Adeus, Dedo Podre - Matthew Hussey
Adeus, Dedo Podre - Matthew Hussey
Adeus, Dedo Podre - Matthew Hussey
Sobre a obra:
Sobre nós:
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Converted by convertEPub
título original Love Life: How to Raise Your Standards, Find Your Person, and Live Happily (No
Matter What)
© 2024 by 320 Media LLC.
Publicado por acordo com a Harper, uma marca da HarperCollins Publishers.
Todos os direitos reservados.
© 2024 VR Editora S.A.
Hussey, Matthew
Adeus dedo podre [livro eletrônico]: Como parar de se iludir, encarar a realidade e ser feliz no
amor (aconteça o que acontecer) / Matthew Hussey; tradução Kícila Ferreguetti — São Paulo :
Latitude, 2024.
ePub
Título original: Love life: how to raise your standards, find your person, and live happily (no
matter what).
ISBN 978-65-89275-64-0
24-227541 CDD-158.2
E para todos os que não só estão em busca do amor como são corajosos o bastante
para amar.
Tenho uma confissão a fazer. Durante boa parte da minha vida, fui um
péssimo namorado. Era até eficiente como palestrante e coach, mas
também era um homem de vinte e poucos anos — ainda que estivesse
vivendo a experiência surreal de ler comentários deixados nos meus
vídeos dizendo: “Ele deve ser o cara perfeito para namorar”. Muitos
presumiam que alguém com a minha inteligência emocional deveria ser
uma pessoa incrível para se relacionar.
Eles estavam errados.
Posso dizer com 100% de certeza que nunca fui, nem de longe, o cara
perfeito para namorar. E, embora eu sempre tenha tido
autoconhecimento suficiente para me sentir desconfortável lendo aqueles
comentários, com vinte e poucos anos — e ouso dizer até mesmo com
trinta e poucos — eu não tinha noção do quanto estavam longe de
serem verdadeiros.
Desde o início da minha carreira como coach de relacionamentos,
sendo um rapaz de dezenove anos que dava conselhos para mulheres, eu
estava fadado ao fracasso como parceiro. Talvez esse seja o destino de
todos os coaches, terapeutas, conselheiros de qualquer tipo que não
adquirem sabedoria antes de sair distribuindo conselhos em larga escala
por aí, ou seja, todos nós. Com exceção talvez de Eckhart Tolle, o autor
de O poder do agora... a sabedoria dele parece ser bem legítima. O resto
de nós deixa a desejar mais do que gostaria de admitir. E a maior peça
que a vida nos prega é que, a partir do momento em que começamos a
falar com veemência sobre qualquer assunto, ela começa a conspirar para
nos fazer meter os pés pelas mãos naquele assunto em questão.
Mas o que fazia de mim um namorado tão ruim?
Eu saía com várias pessoas ao mesmo tempo, sem deixar isso claro
para elas. Na maioria das vezes eu não mentia, só não falava abertamente
porque era conveniente para mim não falar. Às vezes eu me enganava,
justificando para mim mesmo que era a coisa certa a fazer porque eu
estava “protegendo os sentimentos” da pessoa (uma espécie de
relacionamento fluido com a verdade que me esforcei bastante para
mudar desde então). Outras vezes eu sumia sem dar explicações (isto é,
fazia ghosting). Saía com a pessoa e depois deixava o relacionamento
esfriar, sem nunca reconhecer, ou ao menos perceber, que sentimentos
estavam sendo feridos. Em algumas situações eu insistia em buscar a
atenção de pessoas que demonstravam querer ter algo mais sério comigo;
mesmo quando, se eu fosse honesto comigo mesmo, já tinha decidido
que não queria ter nada mais sério com elas. Eu agia assim porque
receber atenção dessas pessoas me fazia sentir bem, e a vida era solitária
sem isso. Nos momentos de tranquilidade e silêncio, quando eu
precisava desesperadamente me recolher com meus sentimentos, resolver
meus problemas e aprender a ficar sozinho, eu pegava o telefone e ligava
para outra pessoa.
Esse é um dos motivos pelos quais meu conteúdo se tornou tão
contundente. Quando alerto mulheres sobre os sinais aos quais devem
estar atentas, geralmente estou falando de uma versão mais jovem e
inconsequente de mim mesmo.
Não estou dizendo que eu não era um cavalheiro. O meu
comportamento era cavalheiresco? Com certeza. Era gentil? Na maioria
das vezes, sim. Eu queria tratar todo mundo bem. Odiava a ideia de um
dia magoar uma pessoa. Eu me importava com os sentimentos dos
outros? Profundamente. Mas, no fim das contas, era com os meus
sentimentos que eu mais me preocupava.
O modo como eu agia durante um namoro casual sempre acabava
magoando as pessoas. Ainda assim, as maiores dores que causei não
vinham quando os relacionamentos não davam certo, mas sim nas vezes
em que eles davam.
Por quê? Porque, mesmo quando achava que estava pronto, eu não
estava. Eu não estava pronto para um compromisso de verdade, aliás
para nenhum tipo de compromisso, muito menos para fazer qualquer
tipo de plano para o futuro. Eu ainda pensava nos relacionamentos
como sacrifício. Contudo, estava pronto para desfrutar da sensação de
estar apaixonado; e isso, eu aprenderia mais tarde, não é a mesma coisa
de estar pronto para um relacionamento.
Não que eu tivesse consciência disso. Se você tivesse me perguntado lá
atrás, eu teria respondido com toda a sinceridade que eu era uma ótima
pessoa para se relacionar. Eu tinha sentimentos profundos, amava
intensamente, me dedicava muito ao relacionamento, era respeitoso,
sensível às necessidades da outra pessoa e bom de papo. Tudo isso
possivelmente me fazia ser o pior tipo de homem para você: a pessoa que
você não antecipa nem enxerga logo de cara. Quando o homem que está
ao seu lado é obviamente um idiota, você sabe onde está se metendo
pelo menos. Pode ser que embarque na dele, pela empolgação do
momento ou pela história, mas com certeza você não espera que a coisa
tenha um futuro.
Assim como a maioria das pessoas que acredita estar sendo inofensiva
aos vinte e poucos anos, eu achava que a minha missão era me apaixonar
por alguém e criar amarras. Mas isso não é um relacionamento. É como
um brinquedo em um parque de diversões: existe para o nosso
divertimento. Quando andar no brinquedo deixa de ser divertido, nós
descemos. Qualquer que seja o aviso de “altura mínima para andar neste
brinquedo” da montanha-russa do romance, a altura exigida para um
relacionamento sério é muito, muito maior.
Capa
Folha de rosto
Introdução
Créditos
1 — Estar solteiro é difícil
2 — Como contar histórias de amor
3 — Controle seus instintos
4 — Cuidado com quem se esquiva demais
5 — Não entre para um culto com dois membros
6 — Sinais de alerta
7 — Tenha conversas difíceis
8 — Atenção não é intenção
9 — Aquele que nunca está satisfeito
10 — Como reprogramar seu cérebro
11 — A dúvida sobre ter ou não filhos
12 — Como terminar quando isso parece impossível para você
13 — Identidade de confiança
14 — Sobrevivendo aos rompimentos
15 — Confiança interior
16 — Feliz o suficiente
Agradecimentos
Recursos para a sua jornada
Entre para o Love Life Club
Venha me ver ao vivo
1
ESTAR SOLTEIRO É DIFÍCIL; é como uma dor que nunca passa. Um dos
propósitos principais deste livro é dar às pessoas um conjunto de
ferramentas que as ajude a atrair exponencialmente mais oportunidades
para sua vida amorosa. Mas outro importante objetivo é ajudá-las a
viverem o presente, a aproveitar a beleza da vida que têm enquanto
permanecem abertas às oportunidades. Só que isso pode ser complicado.
Às vezes, “estar aberto às oportunidades” pode se transformar em
“alimentar a esperança” ou “esperar enquanto sentimos que o resto da
vida não vale a pena ser vivido até que aquilo que definitivamente não
vai acontecer hoje (ou talvez nunca aconteça) finalmente aconteça”.
Na mitologia grega, Pandora não conseguiu resistir e abriu a caixa que
lhe disseram para não abrir. Assim que abriu a caixa — e como ela
poderia resistir? —, Pandora percebeu que ela continha todo tipo de
doenças e males desconhecidos, que agora estavam livres para atormentar
a humanidade para sempre. Pandora rapidamente reconheceu o seu erro
— vamos ignorar por enquanto o fato de que esse mito, assim como a
história de Eva, parece uma justificativa para culpar as mulheres donas
de uma curiosidade saudável por tudo o que há de errado no mundo —
e correu para fechar a tampa antes que a esperança escapasse. Esse é um
detalhe curioso. Pode ser que você questione: “Qual o problema de a
esperança escapar? Como ela poderia ser tão devastadora e perniciosa
como uma doença?”.
Durante anos, sofri com uma dor crônica. O diagnóstico que recebi
foi de tinnitus, ou zumbido, uma espécie de chiado no ouvido que às
vezes — na maioria das vezes, na verdade — vinha acompanhado de
toda a variedade de dores de cabeça incapacitantes que você conseguir
imaginar: dor, tonteira, pontadas na cabeça e ouvidos. Resolver esse
problema se tornou uma obsessão minha durante muitos anos. Se você
acha que eu não estava alimentando a esperança, está enganado. Fui atrás
de praticamente toda possibilidade de cura da qual ouvia falar, e,
morando na Califórnia, ouvi falar de muitas. Eu me consultei com um
osteopata que estalou meu pescoço e minha coluna de um jeito que a
sensação era a de que ele estava separando minha cabeça do corpo. Eu
me inscrevi em algo chamado “terapia de banho de som”, na qual eu
ficava sentado em uma sala com uma pessoa que fazia “um concerto para
um” em sinos tibetanos enquanto a outra tocava um didjeridu, um
instrumento de sopro utilizado por aborígenes australianos, levando as
vibrações “para dentro do meu coração”, segundo me explicaram.
Procurei um médico especializado em enxaqueca que me receitou uma
lista de medicamentos que incluíam injeções mensais. Passei por vários
otorrinolaringologistas, um atrás do outro. Um deles me mandou cortar
o café, bebida alcoólica, o açúcar, o sal e comidas apimentadas, e outro
me disse que o próximo passo seria tomar antidepressivos. Eu já sentia
que precisaria de antidepressivos se realmente tivesse que cortar tudo o
que eles queriam que eu cortasse.
Fiz ioga. Tomei suco de aipo todas as manhãs. Fui ao dentista e gastei
seiscentos dólares com uma placa de bruxismo. Fui a um acupunturista
que fez uma massagem nos meus ouvidos internos e mandíbulas, para a
qual ele colocava os dedos, ao mesmo tempo, dentro da minha boca e
ouvidos e manipulava a área inteira por dentro. Outro acupunturista que
procurei, dessa vez um chinês, prescreveu uma mistura complicada de
sachês de chá de ervas que tinham um cheiro incrivelmente ruim e gosto
de lama misturado com água quente. Tomei essa mistura por um mês, o
que foi praticamente a definição do triunfo da esperança sobre a
experiência.
Viajei para Munique, no meio da pandemia, para fazer um
tratamento no qual extraíam litros do meu sangue (bom, era o que
parecia), que eram colocados em uma centrífuga para separar as
proteínas anti-inflamatórias, e o sérum resultante era reinjetado nas
minhas mandíbulas, atrás do meu pescoço e nos meus ombros vinte
vezes por dia durante quatro dias seguidos. Isso foi perto do Natal,
quando tudo o que eu mais queria era estar com a minha família. Em
vez disso, eu era um dos poucos hóspedes de um hotel enorme, cada um
de nós com uma espécie de invalidez ou coisa parecida, vagando por
aquele mausoléu alemão como se fôssemos fantasmas. Gastei uma
quantidade obscena de dinheiro para me sentir sozinho e infeliz e no fim
das contas só consegui desenvolver uma tolerância vitalícia a agulhas.
Pode-se dizer que fui atormentado pela esperança por anos. Toda vez
que ouvia falar de um novo medicamento, eu criava expectativas. Era
invadido por um sentimento de alívio de saber que a cura estava a
caminho — de que esse novo tratamento finalmente faria a diferença. O
meu sistema nervoso se acalmava porque eu deixava de estar no modo de
catastrofização. Eu já imaginava — podia quase sentir — o fim daquela
condição, que agora tinha até uma data específica para chegar ao fim:
também conhecida como o dia em que eu começaria o tratamento. Eu
falava com meus amigos sobre essa nova cura milagrosa com um
sentimento de empolgação que beirava a alegria. Ainda que continuasse
sentindo dor, a mera possibilidade do alívio parecia causar um efeito no
meu cérebro. Estou contando tudo isso para dizer que compreendo o
estado emocional de alguém que não está em um relacionamento longo
e se empolga quando começa a contar aos amigos sobre o encontro que
teve e que acabou sendo realmente interessante. Eu entendo
completamente. Essa pessoa está começando a considerar a possibilidade
de que a trajetória depressiva em que estava, pelo que parece ser desde
sempre, esteja chegando ao fim.
Eu gosto de fazer essa correlação com a dor crônica porque os
cientistas descobriram que a dor crônica reprograma o cérebro — a
persistência da dor faz os receptores de dor perderem a sensibilidade e
entrarem em um modo de resposta gatilho, no qual são ativados mais
rápido do que seriam em pessoas que não estão expostas ao mesmo tipo
de dor. Isso significa que, nesses casos, não é possível tratar somente a
dor; é preciso reprogramar o cérebro. No entanto, mesmo quando eu
estava nesse estado sempre parecia haver uma válvula de escape: todo dia
havia um momento, logo quando eu acabava de acordar, antes de sair
completamente do sonho que estava tendo e de lembrar exatamente
quem eu era, no qual eu tinha um breve lampejo de como era não sentir
dor.
Todo mundo que viaja conhece esse momento: você acorda e se
pergunta: onde é que eu estou mesmo? Austin? Singapura? Estou em um
quarto de hotel próximo ao aeroporto ou na casa de um amigo? É um
sentimento familiar para qualquer um que já tenha vivido uma desilusão
amorosa: você é presenteado com dez ou quinze segundos livres da
infelicidade, bem na hora em que acorda, antes de juntar todas as pistas
e se lembrar de como se sente, um breve alívio antes de ver as manchetes
do dia, as mesmas de ontem, lhe dizendo que o seu coração está partido.
Assim que se dá conta disso, você diz: “Certo, estou pronto para
começar o dia agora. Já me lembrei do quanto me sinto destruído”.
Você também experimenta lampejos desse sentimento de alívio
durante o dia. Geralmente eu estava completamente absorto com
alguma coisa que fazia quando alguém próximo perguntava: “E a cabeça,
está doendo hoje?”. E eu precisava admitir: “Ah, é mesmo, está doendo
um pouco. Mas até dez minutos atrás estava tudo bem”. Todas as pessoas
que insistiam em me dizer “Pode acreditar, vai passar” também não
estavam me ajudando, porque aquela esperança corrosiva me
desconectava da minha vida. Esperar pelo dia em que tudo estaria
melhor tornava impossível para mim aproveitar a vida como ela era. Eu
criava as condições perfeitas para me decepcionar todas as vezes que não
melhorava.
Finalmente aprendi a mudar a minha relação com a dor, que eu
percebia que era diferente dependendo do dia. Comecei a ficar curioso
com isso. Passei a monitorar o que estava acontecendo naqueles dias nos
quais, em uma escala de dor de 0 a 10, a dor estava em 7 ou 8 e o que o
acontecia de diferente nos dias em que a dor estava em 4 ou 5 na escala
de dor. Quando se trata do dia a dia de uma dor crônica, qualquer
pequena variação na intensidade faz toda a diferença. Essa mesma escala
e cálculos ajudam com as dificuldades de estar solteiro também: é
possível cultivar a curiosidade sobre as experiências que diferem em
alguns níveis daquelas que costumávamos ter. É como aquele momento
ao acordar: quanto mais eu conseguia permanecer curioso, mais tempo a
dor levava para se fazer presente.
Esse tipo de curiosidade, sobre o qual vamos falar ao longo deste livro,
permite que você adote uma perspectiva de experimentação social em
sua vida. Digamos que você normalmente entre em pânico quando
alguém com quem está saindo não responde às suas mensagens com a
mesma rapidez do início e que você comece a pensar que vai se magoar
porque provavelmente gosta mais dessa pessoa do que ela de você. Talvez
isso seja suficiente para fazer você agir com frieza na próxima vez que se
encontrarem, ou adotar um tom agressivo. Mas, se você tentar ter uma
reação diferente — admitir que ficou um pouco triste porque gosta de
ter notícias da pessoa —, talvez essa vulnerabilidade, essa honestidade
que não é o que você normalmente faz, obtenha um bom resultado.
Também é possível que isso não aconteça, e tudo bem, porque o
resultado não é o objetivo. Agora você vai começar a testar a variedade
de reações disponíveis a partir de uma leve mudança de marchas. Nós
podemos ficar tão acomodados em nosso próprio mundinho que não
compreendemos o quanto o espectro de experiências possíveis é vasto.
No entanto, quando nos permitimos testar diferentes formas de pensar, é
como se estivéssemos nos libertando de uma prisão. Desse modo, a
curiosidade o ajuda a se libertar do medo, e ao fazer isso você tira
daquilo que teme o poder que isso tem sobre você. Essa atitude — de
transformar a sua vida num experimento social — pode levar a
resultados que você nunca teria previsto. Mesmo quando os resultados
parecem pequenos — como a diferença entre 7 e 5 numa escala de dor
—, ainda assim eles representam uma vantagem que você pode usar para
mudar a sua vida. Por fora, essa pequena mudança de comportamento
pode nem chegar a fazer a diferença, mas por dentro o resultado pode ser
surpreendente. Esse resultado não é o fato de obter uma reação
levemente diferente, e sim o de que uma reação diferente é possível
devido ao seu esforço e à sua curiosidade. Isso pode gerar um alívio
imenso. É um sinal de que você está reprogramando o seu cérebro.
2
Ele: Madame, com licença, acho que você deixou isto cair.
Ela (mais para si mesma do que para ele): Nossa, deixei?
O castelo
Vamos começar com o “como saber”. Para saber como agir em qualquer
situação, devemos começar fazendo uma pergunta básica sobre as nossas
vidas amorosas: O que vale a pena valorizar?
É importante que façamos essa pergunta em voz alta, com
consciência, ainda que um pouco céticos, porque, se deixarmos nosso
subconsciente decidir o que valorizar, ele sempre vai seguir o mesmo
padrão que leva a um erro de cálculo perigoso, por exemplo: Essa pessoa é
importante porque eu gosto muito dela. O que está longe de ser verdade.
Gostar não valida a importância, pelo menos não automaticamente. Para
determinar o valor de alguém como um legítimo candidato a um
relacionamento de longo prazo, podemos usar um modelo que eu chamo
de “Os quatro níveis de importância”:
• Eu não sei o rumo que o relacionamento está tomando; ele parece não
querer levar as coisas adiante.
• Às vezes nós ficamos dias sem nos falar e eu sinto que não existo para
ele, mas tenho medo de conversar com ele sobre isso.
• Eu gostaria que fôssemos monogâmicos, mas ele não está pronto.
Diminuindo a intensidade
Quando atuo como coach de alguém, a última coisa que eu quero dizer é
“Seja menos intenso!”, porque, bom, é uma coisa muito intensa de se
falar. Mas é importante lembrar que, por mais intoxicante que o
comecinho de um relacionamento seja, é também o momento no qual é
mais provável que você vivencie a incerteza (tanto a da outra pessoa
quanto a sua própria). A conexão e a intimidade aumentam em um
ritmo imprevisível, com recuos e avanços. É natural sentir que você se
esforçou demais e achar que precisa compensar por algum erro
(imaginário?) dando um passo para trás. Você não vai conseguir vencer
essa imprevisibilidade — que é natural e até mesmo válida em ambos os
lados — tentando compensar na certeza do seu lado. Reconheça essa
oscilação, por mais imprecisa que ela possa parecer, como parte do fluxo
natural das coisas. Sentimento permanente é algo que não existe. Os
sentimentos passam. Como escreveu o poeta Rainer Maria Rilke: “Deixe
que tudo aconteça com você: a beleza e o horror. Apenas siga em frente.
Nenhum sentimento é o último”.
Às vezes me convidam para dar uma palestra em algum lugar ou
participar de um evento que parece ser incrível — se de fato acontecesse!
Já que não tenho como saber se uma organização complexa vai
funcionar, eu não penso nessas possíveis oportunidades de trabalho.
Tenho uma frase feita para essas situações: “Vamos ver”. Não é uma frase
muito empolgante — talvez seja até tediosa — e às vezes frustra as
pessoas da minha equipe que gostariam de fantasiar comigo sobre todas
as coisas boas que podem resultar dessas oportunidades incríveis. Mas só
de dizer “Vamos ver” eu já controlo a empolgação e me lembro (e a
todos que estou chateando) de que nada é real até que seja real. Isso
também me ajuda a me manter focado nas coisas que posso controlar
para valer, como assegurar que continuo progredindo em outras áreas
importantes da minha vida, em vez de esperar e desejar que essa
oportunidade se concretize.
A mesma lógica se aplica ao namoro. O Primeiro Encontro não
deveria vir acompanhado de expectativas. Se ficamos muito empolgados
(ou muito exigentes!), podemos embaçar nossa visão para aquilo que
realmente está acontecendo. É claro que existem coisas mínimas que
podemos esperar, como gentileza básica de ambas as partes. Se a pessoa
se atrasar uma hora, mostra que deixa a desejar no quesito respeito. Fora
isso, o Primeiro Encontro deve ter como objetivo ser divertido, e para
você o de ser uma boa companhia. Em um primeiro encontro queremos
ver se a pessoa é uma boa companhia, mas queremos ser uma boa
companhia também. Depois do Primeiro Encontro, queremos manter
um bom equilíbrio entre as trocas para ter certeza de que estamos sendo
presentes. É como um namoro baseado no princípio da atenção plena: se
é o Terceiro Encontro, esteja presente no Terceiro Encontro. Não pule
para o Quinquagésimo Sexto Encontro. Permita-se aproveitar cada
estágio. Tire o pé do acelerador. Enxergue a outra pessoa pelo que ela é e
vocês dois vão relaxar. Tenha cuidado para não projetar na pessoa
qualidades incríveis ou míticas que ela não tem.
É difícil dizer tudo isso a alguém. Pedir para o outro questionar seus
instintos pode ser um equivalente a dizer “Seria melhor não confiar em si
mesmo” — isso é o oposto da mensagem deste livro, que tem mais a ver
com reconhecer que esses instintos são extremamente normais e uma
característica básica do ser humano, mas que podem nos machucar
quando: cedemos àquilo que superficialmente se parece com o que
buscamos durante toda a nossa vida; cancelamos todos os nossos
compromissos por causa de alguém; nos precipitamos; nos deixamos
levar pela empolgação dos nossos amigos, que acaba aumentando os
riscos; afundamos o pé no acelerador; procuramos um motivo quando
alguém desaparece; atribuímos muita importância rápido demais a
alguém (enquanto nos desvalorizamos); baseamos nossos sentimentos em
qualidades difíceis de serem descritas e não naquelas que realmente
evidenciam um ótimo parceiro; decidimos lutar ainda mais quando a
pessoa se afasta; ficamos nos corrigindo quando achamos que a pessoa se
afastou por algum erro nosso.
Precisamos desafiar esses instintos de maneiras que a princípio podem
parecer extremamente contraintuitivas, mas que trarão mais paz e
felicidade às nossas vidas amorosas: desacelerar; controlar a empolgação;
“dar um tempo” quando alguém não está respeitando ou demonstrando
reciprocidade pela energia que gastamos; valorizar alguém que está
presente em vez de alguém que desaparece; substituir a curiosidade
tranquila — aquela que permite que o outro tenha espaço para ser quem
é — por emoções mais intensas; equilibrar o otimismo com a
mentalidade do “vamos ver”; e prestar atenção nas qualidades reais que
fazem de alguém um ótimo parceiro. Assim como no exemplo da
correnteza, a princípio pode parecer contraintuitivo pegar o caminho
mais longo de volta para a praia, mas os resultados serão mais reais e
duradouros.
Todas essas coisas ajudam a encontrar a perspectiva certa no
comecinho do namoro e têm o bônus de tornar você mais atraente para
a pessoa em questão. Como Martin, o instrutor de boxe, costuma dizer:
“Quando a vida acontece, não confiamos nos nossos instintos, mas sim
no treinamento”. Com o tempo, o seu novo treinamento pode até se
transformar em novos instintos — instintos pelos quais você se tornará
cada vez mais grato à medida que vivencia uma vida amorosa mais franca
e mas recompensadora.
O pior instinto de todos é o de subvalorizar tudo o que você tem a
oferecer. Nunca se diminua dando tudo para alguém que não merece ou
que não provou ser merecedor ainda. Esse é o principal motivo pelo qual
você deve proteger o seu coração de se deixar levar pela fantasia antes
que você realmente tenha oportunidade de conhecer alguém. No
começo, você só enxerga o comportamento inicial (que costuma ser o
melhor) dessa pessoa. Como ela faz você se sentir no início não é um
reflexo do caráter dela; é um reflexo do impacto dela. O verdadeiro
caráter é constante; ele só pode ser medido com o tempo.
4
Diga tudo isso com gentileza, mas seja direto na sua intervenção.
Afinal de contas, o que está em jogo são seu tempo e sua energia.
Todos temos receio de receber respostas desagradáveis na vida. Eu sei
o quanto esse medo pode ser poderoso e nos impedir de ter conversas
que realmente precisamos ter. Mas eu também sei que cultivar a nossa
confiança e uma perspectiva ampla pode mudar isso. Você verá que
mesmo a resposta que já considerou ser o seu pior pesadelo é apenas um
sinal apontando na direção de algo que é mais merecedor do seu tempo e
da sua energia. Quando você se encontra em uma situação como essa,
descobre que fazer essa pergunta é algo natural, porque quem se valoriza
de verdade está trabalhando duro para proteger seu tempo e sua energia
e, em vez da fantasia que alimenta sobre o relacionamento no qual está
— e talvez o que pode ser ainda mais perigoso —, a fantasia do que
poderia ser. Nunca vamos livrar o mundo das pessoas que se esquivam,
mas também não precisamos fazer isso. Quando fazemos perguntas
difíceis e agimos com base nas respostas que recebemos, não precisamos
nos preocupar se estamos desperdiçando nosso tempo com mais
ninguém.
Ainda assim, é possível que, apesar do aviso inicial, você se apaixone
por uma pessoa que se esquiva, por todos os seus truques, armadilhas
emocionais, pontos cegos e paredes erguidas. Acontece mais do que
gostaríamos de admitir — o que faz sentido, porque não admitir que
algo acontece é o que o leva a acontecer no fim das contas! No entanto,
quando evitamos confrontar essa mesma coisa que tememos estar
realmente acontecendo conosco, uma dinâmica estranha começa a tomar
conta. Passamos a acreditar na lógica distorcida da pessoa que se esquiva,
às vezes com tanto sucesso que nos surpreendemos quando outras
pessoas parecem questionar a linha de raciocínio que passamos a aceitar.
Se você suspeita que isso talvez se aplique a você, então, por favor,
considere o alerta que será feito no próximo capítulo.
5
Ou:
Eu gostaria de enfatizar que isso não deve ser usado para pressionar a
pessoa. Esse tipo de coisa raramente funciona. O objetivo é ser
verdadeiro com você mesmo e com o que deseja, enquanto demonstra
que não está julgando o outro pela fase na qual se encontra, mesmo que
isso signifique que vocês dois precisam seguir cada um o próprio
caminho:
Isso não quer dizer que a gente tem que apressar as coisas... Só quer
dizer que, se não for o que você quer, prefiro ir mais devagar até
que você se sinta do mesmo jeito — e se isso não acontecer, tudo
bem também, nem tudo é para ser.
SINAIS DE ALERTA
Acabei de fazer uma busca por “sinais de alerta” (“red flags”) no YouTube,
só para ver os tipos de conselhos que estão circulando por lá. (Para
minha surpresa, muitos desses conselhos são meus!) No entanto, se
considerados como guias para os tipos de sinais de alerta, todos esses
vídeos podem ao mesmo tempo gerar confusão e sobrecarga emocional.
Veja uma amostra do conteúdo de vários canais: Ele não te elogia? Sinal
de alerta — Desinteresse; Ele te elogia demais? Sinal de alerta —
Bombardeio de amor (Love bombing); Ele nunca faz perguntas sobre
você? Sinal de alerta — Narcisista; Ele faz perguntas demais sobre você?
Sinal de alerta — Controlador demais; Ele trata a mãe com desrespeito?
Sinal de alerta — Imaturidade. Ele é muito ligado à mãe? Sinal de alerta
— Imaturidade também.
À medida que começa a estudar esse catálogo, você pode se esquecer
de que pessoas são apenas pessoas, humanas, propensas a cometer erros.
Nem todo mundo se recupera completamente de seus traumas antes de
sair para um encontro. Se o scanner fosse utilizado em nós, será que
veríamos algum sinal de perigo ali também? Será que é útil saber tudo
isso? Se os extremos de cada traço comportamental se tornarem um
grande sinal de alerta, quem permanece no meio-termo, na pequena
amostra de “pretendentes com potencial” que sobra?
A obsessão por sinais de alerta concentra a nossa atenção em duas
direções: o passado e o futuro. Não somos capazes de compreender o
quanto um sinal de alerta pode ser valioso (ou o quanto seria prejudicial
ignorá-lo) sem antes realizar uma espécie de perícia em nossos próprios
relacionamentos (demonstrando um pouco de orgulho perverso dos
piores deles), nos perguntando o que deu errado — tentando catalogar
cada ex segundo um sinal de alerta ou outro — e quanto tempo levamos
para perceber. Existe um sentimento catártico em saber que no fundo
nós sabíamos — mesmo que tenhamos ignorado por muito tempo e
sacrificado o nosso bem-estar e a nossa autoestima. Por um lado, é um
inventário das nossas cicatrizes, provas de que vivemos e amamos. Por
outro, é uma forma de dizer para nós mesmos: “Não, analisando agora,
eu não estava cego nem louco. Eu sempre soube que a coisa iria terminar
mal”.
Pensando no futuro, podemos converter esse catálogo em um manual
que nos permita poupar tempo (e sofrimento). Se conseguirmos
identificar um comportamento desqualificante no Terceiro Encontro,
então não precisaremos desperdiçar um ano até chegar ao
Quinquagésimo Terceiro Encontro. O tipo de ataque preventivo que é
bom para todos. Nosso tempo é limitado. Por que sofrer sem necessidade
ou mergulhar em situações que sabemos que nos causarão sofrimento?
No entanto, em quais sinais de alerta vale a pena focar? Quando
praticamente qualquer traço comportamental pode ser utilizado como
motivo de término, quais deles realmente nos machucam mais, tanto
agora quanto no futuro? A seguir apresento a minha tentativa de reduzir
a lista a alguns tópicos que são desproporcionalmente responsáveis por
causar o maior tipo de dano; aqueles que possivelmente nos causarão
mais sofrimento se escolhermos ignorá-los.
Fala mal de vários ex
Eu queria intitular esta seção “Falar merda sobre os ex”, antes de me
lembrar que algumas pessoas realmente têm ex terríveis. E ninguém
deveria se conter quando for falar sobre o quanto sofreu em um
relacionamento anterior. Ter conhecimento sobre o sofrimento do outro
(e compartilhar o nosso próprio em troca) é um estágio importante no
caminho que leva à intimidade.
Tudo bem. Mas e quando conhecemos alguém que diz “todos os meus
ex são babacas” ou “todas as minhas ex são loucas”? Com alguém assim,
das duas, uma: ou se trata de alguém que não se responsabiliza por todas
as maneiras como uma pessoa é difícil de se lidar e então, em vez de
focar naquilo que precisa mudar, prefere direcionar a conversa para as
maneiras como os outros erraram com ela. (Pessoas assim tendem a fazer
a mesma coisa quando são demitidas do emprego.) Ou a segunda
possibilidade: trata-se de uma pessoa cujos ex eram mesmo
extremamente tóxicos — porque é exatamente esse tipo de pessoa que a
atrai! O primeiro tipo de pessoa vai ficar contra você ao primeiro sinal de
conflito, e você vai acabar como o exemplo mais recente do seu exército
de “ex loucos”. O segundo tipo vai te testar para ver se você pode se
tornar — ou se ele pode fazer você se tornar — o tipo de louco que o
atrai, com quem se sente confortável, ou o tipo de louco que precisa
rejeitar para se sentir bem consigo mesmo. Se você não quiser fazer parte
da dinâmica dessa pessoa — o que é uma reação saudável —, ela vai
dizer que você é sem graça ou se sentir ameaçada por você e
provavelmente vai te magoar antes de seguir em frente, para uma pessoa
que possa desempenhar esse papel para ela.
Trata mal os outros quando acha que você
não está vendo
Esse sinal de alerta aparece quando uma pessoa que está tentando te
impressionar, te seduzir, dormir com você ou fazer você se apaixonar por
ela apresenta uma versão seletiva de si mesma. Atores ruins fazem isso, é
verdade, mas isso também se aplica a qualquer um que exibe o seu
melhor comportamento. Sejamos sinceros: somos diferentes quando
estamos mal-humorados com um irmão e quando estamos em um
encontro. Mas às vezes você estará de fato namorando o Dr. Jekyll, para
só vê-lo se transformar no Sr. Hyde quando ele interage com os outros.
Todos sabemos que devemos observar cuidadosamente como as
pessoas tratam quem elas acreditam não ser útil para elas, principalmente
quando aquela pessoa está apenas fazendo seu trabalho: o garçom ou o
barista, o manobrista, o funcionário do serviço de atendimento ao
cliente. No entanto, boas avaliações nesses casos nem sempre são
confiáveis: talvez seu pretendente estivesse ciente de que você o estava
observando. Enquanto há plateia, continua sendo uma performance. O
verdadeiro teste é como essa pessoa trata alguém quando acha que você
não está vendo ou esqueceu que você está por perto. Não estou
recomendando grampear telefones ou esconder câmeras em seus locais
de trabalho, mas sim que você preste atenção. Existem buracos na
atuação do outro? Tome cuidado para não ficar tão cego pela adoração
que recebe a ponto de não perceber o quanto essa atenção é realmente
volúvel.
Um último aviso: pode ser tentador gostar do fato de que alguém
trata mal os outros ao mesmo tempo que nos trata tão bem. Às vezes,
quando as pessoas são grosseiras com os outros e gentis com a gente, isso
nos faz sentir validados porque, de alguma forma, nós domamos a fera.
Nos sentimos especiais; é maravilhoso ter a sensação de que somos o
ponto fraco de alguém. Isso nos dá um status único. Quem nunca
assistiu Game of Thrones torcendo para ser Daenerys Targaryen, Mãe dos
Dragões, a única a ter o afeto das feras que cuspiam fogo e não deixavam
ninguém mais chegar perto? Na vida real, porém, precisamos ter cuidado
ao subir nesse pedestal: ele é uma armadilha. O holofote que alguém
coloca sobre você não deveria nunca andar de mãos dadas com não tratar
os outros com o mínimo de dignidade e respeito. No mesmo sentido,
não deixe de pensar em como seria a sua experiência se essas pessoas
decidissem trocar a luz do holofote pela do fogo.
Bombardeio de amor
Uma mulher em um dos meus eventos descreveu o rapaz que tinha
conhecido como “muito intenso” logo no início, citando o poema que
ele havia escrito para ela sobre ela ser uma deusa. Quando eu disse a ela
que achava que ele se revelaria uma perda de tempo, grande parte da
plateia soltou uma sonora lamentação em resposta ao meu ceticismo.
Mas — alerta de spoiler —, à medida que a mulher seguiu falando,
aparentemente ele já tinha se mostrado uma perda de tempo e
desaparecido com a mesma rapidez com que aparecera.
Pessoas que fazem bombardeios de amor — como essa imagem de
homem — recebem esse nome por causa da artilharia pesada contra
você, desde o início, com um nível de adulação completamente
desproporcional a quanto realmente te conhecem. Elas mergulham de
cabeça no amor, querem que as acompanhemos nesse mergulho e se
ofendem quando não demonstramos a mesma empolgação com o
relacionamento.
Existe um aspecto fascinante sobre o bombardeio de amor: encontrar
alguém que se apaixona tão rápido assim pode ser semelhante a entrar
em um estúdio de cinema. E é com isso que eles contam — todas
aquelas fantasias românticas que nos tornam sedentos por uma história
de amor. É importante observar que existem diferentes tipos de pessoas
que usam essa tática, desde aquelas que têm ideais imaturos sobre o que
é o amor combinados com dificuldades para controlar seus impulsos até
atores do mal que sabem que, quando desejamos encontrar um amor,
acelerar o processo pode parecer exatamente aquilo que queríamos. É
esse instinto que o segundo tipo maligno explora.
Por isso, precisamos prestar atenção e não permitir que o nosso desejo
por viver nossa própria história de amor tecnicolor nos cegue para o
sentimento inconfundível de que tem alguma coisa errada com o ritmo
estranhamente acelerado que essa pessoa escolheu dar ao relacionamento.
Por que será que uma pessoa que mal nos conhece nos diz que somos o
amor da vida dela? Significar tanto assim para uma pessoa e tão rápido
desafia a lógica. É claro que seria ótimo encontrar alguém que enxergue
o quanto somos especiais. Mas será? Depois de um café?
Como podemos diferenciar pessoas que fazem bombardeios de amor
daquelas bem-intencionadas que só estão empolgadas conosco no início
do relacionamento e não conseguem conter essa empolgação? Um bom
ponto de partida é se perguntar se a intensidade é um fenômeno
recíproco ou se é unilateral; apenas da parte do outro. Pergunte a si
mesmo: Será que correspondi à energia dele? Será que disse “Também
senti demais a sua falta”? Ou “Sim, eu também quero largar tudo para
ficar com você”?
Lembre-se: quando uma pessoa está profundamente interessada em
você, começa a perceber o que está em jogo entre vocês dois, e a última
coisa que ela quer fazer é estragar isso fazendo parecer que está forçando
a barra ou demonstrando todos os seus sentimentos irracionais. Ambos
estão testando o território com cautela. Na verdade, pessoas que
percebem que estão se apaixonando uma pela outra podem acabar
agindo com formalidade e constrangimento quando estão juntas, quase
que de forma antiquada em suas trocas.
Se você notar que a velocidade e a intensidade vindas do outro lado
parecem ser gratuitas nesse estágio inicial, não é necessário formar uma
opinião concreta a respeito de se tratar de fato de um sinal de alerta. Em
vez disso, procure simplesmente que tirem o pé do acelerador. A reação
do outro pode ser reveladora. Será que ele, talvez um pouco
envergonhado, pedirá desculpas e se distanciará um pouco na esperança
de que isso os ajude a recuperar a sintonia? (Talvez não seja um sinal de
alerta, afinal.) Ou será que ele vai continuar como se você não tivesse
dito nada?
Paciência, controle e a capacidade de conter suas vontades podem ser
bons sinais de que alguém valoriza o relacionamento pelo qual anseia em
vez da satisfação imediata daquilo que seu coração (ou qualquer outra
parte da sua anatomia) anseia. Se alguém não demonstra interesse em
respeitar o seu desejo, cuidadosamente verbalizado, de seguir numa
velocidade mais orgânica ou demonstra não ter vergonha de bombardeá-
lo com declarações de amor que parecem desconectadas das suas reações,
fique atento.
Na melhor das hipóteses, isso geralmente quer dizer que a visão dessa
pessoa sobre o amor é imatura e desenfreada ou que a imagem que ela
tem de você é a projeção de uma perfeição que você não vai conseguir
atingir; as duas coisas significam que os picos de “amor” dessa pessoa
provavelmente serão seguidos de um enfraquecimento igualmente
brusco dos sentimentos dela quando os seus defeitos e a sua humanidade
aparecerem. Em outras palavras, fique atento para o tipo de bombardeio
de amor que faz uso de ondas de afeto extremo como forma de disfarçar
a busca pelos seus defeitos. Uma das assinantes do meu canal no
YouTube resumiu essa situação perfeitamente em seu comentário no
vídeo que publiquei intitulado: “Como saber se alguém está nos
bombardeando de amor”:
Na pior das hipóteses, isso quer dizer que a pessoa faz bombardeio de
amor e é extremamente manipulativa, talvez até de um jeito mais
malicioso, e essa se torna uma estratégia consciente para extrair de você
um nível de interesse e uma profundidade de sentimentos que nunca
demonstraria naturalmente nesse estágio. Os especialistas dizem que
essas são as características básicas de um narcisista. Em primeiro lugar, é
um sinal de egoísmo criar sentimentos inexplicavelmente intensos para
depois abandonar alguém ao primeiro indicador de suas imperfeições
humanas — em outras palavras, assim que a conexão começa a sair da
fantasia do romance e caminhar para um compromisso de fato. Em
segundo lugar, é uma forma de objetificação. Uma pessoa narcisista (ou
com comportamento narcisista) só quer que você se apaixone por ela,
para se sentir validada como um ser digno de um amor supremo. Ela não
se preocupa com as possíveis consequências para você. “Você está
apaixonado por mim? Que ótimo! Agora posso finalmente cair fora”. É
por isso que eu alerto as pessoas para tomarem cuidado quando os
primeiros encontros são extraordinariamente bons. Esse tipo de pessoa se
mata para proporcionar ótimos primeiros encontros porque precisa
desesperadamente impressionar o outro. Você pode ser perdoado por ter
achado que era por sua causa, mas, desde o começo, era por causa dele.
Lembre-se de que uma pessoa emocionalmente saudável, que leva a sério
a busca por um relacionamento, não está procurando uma plateia, e sim
uma conexão. E uma conexão verdadeira nunca é unilateral.
Inconstância na comunicação
É fácil nos empolgarmos quando alguém começa uma cruzada, nos
enviando mensagens sem parar. Entretanto, com isso, corremos o risco
de medir o potencial desse alguém pelos picos da sua intensidade e não
pela constância da sua comunicação. Por outro lado, quem nunca lidou
com alguém que responde enviando cinquenta mensagens no intervalo
de uma hora para, na semana seguinte, fazer um voto de silêncio?
Pode não ser tão empolgante quando alguém nos envia uma
mensagem no final de um dia de trabalho ou liga a cada dois dias, mas
esse tipo de constância tem seu valor. Se essa frequência de comunicação
é suficiente ou não para você se torna uma questão de compatibilidade e
não um sinal de alerta.
O que se torna um sinal de alerta, no entanto, é a comunicação
inconstante. Na melhor das hipóteses, significa que a pessoa não quer
nada sério com você. Ela não está buscando ter um relacionamento e sim
experiências. Se ela acordar em um sábado e de repente quiser afeto,
proximidade ou companhia para aquele dia, lá estará você. Mas depois
ela volta a desaparecer, retornando para tudo na vida dela que
aparentemente não inclui você. Ela não se importa que essa falta de
constância e previsibilidade matem a dinâmica do relacionamento — na
verdade, isso acaba fazendo um favor a ela. Os momentos em que ela
entra em contato mantêm o seu interesse, enquanto os momentos de
silêncio na comunicação inviabilizam o progresso do relacionamento,
que fica congelado onde está.
Na pior das hipóteses, isso significa que essa pessoa está vivendo uma
vida dupla sem que você tenha conhecimento. Quando a comunicação
com você é interrompida, é porque ela foi retomada com a outra pessoa
na vida dela. Se você começar a se afastar de alguém assim, não se
surpreenda se de repente o outro começar a tentar se esforçar mais.
Geralmente é um esforço para manter você disponível para a próxima
vez que ele precisar de um pouco da sua atenção.
Geralmente há sinais iniciais de que alguém não é quem diz ser, que
não se sente da mesma forma e não está comprometido do mesmo jeito
que você. Pode ser que você sinta que as coisas acabaram de repente e
que o desaparecimento parece inexplicável, dados os sentimentos que o
outro alegou ter ou as demonstrações de afeto que deu, porém uma
análise honesta revelará que havia sinais de alerta indicando essa partida
repentina desde o início.
Acabar em um relacionamento abusivo:
“Meu corpo. Sofri abuso sexual e precisei de anos de terapia para
não me culpar pelo comportamento abusivo dele.”
“Tudo que trabalhei duro para conseguir, o futuro que queria,
minhas economias, meu emprego, minha sanidade, tudo.”
Pode ser que você queira um compromisso e o outro, não; que você
queira um relacionamento monogâmico e o outro não acredite nisso.
Que você queira uma família e o outro não esteja interessado em ter
filhos. Quando ignoramos o desalinhamento de intenções desde o início,
continuamos investindo tempo e energia sem perceber que não
estávamos no mesmo caminho que o nosso companheiro de viagem. E
muitas vezes levamos anos para perceber ou finalmente aceitar que
estávamos seguindo direções completamente contrárias desde o início.
Cerca de oito anos atrás, uma marca de camisinha me contratou para ser
um dos porta-vozes de uma campanha de utilidade pública sobre sexo
seguro. Na condição de “especialista em relacionamentos de renome
mundial”, de acordo com o comunicado divulgado à imprensa, a marca
me pediu para falar sobre as muitas formas como as pessoas se engajam
em comportamentos de risco. Primeiro, me levaram até Nova York para
conversar com inúmeros veículos de mídia e revistas, cada um com o seu
próprio público-alvo e riscos específicos de sua demografia. Em uma das
revistas, por exemplo, os editores me disseram que ainda existia uma
cultura de machismo na qual muitos homens não queriam usar
camisinha e muitas mulheres não só ficavam com receio de ter essa
conversa com eles como também de insistir para que usassem.
Em muitos aspectos, o sexo seguro é o ponto de partida das conversas
difíceis, para casais hétero e homoafetivos; enfim, para todo mundo.
Quantas vidas mudaram para sempre porque durante um momento
crucial alguém se sentiu muito sem jeito ou envergonhado — ou pior,
intimidado — de ter uma conversa desconfortável? A nossa cultura
também não ajuda. Eu me lembro de ser conduzido a uma sala de som
para cumprir meu papel de porta-voz e ser conectado com uma estação
de rádio atrás da outra. Dei tantas entrevistas seguidas na hora do rush
que não conseguia mais saber quem estava do outro lado da linha ou
para qual parte do país eu estava falando, mas teve um apresentador em
específico, de um programa de rádio que deveria ser transmitido em uma
região conservadora, porque ele me deu boas-vindas à rádio “fulano de
tal FM” dizendo:
— Agora vamos receber um cavalheiro aqui, Matthew Hussey, que vai
conversar conosco sobre, e vou dizer essa palavra apenas uma vez,
“camisinha”. Então, Matthew, o que você acha que está acontecendo?
Por que temos tantas pessoas que não fazem sexo seguro?
Eu não pensei duas vezes antes de responder:
— Bom, parte do problema deve ser pessoas como você, que
aparentemente acreditam que é ofensivo dizer a palavra camisinha mais
de uma vez em uma entrevista de rádio. — Sinceramente, se eu tivesse
pensado duas vezes teria sido ainda pior. Pelo menos acabou rápido.
Outra conversa difícil que aparecerá: filhos, embora “filhos” seja como
chamamos uma conversa quando ela é tranquila, quando acontece mais
ou menos assim: “É claro que eu quero, quem não quer ter filhos?”. Na
sua versão mais difícil, o assunto é o relógio biológico (algo que vamos
discutir em detalhes no Capítulo 11). Já testemunhei inúmeras situações
nas quais as pessoas evitam ter conversas difíceis, que (para ser justo) têm
o potencial de colocar um ponto-final no relacionamento, com seus
parceiros a respeito de visões desalinhadas sobre ter filhos, levando a uma
desilusão muito maior no futuro e a um sentimento de arrependimento
profundo. A experiência de perto que tenho com esse tipo de
arrependimento me convenceu de uma coisa: toda conversa difícil que
temos hoje, que nos salva da angústia do arrependimento no futuro,
deve estar no topo da nossa lista de prioridades.
A nossa disposição para ter conversas difíceis é o reflexo exterior de
uma necessidade interior que recentemente se tornou evidente —
baseada em um conhecimento amplo sobre o tipo de vida que queremos
viver. Conhecer nossas necessidades e ter conversas difíceis andam de
mãos dadas. Assim que você decidir o que quer, vai conseguir comunicar
isso — “Por mais atraente que você seja, não posso continuar sem
camisinha”; ou “Você é engraçado, nós temos ótimos momentos juntos,
mas não posso continuar se você não estiver interessado em ter um
compromisso sério”; ou “Adoro estar com você, e fico triste que
discordemos sobre isso, mas o meu plano é ter um filho, com ou sem
você, antes que de completar quarenta anos” — e você vai conseguir
encontrar a clareza e a força de que precisa para se afastar de situações
que não contribuem para isso.
As regras da negociação não mudam porque você está em um
relacionamento no qual emoções e sexo se misturam; você deve sempre
estar disposto a ir embora. Se estivesse procurando um emprego, você
não consideraria deixar o seu emprego atual se não fosse para conseguir
um cargo mais importante, ou um aumento de salário, ou um emprego
que estivesse mais relacionado com aquilo que gostaria de fazer. Se você
está vendendo uma casa, sabe o preço que precisa cobrar para que a
mudança valha a pena. Em ambos os casos, se as condições básicas
estabelecidas por você não forem atendidas, você educadamente colocará
um ponto-final nas negociações.
Conversas difíceis surgem tanto de ter uma necessidade interna como
dos meios externos para supri-la. Uma das assinantes do meu canal no
YouTube enviou para o rapaz com quem estava saindo uma versão de
uma mensagem que criei para momentos nos quais o relacionamento
não está caminhando para lugar nenhum. Ele respondeu: Nem parece que
é você falando. Respostas assim são completamente normais e esperadas.
Na terapia familiar, chamamos de “impulso homeostático” — o desejo
que existe em qualquer sistema de manter as coisas como estão. Quando
ouço uma resposta assim, a minha reação é: “Que ótimo! Agora você está
caminhando para obter um resultado diferente daquele que vinha
recebendo”. Claramente esse rapaz sentiu que as coisas estão indo para
uma nova direção, e estava testando para ver o quanto ela realmente
acreditava no que disse. Ele queria saber se era uma decisão impensada
que desapareceria ao primeiro sinal de problema — em outras palavras,
uma simples tática — ou se ela estava definindo novos parâmetros e
informando a ele que agora ambos teriam que seguir novas regras.
A resposta correta para a mensagem dele era: A verdade é que esta sou
eu. Mas, como eu gosto de você, estava deixando as coisas acontecerem até
que eu pudesse ver para onde elas estavam caminhando. Agora estou vendo
que não estão indo na direção que eu gostaria, então preciso ser honesta
comigo mesma e com você sobre as minhas necessidades. Em vez de
fazer isso, ela se desesperou e disse: Tem razão. Não sou eu falando. É um
especialista em relacionamentos que acompanho no YouTube. Mandei para
você uma das mensagens dele porque fico triste que nada esteja acontecendo
entre nós. Em um piscar de olhos, ela desistiu dos limites que tinha
acabado de estabelecer. A verdade é que o rapaz estava certo: não parecia
ela falando, mas era esse o objetivo: criar um novo parâmetro para
sinalizar que agora ela estava levando a si mesma e a suas necessidades a
sério. Infelizmente, essa atitude não foi reforçada por uma profunda
autoconfiança e acabou dando errado no primeiro sinal de resistência da
parte dele. Voltar atrás dessa forma destruiu todo o progresso que ela
havia feito para mudar a dinâmica entre eles; e o rapaz aprendeu que
qualquer parâmetro que ela tentar estabelecer pode ser ignorado porque
ela vai deixar de se impor ao primeiro sinal de conflito.
É por isso que ter conversas difíceis (que são sustentadas por um
parâmetro ou necessidade) é tão importante: não podemos mudar o que
não confrontamos. (O corolário negativo dessa regra é que tudo o que
ignoramos, todos os comportamentos para os quais fechamos os olhos
sinalizam uma aprovação tácita.) Ainda assim, é natural tentar evitar esse
tipo de situação. Em primeiro lugar, temos medo de nos expressar mal e
ficamos muito incomodados porque nos preocupamos com a
possibilidade de não conseguirmos falar com clareza, de não nos
expressarmos bem ou de ficarmos sem graça. Em segundo lugar, temos
medo de afugentar a pessoa, bem como da solidão e do arrependimento
que se seguirão se isso acontecer. Em terceiro lugar, temos medo de
encarar a realidade da situação na qual estamos, de que, qualquer que
seja o problema (questionar a inconstância da comunicação no início do
relacionamento ou abordar o assunto casamento ou filhos mais adiante),
levará ao fim do relacionamento e nos devolverá à força para a selva do
namoro.
Precisamos reconhecer que tudo isso é muito difícil. Se você está há
meses, ou mesmo anos, sem namorar ou sair com alguém de forma séria,
pode ser assustador começar uma conversa sobre parâmetros (ou sobre
qualquer coisa, na verdade) cujo risco seja perder a primeira coisa boa
que apareceu em muito tempo. É como apresentar todos os seus termos
e condições enquanto ainda está tentando concluir a venda. Nessas
circunstâncias você fica mais propenso a abrir mão de alguns dos termos
só para conseguir fechar o negócio. Se você não tiver recebido nenhum
tipo de atenção individual há um tempo, é quase inconcebível tratar essa
situação como uma que pudesse ser substituída — é a essência daquilo
que chamamos de mentalidade da escassez.
Quando se concentra apenas no fato de que podemos afugentar
alguém (deixando de lado por um momento que quem se assusta com
uma conversa difícil provavelmente não é alguém que você queira ter por
perto), você esquece todos os resultados positivos que podem derivar de
confiar a alguém suas preocupações reais. Ser vulnerável o suficiente para
deixar que alguém saiba que você tem alguma coisa em jogo é sinal de
coragem, é encantador e também cria intimidade. Você está contando
sobre si mesmo para alguém.
Você também está dizendo a esse alguém como ele deveria ver você. A
vida não é simples, e as pessoas realmente precisam de pistas. Informar a
alguém que não é um encontro casual para você, ou, mais tarde, que
você está pronto para construir algo real e duradouro faz com que ele
saiba em qual categoria te colocar. Você está insistindo em um parâmetro
que o diferencia dos relacionamento menos sérios. Existe uma
porcentagem significativa de mulheres que agem com passividade
movidas pelo medo, ou que aprenderam que a passividade é um
comportamento feminino adequado. Com frequência, elas perdem não
porque seus pretendentes não gostam delas o bastante, mas porque
continuaram seguindo como se estivessem felizes em permanecer na
“categoria casual”. É esse o verdadeiro perigo por trás de esperar que o
amor e o relacionamento aconteçam com a gente. Por mais que o amor
seja uma via de mão dupla, ainda assim você vai precisar direcionar o
trânsito algumas vezes!
A verdade é que os parâmetros que tornam difícil o assunto das suas
conversas são quase sempre irrelevantes; a conversa em si já atribui
gravidade e intenção ao relacionamento. Um amigo que tinha saído
algumas vezes com uma mulher de quem gostava viajou para uma
conferência em Houston, no Texas, e decidiu esticar a viagem, passando
o final de semana em Austin. Quando voltou, ligou para ela, que disse:
“Fiquei preocupada quando você estava viajando e eu não tive notícias
suas. Acabei me perguntando se talvez você não estaria dormindo com
outra pessoa”. Só para constar, tenho quase certeza de que ele estava, mas
essa não é a questão. O fato de ela ter verbalizado isso o fez
imediatamente enxergá-la de forma diferente. Ele não só percebeu que
ela não era alguém com quem teria um relacionamento apenas casual,
mas também achou aquilo excitante. Os dois acabaram tendo um
relacionamento sério por causa dessa combinação — a percepção de que
ela estava levando o relacionamento deles a sério e o fato de ele ter
achado sexy que ela tivesse deixado isso claro —, o que o tirou de uma
fase na qual ele estava apenas seguindo o fluxo entre uma ficada e outra.
Talvez o resultado tivesse sido o mesmo independentemente da conversa
que tiveram, mas a impressão que ficou foi a de que ela alterou as
condições.
Atitudes contraditórias
Um dos exemplos mais enlouquecedores desse tipo de confusão aparece
quando uma pessoa é superatenciosa quando estamos com ela. Parece
que ela nunca se cansa de nós. E então, assim que nos separamos, parece
que deixamos de existir para ela. É como transitar entre dois universos
paralelos: um no qual a pessoa está extremamente a fim de você e outro
no qual ela mal se lembra que você existe. Isso pode comprometer o seu
tempo e energia, como vimos no exemplo da australiana no capítulo
anterior. A pessoa que fica empolgada demais nos momentos em que
quer ter uma experiência romântica logo prova, quando praticamente
desaparece, que não tem intenção nenhuma de comprovar o que sente
tomando uma atitude concreta para que o relacionamento progrida.
E o que dizer sobre as desculpas que a pessoa dá quando finalmente
nos procura novamente? Ela estava ocupada com o trabalho ou com os
amigos, envolvida em algum problema familiar. Tirou alguns dias para se
dedicar a algum hobby que adora. Qualquer uma dessas justificativas
pode ser verdadeira; a pessoa pode estar legitimamente ocupada com
essas outras prioridades. Mas será que é uma justificativa boa o bastante
para ela ter nos ignorado na semana anterior? Deveria ser o suficiente
para que tolerássemos uma inconstância e um comportamento que nos
faz sentir tão mal? O que é o melhor a fazer nesse caso?
O erro mais fácil de cometer nesse momento é agir como ela. Quando
você retribui a atenção que recebe, mas ignora a pessoa quando é
ignorado por ela, pode ser que acredite estar seguindo o meu conselho
para investir em quem investe em você. O problema de agir assim é que
você certamente estará dando a esse romântico Houdini exatamente o
que ele quer; ficando disponível quando ele também está e não o
incomodando quando ele não está. Isso não só reforça o comportamento
que você quer desencorajar como pode levar a um ciclo ainda mais
perigoso, no qual você acaba atraindo alguém que se empolga quando é
ignorado, mas que perde o interesse toda vez que você retribui o seu
afeto. Esse é um jogo no qual ninguém ganha.
Mas como, afinal, quebrar esse ciclo de atitudes desencontradas? Você
tem que estar disposto a se retirar, usando uma comunicação direta. Isso
quer dizer que você se retira mas antes explica o motivo. Observe que o
momento certo para fazer isso não é quando a pessoa está no meio de
um dos períodos em que o ignora; se ela não está entrando em contato,
então você não tem nenhum poder. Isso só funciona quando ela
reaparece querendo alguma coisa de você; que é quando você realmente
tem poder. Pode ser que ela seja direta, dizendo “Eu queria muito te ver
nesse final de semana” ou indireta, recorrendo a um simples “Estou com
saudade”. Qualquer que seja o jeito, é sempre uma jogada para chamar
sua atenção.
É nesse momento que você responde:
Você não está demonstrando nenhuma emoção forte aqui. Está indo
direto ao ponto, usando verbos no passado para se referir a qualquer
dúvida que tenha tido com base na falta de investimento da pessoa. Pode
ser que ela responda rapidamente com alguma desculpa (trabalho,
amigos, família, hobby). Essa é a sua oportunidade para deixar claro
quais são os seus parâmetros:
1. Demonstre curiosidade
Faça perguntas sobre a personalidade, os planos e o que a pessoa está
buscando em um relacionamento — não um interrogatório formal, mas
uma conversa descontraída, demonstrando uma curiosidade sincera por
quem está diante de você. Tente fazer isso logo no início, quando saírem
para tomar um café ou um drinque, quando ainda não houver tanta
coisa em jogo. Esse é o momento ideal: você ainda não arriscou nada de
significativo; vocês não estão dormindo juntos há meses. Não há nada
emocionalmente exagerado em tomar um café juntos. Mantenha a
conversa sem pressão; não existe resposta errada. Simplesmente olhe com
objetividade para a pessoa do outro lado da mesa e se permita perguntar
— em voz alta! — como ela se tornou quem é. É como se ela fosse uma
raspadinha humana neste momento e cada nova resposta revelasse uma
parte nova dela.
Existem dois bons motivos para seguir essa abordagem:
• Seus valores
Por exemplo: Será que você é uma pessoa gentil? (Pode ser visto como
algo simples, mas é importante para mim.)
• Sua história de vida
Por exemplo: Você tem um bom relacionamento com a sua família? (E,
se não tiver, isso te levou a investir em estabelecer vínculos de amizade
e o sentimento de família em outro lugar?)
Ser feliz no amor pode ser algo absurdamente difícil de conseguir, o que
não é novidade para quem está em um relacionamento com uma pessoa
maravilhosa cujos sentimentos são mais fortes que os seus. Se ao menos
você conseguisse criar uma faísca ou duas de amor, poderia ter tudo.
Mas, apesar de todos os seus melhores esforços, o afeto que sente nunca
deixa de ser morno.
Até que você conhece uma pessoa que incendeia as suas paixões,
inspirando suas fantasias ingênuas sobre o futuro do casal. No entanto,
parece que o jogo virou: a pessoa só entra em contato esporadicamente e
você, que nunca tem certeza se ela quer estar com você, entra em um
ciclo de euforia quando ela liga e de grande ansiedade quando fica sem
notícias. Nesse estado de “empolgação”, você descobre que não consegue
comer, dormir ou se concentrar em absolutamente nada.
Quando consegue escapar dessa situação, você se sente preparado para
estar com alguém gentil, confiável e seguro, apenas para se ver
impassível, desestimulado, se perguntando se não deveria apenas esperar
até encontrar uma pessoa que o faça se sentir vivo novamente. Você se
sente tão seguro que dedica todo o seu tempo livre a imaginar a vida que
poderia ter com essa pessoa.
Por que é tão difícil acertar? É como se ao final de cada
relacionamento fizéssemos nossas preces olhando para trás, e consertar
um fracasso só nos conduz a uma desilusão diferente na próxima vez.
Com base nessas oscilações bruscas, é fácil concluir que nada funciona.
Não estamos cansados de namorar ou das outras pessoas, mas sim de
algo comum a todo relacionamento que tivemos e que deu errado: nós
mesmos.
Será que somos nós o problema? Será que fomos programados do jeito
errado? Será que estamos condenados a empurrar uma enorme pedra
montanha acima, só para vê-la rolar montanha abaixo toda vez que
vislumbramos um lampejo de felicidade? Segundo o escritor francês
Albert Camus em O mito de Sísifo, os deuses acreditam que não há
punição pior do que o trabalho fútil e inútil. Não é surpresa que muitos
de nós desistamos. Por outro lado, desistir também não é sinônimo de
paz; o desejo por uma vida compartilhada nos acompanha a todos os
lugares, assombrando qualquer espaço que já acreditamos que poderia
ser ocupado por alguém.
Mas, se ainda não estamos prontos para desistir, como podemos evitar
nos apaixonarmos por quem não nos respeita, alguém que não é capaz
de enxergar em nós uma pessoa digna de se apegar? E como nos
empolgamos com o tipo de pessoa que realmente poderia nos tratar
melhor?
Por que dizemos “sim” para as pessoas que
nos fazem mal
Vamos começar com a primeira pergunta: Por que sempre nos
apaixonamos por pessoas cafajestes e indisponíveis emocionalmente,
aquelas que nos fazem correr atrás, que não nos tratam bem? Em algum
momento precisamos reformular a nossa pergunta para que deixe de ser
“Por que essas pessoas são assim?” e passe a ser “Por que continuo
gastando o meu tempo com pessoas assim?”. Por que continuamos nos
derretendo por aqueles para quem dissemos “nunca mais”? Vamos
analisar por que nunca mais jamais será uma expressão segura para
dizermos.
1. A mentalidade da escassez
Você chega a uma festa com seus amigos, na expectativa de conhecer o
tipo de pessoa sobre o qual vieram conversando no caminho. Você dança
com algumas. Cada uma delas tem alguma coisa de que você gosta, mas
também falta nelas algo de que você precisa. Uma é divertida, só que
mais como amiga. Outra é atraente, mas vocês não se conectaram. A que
era autêntica e interessante estava usando... aqueles sapatos. Enquanto
você segue procurando, uma coisa engraçada acontece: à medida que seu
grupo de amigos vai diminuindo, o tempo começa a pregar peças. Você
vê uma pessoa indo embora com alguém com quem passou a noite
dançando, mas os dois parecem se conhecer há muito tempo. Sozinho e
inseguro, você pega seu celular e de repente é como se estivesse em outra
dimensão. O amigo que acabou de ir embora com alguém postou a foto
do noivado deles. Outro amigo que você perdeu de vista no início da
noite acabou de fazer uma postagem em êxtase sobre o bebê que está a
caminho. Até a pessoa atraente com quem você dançou mas não se
conectou fez uma postagem; parece que ela saiu da festa e agora está em
lua de mel em Santorini, na Grécia, recém-casada. Você não consegue
acreditar. “Há quanto tempo estou aqui?” O lugar está praticamente
vazio. A música agora não parece mais uma batida, e sim o som do
ponteiro de segundos do relógio. “Será que fui muito implacável ao
desconsiderar as pessoas? A que era atraente parecia a pessoa errada, mas
alguém não pensou assim. Será que fui muito exigente ao julgar aquela
conexão?” A sua respiração fica ofegante. Você para de se preocupar em
encontrar o par perfeito e, em vez disso, começa a procurar por alguém
que possa tirar você dali antes que seja tarde demais.
É assim que a mentalidade da escassez funciona. Imaginar um cenário
catastrófico sobre o quanto a nossa situação é desesperadora nos
incentiva a considerar pessoas que não deveríamos, pessoas que
geralmente aqueles que nos amam conseguem perceber de longe que nos
farão mal. Uma afirma com orgulho que não acredita na monogamia,
mas é com quem você teve o melhor sexo da sua vida; a outra com quem
você sempre se diverte fica calada toda vez que você diz querer mais; tem
aquela que está prestes a se divorciar há cinco anos, mas que é ótima
com os filhos e oferece a você a promessa de um futuro perfeito.
O que todas elas têm em comum: você sente alguma coisa com elas.
“E o que tem de errado nisso?”, nos perguntamos. “A vida é curta. Por
que não escolher sentir algo pelo caminho?” Esse tipo de lógica permite
que justifiquemos as partes boas enquanto ignoramos os danos de longo
prazo de todo o resto. Nessa hora, vale a pena ouvir Irving Rosenfeld,
talvez o melhor exemplo de golpista da história do cinema, que no filme
Trapaça, de 2013, homenageia a tendência quase universal das pessoas
que enganam a si próprias: “Nós nos convencemos a fazer as coisas, sabe?
Vendemos para nós mesmos coisas que talvez nem precisemos ou
queremos. Nós as enfeitamos, sabe? Deixamos os riscos de fora,
deixamos a terrível verdade de fora. Preste atenção nisso, porque estamos
todos nos enganando de um jeito ou de outro, só para podermos seguir
com as nossas vidas”.
Condenamos aqueles que mentem para nós, mas ignoramos as
mentiras que contamos para nós mesmos: que estamos felizes, que o
outro pode mudar, que as nossas necessidades estão sendo supridas, que
não estamos arriscando nos arrepender profundamente se continuarmos
vivendo assim. Ilusões dessa magnitude são o tipo mais perigoso de
mentira. Elas nos impedem de deixar pessoas que são obstáculos para a
nossa felicidade e, assim, nos fazem conspirar para o roubo do nosso
próprio futuro.
Enfeitamos nossas ilusões com justificativas levianas. (Eu sei que essa
não é a pessoa certa para mim, mas só estou me divertindo por
enquanto, sem levar tudo tão a sério. Nem tudo precisa ter um rótulo
bonitinho. Só estamos vendo aonde isso vai dar. Além disso, é uma
situação complicada.) No entanto, a “diversão” pode ser uma armadilha
para relacionamentos tóxicos. “Por enquanto” costuma ser um disfarce
inofensivo que usamos para trair os nossos sonhos. Nós aceitamos esses
eufemismos porque é mais fácil do que dizer a verdade sobre a nossa
mentalidade da escassez: que, quando ficamos com medo que tudo se
resuma a isso (ou que o nosso valor se resuma a isso), paramos de
escolher o que é certo e começamos a aceitar o que aparecer. Se
queremos tomar as decisões certas visando à nossa felicidade futura,
precisamos superar essa mentalidade, embora ela não seja a única coisa
que limita as nossas chances.
2. O que sabemos
Quando estamos sempre envolvidos em situações nocivas, os outros
podem presumir que continuamos fazendo essas escolhas porque nos
falta amor-próprio. Talvez essa presunção não esteja errada, mas pode ser
reducionista. Um golfinho em cativeiro consegue nadar em círculos e
atravessar aros para chegar até a sua própria refeição. Entretanto, se
soltarmos esse golfinho no mar, ele provavelmente vai ter dois
problemas: primeiro, se continuar associando humanos com comida, vai
descobrir que está procurando nos lugares errados para sobreviver. Algo
que, além de errado, é potencialmente perigoso, pois se aproximar de
embarcações em busca de comida pode ser fatal. Em segundo lugar, os
truques que aprendeu no tanque são inúteis no oceano. Mas é essa
realidade que o golfinho conhece, não é culpa dele. Se ele realiza o seu
número porque ao fazer isso recebe um peixe, ou se procura por pessoas
porque essa já foi uma forma confiável de conseguir comida, não
diríamos que o golfinho tem pouco amor-próprio; reconheceríamos a
triste verdade de que ele não conhece uma realidade diferente, que o que
ele sabe o deixa pouco e precariamente equipado para viver no oceano.
Muitas das pessoas que me procuram esperam melhorar o seu
sentimento de amor-próprio, o que com certeza é um objetivo válido.
Porém, geralmente, para que possam fazer isso, elas precisam retreinar
suas expectativas nos níveis interpessoais, comportamentais e
emocionais. No nível interpessoal, depois que as pessoas geralmente
entram em um padrão específico em todo relacionamento, pode ser
difícil imaginar que outro tipo de padrão exista. Se só tivermos nos
relacionado com pessoas infiéis, não importa quantos casais felizes e fiéis
conhecermos, ainda assim parecerá que só escolhemos os errantes. Parece
que só conseguimos reconhecer aquilo que nos é emocionalmente
familiar. Você pode finalmente deixar um narcisista e, mesmo assim,
continuar sentindo aquela sensação de medo e de ameaça contínua
envenenando a sua perspectiva, mesmo quando se conectar com alguém
estável e emocionalmente generoso.
No nível comportamental, todos temos truques nos quais confiamos;
alguns que desenvolvemos ainda crianças, tentando chamar a atenção
dos nossos pais. Pode ser que mostremos traços de comportamento que
desenvolvemos durante conexões românticas desafiadoras e formativas, e
nosso comportamento ainda não tenha se adequado ao tipo de
companhia que gostaríamos de ter. Talvez você esteja acostumado a
provocar ciúme em alguém só para conseguir a atenção dele, um
comportamento que funcionou com os ex que só estavam interessados
na conquista (mesmo que fossem daquele tipo que perdia o interesse por
você assim que você demonstrava qualquer tipo de afeto sincero). Uma
pessoa que esteja tentando se relacionar com você de verdade não saberá
muito bem como lidar com você quando os seus velhos hábitos
reaparecerem e surtirem um efeito completamente diferente nesse novo
relacionamento, parecendo um sinal de falta de lealdade e de respeito
mútuo. Isso pode fazer essa pessoa resolver escolher alguém cuja
gentileza e vulnerabilidade sejam mais acessíveis.
Ainda assim, é difícil deixar de lado as armas que funcionaram no
passado. Conheço homens que reclamam de mulheres que só querem
estar com eles pelo dinheiro e mesmo assim continuam escolhendo
restaurantes cinco estrelas para o primeiro encontro em vez do
restaurante familiar da esquina. Ouço mulheres reclamarem que os
homens parecem só querer sexo, mas cujas postagens nas redes sociais
parecem não deixar nada a cargo da imaginação. Para encontrar o amor,
às vezes precisamos abrir mão daquilo que nos faz receber atenção. Isso é
mais difícil do que parece, principalmente se o nosso ego estiver
envolvido e se começarmos a nos preocupar que, se desistirmos da
atenção que sabemos como atrair, ninguém nunca mais vai olhar para
nós.
No nível emocional também, o nosso sistema nervoso é programado
para certos tipos de experiência. Se nos acostumamos com as mudanças
bruscas de comportamentos imprevisíveis, pode ser difícil manter um
relacionamento que seja saudável mas que não ofereça esse tipo de
volatilidade. Uma amiga minha, Lucy, teve o primeiro namorado de
verdade na faculdade. Ele era desrespeitoso, a diminuía e era
inconveniente com outras mulheres na frente dela. Quando esse
relacionamento terminou, ela conheceu um rapaz atraente, engraçado e,
principalmente, gentil. As coisas eram fáceis entre eles e ela sabia
exatamente o que esperar dele. Quando ela foi visitar a família, depois de
poucas semanas de relacionamento, sua mãe perguntou o que estava
acontecendo:
— É estranho, mãe, ele é tão legal comigo — Lucy respondeu,
genuinamente perplexa.
— É assim que deve ser — sua mãe respondeu, mal conseguindo
esconder o alívio.
A gentileza demonstrada pelo novo namorado de Lucy inicialmente
causou estranhamento e desorientação. Se o mesmo acontecer com você
em circunstâncias semelhantes, e coisas como gentileza e paciência
fizerem você se sentir desorientado, seja generoso consigo mesmo. É
normal. Os maus-tratos com os quais estávamos familiarizados talvez
não tenham nos feito feliz, mas nos acostumamos a eles. É por isso que é
necessário mais do que apenas desejar algo novo. Desprogramar a nós
mesmos requer que escolhamos ativamente aquilo que não nos é familiar
no lugar do que conhecemos. Quando descobrimos que algo novo é
possível, precisamos ter coragem para lidar com o desconforto criado. É
difícil, e por isso as pessoas permanecem presas à sua infelicidade por
tanto tempo. Por outro lado, da mesma forma que podemos respirar
enquanto sentimos dor durante um treinamento físico doloroso,
devemos aceitar esse desconforto até que ele desapareça. Se conseguirmos
fazer isso, aquilo que começou como extremamente desconfortável pode
se tornar uma fonte nova de prazer. Se não queremos continuar
condenados a reviver essas emoções dolorosas, precisamos manter as
novas experiências até que elas se tornem algo conhecido e familiar.
Felizmente para a minha amiga Lucy, essa mudança aconteceu no
início da vida adulta. Muitos de nós não temos tanta sorte e repetimos
inconscientemente os mesmos padrões durante anos ou até mesmo
décadas porque é o que conhecemos; o que os nossos comportamentos
antigos atraem; e aquilo a que o nosso sistema nervoso responde. E, toda
vez que voltamos para os nossos velhos hábitos, eles nos deixam com a
sensação de possibilidades reduzidas. É como se a vida validasse essa
realidade dolorosa, contanto que continuemos a alimentá-la.
Compreender isso pode nos ajudar a exercitar a autocompaixão. O
simples ato de notar um comportamento diferente pode ser difícil. Os
tipos para os quais nos tornamos condicionados a nos sentirmos atraídos
tendem a ter o sinal mais forte no nosso radar. Aprender a fazer
distinções mais sofisticadas demanda tempo e uma intervenção
consciente, um compromisso de parar de alimentar os nossos velhos
hábitos e de começar a abraçar algo novo. Como todos que já tentaram
parar de beber ou fumar podem atestar, não é uma tarefa fácil. Significa
que precisamos treinar para controlar esse instinto perigoso mas natural:
o instinto de continuar focando a única coisa que estamos tentando
evitar.
4. Nosso valor
Até aqui, estabelecemos alguns motivos cruciais para continuarmos
dizendo “sim” para pessoas e situações que nos fazem mal: o medo de
não termos tempo nem oportunidade suficientes, que nos faz
desenvolver a mentalidade da escassez e acreditar que precisamos aceitar
o que aparece; as nossas experiências do passado, que forjam o que
conhecemos; e o foco perigoso no muro, que nos direciona para aquilo
que é familiar e não para o que queremos. Também discutimos sobre o
desconforto intenso que podemos sentir quando tentamos desviar o
olhar do muro e direcioná-lo para algo novo. Em vez de aceitar esse
desconforto, muitas pessoas voltam para o que conhecem, mesmo que
isso as faça infelizes. Parte desse desconforto advém do fato de ser uma
experiência nova e o desconhecido pode ser assustador. Por outro lado,
existe mais um desafio: quando vivemos algo novo e isso representa mais
do que tivemos no passado, não só precisamos nos familiarizar com isso,
mas também permitir nos sentir merecedores disso.
Aquilo a que fomos condicionados no passado é responsável tanto
pelo que conhecemos como pelo que julgamos merecer. Na nossa
cabeça, o passado é um reflexo do nosso valor na vida. Podemos querer
mais, podemos até perceber que mais é possível para outras pessoas,
porém é difícil acreditar que mais é possível quando se trata de nós.
Interpretamos mal as nossas próprias experiências e temos a falsa crença
de que, se realmente merecêssemos mais, já teríamos recebido mais.
Treinar a nós mesmos para ficarmos confortáveis com receber mais é
difícil. No passado, nos disseram coisas ou nos ensinaram a aceitar coisas
que afetaram negativamente a percepção que temos do nosso próprio
valor. Por isso, aprendemos a nos sentirmos confortáveis com receber
menos, a ponto de ficarmos até mais seguros quando isso acontece. E,
depois que nos acomodamos nesse lugar, receber mais pode nos causar
estranhamento e nos deixar com medo: de não sermos capazes de manter
nenhum dos ganhos ou melhorias em nossas vidas; de descobrirem que
não merecemos estar na posição em que estamos — a essência da
síndrome do impostor. Existe um sentimento distorcido de segurança
em receber menos. A segurança é dos males o menor; significa saber o
caminho, mesmo em um terreno difícil.
Mesmo quando pedimos mais, receber mais pode instantaneamente
gerar insegurança em nós. Você já precisou ser firme com uma pessoa
que está acostumado a agradar? Depois de se posicionar, ou de falar com
sinceridade sobre os seus sentimentos, quanto tempo levou para que
você começasse a se sentir culpado por isso? Quanto tempo levou para
que voltasse para a dinâmica que lhe causa ressentimento?
Existe uma segurança em ser quem reclama sobre o egoísmo do outro.
Existe uma segurança em ser a pessoa de quem os outros se aproveitam.
Nós sabemos desempenhar esse papel. Mas talvez nunca tenhamos
aprendido a sermos iguais em um relacionamento.
Quando percebemos que receber mais na verdade pode causar mais e
não menos insegurança, começamos a entender por que passamos tanto
tempo das nossas vidas reclamando das mesmas coisas. É mais fácil
reclamar do que treinar para nos sentirmos confortáveis nesse novo
lugar.
Talvez só nos sintamos seguros em um relacionamento quando
estamos fazendo mais pelo outro do que permitimos que ele faça por
nós. Depois de um tempo, pode ser que essa desigualdade fundamental
até cause uma sensação de controle. Esse desequilíbrio é ainda mais
comum quando decidimos que alguém é atraente ou mais atraente do
que nós: ele é particularmente bonito, bem-sucedido, carismático,
charmoso e impressionante. A nossa autoestima nos diz que seria querer
demais estar com alguém assim sem ter enfrentado algum efeito colateral
ruim como parte da barganha: ele trai, a comunicação é inconstante, se
entrega menos do que nós, desperta incertezas em nós, só é gentil depois
de uma sequência de abuso emocional. Quando você se vê nessa situação
e se sente psicologicamente inseguro para ter conversas difíceis por medo
de perder a pessoa, o seu valor preestabelecido lhe diz que você está
pedindo mais do que vale.
Como resultado, só ficamos confortáveis com o amor que recebemos
quando ele vem com condições. Isso nos dá permissão para aceitar o
presente. Uma vez assisti a uma entrevista com a comediante Nikki
Glaser, na qual ela explicava a sua relação com o orgasmo:
5. A sensação é boa
Qualquer análise dos motivos pelos quais seguimos gravitando na
direção daquilo que nos faz mal seria incompleta se não revisássemos o
nosso comportamento à luz da influência do vício. Inúmeras facetas de
um relacionamento são viciantes: o sexo; os períodos de lua de mel;
pessoas carismáticas, carinhosas e a onda de oxitocina que sentimos
quando nos abraçam; a dose de dopamina que recebemos quando o
nome de alguém reaparece na tela do nosso telefone. Até mesmo os
ciclos de altos e baixos que vivemos quando namoramos alguém que nos
faz sentir amados e depois ansiosos, e depois amados novamente, são
viciantes. A psicologia tem um nome para isso: vínculo traumático. As
substâncias envolvidas no amor e no namoro são tão viciantes que
muitos de nós fazemos ou aceitamos qualquer coisa para continuar
recebendo a nossa dose delas.
Procuramos essa dose no caminho que oferece menor resistência:
voltando para pessoas que não nos levam a lugar nenhum, em vez de nos
esforçarmos para encontrar alguém novo. Voltamos para dinâmicas
nocivas porque elas geram uma euforia familiar quando as coisas ficam
boas de novo. Aceitamos qualquer conexão no curto prazo, não importa
o quanto sejam inferiores, em vez de aproveitarmos a solitude e os
períodos prolongados de solteirice.
O que as drogas fazem é oferecer uma solução rápida para emoções
dolorosas. O problema é que essa solução rápida não dura muito tempo;
uma cadeia de eventos que pode facilmente convencer alguém de que
não existe uma solução de longo prazo para a sua vida amorosa.
Funciona como uma espécie de crescendo para a mentalidade da
escassez, que leva à completa perda da esperança. Quando não existe
esperança, o que começa como uma solução rápida pode se tornar um
estilo de vida. O comentário a seguir, feito por uma das assinantes do
meu canal no YouTube, funciona como um importante choque de
realidade:
Isso foi bem difícil para mim porque foi no calor do momento. E
acho que eu sabia desde o início com ele em específico que ele era a
pessoa certa para mim, então eu só me permiti me sentir segura
naquele espaço e [a essa altura] ele também não ignorou a
importância disso. Fui eu que deixei acontecer; ele nunca me
pressionou. E, no fim, isso meio que nos aproximou, porque
conseguimos conversar seriamente logo depois. E eu disse: “Eu fiz
uma promessa a mim mesma, e sinto que me decepcionei. Eu não
me arrependo. Estou muito feliz, e estou feliz com o rumo que as
coisas estão tomando, mas não quero fazer mais isso até que
estejamos em um relacionamento sério”.
Ela nunca expressava ter urgência (mesmo que a sentisse), o que não
seria apropriado assumir para alguém que tinha acabado de conhecer —
um erro comum que revela uma ansiedade e que o outro interpreta
como pressão. Em vez disso, ela simplesmente definia seu caminho com
base na própria empolgação. A mensagem era totalmente positiva.
Como foi fácil para Tanya! Que bom para ela!, podemos ficar tentados a
pensar todas as vezes que ouvimos histórias assim. Mas a história dela,
como a da maioria, não foi um “sucesso” que aconteceu da noite para o
dia. Ela precisou conhecer muitos homens, ter encontros ruins e
relacionamentos indefinidos até encontrar alguém que se mostrou
receptivo aos parâmetros dela. Ela não decidiu mudar um dia e no dia
seguinte conheceu alguém de quem gostava e que estava pronto para o
pacote completo. Ela namorou por uma década, pôde se conhecer muito
melhor — o que queria e o que não queria —, solidificou o seu caminho
e finalmente encontrou alguém alinhado com a sua visão. Uma das
principais causas de impaciência na vida amorosa das pessoas são
histórias do tipo: “Eu fiz XYZ, e, do nada, a pessoa certa apareceu!”. O
crescimento na vida real é lento, mas os resultados são reais. Assim como
em outras áreas da vida, a batalha na vida amorosa das pessoas é vencida
bem antes que elas tenham alguém para mostrar como resultado.
Vamos resumir o que aprendemos até aqui sobre reprogramar o nosso
cérebro:
Os seus critérios
Quanto mais cimentamos a visão do que desejamos para a nossa
felicidade futura, mais sufocamos os outros cenários possíveis para a
nossa felicidade. Nos tornamos prisioneiros de um caminho que pode
acabar sequestrando a nossa felicidade. Quando isso acontece,
inicialmente entramos em pânico, depois nos resignamos, e em seguida
vem a depressão.
Explorar outras opções, como a adoção, ou ser mãe/pai solteira(o),
pode parecer que estamos mudando de religião. Pode significar rejeitar
tudo o que já nos disseram. Porém, precisamos estar abertos à liberdade
de pensamento que nos impede de aceitar cegamente as expectativas da
sociedade ou de familiares, e sim aquelas criadas sob medida para nós.
Conectar-nos ao que se mostra ser unicamente certo para nós e para o
nosso futuro requer que recuemos: dando um passo atrás, deixando de
ouvir outras vozes e passando a ouvir a nossa própria voz. A confusão da
Andrea, na verdade, colocava-a um passo à frente da maioria das pessoas,
pois sinalizava que ela estava explorando o que poderia ser o certo para
ela.
Não se distraia
Em Tóquio, todo prédio alto tem luzes vermelhas em cada um dos
quatro cantos do telhado, para alertar helicópteros e aviões que voam
baixo enquanto navegam em meio à escuridão. Mas, para quem está nas
ruas, cercado pelos vertiginosos letreiros em neon piscando nas laterais
dos prédios, oferecendo uma distração a cada passo, é impossível
enxergar a pulsação ritmada daqueles sinais de alerta. Acontece a mesma
coisa quando nos aprofundamos em um relacionamento: todos os sinais
de alerta que você enxergaria com facilidade de fora se perdem em meio
às distrações que o cercam.
Alguns relacionamentos têm um alto teor de drama, são repletos de
picos vertiginosos e quedas bruscas, tão intensos e instáveis, tão
dolorosos e exaustivos que, para permanecer neles, nos permitimos ser
completamente monopolizados pela experiência, que consome todo o
nosso tempo, energia e pensamentos. E, quando uma pessoa domina
toda a nossa vida por tanto tempo, essa vida fica irreconhecível sem ela.
Passamos a depender tanto dessa pessoa que chegamos a duvidar dos
nossos próprios instintos, nos raros momentos em que temos a
oportunidade de ficar sozinhos e pensar.
Não estou me referindo aqui àqueles momentos inevitáveis em um
relacionamento nos quais nos cansamos momentaneamente do outro,
apesar de ele costumar ser um bom parceiro; quando nos vemos
fantasiando sobre ir embora, mas tendo, ao mesmo tempo, medo do
desconhecido e pouca familiaridade com o tipo de pessoa que éramos
quando estávamos solteiros. Não estou falando de tédio. Estou falando
do parceiro que não passou no teste fundamental de ser uma força do
bem na sua vida; alguém cuja presença em sua vida se tornou um veneno
para a sua saúde mental; que o convenceu, de alguma forma, de que a
sua mente ou as suas necessidades é que seriam o problema, e não a
impossibilidade de conviver com ele.
Anteriormente neste livro, fiz um alerta para que você não entrasse
para uma seita com apenas duas pessoas. No entanto, as seitas são
complicadas, e nem sempre você conseguirá saber que está em uma até
que tenha perdido o chão e renunciado às suas economias e à escritura
da sua casa. Muitas pessoas que conseguiram escapar ilesas de uma seita
falam sobre esse momento de euforia do início, quando parecia que
estavam no único lugar da face da Terra onde eram realmente vistas e
compreendidas. Soa familiar? Se você estiver lendo isto atentamente e se
reconhecendo em algumas dessas situações, pode ser que seja uma dessas
pessoas.
Estar em uma seita é muito trabalhoso. Alguém precisa estar
constantemente fazendo uma lavagem cerebral em você (sutilmente no
início, depois cada vez mais abertamente), cortando o seu contato com
qualquer pessoa que seja capaz de fazê-lo enxergar a realidade da
situação; roubando a sua independência; e distorcendo a sua realidade
até que às vezes pareça que vocês dois vivem isolados em um planeta só
de vocês.
Para justificar a sua permanência em uma situação como essa, você
pode se ver apegado aos bons momentos que tiveram juntos. Você vive
para esses bons momentos, tanto pela memória que tem deles no
passado quanto pela esperança de ter mais bons momentos em um
futuro próximo. E esses bons momentos parecem ainda mais valiosos
quando acontecem logo depois de um grande revés no relacionamento;
um ponto alto, que parece criado artificialmente em função da diferença
que existe entre ele e os desconfortos diários do restante do seu
cotidiano.
Existem psicólogos que dedicam suas carreiras para entender as
motivações que nos mantêm ligados a pessoas assim. De certa forma,
não importa quantos desses comportamentos você reconhece na sua
própria situação. O que importa é o que você vai fazer depois que
perceber que um ou outro desses comportamentos, sozinhos ou
combinados, está impedindo você de viver uma vida tranquila e feliz e
vai continuar fazendo isso enquanto você continuar com essa pessoa.
Nas próximas páginas, vamos adotar uma abordagem prática,
começando com os passos necessários para um processo de separação.
Esses passos foram pensados para ajudar você a encontrar forças para
agir, para evitar que queira voltar atrás (quantas vezes forem necessárias)
e prepará-lo para a angústia inevitável do processo. Os passos a seguir
estão numerados, não só porque estão correlacionados, mas também
porque, depois de anos trabalhando como coach, pude verificar o quanto
é importante observar uma sequência. Não pule nenhum deles. Passar
rapidamente por eles é menos importante do que cumpri-los até o final.
Assim como o vício em opioides, a nossa empatia não tem fundo. Não
existem limites para os horrores que somos capazes de suportar antes de
desistirmos: destruição financeira, isolamento de família e amigos,
aniquilamento da nossa confiança e de sentimento de individualidade,
mesmo em situações de vida ou morte. Não há outra saída que não seja
mudarmos as regras da nossa empatia.
Mudar as regras da nossa empatia não significa mudar quem somos.
Podemos continuar demonstrando compreensão, mas precisamos
substituir a nossa tolerância por uma compaixão distante. Podemos
escolher ter pena de alguém a distância, até mesmo de alguém capaz de
fazer coisas terríveis, mas não podemos ter essas pessoas em nossas vidas.
A nossa empatia é defeituosa se só a usamos unilateralmente. Não
podemos permitir que a nossa compaixão por uma pessoa se torne um
instrumento de tortura usado em outra pessoa, principalmente quando
somos nós essa pessoa! Já não se trata mais de empatia. É algo mais
profundo e mais destrutivo, que disfarçamos com a nossa empatia.
Isso não passa de uma tentativa dessa voz interior de desviar a nossa
atenção, dizendo “Olha tudo o que você está perdendo, ignora a
montanha de sofrimento que teve que enfrentar para chegar até aqui”.
Esse é o primeiro de muitos testes para verificar se você está finalmente
decidido a acabar com esse sofrimento em sua vida. Você já esteve nessa
mesma situação e voltou atrás, só para descobrir que a mesma dor e
sofrimento continuavam ali esperando por você mais à frente. Quantas
vezes essas vozes o convenceram a voltar atrás? Elas são boas no que
fazem, levando você a duvidar se deveria mesmo atender ao apelo da sua
exaustão, angústia, raiva e total incapacidade, ou indisposição para
continuar suportando essa situação, ou se deveria ceder às tais vozes que
lhe dizem parar continuar.
Lembre-se: você quer um relacionamento. Você queria esse
relacionamento, que não é fácil de terminar, do contrário já teria
terminado antes, não só uma vez, mas centenas de vezes. Você não
precisa de ajuda para continuar. Porém, de alguma forma e apesar de
todos os seus instintos, você permanece em uma situação que não
consegue mais sustentar. O quanto um relacionamento que você
realmente deseja precisa ser ruim para que deixe de desejá-lo?
A resposta para essa pergunta revela a questão principal: é necessária
uma quantidade intolerável de dor para fazer você desistir de algo que
realmente deseja. Logo, uma quantidade intolerável de dor é o que você
tem agora.
Nessa parte do processo você vai descobrir que, toda vez que vencer
um medo, outro aparecerá. E você se verá comparando o seu
relacionamento com outro, no qual o abuso é mais óbvio ou extremo,
para justificar o que sofre como não sendo “tão ruim assim”; ou, no
outro lado do espectro, tentar comparar com um relacionamento tão
“tedioso” que você não consegue imaginar trocar de relacionamento. Se
você conseguir ignorar essas vozes, uma última voz aparecerá; uma voz
que sabe que, se as outras não foram suficientes para convencê-lo de que
a sua situação atual é boa, pelo menos pode conseguir fazer você se sentir
mal:
Você se acha uma pessoa perfeita? Veja tudo de errado que fez ao
longo dos anos. E você tem a sua parcela de culpa nos erros dessa
pessoa. Na metade do tempo, foi o seu comportamento que a fez
agir assim. Ei, pelo menos essa pessoa quer estar com você. Quem
mais poderia querer? Pense bem. Talvez isso seja o melhor que você
vai conseguir. Você não é flor que se cheire também. Pelo menos
essa pessoa te ama e quer ficar com você, apesar de tudo.
IDENTIDADE DE CONFIANÇA
More: Por que não ser professor? Você seria um bom professor, talvez um
excelente professor.
Rich: Se eu fosse, como eu saberia?
More: A sua percepção; a dos seus a alunos; a dos seus amigos; Meu
Deus. Não é uma plateia ruim.
A matriz de identidade
Existe um exercício, que aplico há anos nos meus retiros, chamado “A
matriz de identidade”, que sempre se mostrou uma ferramenta
extremamente prática para que possamos identificar o que precisamos
mudar em nossas vidas, para que possamos desenvolver a tal da
“confiança para chutar o balde” sobre a qual falamos.
Inicialmente eu peço que os presentes façam uma lista dos vários
aspectos de suas vidas dos quais derivam seus sentimentos de
autoconfiança: suas amizades; os cargos que alcançaram em suas
carreiras; a capacidade de tocar um instrumento ou de falar uma segunda
língua; os hobbies que cultivam; a segurança financeira que garantiram
para si mesmos. Qualquer coisa que nos faça nos sentir orgulhosos,
atraentes ou importantes; que nos faça nos sentir interessantes, que nos
faça nos sentir seguros em nossas vidas são itens que tendem a entrar
nessa lista; sobretudo se for algo que frequentemente contribui para a
nossa confiança ou para a nossa identidade. Para alguém que lutou para
obter a cidadania de um novo país, o seu novo passaporte pode entrar na
lista. Outra pessoa pode listar a casa que passou anos construindo com
carinho. Para outra, pode ser o quanto ela estudou, ou o quanto já viajou
pelo mundo para vivenciar outras culturas. O que quer que entre na lista
de cada um é um reflexo direto da identidade que essa pessoa construiu
para si mesma, durante a sua vida até agora.
Em seguida, peço para cada membro da plateia desenhar um
quadrado e dividi-lo em quadrados menores, igualmente espaçados,
como em um jogo da velha, embora maiores. Depois peço que
dediquem cada quadrado menor a um item diferente de suas listas. O
resultado é uma matriz de quadrados que compõem o que denomino
suas “Identidades de Confiança”.
No entanto, enfatizo para quem está participando da atividade que,
na realidade, o tamanho ocupado por esses quadrados em nossas vidas é
tudo menos uniforme. Por isso, peço que desenhem suas matrizes
novamente, mas dessa vez ajustem o tamanho dos quadrados para que
reflitam o quanto o item em cada quadrado é importante para a
construção das suas identidades. Geralmente um ou dois quadrados são
muito maiores que o resto, porque todos nós temos coisas das quais
derivamos uma quantidade desproporcional da nossa validação. Para
muitas pessoas, é a carreira. Para outras tantas, o quadrado dominante é
o seu relacionamento. A matriz, como um dos presentes bem descreveu,
deixa de se parecer com uma cartela de bingo e passa a se assemelhar a
uma pintura de Mondrian, com um ou dois grandes quadrados, cercados
por quadrados menores.
Construir uma matriz de identidade nem sempre é um exercício
confortável. Se você for honesto consigo mesmo, pode olhar para a sua
matriz e perceber que vem dando mais ênfase a algumas áreas da sua vida
do que gostaria e dedicando a outras áreas menos atenção do que elas
mereciam. Algumas pessoas chegam a descobrir que não conseguem
pensar em muitas coisas para colocar em suas matrizes. Se você for uma
delas, não se preocupe; provavelmente terá mais ideias do que pode
compor a sua matriz à medida que avançar na leitura.
Um dos aspectos-chave para que possamos interpretar as nossas
matrizes é o fato de que o tamanho dos nossos quadrados tende a ser um
reflexo daquilo com o que nos identificamos mais. Tendemos a nos
identificarmos com os aspectos das nossas vidas que nos proporcionam
maior sentimento de validação e propósito. A pessoa que sempre foi
recompensada na infância por estar sempre disposta a ajudar, depois de
adulta é considerada uma funcionária “exemplar” por trabalhar até tarde,
por nunca reclamar sobre o volume excessivo de trabalho e por sacrificar
sua vida e sua saúde em nome do trabalho. A pessoa que costuma
chamar bastante atenção por sua aparência se torna obcecada em mantê-
la à medida que envelhece, porque acredita que essa é a sua principal
fonte de valor. Em muitos casos, o cenário tende a ser desenhado desde o
início para o formato que a nossa matriz de identidade assumirá no
futuro, em função do que descobrimos que “funcionava para nós”
durante a infância. Não é fácil dizer se a nossa matriz de identidade
reflete certos aspectos intrínsecos da nossa personalidade que
inevitavelmente se manifestariam, ou se simplesmente seguimos as
migalhas de validação ao longo do caminho de menor resistência, até
que em algum momento a nossa identidade se transformou naquilo que
pensamos que somos. Provavelmente é um misto de ambas as
possibilidades. Todos estamos tentando suprir alguma necessidade:
segurança, propósito, uma maneira de nos identificarmos no mundo; a
nossa matriz simplesmente reflete as nossas melhores tentativas de fazer
isso. Entretanto, a matriz de identidade que desenhamos hoje nunca é
um retrato definitivo; é mais como uma fotografia do momento atual,
que revela os músculos que mais utilizamos para chegar até este
momento das nossas vidas.
Talvez seja mais fácil de visualizar na página do que na sua cabeça. Por
isso, a seguir apresento duas versões para uma matriz de identidade; a
primeira é a minha matriz de identidade aos 21 anos; e a seguinte sou eu
agora, aos 36. Eu poderia ter acrescentado mais quadrados para essas
matrizes, mas optei por restringi-los aos mais óbvios para facilitar a
ilustração. (Desenhei ambas as matrizes na mesma semana, então existe a
possibilidade de ter deturpado alguns elementos da minha versão mais
jovem, embora eu duvide disso!)
Como você pode observar, com 21 anos eu baseava grande parte do
meu valor no quanto eu acreditava ser bem-sucedido aos olhos dos
outros, e na ideia de estar estabelecido financeiramente. Eu também
sustentava a minha família, o que, embora baseado em um misto de
generosidade e sentimento de obrigação, também me fazia sentir bem
comigo mesmo, tornando-se parte da minha identidade. A vida amorosa
também era muito importante, mas tinha menos a ver com realmente
encontrar o amor e mais com sentir que eu era, egoística e heroicamente,
bom em namorar e atrair mulheres. Eu lutava boxe, e isso contribuía
para a minha confiança.
Eu não colocava muita ênfase nas minhas amizades; estava focado
demais nas minhas ambições, mas elas desempenhavam um papel
pequeno na minha matriz, apesar disso. Por ter trabalhado alguns meses
em Xangai, eu havia aprendido um pouco de mandarim, o que se tornou
algo que eu achava que fazia de mim uma pessoa mais interessante. Estar
em forma era importante, mas estava relacionado àquela ideia de “ser
desejado”. Eu gostava da noção de que era bem-informado
(independentemente do quanto eu realmente era) e de que as pessoas me
achavam inteligente quando conversavam comigo. Nem preciso dizer
que uma boa dose de insegurança estava por trás de todas as coisas que
direcionavam as minhas decisões sobre onde alocar meu tempo e
energia, bem como o que me dava um sentimento de importância.
Agora vamos analisar a minha matriz aos 36 anos. Não há como negar
que a carreira ainda ocupa grande parte dela. Mas não está mais focada
apenas na percepção de sucesso validada pelo outro. Uma parte dela
ainda considera esse tipo de sucesso — eu estaria mentindo se dissesse
que eliminei todos esses traços de ambição (e você não acreditaria em
mim de qualquer forma) —, mas hoje em dia eu valorizo muito mais ter
um sentimento de propósito, mesmo que isso signifique que a carreira
não crescerá tão rápido. O meu crescimento interior é um dos aspectos
que mais me causam orgulho, por isso ocupa um quadrado significativo
hoje em dia. Quando eu tinha 21 anos, o crescimento interno só era
importante se me proporcionasse mais sucesso validado externamente,
algo que eu realmente desejava naquela época.
Estar em forma ainda é importante para mim — não vou negar essa
vaidade —, mas igualmente importante hoje é o sentimento de estar
realmente saudável. Um novo e também proeminente quadrado é o das
“experiências de vida”, que reflete o fato de que, hoje em dia, grande
parte da minha confiança e da minha identidade vem da vontade de
viver também, em vez de só trabalhar. Na minha matriz de identidade
atual, você verá que eu não tenho um grande quadrado dedicado a
“cuidar da família”. Agora ele se transformou no quadrado “Ter conexão
e proximidade nos relacionamentos”. Eu ainda procuro ajudar a minha
família, da mesma forma que eles me ajudam, mas isso não é mais de
onde eu tento derivar significado para a minha vida. No lugar da
obrigação, eu agora escolho amor e reciprocidade como a base desses
relacionamentos — eu recebo as recompensas de estar realmente
conectado nessas relações, sem precisar me sentir importante ou valioso
em função do que posso fazer pelas pessoas. Hoje em dia, eu também
derivo a minha confiança da força do meu casamento e não de quantas
pessoas podem me achar atraente.
Os relacionamentos em geral desempenham um maior papel na
minha vida atualmente, e consequentemente recebem quadros maiores
na minha matriz. Sou muito grato por todo o amor presente na minha
vida; um amor que, inconscientemente, eu achava que era algo
garantido. Antes eu achava que os relacionamentos na minha vida — as
amizades e a família — meio que ficavam onde estavam, como insetos
pré-históricos congelados em âmbar, para sempre preservados, sem que
eu precisasse investir neles de alguma forma. Agora, estou muito mais
focado na maneira como posso me fazer ainda mais presente nesses
relacionamentos. Mais do que nunca, tenho consciência de que o
tamanho do meu quadrado “Ter conexão e proximidade nos
relacionamentos” é um reflexo direto do volume de energia que dedico a
ele — já sou muito grato por esse amor, essa energia aumentou
exponencialmente. É assim que ciclos de autorrealização ocorrem nas
nossas matrizes — quanto mais gratos somos por algo em nossas vidas,
mais respeitamos e investimos nisso; quanto mais respeitamos e
investimos nisso, maiores os nossos quadrados se tornam.
Preencher uma matriz de identidade é uma forma clara de ser honesto
sobre onde estão as suas prioridades e o que você precisa mudar para
ficar mais feliz e ter mais confiança. Essa tarefa não requer meses ou anos
de terapia. Existe uma qualidade orgânica nesse exercício,
principalmente se você se dedica a desenhar matrizes regularmente, pois
elas acabam revelando que as suas prioridades se transformam e mudam.
Com essa leitura visual em mãos, você fica menos propenso a sentir que
as circunstâncias estão ditando a direção que deve seguir, e mais
propenso a sentir que é você quem está no comando. Você consegue ver
onde estão as suas vulnerabilidades, bem como em quais áreas está
investindo mais, podendo redirecionar a sua energia de acordo. Evite
pensar demais enquanto estiver desenhando a sua matriz; esse é um
exercício inevitavelmente grosseiro e imperfeito. Simplesmente tente
fazer um desenho aproximado de como você acha que seria a sua matriz
hoje, e depois decida o que precisa mudar para ter uma matriz mais
robusta.
Você pode ver que, aos 36 anos, não só a minha matriz tem mais
quadrados como é, no geral, bem maior. É como se eu tivesse
acrescentado um segundo andar à matriz anterior! Isso acontece porque a
minha identidade se expandiu ao longo dos anos, e as minhas fontes de
confiança e de onde derivo o meu senso de identidade se tornaram mais
numerosas. É ao mesmo tempo um reflexo de onde eu coloco meu foco
e de como gasto o meu tempo. Se o tamanho da sua matriz de
identidade estivesse diretamente relacionado apenas ao tempo gasto nas
coisas, sempre seria um jogo de soma zero entre os aspectos diferentes da
sua personalidade que competem entre si e a vida que lhe dá um
sentimento de confiança. Para mim, a possibilidade de morar e trabalhar
nos Estados Unidos contribui para uma parte da minha identidade de
confiança, mas não é algo que “consome” o meu tempo como o meu
hobby de praticar o jiu-jítsu brasileiro tem consumido nos últimos anos;
simplesmente existe como algo de que me orgulho e que me dá uma
sensação de segurança. O mesmo vale para a minha habilidade para falar
em público, que, apesar de não ter aparecido na minha matriz da
juventude, não necessariamente reflete um aumento do tempo alocado
para ela (eu dava palestras aos 21 anos também). O quadrado alocado
para ela agora reflete apenas o fato de que agora estou muito mais
consciente e conectado com o quanto é maravilhoso ter essa habilidade
de me comunicar. Eu gosto de ter esse quadrado na minha matriz,
principalmente porque é algo que ainda estaria ali mesmo que eu não
ganhasse um centavo com isso. É o mesmo caso da minha habilidade
para escrever, que considero uma habilidade central, que eu manteria
mesmo se perdesse todo o meu negócio. Quando renovo o meu foco
para a sorte que tenho por contar com essas habilidades, o tamanho da
minha matriz aumenta apenas em função daquilo pelo qual escolho ser
grato.
Ainda assim, a maioria das coisas que nos dão uma sensação de
confiança costuma consumir o nosso tempo; por isso, naturalmente,
uma boa parte do que a matriz revela é como ou onde estamos gastando
o nosso tempo e o nosso foco, nos dando a oportunidade de considerar
se estamos dividindo esse recurso finito de uma maneira que contribui
para os nossos objetivos de longo prazo e valores permanentes.
Pareamentos únicos
Existe outro motivo para diversificar que vai além das recompensas
internas. Quando a nossa confiança resulta de múltiplas fontes, ela
oferece um bônus maravilhoso de nos tornarmos mais atraentes aos
olhos dos outros. Isso gera o que eu chamo de “pareamento único”: duas
ou mais características em uma pessoa, que isoladas já seriam atraentes,
mas que combinadas criam algo muito mais potente. Por quê? Porque
são inesperadas. Elas nos fazem perceber, quase imediatamente, que
ainda não conhecemos completamente aquela pessoa; que ela é um
enigma, imprevisível. Elas nos fazem pensar não só “O que mais eu não
sei sobre essa pessoa?” como também “Em que lugar do mundo eu
poderia encontrar outra pessoa assim?”. Um traço chama sua atenção; o
segundo retorna a pessoa irresistível.
Como Rinaldi (editora/surfista) provou, você não necessariamente
precisa ser bom em ambos os elementos do seu pareamento. Mas precisa
ter paixão por eles. Os dois polos distintos criam uma espécie de campo
energético no qual tudo parece possível. É fácil encontrar exemplos entre
pessoas que já são famosas por algo, como o ator Seth Rogen e sua
obsessão pelas cerâmicas que faz. Ou o ex-presidente George W. Bush,
que talvez ganhasse alguns votos retroativos quando começou a se
dedicar a pintar quadros extremamente sensíveis de veteranos e
imigrantes.
Tenho um amigo, Jesse Itzler, que é um empreendedor apaixonado
por desafios de resistência. Ele realiza um desses desafios no próprio
quintal, que dá para uma colina íngreme, no qual ele convida as pessoas
para subir essa colina cem vezes seguidas. Ele chama de “Colapso na
Colina”, e eu posso atestar que é o tipo de desafio diabólico que só quem
já completou uma prova do Ultraman (competição de triatlo na qual
homens nadam dez quilômetros, pedalam 276 quilômetros de bicicleta e
correm 85 quilômetros) poderia ter inventado. Uma vez ele me
convidou para tentar (foi o desafio físico mais difícil da minha vida);
quando ele me convidou novamente, perguntei se a minha noiva,
Audrey, poderia participar também.
Pode, sim! Ela vai amar! Foi a resposta que ele me enviou. Ficamos
noivos nesse mesmo ano, então pode ser que uma parte de mim achasse
que talvez valesse a pena descobrir como ela se sairia no desafio da colina
antes que eu fizesse oficialmente o pedido. (Não conte para ela que eu
disse isso.)
Ela tinha assistido aos vídeos nos quais eu aparecia semimorto ao final
do desafio no ano anterior, sendo amparado por dois amigos que me
ajudaram a completar a última subida; e eu acho que ela pensava que
tinha só sido um dia ruim, em que eu não estava tão bem e que
provavelmente não era assim tão difícil. Eu sempre falava para ela: “Não,
na verdade foi horrível”; e, apesar da minha insistência para que ela
treinasse para o desafio, ela casualmente deixou de comparecer a algumas
das sessões de treino comigo, convencida de que eram apenas uma forma
que eu tinha encontrado para ter companhia durante aquelas horas
solitárias na academia.
Quando chegamos à casa do Jesse em Connecticut, nos Estados
Unidos, no final do verão, havia uma mesa de bufê de bananas, daqueles
tipos de gel de energia e misturas com eletrólitos que costumam ser
encontrados nos bolsos das pessoas que escalam o El Capitan, uma
formação rochosa localizada no Parque Nacional de Yosemite, na
Califórnia. Quando o Colapso começou e até as primeiras vinte subidas,
Audrey continuou sendo Audrey: pegando água e uma fatia de laranja
para nós dois antes do início de cada subida. Lá pela quadragésima
subida, na segunda hora do desafio, já estava claro para ela que não só
era tão intenso quanto eu tinha dito mas que exigiria muito mais de nós
se quiséssemos terminar. Por volta da septuagésima subida, com três
horas de desafio, o ritual de cuidado da Audrey já tinha sido esquecido.
Na octogésima subida, eu já sentia a raiva silenciosa dela, que estava
muda. A música estava alta, pessoas gritavam incentivos umas às outras,
mas Audrey não fazia contato visual nem dizia uma palavra.
Isso era algo sem precedentes no nosso relacionamento. Audrey é a
pessoa mais genuinamente preocupada, gentil e bondosa que eu
conheço. Ela não só nota o que os outros estão sentindo como descobre
o que pode fazer para que se sintam melhor. Mas naquele momento ela
estava direcionando todos esses recursos para si mesma. No topo da
colina, Jesse gritava “Nós não chegamos até aqui para só chegar até
aqui!”, o que vagamente reconheci na hora ser um bom mantra para a
vida. Quando percebeu o nosso colapso iminente, ele abaixou seu
megafone e disse:
— Ei, Huss, Audrey, uma dica para vocês: cada vez que vocês
terminarem uma subida — ele apontou para um barril cheio de gelo —,
coloquem suas mãos e braços lá dentro por dez segundos e em seguida
mergulhem a cabeça. Confiem em mim.
Nós confiamos nele e seguimos seu conselho; e pareceu funcionar, o
bastante para nos ajudar a terminar a subida seguinte. Então repetimos o
processo a cada subida daquele momento em diante. (Depois que
terminamos, ele revelou que o seu “truque de mergulhar no gelo” era
algo que tinha inventado de improviso naquela hora.)
Quatro horas tinham se passado, e o meu treinamento extra tinha
valido a pena. Eu estava me sentindo melhor do que no ano anterior,
tanto que ao final da nonagésima nona subida eu virei para a Audrey e
perguntei:
— Ei, amor, por que não subimos uma última vez e vamos nos
divertir?
Audrey não pensou duas vezes:
— Não — ela respondeu, direta e irredutível, entre respirações
ofegantes e pesadas.
Nós dois concluímos o desafio. Audrey tocou o sino na linha de
chegada, mais para marcar o fim da tortura do que para celebrar
qualquer grande vitória. Alguém pendurou uma medalha de “Vencedor”
no pescoço dela, e ela desmoronou na grama, chorando. Depois, de
tempos em tempos, envergonhada, repetia:
— Não sei por que estou chorando.
Mas eu sabia. Aconteceu com ela exatamente o que tinha acontecido
comigo no ano anterior.
Eu já sabia que amava a Audrey antes de completarmos o desafio, e
acho que a atração que sentia por ela era evidente desde a primeira vez
que lhe disse “Oi”. Mas eu nunca tinha ficado tão impressionado com
ela. Quando estávamos treinando, ela era a pessoa que insistia para que
ficássemos em casa e pedíssemos uma pizza em vez de ir para a academia.
Naquela colina, porém, a guerreira surgiu. Eu soube, quando vi de perto
aquela determinação, que ela era o tipo de colega de equipe que eu
precisava ter do meu lado nos momentos difíceis. Eu sabia que ela era
forte, mas tinha uma força extra que eu não imaginava; e eu sabia que
seria um tonto se alguma vez duvidasse dela. Pareamento único.
É isso que os pareamentos únicos fazem. Você vê duas partes de uma
pessoa que nunca imaginou encontrar juntas naquela mesma pessoa.
Mas você também nota uma terceira coisa: tudo que está entre esses dois
lados da pessoa e que você não vê; um vale inteiro encoberto por nuvens
que você ainda precisa explorar.
14
SOBREVIVENDO AOS
ROMPIMENTOS
Eu queria que isso não tivesse acontecido comigo. Eu não consigo lidar
com o quanto tudo isso é difícil...
CONFIANÇA INTERIOR
Reconceituando
o amor-próprio
Se estamos descartando o modelo do amor romântico, precisamos de um
novo para substituí-lo. Para facilitar, vamos começar com um modelo
que já conhecemos, o do relacionamento entre pais e filhos. Lembre-se
da pergunta que confundiu muitas das minhas plateias: “Por que você
deveria se amar?”. Vamos refazê-la no contexto do relacionamento entre
pais e filhos. Imagine perguntar para um pai: “Por que você ama o seu
filho?”.
Já fiz essa pergunta a alguns pais, e não me lembro de receber como
resposta uma lista de qualidades que fazem daquela criança uma ótima
pessoa. Eles raramente dizem “Porque ela é inteligente, amorosa,
engraçada, bonita e só tira nota boa na escola”, como se o filho estivesse
concorrendo ao Prêmio Criança do Mês. Alguns até podem responder
isso, mas não são a maioria, porque o amor deles não está baseado nessas
qualidades. Eles podem responder isso quando pergunto por que têm
orgulho dos seus filhos, mas não como resposta para por que os amam. E
o amor deles realmente não é baseado em gostar dos filhos também.
Talvez existam dias nos quais seus filhos dificultem a tarefa de gostar
deles, mas seus pais ainda os amam.
Assim, qual resposta os pais dão quando perguntados por que amam
seus filhos? Geralmente: “Porque eles são meus filhos”. O tom da
resposta deixa claro que é uma pergunta boba. Essa foi uma pista
enorme quando comecei a pesquisar sobre quais seriam as raízes da
confiança interior.
Irmãos costumam ter uma conexão parecida. A minha mãe tem uma
irmã gêmea idêntica. Quando perguntei por que ela ama a irmã,
simplesmente respondeu: “Porque ela é minha irmã gêmea”. Outra pista.
Esses relacionamentos, com os pais, irmãos ou irmãs, não dependem
de que a pessoa faça qualquer coisa. Eles não exigem que ela seja boa ou
que tenha feito o seu melhor. Essas são coisas que podem ser esperadas e
com certeza contribuirão para o relacionamento, mas pergunte para um
pai amoroso se ele continua amando o seu filho nos piores dias, e ele vai
rir da pergunta.
Essa foi uma descoberta emocionante. Parecia ser a essência do amor-
próprio, e eu comecei a procurar por ela em todos os lugares. Veja o jeito
como uma criança fala sobre seu coelhinho de pelúcia: “MEU
coelhinho”. Eu o desafio a dizer para o pequeno Eddie que você tem
uma versão mais bonita, nova e cara do Luigi, o coelhinho de pelúcia
que ele leva para todos os lugares. O Luigi pode não ter um olho, estar
todo sujo, descosturado e perdendo o enchimento, mas nada disso é
suficiente para separar Eddie do Luigi. Por quê? Porque ele não é só um
coelho de pelúcia, é o coelho de pelúcia do Eddie. Isso não tem nada a
ver com o que o coelho pode oferecer e tudo a ver com o que o Eddie
decidiu que o Luigi significa para ele. Luigi é o coelho do Eddie. Você
nem precisa de uma criança para fazer esse teste. Na próxima vez que
sair, procure pelo cachorro desgrenhado, de olhar desvairado, com três
pelos arrepiados no topo da cabeça e a língua permanentemente
pendurada no canto esquerdo da boca e tente oferecer ao adulto que está
segurando a coleira a oportunidade de trocar o seu gremlin peludo por
um cachorro mais fofo e imponente. Todos instintivamente já sabemos
qual será a resposta.
Isso acontece porque a razão fundamental por trás do amor em todos
esses relacionamentos é a mesma: “Eu os amo porque eles são meus”.
Essa descoberta fez a tarefa de me amar, com todas as minhas falhas e
vergonhas, meus arrependimentos e ressentimentos, todo o enchimento
que escapa pelos meus buracos, deixar de ser um ideal impossível para se
tornar algo que eu sabia exatamente como fazer.
Reivindicando a si mesmo
Pode parecer estranho questionar isso, mas será que realmente pensamos
em nós mesmos como sendo uma pessoa? Logicamente sabemos que
existimos, que somos alguém no mundo, com um tamanho de sapato,
um CPF e lugares nos quais precisamos estar. Mas, tipicamente, essa não
é a maneira como vivenciamos a nós mesmos. Em vez disso, a nossa
vivência é a de uma mente a bordo de um corpo que vestimos,
espreitando o resto da vida e as outras pessoas. Estamos de olho nas
outras pessoas, é com elas que conversamos, nos relacionamos, de quem
cuidamos, para quem pedimos café e por quem passamos nas ruas. Mas
eu? O que você quer dizer?
Veja quanto tempo passamos nos preocupando com outras pessoas e o
modo como as tratamos. Será que fui educado o bastante? Será que falei
demais? Será que minha gorjeta foi boa? Espero que o que eu disse
ontem não tenha chateado a minha irmã. Preciso ligar para aquele amigo
para ver como ele está. Enquanto isso, mal consideramos a forma como
nos tratamos. Talvez valorizemos ser gentil com os outros, mas com que
frequência pensamos na gentileza como sendo algo que deveríamos
estender para a pessoa na foto da nossa carteira de motorista?
Monitoramos cuidadosamente o que pedimos aos nossos colegas de
trabalho para fazer para, em seguida, criarmos uma lista de afazeres para
nós mesmos, lotada de tarefas e impossível de ser concluída no prazo que
temos. Incentivamos nossos amigos porque sabemos que isso os ajuda a
prosperar, mas nos martirizamos quando o nosso rendimento é baixo.
Enchemos as pessoas de gratidão pelas coisas que fazem por nós e mal
reconhecemos a coragem e o sacrifício necessários para que chegássemos
a este ponto em nossas vidas. Em vez disso, sempre que temos a
oportunidade, revivemos os exatos momentos da nossa história pessoal
nos quais falhamos conosco e com os outros.
Muitos de nós chegamos a esse estado de desumanização
inconscientemente. Isso poderia ser relevado se fôssemos assim com
todos — pelo menos seria um comportamento consistente. Mas
demonstrar que nos preocupamos com as pessoas enquanto
sistematicamente nos excluímos dessa mesma consideração? Isso é cruel.
Só que, assim como a maioria das crueldades, ela acontece longe do
campo de visão dos outros, onde não há ninguém por perto para nos
oferecer qualquer clemência ou nos defender.
Para todo mundo, somos claramente uma pessoa. Nenhum dos nossos
amigos nos considera uma espécie de entidade especial que merece
receber um tratamento sub-humano. Se afirmamos amar as pessoas,
então somos candidatos perfeitos a receber esse amor. Não existe motivo
para aplicar um conjunto de leis diferentes e mais duras a nós mesmos.
Somos uma pessoa, um cidadão do mundo, um ponto fixo em um lugar,
um rosto conhecido; então, será que realmente podemos dizer que nos
importamos com as pessoas enquanto constantemente singularizamos
uma única pessoa, ignoramos suas necessidades e a maltratamos de um
jeito que nem ousaríamos fazer com alguém diferente?
• Se nos amamos por causa dos nossos pontos fortes e qualidades, isso
nos torna vulneráveis ao argumento de que não deveríamos nos amar
nos dias ruins, quando essas qualidades estão ausentes (ou quando
alguém com mais qualidades está presente). Isso significa que
precisamos encontrar motivos mais profundos para amar a nós
mesmos.
• O modelo do amor romântico não ajuda quando o assunto é amar a
nós mesmos. É difícil “se apaixonar” pela pessoa que você conhece
melhor do que ninguém — você mesmo. Você precisa enxergar o
amor como uma ação, e não como um sentimento.
• Podemos encontrar algumas pistas sobre como amar a nós mesmos em
outros modelos de amor, por exemplo, no relacionamento entre pais e
filhos.
• Quando entendemos a noção de que nós também somos uma pessoa
neste mundo, percebemos que todos os valores de dignidade,
gentileza, respeito e compaixão que aplicamos em nossos
relacionamentos com outras pessoas devem ser estendidos a nós
também.
Perdoar-se
O arrependimento, com a repetição constante dos nossos piores
momentos, nos cega para o momento presente e as pessoas com quem o
dividimos. Se não formos capazes de nos perdoar — por nossas
fraquezas, nossos erros, nossas falhas, nossos fracassos e nossas omissões
—, nunca vamos encontrar nenhum tipo de alegria verdadeira no
presente que temos, nem seremos capazes de invocar a energia para o
futuro que queremos.
Existe uma coisa que todos nós compartilhamos: um passado repleto
de erros. Cada um de nós já fez alguma coisa que nos custou caro. Em
alguns casos, os custos são tão altos que é difícil imaginar como vamos
conseguir nos perdoar e seguir em frente por:
Quando realmente fazemos uma lista das coisas pelas quais nos
arrependemos, podemos acabar nos odiando. É difícil não odiar alguém
que nos traiu, mas, quando essa pessoa somos nós, o rancor pode ser
difícil de ser dissipado.
Todas essas decisões ruins e traições pessoais nos fazem sentir como se
tivéssemos fracassado na nossa única chance de nos dar uma vida
melhor. E o ciclo sem fim do sentimento de culpa costuma nos deixar
com sentimentos de raiva e desgosto por nós mesmos, transformando os
nossos momentos mais privados naqueles mais envenenados. Quando
esses sentimentos persistem, podemos sentir que livrar o mundo do
nosso veneno seria algo que beneficiaria a todos.
Por favor, pare agora. Aqui está um choque de realidade para ajudar
você a evitar essa queda livre. Responda a este teste em duas partes sobre
como você trata a si mesmo:
• Quando faz algo certo, você separa um tempo para reconhecer as suas
contribuições e celebrar essa conquista?
• Quando faz algo errado ou idiota, quanto tempo você gasta se
martirizando por isso?
Responsabilidade x culpa
Quando era criança, eu amava o filme original da franquia Jurassic Park
— O parque dos dinossauros. Eu me lembro de assisti-lo pela primeira vez
aos sete anos, com os olhos arregalados na cena inicial do rangido da
jaula com o velociraptor dentro. Saí do cinema com uma opinião
apropriada para a minha idade: os dinossauros são incríveis. Depois de
reassisti-lo pelo que talvez fosse a vigésima quinta vez, já um adulto que
sofria com o sentimento de culpa, uma fala do filme que eu nunca tinha
notado de repente chamou a minha atenção. Ela me abriu os olhos para
uma forma diferente de lidar com o meu passado.
O Dr. John Hammond, o dono do parque, está conversando com um
membro da sua equipe que cometeu um erro. O Dr. Hammond
(interpretado pelo já falecido Richard Attenborough) diz para o seu
funcionário: “Eu não culpo as pessoas pelos seus erros, mas peço que elas
paguem por eles”. Acredito que essa fala nos dá o caminho para que
possamos nos perdoar pelo passado e nos empoderar para nos sentirmos
mais confiantes no presente. Ela também se baseia numa distinção
necessária: a diferença crucial entre culpa e responsabilização.
A responsabilização, de qualquer ponto de vista, faz sentido. Ela nos
empodera para consertar algo, para fazer o que podemos para corrigir o
nosso erro. Ela cria um sentimento de responsabilidade pelos erros que
cometemos e nos faz perceber que existe um preço a ser pago por tê-los
cometido. Por meio da responsabilização, aprendemos que existem
consequências com as quais teremos que viver e nos adaptar. Tornarmo-
nos adultos tem a ver com nos apropriarmos, e nos responsabilizarmos é
uma forma de nos apropriarmos do que fizemos até agora, bem como de
assumir a responsabilidade por consertar os nossos erros. É uma forma
de melhorar as coisas.
A culpa, por sua vez, não tem nenhuma utilidade. Na verdade, nos
martirizarmos incessantemente por aquilo que fizemos não só não serve
a nenhum propósito como também passei a acreditar que é algo que não
faz nenhum sentido. E o motivo é...
FELIZ O SUFICIENTE
Não faz muito tempo, fiz uma pergunta bastante direta para os meus
seguidores no Instagram: “Qual é o seu maior medo para o futuro,
aquilo que mais o preocupa?”. Na última contagem, 3.145 seguidores
tinham comentado, a maioria demonstrando um nível extraordinário de
vulnerabilidade. Mas um comentário de uma mulher chamada Danni
chamou a atenção, e não só a minha. Seu comentário se tornou o mais
relevante, com 2.202 curtidas e 184 respostas:
[O meu maior medo é] Ficar solteira pelo resto da vida… eu sei que
pode parecer superficial ou algumas pessoas podem achar que existem
coisas piores que isso… Eu sei que vão dizer que preciso me amar
primeiro. E eu me amo, me amo de verdade. Mas também tenho muito
amor para dar e eu amo o amor! Eu tenho uma vida que me satisfaz,
com um emprego legal, amigos incríveis e todos os dias vivo a vida para
mim. Estou planejando uma viagem sozinha etc., então a minha vida
não está parada enquanto espero pelo “cara certo”. Mas o meu maior
medo é nunca encontrar “a pessoa certa”. As pessoas podem dizer o que
quiserem, mas o amor romântico preenche espaços em nossos corações
que os outros tipos de amor simplesmente não conseguem.
As ferramentas
Cada uma das ferramentas a seguir é baseada na única coisa que eu
apendi com a dor: a coisa mais dolorosa sobre a dor não é a dor em si,
mas a nossa relação com ela. Por isso, antes de mais nada, vou falar um
pouco sobre essa relação.
A minha relação com a dor era tóxica. Quando sentia fincadas na
cabeça e um zumbido no ouvido, eu não experimentava apenas uma
sensação física. A dor desencadeava uma reação em cadeia inteira de
pensamentos catastróficos, que tinham como destino final sempre
alguma versão de “Estou ferrado”. Veja alguns exemplos dos meus típicos
pensamentos catastróficos:
• Você nunca mais vai aproveitar a vida por causa dessa dor. Nada que
você ama sobre a vida vai ser o mesmo.
• Nenhuma mulher vai querer você depois que descobrir essa sua
fraqueza, que o torna patético, ruim e nada atraente. As mulheres
querem um homem forte e capaz, não uma criatura delicada e frágil
que sempre está a uma fincada de distância de desmaiar. Isso te fez
perder a confiança que antes o tornava desejável.
• E o que você esperava? Foi você que fez isso consigo mesmo. Não
cuidou de si mesmo; alimentou o estresse e a ansiedade, e agora está
estragado sem possibilidade de conserto. O único culpado disso é
você.
• Você nunca vai conquistar todas as aquelas coisas que queria
conquistar, porque essa dor vai dominar a sua vida. E, se você não
conquistá-las, não terá nenhum valor.
Às vezes ficava bem pior, mas deu para ter uma ideia.
Observe a completa ausência de autocompaixão. Quando eu precisava
de um amigo mais do que qualquer outra coisa, eu me tornava o inimigo
que imediatamente transformava a minha experiência diária em uma
fonte de vergonha. A minha relação com a minha dor, essa espiral de
autorrecriminação, era multiplicadora, tornando a dor infinitamente
pior. Nas páginas a seguir você vai encontrar as ferramentas que aprendi
pelo caminho e que transformaram a minha relação com a minha dor e,
ao fazerem isso, me permitiram ser feliz o suficiente. Na verdade, agora
estou feliz o suficiente para compartilhar tudo isso com você, algo que eu
nunca teria sido capaz de fazer quando estava perdido na dor. Ser feliz o
suficiente nos dá a habilidade de voltar a fazer a diferença.
Estou confiante de que estas ferramentas vão funcionar para você
também. Eu não as inventei, mas transformei o que aprendi em
diferentes fontes em ferramentas que compõem um kit bastante
completo para lidar com a dor, que eu uso diariamente.
Deixe de drama
Eu me lembro de conversar com a minha mentora no auge dos meus
sintomas físicos. Contei a ela que comer certos alimentos ou ingerir
bebida alcoólica parecia piorar os meus sintomas. Eu tomava um gole de
vinho e imediatamente começava a sentir dor, tontura, e o zumbido no
ouvido ficava mais alto. Nunca fui de beber muito, mas amo comida,
uma taça de vinho e um bom coquetel. Associo essas três coisas a
algumas das minhas melhores experiências na vida, como viagens e
aventuras. Expliquei a ela em um tom de voz completamente derrotado
— que era basicamente o meu estado emocional naquele momento —
que nunca mais poderia consumir aquelas coisas de novo por causa dos
meus sintomas. Nunca vou esquecer do que ela me disse: “Olha, nós não
sabemos quais serão os seus sintomas daqui a um ano, muito menos
daqui a cinco anos; por isso vamos deixar de drama, com essa conversa
de ‘nunca mais vou poder fazer isso’, que nem sabemos se é verdade, e
vamos focar o que é melhor para você agora. Como algumas dessas
coisas parecem causar dor, então vamos parar de consumi-las por
enquanto, até que as coisas melhorem um pouco”.
Quando ela me disse para “deixar de drama”, estava na verdade me
dizendo para parar de pensar de maneira catastrófica, o que estava me
deixando bem mais infeliz do que a realidade de que eu não poderia
tomar uma margarita de jalapeño naquela noite. A mesma lógica se
aplica à nossa vida amorosa. Quando estamos sozinhos, nossa mente
costuma caracterizar a situação de forma extrema. (“Eu vou morrer
sozinho!”) E é esse o pensamento que nos leva ao pânico e à depressão.
Deixe de drama!
Tudo muda
O corolário para o conselho da minha mentora para deixar de drama é o
simples fato de que você realmente não tem mesmo nenhuma ideia de
como vai se sentir daqui a um ano, ou como a sua vida vai mudar. A dor,
como tudo na vida, muda. Às vezes ela diminui ou desaparece por
completo. Às vezes continua ali, mas não nos afeta da mesma forma,
porque aprendemos a mudar a nossa relação com ela e a lidar com ela de
um jeito diferente. Em algum momento, não seriam a mesma coisa? Não
julgue o seu futuro com base no jeito como você se sente agora. Tudo
muda, e muda o tempo todo.
Na próxima vez que começar a escrever o roteiro do seu futuro inteiro
com base no que está acontecendo hoje, lembre-se: a sua única obrigação
é lidar com a situação hoje, da melhor forma que consegue, enquanto se
mantém aberto às surpresas que o futuro inevitavelmente reserva.
Renda-se
Como Eckhart Tole disse, “aceitar o inaceitável é a maior fonte de graça
neste mundo”. Enquanto o futuro pode reservar surpresas, ficar parado
desejando e esperando por elas é uma péssima ideia. A única forma de
viver é aceitando as nossas circunstâncias atuais. Eu aprendi o quanto era
contraproducente para mim acordar todos os dias esperando que os
meus sintomas mudassem. Isso não significava que eu deveria desistir de
procurar formas de aliviá-los com o passar do tempo. Mas eu tinha
tentado tantas coisas e ficado tão arrasado todas as vezes que elas não
funcionavam que a própria esperança começou a se tornar corrosiva.
Para contrabalançar o meu ceticismo e desespero, aprendi a dizer para
mim mesmo: “Talvez daqui a alguns anos eu não tenha mais esses
sintomas, mas por enquanto eu os tenho, e a vida é curta demais para
não aproveitá-la enquanto isso; então, vou aceitá-los e aprender a
aproveitar a vida enquanto eles ainda estão aqui”.
Algo sobre essa aceitação imediata diminuiu o controle que a dor
exercia sobre mim. Eu não estava mais lutando contra ela. Existe uma
história na mitologia grega sobre o príncipe Ilus, fundador da cidade de
Troia. Ele cometeu o erro de olhar para um objeto sagrado enviado pelos
deuses e foi cegado por ele instantaneamente. No reconto feito por
Stephen Fry dessa história, ele escreve: “Ele [Ilus] sabia o suficiente sobre
os Olimpianos para não se desesperar. Ficando de joelhos, ele lançou
preces de agradecimento aos céus. Depois de uma semana de devoção
inabalável, foi recompensado com a restituição da sua visão”.
Muitos podem não enxergar tanto aprendizado assim nessa história,
que descreve um milagre pouco realista, mas eu vejo uma das lições mais
importantes que já aprendi. Para mim, o príncipe Ilus representa a
pessoa que aprendeu que pode ser feliz o suficiente mesmo se não voltar
a enxergar. Talvez ele até saiba instintivamente que com certeza vai
aprender com essa nova experiência que a vida lhe deu, por isso
agradece. Ele encontrou a gratidão em meio à calamidade. A recompensa
pela sua reação a esse infortúnio é a graça. A sua visão é restituída. Não é
esse milagre, no entanto, o que eu acho interessante nessa história. Ele já
via com clareza quando lidou com a situação partindo de um lugar de
gratidão e redenção.
Render-se nem sempre reverte as nossas circunstâncias, mas
transforma o nosso relacionamento com elas. O estado de espírito do
príncipe Ilus é muito mais importante do que as circunstâncias da vida
dele. Quando nos rendemos, transformamos as lentes por meio das quais
enxergamos a vida. Aceitamos a realidade como ela é, mesmo que isso
signifique seguir pelo caminho que os outros rejeitam. Ao fazer isso,
criamos um novo relacionamento com a situação em si; um
relacionamento que já não causa mais a dor que costumava causar. A
aceitação nessa escala não é passiva. É uma ação consciente que requer
decisão. Ela diz: “Vamos fazer as pazes com O Que É, e depois fazer o
que pudermos para fazer O Que É Melhor”. Quando dizemos para nós
mesmos “É o que é; não poderia ser outra coisa”, ficamos livres para
perguntar “Como posso tirar o melhor dessa situação?”. Quando
desistimos de lutar contra a situação, finalmente liberamos energia que
pode ser usada para explorar os seus benefícios ocultos.
Mantenha a perspectiva
Sam Harris disse uma vez: “Se você acha que as coisas não podem piorar,
isso é apenas falta de imaginação”. As suas circunstâncias hoje podem ser
um sonho se comparadas ao que poderia dar errado em sua vida e não
deu. Se você não tivesse o seu grande problema em sua vida agora, não
há garantias de que não teria um problema igualmente difícil ou pior em
outra área. Todo mundo tem problemas. Quantos casais que pareciam
ter o casamento perfeito estão agora passando por um divórcio? Quantas
pessoas sofrem acidentes que mudam suas vidas, forçando-as a aprender
maneiras completamente novas de se relacionarem com seus corpos?
Quantos jovens têm uma doença e não chegam nem perto dos anos que
você ainda tem para sair e encontrar um relacionamento?
Sempre haverá incertezas, e uma nova dor com a qual você terá que
aprender a coexistir. Não leve isso tão a sério. Mesmo nos momentos em
que a sua dor está mais intensa, isso não quer dizer que tem alguma coisa
de errado com você. A nossa dor não é a única; é apenas o nosso próprio
cubo mágico que precisamos solucionar. Aproprie-se dela, domine-a,
veja o que pode aprender com ela, e isso será o trampolim para tudo que
você se vai tornar e do que mais se orgulhará em si mesmo.
Ironicamente, enquanto escrevo esta seção, os meus sintomas físicos
estão particularmente ruins. É um sentimento familiar. Uma tensão atrás
do olho direito, uma fincada no ouvido, acompanhada de um zumbido
que está mais alto do que o normal, uma pressão em todo o lado direito
da cabeça. Dificuldade para me concentrar. Não sei bem por que está
pior esta manhã. Como todo mundo que tem uma dor crônica sabe,
coisas diferentes podem ser gatilhos: se eu for ficar doente, começa na
cabeça e no ouvido, como um detector de tempestade. Pode ser que eu
esteja estressado demais sem perceber, e a minha cabeça e ouvido estão
me avisando. Nesta época do ano eu também posso ter alergia, outro
gatilho. Não sei o que está causando essa dor de grau 8 de 10 hoje, em
vez de uma bastante administrável de grau 2 ou 3. E, de certa forma, não
importa. Aprendi a ficar feliz o suficiente com um grau 8 também,
usando as mesmas ferramentas que apresentei neste capítulo.
Em momentos como esse, antes eu ficava totalmente desmoralizado e
chegava a entrar em pânico. As histórias vinham de uma vez: “Eu nunca
vou superar isso. Isso vai me assombrar pelo resto da vida. Achei que
estava melhor, mas voltou com força total. Não tem jeito. Não consigo”.
Esta frase, “Não consigo”, era a mais perigosa de todas. Demonstrava
que eu estava completamente sobrecarregado, o que me fazia desligar
totalmente. No passado, ela me fazia desistir do que quer que eu tivesse
que fazer naquele dia, voltar para a cama e cair em um abismo
emocional porque não conseguia enxergar uma saída. Não que tenha
alguma coisa errada com voltar para a cama (às vezes é exatamente o que
precisamos!), mas, graças às ferramentas que eu mencionei, essa não é
mais uma parte necessária da minha resposta à dor agora.
Primeiro, eu noto a dor como uma sensação independente, sem
atribuir nenhum significado a ela — não tento me envergonhar nem me
culpar por ela. (De todo modo, mesmo que eu tivesse feito alguma coisa
para criá-la, o eu que fez isso foi um corredor antigo, não o Matthew que
acordou hoje.) Não começo a pensar de maneira catastrófica em todas as
coisas que terei dificuldade para fazer hoje. São apenas os fatos: o
Matthew está com dor hoje. É isso.
Em segundo lugar, eu fico calmo. Calmo porque já passei por isso
antes e sobrevivi. Eu sei que a dor tem suas modulações, com dias bons e
ruins, horas boas e ruins. Por isso, ela não vai ficar grau 8 para sempre.
Houve uma época, antes da dor de cabeça, quando o zumbido nos
ouvidos sozinho me fazia entrar em pânico e depois em um buraco
negro de uma dormência depressiva. Hoje em dia, eu raramente penso
nele. Às vezes eu até gosto um pouco — não é estranho? Durmo com o
ventilador ligado na maioria das noites, ou com algum tipo de ruído
branco; mas às vezes, quando estou viajando, eu não tenho acesso a um e
fico deitado na cama à noite e os meus ouvidos estão zumbindo e o
silêncio do quarto o faz parecer estar realmente dentro da minha cabeça,
e a sensação é quase aconchegante para ficar ali ouvindo. É como um
velho amigo que me ensinou tanto, e eu digo: “Ah, aí está você, velho
amigo. Puxe uma cadeira; venha sentar comigo”.
Fiquei bastante familiarizado com os meus sintomas. Nós passamos
por muita coisa juntos. Eles foram meus professores e me fizeram um
coach e líder melhor. Eles têm sido uma aula continua e inevitável de
empatia, e uma janela crucial para a vida daqueles que estão em situação
muito pior. Muito do que eu mais valorizo em mim mesmo eu aprendi
com esse velho amigo. Por isso, me sinto grato.
Então, a partir desse estado eu começo a fazer as coisas que podem
ajudar. Você se exercitou nos últimos dias? Não? Bom, isso é parte do
problema, seu pateta. Você tem comido bem? Não? Certo. Então, vamos
colocar um pouco de comida boa para dentro hoje. Você tem se
estressado muito e ficado ansioso com esse livro? Sim? Ok. Bom, é só um
livro, não vamos levar as coisas tão a sério. E o mais importante de tudo:
eu avalio se estou fazendo as coisas com os punhos cerrados; se estiver, eu
relaxo as mãos. Eu digo para mim mesmo que o que for feito, bem, e o
que não for feito, amém; isso é o melhor que eu consigo fazer agora.
Em seguida faço um agradecimento para mim mesmo:
Obrigado, Matthew, por ter chegado tão longe nos últimos sete
anos, apesar do tanto que você se sentiu mal durante grande parte
desse tempo. Obrigado por todos os dias em que você saiu da cama
quando isso era difícil; por todos os meios que você ainda assim
encontrou de ajudar as pessoas e a sua família; por todas as
maneiras como escolheu crescer a partir dessa experiência; por
todas as vezes que não desistiu; pela força de caráter que
demonstrou ao aprender a conviver com isso; pela versatilidade que
mostrou ao reconhecer que esse era um momento para aceitação
em vez de luta. Obrigado, Matthew, meu amigo, por cuidar de nós
nesta era, por fazer tudo o que podia para não deixar a sua vida
desmoronar, e por realmente usar essa experiência para se tornar
um ser humano mais rico e com mais coisas para dar do que antes.
Um dos motivos pelos quais eu não gostava de falar sobre a minha dor
publicamente era porque as pessoas sentem a necessidade de vir com
soluções. Elas ficam desesperadas para nos dar uma solução que possa
acabar com a dor. Mas o que elas não percebem é que eu já consegui
administrar a minha relação com essa dor de maneira bem-sucedida, e é
por isso que não preciso que elas me encontrem uma solução.
O que eu espero que você tire disso tudo é que a dor crônica que você
sente em função da sua desilusão amorosa, ou o seu anseio de ter um
parceiro, não só é administrável como pode ser um dos seus professores
mais esclarecedores, além de uma imensa fonte de força e gratidão. É
essa a verdade dessa dor. A sua função é se conectar com ela. E se você
precisar de ajuda, a seguir apresento algumas verdades sobre a dor de
buscar pelo amor, para que você possa começar:
Peter não era como os outros meninos, mas ele estava com medo
finalmente. Um tremor o atravessou, como um arrepio passando
sobre o mar; mas no mar um arrepio segue o outro até que são
centenas deles, e Peter sentiu apenas um. No momento seguinte ele
estava de pé na pedra novamente, com um sorriso no rosto e uma
batida de tambor dentro dele. Ela dizia: “Morrer será uma grande e
incrível aventura”.