades subjacentes, poderá
acarretar a “perda da parte”, que se sentirá
não compreendida pelo M/C naquilo que
para ela é mais valioso (sobrevivência), cujo
sentimento poderá inviabilizar a continuida-
de da interlocução.

9.5. TÉCNICA DA DESCONSTRUÇÃO DE IMPASSES –


PROPOSTAS DO M/C – REGRA DE OURO DA AMIZADE
Desconstruir impasses é uma ferramenta básica com a qual
deve trabalhar o M/C.
Na forma já dita alhures, as partes normalmente estão consi-
deravelmente nervosas em mediações/conciliações complexas, caben-
do ao M/C, então, por estar mais íntegro sob o ponto de vista emocional,
valer-se dessa condição para, com criatividade e inovação, propor al-
ternativas de superação dos impasses que as partes não conseguiram
descobrir devido aos seus estados emocionais.
Em outras ocasiões, as partes sequer têm condições de pro-
por alternativas, mas o Órgão de Mediação/Conciliação, devido à sua ex-
pertise, tem condições de propô-las.
Exemplo disso é o caso em que empresa demandada por impro-
bidade administrativa em Ação Civil Pública em razão de alegada fraude ao
processo licitatório municipal, após condenada em primeiro grau a um mi-
lhão de reais, continua litigando e recorrendo, por não concordar em pagar
o numerário. Convidada a participar de mediação/conciliação, no decorrer
da interlocução, após grande impasse, o M/C propõe que, ao invés de pagar
o numerário, promova a instalação de sistema de cercamento eletrônico
na Comarca, visando tornar a cidade mais segura. O cabeamento de fibra
óptica serviria, também, para otimizar a rede pública municipal de educação.

80
CORREGEDORIA NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Guia de Mediação e Conciliação

A mudança de enfoque gerada pela proposta do M/C acabou


resultando em acordo, pois a empresa agregaria valor com a assinatura
do pacto, transmutando o seu status de ré em demanda pública para
benemerente da comunidade local (em realidade esse é caso concreto
vivenciado por colegas M/Cs profissionais do Ministério Público).
Na doutrina, essa técnica é chamada de regra de ouro da ami-
zade, a qual pode ser sintetizada em duas transcrições dos Professores
Jack Schafer e Marvin Karlins, a primeira delas citando Maya Angelou
(poetisa, atriz, 1ª roteirista de Hollywood, cantora e famosa ativista dos
direitos civis no EUA):
aprendi que as pessoas se esquecerão daquilo que você
disse, esquecerão daquilo que você fez, mas nunca
esquecerão da maneira como você as fez sentir. (Maya
Angelou)
se você quiser que as pessoas gostem de você, faça com
que elas se sintam bem consigo mesmas... irá receber o
crédito por ajudá-las a ter essa experiência. (grifo dos
autores)25

25 SCHAFER, Jack; KARLINS, Marvin. Manual de persuasão do FBI. Tradução: Felipe C. F.


Vieira. São Paulo: Universo dos Livros, 2015. p. 13 e 81.

81
CORREGEDORIA NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Guia de Mediação e Conciliação

9.6. TÉCNICA DO BOM HUMOR


A técnica do bom humor verdadeiro, proporcional e razoável,
da mesma forma, é realmente eficiente.
Normalmente profissionais de mediação não se sentem con-
fortáveis em realizá-la devido à dificuldade na sua utilização, tendo em
vista que envolve questões atinentes à verdade, naturalidade, oportuni-
dade, além de ter de ser executada em ambientes de conflitos, contro-
vérsias e problemas complexos.
Ademais, para alguns profissionais do Direito, existe a crença
de que a seriedade e a falta de sorrisos possam significar respeitabilida-
de e competência.
Entretanto, a neurociência apresenta informações interes-
santes sobre o assunto. Daniel Goleman comenta que
[...] pesquisas mostram que as vantagens de se estar de
bom humor são de que somos mais criativos, melhores na
resolução de problemas, temos melhor flexibilidade mental
e podemos ser mais eficientes na tomada de decisões de
muitas maneiras.26
É que o humor está associado à serotonina, neurotransmis-
sor que se desprende junto com a dopamina, a qual melhora o aprendi-
zado e o foco na implementação de metas.
Por sua vez, o mau humor está associado à testosterona (rai-
va, hostilidade) e à adrenalina (luta e fuga), fazendo com que o sangue vá
para as extremidades e haja um menor fluxo no cérebro.
De fato, o estresse promove o deslocamento do sangue para
as extremidades, braços, pernas, músculos dessas regiões, para a luta
ou fuga. Exatamente por isso, aporta menos sangue no cérebro, o que
prejudica a tomada de decisão bem refletida e mais racional.
Aliado a isso, o cérebro consome 20% do ar produzido pelos
pulmões e 20% do sangue bombeado pelo coração.
Jack Schefer e Marvin Karlins igualmente abordam esse
importante tema, que vem aqui desenvolvido mais amplamente, justa-

26 GOLEMAN, Daniel. Cérebro e a inteligência emocional: novas perspectivas. Tradução:


Carlos Leite da Silva. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012. p. 25.

82
CORREGEDORIA NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Guia de Mediação e Conciliação

mente para retirar eventuais estigmas que possam existir no âmbito dos
profissionais do Direito, no sentido de que um semblante sisudo e sério
é imperioso de ser adotado na resolução de problemas. Transcrevemos:
[...] tanto a confiança quanto a atração aumentam quando
uma abordagem descontraída é usada durante interações
face a face. O uso criterioso do humor pode reduzir a
ansiedade e estabelecer um clima relaxado que ajuda a
relação a se desenvolver mais rapidamente... O benefício
colateral do humor é que a risada libera endorfinas, fazendo
a pessoa se sentir bem e, de acordo com a Regra de Ouro da
Amizade, se você fizer as pessoas se sentirem bem, elas
gostarão de você. (grifo nosso)27
Portanto, a utilização de técnicas apropriadas que promovam
um bom humor com profissionalismo e expertise é um excelente pro-
cedimento do bom M/C.

9.7. TÉCNICA DA ESCUTA


A técnica da escuta já foi abordada no Guia de Negociação da
Corregedoria Nacional e de maneira rápida em fase anterior.
Todavia, devido à sua natureza de alicerce de todos os méto-
dos autocompositivos, será aqui reproduzida, até porque é um dos gra-
ves problemas enfrentados por profissionais do Ministério Público.

27 SCHAFER, Jack; KARLINS, Marvin. Manual de persuasão do FBI. Tradução: Felipe C. F.


Vieira. São Paulo: Universo dos Livros, 2015. p. 112.

83
CORREGEDORIA NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Guia de Mediação e Conciliação

A professora Tania Almeida ensina que


Ouvir é ato fisiológico [...]. Escutar [...] é ação voluntária [...]
distinta do ato de ouvir – ouvir, do latim audire, implica
perceber ou entender pelo sentido da audição; escutar, do
latim auscultare, implica dirigir a atenção para o ato de
ouvir.28

Existem vários tipos de escuta, as quais abordaremos a seguir.

9.7.1. Escuta passiva

A primeira delas é a escuta passiva, correspondendo àquela


em que o interlocutor recebe a mensagem e não dá retorno, limitando-
-se a olhar para quem a emitiu.
Esse tipo de escuta não é adequado, porque tem a possibili-
dade de gerar dúvidas em relação ao interlocutor quanto a estar sendo,
efetivamente, compreendido. Não é, portanto, uma demonstração com-
pleta de atenção.
Todo ser humano gosta de ter confirmadas as suas
percepções, o que não acontece na escuta passiva, motivo pelo qual ela
não é apropriada nas autocomposições.

28 ALMEIDA, Tania. Caixa de ferramentas em mediação: aportes práticos e teóricos.


Apresentações: André Gomma de Azevedo et al. São Paulo: Dash, 2014. p. 240.

84
CORREGEDORIA NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Guia de Mediação e Conciliação

9.7.2. Escuta de reconhecimento

A segunda é a escuta de reconhecimento, na qual o interlo-


cutor faz gestos com a cabeça, com o corpo ou ligeiras referências, tais
como “entendo”, “realmente” ou o conhecido “humm-humm”, que são es-
timuladores comunicacionais idôneos para manter a chama do diálogo.

9.7.3. Escuta ativa e parafraseio

A terceira é a escuta ativa. Ela é extremamente eficaz nas autocom-


posições e ocorre por intermédio de ações de reafirmação ou de parafraseio do
que é dito pelo interlocutor.
O parafraseio, em especial, é uma técnica exemplar, porque mostra
ao negociador/narrador como seu interlocutor o está escutando, atentamente,
chegando mesmo a repetir as palavras ditas.
É considerada uma técnica de alta performance porque exige me-
mória, entonação (linguagem não verbal da paralinguística) compatível com a
manifestação de quem a emitiu, além de ser uma excepcional maneira de ganhar
tempo ou mesmo de preencher o ambiente de diálogo, de modo que não ocorra
um vazio evidenciador de algum tipo de discordância ou de incompreensão.
Negociadores/mediadores/conciliadores que lidam bem com essa
técnica são muito eficientes, porque ela é percebida pelo negociador/narrador
como uma postura de grande respeito, haja vista que todo ser humano gosta de
ser imitado, compreendido e de ter a atenção integralmente para si.

85
CORREGEDORIA NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Guia de Mediação e Conciliação

Tradução: “*habilidades de escuta ativa (no círculo verde) – faça perguntas abertas (primeira
habilidade) – solicite esclarecimento (segunda habilidade) – esteja atento (terceira habilidade) –
faça resumos, sumários (terceira habilidade) – parafraseie (quarta habilidade) – reflita sentimentos
(quinta habilidade) – esteja sintonizado com os sentimentos (sexta habilidade) – faça perguntas
investigativas”

9.7.4. Escuta empática

A escuta empática é assim resumida por Richard Sennet,


quando distingue a empatia da simpatia:
A simpatia supera as divergências através de atos
imaginativos de identificação; a empatia mostra-se atenta à
outra pessoa em seus próprios termos. A simpatia costuma
ser considerada um sentimento mais forte que a empatia,
pois “estou sentindo a sua dor” dá ênfase ao que eu sinto,
ativando o ego. A empatia é uma prática mais exigente, pelo
menos na escuta; o ouvinte precisa sair de si mesmo... a
escuta empática pode ajudar o assistente social, o padre
ou o professor a agir como mediador em comunidades de
diversidade racial ou étnica.29

Para ilustrar, a simpatia seria o sentimento que um irmão tem


em relação ao outro irmão, por ambos terem perdido a mesma mãe em
um acidente, por exemplo. É quando a pessoa sente da mesma forma
que o interlocutor, não necessitando de uma atividade de descentraliza-
ção, conforme acontece na empatia.
29 SENNETT, Richard. Juntos: os rituais, os prazeres e a política da cooperação. Tradução:
Clóvis Marques. Rio de Janeiro: Record, 2012. p. 34.

86
CORREGEDORIA NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Guia de Mediação e Conciliação

9.7.5. Escuta inclusiva

A escuta inclusiva acontece quando quem escuta considera


o que o outro diz como uma possibilidade de reflexão, criando um canal
de receptividade recíproca, que é a base dos diálogos construtivos.

Essa é uma das principais funções do M/C na facilitação dos


diálogos, porque quanto mais houver atenção recíproca aos argumentos
e ponderações de cada um dos mediandos, maior será o seu entendi-
mento para a consecução do consenso.

9.7.6. Escuta excludente

Já a escuta excludente configura-se quando o ponto de vista


do outro é rejeitado, mesmo sem análise, gerando uma discussão pauta-
da na argumentação/contra-argumentação, na reatividade sistemática,
na oposição.
Quando executada na interlocução, cabe ao M/C esclarecer
sobre as consequências desse tipo de escuta excludente, além de bus-
car orientar os mediandos relativamente à forma mais adequada de, efe-
tivamente, dialogar, que é a escuta inclusiva.
Ao executar a técnica, o M/C deve ter o cuidado de, antes de
expô-la aos mediandos, anotar exemplos de situações na interlocução em
que haveria a prova ostensiva da falta de entendimento mútuo, a fim de

87
CORREGEDORIA NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Guia de Mediação e Conciliação

que não fique em posição de incompreensão por parte dos negociadores,


os quais, certamente, encontram-se nervosos e incapazes de percebe-
rem com facilidade o comportamento antagonista que promovem.
É uma técnica de saneamento conversacional.

9.8. COLONIZAÇÃO DOS DIÁLOGOS


Em igual medida deverá o M/C intervir quando esteja sendo
praticada por alguma das partes a colonização dos diálogos, o que ocor-
re, segundo Tania Almeida, quando “um mediando fica tomado pelo que
foi dito pelo outro, utilizando o próprio tempo de fala para se defender ou
para contra-argumentar.”30
Todos esses movimentos de orientação e facilitação de diá-
logos construtivos poderão ser facilmente alinhados pelo M/C, usando
da técnica da transparência e do esclarecimento técnico a respeito de
tais ocorrências danosas ao consenso, atividade essa de atenção, de
cuidado e de boa-fé objetiva, que resultará em maior segurança, credibi-
lidade e confiança entre todos na interlocução.

30 ALMEIDA, Tania. Caixa de ferramentas em mediação: aportes práticos e teóricos.


Apresentações: André Gomma de Azevedo et al. São Paulo: Dash, 2014. p. 85.

88
CORREGEDORIA NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Guia de Mediação e Conciliação

9.9. A DIFICULDADE DE ESCUTAR E BENEFÍCIOS DA


ESCUTA

9.9.1. Dificuldade de escutar

É importante entendermos por que temos tanta dificuldade


de escutar.
A professora Amy Cuddy explica que, ao encontrarmos al-
guém que não conhecemos, tememos parecer inferiores e não sermos
levados a sério, por isso nossa tendência a imediatamente falar, com o
objetivo de mostrar nossas habilidades, nossa inteligência e, assim, do-
minar e controlar a situação.31
Em algumas situações de relacionamentos rápidos, isso até
pode funcionar, mas, em interações mais duradouras atinentes a auto-
composições, é uma ilusão crer que os interlocutores aderirão às nossas
ideias só porque falamos em primeiro lugar tentando dominar o ambiente.
Na forma já comentada antes, temos neurônios-espelho, os
quais fazem com que sintamos as emoções, sentimentos e, por vezes, até
as intenções dos nossos interlocutores, motivo pelo qual esses arroubos
de dominância podem ser percebidos como insegurança, arrogância, des-
respeito ou, até mesmo, ingenuidade e falta de técnica conversacional.
Por isso:
“Dois olhos;
Dois ouvidos;
Só a boca não tem par;
Portanto, é mais prudente VER e OUVIR do que falar!”

31 CUDDY, Amy. O poder da presença: como a linguagem corporal pode ajudar você a
aumentar sua autoconfiança. Tradução: Ivo Korytowski. Rio de Janeiro: Sextante, 2016. p. 71.

89
CORREGEDORIA NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Guia de Mediação e Conciliação

9.9.2. Escuta e respeito

Escutar faz com que fi-


quemos negociadores/mediadores/
conciliadores mais poderosos porque
os interlocutores confiarão mais nos
negociadores ou mediadores que os
acolhem, escutam, aceitam e, conse-
quentemente, os respeitam.
A confiança, como sabemos, é o cimento de todas as cons-
truções de relacionamento, na medida em que estimula a tranquilidade, a
melhor reflexão, além de gerar estados de bem-estar fundamentais para
encontrar soluções criativas e inovadoras.
Assim, a melhor forma de ter dominância não é empurrando os
outros, mas fazendo com que possam aderir espontaneamente às nossas
ideias, trabalho este que, sem a necessária confiança, não acontecerá.

9.9.3. Escuta e informações

De fato, ao abrirmos mão do “poder” ilusório de falar, ficamos


mais poderosos.
Sim, porque, ao escutarmos, adquirimos informações e, na
forma comentada no início deste trabalho, quanto maior o número e a
qualidade das informações em uma mediação/conciliação, melhor será a
performance daqueles envolvidos na interlocução.

90
CORREGEDORIA NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Guia de Mediação e Conciliação

9.9.4. Enxergar os interlocutores

A terceira vantagem é que, escutando com atenção, o M/C


terá melhores condições de “enxergar” os seus interlocutores, o que
contribui para um maior alinhamento e sintonia entre os participantes,
que, ao se conhecerem melhor, terão chances maiores de saberem lidar
uns com os outros.
Da mesma forma, enxergando nossos interlocutores, pode-
remos realizar com maior facilidade o planejamento das nossas ações
e das ações dos outros, praticando o que se chama na neurociência de
teoria da mente.
Teoria da mente corresponde à atividade na qual teorizamos
sobre o que irá ou está pensando nosso interlocutor no momento, e o
que pensará ou fará se nós agirmos de tal ou qual forma.
A teoria da mente é fundamental no convívio interativo hu-
mano, haja vista que somos limitados e falhos em antecipar ocorrências
decorrentes das nossas atitudes. Todavia, acaso tenhamos condições
de escutar e conhecer nossos interlocutores o mais possível, melhor
será a nossa teoria da mente em relação a eles, atividade mental esta
essencial para a obtenção de uma melhor tomada de decisão.

91
CORREGEDORIA NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Guia de Mediação e Conciliação

9.9.5. Escuta e unidade de propósitos implementadores

A quarta vantagem é que interlocutores que se escutam mu-


tuamente desenvolvem soluções conjuntas e ficam mais animados a
implementá-las, pois construíram juntos ou perceberam que foram tra-
tados com dignidade, justiça, escuta, compreensão e confiabilidade.
De fato, a prática autocompositiva evidencia que devemos
apostar quase todas as fichas nos relacionamentos de confiança, co-
operação e escuta, porque múltiplas ocorrências imprevisíveis podem
acontecer até que as questões pactuadas sejam integralmente imple-
mentadas.
Assim, previsões contratuais detalhadas ao excesso, cláusu-
las penais e tudo mais que possa ser criado no mundo normativo para
garantir o cumprimento do contrato jamais se sobreporão à criação de
bons relacionamentos, pautados pela escuta e pela cooperação.
Apostemos, então, na técnica da escuta objetivando poten-
cializar as chances de êxito na implementação dos acordos.

9.9.6. Escuta e o princípio da persuasão da reciprocidade

O quinto ganho decorre


do fato de que a pessoa ouvida fica
mais disposta a também ouvir, haja
vista que um dos princípios da per-
suasão é a reciprocidade32. Destar-
te, ao empreendermos na atividade
de escutar, automaticamente cria-
mos no interlocutor esse viés psico-
lógico de reciprocidade, sentindo-se
ele, inconscientemente, compelido
a também assim agir.

32 CIALDINI, Robert B. As armas da persuasão: como influenciar e não se deixar influenciar.


Tradução: Ivo Korytowski. Rio de Janeiro: Sextante, 2012. p. 30-60.

92
CORREGEDORIA NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Guia de Mediação e Conciliação

9.10. M/C E DISTANCIAMENTO CONTEXTUAL


No seu trabalho de facilitação do diálogo entre os median-
dos/conciliandos, o M/C perguntará, interpretará, sintetizará e ajudará as
partes a compreenderem as posições, os interesses e as necessidades
deles.
Para tanto, precisa o M/C distanciar-se do conflito, vivendo-o
objetivamente, como, por assim dizer, o médico que opera o paciente,
tratando-o. Ou seja, deve dominar suas emoções, o que é feito com prá-
tica constante e capacitações.
Na realização desse trabalho de promoção dos diálogos pro-
dutivos, precisa organizar e simplificar os aspectos controvertidos, auxi-
liando as partes a identificar os interesses e necessidades prioritárias;
aclarar questões, pressupostos, ganhos e prejuízos; destacar terrenos e
abordagens comuns; enfatizar um futuro com problemas resolvidos; im-
plementar e reforçar o procedimento acolhido pelas partes como idôneo
para o ganha-ganha buscado pelas partes; além de outras ações ten-
dentes à promoção de consensos.

93
CORREGEDORIA NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Guia de Mediação e Conciliação

94
CORREGEDORIA NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Guia de Mediação e Conciliação

10. FASE DA RECONTEXTUALIZAÇÃO


OU REENQUADRAMENTO

10.1. CONCEITO DE ENQUADRAMENTO


O bom trabalho do M/C nas fases anteriores permitirá um
prosseguimento mais profícuo nesta fase de recontextualização ou de
reenquadramento.
Stuart Diamond ensina que enquadrar significa “embalar as
informações ou apresentá-las usando palavras ou expressões específi-
cas que sejam persuasivas para a outra parte.”33
Elucidando suas lições, Diamond apresenta o famoso estudo
sobre as taxas de sobrevivência para uma determinada cirurgia eletiva.
Para alguns pacientes, eram apresentados dados indicando um percen-
tual de sobrevivência de 90%, enquanto, para outros pacientes, era dito
que o risco de morte era de 10%. Mesmo a informação sendo a mesma,
apenas tendo sido enquadrados os fatos de maneira diferente, muito
mais pessoas escolheram fazer a cirurgia quando lhes fora apresentado
o percentual de 90% de sobrevivência.
Enquadramento é o “campo de visão” de uma mediação, con-
ciliação ou negociação, como se visualizássemos de cima um estádio de
futebol com o jogo em andamento.
Quando visualizamos uma situação do alto, a distância per-
mite que vejamos alguns detalhes que não teríamos condições de per-
ceber caso estivéssemos no mesmo plano e inseridos na situação.
Olhando de cima, vemos com mais amplitude o assunto e
temos maiores condições de discernimento quanto às expectativas e
preferências para um possível resultado.
Lewicki, Saunders e Minton assim comentam sobre a impor-
tância do enquadramento:

33 DIAMOND, Stuart. Consiga o que você quer: as 12 estratégias que vão fazer de você um
negociador competente em qualquer situação. Tradução: Ivo Korytowski. Rio de Janeiro: Sextante,
2012. p. 94.

95
CORREGEDORIA NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Guia de Mediação e Conciliação

O enquadramento tornou-se um conceito popular entre os


cientistas sociais que estudam o pensamento, a tomada de
decisões, a persuasão e a comunicação. A popularidade do
enquadramento como conceito veio com o reconhecimento
de que, frequentemente, duas ou mais pessoas que estão
envolvidas em uma mesma situação a veem ou a definem
de maneiras diferentes...
Se um enquadramento é `uma concepção dos atos, dos
resultados e das contingências associada a uma escolha
particular,´ ou uma `definição individualizada de uma
situação´ ou um `campo de visão,´ a maneira como as
partes enquadram e definem a questão ou o problema é
(e deveria ser) um reflexo claro e forte do que elas definem
como objetivos centrais e críticos de negociação, quais
são suas expectativas e preferências para os possíveis
resultados, que informações elas procuram e usam para
argumentar seu caso, os procedimentos que usam para
tentar apresentar seu caso e o modo pelo qual avaliam os
resultados realmente alcançados.34
Citam exemplo que bem elucida o conceito:
Algumas disputas mais intratáveis em andamento no mundo
ocorrem no Oriente Médio. Para muitos observadores,
as batalhas são meramente brigas políticas por terra e
poder. Esta perspectiva, entretanto, não consegue dar
conta das crenças e experiências que têm modelado os
enquadramentos dos participantes dos conflitos. Para eles,
brigas com vizinhos baseiam-se em crenças profundas e
antigas sobre eles mesmos, sua religião e suas propriedades
por direito na região. Esta inter-relação do dia-a-dia e do
divino são uma mistura volátil.
Observe, por exemplo, a batalha entre israelenses e
palestinos pela terra da Cisjordânia. Os líderes israelenses
acreditam que sua presença na Cisjordânia foi santificada
porque Abraão, o pai da religião judaica, tinha ligações
íntimas na região. Enquanto isso, os palestinos dizem que
são descendentes dos cananeus, que declararam posse
da área antes do tempo de Abraão. Enquanto a disputa é
indubitavelmente mais complexa do que prenuncia esta
breve explanação histórica, é importante para aqueles que
tentam negociar a paz na região entender o raciocínio por
detrás da demanda de cada lado.
Crenças religiosas, em geral, tendem a ser fortes. Criam
enquadramentos e perspectivas da verdade através dos
quais o crente vê o mundo. Quando surge o conflito, aqueles

34 LEWICKI, Roy L.; SAUNDERS, David M.; MINTON, John W. Fundamentos da negociação.
2. ed. Tradução: Raquel Macagnan Silva. Porto Alegre: Bookman, 2002. p. 39 e 41.

96
CORREGEDORIA NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Guia de Mediação e Conciliação

que o veem pelo enquadramento religioso tendem a acreditar


que qualquer acordo de sua parte representa um acordo de
duas crenças religiosas, o que é inaceitável. Nestes casos, é
importante que aqueles que tentam negociar um acordo de
paz forneçam maneiras dos combatentes mudarem seus
enquadramentos. Eles podem incentivar que os combatentes
vejam as batalhas como lutas políticas, minimizando o
elemento religioso, para que um acordo sem concessão seja
alcançado. No entanto, em lugares como o Oriente Médio,
onde as disputas sobre a terra são inerentemente ligadas a
reivindicações religiosas históricas, tal mudança de
enquadramento é difícil, se não impossível.35

10.2. BENEFÍCIOS DA TÉCNICA DO ENQUADRAMENTO


Os profissionais do Ministério Público que trabalham com
autocomposição precisam sempre enquadrar o cenário de mediação/
conciliação, o que não é uma tarefa fácil, tendo em vista uma série de
problemas psicológicos, culturais e religiosos que, por vezes, embara-
lham ou estimulam o “ponto de visão” de cada um.
O correto enquadramento, além de servir para a mais contex-
tual visualização, também é eficiente para a organização das estratégias
que melhor atendam à consecução das metas buscadas pelas partes,
facilitando a todos a continuidade dos trâmites da mediação/conciliação
para a prospecção das alternativas, opções e caminhos procedimentais
que integrarão a próxima fase da interlocução.

35 LEWICKI, Roy L.; SAUNDERS, David M.; MINTON, John W. Fundamentos da negociação.
2. ed. Tradução: Raquel Macagnan Silva. Porto Alegre: Bookman, 2002. p. 45.

97
CORREGEDORIA NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Guia de Mediação e Conciliação

No exemplo antes fornecido, em que a pequena empresa ita-


liana não queria assinar o contrato de exclusividade para o fornecimen-
to de específica matéria-prima com a milionária empresa multinacional,
foi justamente a partir da mudança de enquadramento, após a pergunta
feita por um dos negociadores sobre os motivos da recusa, que houve a
recontextualização do problema e pôde ser seguida a negociação até o
final profícuo para todos.
O reenquadramento ainda proporciona o surgimento de
ideias, a criatividade e a inovação, porque as partes possuem preconcei-
tos, culturas, personalidades, emoções e informações limitadas.
Assim, as trocas de informações, a correta e profissional con-
dução e facilitação dos diálogos entre os envolvidos por parte do M/C, a
identificação dos interesses e necessidades e o correto enquadramento
diminuirão os efeitos deletérios de tais elementos acima citados, que
poderão opor obstáculos ao consenso.
O reenquadramento pode alterar completamente a visão que
um interlocutor tinha em relação ao outro.
No exemplo da empresa italiana, o que poderia estar sendo
entendido, ou enquadrado, como uma teimosia, até mesmo uma burrice
– ou seja lá que ideia possa ter sido gerada na mente dos negociadores
da empresa multinacional –, acabou, por causa da técnica do uso de
perguntas, alterando completamente o contexto da interlocução. Assim,
concluíram todos que, em realidade, havia uma profunda necessidade
imaterial de lealdade à família e aos primos para os quais era fornecida
a mesma matéria-prima, o que levou ao respeito, à cooperação e à
conclusão de assinatura do pacto.

10.3. CONOTAÇÃO POSITIVA


A conotação positiva é uma técnica de enquadramento, além
de outra grande maneira de alteração da neuroquímica que anima as to-
madas de decisão, convertendo estados de ânimo negativos em positivos.

98
CORREGEDORIA NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Guia de Mediação e Conciliação

Tania Almeida, com muita propriedade, ensina sobre essa técnica:


O mediador deve identificar nas acusações e/ou nos
comportamentos referidos como inadequados, que valores
foram feridos, quais necessidades estão desatendidas,
com vistas a demonstrar uma correlação entre ambos –
acusações/comportamentos e valores/necessidades – e
o prejuízo dessa forma pouco hábil de se expressar para a
interação, por quanto compromete o diálogo e a convivência
social [...]. À medida que surjam nos relatos culpabilizações
e/ou críticas a condutas presentes ou passadas, o mediador
pode intervir mostrando o valor moral ferido (no sentido
interativo) que motiva essas colocações. Essa prática
permite visualizar uma intenção positiva adjacente a
responsabilizações e acusações e possibilita construir uma
pauta subjetiva paralela à objetiva, composta por temas
de interesse comum, positivamente redefinidos, os quais
se constituem base para a preservação do diálogo e da
convivência social. [...] Esta intervenção possibilita redefinir
culpabilizações (recíprocas) por corresponsabilidade no
resgate de uma convivência mais satisfatória.36

Para melhor elucidar a técnica, Tania Almeida apresenta alguns


exemplos de situações concretas, tais como quando o interlocutor manifesta
com raiva e voz alta a sua inconformidade pelo fato de o outro não o ouvir.
No caso acima, o M/C deve manifestar que percebe que o
desejo de participar das decisões e não ter espaço o deixa irritado, sen-
do bom expressar isso com honestidade, energia, a fim de que possa
ser compreendido o nível de insatisfação e, após descarregar tal energia,
possibilitar que se encontre de maneira mais serena o consenso.
Outros exemplos seriam uma denúncia de mentira ser tradu-
zida pelo M/C como uma necessidade de honestidade, ou uma reclama-
ção de agressividade em necessidade de respeito.
Ou seja, o M/C precisa procurar sempre atentar para a neces-
sidade, a carência, o pedido que subjaz a atitude e não se ater somente à
atitude posicional em si, práticas essas que traduzem com precisão ser
imperioso que M/Cs estejam adequadamente treinados em técnicas de
Comunicação Não Violenta (CNV).

36 ALMEIDA, Tania. Caixa de ferramentas em mediação: aportes práticos e teóricos.


Apresentações: André Gomma de Azevedo et al. São Paulo: Dash, 2014. p. 95-96.

99
CORREGEDORIA NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Guia de Mediação e Conciliação

Sintetizando, na for-
ma do que conclui Tania Almeida,
substituem-se culpabilizações
por responsabilidade de ambos
na produção de diálogos constru-
tivos, agregando à pauta objetiva
da mediação/conciliação ques-
tões subjetivas que, após resolvi-
das com novo enquadramento e
contextualização (descortina-se o contexto subjetivo que não estava sen-
do trabalhado), destrava a autocomposição e permite que as partes evolu-
am no sentido do consenso.37
Ademais, eliminam-se falsas verdades, cria-se lucidez, expe-
riências subjetivas que promovem alterações neuroquímicas favoráveis
ao entendimento (ocitocina, serotonina e dopamina), agregando-se sig-
nificados reais e úteis para o contato relacional.

10.4. HISTÓRIAS ALTERNATIVAS OU PERIFÉRICAS


Extremamente útil na obtenção de reenquadramento é a téc-
nica das histórias alternativas ou periféricas, também magistralmente
ensinada por Tania Almeida.
Conforme escreve a Professora,
Histórias alternativas ou periféricas são aquelas que reúnem
fatos e momentos positivo que fazem parte do histórico
de convivência dos mediandos e que não são trazidas
à tela por não guardarem coerência com o momento de
desentendimento.38
Com efeito, pessoas em situação de conflito, nervosas, ran-
corosas, acabam despejando grandes doses de testosterona, adrenalina
e cortisol.

37 ALMEIDA, Tania. Caixa de ferramentas em mediação: aportes práticos e teóricos.


Apresentações: André Gomma de Azevedo et al. São Paulo: Dash, 2014. p. 96.
38 ALMEIDA, Tania. Caixa de ferramentas em mediação: aportes práticos e teóricos.
Apresentações: André Gomma de Azevedo et al. São Paulo: Dash, 2014. p. 96.

100
CORREGEDORIA NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Guia de Mediação e Conciliação

Caberá ao M/C bem-informado, que tenha estudado e corre-


tamente planejado a autocomposição, deslocar com técnica o foco dos
aspectos objetivos da controvérsia para questões subjetivas positivas
que tenham sido anteriormente vivenciadas pelas partes, as quais evo-
carão lembranças agradáveis vividas, obras materiais ou imateriais que
tenham construído juntos. Em suma, experienciarão no presente a felici-
dade do passado.

Essa prática altera completamente a neuroquímica dos con-


tendores, pois a neurociência demonstra que, ao praticarmos pensa-
mentos positivos, nas estruturas cerebrais segue-se a automática e
inconsciente ocorrência de emoções no corpo.
O que são, então, emoções?
De uma maneira sintética, podemos dizer que emoções são
ações que acontecem no corpo, com o despejo de hormônios e neuro-
transmissores.
Por exemplo, o frio da barriga, quando temos medo, é uma
manifestação física do despejo de adrenalina (estresse) no organismo e
da diminuição da circulação naquela área, a fim de que o sangue circu-
le, predominantemente, nas extremidades (braços, pernas) para lutar ou
para correr.
Outro exemplo é a produção de ocitocina e de leite pelo estí-
mulo feito pelo bebê no mamilo da mãe.

101
CORREGEDORIA NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Guia de Mediação e Conciliação

Tais emoções – ações de hormônios e neurotransmissores


acontecidas no corpo –, quando chegam à ínsula39, são escaneadas e
convertidas em informações para o nível consciente, transmutando-se
naquilo que denominamos sentimentos.
Assim, sentimentos são percepções conscientes das emo-
ções acontecidas no corpo, gerando os conceitos conscientes denomi-
nados como tristeza, raiva, bem-estar, medo, prazer, vergonha etc.

Essas são algumas das técnicas eficientes de contextualiza-


ção e reenquadramento, necessárias para que passemos para a próxima
fase da geração de opções.

39 Referências mais agressivas de mediandos contra o mediador, ou palavras duras e de


julgamento de um negociador contra o outro, precisam seguir um itinerário mental em nível técnico
que passa pela autoconsciência (observação interna do que os estímulos externos ou internos
geraram) das emoções, o que acontece quando elas são percebidas pelo consciente. Para que
isso aconteça, primeiro a ínsula posterior recebe as informações do nervo vago relativamente às
sensações que o estímulo causou nas vísceras (intestino, parte do esôfago – sistema nervoso
entérico, ou segundo cérebro) e as passa para a ínsula anterior, a qual orientará para um significado
sentimental (sentimento é a percepção em nível consciente das emoções vivenciadas pelo corpo)
do que foi percebido pelo corpo, transferindo essas informações para o córtex pré-frontal medial,
que definirá uma interpretação, em conjunto com o córtex pré-frontal dorso lateral (centro do
raciocínio e do planejamento), a amígdala e o córtex orbito-frontal (responsável pela valoração
positiva ou negativa daquele estímulo para o organismo) levando a uma tomada de decisão a
ser executada em concreto. Importante destacar o papel da ínsula anterior (portal de entrada de
informações no consciente) nessa importante função da tomada de decisão a partir das emoções,
o que foi aprofundado no estudo: HUANG, Zirui et al. Anterior insula regulates brain network
transitions that gate conscious access. Cell reports, Cambridge, v. 35, n. 5, 2021. Disponível em:
<https://doi.org/10.1016/j.celrep.2021.109081>. Acesso em: 24 maio 2023.

102
CORREGEDORIA NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Guia de Mediação e Conciliação

11. FASE DA GERAÇÃO E SELEÇÃO


DE OPÇÕES, ALTERNATIVAS E
PROPOSTAS

11.1. INTRODUÇÃO AO TEMA


O estudo das fases do procedimento de mediação evidencia
por que a maneira estruturada de avançar na técnica é tão eficaz para a
obtenção de diálogos produtivos e de consenso.
De fato, quando a partes iniciam o procedimento de media-
ção, estão carregadas de preconceitos, vieses de confirmação40, emo-
ções afloradas, mágoas, questões essas que precisam ser elucidadas,
ressignificadas, neutralizadas e organizadas, a fim de que se chegue
com mais integridade e coerência à fase das alternativas e opções.
É comum que, no início da mediação, a partes já tenham suas
“crenças” e a convicção dos caminhos que devem ser seguidos para que
possam obter o que desejam – mesmo que sejam “crenças” e convic-
ções incorretas –, o que acontece também em relação a eventuais pro-
postas do outro lado, motivo que as faz refutar de pronto argumentos
que se demonstrem antagonistas aos seus pré-conceitos.
Por isso, a importância de trabalharmos com absoluta técnica
essa fase.

40 “Viés de confirmação, também chamado de viés confirmatório ou de tendência de


confirmação, é a tendência de se lembrar, interpretar ou pesquisar por informações de maneira
a confirmar crenças ou hipóteses iniciais. Também se aplica quando se concorda com uma frase
usada anteriormente, mas reapresentada com uma nova roupagem, gerando um tipo de viés
cognitivo e um erro de raciocínio indutivo. As pessoas demonstram esse viés quando reúnem ou
se lembram de informações de forma seletiva, ou quando as interpretam de forma tendenciosa. Tal
efeito é mais forte em questões de forte carga emocional e em crenças profundamente arraigadas.
As pessoas também tendem a interpretar evidências ambíguas de forma a sustentar suas posições
já existentes. Os conceitos de pesquisa, interpretação e memória tendenciosas foram propostos
para explicar a polarização de atitudes (quando uma divergência se torna mais extrema ainda
que as diferentes partes sejam expostas à mesma evidência), as crenças persistentes (quando
crenças persistem mesmo após suas evidências serem demonstradas falsas), o efeito irracional
de primariedade (uma maior confiança em informações encontradas antes de outras em uma
série) e a correlação ilusória (quando falsas associações entre dois eventos ou situações são
identificadas).” (VIÉS DE CONFIRMAÇÃO. In: WIKIPEDIA: a enciclopédia livre. Disponível em: <https://
pt.wikipedia.org/wiki/Vi%C3%A9s_de_confirma%C3%A7%C3%A3o>. Acesso em: 7 fev. 2023.).

103
CORREGEDORIA NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Guia de Mediação e Conciliação

11.2. CONCEITOS DE ALTERNATIVA E DE OPÇÃO


Inicialmente é importante distinguir “alternativas” de “opções”.
Tania Almeida esclarece que
Harvard refere-se a alternativas, como as ideias geradas
no brainstorm destinado a ampliar o leque de soluções
possíveis; e a opções, como as ideias que foram eleitas
como solução, dentre as alternativas pensadas.41
No mesmo sentido, Lewicki, Saunders e Minton comentam que
[...] a busca por alternativas é a fase criativa das negociações
integrativas. Uma vez que as partes concordem em uma
definição comum do problema e compreendem uma os
interesses da outra, elas geram uma variedade de soluções
alternativas. O objetivo é criar uma lista de opções ou
possíveis soluções ao problema; avaliar e selecionar uma
dessas opções será sua tarefa na fase final.42
Vamos trabalhar um exemplo singelo fornecido pelos três au-
tores acima citados, qual seja: a hipótese de um casal que obteve férias
de duas semanas, mas o marido quer ir para as montanhas, enquanto
a esposa deseja férias na praia. Tendo chegado a um impasse, solici-
tam que um amigo comum sirva de mediador. Após discussões sobre
os benefícios que teriam em cada um dos destinos sem atingirem um
consenso, o mediador sugere uma alternativa, que seria não irem nem
para as montanhas, nem para a praia, mas viajarem para a Europa. Em
resposta, marido e mulher recusam e dizem que essa alternativa não é
uma opção, porque, de fato, desejam os destinos que lhes parecem mais
adequados. O mediador, então, propõe uma alternativa, qual seja irem
uma semana para as montanhas e outra semana para a praia, ao que o
casal responde que essa pode ser uma opção.

41 ALMEIDA, Tania. Caixa de ferramentas em mediação: aportes práticos e teóricos.


Apresentações: André Gomma de Azevedo et al. São Paulo: Dash, 2014. p. 122.
42 LEWICKI, Roy L.; SAUNDERS, David M.; MINTON, John W. Fundamentos da negociação.
2. ed. Tradução: Raquel Macagnan Silva. Porto Alegre: Bookman, 2002. p. 126 e 127.

104
CORREGEDORIA NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Guia de Mediação e Conciliação

11.3. OPERACIONALIZAÇÃO DAS ALTERNATIVAS E


OPÇÕES

11.3.1. “Uma fatia do bolo de cada vez”

A primeira atividade após a identificação dos interesses, ne-


cessidades e ao reenquadramento é a promoção de diálogos que con-
duzam a alternativas que sejam compatíveis com esses elementos já
definidos na mediação.
Poderá o M/C, nessa perspectiva, fazer perguntas sobre os
interesses, sobre as necessidades de todos e formas de compatibili-
zá-los, assim como no tocante ao enquadramento, sempre procurando
lembrar às partes que não retrocedam em pontos já debatidos e que
tenham sido consensualizados.
A técnica orienta, todavia, que seja tratado de uma questão
controvertida de cada vez, iniciando-se pela que se demonstrar mais
fácil de ser solucionada pelas partes, seja por ser algum tema objetivo
tranquilo de ser consensualizado, ou mesmo problemas subjetivos que
decorrem de consensos sociais, como é exemplo não ficar mexendo no
celular enquanto o interlocutor fala (regra de respeito incontestável).

105
CORREGEDORIA NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Guia de Mediação e Conciliação

Essa técnica chama-se de fracionamento.43


É altamente benéfico fracionar o “bolo todo” em que se cons-
titui o problema, porque promove a resolução focada de uma questão de
cada vez, gerando atenção específica, concentração, debates, alternati-
vas direcionadas para a questão, em suma, quando conduzimos nossos
esforços precipuamente para um mesmo objetivo, temos imensamente
mais chances de resolver bem as controvérsias.
Diversamente, quando colocamos várias questões e assun-
tos integrantes do “bolo maior” do problema a resolver, ocorrem diva-
gações, tergiversações, confusões, mesclas de argumentos e de senti-
mentos que acabam se entrechocando, o que produz dispersão, genera-
lizações indevidas, contradições e, consequentemente, conflito.
Não bastasse isso, também é uma técnica que respeita a
neurobiologia humana.
De fato, quando as partes conseguem solucionar a primeira
questão do todo maior, há uma manifestação inconsciente de emoções
positivas, com o despejo de dopamina, ocitocina e serotonina, porque,
por hipótese, se tínhamos inicialmente 10 questões a resolver, após a
resolução da primeira, só teremos 9, e, assim, sucessivamente.
Ou seja, quando resolvemos em conjunto questões conflitu-
osas, há a produção de hormônios e neurotransmissores de bem-estar,
o que motiva os envolvidos no processo a segui-lo nos mesmos moldes.
Dessa forma, a técnica
do fracionamento é motivacional,
sabido que a dopamina é um dos
principais neurotransmissores da
motivação, da ativação do sistema
de recompensa do cérebro e dos

43 “El método de los avances paulatinos hacia el acuerdo exige que los litigantes dividan
una cuestión en subcuestiones o partes componentes. Fisher (1964) lo denomina fraccionamento.”
(MOORE, Christopher. El proceso de mediación: métodos prácticos para la resolución de conflictos.
Tradução: Aníbal Leal. Buenos Aires: Granica, 2010. p. 326-327.).

106
CORREGEDORIA NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Guia de Mediação e Conciliação

demais sistemas de prazer.44

11.3.2. Técnica do escalonamento e da organização temporal


por prioridades, pautada por acontecimentos externos ao
agente (implementação de intenções)

A segunda técnica, da organização e classificação de proble-


mas de curto, médio e longo prazo, já foi exposta anteriormente, mas
renovaremos aqui porque é um procedimento extremamente salutar,
que se vale da técnica do foco da atenção em elementos diretamente
atrelados à realidade material e temporal do problema a resolver.
É comum as partes estarem inicialmente confusas ante tan-
tas questões a resolver em problemas estruturais complexos, gerando
um estado de inércia resolutiva que acaba estimulando conflitos, discus-
sões, reclamações, por causa da frustração de não verem os mediandos
caminhos de solução que os motive a andar no sentido do consenso.
Nesses momentos, cabe ao M/C propor essa técnica do es-
calonamento temporal de prioridades, evidenciando que há assuntos
mais urgentes que outros, como forma de organizar a resolução paulati-
na dos problemas que envolvem o todo maior.
Exemplo disso acontece na área educacional, especialmente
quando existe a necessidade de recuperação e reformas nos prédios de
escolas públicas que acolhem milhares de alunos. Com efeito, muitas
vezes convergem problemas elétricos graves, que podem resultar em
incêndios ou mortes por contato elétrico, com instalações sanitárias de-
ficitárias, necessidade de recuperação de telhados etc.

44 “Isso é o que os experimentos de Berridge o levaram a entender sobre os seus ratos: gostar
(isto é, o prazer) e querer/desejar (isto é, motivação) são produzidos por dois subsistemas distintos,
mas interconectados no nosso sistema de recompensa. Berridge especulou que a mesma coisa
se aplicava aos humanos [...] O sistema de querer funciona à base de dopamina, mas o sistema de
gostar não, raciocinou Berridge [...] a dopamina não seria a `molécula do prazer´, mas a `molécula
do desejo. [...] Ele descobriu que o subsistema de gostar utiliza opioides e endocanabinoides –
as versões naturais do cérebro de heroína e maconha – como neurotransmissores. É por isso
que usar essas drogas amplifica o prazer sensorial [...]. E, quando Berridge bloqueou esses
neurotransmissores, os ratos se comportaram como ele teorizou: pareciam não mais gostar de
suas refeições de água e açúcar, porém como seus circuitos baseados em dopamina estavam
intactos, eles ainda queriam.” (MLODINOW, Leonard. Emocional: a nova neurociência dos afetos.
Tradução: Claudio Carina. Rio de Janeiro: Zahar, 2022. p. 183-184.).

107
CORREGEDORIA NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Guia de Mediação e Conciliação

Em tais casos, considerando que devem ser seguidos todos


os procedimentos de projetos, licitações e o envolvimento de múltiplos
interlocutores internos dos estados, seja a secretaria de obras, a se-
cretaria da educação e, eventualmente, também, os órgãos estaduais
de proteção ao patrimônio histórico, pode o M/C se utilizar da presente
técnica, estimulando os mediandos a que encontrem soluções eficien-
tes, rápidas e implementáveis, tendo como parâmetros a urgência (seja
pela periculosidade, necessidade de começarem as aulas, atendimen-
to de pessoas vulneráveis, inclusive por causa da merenda para aplacar
a fome), a complexidade de resolução (o que demanda mais tempo) ou
mesmo a facilidade de resolução.
Assim, a organização da situação em questões de curto, mé-
dio e longo prazo, cada uma delas contendo as suas subdivisões, pro-
porcionará uma visão espacial na mente dos mediandos chamado plano

108
CORREGEDORIA NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Guia de Mediação e Conciliação

de intenções.45
Os planos de intenções são estratégias para a implementa-
ção de táticas de organização e de planejamento para a resolução dos
problemas, que buscam na criação de acontecimentos externos o gati-
lho para que façamos ou deixemos de fazer algo.
No exemplo da escola, poderíamos eleger como gatilho de
início dos procedimentos de reforma dos prédios a conclusão, em 20
dias, dos projetos do sistema elétrico e de saneamento por parte da se-
cretaria de obras. Feito o trabalho, ele é entregue à secretaria da edu-

45 “Há duas formas principais de autocontrole inconsciente que pesquisas demonstraram


serem tremendamente úteis na vida cotidiana. Uma é de curto prazo e tática, a outra é de
longo prazo e estratégica. No curto prazo (por exemplo: lembrar de fazer algo que está sempre
esquecendo de fazer, ou começar a se exercitar), o modo mais eficaz de realizar as intenções
que são difíceis de concretizar é mediante o uso da implementação de intenções. Meu colega
de longa data Peter Gollwitzer descobriu e desenvolveu a poderosa técnica de implementação
de intenções como o modo mais eficaz de realizar suas intenções mais difíceis e assumir o
comportamento que deseja ter. São planos concretos que você faz quanto a quando, onde e
como vai realizar essas intenções. Também no longo prazo (por exemplo: fazer dieta, exercitar-
se ou estudar como atividade constante e regular), o melhor modo de se manter na linha, evitar
tentações e realizar seus objetivos não é aplicando força de vontade num esforço titânico da
mente sobre a matéria, mas criando bons hábitos, mediante rotinas regulares no espaço e no
tempo.[...] A implementação de intenções funciona ao se especificar um lugar e um momento
exatos no futuro nos quais você vai adotar o comportamento pretendido.[...] Estudos com imagens
cerebrais demonstraram como funcionam essas implementações de intenções. Basicamente,
quando se forma uma implementação de intenção, o controle sobre nosso comportamento passa
de uma região do cérebro para outra. Quando se tem o objetivo e o desejo de fazer alguma coisa,
uma região associada a ações autoiniciação, parte do que é chamado de área de Brodmann,
torna-se ativa. Esse seria o caso de um objetivo do tipo: `Quero ir hoje ao supermercado comprar
leite e algo para o jantar´. Mas quando se forma uma implementação de intenção , do tipo `Quando
eu terminar de digitar este relatório, vou me levantar da escrivaninha e ir até o supermercado´,
uma região diferente do cérebro se torna ativa, a parte associada com comportamento induzido
pelo entorno. Assim, os estudos de varredura do cérebro demonstraram que intenções genéricas
são controladas por pensamento interno (lembrando você a fazer algo que quer fazer), mas a
implementação de intenções – que é mais confiável e mais eficaz – muda o controle do
comportamento de seu pensamento interno autogerado para que seja um estímulo do entorno
exterior, de modo que quando X acontece, você vai fazer Y, sem que tenha de se lembrar ou pensar
nisso naquele momento.[...] Na condição de controle, num período de vários meses, os pacientes
mais idosos só tiveram sucesso em 25% das vezes em que tinham de tomar suas pílulas na hora
certa, todos os dias. Porém, um grupo separado de pacientes fez implementação de intenções.
Aqui o paciente diria: `Assim que terminar meu café da manhã, vou voltar para meu quarto e
tomar a pílula 1´ E: `Na hora de dormir, logo antes de apagar a luz, vou tomar a pílula 4´. A chave é
especificar eventos futuros com alta probabilidade de acontecer, numa base rotineira. Esse grupo,
durante um período de várias meses, teve o notável resultado de 100%, todos tomaram todos
os remédios na hora certa. Obviamente, nem todos os estudos tiveram resultados tão perfeitos,
mas ficou bem claro que para esses pacientes idosos era uma grande ajuda delegar o controle
do processo de tomar remédios, retirando-o de seu arbítrio consciente para ser um dos eventos
rotineiros de seu entorno.” (BARGH, John. O cérebro intuitivo: os processos inconscientes que nos
levam a fazer o que fazemos. Tradução: Paulo Geiger. Rio de Janeiro: Objetiva, 2020. p. 310-313.).

109
CORREGEDORIA NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Guia de Mediação e Conciliação

cação e ao órgão responsável pelo patrimônio público, a fim de que o


analisem em 15 dias. Depois de tais análises e, havendo aprovação, são
imediatamente encaminhados para o setor de licitações.
No exemplo, são acontecimentos externos, feitos por outros
órgãos do Estado, que estimulam o segundo órgão na sequência, e assim
sucessivamente, a “ter de fazer a sua parte”, sob pena de “quebrar a cor-
rente, o fluxo” da implementação de intenções pautada por acontecimen-
tos externos à mera vontade pessoal de um ou de outro que integram a
cadeia de resolução de questões que envolvem o problema estrutural.
Isso motiva os mediandos a reunirem esforços cooperativos
concentrando foco nas metas que devem ser atingidas e que já foram
previamente eleitas por consenso, criando engajamento resolutivo entre
todos os envolvidos no problema estrutural.

11.3.3. Técnica da livre consensualidade entre os mediandos

Alternativas que passem única e exclusivamente pela ação


das partes mediandas/conciliandas, da mesma forma, devem ser pre-
miadas, na medida em que o encontro de vontades estimula nelas a per-
cepção de construção conjunta, gerando ocitocina, serotonina e dopa-
mina, neuroquímica esta adequada aos acordos.
Ressaltamos a presente postura como “técnica” objetivando
deixar ostensivamente marcado que a prioridade é que as partes pos-
sam encontrar por si próprias suas alternativas e opções de consenso,
haja vista que o sentido teleológico dos métodos autocompositivos de
resolução de problemas é o empoderamento das partes, de modo a que

110
CORREGEDORIA NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Guia de Mediação e Conciliação

aprendam a se autoajustarem no presente, mas, principalmente, tam-


bém para o futuro, cumprindo-se o objetivo pedagógico dos métodos
adequados de tratamento de problemas.
Igualmente desejamos esclarecer, com isso, que a atividade
propositiva do M/C ministerial é complementar às opções geradas pelas
partes, devendo ele, como terceiro imparcial, zelar para que não aconte-
ça a dependência das partes em relação à sua postura propositiva.
É importante ressaltar esse aspecto, pois o M/C precisa estar
atento para que não conduza de forma arbitrária a autocomposição, exa-
cerbando da sua função de facilitador de diálogos entre os mediandos.

11.3.4. Técnica da expansão de recursos

Moore comenta sobre a técnica da expansão de recursos,


esclarecendo que consiste, basicamente, na introdução de outros te-
mas não discutidos inicialmente pelas partes, mas que contribuem para
despolarizar as tratativas, abrindo janelas para consensos periféricos
igualmente importantes, mas não vistos, inicialmente, pelas partes.46
Por exemplo, em negociação remuneratória entre médicos e
administração de hospital, objetivando superar o impasse surgido devido
à dificuldade de acordo no tocante aos números da remuneração dos
profissionais, o M/C propõe reflexão sobre consenso a respeito de medo

46 MOORE, Chistopher. El proceso de mediación: métodos prácticos para la resolución de


conflictos. Tradução: Aníbal Leal. Buenos Aires: Granica, 2010. p. 334.

111
CORREGEDORIA NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Guia de Mediação e Conciliação

manifestado pelos médicos de serem responsabilizados por eventuais


acidentes com pacientes, decorrentes das más condições dos equipa-
mentos oferecidos pelo Hospital.

“Tradução: significado da estratégia (dentro do círculos verde) – melhor imagem corporativa (na
parte superior do círculo verde) – obtenção de vantagem competitiva (no sentido horário, após
better corporate) – maior satisfação do cliente (no sentido horário, logo abaixo da expressão
achievement of competitive advantage) – maior satisfação das pessoas interessadas (sentido
horário, após a expressão higher customer satisfation).

Superada essa questão periférica, com a entrega de novos


equipamentos por parte do estado, União ou município, poderá prosse-
guir a mediação no sentido da melhoria dos recursos humanos (enfer-
meiras, atendentes etc.) para, então, retornar às questões remunerató-
rias que, no início, eram as mais difíceis.
A resposta sobre por que essa expansão e inversão de temas
funcionam está no fato de que o atendimento de questões subjetivas
como a responsabilização pessoal eventualmente decorrente de aciden-
tes de consumo com paciente (cível, administrativa e criminal) faz com
que as pessoas se sintam respeitadas, o que altera substancialmente
a neuroquímica para a tomada de decisão, facilitando a abordagem do
tema mais “frio”, difícil, objetivo e direto atinente à remuneração.

112
CORREGEDORIA NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Guia de Mediação e Conciliação

11.3.5. Técnica da intercalação

A técnica da intercalação é efi-


ciente em controvérsias nas quais o bem da
vida buscado somente possa ser obtido por
uma das partes de cada vez.47 Exemplo disso
seria situação na qual esteja sendo discutida
questão sobre a assunção da presidência de
conselho consultivo de entidade filantrópica,
inclusive com demandas judiciais tramitando,
e se encontre a satisfação ganha-ganha em consenso prevendo o exer-
cício do cargo por um, depois do outro dos contendores.

11.3.6. Técnica do brainstorm

A técnica do brainstorm promovida pelo M/C pode obter re-


sultados positivos.
Consiste na manifestação de alternativas sem cunho de de-
finitividade, com o objetivo de prospectar possibilidades, mesmo que
aparente e inicialmente não razoáveis, mas que poderão ativar insights
preciosos em quem produz a ideia, como também nos demais envolvidos
na interlocução.

47 MOORE, Chistopher. El proceso de mediación: métodos prácticos para la resolución de


conflictos. Tradução: Aníbal Leal. Buenos Aires: Granica, 2010. p. 335.

113
CORREGEDORIA NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Guia de Mediação e Conciliação

11.3.7. Técnica da coerência interna da autocomposição

Além dessas técnicas, o M/C terá que estar atento aos in-
teresses, necessidades e enquadramentos manifestados pelas partes,
estimulando-os a terem coerência com tais definições já obtidas na au-
tocomposição.
Em longas e complexas tratativas de consenso, é fácil as par-
tes perderem o rumo, esquecendo-se do que já definiram antes, ou seja,
esquecendo-se dos aspectos resolvidos, os quais integram os alicerces
de uma mediação/conciliação que esteja em momento avançado da re-
solução do problema estrutural.
Por isso, é essencial a função do M/C no sentido de escutar,
anotar tudo e fixar os consensos que irão se formando, os quais deverão
ser organizados como um mapa da autocomposição, que vai, paulatina-
mente, sendo bem estruturado. Cabe ao M/C, sempre que necessário,
concitar as partes a visualizarem o procedimento como um todo dividido
em várias parciais resoluções, postura
de construção de conciliações que esti-
mula as partes a chegarem à conclusão
total do problema estrutural, que so-
mente acontece com a implementação.
Portanto, a técnica das sín-
teses, dos resumos, igualmente pode
ser utilizada no momento da geração e
seleção de opções.

11.3.8. Técnica da agregação de terceiros à autocomposição

Da mesma forma, como já ressaltamos em momento anterior


deste guia, não está vedado ao M/C propor alternativas e, até mesmo,
a participação de terceiros que, eventualmente, tenham condições de
auxiliar as partes na resolução do problema.

114
CORREGEDORIA NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Guia de Mediação e Conciliação

Exemplo disso são casos em que o tribunal de contas auxilia


na identificação de critérios justos para a indenização de concessionária
de transporte público relativamente ao equilíbrio econômico-financeiro
de contratos de concessão, cujas bases da pactuação foram alteradas
pela pandemia Covid-19.
Outro exemplo seria a obtenção de consenso para que seja
contratada auditoria externa objetivando a realização de levantamento
nos documentos de hospital vinculado ao SUS, a fim de que possam ser
aferidos e divididos custos públicos e os custos privados (atendimento
particular e por convênios) do nosocômio (eventualmente pode aconte-
cer que os serviços de lavanderia de roupas sejam integralmente custe-
ados por recursos públicos, mas, no local, também são lavadas roupas
de particulares e de conveniados, o que é ilegal), servindo a perícia para
definir o que deva ser pago pelo município, estado ou pela União.

11.3.9. Técnica da utilização de recursos sensoriais

Conforme destacamos ao longo deste guia, os profissionais


do Direito estão exageradamente habituados com a linguagem verbal
e escrita, havendo um desconhecimento e o consequente desuso das
linguagens não verbais.
Vivemos em um mundo muito diferente, caracterizado pela
conectividade, pela economia compartilhada, pelas novas tecnologias,
pelo visual, pelo auditivo, pelos cheiros e pelas novas maneiras senso-

115
CORREGEDORIA NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Guia de Mediação e Conciliação

riais de conhecer e de sentir as realidades que pretendemos eleger como


implementáveis no presente e no futuro. Exemplo disso são os óculos de
realidade virtual.
Figuremos a hipótese em que esteja em trâmite mediação/
conciliação para a desocupação de área pública invadida, na qual o Ente
Público apresente proposta com projeto de entrega de condomínio fe-
chado de casas populares completas, com dois dormitórios, banheiro,
cozinha, área de serviço etc., localizadas em região abastecida por todas
as necessidades de moradia digna.
Uma coisa é apresentar a proposta por escrito de modo a que
sejam visualizados na mente os projetos objeto da oferta. Outra, muito
diferente, é colocar óculos virtuais nas pessoas, para que sintam os am-
bientes, caminhem virtualmente por eles, e assim, ativem outras áreas
do cérebro, promovendo a liberação de dopamina, serotonina, endorfinas
e ocitocina decorrentes da experienciação “concreta” (na realidade virtu-
al) de um convívio real.
Por isso, criatividade e
inovação, mais uma vez, devem es-
tar na pauta constante de ideias do
M/C, de modo que possam ser utili-
zados equipamentos eletrônicos, sli-
des, apresentações de power-point,
flipchart, em suma, todos os recur-
sos visuais e cognitivos que contri-
buam para facilitar aos mediandos/
conciliandos realizarem suas toma-
das de decisão tendentes à consen-
sualização de alternativas.

11.3.10. Técnica do reality check (teste de realidade)

Também caberá ao M/C utilizar a técnica do reality check


(teste de realidade), consistente na proposta às partes para que visuali-
zem as opções que sugerem na prática, no mundo da vida.

116
CORREGEDORIA NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Guia de Mediação e Conciliação

Isso é muito útil porque coloca as pessoas no mundo dos fa-


tos vividos, retirando-os do plano meramente das ideias e de propostas
irreais, ingênuas ou não passíveis de implementação.
Tania Almeida aponta uma das maneiras de implementar essa
técnica, que é a prospecção de cenários futuros.48
O M/C pode executar essa prática por intermédio da formulação
de perguntas hipotéticas ou generativas, as quais prospectam o futuro a
respeito da sustentabilidade da proposta, de seus custos e benefícios das
consequências que decorram da opção sob análise e tudo mais quanto seja
necessário para que as partes possam vivenciar a opção nas estruturas
específicas do cérebro49 (córtex sensorial da visão, da escuta, das relações
humanas, córtex olfativo etc.), sentir o que decorre de tais pensamentos,
para, após, concluírem pela factibilidade, implementabilidade, oportunidade,
razoabilidade e adequação da solução alvitrada.

48 ALMEIDA, Tania. Caixa de ferramentas em mediação: aportes práticos e teóricos.


Apresentações: André Gomma de Azevedo et al. São Paulo: Dash, 2014. p. 123.
49 Reiteramos que o mero pensamento em determinadas realidades faz com que vivamos
“no cérebro” essas mesmas realidades. Sobre o tema, ver: SAPOLKY, Robert M. Comporte-se: a
biologia humana em nosso melhor e pior. São Paulo: Companhia das Letras, 2021. p. 65-66 e 178-
179.: “A reavaliação antecedente é o motivo pelo qual os placebos funcionam. Pensar: `Meu dedo
está prestes a ser espetado por uma agulha´ ativa a amígdala junto com um circuito de regiões
do cérebro que respondem à dor, e a picada dói. Mas se alguém lhe disser antes que o creme
hidratante que está sendo espalhado em seu dedo é um poderoso analgésico, você pensa: `Meu
dedo está prestes a ser espetado por uma agulha, mas este creme vai bloquear a dor´. Estão o
CPF é ativado, embotando a atividade na amígdala e nos circuitos da dor, bem como a percepção
desta.”
Esclarecemos que as amígdalas não são as da garganta, mas estruturas do cérebro responsáveis
pelo processamento de sentimentos de ameaça ao organismo, sendo que o CPF (Córtex Pré-
frontal) faz a regulação dessas emoções e sentimentos.

117
CORREGEDORIA NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Guia de Mediação e Conciliação

11.3.11. Técnica da observação contextual e bilateral das


alternativas

Poderá o M/C agregar às propostas das partes, que normal-


mente têm um foco unilateral, reflexões sobre benefícios mútuos de
cada opção, o que se revela como uma prática extremamente útil, porque
o interlocutor que recebe a mensagem geralmente pensa no benefício
que o proponente está tentado obter para si, sendo essa uma conduta
defensiva normal nas ocasiões em que não existe confiança plena entre
os mediandos. É neste momento que a intervenção reflexiva do M/C po-
derá contribuir para que sejam quebrados esses preconceitos, barreiras
e possam ser aclarados para o receptor das propostas os benefícios que
ela promoverá também a ele.
Fixados os consensos e escolhidas as opções para o melhor
tratamento do problema, passaremos à fase do acordo.

118
CORREGEDORIA NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Guia de Mediação e Conciliação

12. ACORDO, FORMALIZAÇÃO E


HOMOLOGAÇÃO
A boa técnica recomenda que sejam feitas atas de cada ses-
são de mediação/conciliação, seja nos ambientes on-line ou no presencial.
A formalização dos consensos segue a mesma regra, deven-
do ser preparado documento que poderá ter a denominação de “TERMO
DE AUTOCOMPOSIÇÃO EXTRAJUDICIAL” ou simplesmente “TERMO DE
AUTOCOMPOSIÇÃO”, nas ocasiões em que seja necessária a homologa-
ção judicial, onde constem os itens que seguem:
a) qualificação das partes, dos representantes das institui-
ções envolvidas na autocomposição, dos mediadores/
conciliadores, dos colegas que participaram da interlocu-
ção e de eventuais anuentes e terceiros interessados no
pacto. Não é necessário que constem peritos, testemu-
nhas e pessoas em geral que não apresentem interesse
jurídico, mesmo que indireto, nas questões debatidas;
b) “considerandos” esclarecedores sobre a legislação aplicá-
vel, devendo constar, da mesma forma, esclarecimentos
sobre a origem do conflito, controvérsia ou do problema,
sejam ações judiciais em trâmite, inquéritos, peças de in-
formação etc. Também deve constar nos “considerandos”
o âmbito de abrangência do pacto, ou seja, sua extensão
em termos temporais, espaciais (abrangência local, regio-
nal, nacional ou internacional), procedimentais e de méri-
to, circunstâncias estas últimas que devem ficar claras no
sentido de serem consensos totais ou parciais;
c) as cláusulas do pacto articuladas, definindo prazos, lo-
cais, prestações de cada um dos envolvidos, obrigações
de fazer ou não fazer, efeitos retroativos, as formas de
operacionalizar e implementar as disposições do pacto, de

119
CORREGEDORIA NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Guia de Mediação e Conciliação

maneira que já fique organizado o seu cumprimento, cláu-


sulas penais por eventual descumprimento, aberturas de
contas judiciais para pagamentos e pleitos ao magistra-
do, quando depender de homologação judicial50, para que
seja recebido o documento nos moldes do artigo 190 do
Código de Processo Civil e deferidos encaminhamentos
judiciais para outros órgãos, sejam cartórios de registros
públicos, Justiça Eleitoral, Poderes Constituídos etc.
d) por fim, datar e assinar o documento, cujas vias serão en-
tregues aos envolvidos com a menção expressa, ou não, a
respeito da sua confidencialidade51, haja vista que as par-
tes podem dispor em relação a isso, nos termos do artigo
30 da Lei nº 13.140/2015.
Algumas peculiaridades devem ser abordadas no tocante às
homologações judiciais, haja vista que os processos podem estar trami-
tando em Tribunais, inclusive nos Superiores.

50 Lei de Mediação nº 13.140/2015, art. 3º – Pode ser objeto de mediação o conflito que
verse sobre direitos disponíveis ou sobre direitos indisponíveis que admitam transação. § 1º A
mediação pode versar sobre todo o conflito ou parte dele. § 2º O consenso das partes envolvendo
direitos indisponíveis, mas transigíveis, deve ser homologado em juízo, exigida a oitiva do Ministério
Público.
51 Lei de Mediação nº 13.140/2015, art. 30. Toda e qualquer informação relativa ao
procedimento de mediação será confidencial em relação a terceiros, não podendo ser revelada
sequer em processo arbitral ou judicial salvo se as partes expressamente decidirem de forma
diversa ou quando sua divulgação for exigida por lei ou necessária para cumprimento de acordo
obtido pela mediação.§ 1º O dever de confidencialidade aplica-se ao mediador, às partes, a seus
prepostos, advogados, assessores técnicos e a outras pessoas de sua confiança que tenham,
direta ou indiretamente, participado do procedimento de mediação, alcançando: I - declaração,
opinião, sugestão, promessa ou proposta formulada por uma parte à outra na busca de
entendimento para o conflito; II - reconhecimento de fato por qualquer das partes no curso do
procedimento de mediação; III - manifestação de aceitação de proposta de acordo apresentada
pelo mediador; IV - documento preparado unicamente para os fins do procedimento de mediação.
§ 2º A prova apresentada em desacordo com o disposto neste artigo não será admitida em
processo arbitral ou judicial. § 3º Não está abrigada pela regra de confidencialidade a informação
relativa à ocorrência de crime de ação pública. § 4º A regra da confidencialidade não afasta o
dever de as pessoas discriminadas no caput prestarem informações à administração tributária
após o termo final da mediação, aplicando-se aos seus servidores a obrigação de manterem
sigilo das informações compartilhadas nos termos do art. 198 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro
de 1966 - Código Tributário Nacional. Art. 31. Será confidencial a informação prestada por uma
parte em sessão privada, não podendo o mediador revelá-la às demais, exceto se expressamente
autorizado.

120
CORREGEDORIA NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Guia de Mediação e Conciliação

Quando o processo estiver


nos Tribunais Estaduais ou Federais,
caberá ao Relator a homologação52.
Se estiver nos Tribunais Su-
periores, é importante que o Procura-
dor-Geral de Justiça53 ou colega por ele
designado assine o pacto, em conjunto
com os demais participantes do acor-
do. Se os processos forem da atribuição dos Ministérios Públicos Federais,
caberá aos colegas que atuam junto aos Tribunais Superiores, em conjunto com
os colegas integrantes do pacto, assinarem o Termo de Autocomposição.

52 Código de Processo Civil, art. 932. Incumbe ao relator: I - dirigir e ordenar o processo
no tribunal, inclusive em relação à produção de prova, bem como, quando for o caso, homologar
autocomposição das partes;
53 BRASIL. Supremo Tribunal Federal (2. Turma). Recurso extraordinário 985.392/RS.
985.392/RS 2.
Repercussão Geral. Reconhecimento. Reafirmação da jurisprudência dominante. 3. Constitucional.
Ministério Público dos Estados e do Distrito Federal e Territórios. Legitimidade para postular perante
o STF e o STJ. 4. Preliminares. Argumentos do Ministério Público Estadual não considerados pelo
STJ, e embargos de declaração não conhecidos. A falta de prequestionamento e a intempestividade
do recurso extraordinário decorreriam da recusa do Tribunal em conhecer das razões do MPE.
A legitimidade do MPE depende da interpretação das regras constitucionais sobre o Ministério
Público art. 127, § 1º, e art. 128, art. 129, CF. Questão que prescinde da apreciação de matéria de fato.
Preliminares rejeitadas. 5. Repercussão geral. A avaliação da legitimidade dos Ministérios Públicos
dos Estados para pleitear perante o STF e o STJ é relevante dos pontos de vista político, jurídico e
social. Repercussão geral reconhecida. 6. Legitimidade de MPE para postular no STF e no STJ. Os
Ministérios Públicos dos Estados e do Distrito Federal e Territórios podem postular diretamente
no STF e no STJ, em recursos e meios de impugnação oriundos de processos nos quais o ramo
Estadual tem atribuição para atuar. Precedentes. 7. Jurisprudência consolidada do STF no sentido
da legitimidade do MPE. Reafirmação de jurisprudência. Precedentes: Rcl 7.358, Rel. Min. Ellen
Gracie, Tribunal Pleno, j. 24.2.2011; MS 28.827, Rel. Min. Cármen Lúcia, 1ª Turma, j. 28.8.2012; RE-
QO 593.727, Rel. Min. Cezar Peluso, Redator para acórdão Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno j.
21.6.2012; ARE-ED-segundos 859.251, de minha relatoria, Tribunal Pleno, j. 22.10.2015. 8. Fixação
de tese: Os Ministérios Públicos dos Estados e do Distrito Federal têm legitimidade para propor
e atuar em recursos e meios de impugnação de decisões judiciais em trâmite no STF e no STJ,
oriundos de processos de sua atribuição, sem prejuízo da atuação do Ministério Público Federal. 9.
Caso concreto. Legitimidade do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul para oferecer
razões e embargos de declaração em habeas corpus afastada pelo STJ. Cassação da decisão.
10. Recurso extraordinário a que se dá provimento. Determinação de retorno dos autos ao
STJ, para que prossiga no julgamento do habeas corpus, considerando as razões do MPRS. No
mesmo sentido: RE 810482 Órgão julgador: Segunda Turma. Relator(a): Min. EDSON FACHIN.
Julgamento: 21/08/2018. Publicação: 21/03/2019 No mesmo sentido ACO 2351 AgR / RN - RIO
GRANDE DO NORTE. AG.REG. NA AÇÃO CÍVEL ORIGINÁRIA. Relator(a): Min. LUIZ FUX. Julgamento:
10/02/2015. Publicação: 05/03/2015. Órgão julgador: Primeira Turma. RE 985392 RG / RS -
RIO GRANDE DO SUL. REPERCUSSÃO GERAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. Relator(a): Min.
GILMAR MENDES. Julgamento: 25/05/2017. Publicação: 10/11/2017. Órgão julgador: Tribunal Pleno.
Disponível em: <https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=14018096>.
Acesso em: 24 maio 2023.

121
CORREGEDORIA NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Guia de Mediação e Conciliação

Situação peculiar acontece quando o processo já tenha sido julgado


nos Tribunais Estaduais ou Tribunais Federais e tenham sido interpostos recur-
sos extraordinários ou recursos especiais.
No caso de ser Justiça Estadual, em que pese não haver disposição
expressa nesse sentido no Código de Processo Civil, entendemos que os Vice-
-Presidentes dos Tribunais têm atribuições para as homologações, pois são os
Relatores dos processos a eles submetidos.
No Estado do Rio Grande do Sul há entendimento acolhido pelo Tri-
bunal de Justiça do Estado reconhecendo tal competência aos respectivos Vi-
ce-Presidentes da área privada, pública e criminal.
Em sendo Tribunais Federais, segue-se a regra do Relator.
Cabe ressaltar que a autocomposição judicial reconhecida pelo Có-
digo de Processo Civil trouxe novidade disruptiva ao estabelecer efeitos panpro-
cessuais às disposições fixadas em acordos, tanto para abranger terceiros não
integrantes da relação processual em questão como para englobar o objeto liti-
gioso, no caso de outros processos judiciais relacionados ao problema estrutural.
Nesse sentido, a previsão do artigo 515, § 2º, do Código de Processo
Civil: “§2º A autocomposição judicial pode envolver sujeito estranho ao processo
e versar sobre relação jurídica que não tenha sido deduzida em juízo.”.
Esse, sem dúvida, é um grande diferencial de estímulo à resolução
total de problemas, sendo a mais clara expressão da maior amplitude do concei-
to de problema quando comparado ao conceito de conflito.
Por fim, no tocan-
te ao cumprimento dos acor-
dos judiciais e extrajudiciais,
seguem as mesmas regras já
definidas pelas leis específicas,
nada havendo de diferente.

122
CORREGEDORIA NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Guia de Mediação e Conciliação

13. AVALIAÇÃO, MONITORAMENTO


E CUMPRIMENTO DA MEDIAÇÃO/
CONCILIAÇÃO

Tradução: “*pré-mediação > mediação >pós-mediação (dentro de cada um dos círculos) – avaliação
do conflito e desenho do processo de mediação (abaixo do círculo verde) – acordo sobre as regras
básicas, esclarecimentos de questões e interesses, geração do acordo (abaixo do círculo rosa) –
implementação do acordo, monitoramento e avaliação (abaixo do círculo azul).

13.1. REGRAS DE SUSPEIÇÃO E IMPEDIMENTO DO M/C


A integridade da mediação/conciliação depende diretamente
do M/C, o qual está submisso às mesmas regras ordinárias de suspeição
e de impedimento, cabendo a ele dar continuidade à sua postura impar-
cial, mesmo após o encerramento dos trabalhos, haja vista o dever de
confidencialidade que protege o sistema de mediação.
Na eventualidade
de realizar exposições sobre
o Programa de Mediação/
Conciliação, exercício do ma-
gistério, inclusive abrangen-
do conferências e palestras,
deve o M/C zelar para que
não sejam identificadas as
pessoas e o caso submetido
à mediação/conciliação.

123
CORREGEDORIA NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Guia de Mediação e Conciliação

13.2. MECANISMOS DE AVALIAÇÃO DAS MEDIAÇÕES/


CONCILIAÇÕES
É importante, também, que existam mecanismos de avalia-
ção das autocomposições.
Elena I. Highton e Gladys S. Álvares apresentam os objetivos
da avaliação:
• demonstrar la preocupación por los individuos que usan el
servicio;
• identificar potenciales problemas en el comienzo del pro-
grama;
• ayudar a mejorar y corregir un programa;
• permitir conocer cuál es el mejor camino para seguir;
• determinar si se debe continuar o no con un programa;
• proporcionar al programa y al mediador información rela-
cionada con la eficacia del facilitador;
• reunir apoyo público y econômico para un programa;
• satisfazer los requerimentos de un organismo que sub-
vencione programas;
• aumentar el conocimiento general sobre la resolución de
conflictos.54

54 HIGHTON, Elena I.; ÁLVAREZ, Gladys S. Mediación para resolver conflictos. 2. ed. Buenos
Aires: Ad-Hoc, 2008. p. 357.

124
CORREGEDORIA NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Guia de Mediação e Conciliação

No âmbito do Ministério Público, temos os Núcleos Perma-


nentes de Incentivo à Autocomposição, previstos pela Resolução nº
118/2014 do Conselho Nacional do Ministério Público, cujas estruturas
são vocacionadas à realização desse tipo de trabalho, e que já vêm exer-
cendo esse mister em vários estados brasileiros, o que não impede que
outras estruturas venham ou possam vir a ser criadas com atribuições
específicas para os trabalhos autocompositivos.
Não são incomuns avaliações da mediação/conciliação feitas pe-
los próprios colegas M/Cs, a respeito de erros e acertos cometidos no pro-
cedimento de autocomposição, objetivando melhorar os trabalhos, organizar
registros de casos, estatísticas e índices de resolutividade social, dados esses
que servirão de baliza para o constante aprimoramento dos serviços.
Também desejamos destacar que a eventual inexistência de
órgão específico para executar as atividades autocompositivas no Mi-
nistério Público não impede que colegas profissionais da nossa Institui-
ção realizem tais trabalhos nas suas comarcas, conforme já destacamos
em item específico desenvolvido neste guia.

13.3. ATUAÇÃO CONJUNTA DOS PROMOTORES/


PROCURADORES NATURAIS COM OS COLEGAS
INTEGRANTES DE ESTRUTURAS DE AUTOCOMPOSIÇÃO
DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Na Instituição Ministerial, são os Núcleos Permanentes de In-
centivo à Autocomposição as estruturas autocompositivas por excelên-
cia, o que não impede que outros Núcleos, Centros de Apoio Operacional
ou Órgãos diversos façam tal trabalho especializado.
Todavia, em muitos casos, o grande volume de trabalho a que
estão submetidos os colegas do Ministério Público poderá ensejar a re-
messa dos expedientes contendo os conflitos, controvérsias e problemas
para as estruturas autocompositivas, desvinculando-se o membro do Mi-
nistério Público natural do caso e repassando-o para os especialistas.

125
CORREGEDORIA NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Guia de Mediação e Conciliação

Essa prática é altamente prejudicial para a Política Pública


Autocompositiva do Ministério Público, consubstanciada em várias nor-
mas, em especial na Resolução nº 118/2014 do CNMP.
Com efeito, um dos principais objetivos da Política Autocom-
positiva Institucional é a mudança da cultura adversarial, o que somente
acontecerá se os colegas do MP efetivamente vivenciarem na prática
os pensamentos, emoções e sentimentos decorrentes dos problemas a
serem solucionados.
Há, portanto, um profundo conteúdo pedagógico, didático e
estruturado no estímulo a que os colegas promotores/procuradores na-
turais integrem a autocomposição, evitando-se que a criação de Cen-
tros Especializados de Autocomposição acabe se tornando o repositório
de milhares de expedientes que não tramitam com eficiência, devido ao
comum acúmulo de peças formais instauradas normalmente produzido
pela perniciosa “estratégia” do repasse de trabalho.
Não bastasse esse basilar argumento, é fundamental a per-
manência do colega promotor/procurador natural, porque sempre há
a necessidade de constante atualização das questões que orbitam o
problema a resolver, a qual somente poderá ser feita caso os colegas
informem as mudanças, alterações, novidades que estejam ou tenham
acontecido na base, sejam nas comarcas, nas circunscrições, nos foros
ou nos tribunais.
Também são os colegas promotores/procuradores naturais
que detêm, prioritariamente, o contato (direto, telefônico, eletrônico) e os
relacionamentos com os envolvidos no conflito, controvérsia ou proble-
ma, não podendo os órgãos especializados de autocomposição do MP
trabalhar com eficiência sem a obtenção rápida e fidedigna das infor-
mações e dados fundamentais para o conhecimento do contexto e dos
detalhes que permeiam a autocomposição.
Por fim, verificamos no âmbito interno que a inclusão dos pro-
motores/procuradores naturais tem produzido nas suas biologias hor-
mônios e neurotransmissores de bem-estar, já citados, motivando-os
a retornarem aos Centros Especializados com outros casos concretos

126
CORREGEDORIA NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Guia de Mediação e Conciliação

para serem solucionados por autocomposição, também sendo comum


de os próprios colegas passarem a adotar as mesmas estratégias de re-
solução de problemas por autocomposição no seu cotidiano de trabalho.
Em síntese, capacitações e encontros são necessários, mas
nada tem superado a prática dos métodos, porque esse tipo de encami-
nhamento pedagógico oportuniza ao colega vivenciar pensamentos,
emoções e sentimentos reais, criando memórias emocionais altamente
eficientes para a fixação de conteúdos e para a criação de expertise.

13.4. TRABALHAR OS MÉTODOS AUTOCOMPOSITIVOS


COMO TÉCNICA, E NÃO COMO PROCEDIMENTO FORMAL
Outro alerta significativo é o fato de que não existe vedação
para que, mesmo não tendo sido instituído um procedimento de mediação
ou de conciliação sob o ponto de vista formal, possam os colegas
profissionais do Ministério Público adotar as técnicas de mediação/
conciliação tratadas neste guia, pois elas são extremamente úteis para
resolver problemas no âmbito profissional, assim como nos espaços
privados e particulares.

*ADR: resolução alternativa de disputa

127
CORREGEDORIA NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Guia de Mediação e Conciliação

Esse alerta é importante, porque vigoram, no espaço da


autocomposição, os paradigmas da informalidade e da resolutividade
para a solução de problemas, não havendo quaisquer vedações a que
as técnicas aqui declinadas possam ser utilizadas por qualquer pessoa,
esteja ela em ambiente formal ou não de autocomposição.

13.5. MONITORAMENTO, CUMPRIMENTO, ÍNDICES DE


RESOLUTIVIDADE SOCIAL, ESTATÍSTICA DE DADOS
Por fim, é importante que os sistemas de mediação/concilia-
ção existentes no âmbito do Ministério Público tenham mecanismos de
monitoramento a respeito do cumprimento dos pactos, o que facilmente
é possível de ser organizado com o agendamento dos prazos estipula-
dos nos acordos, objetivando com isso que seja mantido contato perma-
nente entre os serviços de mediação/conciliação do Ministério Público e
os colegas que participaram da autocomposição.

128
CORREGEDORIA NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Guia de Mediação e Conciliação

14. A POSSIBILIDADE MEDIADORA


NAS INSTÂNCIAS INTERNAS - A
PRÁTICA NA CORREGEDORIA-GERAL
DO MINISTÉRIO PÚBLICO – CASE
Revisitando, a partir da Carta de Brasília, a intervenção das
Corregedorias do Ministério Público para a concretização da sustentabi-
lidade institucional, destacamos o uso das técnicas até aqui exploradas
para a proposição da solução dos conflitos entre membros do Ministério
Público, que se desenham a partir das dificuldades de relacionamentos,
da divisão de espaços, da compreensão de atribuições, da equalização de
equipes, entre outras inerentes à comunidade que surge em cada unida-
de ministerial, com diversificados sentimentos, necessidades e emoções.
É sim possível que, não obstante toda a compreensão da ne-
cessidade de avançar na resolutividade dos problemas e/ou conflitos
externos, com agentes ministeriais capacitados à mediação/conciliação,
tenhamos situações internas em que podem e devem ser agregadas as
técnicas até agora visitadas para o ambiente interno, onde os interesses
por vezes se opõem.
Como exemplo do possível, aqui citamos o Provimento nº
01/2021-CGMP/MPRS, editado no Rio Grande do Sul, instituindo am-
biente de mediação e conciliação que acolhem situações internas e per-
mitem que a escuta empática e inclusiva facilite a consensualidade para
a autocomposição.
O Provimento referido instituiu o Programa de Autocomposição
Preventiva e Resolutiva da Corregedoria-Geral do Ministério Público, com
a sigla COMPOR, destinado a atender, por meio de metodologias de auto-
composição, as demandas que envolvam conflitos entre os membros do
Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul, decorrentes da defini-
ção ou interpretação de atribuições dos cargos, do desgaste das relações
pessoais, entre outros, e que gerem, ou não, a instauração de procedimento
correcional, de caráter disciplinar ou meramente administrativo.

129
CORREGEDORIA NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Guia de Mediação e Conciliação

14.1. PASSOS PARA A MEDIAÇÃO (SEM CARÁTER


DISCIPLINAR), CONFORME PREVISTO NO PROVIMENTO
a) recebimento da notícia, formal ou informal, pelo Grupo de
Atuação Temática em Autocomposição;
b) pré-mediação - contato do mediador com os(as) envol-
vidos(as), para esclarecimento da metodologia e convite
para voluntária adesão;
c) realização da mediação, conduzida por mediador formado
e integrante dos quadros da Corregedoria-Geral (Promo-
tor-Corregedor), com a utilização das técnicas medotoló-
gicas antes abordadas.
d) encaminhamento dos resultados obtidos na intervenção
autocompositiva ao Promotor-Corregedor da região admi-
nistrativa

Exemplo concreto dessa possibilidade de atuação verifica-se


na hipótese de conflito que se estabelece em função da utilização de
espaços físicos (gabinetes, sala de reuniões, de atendimento) em uma
determinada unidade, quando o diálogo interno não mais se faz possível
sem a contribuição do mediador formado e com atuação na Correge-
doria, estabelecendo o diálogo preliminar com os envolvidos (por vezes
equipes de uma determinada promotoria), o que caracteriza a pré-me-
diação, apresentando a metodologia e colhendo a voluntariedade, com o
posterior encontro de mediação.

14.2. PASSOS PARA A MEDIAÇÃO (COM CUNHO


DISCIPLINAR), CONFORME PREVISTO NO PROVIMENTO
a) Promotor-Corregedor, a quem é distribuída a reclamação
disciplinar, com a concordância do Corregedor-Geral, enca-
minha ao Grupo de Atuação Temática em Autocomposição;
b) pré-mediação - contato do mediador com os(as) envol-

130
CORREGEDORIA NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Guia de Mediação e Conciliação

vidos(as), para esclarecimento da metodologia e convite


para voluntária adesão;
c) realização da mediação, conduzida por mediador formado
e integrante dos quadros da Corregedoria-Geral (Promo-
tor-Corregedor), com a utilização das técnicas medotoló-
gicas antes abordadas;
d) encaminhamento dos resultados obtidos na intervenção
autocompositiva ao Promotor-Corregedor da região ad-
ministrativa e ao Promotor-Corregedor responsável pelo
procedimento disciplinar.

Exemplo concreto dessa possibilidade de atuação verifica-se


na hipótese de conflito que se estabelece em função de divergências
postas em opiniões lançadas em mídia social (rede social ou corpora-
tiva), invadindo espaço de subjetivismo de colegas em relação a temas
controvertidos, gerando sentimento de desrespeito a opiniões diversas,
o que pode gerar reclamação formal para a Corregedoria-Geral.
Enfim, todas as fases da mediação, a avaliação das lingua-
gens e o uso das técnicas são de possível aplicabilidade no âmbito in-
terno do Ministério Público, tanto em relação aos chamados membros
como aos servidores, caracterizando-se como política institucional, com
gerenciamento dos órgãos superiores, como aqui se relatou ocorrer na
Corregedoria-Geral do Ministério Público do Rio Grande do Sul.

131
CORREGEDORIA NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Guia de Mediação e Conciliação

15. MENSAGEM FINAL


O mundo da mediação/conciliação é ilimitado.
Na forma vista, envolve questões humanas muito profundas
que vão desde o DNA até aspectos de educação, traumas, vieses e co-
municação.
Por isso, não é fácil compilar em um guia, que deve ser sucin-
to, objetivo e útil, conteúdos que possam atender às expectativas dos
profissionais do Ministério Público.
Todavia, pensamos ter discorrido sobre algumas das técni-
cas mais utilizadas em mediações/conciliações, assim como fizemos
algumas opções didático-metodológicas que têm o condão de oferecer
a visualização de uma sistemática de mediação/conciliação suficiente-
mente prática e que possa ser implementada nos ambientes de trabalho
da nossa Instituição.
Como todo trabalho autocompositivo que tem a pretensão
de perdurar e servir à sociedade, o presente guia também deverá pas-
sar pela crítica construtiva dos colegas do Ministério Público, receber as
avaliações necessárias, a fim de que, no futuro, possa ser aprimorado.
Por fim, esperamos que, após a leitura deste modesto traba-
lho, nós possamos estar mais próximos, conectados pelos postulados
da cooperação, do interesse público e da relevância social, de modo que
os diálogos inter e intrainstitucionais possam ser mais informais, plenos
de confiança, de união e de paz.
Esperamos, também, que os comentários aqui declinados
possam ser úteis e tragam motivação para que continuemos a nossa ca-
minhada de pacificação e de resolutividade social em um País com tanta
desigualdade, vulnerabilidade estrutural e carências de toda ordem.
Felicidades!

132
CORREGEDORIA NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Guia de Mediação e Conciliação

133
SÉRIE:
GUIAS DE ATUAÇÃO RESOLUTIVA

Você também pode gostar