Livro-Texto - Unidade II
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Unidade II
FONÉTICA/FONOLOGIA E MORFOLOGIA
Nesta unidade serão abordadas a fonética/fonologia e a morfologia. As duas primeiras tratam das
unidades não significativas, e a outra, das unidades significativas mínimas da língua. O que têm em
comum é o fato de tratarem de particularidades dos sistemas linguísticos.
O interesse em investigar o que há de individual e particular nas línguas começou a partir dos
séculos XV e XVI. Assim, disciplinas como a fonética, a fonologia e a morfologia emergiram da urgência
de encontrar sistematicidade nos aspectos físicos da linguagem (WEEDWOOD, 2002).
Além de conceituar a área de atuação da fonologia e a da morfologia, esta unidade aborda também
a influência que uma exerce sobre a outra na organização do sistema linguístico e de que modo essas
disciplinas podem contribuir com o processo de ensino‑aprendizagem de línguas materna e estrangeira.
5 FONÉTICA E FONOLOGIA
Entende‑se por fonética articulatória a descrição da maneira como os sons se produzem no aparelho
fonador. Já à fonética acústica cabe verificar como os sons se propagam através do ar. A maneira como
esses sons são percebidos pelo ouvinte é tarefa da fonética auditiva.
Portanto, a área que se denomina fonética é basicamente descritiva e tem por base a produção, a
percepção e a transmissão dos sons da fala. Ao se efetuar uma transcrição fonética de um segmento da
fala, deve‑se fazê‑lo representando‑a dentro de colchetes [ ], enquanto a transcrição fonológica deve
ser realizada dentro de barras simples inclinadas / /.
A linguagem humana diferencia‑se das outras (a dos animais, por exemplo) pelo fato de poder
ser segmentada em unidades menores, as quais têm um número finito em cada língua, mas podem
recombinar‑se para expressar significados diferentes. O contínuo sonoro é expresso em segmentos
linearmente dispostos, e essa disposição pode ser alterada, ocasionando mudança de significado. Por
exemplo, em “bato” e “pato”, houve alteração de um fonema; já em “amor” e “Roma”, os mesmos fonemas
foram dispostos diferentemente, mudando assim as palavras.
Os sons utilizados na fala humana são produzidos e emitidos em partes do corpo humano que
compõem o aparelho fonador. Veja a figura que segue.
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Unidade II
Veja as cordas vocais, as quais têm grande importância na produção dos sons na linguagem humana:
Figura 4 – Cordas vocais e alguns de seus posicionamentos para a produção dos sons
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LINGUÍSTICA
Podemos observar uma classificação dos sons de acordo com a abertura e/ou o fechamento das
cordas vocais.
A primeira distinção que se faz dos sons produzidos e que se utilizam nas línguas é a
classificação em vocálicos e consonantais. Os primeiros correspondem àqueles que têm livre
passagem de ar, ao passo que os consonantais, quando articulados, encontram obstrução do ar
de alguma maneira.
As consoantes do português podem ser classificadas por critérios articulatórios que incluem:
• modo de articulação;
• ponto de articulação;
• sonoridade (voz).
O modo de articulação diz respeito à maneira como a corrente de ar, proveniente dos
pulmões, supera obstáculos formados pelos articuladores e é liberada. Assim, por exemplo,
uma consoante oclusiva é produzida por uma obstrução total à passagem da corrente de ar,
que é liberada com uma plosão, como no caso do /p/, em cuja produção os lábios obstruem
totalmente a corrente de ar e, em seguida, abrem‑se para emitir um som chamado de plosivo
ou oclusivo.
A sonoridade diz respeito ao vozeamento. Isso significa que, quando as pregas vocais vibram, a
consoante é descrita como sonora, caso contrário é surda. O sistema consonantal do português apresenta
uma série de pares cuja marca é a sonoridade. São eles: [p] e [b]; [t] e [d]; [k] e [g]; [f] e [v]; [š] e [ž];
[š] e [ž]. As consoantes em destaque são aquelas produzidas sem vibração das pregas vocais, isto é, são
consoantes surdas.
Uma vez que o inventário de sons de uma língua serve para distinguir significados, a presença ou a
ausência de determinado fonema, por exemplo, uma consoante, implica mudança de significação. Por
exemplo, a oposição [t] e [d] serve para distinguir palavras em português como tia/dia, cata/cada etc.
Já a presença ou a ausência de um fonema como [s] exprime em português a noção morfológica de
singular e plural (LEITE e CALLOU, 1990, p. 73).
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Unidade II
Mattoso Câmara Jr. fez uma descrição detalhada do sistema fonológico do português.
A produção dos sons de uma língua pode ser influenciada por aspectos sociolinguísticos. O português
do Brasil não foge à regra. Assim, a partir do mapeamento dos fonemas que formam o sistema fonológico
de nossa língua, podemos identificar suas variações. Para ilustrar o fato, Leite e Callou (2000, p. 71‑2)
citam um estudo realizado por Callou e Marques sobre o [s] em uma variação do português usada pelos
cariocas.
Esse estudo explicou que a realização da consoante está sujeita a uma regra de assimilação, o que
significa que assimila a característica do som seguinte e, em consequência, realiza‑se como sonora
diante de outra sonora (consoante ou vogal) e como surda diante de outra consoante surda.
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LINGUÍSTICA
Conforme o modo de articulação, os sons consonantais podem ser, segundo Cagliari e Cagliari (apud
MUSSALIM e BENTES, 2001, p. 122‑3):
• glotal: som produzido pela articulação das cordas vocais, como /r/ em
“rata” na pronúncia típica de Belo Horizonte (CAGLIARI e CAGLIARI
apud MUSSALIM e BENTES, 2001, p. 122‑3).
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LINGUÍSTICA
Além das consoantes, temos as vogais, que correspondem aos sons que têm livre passagem pela
cavidade oral, não produzindo nenhuma fricção, sempre pronunciadas com a ponta da língua abaixada
e a superfície em forma convexa. Veja a figura a seguir:
Observação
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Unidade II
Além da fonética articulatória, há também a acústica, em que os sons da fala são gravados e
estudados por meio de equipamentos de análise acústica. Tal procedimento tem sido utilizado em áreas
como a de perícia efetuada pela polícia em situações de inquérito criminal, ou mesmo como sistema de
segurança pelo qual há reconhecimento de voz.
Dentre as maneiras de analisar os elementos físicos da acústica dos sons da fala, destaca‑se a análise
realizada por meio de espectrogramas, como podemos observar na figura a seguir.
A fonologia estuda e descreve o plano sonoro dos sistemas linguísticos. Embora se sirva dos
conhecimentos advindos da fonética (e vice‑versa), a fonologia diferencia‑se da fonética em vários
aspectos, por exemplo, pelo uso de métodos diferentes de investigação. Enquanto a fonética emprega
métodos das ciências naturais, a fonologia serve‑se de métodos provenientes da linguística, das
humanidades e das ciências sociais (MORI, 2001, p. 149).
Veja a seguir algumas das principais distinções entre as duas disciplinas, que são tratadas por muitos
autores como interdisciplinares:
Fonética Fonologia
Sua unidade básica de estudo são os fones, Sua unidade de estudo são os fonemas,
transcritos entre colchetes: [p], [t], [k] etc. representados entre barras inclinadas: /p/, /t/, /k/ etc.
42
LINGUÍSTICA
Observação
Em português, se na mesma sequência um dos fonemas for substituído, haverá um novo signo.
Assim, se o fonema /z/ for trocado pelo fonema /s/, obteremos a palavra “caça”, e não “casa”.
Como pudemos ver, os sons têm uma função distintiva, e estes variam também conforme a língua,
pelo fato de a articulação dos fonemas variar de uma para outra.
Enquanto o inglês conta com onze vogais, o português tem apenas sete. No caso do espanhol, o
número de vogais cai para apenas cinco. Portanto, existem diferenças fônicas em uma língua que não
fazem parte do inventário de sons de outra, o que gera dificuldades para os alunos que aprendem um
idioma estrangeiro.
Um caso bem conhecido de dificuldade de percepção e produção para alunos brasileiros de inglês
refere‑se à pronúncia do som de [i] em inglês.
Do ponto de vista articulatório, as vogais /i:/ e /I/ do inglês são produzidas com a parte da
frente da língua alta, próxima e à frente do palato duro e com a mandíbula relativamente fechada
(CELCE‑MURCIA et al., 1996). Embora haja semelhança em relação à produção, o que diferencia
uma vogal da outra é que enquanto /i:/ é articulado com maior tensão dos músculos, com os
lábios esticados em uma posição de sorriso, seu contraponto, /I/, é articulado com os músculos
relaxados, a mandíbula um pouco mais baixa, os lábios não tão esticados e a língua em uma
posição mais central na cavidade bucal. Essa diferença articulatória é responsável por produzir um
[i] descrito como “longo” /i:/ e outro como “curto” /I/.
Os exemplos aqui apresentados servem para ilustrar a área de atuação dos estudos de base fonológica.
A seguir serão abordadas as unidades de estudo da fonologia.
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Unidade II
Para ilustrar o conceito de traços distintivos, tomemos como exemplo as consoantes /p/ e /b/ do
português. Quanto ao modo de articulação, são ambos sons oclusivos, isto é, produzidos por uma
obstrução total à passagem da corrente de ar pela cavidade oral. Em relação ao ponto de articulação,
são classificados como labiais, pois sua produção envolve o lábio inferior e o superior. O traço que
distingue um do outro é o fato de /p/ ser um som surdo (produzido sem vibração das pregas vocais), e
/b/, um som sonoro (produzido com vibração das pregas vocais).
Uma outra curiosidade que envolve o sistema fonológico das línguas é que, em uma comunidade
linguística, um determinado fonema pode ser produzido de forma variada, como estudado na Unidade
I. Os vários sons que realizam o mesmo fonema são denominados variantes.
Um exemplo típico sobre variações estudadas pela Fonologia e que ocorrem na língua portuguesa
é o caso do fonema /t/, descrito normalmente como uma consoante produzida em posição alveolar
(ou seja, o ponto de articulação corresponde à área próxima à raiz dos dentes superiores da frente). No
entanto, a variedade do /t/ usada no Rio de Janeiro corresponde a um modo diferente de articular a
referida consoante. O /t/ produzido pelos cariocas é classificado como uma consoante africada, em que
a língua eleva‑se em direção ao palato e cujo som pode ser simbolizado como /t ʃ/.
Pesquisas demonstram ainda que essa variação ocorre quando a consoante [t] aparece diante da
vogal [i], portanto, está condicionada também pelos sons circunvizinhos, isto é, pelo ambiente fonético
(LEITE e CALLOU, 1990, p. 56).
Observação
Quando um mesmo fonema é realizado de forma variada, como no caso do /t/ produzido por quem
vive em São Paulo ou por um indivíduo que mora no Rio Grande do Sul, temos então um alofone, isto
é, uma variante fonética de um mesmo fonema.
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LINGUÍSTICA
O falante adquire as variações sonoras de sua língua em contato com a comunidade linguística.
Lembrete
Segundo Mori (2001), a ocorrência de alofones em uma língua é condicionada por fatores como:
O exemplo mostra a transformação da palavra do latim ao português, desde o latim vulgar até o
português padrão atual.
Na sequência estudaremos como os fonemas se agrupam para formar as palavras de uma língua.
5.4 A sílaba
Os fonemas de uma língua combinam‑se em unidades maiores, as sílabas, que fazem parte da
estrutura das palavras. A estrutura silábica de uma língua obedece a princípios gramaticais e fonológicos
que também podem variar conforme o sistema linguístico.
Lembrete
A forma silábica mais comum nas línguas do mundo é a estrutura conhecida como CVC, ou seja, uma
consoante seguida de uma vogal, seguida, por sua vez, de uma consoante. Esta última pode ocorrer ou
não.
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Unidade II
Na estrutura silábica do português, as vogais formam o “centro” da sílaba, por isso são chamadas
de núcleo da sílaba. As consoantes que precedem a sílaba são conhecidas como ataque (do inglês
onset) e coda, quando ocorrem após o núcleo (MORI, 2001, p. 174).
Tanto no português brasileiro quanto no português de Portugal, as crianças iniciam sua aquisição
da fala produzindo apenas sílabas CV e, em seguida, adquirem a sílaba V em posição de início de palavra
(SANTOS, 2002).
Observação
O quadro a seguir apresenta exemplos dos tipos de sílabas que ocorrem em palavras do português.
Observe a obrigatoriedade da presença da vogal, sozinha ou em combinação com consoantes, para
compor o núcleo das sílabas:
V CVC CV
↓ ↓ ↓
a cor do
CVCC CV CVC
↓ ↓ ↓
pers pi caz
CCV CV CV
↓ ↓ ↓
prá ti co
V CCV CVC
↓ ↓ ↓
a gru par
Os estudos descritivos da língua têm classificado as palavras de acordo com os níveis de descrição.
Como estamos falando do nível fonológico, vejamos como se classificam essas palavras conforme a
emissão de sílabas e a sílaba tônica.
46
LINGUÍSTICA
Lembrete
As sílabas são também classificadas, segundo a intensidade de voz, como tônicas e átonas. Nem
todas as sílabas tônicas apresentam acento gráfico na escrita (exemplos: comida, particular). As sílabas
átonas que se posicionam antes das tônicas são chamadas de pré‑tônicas.
De acordo com Leite e Callou (2000), os estudos referentes ao conjunto de fenômenos dos quais se
derivam tipos de acento denominam‑se prosódia. É o que encontramos quando procuramos esse tipo
de estudo em uma gramática descritiva.
As autoras ainda chamam a atenção para o fato de que o português é uma língua conhecida por ser
de acento de intensidade, o que propicia a diferenciação entre palavras como “sabia”, “sábia” e “sabiá”.
Considera‑se, portanto, o português como uma língua de acento.
Observação
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Unidade II
Leite e Callou (2000) chamam a atenção, ainda, para o fato de que tanto foneticistas quanto
fonólogos têm focalizado o estudo do ritmo na fala comum ultimamente. Esse ritmo não deve ser
confundido com velocidade da fala.
O sistema vocálico do português do Brasil compreende sete vogais orais. São classificadas assim porque,
em relação à produção, a corrente de ar passa pela cavidade oral. Além destas, há outras cinco vogais
nasais, seguidas de uma consoante nasal [m] ou [n]. A nasalidade das vogais é também marcada pelo sinal
gráfico do til (~) na escrita. As vogais nasais, como o próprio nome sugere, são produzidas com ressonância
nasal, visto que a corrente de ar escapa tanto pela cavidade oral quanto pela nasal.
A figura a seguir ilustra a forma como o sistema vocálico do português se organiza: de forma
triangular, com a vogal [a] na posição mais baixa porque não constitui uma dualidade opositiva, isto é,
não é um traço distintivo para diferenciar significado, assim como as vogais [i] e [u].
No português do Brasil, há sete fonemas vocálicos em sílaba tônica, que se apresentam a seguir:
i, ĩ u, ũ
ɯ
e, ẽ o, õ
ɐ, ~
ɐ
ɔ
ε
a
Símbolo Exemplo
[i] vi [‘vi]
[e] ipê [i’pe]
[ɛ] pé [‘pɛ]
[a] pá [‘pa]
[ͻ] avó [a’vͻ]
[o] avô [v’vo]
[u] jacu [Ӡa’ku]
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LINGUÍSTICA
Há muitas palavras, no português brasileiro, nas quais o som da vogal é nasal, por exemplo, em anjo [ã ʒ u].
Em situações de pesquisa nas quais a fala será transcrita, o ideal é que, além da gravação, haja o
vídeo, para que se possam observar inclusive gestos, os quais auxiliam na interpretação da fala.
O linguista que utiliza a gravação da fala como material de pesquisa fará a transcrição fonética do
conteúdo da fala. Esse procedimento deve respeitar os critérios de transcrição, tais como colocar entre
colchetes quando se tratar de palavras e/ou frases, assim como marcar a sílaba tônica. Veja exemplo a seguir:
[sitwa’sãw] = situação
Em contrapartida, note que a vogal [e] em português pode ser produzida como um som
aberto ou fechado, o que serve para distinguir o significado de palavras, como no caso de s[e]
de (= sensação produzida pela necessidade de beber) e s[e]de (= lugar onde fica o principal
estabelecimento de uma empresa, governo etc.).
Do mesmo modo, a vogal [o] pode realizar‑se com um som aberto, como em p[ ]de, no presente do
indicativo, terceira pessoa do singular, e com um som fechado, como em p[o]de, no pretérito perfeito,
terceira pessoa do singular. É interessante lembrar que as vogais [a] e [o] servem para indicar gênero
feminino ou masculino em português.
Há uma relação entre os fonemas de uma língua e os símbolos gráficos que os representam. Contudo,
fatores como as mudanças linguística e extralinguística produzem discrepâncias entre a estrutura fonológica
das línguas e suas ortografias (MORI, 2001). Comparando o sistema fonológico de uma língua e sua escrita, é
possível observar que a relação entre fonema e letra (ou grafema) não é biunívoca, como no caso do fonema
fricativo alveolar sonoro /z/ e sua representação grafêmica no português. Veja o diagrama a seguir:
[z]
zelo
[z]
[s] [x]
base exílio
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Unidade II
Nota‑se, pois, que a defasagem existente entre a fala e a sua representação gráfica causa
problemas de ortografia na própria língua materna. O fonema [s] é um outro exemplo problemático
do português porque sua grafia pode corresponder a diferentes letras, como ilustrado no diagrama
a seguir:
[c]
cedo
[s] [sc]
saber cresça
[ss] [sc]
passar /S/ crescer
[ç] [x]
peça sintaxe
[xc]
exceto
Portanto, o professor pode servir‑se dos conhecimentos fonológicos também para auxiliar
seus alunos a resolver problemas ortográficos em sua língua materna, pois a fonologia ensina
que não se deve confundir fonema (som) com letra (grafia), que é uma representação gráfica do
fonema. Além disso, as palavras podem ou não ter o mesmo número de letras e fonemas. Veja os
exemplos:
Um outro fato é que, na fala encadeada, muitos fonemas são reduzidos ou até omitidos, caso de
palavras com ditongos, por exemplo, “peixe”, muitas vezes pronunciada sem o /i/: /peʃ/.
Como podemos observar no quadro, há palavras nas quais não existe correspondência entre som e letra.
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LINGUÍSTICA
Saiba mais
Para saber mais sobre o assunto, você pode consultar as seguintes obras:
6 MORFOLOGIA
A Morfologia integra as disciplinas que estudam as línguas naturais. Ela é frequentemente definida
como a disciplina que estuda a forma e a estrutura das palavras.
Observação
Lembrete
“Raiz é a forma de base de uma palavra, que não pode mais ser
decomposta, para não perder sua identidade. Ou seja, é a parte que resta
quando os afixos são retirados.” (CRYSTAL, 1985, p. 218).
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Unidade II
Nas décadas de 1960 e 1970, o gerativismo colocou a sentença como ponto central de análise
linguística. A morfologia passou, então, a ser tratada dentro do componente fonológico, por causa de
sua relação com a fonologia (SANDALO, 2001).
Quando se diz que a palavra é a unidade de estudo da morfologia, é preciso estabelecer, antes de
tudo, a definição de palavra, o que não é uma tarefa tão simples.
Muitos linguistas preferem definir as palavras usando critérios sintáticos, os quais parecem funcionar
em qualquer língua do mundo.
De acordo com SANDALO (2001), uma sequência de sons somente poderá ser definida como uma
palavra se:
“— Trabalho.”
Normalmente, a palavra, unidade máxima da morfologia, pode ser entendida como a unidade
mínima que pode ocorrer livremente (SANDALO, 2001, p. 183). No entanto, a palavra é composta por
elementos que são as unidades mínimas da morfologia. Isso é o que veremos em seguida.
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LINGUÍSTICA
Os morfemas são unidades abstratas que constituem a menor unidade significativa na composição
das palavras. Podem ser subdivididos em:
• morfemas lexicais: aqueles que contêm o significado, podendo ocorrer como palavras separadas
e ser usados na formação de novas palavras na língua;
• morfemas gramaticais: também referidos como termos funcionais, são aqueles que só ocorrem
presos a outros elementos, exprimindo relações gramaticais entre uma palavra e seu contexto (são
afixos, preposições, artigos etc.).
A relação entre a morfologia e a fonologia se dá pelo fato de esta poder influenciar não apenas
o lugar onde o morfema é inserido, mas também a própria forma fonética destes (SANDALO, 2001, p.
188). Os alomorfes, por exemplo, que são variantes (isto é, as diferentes formas fonéticas) de um mesmo
morfema podem ser derivados por regras fonológicas.
Morfemas lexicais
Morfemas gramaticais
Em português, Câmara Jr. (1970) postulou que formas contendo ditongos nasais, como ão, são
derivadas de on, em palavras como nação e nacion e leão e leon, o que nem sempre ocorre, uma vez
que baton não se transforma em “batão” (apud SANDALO, 2001, p. 190).
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Unidade II
Há palavras que só podem existir em português mediante acréscimo de sufixo e prefixo, como
desalmado (des + alma + do). Nesse caso, temos uma derivação parassintética. Note que, no primeiro
exemplo apresentado anteriormente, trata‑se de uma derivação prefixal, e, no segundo, de uma derivação
sufixal. Veja que, no caso da palavra infelizmente, não se trata de uma derivação parassintética, e sim
de uma derivação prefixal e sufixal, porque podemos ter tanto a palavra infeliz quanto felizmente.
Já no caso do vocábulo desalmado, isso não é possível, porque não existem em português as palavras
“desalma” e/ou “almado”.
A formação de palavras também pode se dar por composição, que é a junção de palavras ou radicais
existentes na língua. Existem palavras que são compostas por elementos sem sofrer nenhum tipo de
alteração. Esse processo de formação de palavras se dá por justaposição. São palavras como rodapé,
beija‑flor, guarda‑chuva, entre outras. Quando na junção dos elementos ocorre alteração fonética
ou gráfica, como nas palavras planalto (plano + alto) e aguardente (água + ardente), o processo é
chamado de aglutinação.
A língua portuguesa conta ainda com palavras compostas por onomatopeia, isto é, pela reprodução
de certos sons, como no caso de reco‑reco e tico‑tico. Há casos, ainda, em que apenas uma parte da
palavra é tomada pela palavra na sua totalidade, como em tevê (televisão) e quilo (quilograma). Estas
são palavras compostas por abreviação.
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LINGUÍSTICA
Saiba mais
Assim, ao se deparar com uma palavra como capitalização, mesmo sem nunca tê‑la ouvido, é possível
descobrir o que ela quer dizer a partir do significado de sua raiz, capital, que remete a “dinheiro, valores
acumulados” e dos elementos que derivam novas palavras em português, no caso: ‑izar, “elemento que
transforma um adjetivo em verbo”, e ção, “elemento que transforma verbo em substantivo”. A palavra
capitalização significa, portanto, ato de capitalizar, transformar em capital. Seu significado é derivado
a partir da significação das partes que compõem essa palavra.
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Unidade II
Sabe‑se, por exemplo, que a variedade é uma marca responsável pela identificação de sotaque, que
corresponde à região geográfica do falante. O estudo do sistema fonológico do português pode ajudar a
despertar nos alunos a percepção da diversidade presente no modo de falar dos brasileiros e o respeito a
ela, como está nos PCN: “Respeitar e preservar as diferentes manifestações da linguagem utilizadas por
diferentes grupos sociais, em suas esferas de socialização” (BRASIL, 2000, p. 9).
Desse modo, podemos verificar que o papel do professor é fundamental, pois, ainda conforme Mori
(2001),
book li‑vro
dream so‑nho
head ca‑be‑ça
trip vi‑a‑gem
wife es‑po‑sa
write es‑cre‑ver
Além disso, Schutz (2005a, b) destaca que “a média geral de sílabas por palavra é inferior, pois
mesmo palavras polissilábicas e de origem comum, quando comparadas entre os dois idiomas, mostram
uma clara tendência à redução em inglês”.
Schutz (2005a, b) ressalta ainda que, em frases, esse fenômeno tende a aumentar, como demonstrado
a seguir:
No caso do inglês, a correlação entre ortografia e pronúncia é muito fraca, o que dificulta a
aprendizagem do sistema fonológico dessa língua, principalmente se os alunos se apoiarem na ortografia
para pronunciar os sons do sistema fonológico do inglês. Um exemplo da interferência da ortografia
na pronúncia do inglês, citado por Schutz (2004), refere‑se à pronúncia do sufixo ‑ed, que faz parte da
morfologia dos verbos regulares no passado em inglês. Note que há uma única grafia e três diferentes
pronúncias, como [d ] , [ I d ] e [ t ] :
Também é muito frequente o aluno mapear o sistema linguístico da língua estrangeira que está
aprendendo com base no sistema linguístico de sua língua materna. Schutz (2004) cita que é comum
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Unidade II
ocorrerem consoantes em posição de final de palavra em inglês que não ocorrem em português. O
resultado é que os alunos brasileiros de inglês tenderão a acrescentar uma vogal a essas consoantes em
final de palavra, por exemplo, no caso da palavra back [bæk], que pode ser pronunciada equivocadamente
como [bæki].
É interessante observar que o acréscimo de uma vogal ocorre porque o aluno brasileiro tenta aplicar
a estrutura silábica do português, que, como já foi mencionado, tem na vogal seu núcleo. No entanto,
isso não se aplica ao inglês, que tem como característica mais encontros consonantais em posições
iniciais e finais que não ocorrem no português, como em street e month.
Entretanto, há, em inglês, muitas palavras formadas a partir de prefixos e sufixos latinos, o que facilita
a identificação por alunos brasileiros, pela semelhança com o português. Tais palavras são chamadas
de cognatos. Buscando estabelecer uma relação entre morfologia e fonologia, pode‑se perceber que a
maioria dos prefixos de origem latina não constitui sílabas tônicas em inglês:
•• •• •• ••
Lembrete
Os exemplos aqui apresentados são apenas uma pequena parcela das questões relativas ao processo
de ensino‑aprendizagem de língua materna e língua estrangeira que os conhecimentos fonológicos e
morfológicos podem suscitar. São questões que podem contribuir para despertar a reflexão crítica de
professores e de alunos não só quanto à aprendizagem de línguas, mas também quanto à diversidade
linguística presente nas próprias línguas.
Para finalizar, é importante pontuar que o conteúdo aqui desenvolvido teve um caráter
predominantemente introdutório. Para os leitores interessados em mais detalhes sobre o que foi
abordado, sugere‑se a consulta às referências bibliográficas apresentadas ao final deste livro‑texto.
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LINGUÍSTICA
Resumo
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Unidade II
Exercícios
Questão 1. (Enem 2010 ‑ Adaptado). Quando vou a São Paulo, ando na rua ou vou ao mercado,
apuro o ouvido; não espero só o sotaque geral dos nordestinos, onipresentes, mas para conferir a
pronúncia de cada um; os paulistas pensam que todo nordestino fala igual; contudo as variações são
mais numerosas que as notas de uma escala musical. Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará,
Piauí têm no falar de seus nativos muito mais variantes do que se imagina. E a gente se goza uns dos
outros, imita o vizinho, e todo mundo ri, porque parece impossível que um praiano de beira‑mar não
chegue sequer perto de um sertanejo de Quixeramobim. O pessoal do Cariri, então, até se orgulha do
falar deles. Têm uns tês doces, quase um the; já nós, ásperos sertanejos, fazemos um duro au ou eu de
todos os terminais em al ou el – carnavau, Raqueu... Já os paraibanos trocam o l pelo r. José Américo só
me chamava, afetuosamente, de Raquer.
Raquel de Queiroz comenta, em seu texto, um tipo de variação linguística que se percebe no falar de
pessoas de diferentes regiões. As características regionais exploradas no texto manifestam‑se:
A) Na fonologia.
B) No uso do léxico.
C) No grau de formalidade.
D) Na organização sintática.
E) Na estruturação morfológica.
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LINGUÍSTICA
A) Alternativa correta.
Justificativa: a variação apresentada por Raquel de Queiroz, em seu texto, é fonológica. A autora
explicita que apura os ouvidos quando vai a São Paulo para ouvir os diversos sotaques ali presentes,
exemplificando: “tês”, “au/al”, “eu/el”, “l/r”.
B) Alternativa incorreta.
Justificativa: a autora não destaca diferenças no nível lexical. A percepção é sonora, e não morfológica.
C) Alternativa incorreta.
Justificativa: Raquel de Queiroz, em seu texto, não discute o par dicotômico formalidade/informalidade.
D) Alternativa incorreta.
E) Alternativa incorreta.
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Unidade II
Analise as afirmativas:
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