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LINGUÍSTICA

Unidade II
FONÉTICA/FONOLOGIA E MORFOLOGIA

Nesta unidade serão abordadas a fonética/fonologia e a morfologia. As duas primeiras tratam das
unidades não significativas, e a outra, das unidades significativas mínimas da língua. O que têm em
comum é o fato de tratarem de particularidades dos sistemas linguísticos.

O interesse em investigar o que há de individual e particular nas línguas começou a partir dos
séculos XV e XVI. Assim, disciplinas como a fonética, a fonologia e a morfologia emergiram da urgência
de encontrar sistematicidade nos aspectos físicos da linguagem (WEEDWOOD, 2002).

Além de conceituar a área de atuação da fonologia e a da morfologia, esta unidade aborda também
a influência que uma exerce sobre a outra na organização do sistema linguístico e de que modo essas
disciplinas podem contribuir com o processo de ensino‑aprendizagem de línguas materna e estrangeira.

5 FONÉTICA E FONOLOGIA

Iniciemos tratando de questões relacionadas à fonética, cuja tarefa principal é a de descrever os


sons da fala humana, ou seja, os sons como elementos físico‑articulatórios isolados, analisando suas
particularidades dos pontos de vista articulatório, acústico e perceptivo.

Entende‑se por fonética articulatória a descrição da maneira como os sons se produzem no aparelho
fonador. Já à fonética acústica cabe verificar como os sons se propagam através do ar. A maneira como
esses sons são percebidos pelo ouvinte é tarefa da fonética auditiva.

Portanto, a área que se denomina fonética é basicamente descritiva e tem por base a produção, a
percepção e a transmissão dos sons da fala. Ao se efetuar uma transcrição fonética de um segmento da
fala, deve‑se fazê‑lo representando‑a dentro de colchetes [ ], enquanto a transcrição fonológica deve
ser realizada dentro de barras simples inclinadas / /.

A linguagem humana diferencia‑se das outras (a dos animais, por exemplo) pelo fato de poder
ser segmentada em unidades menores, as quais têm um número finito em cada língua, mas podem
recombinar‑se para expressar significados diferentes. O contínuo sonoro é expresso em segmentos
linearmente dispostos, e essa disposição pode ser alterada, ocasionando mudança de significado. Por
exemplo, em “bato” e “pato”, houve alteração de um fonema; já em “amor” e “Roma”, os mesmos fonemas
foram dispostos diferentemente, mudando assim as palavras.

Os sons utilizados na fala humana são produzidos e emitidos em partes do corpo humano que
compõem o aparelho fonador. Veja a figura que segue.
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Unidade II

Observe todos os componentes desse aparelho fonador:

Figura 3 – Partes do aparelho fonador

Veja as cordas vocais, as quais têm grande importância na produção dos sons na linguagem humana:

Figura 4 – Cordas vocais e alguns de seus posicionamentos para a produção dos sons

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LINGUÍSTICA

Podemos observar uma classificação dos sons de acordo com a abertura e/ou o fechamento das
cordas vocais.

A primeira distinção que se faz dos sons produzidos e que se utilizam nas línguas é a
classificação em vocálicos e consonantais. Os primeiros correspondem àqueles que têm livre
passagem de ar, ao passo que os consonantais, quando articulados, encontram obstrução do ar
de alguma maneira.

5.1 Consoantes do português

As consoantes do português podem ser classificadas por critérios articulatórios que incluem:

• modo de articulação;

• ponto de articulação;

• sonoridade (voz).

O modo de articulação diz respeito à maneira como a corrente de ar, proveniente dos
pulmões, supera obstáculos formados pelos articuladores e é liberada. Assim, por exemplo,
uma consoante oclusiva é produzida por uma obstrução total à passagem da corrente de ar,
que é liberada com uma plosão, como no caso do /p/, em cuja produção os lábios obstruem
totalmente a corrente de ar e, em seguida, abrem‑se para emitir um som chamado de plosivo
ou oclusivo.

O ponto (ou zona) de articulação refere‑se ao local em que ocorre a obstrução ou o


estreitamento entre os articuladores e à voz quanto ao papel exercido pelas pregas vocais. No
caso, a consoante /p/ é um som labial (ou bilabial), uma vez que sua produção envolve o lábio
superior e o inferior.

A sonoridade diz respeito ao vozeamento. Isso significa que, quando as pregas vocais vibram, a
consoante é descrita como sonora, caso contrário é surda. O sistema consonantal do português apresenta
uma série de pares cuja marca é a sonoridade. São eles: [p] e [b]; [t] e [d]; [k] e [g]; [f] e [v]; [š] e [ž];
[š] e [ž]. As consoantes em destaque são aquelas produzidas sem vibração das pregas vocais, isto é, são
consoantes surdas.

Uma vez que o inventário de sons de uma língua serve para distinguir significados, a presença ou a
ausência de determinado fonema, por exemplo, uma consoante, implica mudança de significação. Por
exemplo, a oposição [t] e [d] serve para distinguir palavras em português como tia/dia, cata/cada etc.
Já a presença ou a ausência de um fonema como [s] exprime em português a noção morfológica de
singular e plural (LEITE e CALLOU, 1990, p. 73).

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Unidade II

Mattoso Câmara Jr. fez uma descrição detalhada do sistema fonológico do português.

Joaquim Mattoso Câmara Júnior nasceu em 13 de abril de 1904 e faleceu em 04


de fevereiro de 1970 no Rio de Janeiro. No Brasil, foi considerado um dos pioneiros
para a composição da bibliografia básica de estudos linguísticos. Lecionou linguística
e latim na antiga Universidade do Distrito Federal, assim como trabalhou em outras
instituições particulares. Ao se aperfeiçoar no exterior, em 1943, desenvolveu pesquisas
que ampliaram seu conhecimento na área, via pela qual pôde ter contato com outras
línguas e com outros linguistas ilustres, como Jakobson. No Brasil, contribuiu tanto
com o ensino quanto com a pesquisa, tendo participado da implementação do curso
de mestrado pelo setor linguístico da divisão de Antropologia do Museu Nacional
do Rio de Janeiro. Nessa mesma instituição, atuou como coordenador e professor
do curso Introdução às Línguas Indígenas Brasileiras. Em 1967, foi escolhido para
ser membro do Comitê Internacional Permanente de Linguistas, o que lhe rendeu o
reconhecimento internacional, sendo o único membro latino‑americano.

Fonte: Ferreira (2010).

A produção dos sons de uma língua pode ser influenciada por aspectos sociolinguísticos. O português
do Brasil não foge à regra. Assim, a partir do mapeamento dos fonemas que formam o sistema fonológico
de nossa língua, podemos identificar suas variações. Para ilustrar o fato, Leite e Callou (2000, p. 71‑2)
citam um estudo realizado por Callou e Marques sobre o [s] em uma variação do português usada pelos
cariocas.

Esse estudo explicou que a realização da consoante está sujeita a uma regra de assimilação, o que
significa que assimila a característica do som seguinte e, em consequência, realiza‑se como sonora
diante de outra sonora (consoante ou vogal) e como surda diante de outra consoante surda.

Veja o quadro das consoantes em português:

Quadro 4 – Consoantes do português

Papel das cavidades bucal e nasal


Papel das Constritivas
cordas Oclusivas Nasais
vocais Fricativas Laterais Vibrantes
Surdas Sonoras Surdas Sonoras Sonoras Sonoras Sonoras
Bilabiais p b m
Labiodentais f v
Dentais t d n
Alveolares s z l ɾr
Palatais ʃ ʒ ‫ג‬ ŋ
Velares K g

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LINGUÍSTICA

Conforme o modo de articulação, os sons consonantais podem ser, segundo Cagliari e Cagliari (apud
MUSSALIM e BENTES, 2001, p. 122‑3):

• oclusivos: são sons produzidos com um bloqueio completo à corrente


de ar em algum ponto do aparelho fonador, desde a glote até os lábios
(ex.: as consoantes destacadas em pato; gado);

• nasais: são sons produzidos com um bloqueio à corrente de ar na


cavidade oral e abaixamento do véu palatino, permitindo a saída da
corrente de ar pelas narinas (ex.: anjo; sonho);

• fricativos: são sons produzidos com um estreitamento em qualquer


parte do aparelho fonador (da glote até os lábios), e o ar, ao passar por
essa parte, produz fricção (ex.: faca; vaca; jeca);

• africados: são os sons que apresentam um bloqueio completo à


corrente de ar dentro da cavidade oral, em sua parte inicial, e uma
obstrução que produz fricção, durante a parte final de sua articulação
(ex.: tia, dia, no dialeto carioca) [...];

• laterais: são sons que bloqueiam a passagem central da corrente de ar na


parte anterior da cavidade oral, permitindo um escape lateral (ex.: vela;
velha). No caso da lateral palatal, a corrente de ar passa por trás dos últimos
molares, saindo por entre a parte externa dos dentes e a bochecha;

• vibrantes: [...] por vibrantes, entendem‑se os sons produzidos por


batidas rápidas da ponta da língua ou do véu palatino, em geral, em
três ou quatro. Esse tipo de consoante também é chamado de vibrante
múltipla, na tradição fonética portuguesa. Quando ocorre apenas
uma batida rápida da parte superior da ponta da língua contra os
dentes ou alvéolos dos dentes incisivos superiores, o som tem o nome
de tepe (ou vibrante simples ‑ na tradição fonética portuguesa) [...]
Se a batida rápida for feita com a parte de baixo da ponta da língua
contra os alvéolos dos dentes incisivos superiores, o som tem o nome
de flepe;

• retroflexos: são sons produzidos com uma obstrução à corrente de ar


produzida pelo encurvamento da ponta da língua para cima e para
trás. Sons oclusivos, fricativos, laterais e até vogais podem receber a
retroflexão como uma articulação secundária [...];

• aproximantes: são sons não oclusivos, que não se articulam dentro


da área vocálica, mas que não apresentam fricção, graças ao fato
de a constrição ser menor [...] do que o necessário para causar
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Unidade II

turbulência à passagem do ar fonatório e consequente produção


de fricção.

Quanto aos pontos de articulação, as consoantes podem classificar‑se


conforme segue:

• labial ou bilabial: som produzido pela aproximação dos lábios, como


/b/, /p/, /m/ em “bobo”; “papo”; “mala”;

• labiodental: som produzido pelo contato entre o lábio inferior e os


dentes superiores, como /f/ /v/ em “farofa” e “vaivém”;

• dental: som produzido pelo contato da ponta da língua e dos


dentes incisivos superiores e inferiores, ou da ponta da língua
contra a parte posterior dos dentes incisivos superiores, como /t/,
/d/ em “titia” e “dia”

• alveolar: som produzido pelo contato da ponta da língua com os


alvéolos dos dentes incisivos superiores, como /s/ e /z/ em “caça” e
“casa”;

• alveolopalatal: sons produzidos na região anterior à região em que se


articulam os sons palatais, como /ʃ/ e /ʒ/ em “chave” e “jeito”;

• palatal: som produzido pelo contato da parte central da língua com a


parte final do palato duro, como /ŋ/ em “banho”;

• velar: som produzido pelo contato do dorso da língua com o palato


mole, como /k/ /g/ em “carta” e “gata”;

• glotal: som produzido pela articulação das cordas vocais, como /r/ em
“rata” na pronúncia típica de Belo Horizonte (CAGLIARI e CAGLIARI
apud MUSSALIM e BENTES, 2001, p. 122‑3).

Veja os sons consonantais no alfabeto internacional:

Figura 5 – Sons consonantais (alfabeto internacional)

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LINGUÍSTICA

5.2 Sons vocálicos

Além das consoantes, temos as vogais, que correspondem aos sons que têm livre passagem pela
cavidade oral, não produzindo nenhuma fricção, sempre pronunciadas com a ponta da língua abaixada
e a superfície em forma convexa. Veja a figura a seguir:

Figura 6 ‑ Triângulo de Hellwag

Observação

Enquanto as consoantes podem ser surdas (ou desvozeadas) ou sonoras


(vozeadas), as vogais são sempre sonoras (vozeadas).

O alfabeto internacional é utilizado para a transcrição fonética, principalmente em dicionários.


Quando consultamos uma palavra em outro idioma, há sempre a transcrição ao lado da palavra para que
possamos identificar a pronúncia. Daí a importância desse alfabeto difundido pela IPA (International
Phonetics Association – Associação Internacional de Fonética).

Figura 7 – Alfabeto fonético

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Além da fonética articulatória, há também a acústica, em que os sons da fala são gravados e
estudados por meio de equipamentos de análise acústica. Tal procedimento tem sido utilizado em áreas
como a de perícia efetuada pela polícia em situações de inquérito criminal, ou mesmo como sistema de
segurança pelo qual há reconhecimento de voz.

Dentre as maneiras de analisar os elementos físicos da acústica dos sons da fala, destaca‑se a análise
realizada por meio de espectrogramas, como podemos observar na figura a seguir.

Figura 8 – Exemplo de imagem de espectrograma

A fonologia estuda e descreve o plano sonoro dos sistemas linguísticos. Embora se sirva dos
conhecimentos advindos da fonética (e vice‑versa), a fonologia diferencia‑se da fonética em vários
aspectos, por exemplo, pelo uso de métodos diferentes de investigação. Enquanto a fonética emprega
métodos das ciências naturais, a fonologia serve‑se de métodos provenientes da linguística, das
humanidades e das ciências sociais (MORI, 2001, p. 149).

Veja a seguir algumas das principais distinções entre as duas disciplinas, que são tratadas por muitos
autores como interdisciplinares:

Quadro 5 – Distinções entre fonética e fonologia

Fonética Fonologia

Estuda o significante na fala. Estuda o significado na língua.

Estuda os sons da fala independentemente da Estuda as diferenças fônicas correlacionadas com as


função que eles desempenham em dada língua. diferenças de significado em uma língua específica.

Sua unidade básica de estudo são os fones, Sua unidade de estudo são os fonemas,
transcritos entre colchetes: [p], [t], [k] etc. representados entre barras inclinadas: /p/, /t/, /k/ etc.

Fonte: Mori (2001, p. 149).

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LINGUÍSTICA

A Escola de Praga distinguiu as análises fonética e fonológica dos sons.

Observação

Escola de Praga é o nome dado às teorias e aos métodos do Círculo


Linguístico de Praga e de seus estudiosos. O círculo foi fundado em
1926 por Vilém Mathesius, professor de inglês na Universidade da
Carolina.

A Escola de Praga teve influência profunda sobre os estudos linguísticos


de inspiração saussuriana. Linguistas como Roman Jakobson e Nicolai
Trubetskoy participaram do círculo (CRYSTAL, 1985).

A fonologia ocupa‑se do inventário de sons característico de determinado sistema linguístico. Em


toda língua há um número determinado de unidades fônicas cuja função é diferenciar o significado de
palavras.

Em português, se na mesma sequência um dos fonemas for substituído, haverá um novo signo.
Assim, se o fonema /z/ for trocado pelo fonema /s/, obteremos a palavra “caça”, e não “casa”.

Como pudemos ver, os sons têm uma função distintiva, e estes variam também conforme a língua,
pelo fato de a articulação dos fonemas variar de uma para outra.

Enquanto o inglês conta com onze vogais, o português tem apenas sete. No caso do espanhol, o
número de vogais cai para apenas cinco. Portanto, existem diferenças fônicas em uma língua que não
fazem parte do inventário de sons de outra, o que gera dificuldades para os alunos que aprendem um
idioma estrangeiro.

Um caso bem conhecido de dificuldade de percepção e produção para alunos brasileiros de inglês
refere‑se à pronúncia do som de [i] em inglês.

Do ponto de vista articulatório, as vogais /i:/ e /I/ do inglês são produzidas com a parte da
frente da língua alta, próxima e à frente do palato duro e com a mandíbula relativamente fechada
(CELCE‑MURCIA et al., 1996). Embora haja semelhança em relação à produção, o que diferencia
uma vogal da outra é que enquanto /i:/ é articulado com maior tensão dos músculos, com os
lábios esticados em uma posição de sorriso, seu contraponto, /I/, é articulado com os músculos
relaxados, a mandíbula um pouco mais baixa, os lábios não tão esticados e a língua em uma
posição mais central na cavidade bucal. Essa diferença articulatória é responsável por produzir um
[i] descrito como “longo” /i:/ e outro como “curto” /I/.

Os exemplos aqui apresentados servem para ilustrar a área de atuação dos estudos de base fonológica.
A seguir serão abordadas as unidades de estudo da fonologia.

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Unidade II

5.3 Fonemas e alofones

A definição de fonema depende, em parte, do quadro teórico defendido. Em conformidade com


a teoria fonêmica americana clássica, fonema pode ser definido como a menor unidade fonológica
da língua. Já os teóricos da Escola de Praga consideram os fonemas como feixes de traços distintivos
simultâneos (LYONS, 1982, p. 66).

Para ilustrar o conceito de traços distintivos, tomemos como exemplo as consoantes /p/ e /b/ do
português. Quanto ao modo de articulação, são ambos sons oclusivos, isto é, produzidos por uma
obstrução total à passagem da corrente de ar pela cavidade oral. Em relação ao ponto de articulação,
são classificados como labiais, pois sua produção envolve o lábio inferior e o superior. O traço que
distingue um do outro é o fato de /p/ ser um som surdo (produzido sem vibração das pregas vocais), e
/b/, um som sonoro (produzido com vibração das pregas vocais).

Em língua portuguesa há 26 fonemas segmentais, sendo 19 consoantes e 7 vogais, considerando‑se,


ainda, que há um fonema suprassegmental, o acento, que não diz respeito a um segmento, mas a uma
qualidade que se superpõe a certos segmentos (LEITE e CALLOU, 2000, p. 42).

Uma outra curiosidade que envolve o sistema fonológico das línguas é que, em uma comunidade
linguística, um determinado fonema pode ser produzido de forma variada, como estudado na Unidade
I. Os vários sons que realizam o mesmo fonema são denominados variantes.

Um exemplo típico sobre variações estudadas pela Fonologia e que ocorrem na língua portuguesa
é o caso do fonema /t/, descrito normalmente como uma consoante produzida em posição alveolar
(ou seja, o ponto de articulação corresponde à área próxima à raiz dos dentes superiores da frente). No
entanto, a variedade do /t/ usada no Rio de Janeiro corresponde a um modo diferente de articular a
referida consoante. O /t/ produzido pelos cariocas é classificado como uma consoante africada, em que
a língua eleva‑se em direção ao palato e cujo som pode ser simbolizado como /t ʃ/.

Pesquisas demonstram ainda que essa variação ocorre quando a consoante [t] aparece diante da
vogal [i], portanto, está condicionada também pelos sons circunvizinhos, isto é, pelo ambiente fonético
(LEITE e CALLOU, 1990, p. 56).

Observação

Em relação ao modo de articulação, uma consoante é caracterizada


como africada quando a oclusão (obstrução) formada pelos articuladores
é liberada parcialmente, isto é, há oclusão total seguida de oclusão parcial
(LEITE e CALLOU, 1990).

Quando um mesmo fonema é realizado de forma variada, como no caso do /t/ produzido por quem
vive em São Paulo ou por um indivíduo que mora no Rio Grande do Sul, temos então um alofone, isto
é, uma variante fonética de um mesmo fonema.
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LINGUÍSTICA

O falante adquire as variações sonoras de sua língua em contato com a comunidade linguística.

Lembrete

Comunidade linguística, ou melhor, comunidade de fala define‑se por


grupos de falantes que têm características comuns (BELINE in FIORIN, 2002).

Segundo Mori (2001), a ocorrência de alofones em uma língua é condicionada por fatores como:

• efeitos dos sons vizinhos;


• posição de ocorrência em unidades maiores;
• efeito de elementos prosódicos como acento e tom;
• informação lexical e gramatical.

Entenda a regra de assimilação no exemplo a seguir (BAGNO, 2000, p. 60):

tégula > teg’la > teyla > telha

O exemplo mostra a transformação da palavra do latim ao português, desde o latim vulgar até o
português padrão atual.

Na sequência estudaremos como os fonemas se agrupam para formar as palavras de uma língua.

5.4 A sílaba

Os fonemas de uma língua combinam‑se em unidades maiores, as sílabas, que fazem parte da
estrutura das palavras. A estrutura silábica de uma língua obedece a princípios gramaticais e fonológicos
que também podem variar conforme o sistema linguístico.

Lembrete

A sílaba é o coração das representações fonológicas e constitui a


unidade básica que nos informa acerca de como está organizado o sistema
fonológico de uma língua; ela é uma entidade estritamente fonológica,
não pode ser confundida com uma unidade da gramática ou da semântica
(MORI, 2001).

A forma silábica mais comum nas línguas do mundo é a estrutura conhecida como CVC, ou seja, uma
consoante seguida de uma vogal, seguida, por sua vez, de uma consoante. Esta última pode ocorrer ou
não.
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Unidade II

Na estrutura silábica do português, as vogais formam o “centro” da sílaba, por isso são chamadas
de núcleo da sílaba. As consoantes que precedem a sílaba são conhecidas como ataque (do inglês
onset) e coda, quando ocorrem após o núcleo (MORI, 2001, p. 174).

Tanto no português brasileiro quanto no português de Portugal, as crianças iniciam sua aquisição
da fala produzindo apenas sílabas CV e, em seguida, adquirem a sílaba V em posição de início de palavra
(SANTOS, 2002).

Na língua portuguesa, as consoantes nunca aparecem como núcleo da sílaba. Sempre se


combinam com vogais para formá‑la. Assim, é possível haver uma sílaba formada somente por
uma vogal, mas não é possível haver uma sílaba formada somente por uma consoante. Há, ainda,
alguns fonemas que raramente ocorrem em posição inicial no português, como o caso de /lh/
(LEITE e CALLOU, 1990).

Observação

A combinação dos fonemas na sílaba é conhecida na fonologia como


hierarquia de sonoridade (HOOPER, 1976).

O quadro a seguir apresenta exemplos dos tipos de sílabas que ocorrem em palavras do português.
Observe a obrigatoriedade da presença da vogal, sozinha ou em combinação com consoantes, para
compor o núcleo das sílabas:

Quadro 6 – Exemplos de sílabas encontradas no português

V CVC CV
↓ ↓ ↓
a cor do
CVCC CV CVC
↓ ↓ ↓
pers pi caz
CCV CV CV
↓ ↓ ↓
prá ti co
V CCV CVC
↓ ↓ ↓
a gru par

Os estudos descritivos da língua têm classificado as palavras de acordo com os níveis de descrição.
Como estamos falando do nível fonológico, vejamos como se classificam essas palavras conforme a
emissão de sílabas e a sílaba tônica.

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LINGUÍSTICA

Quanto ao número de sílabas, as palavras são classificadas como:

• monossílabas: apresentam apenas uma vogal (já, lei, não);


• dissílabas: apresentam duas vogais (ca‑da, me‑sa);
• trissílabas: apresentam três vogais (es‑co‑la, a‑cor‑do);
• polissílabas: apresentam quatro ou mais vogais (in‑can‑sá‑vel, a‑mi‑ga‑vel‑men‑te).

Lembrete

Os fonemas /w/ e /y/ constituem semivogais em língua portuguesa,


formando ditongos ou tritongos.

Exemplos: aula [‘awla]; lei [‘ley]; Paraguai [Para’gway].

Separando‑se as sílabas, essas palavras ficariam: au‑la; lei; Pa‑ra‑guai.

As sílabas são também classificadas, segundo a intensidade de voz, como tônicas e átonas. Nem
todas as sílabas tônicas apresentam acento gráfico na escrita (exemplos: comida, particular). As sílabas
átonas que se posicionam antes das tônicas são chamadas de pré‑tônicas.

A posição da sílaba tônica em uma palavra leva‑nos à classificação destas como:

• oxítonas: quando a última sílaba é tônica (Pa‑ra‑ná, sa‑ci);


• paroxítonas: quando a penúltima sílaba é tônica (ca‑be‑ça, pa‑re‑de);
• proparoxítonas: quando a antepenúltima sílaba é tônica (mé‑di‑co, có‑di‑go).

De acordo com Leite e Callou (2000), os estudos referentes ao conjunto de fenômenos dos quais se
derivam tipos de acento denominam‑se prosódia. É o que encontramos quando procuramos esse tipo
de estudo em uma gramática descritiva.

As autoras ainda chamam a atenção para o fato de que o português é uma língua conhecida por ser
de acento de intensidade, o que propicia a diferenciação entre palavras como “sabia”, “sábia” e “sabiá”.
Considera‑se, portanto, o português como uma língua de acento.

Observação

Línguas como o chinês, algumas línguas africanas (ex.: iorubá) e outras


indígenas brasileiras (ex.: piranhã) são tonais, pois são as diferenças de
altura que produzem significados diferentes para as palavras.

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Unidade II

Leite e Callou (2000) chamam a atenção, ainda, para o fato de que tanto foneticistas quanto
fonólogos têm focalizado o estudo do ritmo na fala comum ultimamente. Esse ritmo não deve ser
confundido com velocidade da fala.

5.5 Vogais do português

O sistema vocálico do português do Brasil compreende sete vogais orais. São classificadas assim porque,
em relação à produção, a corrente de ar passa pela cavidade oral. Além destas, há outras cinco vogais
nasais, seguidas de uma consoante nasal [m] ou [n]. A nasalidade das vogais é também marcada pelo sinal
gráfico do til (~) na escrita. As vogais nasais, como o próprio nome sugere, são produzidas com ressonância
nasal, visto que a corrente de ar escapa tanto pela cavidade oral quanto pela nasal.

A figura a seguir ilustra a forma como o sistema vocálico do português se organiza: de forma
triangular, com a vogal [a] na posição mais baixa porque não constitui uma dualidade opositiva, isto é,
não é um traço distintivo para diferenciar significado, assim como as vogais [i] e [u].

No português do Brasil, há sete fonemas vocálicos em sílaba tônica, que se apresentam a seguir:

i, ĩ u, ũ
ɯ

e, ẽ o, õ

ɐ, ~
ɐ
ɔ

ε
a

Figura 9 – Fonemas vocálicos da língua portuguesa

Veja no quadro a seguir a realização desses fonemas:

Quadro 7 ‑ Realização dos fonemas vocálicos da língua portuguesa

Símbolo Exemplo
[i] vi [‘vi]
[e] ipê [i’pe]
[ɛ] pé [‘pɛ]
[a] pá [‘pa]
[ͻ] avó [a’vͻ]
[o] avô [v’vo]
[u] jacu [Ӡa’ku]

Fonte: Silva (2002)

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LINGUÍSTICA

Há muitas palavras, no português brasileiro, nas quais o som da vogal é nasal, por exemplo, em anjo [ã ʒ u].

Em situações de pesquisa nas quais a fala será transcrita, o ideal é que, além da gravação, haja o
vídeo, para que se possam observar inclusive gestos, os quais auxiliam na interpretação da fala.

O linguista que utiliza a gravação da fala como material de pesquisa fará a transcrição fonética do
conteúdo da fala. Esse procedimento deve respeitar os critérios de transcrição, tais como colocar entre
colchetes quando se tratar de palavras e/ou frases, assim como marcar a sílaba tônica. Veja exemplo a seguir:

[sitwa’sãw] = situação

Em contrapartida, note que a vogal [e] em português pode ser produzida como um som
aberto ou fechado, o que serve para distinguir o significado de palavras, como no caso de s[e]
de (= sensação produzida pela necessidade de beber) e s[e]de (= lugar onde fica o principal
estabelecimento de uma empresa, governo etc.).

Do mesmo modo, a vogal [o] pode realizar‑se com um som aberto, como em p[ ]de, no presente do
indicativo, terceira pessoa do singular, e com um som fechado, como em p[o]de, no pretérito perfeito,
terceira pessoa do singular. É interessante lembrar que as vogais [a] e [o] servem para indicar gênero
feminino ou masculino em português.

Portanto, o conhecimento fonológico serve para caracterizar o plano sonoro de um sistema


linguístico, contribuindo com a aprendizagem de aspectos significativos das línguas, juntamente com
os demais aspectos linguísticos.

5.6 Fonologia e ortografia

Há uma relação entre os fonemas de uma língua e os símbolos gráficos que os representam. Contudo,
fatores como as mudanças linguística e extralinguística produzem discrepâncias entre a estrutura fonológica
das línguas e suas ortografias (MORI, 2001). Comparando o sistema fonológico de uma língua e sua escrita, é
possível observar que a relação entre fonema e letra (ou grafema) não é biunívoca, como no caso do fonema
fricativo alveolar sonoro /z/ e sua representação grafêmica no português. Veja o diagrama a seguir:

[z]
zelo

[z]

[s] [x]
base exílio

Figura 10 – O fonema /z/ e sua representação grafêmica na língua portuguesa

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Unidade II

Nota‑se, pois, que a defasagem existente entre a fala e a sua representação gráfica causa
problemas de ortografia na própria língua materna. O fonema [s] é um outro exemplo problemático
do português porque sua grafia pode corresponder a diferentes letras, como ilustrado no diagrama
a seguir:

[c]
cedo
[s] [sc]
saber cresça

[ss] [sc]
passar /S/ crescer

[ç] [x]
peça sintaxe
[xc]
exceto

Figura 11 – O fonema [s] e as várias letras que a ele correspondem

Portanto, o professor pode servir‑se dos conhecimentos fonológicos também para auxiliar
seus alunos a resolver problemas ortográficos em sua língua materna, pois a fonologia ensina
que não se deve confundir fonema (som) com letra (grafia), que é uma representação gráfica do
fonema. Além disso, as palavras podem ou não ter o mesmo número de letras e fonemas. Veja os
exemplos:

Quadro 8 – Alguns exemplos de palavras com


seus respectivos números de letras e fonemas

4 letras cada 4 fonemas /k/ /a/ /d/ /a/

4 letras ilha 3 fonemas /i/ /‫ג‬/ /a/

5 letras anexo 6 fonemas /a/ /n/ /e/ /k/ /s/ /o/

Um outro fato é que, na fala encadeada, muitos fonemas são reduzidos ou até omitidos, caso de
palavras com ditongos, por exemplo, “peixe”, muitas vezes pronunciada sem o /i/: /peʃ/.

Como podemos observar no quadro, há palavras nas quais não existe correspondência entre som e letra.

50
LINGUÍSTICA

Saiba mais
Para saber mais sobre o assunto, você pode consultar as seguintes obras:

FIORIN, J. L. (Org.). Introdução à linguística: objetos teóricos. São Paulo:


Contexto, 2006. v. 1.

PERINI, M. Princípios de linguística descritiva: introdução ao pensamento


gramatical. São Paulo: Parábola, 2006.

SILVA, T. C. Fonética e fonologia do português: roteiro de estudos e guia de


exercícios. 9. ed. São Paulo: Contexto, 2007. Inclui CD de áudio e índice remissivo.

6 MORFOLOGIA

A Morfologia integra as disciplinas que estudam as línguas naturais. Ela é frequentemente definida
como a disciplina que estuda a forma e a estrutura das palavras.

Observação

Antes do Renascimento, a ideia de que uma forma podia ser derivada


de outra ficou praticamente inexplorada. Cada palavra era vista como uma
unidade semântica, e estava fora de questão isolar unidades menores. Nas
gramáticas renascentistas não havia regras de derivação, como as familiares
ao leitor de hoje.

Estudiosos semitas dedicaram muito esforço à sistematização


da morfologia de suas respectivas línguas desde época muito mais
remota e já possuíam o conceito de “raiz” – um núcleo consonantal
invariável com um conteúdo semântico básico estável – pelo século X
(WEEDWOOD, 2002).

Lembrete
“Raiz é a forma de base de uma palavra, que não pode mais ser
decomposta, para não perder sua identidade. Ou seja, é a parte que resta
quando os afixos são retirados.” (CRYSTAL, 1985, p. 218).

51
Unidade II

Na estrutura de uma palavra, encontramos, por exemplo:

Quadro 9 – Exemplo de estrutura de uma palavra

Prefixo + Raiz + Sufixo

in‑ feliz ‑mente

Para o estruturalismo, a morfologia é uma disciplina crucial no tocante a:

• tentar explicar como reconhecemos palavras que nunca ouvimos


antes;

• identificar os morfemas que compõem cada língua falada no mundo


(SANDALO, 2001, p. 184).

Nas décadas de 1960 e 1970, o gerativismo colocou a sentença como ponto central de análise
linguística. A morfologia passou, então, a ser tratada dentro do componente fonológico, por causa de
sua relação com a fonologia (SANDALO, 2001).

Quando se diz que a palavra é a unidade de estudo da morfologia, é preciso estabelecer, antes de
tudo, a definição de palavra, o que não é uma tarefa tão simples.

Muitos linguistas preferem definir as palavras usando critérios sintáticos, os quais parecem funcionar
em qualquer língua do mundo.

De acordo com SANDALO (2001), uma sequência de sons somente poderá ser definida como uma
palavra se:

• puder ser usada como resposta mínima a uma pergunta;

• puder ser usada em várias posições sintáticas (SANDALO, 2001, p. 182).

É o que podemos observar no seguinte exemplo:

“— Você trabalha aqui?”

“— Trabalho.”

Normalmente, a palavra, unidade máxima da morfologia, pode ser entendida como a unidade
mínima que pode ocorrer livremente (SANDALO, 2001, p. 183). No entanto, a palavra é composta por
elementos que são as unidades mínimas da morfologia. Isso é o que veremos em seguida.

52
LINGUÍSTICA

6.1 Morfemas e alomorfes

Os morfemas são unidades abstratas que constituem a menor unidade significativa na composição
das palavras. Podem ser subdivididos em:

• morfemas lexicais: aqueles que contêm o significado, podendo ocorrer como palavras separadas
e ser usados na formação de novas palavras na língua;

• morfemas gramaticais: também referidos como termos funcionais, são aqueles que só ocorrem
presos a outros elementos, exprimindo relações gramaticais entre uma palavra e seu contexto (são
afixos, preposições, artigos etc.).

A relação entre a morfologia e a fonologia se dá pelo fato de esta poder influenciar não apenas
o lugar onde o morfema é inserido, mas também a própria forma fonética destes (SANDALO, 2001, p.
188). Os alomorfes, por exemplo, que são variantes (isto é, as diferentes formas fonéticas) de um mesmo
morfema podem ser derivados por regras fonológicas.

Morfemas lexicais

Os alunos de letras fizeram prova de linguística.

Morfemas gramaticais

Figura 12 – Morfemas lexicais e morfemas gramaticais

Em português, Câmara Jr. (1970) postulou que formas contendo ditongos nasais, como ão, são
derivadas de on, em palavras como nação e nacion e leão e leon, o que nem sempre ocorre, uma vez
que baton não se transforma em “batão” (apud SANDALO, 2001, p. 190).

Em inglês, o morfema de plural [s] é realizado, em termos sonoros, de diferentes formas,


caracterizando‑se, por isso, como um alomorfe. Desse modo, palavras do inglês cujo plural é grafado
com [s] podem ser realizadas com os seguintes fonemas (SANDALO, 2001):

• [z] depois de vogais e depois de uma consoante sonora (ex.: dogs);

• [s] depois de uma consoante surda (ex.: cats);

• [z] em palavras como judges.

Na sequência, estudaremos alguns processos de formação de palavras em português.

53
Unidade II

6.2 Processos de formação de palavras em português

Em português há diversos processos de formação de palavras que constituem nosso repertório


lexical. A derivação, por exemplo, é um processo de formação de palavras a partir de outras já existentes
na língua portuguesa com o acréscimo de afixos. Estes podem ser chamados também de morfemas
presos porque se juntam a outros morfemas, acrescentando algum significado. Em português, os afixos
aparecem nas palavras em duas posições:

• No início, são denominados prefixos. Exemplo: incomum (in + comum);

• No final, são denominados sufixos. Exemplo: calmamente (calma + mente).

Há palavras que só podem existir em português mediante acréscimo de sufixo e prefixo, como
desalmado (des + alma + do). Nesse caso, temos uma derivação parassintética. Note que, no primeiro
exemplo apresentado anteriormente, trata‑se de uma derivação prefixal, e, no segundo, de uma derivação
sufixal. Veja que, no caso da palavra infelizmente, não se trata de uma derivação parassintética, e sim
de uma derivação prefixal e sufixal, porque podemos ter tanto a palavra infeliz quanto felizmente.
Já no caso do vocábulo desalmado, isso não é possível, porque não existem em português as palavras
“desalma” e/ou “almado”.

Há também um tipo de derivação denominada regressiva, em que ocorre a troca da terminação de


um verbo pelas vogais a, e ou o, resultando em um substantivo, como em fala, realce e beijo, derivados
dos verbos falar, realçar e beijar. Em outros casos, não ocorre alteração da estrutura da palavra, porém
sua classe gramatical se altera, como na frase “O cantar dos pássaros.”. Neste caso ocorre um tipo de
derivação conhecido como derivação imprópria.

A formação de palavras também pode se dar por composição, que é a junção de palavras ou radicais
existentes na língua. Existem palavras que são compostas por elementos sem sofrer nenhum tipo de
alteração. Esse processo de formação de palavras se dá por justaposição. São palavras como rodapé,
beija‑flor, guarda‑chuva, entre outras. Quando na junção dos elementos ocorre alteração fonética
ou gráfica, como nas palavras planalto (plano + alto) e aguardente (água + ardente), o processo é
chamado de aglutinação.

A língua portuguesa conta ainda com palavras compostas por onomatopeia, isto é, pela reprodução
de certos sons, como no caso de reco‑reco e tico‑tico. Há casos, ainda, em que apenas uma parte da
palavra é tomada pela palavra na sua totalidade, como em tevê (televisão) e quilo (quilograma). Estas
são palavras compostas por abreviação.

O processo de formação de palavras pode auxiliar na ampliação do conhecimento sobre o vocabulário


integrante de um sistema linguístico. Nesse sentido, a morfologia é particularmente relevante no
processo de ensino‑aprendizagem de línguas, como veremos em seguida.

54
LINGUÍSTICA

Saiba mais

Sugere‑se consultar as seguintes obras:

FIORIN, J. L. Introdução à linguística: princípios de análise. São Paulo:


Contexto, 2007. v. 2.

GUIMARÃES, E.; ZOPPI‑FONTANA, M. A palavra e a frase. São Paulo:


Pontes, 2006.

KEHDI, V. Morfemas do português. 7. ed. São Paulo: Ática, 2007.


(Princípios, 188).

6.3 Fonologia, morfologia e ensino‑aprendizagem

Os conhecimentos advindos da fonologia e da morfologia podem contribuir tanto com a aprendizagem


da língua materna quanto com a da língua estrangeira, uma vez que interagem com os demais níveis de
conhecimento linguístico. Conforme prescrevem os PCN (BRASIL, 2000, p. 6):

Nas interações, relações comunicativas de conhecimento e reconhecimento,


códigos, símbolos que estão em uso e permitem a adequação de
sentidos partilhados são gerados e transformados e representações são
convencionadas e padronizadas. Os códigos se mostram no conjunto de
escolhas e combinações discursivas, gramaticais, lexicais, fonológicas,
gráficas etc. (BRASIL, 2000, p. 6).

O conhecimento da estrutura das palavras e de seus componentes mínimos, conforme estudado


pela morfologia, pode, por exemplo, proporcionar aos alunos um conhecimento mais amplo sobre o
significado dos vocábulos, inclusive daqueles que nunca ouviram antes.

Assim, ao se deparar com uma palavra como capitalização, mesmo sem nunca tê‑la ouvido, é possível
descobrir o que ela quer dizer a partir do significado de sua raiz, capital, que remete a “dinheiro, valores
acumulados” e dos elementos que derivam novas palavras em português, no caso: ‑izar, “elemento que
transforma um adjetivo em verbo”, e ção, “elemento que transforma verbo em substantivo”. A palavra
capitalização significa, portanto, ato de capitalizar, transformar em capital. Seu significado é derivado
a partir da significação das partes que compõem essa palavra.

Um dos fatos relevantes no que concerne ao processo de ensino‑aprendizagem de uma língua é


que a variedade linguística é inerente ao sistema linguístico. Como já foi mencionado, a variedade está
presente nos diversos níveis de análise linguística. Nesse sentido, os conhecimentos fonológicos podem
servir para investigar a riqueza presente nas diferentes formas de realizar o plano sonoro de uma língua.

55
Unidade II

Sabe‑se, por exemplo, que a variedade é uma marca responsável pela identificação de sotaque, que
corresponde à região geográfica do falante. O estudo do sistema fonológico do português pode ajudar a
despertar nos alunos a percepção da diversidade presente no modo de falar dos brasileiros e o respeito a
ela, como está nos PCN: “Respeitar e preservar as diferentes manifestações da linguagem utilizadas por
diferentes grupos sociais, em suas esferas de socialização” (BRASIL, 2000, p. 9).

A aprendizagem de uma língua estrangeira também pode se beneficiar do conhecimento da fonologia,


pois, à medida que os alunos se familiarizam com o sistema fonológico da língua estrangeira que estão
aprendendo, conscientizam‑se também das diferenças existentes em relação ao sistema fonológico de
sua língua materna.

É comum, ao aprender uma língua estrangeira, usar os fones da língua


materna na pronúncia daquela que se está aprendendo. Entretanto,
quando as duas línguas diferem em seus componentes fonológicos, podem
ocorrer interferências problemáticas na prática oral da língua estrangeira
(MORI, 2001, p. 151).

Desse modo, podemos verificar que o papel do professor é fundamental, pois, ainda conforme Mori
(2001),

o professor de língua estrangeira pode resolver problemas de interferência,


desenvolvendo estratégias que auxiliem o estudante a superar a tendência
de transpor o sistema fônico de sua língua materna para a língua estrangeira.
Se o professor desconhece os sistemas fonológicos da língua estrangeira e
daquela do estudante, então o ensino desse professor será pouco proveitoso
(MORI, 2001, p. 151).

6.3.1 Ensino‑aprendizagem de línguas estrangeiras

A importância do processo de ensino‑aprendizagem das línguas estrangeiras deve ser mencionada,


uma vez que deve ser tratada como parte integrante da formação dos alunos, segundo orientação dos
PCN:

No âmbito da LDB, as Línguas Estrangeiras Modernas recuperam, de alguma


forma, a importância que durante muito tempo lhes foi negada. Consideradas,
muitas vezes e de maneira injustificada, como disciplina pouco relevante,
elas adquirem, agora, a configuração de disciplina tão importante como
qualquer outra do currículo, do ponto de vista da formação do indivíduo
(BRASIL, 2000, p. 26).

Assim, o professor pode tornar o ensino‑aprendizagem de línguas estrangeiras mais atraente ao


tirar partido do fato de que os alunos se apoiam em sua língua materna para aprender uma língua
estrangeira. Se os alunos compararem dois sistemas linguísticos distintos, certamente encontrarão
diferenças de vários tipos. Schutz (2005a, b) cita o caso da estrutura silábica do inglês, que é mais
56
LINGUÍSTICA

econômica em sílabas do que a estrutura silábica do português. O número de palavras monossilábicas


em inglês é muito superior quando comparado ao do português. Observe o quadro a seguir:

Quadro 10 – Comparação entre palavras monossílabas do inglês


e suas correspondentes em português

book li‑vro
dream so‑nho
head ca‑be‑ça
trip vi‑a‑gem
wife es‑po‑sa
write es‑cre‑ver

Além disso, Schutz (2005a, b) destaca que “a média geral de sílabas por palavra é inferior, pois
mesmo palavras polissilábicas e de origem comum, quando comparadas entre os dois idiomas, mostram
uma clara tendência à redução em inglês”.

Schutz (2005a, b) ressalta ainda que, em frases, esse fenômeno tende a aumentar, como demonstrado
a seguir:

Quadro 11 – Comparação entre frases do inglês e do português

Let’s‑work. (duas sílabas) Va‑mos‑tra‑ba‑lhar (cinco sílabas)


I‑like‑beer (três sílabas) Eu‑gos‑to‑de‑cer‑ve‑ja (sete sílabas)
How‑old‑are‑you? (quatro sílabas) Quan‑tos‑a‑nos‑vo‑cê‑tem? (sete sílabas)

Fonte: Schutz (2005a, b).

No caso do inglês, a correlação entre ortografia e pronúncia é muito fraca, o que dificulta a
aprendizagem do sistema fonológico dessa língua, principalmente se os alunos se apoiarem na ortografia
para pronunciar os sons do sistema fonológico do inglês. Um exemplo da interferência da ortografia
na pronúncia do inglês, citado por Schutz (2004), refere‑se à pronúncia do sufixo ‑ed, que faz parte da
morfologia dos verbos regulares no passado em inglês. Note que há uma única grafia e três diferentes
pronúncias, como [d ] , [ I d ] e [ t ] :

Quadro 12 – Sufixos dos verbos regulares em inglês

CLEAN → CLEANED → kli:nd [ ]

NEED → NEEDED → [ ni:dId]

LIKE → LIKED → [ laIkt]

Também é muito frequente o aluno mapear o sistema linguístico da língua estrangeira que está
aprendendo com base no sistema linguístico de sua língua materna. Schutz (2004) cita que é comum
57
Unidade II

ocorrerem consoantes em posição de final de palavra em inglês que não ocorrem em português. O
resultado é que os alunos brasileiros de inglês tenderão a acrescentar uma vogal a essas consoantes em
final de palavra, por exemplo, no caso da palavra back [bæk], que pode ser pronunciada equivocadamente
como [bæki].

É interessante observar que o acréscimo de uma vogal ocorre porque o aluno brasileiro tenta aplicar
a estrutura silábica do português, que, como já foi mencionado, tem na vogal seu núcleo. No entanto,
isso não se aplica ao inglês, que tem como característica mais encontros consonantais em posições
iniciais e finais que não ocorrem no português, como em street e month.

Entretanto, há, em inglês, muitas palavras formadas a partir de prefixos e sufixos latinos, o que facilita
a identificação por alunos brasileiros, pela semelhança com o português. Tais palavras são chamadas
de cognatos. Buscando estabelecer uma relação entre morfologia e fonologia, pode‑se perceber que a
maioria dos prefixos de origem latina não constitui sílabas tônicas em inglês:

Quadro 13 – Prefixos latinos

Com‑ Dis Pro‑ Ex‑

•• •• •• ••

command discuss proclaim extend

compare disperse produce expand

Fonte: Celce‑Murcia et al. (1996, p. 135).

Lembrete

Ao comparar e contrastar dois sistemas linguísticos, os alunos


podem aprender a respeito de seus aspectos tanto morfológicos quanto
fonológicos.

Os exemplos aqui apresentados são apenas uma pequena parcela das questões relativas ao processo
de ensino‑aprendizagem de língua materna e língua estrangeira que os conhecimentos fonológicos e
morfológicos podem suscitar. São questões que podem contribuir para despertar a reflexão crítica de
professores e de alunos não só quanto à aprendizagem de línguas, mas também quanto à diversidade
linguística presente nas próprias línguas.

Para finalizar, é importante pontuar que o conteúdo aqui desenvolvido teve um caráter
predominantemente introdutório. Para os leitores interessados em mais detalhes sobre o que foi
abordado, sugere‑se a consulta às referências bibliográficas apresentadas ao final deste livro‑texto.

58
LINGUÍSTICA

Resumo

Nesta Unidade, vimos as áreas de descrição da língua – a fonética/


fonologia e a morfologia. A primeira diz respeito aos elementos mínimos
que podem ser depreendidos da fala humana, ao passo que a segunda está
relacionada aos elementos mínimos significativos de uma palavra.

A fonética e a fonologia diferenciam‑se apenas na forma de tratar os


elementos mínimos – os sons. Enquanto a fonética é a área que descreve
os sons dos pontos de vista articulatório, acústico e perceptivo, a fonologia
estuda e descreve o plano sonoro dos sistemas linguísticos.

Vimos, também, que cada língua tem um sistema fonológico específico


e que pode haver variação na realização dos sons em um mesmo sistema.
No português, por exemplo, varia‑se a realização do fonema /t/ em
palavras como tia, time. Os vários sons que realizam o mesmo fonema são
denominados variantes e, no caso da variação de /t/ para falantes de São
Paulo e do Rio Grande do Sul, temos então um alofone, isto é, uma variante
fonética de um mesmo fonema.

Há vários fatores que influenciam a ocorrência de alofones, como


efeitos dos sons vizinhos, posição de ocorrência em unidades maiores,
efeito de elementos prosódicos como acento e tom, entre outros.

Esses elementos mínimos se combinam em unidades maiores chamadas


sílabas, e a estrutura silábica da língua obedece a princípios gramaticais e
fonológicos que também podem variar conforme o sistema linguístico. Na
língua portuguesa, sempre há uma vogal como núcleo de uma sílaba.

O conhecimento fonológico auxilia na caracterização do plano sonoro


de um sistema linguístico, contribuindo com a aprendizagem de aspectos
significativos das línguas.

Vimos, ainda, que a morfologia estuda a estrutura e a forma das palavras.


Os morfemas são as unidades mínimas na composição da estrutura da
palavra e classificam‑se em lexicais e gramaticais.

Os morfemas lexicais, na estrutura da palavra, são aqueles que contêm o


significado, ou seja, são os radicais da palavra. Já os morfemas gramaticais
são os afixos (prefixos e sufixos) e as desinências (gênero/número para os
nomes; tempo/modo, número/pessoa para os verbos).

59
Unidade II

No nível da sentença, os morfemas lexicais correspondem às classes


básicas – substantivo, adjetivo, verbo (e alguns advérbios), enquanto
os morfemas gramaticais são as classes que sozinhas não constituem
significado – artigo, pronome, numeral, preposição, conjunção.

As palavras podem ser formadas por derivação: radical + afixos (ex.:


in‑feliz‑mente = infelizmente) ou por composição: radical + radical (passa
+ tempo = passatempo).

No processo de ensino‑aprendizagem de uma língua estrangeira, é


importante destacar a relevância de se compararem os conhecimentos
fonológicos e morfológicos, uma vez que intuitivamente o falante já o faz.

Exercícios

Questão 1. (Enem 2010 ‑ Adaptado). Quando vou a São Paulo, ando na rua ou vou ao mercado,
apuro o ouvido; não espero só o sotaque geral dos nordestinos, onipresentes, mas para conferir a
pronúncia de cada um; os paulistas pensam que todo nordestino fala igual; contudo as variações são
mais numerosas que as notas de uma escala musical. Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará,
Piauí têm no falar de seus nativos muito mais variantes do que se imagina. E a gente se goza uns dos
outros, imita o vizinho, e todo mundo ri, porque parece impossível que um praiano de beira‑mar não
chegue sequer perto de um sertanejo de Quixeramobim. O pessoal do Cariri, então, até se orgulha do
falar deles. Têm uns tês doces, quase um the; já nós, ásperos sertanejos, fazemos um duro au ou eu de
todos os terminais em al ou el – carnavau, Raqueu... Já os paraibanos trocam o l pelo r. José Américo só
me chamava, afetuosamente, de Raquer.

QUEIROZ, R. O Estado de S. Paulo. 09 maio 1998 (fragmento adaptado).

Raquel de Queiroz comenta, em seu texto, um tipo de variação linguística que se percebe no falar de
pessoas de diferentes regiões. As características regionais exploradas no texto manifestam‑se:

A) Na fonologia.
B) No uso do léxico.
C) No grau de formalidade.
D) Na organização sintática.
E) Na estruturação morfológica.

Fonte: Inep (2011).

Resposta correta: alternativa A.

60
LINGUÍSTICA

Análise das alternativas:

A) Alternativa correta.

Justificativa: a variação apresentada por Raquel de Queiroz, em seu texto, é fonológica. A autora
explicita que apura os ouvidos quando vai a São Paulo para ouvir os diversos sotaques ali presentes,
exemplificando: “tês”, “au/al”, “eu/el”, “l/r”.

B) Alternativa incorreta.

Justificativa: a autora não destaca diferenças no nível lexical. A percepção é sonora, e não morfológica.

C) Alternativa incorreta.

Justificativa: Raquel de Queiroz, em seu texto, não discute o par dicotômico formalidade/informalidade.

D) Alternativa incorreta.

Justificativa: não há discussão da questão estrutural linguística. A autora enfatiza os diversos


sotaques dos nordestinos, muitas vezes não percebidos pelos paulistas.

E) Alternativa incorreta.

Justificativa: como afirmado na justificativa da alternativa B, a percepção é sonora, e não morfológica.


Os pares carnaval/carnavau; Raquel/Raqueu e Raquel/Raquer não constituem diferentes palavras, mas
diferentes formas de dizer o mesmo vocábulo.

Questão 2. Leia o texto a seguir.

Receita de acordar palavras


Roseana Murray

Palavras são como estrelas


Facas ou flores
Elas têm raízes pétalas espinhos
São (liso) (áspero) (leve) ou (denso)
Para acordá‑las basta um sopro
Em sua alma
E como pássaros
Vão encontrar seu caminho
Fonte: Murray (1997).

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Unidade II

Analise as afirmativas:

I ‑ Elas – pronome substantivo que evita a repetição do termo “palavras”.

II ‑ Las – pronome substantivo que substitui o termo “palavras”.

III ‑ Sua – pronome adjetivo determinado pelo substantivo “alma”.

IV ‑ Seu – pronome adjetivo modificador do substantivo “caminho”.

Assinale a alternativa correta:

A) Apenas as afirmativas I e II estão corretas.

B) Apenas as afirmativas I e III estão corretas.

C) Apenas as afirmativas I, II e III estão corretas.

D) Apenas as afirmativas I, II e IV estão corretas.

E) Apenas as afirmativas II, III e IV estão corretas.

Resolução desta questão na Plataforma.

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