Artigo Mirella Celeri
Artigo Mirella Celeri
Artigo Mirella Celeri
1. INTRODUÇÃO
O que faz com que certos cantores nos levem a acreditar em cada palavra de
seu canto, durante cada segundo de uma canção? Como nos transportam, a partir
da sua voz cantada, por caminhos melódicos, para um “não-tempo” onde o que
cantam se transforma em “realidade” por alguns minutos? Como conseguem
provocar espanto1, euforia, tristeza, reflexão ou mesmo um instantâneo momento de
alegria, tirando-nos do transe cotidiano? Por que é tão comum ouvir adjetivos como:
sublime, mágico, místico, divino, relacionados ao canto de artistas que exercem tal
encantamento? Ainda que cada ouvinte seja dotado de uma experiência pessoal e
sensibilidade únicas, o que lhes proporciona diferentes percepções acerca de
objetos de arte, é fato que alguns cantores tem a capacidade de, efetivamente,
perpetuar esse encantamento, atravessando um sem fim de fronteiras físicas,
culturais, geracionais, estéticas e mercadológicas.
Esse canto é passível de construção? O que pode ser estudado, almejado ou mesmo
treinado na busca de um “estado de arte” pelo cantor popular? Quais seriam
possíveis reflexões e práticas para se construir uma performance vocal que tenha
um componente criador, e, portanto, transformador, em alguma medida?
1
Aqui nos referimos ao espanto que gera poesia, da fala do poeta, escritor e teatrólogo Ferreira Gullar,
em 2015: “ A poesia, como vejo, nasce do espanto”, que nesse caso, provocaria sensações no
ouvinte, remetendo-o a um estado poético.
2
Para tratar deste tema, acessaremos trabalhos de alguns estudiosos dos
campos da performance, interpretação, canto popular e canção. De suas
descobertas e reflexões nessas áreas de conhecimento, e, claro, longe da pretensão
de se encerrar o assunto, buscaremos extrair ideias e práticas que possam alimentar
a possível construção e execução de uma performance vocal expressiva, verdadeira
e artística.
2
PERFORMANCE, in: Wikipedia .A palavra tem suas origens no francês antigo: parformance, de
parformer — accomplir — (fazer, cumprir, conseguir, concluir) podendo significar ainda levar alguma
tarefa ao seu sucesso. Palavra que se origina do latim, formada pelo prefixo latino per mais formáre
(formar, dar forma, estabelecer). (...) pode significar iniciar, fazer, executar ou desenvolver uma
determinada tarefa. (...). Segundo o Dicionário Aurélio per pode assumir o significado de movimento
através, proximidade, intensidade ou totalidade, (...) (1.ª ed.). Apresenta uma função de ênfase, como
em perambulante (per- + ambulante). O substantivo forma, também de origem latina, é registado no
Dicionário Aurélio (1.ª ed.) em dezessete significados distintos, destacando-se limites exteriores da
matéria de que é constituído um corpo, e que confere a este um feitio ou configuração particular. De
outra forma o define o Dicionário Etimológico de António Geraldo da Cunha, como modo sob o qual
uma coisa existe ou se manifesta (ex:configuração, feitio,feição,exterior)
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GRIOT, In: Wikipedia. Também grafado griô; com a forma feminina griote, jali ou jeli (djeli ou djéli na
ortografia francesa), é o indivíduo que na África Ocidental tem por vocação preservar e transmitir as
histórias, conhecimentos, canções e mitos do seu povo. Existem griots músicos e griots contadores de
histórias.
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RAKUGO, In: Wikipedia. é um entretenimento japonês baseado em monólogos humorísticos, cujas
origens datam do século XVII. O humorista (Rakugoka) apresenta-se sempre em solo, sentado num
tatame sobre o palco (chamado Koza) e munido apenas de um leque de papel. Em geral as histórias
contadas envolvem longos diálogos entre dois ou mais personagens, sendo que a alternância das
falas é percebida pelo espectador apenas em função do tom de voz do ator, ou de um leve
3
América, chegando a ter contato, inclusive, com repentistas brasileiros. Deste
processo, o qual durou mais de quinze anos, desenvolve duas constatações:
E poética é a forma como ele descreve o que diferencia, a grosso modo, segundo
suas próprias palavras, um discurso poético, daquele que não o é. O poético,
segundo o autor:
movimento com a cabeça. Rakugo significa, literalmente, "palavras caídas". O gênero humorístico foi
conhecido originalmente como karukuchi (piadas), adquirindo a atual denominação a partir do Período
Meiji (1867–1912).
4
para uma mesma canção, ao longo de oito canções. À luz da Semiótica da Canção
de Luiz Tatit, desenvolve e facilita o entendimento dos gestos vocais desses
cantores, em seus contextos musicais, associando as diferenças desses gestos aos
sentidos que criam ou valorizam, tratando do que denomina “Qualidade Emotiva”
dessas vozes, tema que abordaremos mais adiante.
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Estudos da Performance (tradução nossa). Título original do livro de Richard Schechner:
“Performance Studies: an introduction”
5
O ato de performar, segundo Schechner, está ligado a combinações de ações
evocadas a partir de quatro verbos/expressões: ser (being)/comportar-se(to behave),
fazer (doing), mostrar fazendo (showing doing), que seria como “sublinhar” a ação, e
explicar essa “exposição” do fazer (explaining showing doing). Neste último caso,
contemplaria o trabalho dos críticos, a refletir não só sobre o mundo da performance
como, também, sobre a performance do mundo. Assim, as performances seriam
feitas de “comportamentos representados, restaurados por ações que as pessoas
treinam executar, que praticam, que repetem” (FÉRAL, 2009, p.64).
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Ao mesmo tempo, quando apenas lia o texto da música, via que sua ação não
suscitava essas sensações. Ao lembrar-se da sua melodia, no entanto, “ a ilusão era
um pouco mais forte, mas não bastava, verdadeiramente”. Desse modo, entendeu
que a “forma” era a regra. Que qualquer análise parcial da experiência, negaria a
essa “forma”. Ou seja, “ a forma não é regida pela regra, ela é a regra. Uma regra a
todo instante recriada, existindo apenas na paixão do homem que, a todo instante,
adere a ela, num encontro luminoso”. (ZUMTHOR, 2007, p.29)
7
para ela. E Luizinha cantou o que lhe veio no momento, melodia e letra preenchidas
por uma voz expressiva, o que foi captado pelo gravador de Magalhães. Cerca de
quinze anos depois esse fragmento de voz o inspirou a criar de uma dupla de
músicas (“Ondas ao Mar” e “Ondas do Mar”) que compõe esse álbum. Em
entrevista, o músico conta este caso, assim como revela a importância do acaso na
sua realização musical e da abertura que julga necessária como postura para que se
possa receber e criar música. Assim, a resultante musical de seu álbum se alinha
com seu gatilho mercadológico: “Você já sentiu música? ”. Veremos mais adiante,
com Clara Bastos, a idéia do corpo alojar conhecimento através dos sentidos diante
das experiências vividas. Essa apreensão de conhecimento não necessitaria da
racionalidade, atributo o qual nos acostumamos a separar, como entidade distinta,
das sensações. Essa postura de disponibilidade para receber e criar música, como
prega Magalhães, estaria atrelada ao “estado de presença” e seria, também,
importante elemento formante do ato da performance.
9
O ensino acadêmico convencional, basicamente associado à cultura
escrita e à crença de que só existe uma boa maneira de aprender e de
ensinar, centra-se, acima de tudo, em se conseguir uma técnica
adequada para interpretar “corretamente” a música escrita e se esquece,
muitas vezes, das necessidades expressivas do músico, criando uma
separação entre a técnica instrumental e a expressividade individual. (…)
A técnica só ajuda a diminuir essa distância (entre o que o músico sente
e o que pode expressar) quando se coloca em função das necessidades
expressivas de cada indivíduo (ALONSO, 2008, p.53; tradução nossa)7
Entretanto, parece haver uma obsessão, que se estende desde as artes ditas
eruditas às populares, onde a busca pela técnica com finalidade de se atingir o “jeito
certo” de fazer música, ou pela performance que impressiona pela rapidez com que
um músico é capaz de tocar seu instrumento ou pela extensão e potência de uma
voz, por exemplo, é, em parte, apoiada por uma falta de formação cultural que
compreenda a arte e seu papel na humanidade, como aponta a cantora e professora
Joana Mariz em artigo sobre expressividade. Assim sendo, apenas ignora a
grandeza de outros tipos de manifestação artística menos, digamos, “pungentes”.
7
“La enseñanza académica, básicamente asociada a la cultura escrita y la creencia de que sólo existe
una buena manera de aprender y de enseñar, se centra, sobre todo, en conseguir una técnica
adecuada para interpretar “correctamente” la música escrita, y se olvida, muchas veces, de las
necesidades expresivas del músico, creando una separación entre la técnica instrumental y la
expresividad individual.” (…) “La técnica sólo ayuda a disminuir esa distancia (entre lo que siente y lo
que puede expresar) cuando se pone en función de las necesidades expresivas de cada indivíduo.”
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“A través de la improvisación se profundiza la relación entre el músico y el instrumento, ya que el
estudiante tiene que hacer una exploración y una investigación personal de las posibilidades que su
instrumento le ofrece.”
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compara ao próprio transcurso da vida. Segundo Alonso, os erros são materiais
puros, frutos do inconsciente do músico e podem servir como inspiração. Ao serem
“aceitos”, podem servir de estopim para soluções criativas. Ao mesmo tempo,
explorar novos sons através do instrumento, a voz, no nosso caso, parece poder
contribuir para a ampliação de um repertório de gestos vocais, os quais, trazidos ao
campo do “conhecido” em termos sonoros e musculares, poderiam ser acionados
por ele para servir a possíveis necessidades expressivas. A curiosidade seria
combustível para essa investigação.
Sendo a canção o material sobre o qual o cantor popular irá se debruçar para
realizar o seu trabalho interpretativo, acreditamos na importância de se estudar esse
objeto de arte que reside na cultura e no afeto de todo brasileiro, independentemente
de sua preferência estética. “Além de construir a identidade sonora do país, (a
canção) se pôs em sintonia com a tendência mundial de traduzir os conteúdos
humanos relevantes” (TATIT, 2004, p.11). Ou seja, também compõem o “espírito” do
seu tempo. Assim, à medida em que ouvimos e repetimos a escuta das canções,
reiteramos esses conteúdos, fazendo reverberar as sensações que nos provocam.
Mas de que forma essas sensações são fomentadas?
Neste tópico, apontaremos o olhar para as reflexões feitas por Luiz Tatit em
seu livro “O Cancionista”, onde o compositor, músico, linguista e professor
universitário sintetiza conceitos complexos de forma a demonstrar o papel do
compositor: com que recursos ele cria a canção, que orientações atribui a ela e qual
o papel do cantor nesse processo, pela lente de sua “Semiótica da Canção”.
Sobre o compositor, Tatit afirma que este é portador de um “modo de dizer”: não é “ o
quê”, mas o “como” ele cria que faz com que a letra se reitere, assemelhando-se à
fala cotidiana. E adiciona que ele equilibra os elementos melódicos, linguísticos, os
parâmetros musicais e a entoação coloquial, como que sem esforço. Sobre o cantor,
considerado por ele como sendo, também, um cancionista, afirma que ele seria o
portador de gestos vocais, que aprimoram ou modificam o projeto do compositor, o
que aprofundaremos a partir da fala de
12
Luciano Berio e do trabalho de Regina Machado, este último em diálogo com o
vocabulário cancionista.
A voz que canta prenuncia, para além de um certo corpo vivo, um corpo
imortal. Um corpo imortalizado em sua extensão timbrística. Um corpo
materializado nas durações melódicas. É quando o cancionista
ultrapassa a realidade opressora do dia-a-dia, proporcionando viagens
intermitentes aos seus ouvintes. É quando o cancionista tem o poder de
aliviar as tensões do cotidiano, substituindo-as por tensões melódicas,
em que só se inscrevem conteúdos afetivos ou estímulos somáticos.
A voz que fala, esta sim prenuncia o corpo vivo, o corpo que respira, o
corpo que está ali, na hora do canto. Da voz que fala emana o gesto oral
mais corriqueiro, mais próximo da imperfeição humana. É quando o
artista parece gente. É quando o ouvinte se sente também um pouco
artista.
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Ao revelar as suas descobertas a partir dos elos entre a melodia e a letra na
canção, Tatit nos leva a reconhecer neste enlace, possíveis sentidos a serem
expressos através dela, assim como o impacto que os recursos entoativos tem na
eficácia da canção e, consequentemente, a manipulação dos elementos prosódicos
pelo cantor. Assim, o autor oferece ao cantor novas perspectivas a serem
trabalhadas na construção da sua performance. Adicionalmente, ao conferir
ao cantor um poder criador, que, a seu ver, emerge a partir do timbre, e que o
“imortaliza”, gerando o encantamento ou “estado de arte, Tatit nos incita o desejo de
ir além deste atributo da voz, para adentrar um pouco mais nas camadas que estão
por baixo deste cantar.
6. O SOM DA PESSOA9
9
Título de canção do Gilberto Gil.
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Em trabalho sobre a pesquisa e preparação que antecede a performance
musical, a cantora lírica, regente coral e educadora musical Martha Herr compartilha
o que acredita serem passos na busca da eficiência na performance. Herr define o
canto como “uma arte performática de forte base intelectual e científica, (base) que
serve para informar a inspiração artística” (HERR, 2007, p.7). Seu entendimento
sobre eficiência na performance é a “obtenção do efeito visado” ou “a legitimação do
desempenho, de acordo com objetivos pré-determinados pelo performer, sejam
esses objetivos técnicos, expressivos, estéticos ou outros” (HERR, 2007, p.13).
Complementa sua crença com citação de Pareyson: “não se espera que o intérprete
deva chegar a algum tipo de “verdade” definitiva, mas que apenas execute a obra
verdadeiramente. ” (PAREYSON apud Apro, 2006, p.28). Nesse caso,
“verdadeiramente”, segundo seu entendimento, também seria “eficientemente”.
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que chama de “estrutura musical”, que define como o preparo musical do cantor,
propriamente: a repetição, o treinamento para refinamento escuta e da memória
muscular que “mantém as notas no lugar”. Enfim, a partir dessa organização de
informações, e portando a intenção de performar de maneira verdadeira, o instinto
musical do artista se encarregaria de acender a inspiração. Interessante observar
seu modo de pensar o preparo do cantor para a atuação. Sendo uma musicista
erudita, decerto que há uma expectativa geral acerca da técnica, “adequação” de um
modo de cantar de acordo com determinado repertório, entre outros aspectos, o que,
sob o ponto de vista de Alonso, ganha uma visão mais libertadora no sentido da
espontaneidade da expressão do artista. Outro ponto que nos desperta a atenção é
a crença na obtenção de um efeito visado, que se contrapõe com a singularidade do
momento vivido na performance, e que jamais se repete e que veremos se
relacionar em fluxo com o seu entorno. Mesmo assim, à sua maneira, Herr considera
as “chispas de inspiração”, as quais efetivamente experimentou nas suas
performances como cantora.
Assumidamente cancionista, Machado pondera que o cantor popular
manipulará aspectos da voz para conferir credibilidade ao canto. Segundo a autora,
a produção de sentido se reconfigura no seu gesto interpretativo e ele manipulará
aspectos da voz para alcançar esse resultado. Esses aspectos, que ela denomina
“níveis da voz” se referem aos níveis físico (inerentes à natureza da voz, como a
extensão e tessitura, registros vocais e timbre), o nível técnico (relativo à fonação e
ressonância) e o nível interpretativo (através do qual o cantor manipula a articulação
rítmica, o timbre e finalmente, o gesto interpretativo). Este último culmina na
materialização da compreensão do cantor diante da composição. Fazendo escolhas
na fonação e ressonância, timbre, articulação rítmica e também a partir da
capacidade entoativa, o cantor cria um gesto, que a autora denomina como sendo a
“Qualidade Emotiva” da voz. Assim, o cantor pode fazer uso (ou não) de vibrato para
exaltar um estado passional, pode realizar transposições de registro (ou não) para
exaltar aspectos disfóricos, escurecer o timbre para comunicar introspecção, fazer
uso de um canto que se aproxima da voz falada para melhor “convencer” acerca de
determinada mensagem, entre tantas outras possibilidades que não se revelam
como regras, mas formas de o artista manipular os gestos vocais de acordo com o
seu modo de dizer.
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Para interpretar uma canção, então, o cantor percorre um processo através
do qual escolhe sua tonalidade, o que viabilizará uma resultante em termos de
sonoridade a ser compatibilizada com os conteúdos da canção. A partir dessa
escolha, define, também, o aspecto timbrístico da voz, considerando, também, a
escolha do andamento e do arranjo musical como ingredientes que influenciarão a
ação vocal.
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Passional : quando predominam durações vocálicas, muitas vezes
cobertas por algum tipo de vibrato, e a expansão pelo campo da tessitura
com utilização de diversos sub-registros vocais, à maneira de Dalva de
Oliveira em “Ave Maria no Morro”10;
Passional Figurativizada : quando aos valores da passionalização soma
se a presença da fala, criando interjeições que reforçam a dramaticidade
da interpretação; como João Gilberto em sua interpretação para a mesma
“Ave Maria no Morro”11
Passional Tematizada: quando os valores da passionalização somam-se
às reiterações motívicas, os ataques consonantais, ao modo de Tom
Jobim em “Samba do Avião”12
Tematizada: quando predominam as reiterações e recortes rítmicos com
pouca expansão pelo campo da tessitura e’ utilização restrita dos sub
registros vocais, como Gilberto Gil em sua interpretação para o “Samba
do Avião”13;
Tematizado Passional: quando às reiterações e os recortes rítmicos
somam-se a expansão pelo campo da tessitura e as durações vocálicas
(...) ao feitio de Ná Ozzetti em sua versão para “Na Batucada da Vida”14;
Tematizada Figurativizada: quando soma-se a fala aos valores da
tematização, à maneira de Carmen Miranda, na mesma “Na Batucada da
Vida”15 (MACHADO, 2012, p.157)
10
Composição de Herivelto Martins, fonograma da Revivendo Discos (1942)
11
Idem anterior, fonograma da Polygram/Phillips (1991)
12
Composição do próprio Tom Jobim, fonograma da Phonogram/Phillips (1971)
13
Composição de Tom Jobim, fonograma da WEA (1977)
14
Composição de Ary Barroso e Luiz Peixoto, fonograma da MCD (2009)
15
Idem anterior, fonograma da Revivendo Discos (1934)
19
encantamento acontece. Herr faz alusão ao “instinto informado” que eleva o
performer para o nível de expressão artística, enquanto Machado valoriza a
“inteligência sensível” do cantor como virtude para a manipulação da voz na busca
por adentrar o campo sagrado da realização artística, que nenhuma análise seria
capaz de elucidar.
Diante daquilo que pode ser construído e o “lugar” sagrado onde a arte
acontece, ainda reside o corpo do artista. E através dele, nos voltamos para um
intrigante elemento que constitui a performance: a presença. Ou, melhor dizendo, o
estado de presença. A contrabaixista Clara Bastos, que conta com a prerrogativa de
ter participado de performances musicais ao lado Itamar Assumpção, inclusive,
defende que o estado de presença é um dos aspectos formantes da performance
musical, a qual, incorporando esse estado, de forma consciente, pode ampliar os
efeitos da atuação artística, no músico e, consequentemente no ouvinte. O efeito que
ora chamamos de “mágico”, ora de eficácia, ora “estado de arte”, o tal “algo mais”
que buscamos, parece se alimentar desse estado para acontecer.
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Expressão contida na letra da canção “A Tua Presença Morena” de Caetano Veloso.
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Para apresentar a ideia de presença/estado de presença, a autora recorre a
estudiosos das áreas da cognição, filosofia, neurologia e biologia, iluminando novos
caminhos para a reflexão sobre a performance. Um dos autores acessado por
Bastos é o teórico literário e filósofo Hans Ulrich Gumbrecht, que pondera que a
partir da Idade Média começamos a submergir, gradativamente, na “cultura de
sentido”, que privilegia o pensamento, a busca pelo porquê das coisas em
detrimento de uma “cultura de presença”.
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Buscaremos aproximar o entendimento sobre presença e performance a
partir dos autores acessados, para em seguida, dar enfoque para o “estado de arte”,
como uma nova perspectiva. Ao discorrer sobre a presença, cuja definição parece
tão difusa quanto a da própria performance, Gumbrecht informa que a primeira
possui substância, ocupa espaço e “se revela sendo”, assim como o corpo. Ou seja,
se aproxima da forma como Schechner e Zumthor a compreendem. Do primeiro,
herda a convocação dos verbos de ação com base no “ser” (being), “fazer” (doing) e
o “mostrar fazendo”, que sublinharia a ação. Do
segundo, a ideia de materialidade contida no ato performático e que necessita do
que denomina como sendo “presença ativa de um corpo”. Com relação ao que
chamamos de “estado de arte” na performance, Zumthor a denominaria de
“experiência poética”, enquanto Gumbrecht a descreveria como “momento de
intensidade”. Já Peter Brook, estudioso da área do teatro acessado por Bastos, esse
momento em que o ilógico irrompe seria chamado de “arrebatamento”.
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facilitaria a percepção desse estado pelo corpo, através dos sentidos,
convertendo-se em “conhecimento” (do corpo), a ser acessado na performance.
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Referência a letra da canção “Quem Canta Seus Males Espanta” de Itamar Assumpção
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indivíduos. Ouvimos o alerta sobre a importância de entender o papel do artista
como agente de transformação (a começar por si próprio) e, portanto, portador de
responsabilidade a partir das escolhas que faz. Nos descobrimos como parte de uma
cultura de sentido, que nos levou a “buscar entender” e “saber os porquês” a todo
momento o, que, invariavelmente, nos levou, ao final de cada tema, à “chispa”, a
“imortalidade”, ao “sagrado”, ao “mágico”. Por fim, nos aproximamos do estado de
presença, que através do corpo e da redenção, desencadeia a performance viva,
desvelando o fazer artístico, em fluxo acionado pelo próprio performer.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
REFERÊNCIAS ONLINE
PERFORMANCE, In: Wikipedia. Disponível em:
<https://pt.wikipedia.org/wiki/Performance_(arte)#:~:text=A%20palavra%20perfor
mance%20%C3%A9%20formada,%2C%20perdurar%2C%20perpassar%20.>
Acesso em 25/06/2020.
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MANFRED EICHER In: Wikipedia. Disponível em:
<https://en.wikipedia.org/wiki/Manfred_Eicher.> Acesso em: 26/05/2020.
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