Lit. e Silencio - Textos

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1.

«Quando a gente ouve o Sinatra a cantar, o que o torna ainda mais extraordinário é o
silêncio. Como aquele homem gere as pausas! Outro dia estava a ouvir (tanto quanto
consigo ouvir) os “Impromptus” de Schubert, pelo (Alfred) Brendel, salvo erro. Aquilo
está cheio de silêncio, meu Deus! Se calhar toda a arte devia tender para o silêncio.
Quanto mais silêncio houver num livro, melhor ele é. Porque nos permite escrever o
livro melhor, como leitor. (...) Isto às vezes é tremendo porque a gente quer exprimir
sentimentos em relação a pessoas e as palavras são gastas e poucas. E depois aquilo que
a gente sente é tão mais forte que as palavras... Dizem que o Pushkin, quando usa a
palavra “carne”, a gente sente-lhe o gosto na boca. A palavra carne é sempre a mesma,
depende das palavras que se põem antes e das palavras que se põem depois. Para que as
pessoas sintam o gosto na boca eu tenho que trabalhar como um cão, até encontrar as
palavras exactas antes e depois. Mas quando eu estava a corrigir o livro senti que ele
estava cheio de silêncio. E estava contente com isso. Se trabalhar muito no osso,
despindo da gordura – adjectivos, advérbios de modo, preposições – acabo por chegar
lá» (in Público, 9.11.2004).

2.

Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,


e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.

Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada.


Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro!
Era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.

Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes.


E eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado

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todas as coisas eram possíveis.

Mas isso era no tempo dos segredos,


no tempo em que o teu corpo era um aquário,
no tempo em que os meus olhos
eram realmente peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco, mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.

Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor,
já se não passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.

Não temos já nada para dar.


Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.

Adeus.

Eugénio de Andrade, Os Amantes sem dinheiro

3.

1. Provérbios descritivos

- A palavra é tempo, o silêncio eternidade.


- São precisas razões para falar, mas não para calar.
- A melhor palavra é a que está por dizer.
- Um silêncio vale mais do que mil palavras.
- Bem fala quem bem cala.
- Boca calada diz tudo.
- De calar ninguém se arrepende e de falar sempre.
- A palavra é de prata e o silêncio é de ouro.
- Perde-se mais por falar do que por estar calado.

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- A maior virtude dos que falam é calar o que não devem dizer.
- Da palavra que soltas és escravo, a que reténs é escrava tua.
- Quem muito fala pouco acerta.
- Mais se arrepende quem fala do que quem cala.

2. Provérbios normativos

- Não digas o que sabes sem saberes o que dizes.


- Ouve muito e fala pouco.
- Antes bem calar que mal falar.
- Fala pouco e bem, serás alguém.
- Prende a língua, se não queres que ela te prenda.
- Sê o primeiro a ouvir e o último a falar.

4.
La violación del silencio, por parte de un sonido, es mecánica y fisiológica (como
condición de la percepción); en cambio la violación del callar, por parte de una palabra,
es personal y dotada de sentido: es otro mundo diferente. En el silencio algo suena (o
algo no suena), en el callar nadie habla (o alguien no habla). Callar es posible solamente
en el mundo humano (y sólo para el hombre). Naturalmente, tanto el silencio como el
callar son siempre relativos. Las condiciones de la percepción del sonido, las
condiciones del entendimiento-reconocimiento del signo, las condiciones del
entendimiento productor de sentido de la palabra.

Augusto Ponzio, «El silencio y el callar. Entre signos y no signos», in El juego del
comunicar. Entre literatura y filosofía, Valencia, Ediciones Episteme, 1995, p. 35.

5.
O silêncio não é a ausência de som, um mundo sem estremecimentos, parado, onde nada
se fizesse ouvir. O grau zero do som, se puder ser experimentalmente produzido num
programa de privação sensorial, não existe na natureza. Qualquer meio ressoa com
manifestações sonoras características, mesmo que sejam, por vezes, espaçadas, ténues,
longínquas. As extensões desérticas ou as altas montanhas não são completamente
mudas, menos ainda as florestas, os pátios dos mosteiros também têm o ruído dos

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pássaros, do sino da igreja ou, às vezes, cantos litúrgicos que saem da igreja. Os
movimentos do homem no espaço são acompanhados de um traço sonoro, o dos seus
passos, dos seus gestos, da sua respiração; a sua imobilidade não anula a respiração ou
os ruídos do corpo.

David Le Breton, Do Silêncio, Lisboa, Instituto Piaget, 1999, p.23.

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