Simulado 8° Ano
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AO LADO DA GENTE
Não é nada disso, a gente percebe que não é nada disso, quando a moça ao lado da gente no ônibus
começa a chorar.
A gente sabe aqueles negócios todos, de fraternidade, da necessidade de carinho, da selvageria das
grandes cidades. A gente sabe que se uma pessoa precisa de ajuda a gente vai e ajuda. Mas de repente a moça
do lado começa a chorar e aí?
Primeiro pensei, ou quis pensar, que ela fungasse. Depois não deu mais jeito, tive que perceber que
soluçava mesmo. E por fim, olhei. Chorava sentido, irrefreável, de olhos inchados. Mas como, em tão pouco
tempo? Ou será que já tinha chorado em casa antes e agora continuava ao meu lado aquele pranto doméstico?
Soluçava sacudindo a cabeça e de vez em quando limpava o nariz na manga.
O que é que a gente faz ao lado de uma pessoa que chora? Pergunta se precisa de alguma coisa, se dá
pra ajudar. Estica a mão, faz um afago na mão da pessoa. Bom, então o que eu tenho que fazer primeiro é
perguntar, moça, a senhora precisa de alguma coisa?
E se ela responder atravessado, ou não me responder, ou se responder sim, que precisa, e me contar a
história toda, o drama, a mim que certamente não vou poder resolvê-lo na curta viagem do ônibus para a
cidade?
Melhor não perguntar nada. Se ela quiser, se ela precisar, ela fala. Viu quando olhei, não fez cara
nenhuma de quem queria falar. Vai ver, não quer que eu me meta. Quer chorar em paz. Todo mundo no ônibus
já viu e ninguém perguntou nada. A pessoa tem o direito de chorar em paz, onde quiser. É isso, a gente tem que
respeitar o sofrimento dos outros.
Então o jeito é voltar para o meu livro, para ela entender que não vou atrapalhar a tristeza dela. Mas
como que a gente lê com uma pessoa infeliz do lado? Infeliz de unhas roxas. Reparei quando olhei para ela,
que usava esmalte escuro, cor-de-uva. E com a ponta dos dedos de vampiro limpa as pestanas maquiladas.
Olho de novo disfarçado, procurando em mim a coragem de falar, nela a razão do choro.
Nem parece. Está toda direitinha, arrumada, de pulseira. E tem momentos que para, fica só fungando
como se afinal tivesse entendido que não vale a pena sofrer tanto. Mas é só um pouco, logo recomeça,
sacudida, soluçando alto, a dor redobrada na entrega.
Eu preciso falar com ela. Preciso ser humana com essa moça. Mas porque sou humana tenho tanto
medo dela que não consigo nem chegar perto. Não consigo abrir a boca e dizer, moça.
Então olho pela janela para ela não pensar que estou ali só de curiosidade, curtindo o sofrimento
dela. Mas como posso olhar as vitrinas que passam na calçada quando alguém ao meu lado se lamenta de
forma tão evidente?
Está sem meias mas maquilou as pernas. Eu sei que maquilou para fingir de meias porque a pele está
fosca e sem desigualdades, pele de nylon. Então quando saiu de casa não estava tão infeliz assim, ou estava
mas tentou disfarçar a tristeza melhorando as pernas, e depois no ônibus as pernas dobradas já não adiantaram
nada e pronto lá foi ela de novo chorando alto e com vergonha porque todos no ônibus percebem. Foi por isso
também que botou o vestido de mangas embabadadas, para se enfeitar, não para limpar o nariz como está
fazendo agora. Achou que não ia precisar de lenço. Achou que já estava boa. E agora o nariz escorre na frente
de todo mundo, os olhos escorrem, ela toda se escorre nesse choro, sem que sequer a vizinha do lado lhe
pergunte o que foi.
COLASANTI, Marina. A casa das palavras. São Paulo: Ática, 2001.
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01. É CORRETO afirmar que o texto
A) Avalia criticamente um assunto polêmico, apresentando opiniões.
B) Recupera fatos e impressões experimentados pela narradora.
C) Comenta subjetivamente um acontecimento relevante da atualidade.
D) Descreve objetivamente as descobertas de uma experiência de deslocamento.
04. O termo destacado em “E se ela responder atravessado, ou não responder” pode ser substituído, sem causar
alteração de sentido, por
A) Gentilmente.
B) Pontualmente.
C) Grosseiramente.
D) Sutilmente.
GABARITO: B D A C