Adeus, Dedo Podre - Matthew Hussey

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DADOS DE ODINRIGHT

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Converted by convertEPub
título original Love Life: How to Raise Your Standards, Find Your Person, and Live Happily (No
Matter What)
© 2024 by 320 Media LLC.
Publicado por acordo com a Harper, uma marca da HarperCollins Publishers.
Todos os direitos reservados.
© 2024 VR Editora S.A.

Latitude é o selo de aperfeiçoamento pessoal da VR Editora

gerente editorial Tamires von Atzingen


editora Silvia Tocci Masini
assistente editorial Michelle Oshiro
preparação Ligia Alves
revisão Paula Queiroz e Laila Guilherme
design de capa Joane O’Neil
adaptação de capa Pamella Destefi
design de miolo Bonni Leon-Berman
diagramação Pamella Destefi e P.H. Carbone
produção gráfica Alexandre Magno
produção do e-book Guilherme Francini

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Hussey, Matthew
Adeus dedo podre [livro eletrônico]: Como parar de se iludir, encarar a realidade e ser feliz no
amor (aconteça o que acontecer) / Matthew Hussey; tradução Kícila Ferreguetti — São Paulo :
Latitude, 2024.
ePub

Título original: Love life: how to raise your standards, find your person, and live happily (no
matter what).
ISBN 978-65-89275-64-0

1. Autoajuda (Psicologia) 2.Desenvolvimento pessoal 3. Emoções 4. Relacionamento


interpessoal I. Título

24-227541 CDD-158.2

Índices para catálogo sistemático:


1. Autoajuda: Relações interpessoais: Psicologia aplicada 813
Eliane de Freitas Leite - Bibliotecária - CRB-8/8415

Todos os direitos desta edição reservados à


VR Editora S.A.
Av. Paulista, 1337 – Conj. 11 | Bela Vista
CEP 01311-200 | São Paulo | SP
vreditoras.com.br | [email protected]
Para Audrey Hussey, a mulher no elevador.

Para mamãe, por ter mantido a chama acesa.

E para todos os que não só estão em busca do amor como são corajosos o bastante
para amar.

Este livro é para vocês.


INTRODUÇÃO

O KARMA NÃO PERDOA

Tenho uma confissão a fazer. Durante boa parte da minha vida, fui um
péssimo namorado. Era até eficiente como palestrante e coach, mas
também era um homem de vinte e poucos anos — ainda que estivesse
vivendo a experiência surreal de ler comentários deixados nos meus
vídeos dizendo: “Ele deve ser o cara perfeito para namorar”. Muitos
presumiam que alguém com a minha inteligência emocional deveria ser
uma pessoa incrível para se relacionar.
Eles estavam errados.
Posso dizer com 100% de certeza que nunca fui, nem de longe, o cara
perfeito para namorar. E, embora eu sempre tenha tido
autoconhecimento suficiente para me sentir desconfortável lendo aqueles
comentários, com vinte e poucos anos — e ouso dizer até mesmo com
trinta e poucos — eu não tinha noção do quanto estavam longe de
serem verdadeiros.
Desde o início da minha carreira como coach de relacionamentos,
sendo um rapaz de dezenove anos que dava conselhos para mulheres, eu
estava fadado ao fracasso como parceiro. Talvez esse seja o destino de
todos os coaches, terapeutas, conselheiros de qualquer tipo que não
adquirem sabedoria antes de sair distribuindo conselhos em larga escala
por aí, ou seja, todos nós. Com exceção talvez de Eckhart Tolle, o autor
de O poder do agora... a sabedoria dele parece ser bem legítima. O resto
de nós deixa a desejar mais do que gostaria de admitir. E a maior peça
que a vida nos prega é que, a partir do momento em que começamos a
falar com veemência sobre qualquer assunto, ela começa a conspirar para
nos fazer meter os pés pelas mãos naquele assunto em questão.
Mas o que fazia de mim um namorado tão ruim?
Eu saía com várias pessoas ao mesmo tempo, sem deixar isso claro
para elas. Na maioria das vezes eu não mentia, só não falava abertamente
porque era conveniente para mim não falar. Às vezes eu me enganava,
justificando para mim mesmo que era a coisa certa a fazer porque eu
estava “protegendo os sentimentos” da pessoa (uma espécie de
relacionamento fluido com a verdade que me esforcei bastante para
mudar desde então). Outras vezes eu sumia sem dar explicações (isto é,
fazia ghosting). Saía com a pessoa e depois deixava o relacionamento
esfriar, sem nunca reconhecer, ou ao menos perceber, que sentimentos
estavam sendo feridos. Em algumas situações eu insistia em buscar a
atenção de pessoas que demonstravam querer ter algo mais sério comigo;
mesmo quando, se eu fosse honesto comigo mesmo, já tinha decidido
que não queria ter nada mais sério com elas. Eu agia assim porque
receber atenção dessas pessoas me fazia sentir bem, e a vida era solitária
sem isso. Nos momentos de tranquilidade e silêncio, quando eu
precisava desesperadamente me recolher com meus sentimentos, resolver
meus problemas e aprender a ficar sozinho, eu pegava o telefone e ligava
para outra pessoa.
Esse é um dos motivos pelos quais meu conteúdo se tornou tão
contundente. Quando alerto mulheres sobre os sinais aos quais devem
estar atentas, geralmente estou falando de uma versão mais jovem e
inconsequente de mim mesmo.
Não estou dizendo que eu não era um cavalheiro. O meu
comportamento era cavalheiresco? Com certeza. Era gentil? Na maioria
das vezes, sim. Eu queria tratar todo mundo bem. Odiava a ideia de um
dia magoar uma pessoa. Eu me importava com os sentimentos dos
outros? Profundamente. Mas, no fim das contas, era com os meus
sentimentos que eu mais me preocupava.
O modo como eu agia durante um namoro casual sempre acabava
magoando as pessoas. Ainda assim, as maiores dores que causei não
vinham quando os relacionamentos não davam certo, mas sim nas vezes
em que eles davam.
Por quê? Porque, mesmo quando achava que estava pronto, eu não
estava. Eu não estava pronto para um compromisso de verdade, aliás
para nenhum tipo de compromisso, muito menos para fazer qualquer
tipo de plano para o futuro. Eu ainda pensava nos relacionamentos
como sacrifício. Contudo, estava pronto para desfrutar da sensação de
estar apaixonado; e isso, eu aprenderia mais tarde, não é a mesma coisa
de estar pronto para um relacionamento.
Não que eu tivesse consciência disso. Se você tivesse me perguntado lá
atrás, eu teria respondido com toda a sinceridade que eu era uma ótima
pessoa para se relacionar. Eu tinha sentimentos profundos, amava
intensamente, me dedicava muito ao relacionamento, era respeitoso,
sensível às necessidades da outra pessoa e bom de papo. Tudo isso
possivelmente me fazia ser o pior tipo de homem para você: a pessoa que
você não antecipa nem enxerga logo de cara. Quando o homem que está
ao seu lado é obviamente um idiota, você sabe onde está se metendo
pelo menos. Pode ser que embarque na dele, pela empolgação do
momento ou pela história, mas com certeza você não espera que a coisa
tenha um futuro.
Assim como a maioria das pessoas que acredita estar sendo inofensiva
aos vinte e poucos anos, eu achava que a minha missão era me apaixonar
por alguém e criar amarras. Mas isso não é um relacionamento. É como
um brinquedo em um parque de diversões: existe para o nosso
divertimento. Quando andar no brinquedo deixa de ser divertido, nós
descemos. Qualquer que seja o aviso de “altura mínima para andar neste
brinquedo” da montanha-russa do romance, a altura exigida para um
relacionamento sério é muito, muito maior.

FLASHBACK: TENHO 24 ANOS E já acho, ou pelo menos desejo


desesperadamente que o mundo acredite, que eu sei tudo.
Estou parado diante do letreiro de Beverly Hills, com um contrato
importante para publicar o meu primeiro livro, Mulheres poderosas não
esperam pela sorte, milhões de visualizações nos meus vídeos do YouTube
e um programa novo no horário nobre da rede de televisão NBC
chamado Ready for Love [Pronto para amar, em tradução livre].
Até este momento, fazia seis anos que eu ajudava pessoas em todos os
estágios do namoro; trabalhava como coach para milhares de homens e
mulheres pessoalmente, no palco, em atendimentos individuais, em
pequenos ou grandes grupos, percorrendo todos os passos do
envolvimento amoroso e atravessando todo tipo de desilusão
sentimental.
No entanto, tudo isso tinha acontecido em Londres, e eu estava em
Los Angeles agora, minha nova casa pelos próximos três meses de
gravação. Eu me sentia empolgado, confiante. Queria participar de tudo.
Por isso, aqui no Beverly Gardens Park, novo demais na cidade para
saber ou me importar com o quanto estava sendo clichê, comecei a
filmar meu primeiro vídeo para o YouTube gravado em solo
estadunidense: 3 Tips for Getting Over Heartbreak [3 dicas para superar
uma desilusão amorosa, em tradução livre].
Durante todo o tempo que passei dando as minhas valiosas dicas,
havia um senhor mais velho em pé ali perto. Ele não me atrapalhava,
mas era difícil não ficar inseguro sabendo que eu tinha plateia. É um
fenômeno curioso: me sentir confortável com a ideia de publicar um
vídeo que seria assistido por centenas de milhares, talvez até milhões, de
pessoas e ao mesmo tempo ter vergonha do único ser humano que está
me assistindo enquanto gravo o vídeo. De sua parte, ele parecia estar
achando graça do meu exército de câmeras para fazer uma filmagem
naquele dia ensolarado; e, quando estávamos guardando o equipamento
depois que terminamos, aquele estranho se aproximou e me perguntou:
“Você nunca teve uma desilusão amorosa, né?”. Ele não estava me
confrontando, mas havia um tom em sua voz que era fácil de identificar.
Era o tipo de tom que ouvimos uma pessoa que viveu o suficiente para já
ter apanhado da vida — talvez algumas vezes, talvez muitas — usar com
alguém que simplesmente não entende (ou, mais precisamente, ainda
não entende).
Eu me senti menosprezado e fiquei irritado. Quem era aquele cara,
afinal? Eu não pedi para você ficar parado aí me assistindo, pensei. E ainda
por cima quer me julgar? No entanto, por mais que eu não quisesse
admitir, ele tinha tocado no meu ponto fraco. A questão não era que as
“dicas” que eu tinha dado não faziam sentido. Para todos os efeitos, elas
faziam sentido. O que causava surpresa nos conselhos que eu estava
dando aos 22, 23 e 24 anos de idade era quão certeiros alguns deles —
não todos, mas a maioria deles — eram de fato. Porém, no fundo, como
meu amigo logo percebeu, a carapuça não me servia tão bem.
Alguém com mais anos de vida e que tivesse passado por uma
desilusão amorosa de verdade saberia que dar “dicas” de um jeito bem-
humorado talvez não fosse a melhor maneira de falar com quem está
tentando achar uma saída do inferno que é uma desilusão amorosa.
Nunca mais vi o meu primeiro crítico americano, mas, se tivesse
cruzado com ele de novo, teria dito que desde o nosso primeiro encontro
eu tinha resolvido aquela falha no meu currículo. A minha versão dessa
experiência de vida formadora foi por si só um clichê. Cometi os
mesmos erros que dizia para as pessoas evitarem: mudei minha vida para
encaixar na da pessoa; ignorei os sinais de alerta; fingi querer coisas que
não desejava só para estar junto; baseei meu amor-próprio no fato de
estar em um relacionamento, a ponto de pausar a carreira e deixar de
lado as minhas necessidades mais profundas; me permiti ficar infeliz por
meses, passando todo o tempo ansioso e preocupado em estar
apaixonado em vez de curtindo o fato de estar apaixonado. Acho que é
suficiente dizer que eu não estava, talvez pela primeira vez na vida, no
meu lugar favorito: no controle da situação.
Sempre tive o hábito de anotar as coisas. Tudo o que tende a ocupar
espaço demais nos meus pensamentos costuma ir parar em escritos nos
meus cadernos, no celular ou qualquer lugar onde eu possa rabiscar
minhas reflexões em tempo real. Entretanto, meus cadernos não estão
cheios de textos no estilo “Querido Diário”. E sim de coisas que digo
para mim mesmo tentando me ajudar a sobreviver ao dia. Nesse sentido,
ler essas anotações pinta uma imagem bem vívida de qualquer que fosse
a dor com a qual eu estivesse tentando lidar naquele momento. Relendo
o que eu escrevia sobre aquele relacionamento, o que mais me assusta
não é a ansiedade palpável que eu tentava combater, mas as mensagens
de “incentivo” que eu escrevia para me convencer a ser persistente.
Basta rolar a tela para ver diálogos internos gentis e amorosos do tipo
“Se tem alguém que consegue, esse alguém sou eu”; “Estou num
treinamento de guerra. Se eu conseguir sobreviver a isso, sobrevivo a
qualquer coisa”; “Não tenho que desejar que a vida seja mais fácil. Tenho
que trabalhar para ser mais forte, mais resiliente. Esta é uma
oportunidade de crescimento importante para mim”.
Qualquer um que lesse aquilo acharia que se tratava de alguém
incentivando a si mesmo durante um treinamento das Forças Especiais
do Exército. Mas era eu escrevendo sobre o meu relacionamento. É a
prova do quanto eu estava infeliz. Fico arrepiado com a falta de
compaixão que eu tinha por mim mesmo e com o quanto a minha
determinação e tolerância ao sofrimento se mostraram perigosas quando
direcionadas para o objetivo errado — nesse caso, para o martírio de um
relacionamento no qual a maioria das minhas necessidades básicas não
estava sendo suprida.
Nem tive trabalho para encontrar essas anotações. Havia muitas,
várias delas constrangedoras demais para serem reproduzidas neste livro.
Uma frase particularmente triste que encontrei no meio de várias listas
de afazeres relacionados ao trabalho dizia:
“São as minhas expectativas que estão acabando comigo. Antes eu era
grato pelo que quer que fosse, mas acabei trocando a gratidão pela
expectativa”.
Aqui, temos a preocupante justificativa para o meu comportamento
masoquista bem cultivado na época: “O problema não é as minhas
necessidades não estarem sendo supridas; o problema é ter essas
necessidades. Eu só preciso voltar a ser grato por ter essa pessoa ao meu
lado, em vez de ter qualquer expectativa com relação a ela. Esqueça a
necessidade de se sentir seguro e amado. Você tem sorte de estar nessa
posição!”.
Depois da dor inicial da desilusão amorosa, ficou bastante claro que
aquele relacionamento não era o certo para mim. Ler o que eu escrevia
na época ainda me deixa com pena do Matthew que estava naquele
relacionamento. Apesar disso, sou grato por ter essas anotações, porque
funcionam como um lembrete do nível de energia assustador que você
pode gastar na direção errada.
Toda vez que me ouvir dizer que você precisa reavaliar o
comportamento que está te deixando infeliz, não pense que estou me
colocando em algum tipo de pedestal. Eu já caí nas mesmas armadilhas.
E não ligue para as pessoas em sua vida que reviram os olhos para as
coisas que você faz. Pode acreditar: é bem provável que elas tenham
cometido as suas loucuras também.
Quando as nossas próprias loucuras nos levam para o caminho errado,
ou até mesmo quando fazemos tudo certo e mesmo assim alguém nos
destrói, é bom ter um lar para onde voltar: um lugar repleto de amor,
verdade e restauração. No meu caso, quando eu estava na pior, meus
primeiros portos seguros eram meus pais, meus irmãos, meu treinador
de boxe e meus amigos mais próximos. Eu tinha sorte de ter acesso à
combinação de experiência e sabedoria deles naqueles momentos. Ainda
assim, apesar de ter todas essas figuras amorosas em minha vida me
oferecendo positividade e soluções, eu ainda acho que o melhor antídoto
para a dor é mais dor. Não mais da minha própria dor, mas da dor dos
outros; a necessidade de comunhão com aqueles que estão passando pela
mesma dor.
Nos meus momentos mais difíceis, sempre houve um lugar muito
especial onde eu encontrava esse tipo de comunhão, aonde eu sempre
podia ir para me sentir menos sozinho, mais como a minha melhor
versão, onde os meus problemas desapareciam. Esse lugar era o palco, ou
então nos atendimentos, ouvindo as pessoas, escutando o que elas
tinham a dizer, conversando sobre qualquer problema que elas
compartilhassem, traçando planos para que elas pudessem lidar com os
problema imediatos e, quando conseguíamos respirar um pouco e ter
perspectiva, ajudando-as a encontrar a confiança de que precisavam —
confiança que, em quase todos os casos, elas só precisavam que eu as
lembrasse de que já tinham. Contar com essa comunidade sempre foi
um dos aspectos mais bonitos dessa carreira e me deixou muito
confortável para abrir espaço para as dores dos outros.
Se você me colocar em um congresso de físicos nucleares, vou
começar a suar. (A não ser que sejam físicos nucleares sofrendo com
desilusões amorosas. Nesse caso, eu posso ajudar.) Mas, se me colocar em
um palco diante de pessoas que estão sofrendo, vou me sentir em casa na
mesma hora.
Na última turnê do livro, antes que o país entrasse em quarentena e os
eventos presenciais ficassem suspensos por dois anos, eu estava no palco,
durante a parte de perguntas e respostas, quando avistei um homem com
a mão levantada no fundo do auditório. Preciso esclarecer que nos anos
anteriores não era comum aparecerem muitos homens nos meus eventos.
Quando surgia um, principalmente um texano rústico e parrudo,
chamava a atenção.
— Qual o seu nome?
— Roy — ele respondeu.
Roy tinha um tipo de beleza desgastada pelo tempo, e quem olhava
pela primeira vez não o achava tão desolado assim. Mas é preciso
coragem para ficar de pé e articular nossa dor, preocupação ou confusão,
por isso perguntei:
— Oi, Roy, como você está?
— Estou bem, Matthew, obrigado. Eu tive uma ex que falava muito
de você, então fiquei com vontade de vir te conhecer. — Essa resposta
arrancou gargalhadas da plateia, seguidas por uma salva de palmas, e Roy
visivelmente relaxou.
— Bom, obrigado por vir.
— Sim, sim. Eu valorizo tudo que você tem para dizer, mas sou
homem. — A voz de Roy ficou mais grave quando ele disse a palavra
“homem”, do seu jeito simples. — Por isso, estou tentando ver o que
consigo aprender a partir de uma perspectiva masculina. — Ele falava
devagar, não porque parecia estar nervoso, mas sim emocionado. — Eu
sou muito... reservado, eu acho. E fico remoendo minhas mágoas,
porque… nós somos humanos. Mas eu estou com um problema — disse
ele, emendando: — a minha ex superou a nossa separação bem rápido. E
isso dói, cara. Ficamos juntos por cinco ou seis anos, e quando a outra
pessoa refaz a vida tão rápido a gente se sente por baixo. E eu só queria
saber: como eu posso mudar a minha perspectiva para não ficar preso a
esses sentimentos? Porque é isso que eu preciso fazer. Preciso parar de
ficar preso a esses sentimentos, senão vou ser infeliz pelo resto da vida.
Quando ele chegou ao final de sua pergunta, o auditório inteiro
aplaudiu, reconhecendo a honestidade de Roy. Em seguida houve um
longo silêncio, enquanto eu pensava no quanto me identificava com o
que Roy tinha dito; não só quanto à dor da desilusão amorosa, mas
também quanto à desorientação vertiginosa que sentimos quando vemos
alguém de quem ainda não estamos prontos para abrir mão seguir em
frente sem olhar para trás. O silêncio foi quebrado por uma voz do outro
lado do auditório:
— Tem vinte mulheres aqui querendo te dar o telefone. — O
auditório inteiro, incluindo o Roy, caiu na risada.
— Roy, você está enfrentando um grande sofrimento. Quando foi que
isso aconteceu? Quando ela virou a página?
Ele explicou que tudo era bem recente; questão de meses.
— Entendo — disse. — Isso tudo é muito doloroso. E uma parte
dessa dor é causada pelo fato de você continuar tentando se convencer
de que ela, de alguma forma, era a pessoa certa para você. E que a pessoa
certa para você agora está com outro. Bom, eu não creio nisso. Acredito
que a pessoa certa só é certa quando temos duas pessoas se escolhendo.
Por mais que você tenha amado essa pessoa e por mais incrível que ela
tenha sido, se ela não te escolheu, esse não pode ser o seu
relacionamento dos sonhos.
E eu continuei:
— Você está de luto porque acha que perdeu a pessoa com quem
deveria estar. Mas garanto que você não perdeu. Porque, se a pessoa não
te escolheu, não é com ela que você devia estar. Você pode ficar chateado
por ela não ser a pessoa certa, mas não pode ficar de luto como se ela
fosse mesmo a pessoa certa, porque ela não é. A gente pode demorar um
pouco para se recuperar de uma desilusão, mas é mais fácil superar esse
golpe do que ter que aceitar a ideia de que o amor da nossa vida foi
embora. Você não perdeu o amor da sua vida. Ele ainda vai aparecer.
Uma coisa melhor vai aparecer, isso eu posso te prometer, irmão.
Quero reforçar para você o que eu disse ao Roy, para o caso de você
também estar sofrendo para superar alguém que não te escolheu:
Ficar desiludido quando alguém não é a pessoa certa faz parte. Mas não
fique de luto como se ela fosse a pessoa certa. Se ela não te escolheu, ela não é
a pessoa certa.
Por falar nisso, quando chegarmos ao final deste livro eu quero que a
sua confiança esteja em um nível em que o fato de “não ser escolhido”
por uma pessoa faça você perder o interesse por ela na mesma hora. O
problema é — e talvez seja nessa fase que você se encontre agora — que,
se a sua confiança não está na melhor forma, quando alguém não te
escolhe você volta para o padrão de questionar fundamentalmente o seu
valor.
Foi por isso que avancei na conversa com Roy:
— O ego também desempenha um papel importante: “Se ela
escolheu alguém, por que não me escolheu? O que o outro tem que eu
não tenho? Por que eu não era bom o suficiente?”. Um dos melhores
conselhos que eu já recebi na vida foi: “Mate o seu ego”. Essa parte de
você precisa morrer. Neste momento você está vivendo um inferno. Está
sendo muito difícil. Alguém arrancou o seu coração. Isso é um inferno.
Mas eu quero a sua versão que sobreviveu a esse inferno e tem alguma
coisa para nos contar sobre isso. Será que eu gostaria da versão do Roy
que não passou por tudo isso? Essa versão não teria nenhuma graça. Eu
não quero esse Roy. Eu quero o Roy com as marcas, o Roy com as
cicatrizes. O que dá errado em nossa vida nos fortalece muito mais do
que o que dá certo. Tudo pelo que você está passando é parecido com
fazer um caldo e ir temperando aos poucos. Isso vai tornar você mais
complexo e te trazer mais compaixão. Vai te fazer ser mais gentil e
empático com os outros. Vai permitir que você tenha mais a acrescentar
no seu próximo relacionamento. Vai fazer de você uma pessoa mais forte.
E depois que você passar por tudo isso? Será que alguma coisa ainda vai
conseguir te assustar? Você vai poder dizer: “Eu já morri uma vez! Isso
não me assusta!”.
Com certeza você deve ter percebido que, depois de também ter
passado pelo que o Roy passou, não abordei a desilusão amorosa dele
dizendo que tinha três dicas para ajudá-lo a superar aquela situação. Para
sorte do Roy, era um Matthew mais experiente e preparado que estava ali
naquela noite. Da mesma forma que acredito que isso vai funcionar para
o Roy, também acredito que o meu valor para todos naquele auditório e
em tudo na minha vida aumentou por causa da minha dor. Eu me tornei
um parceiro melhor para o meu público, assim como o Roy agora tinha
a capacidade de se tornar um parceiro melhor para a pessoa que estava
esperando por ele no futuro.
Um relacionamento verdadeiro exige coragem de ambos os lados.
Exige que sejamos vulneráveis o bastante para permitir que o outro nos
veja. Exige curiosidade e visão para enxergar quem a outra pessoa é.
Enxergá-la de verdade. Aceitar quem ela é diante das câmeras, e aceitar
toda a bagunça que ela esconde nos bastidores. Enxergar seus piores
defeitos com aceitação e generosidade e não com desprezo. E ter fé e
força suficientes para confiar que a outra pessoa fará o mesmo com o
nosso lado sombrio. Acima de tudo, um relacionamento verdadeiro exige
duas pessoas que realmente tenham uma visão da direção que gostariam
que o seu relacionamento tomasse e que se movimentem diariamente
naquela direção. Nós não encontramos relacionamentos excepcionais.
Nós os construímos.
Nas próximas páginas, vou compartilhar com você as lições e histórias
que mudaram a minha vida e as vidas de milhões de pessoas que seguem
o meu trabalho, de quem busco ganhar a confiança todos os dias, tanto
em público quanto em particular.
Quem seriam esses milhões de pessoas, afinal? Há quinze anos,
comecei fazendo vídeos para mulheres heterossexuais, e, embora elas
ainda sejam a maior parte do meu público, hoje ele é mais diverso.
Existem muito mais Roys. E pessoas da comunidade LGBTQIAP+
também foram ajudadas pelo meu trabalho. O amor é universal e flui em
todas as direções. Os conselhos que ofereço têm como base a natureza
humana. Sou grato a todos que relevaram a variedade limitada de
pronomes que eu costumava usar nas introduções dos meus vídeos,
pronomes que podiam fazer vocês sentirem que a mensagem não era
para vocês também. Neste livro, tentei remover essas barreiras e usar uma
linguagem mais inclusiva. Independentemente do gênero ou da
preferência sexual das pessoas descritas aqui, todos nós podemos
enfrentar as mesmas dificuldades, e é por isso que, independentemente
de quem você seja, acredito que vai se enxergar em algum lugar destas
páginas. Quando isso acontecer, espero que você se sinta representado,
independentemente de quem você ame, da forma que ame ou de como
se identifique.
Ainda estou aprendendo a melhorar nos conceitos que abordo neste
livro, mas já me considero muito melhor do que era. Todos nós vamos
precisar de conselhos sobre a nossa vida amorosa um dia. Eu descobri
que o assunto namoro e relacionamento é uma ótima porta de entrada. É
uma porta de entrada para os nossos demônios, inseguranças, traumas,
esperanças e sonhos, bem como para as causas dos nossos tropeços em
outras áreas da vida.
A minha experiência me diz que uma pessoa não pode falar sobre o
amor sem falar sobre a vida também. E ninguém é capaz de ter um
relacionamento excelente com o amor se não tiver um ótimo
relacionamento com a própria vida. Para que possamos ter uma vida
amorosa excepcional, também precisamos cultivar o amor pela vida.
Qualquer que seja o estágio onde você se encontra agora, quero convidá-
lo a descobrir nas páginas seguintes as ferramentas necessárias para que
possamos ter as duas coisas.
SUMÁRIO

Capa
Folha de rosto
Introdução
Créditos
1 — Estar solteiro é difícil
2 — Como contar histórias de amor
3 — Controle seus instintos
4 — Cuidado com quem se esquiva demais
5 — Não entre para um culto com dois membros
6 — Sinais de alerta
7 — Tenha conversas difíceis
8 — Atenção não é intenção
9 — Aquele que nunca está satisfeito
10 — Como reprogramar seu cérebro
11 — A dúvida sobre ter ou não filhos
12 — Como terminar quando isso parece impossível para você
13 — Identidade de confiança
14 — Sobrevivendo aos rompimentos
15 — Confiança interior
16 — Feliz o suficiente
Agradecimentos
Recursos para a sua jornada
Entre para o Love Life Club
Venha me ver ao vivo
1

ESTAR SOLTEIRO É DIFÍCIL

Comecei a dar conselhos amorosos há mais de quinze anos, na maioria


dos casos para pequenos grupos de homens. Algumas mulheres
perceberam que os conselhos ajudavam e quiseram marcar sessões para
elas também. À medida que o número de mulheres interessadas nos
meus conselhos passou a ser maior que o de homens, de vez em quando
eu tinha crises de consciência: quem sou eu para ficar vendendo
conselhos sobre o que uma mulher deveria fazer ou sentir? O que eu sei
sobre ser mulher? No entanto, essas crises quase sempre apareciam no
luxo do retrospecto; depois de uma sessão, quando eu tinha a
oportunidade de repassar as situações na minha cabeça; ou depois que
comecei a gravar os eventos e podia ouvir o áudio ou assistir ao vídeo.
Nunca aconteceu ao vivo, no palco, quando uma mulher estava me
contando sobre uma crise em sua vida, na esperança de obter alívio,
perspectiva ou algum tipo de plano de ação. Naquela situação, eu só
podia confiar na minha experiência, enquanto tentava passar adiante
tudo o que tinha aprendido respondendo a perguntas como as dela
anteriormente.
Até este momento já passei, literalmente, milhares de horas em
situações como essa. Não importa quem é a pessoa, nem o histórico que
ela tem, nem a maneira como se identifica... a resposta certa é aquela que
ajuda essa pessoa a sair do seu problema imediato e, com sorte, a
direciona para uma estratégia de longo prazo. Prefiro conselhos práticos
a um pensamento positivo insosso. Quero que as pessoas saiam pelo
mundo sabendo que existem passos reais que elas podem dar; coisas que
elas podem fazer e coisas que deveriam parar de fazer.
Uma coisa pequena que me deu um lampejo de compreensão sobre o
tipo de pressão constante que as mulheres sofrem por parte de suas
famílias e amigas casadas — e que muitas vezes parece vir de todos os
lados — é a pressão que senti sendo um homem falando sobre namoro e
relacionamentos. Quando um jornalista ou alguém na plateia me
perguntava se eu estava solteiro, eu sempre experimentava um misto de
tédio, por ter que ouvir essa pergunta pela milésima vez, e irritação com
toda aquela farsa. Se eu respondesse que estava namorando, eles diziam
“Ah, que legal”, e mudavam de assunto. Se eu dissesse que estava
solteiro, eles questionavam: “Como pode? Você não é o guru dos
relacionamentos?”.
Posso falar? Isso começou a me incomodar. Não o tempo todo, mas a
cada vinte vezes que eu respondia a essa pergunta eu começava a duvidar
de mim mesmo a ponto de se tornar impossível deixar que aquela parte
da minha vida se resolvesse organicamente. Me vi entrando em uma
situação que desaconselho: colocar tanta pressão em mim mesmo para
conhecer alguém especial que sempre precisava resistir à tentação de
tomar decisões ruins só porque queria cumprir a tarefa de estar em um
relacionamento — algo de que eu precisava me lembrar que não era tão
importante assim, para começo de conversa.
Me deixe responder a essa pergunta de uma vez por todas. Em
primeiro lugar, eu não sou o “guru dos relacionamentos”. O que importa
para mim não é o fato de alguém estar em um relacionamento, e sim que
essa pessoa esteja feliz com qualquer que seja o seu estado civil atual.
Nunca defendi que as pessoas deveriam estar em relacionamentos; apenas
as ajudei a encontrar um, quando era o que elas queriam. Em segundo
lugar, não acho que o fato de eu estar em um relacionamento é o que
mais me qualifica para fazer o que faço. Fiquei noivo enquanto escrevia
este capítulo, o que é um acontecimento feliz para mim, mas esse rótulo
sozinho não deveria ser uma medalha de honra. Estar em um
relacionamento por si só não faz de mim ou de ninguém uma pessoa
bem-sucedida — muitas das pessoas com as quais trabalhei teriam
orgulho de se considerar mais bem-sucedidas no dia em que terminaram
seus relacionamentos. Todos nós conhecemos pelo menos um casal cujo
relacionamento preenche todos os requisitos das redes sociais de uma
união feliz, mas por trás das câmeras está prestes a implodir.
Vou colocar de forma mais clara:

• Se você encontrar o amor como resultado do meu trabalho, vou ficar


feliz.
• Se você terminar com alguém com quem não deveria estar e ficar
solteiro por conta do meu trabalho, vou ficar feliz do mesmo jeito.
• E se você decidir que não está com pressa para começar um
relacionamento depois de ler este livro, porque está amando a vida e
amando ser você, e não está tentando preencher um vazio buscando
alguém que possa te fazer sentir bem o bastante, essa vai ser a minha
maior recompensa.

Nada disso facilita as coisas quando estamos solteiros. Mesmo que


deixemos de lado as pressões sociais para encontrar alguém, ainda
precisamos lidar com os nossos próprios sentimentos sobre a necessidade
de conexão. Durante esses quinze anos de profissão como coach,
trabalhei com inúmeras mulheres que sentiam que suas vidas amorosas
não estavam indo para lugar nenhum. O desencanto e a desesperança
sucedem à rejeição e à desilusão até que a pessoa começa a acreditar que
aquele velho ideal de que existe uma pessoa certa para todo mundo se
aplica a todos menos a ela. Você para de ver razões para namorar, pois ou
nunca sente aquela faísca, ou todo mundo com quem sente essa faísca
acaba traindo a sua confiança ou querendo coisas diferentes de você.
Você diz para si mesmo: “Talvez eu devesse aceitar o fato de que nunca
vou ter alguém”. Em seguida, todos com quem você saía começam a
formar casais e a desaparecer da sua vida, e essa desilusão se transforma
em uma convicção: “Já que sou eu que ainda estou sozinho, deve ter
alguma coisa errada comigo”.
Esses pensamentos se tornam cada vez mais fortes a cada conexão
errada. E, mesmo que tentemos permanecer confiantes, carregamos
aquele medo persistente e profundo de que, bom, talvez o mundo esteja
muito diferente mesmo. Talvez não existam mais relacionamentos
verdadeiros. Ou, o que é ainda pior, talvez eles não existam para mim.
É muito triste quando um relacionamento no qual investimos meses
ou anos dá errado e nos vemos de volta à estaca zero. Não existe uma
conta onde podemos acumular riquezas em nossas vidas amorosas.
Sempre que alguém vai embora, temos que começar de novo com uma
nova pessoa; o relógio do relacionamento é zerado. Só que não há um
botão para zerar o relógio da nossa vida, nem o do nosso corpo. Esses
continuam rodando. Se a nossa vida amorosa fosse um jogo de tabuleiro,
não seria o Banco Imobiliário, com sua acumulação constante de casas e
hotéis. Seria o Cobras e Escadas. Cada novo relacionamento é uma
escada a subir, e cada novo término é o como uma cobra deslizando, que
parece nos levar imediatamente de volta para a solidão em que vivíamos
antes. Mas isso não é necessariamente ruim. Nós temos a chance de
começar de novo!
Quando começamos a sentir que estamos ficando para trás, quando
nossos amigos formam casais, é importante nos lembrarmos de que
qualquer um pode se ver de volta à vida de solteiro a qualquer momento.
Casais que estão juntos há muito tempo se separam. Será que é pior para
eles depois de 26 anos de casamento ou de união do que é para alguém
que está na sexta ou décima sexta decepção amorosa? Não existe uma
resposta certa. Algumas pessoas saem de um término com um
sentimento de realização e de serenidade sobre a sua recém-descoberta
independência. Outras se sentem completamente abandonadas, sem o
conforto, ou os amigos, ou a certeza que depositavam na vida que
acabou de chegar ao fim.
Qualquer que seja o estágio em que você se encontre — namorando,
abandonado, divorciado, desafiando os padrões —, todo mundo precisa
encarar as emoções que acompanham a solteirice. Comparados ao
trauma da desilusão amorosa ou ao apocalipse do divórcio, os desafios do
dia a dia e o estresse de estar solteiro podem não ser tão óbvios. Como
lidar com o problema quando o problema é um vazio no âmago da nossa
existência? Mesmo assim, pode ser doloroso não ter alguém; e, enquanto
você começa a somar todas as pequenas dores, acaba desenvolvendo uma
condição crônica. Nos dias agitados e você se sente confiante ou só está
levemente preocupado com a vida, o estresse é administrável. Mas há
dias em que parece que você está enfrentando uma batalha constante
contra um adversário que só você consegue enxergar. Às vezes a dor de
estar solteiro aparece no melhor dia de todos, quando você é arrebatado
pelo clímax de uma experiência boa, e é exatamente esse sentimento
excepcional de alegria que faz você se lembrar de que não tem ninguém
com quem dividi-la, ninguém para ouvir quando você está fazendo uma
coisa que o deixa empolgado; ninguém do seu lado se você quiser
simplesmente processar tudo em silêncio.
Algumas pessoas sentem essa ausência como se fosse uma ausência
física; como se cada ano que passam sozinhas representasse um ano a
menos com aquela pessoa que ainda não conheceram. Essa ideia de que
existe um parceiro predestinado se assemelha perigosamente a uma coisa
que vamos desmentir no próximo capítulo. No entanto, esse sentimento
de perda também é uma realidade da vida. O escritor Christopher
Hitchens escreveu que “uma lição melancólica do passar dos anos é a
compreensão de que você não consegue fazer velhos amigos”. Isso
também se aplica aos relacionamentos: você não pode voltar no tempo e
se casar com o namorado da escola que nunca teve. E algumas pessoas,
principalmente aquelas que costumam se comparar com seus amigos
casados, sentem isso bem lá no fundo. Se alguém que você conhece há
muito tempo tem um relacionamento de dez anos, é fácil se comparar à
situação dessa pessoa, olhar para a sua solteirice atual e dizer: “Mesmo
que eu encontre alguém hoje, ainda assim nunca teria aqueles dez anos
de história”.
Eu acredito que existem motivos para ter esperança. À medida que
envelhecemos e temos mais consciência do que gostamos de fazer, dos
tipos de pessoas pelas quais nos sentimos atraídos, nós entramos
rapidamente em sintonia com nossos novos parceiros. Não estou
dizendo que é como se repassássemos com eles uma lista de sinais de
alerta baseada em todas as nossas experiências amorosas catastróficas,
embora, certamente, não devêssemos ignorar esses sinais. Mas existem
pessoas que conhecemos mais tarde na vida com as quais temos uma
conexão de almas instantânea. Eu sou alérgico a falas como essa, mas
acho que não chega a ser um mistério. As duas pessoas estavam sozinhas
em seus próprios caminhos, conscientes dos ensinamentos da vida, e,
após toda essa experiência, se tornaram mais capazes de reconhecer e
apreciar as cicatrizes uma da outra.
Quer vivamos a quilômetros de distância da nossa primeira casa ou na
esquina do lugar onde crescemos, saímos pelo mundo com a esperança
de nos tornarmos algo diferente do que éramos quando partimos pela
primeira vez. E em algum momento vamos encontrar alguém que nos
lembrará disso. Mesmo que esse alguém venha de um lugar
completamente diferente, ele nutria essa mesma esperança. Geralmente
as pessoas são definidas por aquilo que querem, pelos objetivos que têm
e por tudo aquilo que estão determinadas a conquistar, mas também são
moldadas pelas coisas que rejeitam, por tudo aquilo a que dizem “não”
para que possam chegar aonde desejam estar. É preciso viver muito para
descobrir as coisas que você não tolerará. Cada vez que você deixa uma
delas para trás, isso o afasta da pessoa que costumava ser e das escolhas
que talvez fizesse. E de repente aparece na sua frente alguém que chegou
àquele mesmo lugar, e vocês reconhecem um no outro a distância que
percorreram desde que saíram de casa. Isso não é mágica; se for, não é
uma mágica que você conseguiria fazer quando tinha dezenove anos.

ESTAR SOLTEIRO É DIFÍCIL; é como uma dor que nunca passa. Um dos
propósitos principais deste livro é dar às pessoas um conjunto de
ferramentas que as ajude a atrair exponencialmente mais oportunidades
para sua vida amorosa. Mas outro importante objetivo é ajudá-las a
viverem o presente, a aproveitar a beleza da vida que têm enquanto
permanecem abertas às oportunidades. Só que isso pode ser complicado.
Às vezes, “estar aberto às oportunidades” pode se transformar em
“alimentar a esperança” ou “esperar enquanto sentimos que o resto da
vida não vale a pena ser vivido até que aquilo que definitivamente não
vai acontecer hoje (ou talvez nunca aconteça) finalmente aconteça”.
Na mitologia grega, Pandora não conseguiu resistir e abriu a caixa que
lhe disseram para não abrir. Assim que abriu a caixa — e como ela
poderia resistir? —, Pandora percebeu que ela continha todo tipo de
doenças e males desconhecidos, que agora estavam livres para atormentar
a humanidade para sempre. Pandora rapidamente reconheceu o seu erro
— vamos ignorar por enquanto o fato de que esse mito, assim como a
história de Eva, parece uma justificativa para culpar as mulheres donas
de uma curiosidade saudável por tudo o que há de errado no mundo —
e correu para fechar a tampa antes que a esperança escapasse. Esse é um
detalhe curioso. Pode ser que você questione: “Qual o problema de a
esperança escapar? Como ela poderia ser tão devastadora e perniciosa
como uma doença?”.
Durante anos, sofri com uma dor crônica. O diagnóstico que recebi
foi de tinnitus, ou zumbido, uma espécie de chiado no ouvido que às
vezes — na maioria das vezes, na verdade — vinha acompanhado de
toda a variedade de dores de cabeça incapacitantes que você conseguir
imaginar: dor, tonteira, pontadas na cabeça e ouvidos. Resolver esse
problema se tornou uma obsessão minha durante muitos anos. Se você
acha que eu não estava alimentando a esperança, está enganado. Fui atrás
de praticamente toda possibilidade de cura da qual ouvia falar, e,
morando na Califórnia, ouvi falar de muitas. Eu me consultei com um
osteopata que estalou meu pescoço e minha coluna de um jeito que a
sensação era a de que ele estava separando minha cabeça do corpo. Eu
me inscrevi em algo chamado “terapia de banho de som”, na qual eu
ficava sentado em uma sala com uma pessoa que fazia “um concerto para
um” em sinos tibetanos enquanto a outra tocava um didjeridu, um
instrumento de sopro utilizado por aborígenes australianos, levando as
vibrações “para dentro do meu coração”, segundo me explicaram.
Procurei um médico especializado em enxaqueca que me receitou uma
lista de medicamentos que incluíam injeções mensais. Passei por vários
otorrinolaringologistas, um atrás do outro. Um deles me mandou cortar
o café, bebida alcoólica, o açúcar, o sal e comidas apimentadas, e outro
me disse que o próximo passo seria tomar antidepressivos. Eu já sentia
que precisaria de antidepressivos se realmente tivesse que cortar tudo o
que eles queriam que eu cortasse.
Fiz ioga. Tomei suco de aipo todas as manhãs. Fui ao dentista e gastei
seiscentos dólares com uma placa de bruxismo. Fui a um acupunturista
que fez uma massagem nos meus ouvidos internos e mandíbulas, para a
qual ele colocava os dedos, ao mesmo tempo, dentro da minha boca e
ouvidos e manipulava a área inteira por dentro. Outro acupunturista que
procurei, dessa vez um chinês, prescreveu uma mistura complicada de
sachês de chá de ervas que tinham um cheiro incrivelmente ruim e gosto
de lama misturado com água quente. Tomei essa mistura por um mês, o
que foi praticamente a definição do triunfo da esperança sobre a
experiência.
Viajei para Munique, no meio da pandemia, para fazer um
tratamento no qual extraíam litros do meu sangue (bom, era o que
parecia), que eram colocados em uma centrífuga para separar as
proteínas anti-inflamatórias, e o sérum resultante era reinjetado nas
minhas mandíbulas, atrás do meu pescoço e nos meus ombros vinte
vezes por dia durante quatro dias seguidos. Isso foi perto do Natal,
quando tudo o que eu mais queria era estar com a minha família. Em
vez disso, eu era um dos poucos hóspedes de um hotel enorme, cada um
de nós com uma espécie de invalidez ou coisa parecida, vagando por
aquele mausoléu alemão como se fôssemos fantasmas. Gastei uma
quantidade obscena de dinheiro para me sentir sozinho e infeliz e no fim
das contas só consegui desenvolver uma tolerância vitalícia a agulhas.
Pode-se dizer que fui atormentado pela esperança por anos. Toda vez
que ouvia falar de um novo medicamento, eu criava expectativas. Era
invadido por um sentimento de alívio de saber que a cura estava a
caminho — de que esse novo tratamento finalmente faria a diferença. O
meu sistema nervoso se acalmava porque eu deixava de estar no modo de
catastrofização. Eu já imaginava — podia quase sentir — o fim daquela
condição, que agora tinha até uma data específica para chegar ao fim:
também conhecida como o dia em que eu começaria o tratamento. Eu
falava com meus amigos sobre essa nova cura milagrosa com um
sentimento de empolgação que beirava a alegria. Ainda que continuasse
sentindo dor, a mera possibilidade do alívio parecia causar um efeito no
meu cérebro. Estou contando tudo isso para dizer que compreendo o
estado emocional de alguém que não está em um relacionamento longo
e se empolga quando começa a contar aos amigos sobre o encontro que
teve e que acabou sendo realmente interessante. Eu entendo
completamente. Essa pessoa está começando a considerar a possibilidade
de que a trajetória depressiva em que estava, pelo que parece ser desde
sempre, esteja chegando ao fim.
Eu gosto de fazer essa correlação com a dor crônica porque os
cientistas descobriram que a dor crônica reprograma o cérebro — a
persistência da dor faz os receptores de dor perderem a sensibilidade e
entrarem em um modo de resposta gatilho, no qual são ativados mais
rápido do que seriam em pessoas que não estão expostas ao mesmo tipo
de dor. Isso significa que, nesses casos, não é possível tratar somente a
dor; é preciso reprogramar o cérebro. No entanto, mesmo quando eu
estava nesse estado sempre parecia haver uma válvula de escape: todo dia
havia um momento, logo quando eu acabava de acordar, antes de sair
completamente do sonho que estava tendo e de lembrar exatamente
quem eu era, no qual eu tinha um breve lampejo de como era não sentir
dor.
Todo mundo que viaja conhece esse momento: você acorda e se
pergunta: onde é que eu estou mesmo? Austin? Singapura? Estou em um
quarto de hotel próximo ao aeroporto ou na casa de um amigo? É um
sentimento familiar para qualquer um que já tenha vivido uma desilusão
amorosa: você é presenteado com dez ou quinze segundos livres da
infelicidade, bem na hora em que acorda, antes de juntar todas as pistas
e se lembrar de como se sente, um breve alívio antes de ver as manchetes
do dia, as mesmas de ontem, lhe dizendo que o seu coração está partido.
Assim que se dá conta disso, você diz: “Certo, estou pronto para
começar o dia agora. Já me lembrei do quanto me sinto destruído”.
Você também experimenta lampejos desse sentimento de alívio
durante o dia. Geralmente eu estava completamente absorto com
alguma coisa que fazia quando alguém próximo perguntava: “E a cabeça,
está doendo hoje?”. E eu precisava admitir: “Ah, é mesmo, está doendo
um pouco. Mas até dez minutos atrás estava tudo bem”. Todas as pessoas
que insistiam em me dizer “Pode acreditar, vai passar” também não
estavam me ajudando, porque aquela esperança corrosiva me
desconectava da minha vida. Esperar pelo dia em que tudo estaria
melhor tornava impossível para mim aproveitar a vida como ela era. Eu
criava as condições perfeitas para me decepcionar todas as vezes que não
melhorava.
Finalmente aprendi a mudar a minha relação com a dor, que eu
percebia que era diferente dependendo do dia. Comecei a ficar curioso
com isso. Passei a monitorar o que estava acontecendo naqueles dias nos
quais, em uma escala de dor de 0 a 10, a dor estava em 7 ou 8 e o que o
acontecia de diferente nos dias em que a dor estava em 4 ou 5 na escala
de dor. Quando se trata do dia a dia de uma dor crônica, qualquer
pequena variação na intensidade faz toda a diferença. Essa mesma escala
e cálculos ajudam com as dificuldades de estar solteiro também: é
possível cultivar a curiosidade sobre as experiências que diferem em
alguns níveis daquelas que costumávamos ter. É como aquele momento
ao acordar: quanto mais eu conseguia permanecer curioso, mais tempo a
dor levava para se fazer presente.
Esse tipo de curiosidade, sobre o qual vamos falar ao longo deste livro,
permite que você adote uma perspectiva de experimentação social em
sua vida. Digamos que você normalmente entre em pânico quando
alguém com quem está saindo não responde às suas mensagens com a
mesma rapidez do início e que você comece a pensar que vai se magoar
porque provavelmente gosta mais dessa pessoa do que ela de você. Talvez
isso seja suficiente para fazer você agir com frieza na próxima vez que se
encontrarem, ou adotar um tom agressivo. Mas, se você tentar ter uma
reação diferente — admitir que ficou um pouco triste porque gosta de
ter notícias da pessoa —, talvez essa vulnerabilidade, essa honestidade
que não é o que você normalmente faz, obtenha um bom resultado.
Também é possível que isso não aconteça, e tudo bem, porque o
resultado não é o objetivo. Agora você vai começar a testar a variedade
de reações disponíveis a partir de uma leve mudança de marchas. Nós
podemos ficar tão acomodados em nosso próprio mundinho que não
compreendemos o quanto o espectro de experiências possíveis é vasto.
No entanto, quando nos permitimos testar diferentes formas de pensar, é
como se estivéssemos nos libertando de uma prisão. Desse modo, a
curiosidade o ajuda a se libertar do medo, e ao fazer isso você tira
daquilo que teme o poder que isso tem sobre você. Essa atitude — de
transformar a sua vida num experimento social — pode levar a
resultados que você nunca teria previsto. Mesmo quando os resultados
parecem pequenos — como a diferença entre 7 e 5 numa escala de dor
—, ainda assim eles representam uma vantagem que você pode usar para
mudar a sua vida. Por fora, essa pequena mudança de comportamento
pode nem chegar a fazer a diferença, mas por dentro o resultado pode ser
surpreendente. Esse resultado não é o fato de obter uma reação
levemente diferente, e sim o de que uma reação diferente é possível
devido ao seu esforço e à sua curiosidade. Isso pode gerar um alívio
imenso. É um sinal de que você está reprogramando o seu cérebro.
2

COMO CONTAR HISTÓRIAS DE


AMOR

Uma amiga minha terminou seu relacionamento recentemente. Desde o


início ela dava indiretas de que queria se casar. Depois de um tempo, ela
passou a dizer isso abertamente. Mesmo assim, nenhum pedido foi feito
até que eles completaram sete anos juntos e fizeram uma viagem
romântica para Cabo San Lucas, no México. Naquele cenário perfeito
para um pedido de casamento, o que você acha que o namorado dela
fez? Passou duas semanas inteiras mergulhando e tomando sol
tranquilamente. Foi a gota d’água. Ela pôs um ponto-final no
relacionamento.
Um mês depois ela surpreendeu os amigos ao começar uma nova
relação que, desta vez, terminou rapidamente. Nos meses seguintes ela
repetiu o mesmo processo diversas vezes: conhecia um rapaz poucas
semanas depois de um término, começava a reclamar dele com os amigos
quase imediatamente e em seguida terminava o namoro. O
comportamento era desconcertante, não só porque ela pulava de
relacionamento em relacionamento sem nenhuma dificuldade, mas
também porque os caras com quem saía não tinham nada em comum.
Não existia um tipo ou padrão no que a atraía neles. Eram apenas
homens com os quais o relacionamento não durava. O que cada um
deles oferecia a ela era uma nova história de amor para contar. Ela era
uma mulher extremamente competente, com um cargo importante na
indústria financeira de Nova York, mas ser amigo dela era como ter
ingressos de primeira fila para um filme da Kate Hudson ou da Drew
Barrymore, consideradas rainhas das comédias românticas.
Cada homem oferecia a ela o papel principal em uma nova história de
amor, que ela poderia contar para seus amigos e para si mesma. Mesmo
que acabassem se tornando mais tragicômicas, com essas histórias ela se
sentia envolvida e não deixada de escanteio. Esse tipo de história, mesmo
quando não dá certo, pode nos dar a sensação de que não estamos
sozinhos no mundo. Quando estamos na pior, qualquer história pode
parecer melhor do que não ter nenhuma.
Contar essas novas e empolgantes histórias, no entanto, funcionava
para essa minha amiga como uma forma de desmentir uma verdade mais
dolorosa — enquanto na superfície seu comportamento poderia ser visto
pelos amigos como uma compulsão por ser protagonista e produtora da
própria série de histórias de amor, havia um sentimento de medo e
desespero por trás disso tudo. Depois de anos sendo apontada como uma
das mais inclinadas a ter um casamento feliz, ela havia de repente sido
empurrada para o fim da fila, enquanto uma amiga ou outra tomava
rapidamente a dianteira, conquistando o próprio relacionamento bem-
sucedido; ao mesmo tempo, sua busca por um substituto a qualquer
custo evidenciava um dos grandes paradoxos quando se trata de histórias
de amor: às vezes, o passo mais importante no caminho para encontrar a
sua própria história de amor é aprender a ser feliz fora dela; e era esse
passo que a assustava.

EXISTE UM CERTO PERIGO EM HISTÓRIAS DE AMOR que são mais divertidas


de contar devido a sua intensidade, dramaticidade ou improbabilidade.
O cantor Barry Manilow tem uma música, “Somewhere Down the
Road” [Em algum lugar no fim da estrada, em tradução livre], na qual,
no início da letra, parece que ele está tendo a atitude madura de alguém
que, quando o relacionamento acaba, ressignifica o término para fazer os
dois se sentirem menos mal. Ele fala sobre não ser o momento certo,
sobre os sonhos dela que a levaram para longe, quase soando como um
adulto saudável. Mas então começa o refrão, a melodia cresce, ele
imagina o caminho dos dois se cruzando novamente e canta com toda a
convicção que um dia ela vai perceber que o seu lugar é ao lado dele.
Ignorando o quanto seria assustador receber uma mensagem assim de
uma ex, toda vez que essa música toca, geralmente em alguma sala de
espera, o bom e velho Barry sempre consegue evocar o romântico que
existe em mim — justamente pelo jeito como ele conta a história. Quem
não suspende o radar da racionalidade durante uma história de amor
bem contada? Perdi as contas de quantas vezes assisti a Titanic e chorei,
apesar do fato de que Rose, com quase cem anos, parece não ter
superado o rapaz com quem conviveu por quatro dias quando ela tinha
dezessete.
Eu gostaria de nunca perder esse meu lado capaz de ser envolvido pelo
drama das histórias que fazem meu coração doer. Porém, se eu
promovesse esse mesmo lado a diretor executivo das decisões sobre a
minha vida, estaria perdido. Precisamos separar os sentimentos que
experimentamos durante uma canção de amor ou um filme triste da
realidade sóbria da nossa vida real. É um ajuste essencial, importante não
só para a nossa felicidade, mas também para a nossa sobrevivência.
Às vezes, quando queremos voltar a viver, precisamos abrir mão da
história que contamos (ou da forma como a contamos) para nós mesmos
e para o resto do mundo. Não é fácil. Muitos de nós já estamos
familiarizados com aquela pontada de arrependimento, anos depois do
término, por um relacionamento que sabemos que chegou ao fim por
um bom motivo. Deus me livre de qualquer um desses devaneios se
tornar realidade e minha namorada da escola e eu irmos parar juntos no
teleférico de uma estação de esqui na Suíça, ou em um cruzeiro para ver
baleias na Patagônia. É importante contrabalançar esses sentimentos
com uma boa dose de realidade. Abrir mão dessas antigas histórias de
amor começa por redefinir o que realmente valorizamos na vida. E, para
fazer isso, precisamos definir como seria a história de amor que valeria a
pena ser vivida. Só depois disso seríamos capazes de contar a nós mesmos
histórias diferentes e mais saudáveis.
Seria aquela pessoa que deixamos para trás — ou, no caso do Jack e da
Rose, a pessoa que congelou até a morte e afundou no norte do oceano
Atlântico — realmente a “pessoa certa”? Será que aquela pessoa com
quem uma vez sentimos uma ótima conexão poderia ser a certa para nós
pelo resto da vida? Se isso fosse mesmo verdade, o ecstasy seria a
substância mais valiosa do mundo por causa do poderoso sentimento de
amor que ele produz por algumas poucas horas. Só que isso é uma
experiência e não um relacionamento, que é, por definição, algo
contínuo. Você não descobre o padrão de um relacionamento que vale a
pena em uma breve conexão que produz uma explosão de sensações de
prazer que desaparecem logo depois. Seria absurdo acordar no dia
seguinte e contar aos seus amigos que o seu companheiro de ecstasy é o
seu destino. Mas geralmente essa costuma ser a história que queremos
contar.
O que nos leva à pergunta: Onde podemos procurar por alguém que
realmente mereça nosso tempo e energia emocional?
As limitações da tática de deixar o lenço cair
No meu primeiro livro, tentei resolver um problema que via acontecer
com frequência: mulheres com namorados que não as empolgavam,
homens que as tratavam mal, que preenchiam todos os pré-requisitos de
um péssimo parceiro, mulheres que não movimentavam suas vidas
amorosas. Eu queria que elas tivessem mais escolhas. Escolhas melhores.
Considerando que muitas delas tinham dificuldade para encontrar caras
bacanas e acabavam namorando os ruins, eu achava que o problema
poderia ser resolvido se simplesmente as ajudasse a ter mais
oportunidades com caras bacanas.
O problema de não conhecer muitos caras bacanas parecia ser causado
pelo fato de que elas inicialmente estavam adotando uma postura passiva
durante a primeira troca. Muitas mulheres foram ensinadas de que é
obrigação do homem dar o primeiro passo. Isso já mudou, e os
aplicativos de relacionamento tornam mais fácil para qualquer um dar o
primeiro passo; mas o nosso condicionamento ainda nos atrapalha,
então, em uma situação desconfortável, as mulheres voltam ao seu
comportamento-padrão de simplesmente esperar que alguém as aborde.
Qual o tipo de pessoa que aborda a outra quando ela está sozinha em
um ambiente cheio de outras pessoas? Geralmente é alguém que faz isso
o tempo todo, o que por si só não é um sinal de alerta, embora com
certeza pudesse ser. Na pior das hipóteses, usar a estratégia de esperar
geralmente nos faz perder a oportunidade de conhecer alguém que não
tem esse hábito ou não se sente confortável para fazer isso naquele dia.
Perdi as contas das mulheres do passado com quem eu gostaria de ter
conversado mas não consegui criar coragem para, de um jeito não muito
desengonçado, andar na direção delas e dizer alguma coisa. Não sou o
único que se sente assim. A nossa hesitação não nos torna parceiros
ruins, apenas instigadores envergonhados.
É aqui que entra a tática de deixar o lenço cair: qualquer mulher que
já se achou antiquada por não ter coragem de abordar um homem
esqueceu do que as “antiquadas-raiz” faziam. Cem anos atrás, no tempo
dos cartões de visita e das apresentações formais, uma mulher passava
por um homem e, quando avistava um de quem gostava, distraidamente
deixava cair seu lenço (bem em frente a ele) e continuava andando. O
homem, vislumbrando uma oportunidade de ser útil, pegava o lenço e
dizia, em tom galante:

Ele: Madame, com licença, acho que você deixou isto cair.
Ela (mais para si mesma do que para ele): Nossa, deixei?

E, do nada, surgia uma oportunidade para conversar, que ele


acreditava ter criado — embora saibamos que não criou, uma vez que ela
deu o pontapé inicial escolhendo exatamente o homem que queria
quando deixou o lenço cair.
Era essa a lição: muitas pessoas (nem todas elas eram mulheres)
passaram a vida esperando ser escolhidas, e agora era a hora delas de
escolher. Embora essa tática específica tenha sido criada pelas mulheres,
todos podemos aprender um pouco com ela. Eu sempre ficava esperando
que a pessoa me desse permissão para me dirigir a ela antes de testar a
minha sorte. Mas a tática do lenço altera essa sequência de eventos e
oferece um jeito sutil de dar a alguém a permissão para se aproximar de
nós; alguém que nós escolhemos. Fazer isso diminui o risco de dar o
primeiro passo, e ainda por cima sem a outra pessoa perceber que aquele
encontro não foi ideia dela desde o começo.
No meu outro livro, eu falo um pouco sobre maneiras de deixar o
lenço cair nos dias de hoje. E eu não estava errado sobre o poder dessa
tática. Muitas mulheres já me procuraram para contar que hoje estão
casadas porque seguiram esse conselho para poderem conhecer alguém
que, do contrário, não teriam conhecido. Entretanto, cometi um grande
erro de cálculo: subestimei a capacidade das pessoas de tomar decisões
ruins em suas vidas amorosas mesmo quando têm uma infinidade de
escolhas.
Por exemplo, a mulher cujo rapaz que ela inicialmente queria que
apanhasse o lenço se mostra um verdadeiro babaca: por que ela
continuou dando tanta atenção a ele? Por que não pegar o lenço de volta
e deixá-lo cair perto de outra pessoa? Havia mulheres que perdiam
meses, até mesmo anos, com o homem errado quando tinham uma
variedade de escolhas possíveis. A tática do lenço não resolvera o
problema. Quase não parecia importar quem tinha o poder da escolha:
algo na programação das pessoas as estava levando a fazer escolhas ruins,
supervalorizando as qualidades erradas em alguém e subvalorizando as
qualidades certas em outras pessoas. Se esses instintos não fossem
corrigidos, essas mulheres continuariam voltando para o padrão de
decisão que só lhes causa dor e infelicidade.
Na verdade, as pessoas estavam ficando obcecadas por alguém que mal
apanhava o lenço, para começo de conversa (se é que apanhava mesmo!).
Em 2018, durante a turnê de lançamento do livro, eu estava diante da
plateia, convidando os ouvintes a me fazerem perguntas sobre o que
mais os preocupava com relação a seus relacionamentos naquele
momento. A vida inteira eu fiz isso, e sempre era uma estratégia arriscada
para aqueles na minha equipe que valorizavam a previsibilidade. Mas
sempre aparece uma pergunta que deixa claro para mim o valor do
inesperado. Aquele momento em Dublin não foi exceção. Uma mulher
vestida de preto, de cabelo preto e com um sorriso no rosto, se levantou
e perguntou:
— Como a gente faz para esquecer alguém com quem nunca
namorou?
A risada instantânea da plateia deixou claro que ela tinha sido precisa
na pergunta. Parecia o exemplo perfeito para ilustrar a necessidade de
mudarmos a história que contamos para nós mesmos. E eu respondi:
— Tudo depende do que você quer romantizar… se você quer
romantizar alguém a distância, ou se quer se apaixonar pela realidade da
vida. Já foi o tempo em que eu me empolgava com pessoas que não se
empolgavam comigo. Não tenho mais energia para me animar com
alguém que não me quer. Se alguém não me quer, essa informação é o
suficiente, porque assim eu tenho certeza de que essa pessoa vai me fazer
muito infeliz.
Depois disso, outra mulher no fundo do auditório se levantou. Ela
falou com confiança no microfone, com um leve sotaque do Leste
Europeu, e sua voz viajou pela plateia assim que ela começou a contar
sua história:
— Quando a gente conhece um rapaz, e a coisa está bem no começo,
e ele quer mostrar todos os ângulos bonitos da personalidade dele, dos
seus valores e da sua vida, aquele cara perfeito e incrível, e não tem nada
de errado nele, nesse momento a gente se apaixona. Que. Vacilo.
Ela bateu na testa em um movimento como quem diz “Não acredito
que aconteceu de novo”, enquanto o público, já interessado na história,
ria junto.
— E então, três ou quatro meses depois, esse cara mostra o lado
sombrio dele e tudo cai por terra: ele muda completamente, começa a te
tratar mal e as coisas só pioram, mais e mais. Só que nós já estamos lá, já
estamos apaixonadas. Eu tenho duas perguntas. Primeiro, eu gostaria de
saber como a gente faz para reconhecer as armadilhas. Qual é a
verdadeira personalidade dele? E a segunda pergunta é: como se livrar
desse cara quando a gente já está apaixonada?
Quando ela terminou de fazer a segunda pergunta, o público
praticamente a aplaudiu de pé.
Entrei na conversa:
— Provavelmente vou dizer no fim do meu breve discurso: “É melhor
terminar com ele”.
Mas ela nem me deixou concluir.
— Sim, eu terminei com ele. Nós terminamos hoje de manhã — ela
disse, em um tom que era um misto de orgulho e indiferença.
A plateia começou a rir e a aplaudir aquela reviravolta inesperada; pelo
jeito ela já havia feito exatamente o que estava me pedindo para lhe
aconselhar a fazer.
— Ah, entendi. Muito bom. Vocês ficaram juntos por quanto tempo?
— Um ano e três meses.
— Quanto tempo… seja sincera: quanto tempo você levou pra
perceber que não era o relacionamento certo?
— Sinceramente… falando sério mesmo? — A mão voltou para a
testa, um movimento que havia se tornado indicativo de um sentimento
de constrangimento ou de vergonha por ter ignorado coisas que não
deveria.
— Falando sério mesmo.
— Falando sério mesmo? Desde o início.
— E você continuou nesse relacionamento por um ano e três meses.
Por quê?
— Porque eu não queria ficar sozinha.
— Obrigado por sua maravilhosa sinceridade. “Eu não queria ficar
sozinha.” Por falar nisso, que ótima manhã para terminar com alguém!
— Foi o que eu pensei!
Eu amei a confiança daquela mulher, o jeito como ela planejou o
término, levando em conta a possibilidade de se levantar durante o
evento e contar uma versão da sua própria história de amor que mal
tinha terminado. Aquele momento serviu como um lembrete não só do
quanto as nossas histórias podem ser poderosas, mas também do quanto
o impacto delas pode ser diferente dependendo do lugar onde as
contamos. Com certeza, para ela, havia uma grande diferença entre
contar a sua história de amor para um estranho que ela nunca mais veria
e para uma sala cheia de pessoas que não a esqueceriam facilmente e,
provavelmente, se lembrariam dela se a vissem em outro lugar. Não estou
exagerando quando digo que a história dela parecia ser a sua própria
Declaração de Independência.
A pergunta dividida em duas que ela fez resume muito do motivo de
eu ter decidido escrever este livro: “Como reconhecer as armadilhas?” foi
a primeira pergunta, e na primeira parte deste livro vamos nos
concentrar nos sinais nos quais devemos prestar atenção tanto nos
namoros quanto nos relacionamentos. Depois que aprendê-los, você não
vai conseguir desaprendê-los. Assim, quando alguém começar a fazer
uma coisa que o transforme em um investimento ruim, você vai estar
completamente ciente disso.
A segunda pergunta daquela moça sintetiza um dos temas centrais da
segunda metade deste livro: “Como nos livramos dele quando já estamos
apaixonadas?”. Isso se resume àquela velha pergunta: Como me
convenço a fazer aquilo que eu sei que deveria fazer? É quase como
perguntar: Como faço para me convencer a ir à academia? Eu sei que
deveria ir, que seria bom para mim, me faria viver mais, eu me sentiria
melhor e teria melhor qualidade de vida. Eu sei que o meu estilo de vida
atual me faz sentir inseguro e infeliz e que a minha alimentação afeta o
meu humor, não me deixa orgulhoso de mim mesmo e pode causar
problemas maiores para a minha saúde no futuro se eu não parar.
Quase sempre atribuímos à palavra amor um significado especial.
Dizer “Mas eu amo aquela pessoa” soa romântico. Por outro lado, se
dissermos “Mas eu amo pizza, simplesmente não consigo deixar de
comer, não estou preparado”. Quando eu digo isso sobre pizza, na
verdade parece completamente justificável. Mesmo assim, você entende
o que eu quero dizer. Podemos esconder muitas coisas dentro da palavra
amor: o medo de ficar sozinho, o vício em uma pessoa por causa do ciclo
no qual ela nos colocou (o chamado “vínculo traumático”), a crença
equivocada de que precisamos daquela pessoa para a nossa sobrevivência,
a veneração de outra pessoa a ponto de justificarmos para nós mesmos
que devemos aceitar menos do que merecemos. Vamos abordar cada
uma dessas questões nas páginas seguintes. Por enquanto, podemos dizer
que aquela mulher estava perguntando duas coisas fundamentais: como
saber o que eu devo fazer e como encontrar as ferramentas internas para
fazer isso, assim que souber?

O castelo
Vamos começar com o “como saber”. Para saber como agir em qualquer
situação, devemos começar fazendo uma pergunta básica sobre as nossas
vidas amorosas: O que vale a pena valorizar?
É importante que façamos essa pergunta em voz alta, com
consciência, ainda que um pouco céticos, porque, se deixarmos nosso
subconsciente decidir o que valorizar, ele sempre vai seguir o mesmo
padrão que leva a um erro de cálculo perigoso, por exemplo: Essa pessoa é
importante porque eu gosto muito dela. O que está longe de ser verdade.
Gostar não valida a importância, pelo menos não automaticamente. Para
determinar o valor de alguém como um legítimo candidato a um
relacionamento de longo prazo, podemos usar um modelo que eu chamo
de “Os quatro níveis de importância”:

Nível de importância 1: Admiração


Esse nível é autoexplicativo, e todos nós já passamos por ele. É quando
nos vemos atraídos por uma pessoa. Pode ser porque ela tem qualidades
que nós respeitamos e admiramos, ou que gostaríamos de ter. Ou ela
tem um carisma que nos atrai. Um sorriso que nos amolece. Talvez ela
seja simplesmente atraente. Qualquer que seja o motivo, existe alguma
coisa nela que não nos deixa desviar o olhar, a não ser que ela nos pegue
olhando, o que fará com que rapidamente voltemos o olhar para o nosso
livro, ou o nosso amigo, ou para seja lá o que for que estávamos fazendo
antes de ela ter chamado a nossa atenção. Se a pessoa na qual não
conseguimos parar de pensar é alguém que vemos mais de uma vez,
entramos em um estágio de paixonite aguda. Aquele sentimento
persistente e profundamente irritante de não sermos capazes de tirar essa
pessoa da cabeça. Um sentimento que nos faz agir como idiotas. Lembro
de ouvir o comediante Bill Burr falando sobre o que acontece com uma
pessoa engraçada de verdade quando fica diante de uma plateia ao vivo:
Quantas vezes ouvi comediantes falando coisas tão engraçadas em
estúdio e disse a eles “Cara, isso é tão engraçado, por que você não
leva isso para o palco?”, e eles responderam “Ah, não, cara, isso não
é para mim; não sirvo para fazer isso”, e eu rebati: “É para você sim,
você acabou de fazer, caramba” ... Eu tenho uma teoria de que nós
subimos no palco e o estranhamento de olhar para as pessoas
enquanto falamos nos faz agir assim: “Este sou eu em cima do
palco, olha, estou segurando um microfone”; depois disso, tudo fica
esquisito. E passamos oito, dez, doze, quinze anos tentando voltar
para quem éramos antes de subir no palco, para aquele cara que
fazia as pessoas rirem nos bares. Porque nós entrávamos no bar,
alguma coisa acontecia, nós fazíamos piada daquilo, mas nos
sentíamos confortáveis naquela situação. Mas então nós subimos no
palco e a sensação é “Que merda, está todo mundo olhando para
mim e eu preciso lidar com tudo isso, hum, o que estou fazendo
com as mãos, e como eu faço para tirar o microfone desse
suporte?”, e a situação desanda na hora, vocês sabem, nós olhamos
para nós mesmos e quem somos desaparece como num maldito
truque de mágica.

A fala de Bill praticamente resume como a maioria de nós se sente


quando está atraído por alguém. Assim como um comediante que fica
nervoso no momento em que se vê diante de uma plateia ao vivo e quer
que a plateia goste dele, o que faz com que os riscos pareçam muito
maiores, nós esquecemos nosso lado divertido, relaxado e autêntico
quando ficamos frente a frente com alguém de quem gostamos. O
simples fato de gostarmos dessa pessoa já faz os riscos parecerem bem
mais altos. Como vamos descobrir: esses riscos não são nada altos nesse
estágio. Na verdade, o nível 1 — admiração — não tem importância
nenhuma. Ele não passa de um truque da nossa mente.

Nível de importância 2: Atração recíproca


Agora entramos em um território mais interessante: a pessoa de quem
gostamos parece gostar de nós também. Pelo menos ela está nos dando
atenção. Talvez esteja nos elogiando, querendo nos encontrar, lembrando
de uma coisa aleatória que dissemos na última vez que conversamos.
Talvez seja uma atração física recíproca, o que chamamos de química.
Talvez seja uma espécie de sinergia na maneira como pensamos, algo que
costumamos considerar uma conexão verdadeira. Talvez sejam ambas as
coisas. Mas nesse estágio nosso coração e nossa mente vibram com a
empolgação de termos encontrado a mais elusiva das alegrias: gostar de
alguém e isso ser recíproco!
Eu me lembro do que sentia no ensino médio quando descobria que
uma garota que eu curtia havia muito tempo também me curtia. Curtir
era a palavra que usávamos em Essex, no Reino Unido, onde eu cresci,
que pode soar como algo passageiro e frívolo e não como a angústia, a
náusea e o anseio que eu sentia constantemente no fundo do estômago.
Eu posso curtir um biscoito de chocolate (ou bolacha, se você preferir)
ou um chá. Parecia impossível que aqueles sentimentos
inimaginavelmente complexos (como se a minha vida só fosse ser
completa se aquela garota específica me quisesse como seu namorado
para sempre) pudessem ser resumidos com um simples “Eu curto você”.
Mas agora, fazendo uma análise daquela situação, parece ser uma palavra
perfeita para tentar parecer indiferente por fora enquanto, por dentro,
nossas entranhas estão se contorcendo em vários tipos de nós.
Naquela época, a nossa curtição parecia a coisa mais importante do
mundo. E o negócio da curtição não fica mais fácil depois do ensino
médio. À medida que envelhecemos, nossas vidas se contraem conforme
as nossas obrigações aumentam, muitas pessoas descobrem que o simples
ato de encontrar uma pessoa de que gostam, por si só, pode se tornar
uma experiência cada vez mais rara. Quanto mais velhos ficamos, mais
fácil é nos tornarmos menos visíveis para o mundo, como se o nosso
momento no holofote tivesse terminado. Além disso, passamos a
valorizar mais coisas, ou algumas em particular: muitos de nós
começamos a nos sentir menos atraídos pelas pessoas à medida que
passamos a ter clareza daquilo que buscamos. Assim, quando
encontramos alguém de quem gostamos e essa pessoa retribui o nosso
sentimento, a sensação é de que isso é algo raro e valioso.
Esse momento de alquimia é responsável por grande parte das dores
nas nossas vidas amorosas. O nível 2 — atração recíproca — parece ser
tão importante porque, quer ele dure anos ou apenas uma noite, contém
a nossa esperança de alcançar algo que desejamos profundamente: o
nosso próprio felizes para sempre. No filme Alô, Dolly!, com Barbra
Streisand, Michael Crawford canta uma música, da qual também gosto
muito, sobre os sentimentos intensos que experimenta por uma mulher
que ele acabou de conhecer. Visivelmente ingênuo, ele tem certeza de
que “basta um momento para ser amado por toda uma vida”. Sempre
que assisto ao filme, sou tomado por um misto de idealismo e inocência,
mesmo que tenha consciência, de uma perspectiva profissional, de que
ele está atribuindo importância demais à agitação inicial do amor.
Eu gosto demais dessa música. Ela captura a promessa de amor que
sentimos naquele lampejo de atração recíproca. Entretanto, essa canção
não vem com o aviso de que também basta um momento para criarmos
um enredo épico em nossa mente sobre como essa história de amor
deveria se desenrolar. Pode parecer que nosso coração sabe no mesmo
instante, mas isso não garante que o coração do outro chegou a essa
mesma conclusão.

Nível de importância 3: Compromisso


Da mesma forma que os anúncios financeiros costumam dizer que o
histórico não é indicativo dos resultados futuros, a atração recíproca não
é garantia de alinhamento de intenções no campo do amor. Uma pessoa
pode estar planejando construir um relacionamento duradouro,
enquanto a outra pode estar apenas inclinada a ter um caso tórrido por
um mês. Em ambos os casos existe a atração passional, mas o resultado
de cada cenário é bem diferente. É por isso que o terceiro nível de
importância é uma etapa relevante e vital na jornada para encontrar
alguém que terá um impacto verdadeiro em nossas vidas.
Existe um compromisso, basicamente, quando duas pessoas
concordam em seguir um caminho juntas: eu escolho estar com você e
você escolhe estar comigo. Para a maioria das pessoas (embora não
todas), essa decisão vem acompanhada das condições comumente aceitas
da monogamia.
A maior parte das pessoas com quem trabalho sabe que, cedo ou
tarde, o compromisso se torna uma condição importante em um
relacionamento. O que elas ignoram, às vezes, é que o compromisso
pode funcionar como um sinal do quanto valorizar aquele
relacionamento. Em outras palavras, ter “uma conexão incrível com
alguém” não é tão importante ou valioso como você acredita.
Perdi as contas do número de mulheres que me procuraram em busca
de conselhos e que começaram dizendo:
— Eu tenho um homem incrível na minha vida, nós temos ótimas
conversas, ficamos batendo papo por horas, nos divertimos quando
estamos juntos, a química é ótima, existe uma conexão profunda.
E eu pergunto:
— Qual é o problema, então?
Noventa por cento das vezes elas dão alguma versão dos seguintes
motivos:

• Eu não sei o rumo que o relacionamento está tomando; ele parece não
querer levar as coisas adiante.
• Às vezes nós ficamos dias sem nos falar e eu sinto que não existo para
ele, mas tenho medo de conversar com ele sobre isso.
• Eu gostaria que fôssemos monogâmicos, mas ele não está pronto.

Sem um acordo para construir algo, não existe relacionamento. Ter


atração recíproca (nível de importância 2) equivale a duas pessoas
descobrindo um pedaço de terra juntas que parece ter potencial. Talvez
perto de uma montanha, ou de um lago, ou em algum lugar privilegiado
da cidade. É um lugar incrível e interessante. Mas não tem nada
construído ali ainda. O que esse lugar precisa para que todo o seu
potencial seja evidenciado é de dois construtores, duas pessoas dispostas
a dizer: “Sim, vamos construir um lindo castelo só nosso aqui”. Sempre
vejo gente que segue admirando um pedaço de terra mesmo depois que a
outra pessoa desapareceu no meio do mato. De vez em quando essa
outra pessoa reaparece para alimentar a fantasia, mas ela nunca começa a
fazer as marcações para construir os alicerces, e, definitivamente, não vai
construir nada ali. Pergunte a si mesmo: “Eu tenho um construtor aqui
comigo ou é só uma conexão?”. Conexões não constroem castelos; são os
construtores que fazem isso.
É por isso que tento amenizar as reações das pessoas que sofrem muito
por conexões perdidas. Elas não estão realmente chorando pelo que
tinham, mas sim pelo que achavam que poderiam ter tido. Se alguém
com quem existiu uma atração recíproca desaparecer ou virar a página
(ou se foi você que virou a página), não sofra muito por isso. A pessoa
certa é aquela que diz “sim”. Nunca será aquela que diz “não”, não
importa o potencial que você tenha atribuído a ela. Se ela não disser
“sim”, então, por definição, já perdeu qualquer valor que tenha sido
atribuído a ela, que, ao mesmo tempo, deixa de ser uma opção viável em
nossas vidas amorosas.
Pense um pouco sobre isso. Se houver alguém na sua vida com quem
você tem atração recíproca (nível 2), que também assume um
compromisso com você (nível 3), e que de repente é atropelado por um
ônibus, isso é trágico. Ninguém julgaria você por sofrer em uma situação
como essa. Agora imagine (talvez não precise imaginar) que você está
sentindo essas mesmas emoções por ter perdido alguém que deixou claro
que não queria um compromisso com você. Essa pessoa não morreu; ela
ainda está andando por aí, ou está em casa fazendo compras pela
Amazon. Ela simplesmente escolheu não estar com você. Que
importância ela deveria ter na sua vida?
Em um dos poemas de Charles Bukowski, há um verso assim:

mas como disse Deus,


cruzando as pernas,
percebo que criei vários poetas
mas não tantas
poesias.
Ao longo da sua vida, pode ser que você encontre muitos poetas, mas
eu lhe asseguro que vai encontrar muito menos poesias. Um poeta pode
ser bom com as palavras, mas a poesia exige esforço e precisa ser
colocada no papel para existir. Ela resulta de um relacionamento, de se
surpreender com a beleza das coisas que vocês constroem juntos, pouco a
pouco. O poeta pode lançar o seu belo olhar em um pedaço de terra,
mas só há poesia em um relacionamento quando vocês dois começam a
trabalhar juntos em algo que sobreviverá ao teste do tempo. Não
supervalorize o poeta quando não houver poesia de verdade.

Nível de importância 4: Compatibilidade


Dizem que o amor sempre vence. Na vida, talvez. Mas no amor,
ironicamente, o amor nem sempre vence. É a compatibilidade que vence
tudo. Duas pessoas podem dizer “sim” uma para a outra — ou seja, pode
haver compromisso —, mas serem capazes de trabalhar juntas em
sintonia é outra coisa. Vocês trabalham bem juntos, como um time? Têm
a mesma visão sobre o que consideram um ótimo relacionamento?
Compartilham dos mesmos objetivos? E quando os objetivos são
diferentes: existe sinergia entre eles ou eles representam dois futuros
completamente incompatíveis?
Compatibilidade é diferente de atração recíproca. Já conheci inúmeras
pessoas por quem me senti atraído, tanto para fazer negócios ou
amizades quanto para ter relacionamentos amorosos, mas isso não nos
tornava compatíveis. Eu posso ter um conhecido com quem me sinta
conectado, mas, se essa pessoa não for confiável, se ela mantiver um
relacionamento criativo com a verdade e se estiver sempre atrasada,
vamos descobrir que somos incompatíveis para sermos amigos. Isso não
se aplica só a qualidades negativas. É válido para qualquer diferença de
comportamento e de maneiras pelas quais gostaríamos de viver nossas
vidas. Em um relacionamento no qual há uma pessoa extremamente
introvertida e outra extremamente extrovertida, nenhuma delas é
totalmente boa ou ruim, mas a diferença entre elas pode ser suficiente
para causar problemas práticos graves no relacionamento, mesmo que
ambas tenham partido de uma conexão forte.
Apenas a conexão sozinha não sustenta os relacionamentos. O
verdadeiro teste mostra o quanto nossos comportamentos e crenças são
naturalmente compatíveis e o quanto somos capazes de negociar um
com outro quando as diferenças aparecem. Uma das perguntas mais
simples que podemos fazer nesse estágio é: “Essa pessoa sabe lidar
comigo?”; e não seria isso uma das coisas mais românticas que alguém
pode fazer? Passamos tanto tempo em uma relação tentando decidir
quem é certo ou quem é errado para nós — e de fato existe um nível de
errado que simplesmente é um impedimento —, mas em um
relacionamento todos estaremos certos e errados inúmeras vezes. Quem
tem talento para administrar os nossos surtos inevitáveis? E os surtos
inevitáveis de quem nós temos talento para administrar? Será que a
pessoa com quem você está gosta do processo? Será que ela é paciente ou
se diverte ajudando você a lidar com algo de que ela tem uma visão
completamente diferente? Você é capaz de virar e fazer o mesmo por ela?
Será que as diferenças entre vocês podem ser fonte de prazer? E será que,
nos dias em que não forem, ainda assim vocês vão dormir de conchinha
à noite? Compatibilidade não tem nada a ver com concordar em tudo.
Tem a ver com desfrutar do drama e da dinâmica das decisões do dia a
dia tomadas em conjunto. Somente por meio desse quarto e último nível
de importância – compatibilidade – é que uma história de amor pode se
tornar uma história de vida.
3

CONTROLE SEUS INSTINTOS

Um dos mitos da vida amorosa é de que o amor seria, de alguma forma,


um reino especial onde podemos nos guiar pelo instinto. Porém, isso
pressupõe que durante a infância todos desenvolvemos ótimos instintos
para cada situação. Na realidade, embora não seja culpa nossa, existem
áreas onde desenvolvemos instintos completamente contraproducentes
para a nossa felicidade e bem-estar, podendo até se tornar perigosos. A
verdade é que, em algumas situações, nossos instintos podem nos matar.
Foi isso o que o meu professor de boxe, Martin Snow, me disse no dia
em que me pegou piscando no ringue: “Seus instintos podem te matar,
jovem!”, ele disse. Ele queria que eu pensasse no que acontece quando
sentimos a correnteza nos puxar para dentro do mar: o nosso instinto é
nadar de volta para a praia. Mas a correnteza é muito mais forte do que
nós. Por isso precisamos lutar contra esse instinto natural e percorrer o
caminho mais longo, nadando paralelamente à praia, mesmo que a
correnteza nos carregue para longe, até que estejamos seguros fora dela e
possamos voltar para a praia, atravessando águas mais tranquilas.
No ringue de boxe acontece a mesma coisa. Quando um soco vinha
na direção do meu rosto, o meu instinto era piscar. Eu precisava treinar
para controlar aquele instinto natural — um instinto que essencialmente
me cegava no momento mais crucial — e, em vez disso, aprender a
bloquear, ou me defender, ou fugir do soco que vinha na minha direção.
É isso que acontece nos estágios iniciais da atração, assim que
decidimos que gostamos de alguém. Sentimos a tentação de
simplesmente nos entregarmos ao sentimento, cancelar nossos
compromissos e descobrir se a pessoa está disposta a voar para Paris
conosco, ou começar a perguntar se as empresas onde trabalhamos têm
filiais em uma cidade próxima à da pessoa, cidade essa que não estava
nem no nosso radar um mês atrás. Na nossa empolgação por essa pessoa
com quem saímos uma ou duas vezes, acabamos nos precipitando.
Cedemos aos instintos românticos e nos lançamos, como foguetes, na
direção do reino das fantasias sentimentais.
Por mais que sinta vontade, a verdade é que a pior coisa que você
poderia fazer nesse estágio é contar para as pessoas que claramente
dividem com você esses instintos românticos. Isso amplia o perigo. No
caso das mulheres, costumam ser as melhores amigas. Acontece assim:
uma mulher mostra para as amigas as últimas mensagens da nova e
incrivelmente atraente pessoa em sua vida, e de repente todas estão
rolando o feed do Instagram dessa pessoa enquanto enumeram os
aspectos nos quais um é perfeito para o outro. “Olha, ele é músico, isso é
tão charmoso!”; “Own, olha só essas fotos que ele postou com os
sobrinhos. Ele parece ser um cara bem legal!”; “Olha o estilo dele, é a sua
cara!”. Do nada, as amigas se autoproclamam gerentes da vida amorosa
daquela mulher, procurando saber se e quando ela vai sair com esse
homem dos sonhos. Como a realidade poderia competir com isso?
Como pode uma conexão se desenvolver organicamente depois que ela
ficou tão empolgada só porque ele tem o cabelo comprido e toca
guitarra?
Toda essa empolgação nos coloca em modo de hipervelocidade,
acelerando na velocidade da luz na direção de um cenário fantasioso. Em
seguida, algo muda no universo e aquele planeta para o qual o nosso
foguete voava de repente começa a ficar mais distante. O objeto de todo
o esforço imaginativo começa a se afastar.
A energia entre vocês dois muda, a comunicação se torna inconstante,
as mensagens de texto ficam mais curtas e nenhuma é escrita com verbos
no futuro. Todas aquelas pequenas coisas que alimentavam as fantasias,
as coisas inexplicavelmente sexy que fizeram você se empolgar, não
parecem estar funcionando mais. Como pode uma coisa que era tão
certa desaparecer mais rápido do que apareceu?

Por que as pessoas perdem o interesse?


O que muda? A lista de possíveis motivos é enorme. A pessoa recebeu
uma mensagem de um ex. Ela gosta da dinâmica da atração, mas se sente
sufocada por alguém de carne e osso. Prioriza o trabalho e não o
namoro. Estava saindo com várias pessoas e acabou de começar um
relacionamento sério com uma delas, e essa pessoa não é você. Estava se
alimentando da sua empolgação até perceber que não consegue retribuí-
la. O irmão da pessoa foi hospitalizado. A pessoa comprou um cavalo.
A primeira coisa que precisamos entender é que não temos como
saber. E o instinto de brincar de detetive até descobrir o motivo pode
rapidamente se tornar algo perigoso. Esta é uma dura verdade: na
maioria das vezes não descobrimos o motivo, e nos frustrarmos na busca
pelo desconhecido é a receita da infelicidade. Você se lembra da última
vez que alguém do seu grupo de amigos queria combinar de sair e você
não estava disposto a encaixar esse programa entre as centenas de coisas
que precisava fazer naquela semana? Será que você é sincero e diz a ele:
“Olha, você é um dos meus melhores amigos, e, embora a diversão seja
garantida quando saímos juntos, eu simplesmente não estou com
vontade, ok”? Ou será que você diz: “Olha, estou tendo uma semana
supercorrida por aqui, mas quando as coisas se acalmarem eu adoraria
sair com você”? Nem sempre conseguimos ser completamente honestos
porque seria horrível, ou demorado ou inconveniente ou indelicado,
então por que deveríamos esperar 100% de sinceridade de alguém que
mal conhecemos (mesmo que tenhamos dormido com essa pessoa ou
que gostemos dela)?
Ainda assim, quando alguém se afasta, é natural nos questionarmos se
foi uma coisa que fizemos que causou essa triste situação. Uma
explicação que esteja ligada a nós está relacionada a outro instinto
perigoso que temos logo no início, quando decidimos que gostamos de
alguém: o instinto de atribuir muita importância a essa pessoa e fazer
isso rápido demais.
As pessoas tendem a se afastar quando percebem que se tornaram
importantes demais muito rápido. Ninguém quer ser a prioridade
número um de alguém antes de merecer essa posição. Imagine chegar
para uma entrevista de emprego e ouvir: “Você gostaria de ser nosso
CEO? A partir de amanhã?”. Isso pode ter acontecido em alguma
empresa em algum lugar uma ou duas vezes, mas geralmente, se você é
um dos candidatos para o cargo mais importante — e o que seria o
namoro senão uma busca pelo candidato ideal para o cargo mais
importante? —, esperaria ser chamado para várias entrevistas. Nesse
sentido, namorar realmente é como um negócio: o cargo mais
importante não pode ser dado de graça, ele precisa ser merecido. Por
isso, quando as coisas começam a acontecer muito rápido, é natural que
alguém pense: “Por que eu? Como foi que me tornei tão valioso sendo
que o outro nem me conhece ou eu nem cheguei a fazer tanta coisa
assim? Será que tem alguma coisa de errado com essa pessoa? Será que
ela está sem opções?”. Essa é uma combinação fatal em um romance
recente, um golpe duplo que faz seu valor diminuir à medida que a sua
intensidade aumenta. Quando isso acontece, não deveria ser surpresa
para ninguém que a pessoa que há poucos dias parecia ser perfeita
comece a desaparecer das suas DMs. Precisamos ter muito cuidado com
esse instinto, para não transferir a importância que atribuímos à vaga
que gostaríamos de preencher para o próximo candidato que pode vir a
preenchê-la um dia.
Infelizmente esse é o estágio no qual outro instinto questionável entra
em cena: sentimos o relacionamento escapar por entre os nossos dedos e
decidimos lutar por ele. De repente esse romance se torna importante a
ponto de mobilizar todos os nossos recursos para mantê-lo. Por quê?
Esse instinto de pitbull pode ser útil quando cometemos um erro no
trabalho, ou quando precisamos mostrar ao nosso chefe que estamos
dispostos a fazer o que for necessário para corrigir um erro, mas
provavelmente não vai ajudar no início de um namoro por vários
motivos. Em primeiro lugar, não tem lógica e se baseia na falsa noção de
que as coisas se tornam mais valiosas quando acreditamos que a sua
escassez é iminente. Mas será que uma conexão em potencial é um bem
tão raro como se fosse o equivalente romântico de uma busca nacional
por um fígado compatível para um transplante? Provavelmente não, se
você acabou de conhecer essa pessoa em um café da esquina. Em
segundo lugar, é um sinal de impaciência; quando queremos resultados e
desejamos que eles apareçam agora, atribuímos muito mais valor àquilo
só porque está aqui diante de nós. É isso que acontece na hora em que os
bares ao redor do mundo estão fechando, e os resultados geralmente não
são tão convincentes à luz do dia.
Em terceiro lugar, e mais preocupante, são as questões de autoestima
que contribuem para que supervalorizemos essa pessoa que mal
conhecemos ao mesmo tempo que nos desvalorizamos. De onde tiramos
essa ideia de que alguém que está se afastando e tendo dúvidas (SOBRE
NÓS!) é exatamente o que precisamos quando a verdade é o extremo
oposto disso? A reação morna da parte desse alguém é toda a prova da
qual precisamos de que essa não é a pessoa certa para nós. A melhor
resposta nessa situação é dizer: “Olha, parece que as coisas mudaram
entre a gente nos últimos dias, e, mesmo gostando de te conhecer
melhor, acho melhor a gente dar um tempo, porque sinto que você está
ocupado com a sua vida agora e (me corrija se estiver errado) parece que
nós não queremos as mesmas coisas”. Ser a pessoa que sugere “dar um
tempo” vai contra todos os nossos instintos quando gostaríamos
desesperadamente que o relacionamento continuasse. No entanto, se
você analisar a mensagem com calma, vai perceber que não está
fechando a porta; está convidando a pessoa a fazer o esforço que gostaria
que ela tivesse feito desde o início.
Quando nos vemos atraídos por alguém que está se afastando,
devemos duvidar de nós mesmos: O que essa pessoa tem de tão legal,
afinal? Ela é atraente? Alta? Confiante? Carismática? Charmosa?
Nenhuma dessas características define alguém que seria um ótimo
parceiro. Recentemente tive uma conversa excelente com a Dra. Ramani
Durvasula, especialista em ajudar pessoas a se recuperar de
relacionamentos com narcisistas, e ela alertou que respostas vagas (como
“Tem algo especial nessa pessoa!”) são um sinal de alerta e provavelmente
indicam um vínculo traumático: você se sente atraído por essa pessoa
porque ela tem alguma coisa que você não consegue nomear (e só vai
descobrir quando for tarde demais), mas são os sentimentos que ela
provoca em você que o impulsionam a continuar tentando.
Então, se esse for o seu primeiro instinto (de continuar tentando por
causa de alguma qualidade ou sentimento misterioso), é bom lembrar
quais são as qualidades fáceis de serem reconhecidas em um bom
parceiro: ele é gentil e atencioso. Está disponível sempre que você precisa
de um jeito constante e confiável. Ele se comunica bem. É honesto e
digno de confiança. É um ótimo parceiro. Demonstra interesse pelo seu
dia e pelos desafios que você enfrenta e quer estar ao seu lado enquanto
você passa por eles. (Se essas qualidades parecem algo que faria você fugir
para as montanhas, você não está buscando um relacionamento!)
O problema é que é raro ver essas qualidades serem citadas quando as
pessoas estão tentando descrever e listar o que gostam na sua nova
companhia. Ao falarem de alguém que não sai da sua cabeça, geralmente
as pessoas listam coisas como carisma, confiança, coragem, magnetismo,
conexão, o fato de conversarem sobre todo tipo de assunto, de sentirem
“alguma coisa forte por aquela pessoa” — e essas podem ser
características maravilhosas, mas não são o que as faria dizer que essa
pessoa vai ser um ótimo companheiro.
Se você tem essas características de um ótimo companheiro — se é
alguém confiável, gentil, comprometido, comunicativo, constante,
generoso —, então tem uma coisa rara pelo que vale a pena lutar, que
também deveria ser protegida. Se alguém não reconhece essas qualidades
em você, nunca vai valorizá-lo. É melhor manter distância dessa pessoa
até que ela valorize você. Enquanto isso, ela definitivamente não é uma
pessoa pela qual vale a pena lutar.
Você vai conhecer pessoas que são ótimas para sair junto, mas será que
elas têm o que é necessário para construir um relacionamento incrível?
Se já estão se afastando depois de alguns poucos encontros,
provavelmente não têm. Uma das melhores coisas que você pode
encontrar em um parceiro é o sentimento de certeza que ele tem sobre
você. É claro que existem momentos em que você deveria se dispor a
lutar por alguém — nas circunstâncias certas. Romeu e Julieta, apesar da
guerra entre suas famílias, tinham um relacionamento que ambos
desejavam. Eles não estavam lutando contra a incerteza, mas contra
circunstâncias externas, e (descontando o fato de que ambos eram
crianças que nunca passaram nem perto de um relacionamento de
verdade) os sentimentos deles um pelo outro definitivamente não eram
mornos. Romeu não dizia “Será que eu deveria me preocupar por ter
escalado a varanda dela e a encontrado escrevendo cartas ousadas para o
Páris? Deixa pra lá. Mesmo assim vou lutar pela Julieta e pelo nosso
amor!”.
Pergunte a si mesmo se está interpretando Romeu e Julieta com
alguém e se o grande obstáculo é a incerteza dele. Porque, se isso está no
roteiro, então por que aceitar o papel? A única pessoa que merece estar
na nossa história de amor é aquela que valoriza o que temos a oferecer. A
segunda parte dessa regra é que a pessoa não vai dar valor ao que temos a
oferecer se nós mesmos não valorizarmos. Se ela percebe que vamos lutar
por ela mesmo enquanto se afasta, primeiro vai achar que somos muito
intensos e depois vai se perguntar o que essa intensidade unilateral diz
sobre nós, sobre a nossa confiança em nós mesmos e em quem somos.
A nossa reação ao afastamento dessa pessoa deve ser comunicar a ela
que essa indiferença, essa mudança repentina vai ter consequências. É
claro que estávamos tentando — ela teve um gostinho do que somos
capazes —, mas, a partir do momento em que o outro começou a
projetar a sua ambivalência, se tornou menos merecedor do esforço que
podemos fazer por alguém de quem gostamos. Essa pessoa desistiu de
competir por todas as nossas maravilhosas qualidades. E precisa saber
disso. Você pode considerar continuar sendo gentil, mas deixá-la saber
que a sua intensidade é como uma explosão solar: pode parar com a
mesma rapidez com que começou. Diga a essa pessoa: “Sim, eu me sinto
atraído por você. A gente se diverte junto. Você me faz rir. E você com
certeza é uma pessoa interessante. Mas nada disso é mais importante do
que aquilo que é certo para mim”.

Diminuindo a intensidade
Quando atuo como coach de alguém, a última coisa que eu quero dizer é
“Seja menos intenso!”, porque, bom, é uma coisa muito intensa de se
falar. Mas é importante lembrar que, por mais intoxicante que o
comecinho de um relacionamento seja, é também o momento no qual é
mais provável que você vivencie a incerteza (tanto a da outra pessoa
quanto a sua própria). A conexão e a intimidade aumentam em um
ritmo imprevisível, com recuos e avanços. É natural sentir que você se
esforçou demais e achar que precisa compensar por algum erro
(imaginário?) dando um passo para trás. Você não vai conseguir vencer
essa imprevisibilidade — que é natural e até mesmo válida em ambos os
lados — tentando compensar na certeza do seu lado. Reconheça essa
oscilação, por mais imprecisa que ela possa parecer, como parte do fluxo
natural das coisas. Sentimento permanente é algo que não existe. Os
sentimentos passam. Como escreveu o poeta Rainer Maria Rilke: “Deixe
que tudo aconteça com você: a beleza e o horror. Apenas siga em frente.
Nenhum sentimento é o último”.
Às vezes me convidam para dar uma palestra em algum lugar ou
participar de um evento que parece ser incrível — se de fato acontecesse!
Já que não tenho como saber se uma organização complexa vai
funcionar, eu não penso nessas possíveis oportunidades de trabalho.
Tenho uma frase feita para essas situações: “Vamos ver”. Não é uma frase
muito empolgante — talvez seja até tediosa — e às vezes frustra as
pessoas da minha equipe que gostariam de fantasiar comigo sobre todas
as coisas boas que podem resultar dessas oportunidades incríveis. Mas só
de dizer “Vamos ver” eu já controlo a empolgação e me lembro (e a
todos que estou chateando) de que nada é real até que seja real. Isso
também me ajuda a me manter focado nas coisas que posso controlar
para valer, como assegurar que continuo progredindo em outras áreas
importantes da minha vida, em vez de esperar e desejar que essa
oportunidade se concretize.
A mesma lógica se aplica ao namoro. O Primeiro Encontro não
deveria vir acompanhado de expectativas. Se ficamos muito empolgados
(ou muito exigentes!), podemos embaçar nossa visão para aquilo que
realmente está acontecendo. É claro que existem coisas mínimas que
podemos esperar, como gentileza básica de ambas as partes. Se a pessoa
se atrasar uma hora, mostra que deixa a desejar no quesito respeito. Fora
isso, o Primeiro Encontro deve ter como objetivo ser divertido, e para
você o de ser uma boa companhia. Em um primeiro encontro queremos
ver se a pessoa é uma boa companhia, mas queremos ser uma boa
companhia também. Depois do Primeiro Encontro, queremos manter
um bom equilíbrio entre as trocas para ter certeza de que estamos sendo
presentes. É como um namoro baseado no princípio da atenção plena: se
é o Terceiro Encontro, esteja presente no Terceiro Encontro. Não pule
para o Quinquagésimo Sexto Encontro. Permita-se aproveitar cada
estágio. Tire o pé do acelerador. Enxergue a outra pessoa pelo que ela é e
vocês dois vão relaxar. Tenha cuidado para não projetar na pessoa
qualidades incríveis ou míticas que ela não tem.
É difícil dizer tudo isso a alguém. Pedir para o outro questionar seus
instintos pode ser um equivalente a dizer “Seria melhor não confiar em si
mesmo” — isso é o oposto da mensagem deste livro, que tem mais a ver
com reconhecer que esses instintos são extremamente normais e uma
característica básica do ser humano, mas que podem nos machucar
quando: cedemos àquilo que superficialmente se parece com o que
buscamos durante toda a nossa vida; cancelamos todos os nossos
compromissos por causa de alguém; nos precipitamos; nos deixamos
levar pela empolgação dos nossos amigos, que acaba aumentando os
riscos; afundamos o pé no acelerador; procuramos um motivo quando
alguém desaparece; atribuímos muita importância rápido demais a
alguém (enquanto nos desvalorizamos); baseamos nossos sentimentos em
qualidades difíceis de serem descritas e não naquelas que realmente
evidenciam um ótimo parceiro; decidimos lutar ainda mais quando a
pessoa se afasta; ficamos nos corrigindo quando achamos que a pessoa se
afastou por algum erro nosso.
Precisamos desafiar esses instintos de maneiras que a princípio podem
parecer extremamente contraintuitivas, mas que trarão mais paz e
felicidade às nossas vidas amorosas: desacelerar; controlar a empolgação;
“dar um tempo” quando alguém não está respeitando ou demonstrando
reciprocidade pela energia que gastamos; valorizar alguém que está
presente em vez de alguém que desaparece; substituir a curiosidade
tranquila — aquela que permite que o outro tenha espaço para ser quem
é — por emoções mais intensas; equilibrar o otimismo com a
mentalidade do “vamos ver”; e prestar atenção nas qualidades reais que
fazem de alguém um ótimo parceiro. Assim como no exemplo da
correnteza, a princípio pode parecer contraintuitivo pegar o caminho
mais longo de volta para a praia, mas os resultados serão mais reais e
duradouros.
Todas essas coisas ajudam a encontrar a perspectiva certa no
comecinho do namoro e têm o bônus de tornar você mais atraente para
a pessoa em questão. Como Martin, o instrutor de boxe, costuma dizer:
“Quando a vida acontece, não confiamos nos nossos instintos, mas sim
no treinamento”. Com o tempo, o seu novo treinamento pode até se
transformar em novos instintos — instintos pelos quais você se tornará
cada vez mais grato à medida que vivencia uma vida amorosa mais franca
e mas recompensadora.
O pior instinto de todos é o de subvalorizar tudo o que você tem a
oferecer. Nunca se diminua dando tudo para alguém que não merece ou
que não provou ser merecedor ainda. Esse é o principal motivo pelo qual
você deve proteger o seu coração de se deixar levar pela fantasia antes
que você realmente tenha oportunidade de conhecer alguém. No
começo, você só enxerga o comportamento inicial (que costuma ser o
melhor) dessa pessoa. Como ela faz você se sentir no início não é um
reflexo do caráter dela; é um reflexo do impacto dela. O verdadeiro
caráter é constante; ele só pode ser medido com o tempo.
4

CUIDADO COM QUEM SE


ESQUIVA DEMAIS
Mas antes, um alerta sobre pessoas que mentem

É praticamente impossível identificar um mentiroso profissional. Mas


eles estão por aí; golpistas geniais e verdadeiros psicopatas que
conseguem burlar um detector de mentiras e enganar um agente do FBI.
E, falando sério, passar um tempo com pessoas que têm o dom e o
talento para mentir (antes de perceber quem elas realmente são) pode ser
muito divertido. Que histórias maravilhosas elas parecem ter! Que vidas
incríveis! É quase inacreditável! Elas fazem parecer que tudo é possível e
chegam a prometer o impossível. Essas pessoas são um dos motivos pelos
quais as seitas existem — e também os relacionamentos epicamente
desastrosos. Mentirosos desse tipo, para os quais viver e mentir parecem
ser sinônimos, causam danos difíceis de serem revertidos — e,
dependendo da duração e do grau de intimidade dos relacionamentos
que eles conseguiram estabelecer, o dano pode ser devastador e costuma
gerar traumas sérios. Já trabalhei com inúmeros indivíduos que passaram
por esse tipo de decepção.
Entretanto, felizmente, pessoas que têm esse tipo perigoso de
habilidade são raras. É mais comum — quase uma característica
universal — não identificar a grande variedade existente de
dissimuladores. O fato é que não conseguimos notar tudo a respeito de
alguém que acabamos de conhecer, mas praticamente todo mundo
ignora algumas coisas quando começa a se sentir atraído por alguém. Os
mentirosos experientes se valem desse tipo de cegueira seletiva. E o que
mais impressiona é o fato de eles não precisarem dizer muito para
conseguir nos enganar — tudo porque nós queremos acreditar.
No início, um mentiroso não depende da sua cumplicidade para
mentir para você. No entanto, para continuar com a mentira, ele precisa
de um plateia disposta — porque, quando começamos a passar muito
tempo com um mentiroso, conseguimos notar algumas inconsistências,
grandes ou pequenas, entre o que ele diz e a maneira como se comporta
no dia a dia. Na primeira vez que o pegamos mentindo, pode até ser que
o nosso impulso seja ignorar. Não queremos parecer neuróticos e
desconfiados, nem estragar algo que parece ter potencial.
Porém, quando se trata de um mentiroso, a dissonância entre suas
palavras e ações nunca desaparece. Em algum momento, se não
concordarmos em ignorar essas incongruências, toda a performance dele
— porque é isso que as mentiras são, uma farsa, uma fantasia na qual ele
quer que sejamos o coprotagonistas — passa a dar errado. Da mesma
forma que os mágicos precisam que a plateia esteja disposta a suspender
a descrença (será que alguém realmente acredita que truques de carta são
demonstrações de poder psíquico?), um mentiroso precisa de alguém
que vai acreditar no seu truque, relaxar e aproveitar o show.
No entanto, debaixo de tudo isso existe uma pessoa cujas palavras não
estão em sintonia com seus comportamentos. Quando reconhecemos
isso e decidimos fazer algo a respeito, chamar a pessoa de mentirosa
talvez não seja o melhor caminho. Mas sinalizar a contradição, deixar
que ela saiba que você notou a diferença entre o que ela diz e o que
realmente faz, direciona a conversa para um território mais neutro. Isso
dá a essa pessoa um aviso prévio. Existe todo um espectro de motivos
pelos quais as pessoas mentem — desde insegurança e um sentimento de
falta de controle até o vício e a psicopatia. Contudo, a única forma de
lidar com isso — de descobrir se você precisa acalmar as inseguranças,
ajudar a tratar o vício ou terminar com um psicopata — é ver o que
acontece quando você aborda o assunto com franqueza.
Mais adiante vamos discutir por que mantemos relacionamentos com
pessoas que sabemos que estão nos prejudicando e o que podemos fazer
para quebrar esse ciclo por conta própria. Por enquanto, porém, eu
gostaria de falar sobre algo muito mais comum do que o simples
mentiroso — alguém que pode enganar você sem nunca contar uma
mentira: a pessoa que se esquiva.

Cuidado com quem se esquiva demais


Acho que usamos a palavra mentiroso em um sentido muito amplo. Os
mentirosos compulsivos realmente existem no mundo, mas a maioria das
pessoas não encontra o mesmo misto de manipulação e insegurança que
motiva essa compulsão — o que não quer dizer que a maioria das
pessoas diz a verdade, mas sim que elas não têm o hábito patológico de
contar mentiras descaradas ou de criar de improviso uma realidade
paralela quase perfeita.
Em vez disso, elas dão respostas fáceis e evasivas que parecem bem
simples como se fossem verdadeiras. Se você perguntar à outra pessoa
sobre o rumo que ela imagina que o relacionamento de vocês vai tomar e
ela responder “Olha, estou gostando de ficar com você, mas acabei de
sair de um relacionamento e ainda não tenho certeza do que eu quero
agora”, bom, aí está a sua verdade. Talvez ela não tenha dito com toda a
clareza — pessoas que se esquivam nunca dizem —, mas não há
nenhum motivo para gastar a sua energia tentando decifrar essas
palavras. Qualquer coisa que claramente não seja um “Que pergunta é
essa? Estamos juntos pra valer, meu bem!” significa que é hora de
reavaliar a quantidade de tempo e energia investidos nessa relação.
Os mentirosos fazem de tudo para mentir para você — a mentira
funciona como uma droga para eles, que ficam verdadeiramente felizes
em inventar coisas para você. Mas a pessoa que se esquiva tem um
objetivo quase oposto a isso. Em alguns assuntos — geralmente aqueles
que geram um sentimento de intimidade verdadeiro — ela faz de tudo
para não dizer uma única palavra. Ao mesmo tempo que a maioria de
nós não leva jeito nem sabe contar uma boa mentira, podemos ter muita
habilidade para evitar assuntos sobre os quais não queremos conversar.
Quem mente e quem se esquiva realmente compartilham algumas
características: para começar, muitos têm um relacionamento
desconfortável com a verdade. No entanto, se quem mente tem atitudes
falsas, por exemplo, dar chocolates no Dia dos Namorados, quem se
esquiva tem a habilidade de mudar de assunto ou de deliberadamente
não entender a pergunta.
No filme O amor não tira férias, de 2006, com Cameron Diaz e Kate
Winslet, há um momento revelador que ilustra perfeitamente o tipo
clássico de pessoa que se esquiva e a resposta que esse comportamento
merece. Jasper (Rufus Sewell), um manipulador galanteador de marca
maior, pega um avião na Inglaterra para ir até Los Angeles, onde Iris
(Kate Winslet) está finalmente sendo feliz sem ele. Jasper tem um único
objetivo: enfeitiçá-la novamente.
Iris, que não consegue evitar se empolgar com o convite repentino de
Jasper para acompanhá-lo em uma viagem para Veneza, pergunta se ele
realmente está livre para fazer isso. Quando ele responde usando uma
resposta clássica de quem quer mudar de assunto (“Eu não acabei de
viajar meio mundo para te ver?”), ela percebe que essa não foi
exatamente a resposta para a pergunta que tinha feito e questiona
diretamente se ele terminou com a noiva. Quando Jasper tenta
novamente se esquivar de responder (“Eu queria que você aceitasse o
quanto estou me sentindo confuso sobre tudo isso”), ela faz o que
percebe que deveria ter feito há anos e diz isso a ele (“Graças a Deus
cansei de estar apaixonada por você”).
Como o exemplo clássico de quem se esquiva, Jasper nunca mentiu,
mas também nunca deu uma resposta verdadeira. Ainda assim, quando
respondia a uma pergunta direta com uma resposta esquiva
cuidadosamente formulada, estava revelando sua verdadeira natureza.
No momento em que Iris percebeu que ele se atrapalhava para responder
quando ela fazia uma pergunta direta, finalmente encontrou a coragem
para colocar um ponto-final na dinâmica tóxica em que ele a mantinha
presa com suas respostas e atitudes cuidadosamente evasivas.
É contraproducente nos preocuparmos com os mentirosos. É possível
que de vez em quando sejamos vítimas de um deles. Mas geralmente não
há nada que possamos fazer para evitar. A única coisa que devemos fazer
é decidir o que fazer quando descobrimos que alguém nos contou uma
mentira. O problema é que uma pessoa que se esquiva pode ser mais
perigosa no longo prazo do que uma pessoa que mente. Ela se vale do
desconforto que sentimos ao tentar reconduzir a conversa para qualquer
assunto no qual tenhamos que encarar duras verdades.
É provável que nós mesmos já tenhamos nos esquivado de algumas
coisas quando foi conveniente para nós. Você já viveu uma situação na
qual percebeu que alguém gostava mais de você do que você gostava
dele? Você disse isso a ele imediatamente? A menos que você seja um
santo e sempre tenha sido, a resposta é provavelmente “não”. Nós já
mudamos de assunto quando o preço que pagaríamos era mais alto do
que estávamos dispostos a pagar. Esquivar-se de conversas difíceis é da
natureza humana, de ambos os lados.
Infelizmente, quando nos esquivamos de conversas difíceis, estamos
correndo o risco de conspirar a favor da nossa própria infelicidade.
Porque nunca há apenas uma pessoa se esquivando em um relacionamento.
Se nunca fazemos perguntas difíceis quando é necessário, então estamos
dançando conforme a música. Isso não é algo que acontece apenas
quando o relacionamento está naquele estágio de “limbo”, quando ainda
não sabemos o que esperar; isso acontece em casamentos ao redor do
mundo, que seguem um roteiro na superfície e ignoram o drama que
cresce para todos os lados.
Não basta ter cuidado com quem se esquiva. Temos que agir para
garantir que não estamos validando o comportamento dessa pessoa e nos
esquivando também. Se você quer ter certeza de que não está validando
uma pessoa que se esquiva, precisa fazer perguntas difíceis. Essas
perguntas podem até não ser tão difíceis; são as consequências de
finalmente saber a verdade que nos fazem hesitar em verbalizá-las. Mas
lembre-se de que você não está perdendo nada ao se comunicar. O
relacionamento certo é aquele no qual as coisas melhoram quando vocês
se comunicam. Se o seu relacionamento piora quando um dos dois fala a
verdade, você está no relacionamento errado.
Faça perguntas difíceis
No início de todo evento ao vivo que faço, costumo fazer a seguinte
pergunta: “Quem aqui está solteiro?”. A maioria dos presentes levanta a
mão.
Em seguida, pergunto: “Quem está em um relacionamento?”.
Geralmente o número de mãos levantadas corresponde a 20% dos
presentes.
Minha próxima pergunta costuma pegar alguns deles de surpresa:
“Quem não tem certeza se está em um relacionamento?”. Mãos
começam a se levantar timidamente pelo auditório.
Alguma coisa nos relacionamentos faz com que essas pessoas fiquem
confusas sobre seu status. São as mesmas pessoas que me enviam
mensagens nas redes sociais perguntando sobre qual seria o estágio do
seu relacionamento com alguém que acabaram de começar a namorar.
No meio da escrita deste capítulo, coincidentemente, recebi uma
mensagem de uma mulher chamada Maria perguntando exatamente
isso:

Estou conversando/saindo com um homem há quase cinco meses, e


tudo vai bem. Conversamos todo dia e tentamos nos encontrar
sempre que podemos (às vezes ficamos muito tempo sem nos
encontrar pessoalmente, por causa da nossa rotina corrida). Ele é
diferente de todos os homens que já conheci: um cavalheiro, gentil,
inteligente, e eu me sinto bem com ele. O problema é que eu
morro de medo de conversar com ele sobre o status do nosso
relacionamento. É um relacionamento monogâmico? etc. Eu
percebo que ele está interessado em mim e eu estou interessada
nele. A minha pergunta é: Como eu deveria perguntar sobre o
status do nosso relacionamento sem parecer uma cobrança?

Existem muitas conversas que preferimos evitar e outras, como a que a


Maria ainda não teve, que nos assustam. Mas o medo de ter essa
conversa é, na verdade, medo do que vamos descobrir a partir dela. A
cada mês que passa, a rejeição que alimentamos por essa conversa se
torna uma rejeição pela verdade — o verdadeiro status do
relacionamento, e de todos os sentimentos e intenções que não
conseguimos verbalizar. Aos poucos, quanto mais evitamos ter essa
conversa honesta, nosso relacionamento real pode começar a se afastar
do relacionamento imaginário que criamos em nossa mente: um ideal
delicado que não ousamos expor à luz da realidade.
Nós evitamos fazer perguntas diretas especialmente quando achamos
que elas precipitariam uma nova dinâmica e adiantariam o fim da
dinâmica antiga à qual ainda estamos apegados. As perguntas difíceis
forçam os relacionamentos a mudar de forma — tanto na realidade
quanto na forma que eles assumiram em nossa mente. É comum
escolhermos ficar em relacionamentos em função das versões deles que
criamos em nossa cabeça, e não porque estão de fato nos
proporcionando aquilo que realmente queremos.
Cogitei nomear este capítulo “Se você não sabe o status do seu
relacionamento, pergunte!”. Mas isso ignoraria a dificuldade que cerca
esse processo. Fazer uma pergunta pode exigir algumas calorias de
esforço, mas nos prepararmos para as consequências, para uma possível
desilusão amorosa e até mesmo para a incerteza agonizante de que aquela
conversa pode se transformar na última daquele relacionamento (mesmo
que o relacionamento esteja bem) exige uma energia real e genuína.
Exige coragem. Significa nos prepararmos para um futuro perdido —
uma nova realidade que não tínhamos cogitado, uma vida diferente que
não tínhamos planejado começar hoje.
Se não estivermos preparados para a resposta — ou prontos para fazer
o que é melhor para nós quando recebemos a resposta —, vamos nos ver
em uma situação na qual a realidade das nossas circunstâncias não se
parece mais com uma noção que criamos na nossa cabeça — uma noção
que, diante de uma nova informação, corre o risco de ganhar contornos
de fantasia.
Digamos que Maria, na esperança de que o homem com quem está
namorando tenha a intenção de ficar com ela no longo prazo, descubra
que ele não quer um relacionamento sério e que considera o tempo que
passam juntos mera diversão, ou que ainda queira continuar saindo com
outras pessoas. Ela agora se vê em uma situação incompatível. Ao ficar
cara a cara com o potencial limitado desse relacionamento, ela agora
corre o risco de, conscientemente e por vontade própria, escolher perder
seu tempo.
Se ela nunca perguntar, pode fingir que não sabia que estava perdendo
seu tempo. Ela pode ser uma vítima quando ele finalmente revelar que
nunca considerou que o relacionamento entre eles era sério, durante o
tempo que passaram juntos. Mas, se ela fizer a pergunta difícil e ele
confirmar que não quer nada sério, ela pode ficar mais do que
puramente magoada com a resposta dele. Por um lado, saber a verdade e
seguir em frente seria a melhor opção. A pior seria se, apesar da mágoa,
ela não tiver forças para se afastar. Talvez ela já não confie mais em si
mesma para fazer isso, e esse é o motivo para evitar ter essa conversa.
Encontrar-se nessa situação não implicaria apenas lidar com a desilusão;
também seria um grande golpe em sua identidade como uma mulher
forte e respeitável.
Se ela não se afastar, vai ter que aceitar esse novo mundo — um
mundo no qual, se quiser continuar a investir nesse relacionamento que
não é sério, vai precisar descobrir uma forma de fazer com que 2 + 1 = 4.
Esse é o local onde nasce a dissonância cognitiva — e não só para Maria.
Depois dessa conversa, o pretendente dela também vai precisar criar a
sua própria forma de dissonância cognitiva para manter o
relacionamento. Ao ser forçado a responder a perguntas para as quais as
respostas não serão bem recebidas e em um momento não escolhido por
ele, o relacionamento se torna bem “real”. Se ela continuar saindo com
ele, seus sentimentos negativos sobre a falta de progresso no
relacionamento — que anteriormente estavam apenas implícitos e
poderiam ser ignorados por ela — vão estar presentes em cada encontro;
uma fonte de desânimo consciente substituindo o tom despreocupado
das interações anteriores.
Até aquele momento, ele desfrutava da liberdade que o fato de não
precisar ter essa conversa oferecia. Ele não tinha mentido abertamente
porque nunca tinham conversado a respeito. Porém, agora, depois que já
conversaram sobre isso, suas intenções (ou a falta delas) foram colocadas
na mesa, e tudo se torna menos romântico. A dissonância dele vai
precisar ignorar as maneiras pelas quais os seus gestos românticos — em
última instância gestos vazios — alimentam a esperança dela de que o
relacionamento evolua, ao mesmo tempo que ela viverá na angústia
constante de esperar por uma evolução que nunca imaginou que não
aconteceria.
Então ela pensa: Não seria melhor deixar essa conversa para depois e
continuar curtindo o romance? Afinal de contas, ela gosta daquele cara.
Gosta muito. E o que teria a ganhar destruindo tudo? Voltar a ficar
sozinha sem ter ninguém com quem experimente uma química
verdadeira? Voltar para os aplicativos e a sequência de encontros
decepcionantes? Com certeza é melhor deixar as coisas se desenrolarem
com essa pessoa de quem ela sabe que gosta, em um relacionamento que
pelo menos tem a possibilidade de resultar em alguma coisa boa. Além
disso, quanto mais tempo ela passar com ele, mais interessado ele vai
ficar, certo?
Uma cliente recentemente disse durante um dos meus webinários:
“Tudo dá certo até você começar a cutucar”. Essa escolha de palavras
ilustra os truques que utilizamos quando a nossa falta de confiança nos
manda silenciar qualquer declaração direta sobre nossas necessidades.
“Cutucar”, nesse caso, deveria ser substituído por “comunicar nossas
necessidades.”
Por que deveríamos estar em um relacionamento que só dá certo
quando silenciamos o que queremos? É claro que existe um momento
em que perguntar qual é o status do relacionamento seria uma loucura.
(Imagine se alguém faz igual à Kathy Bates no filme Louca obsessão, vira
para você no final de um primeiro encontro e diz: “Eu me diverti muito.
Então quer dizer que estamos namorando agora?”) Mas evitar conversas
que revelam intenções é um enorme desperdício de tempo e evidencia
falta de respeito por si mesmo.
Se você está saindo com alguém com frequência e ainda não tem
noção do status do relacionamento entre vocês, até mesmo se ele é
monogâmico, está na hora de ter a conversa a seguir:

Olha, estou gostando muito de sair com você, eu gosto de você e


me vejo gostando mais cada vez que nos encontramos, mas estou
sem saber qual é o status do nosso relacionamento... Eu não
gostaria de simplesmente presumir que estamos em um
relacionamento monogâmico, mas queria que você soubesse que
não estou saindo com mais ninguém no momento, porque resolvi
dar uma chance de verdade para o que nós temos. Eu gostaria de
saber se você sente a mesma coisa ou se ainda quer um
relacionamento aberto e continuar saindo com outras pessoas. Se
for esse o caso, então tudo bem, mas eu precisaria saber antes de
continuar a investir mais tempo e energia em nós.

Diga tudo isso com gentileza, mas seja direto na sua intervenção.
Afinal de contas, o que está em jogo são seu tempo e sua energia.
Todos temos receio de receber respostas desagradáveis na vida. Eu sei
o quanto esse medo pode ser poderoso e nos impedir de ter conversas
que realmente precisamos ter. Mas eu também sei que cultivar a nossa
confiança e uma perspectiva ampla pode mudar isso. Você verá que
mesmo a resposta que já considerou ser o seu pior pesadelo é apenas um
sinal apontando na direção de algo que é mais merecedor do seu tempo e
da sua energia. Quando você se encontra em uma situação como essa,
descobre que fazer essa pergunta é algo natural, porque quem se valoriza
de verdade está trabalhando duro para proteger seu tempo e sua energia
e, em vez da fantasia que alimenta sobre o relacionamento no qual está
— e talvez o que pode ser ainda mais perigoso —, a fantasia do que
poderia ser. Nunca vamos livrar o mundo das pessoas que se esquivam,
mas também não precisamos fazer isso. Quando fazemos perguntas
difíceis e agimos com base nas respostas que recebemos, não precisamos
nos preocupar se estamos desperdiçando nosso tempo com mais
ninguém.
Ainda assim, é possível que, apesar do aviso inicial, você se apaixone
por uma pessoa que se esquiva, por todos os seus truques, armadilhas
emocionais, pontos cegos e paredes erguidas. Acontece mais do que
gostaríamos de admitir — o que faz sentido, porque não admitir que
algo acontece é o que o leva a acontecer no fim das contas! No entanto,
quando evitamos confrontar essa mesma coisa que tememos estar
realmente acontecendo conosco, uma dinâmica estranha começa a tomar
conta. Passamos a acreditar na lógica distorcida da pessoa que se esquiva,
às vezes com tanto sucesso que nos surpreendemos quando outras
pessoas parecem questionar a linha de raciocínio que passamos a aceitar.
Se você suspeita que isso talvez se aplique a você, então, por favor,
considere o alerta que será feito no próximo capítulo.
5

NÃO ENTRE PARA UM CULTO


COM DOIS MEMBROS

Sempre que alguém se levanta durante algum evento presencial ou me


procura na internet com uma pergunta urgente, aprendi a esperar um
pouco antes de responder. Em parte para ajudar essa pessoa a relaxar —
não é fácil falar para um grupo de pessoas, virtualmente ou
pessoalmente, falar sobre as suas preocupações mais íntimas —, e tentar
descobrir mais sobre a situação sempre ajuda. Também aprendi que a
pergunta que a pessoa faz nem sempre corresponde ao problema que ela
realmente quer resolver. Por isso, fazer outras perguntas para além da que
foi feita nos aproxima do verdadeiro problema.
Já recebi milhares de perguntas. Algumas delas são completamente
individuais e exigem bastante tempo para serem desvendadas, enquanto
outras não. Se existe alguma coisa parecida com um conselho que
funciona para todos e que pouparia muitos de uma desilusão amorosa no
início de um relacionamento, é este: presuma que o relacionamento é
monogâmico por sua conta e risco!
Alguns dirão que após vários encontros fica implícito que o
relacionamento é monogâmico, a julgar pelo fato de que as duas pessoas
têm se encontrado com frequência, conversado todos os dias e trocado
mensagens sem parar etc. Não parece algo irracional, principalmente
quando as duas pessoas passam tanto tempo juntas a ponto de
precisarem de um vira-tempo do Ministério da Magia, do universo do
Harry Potter, para conseguir sair com outras pessoas.
Longe de mim querer ser o estraga-prazeres do romance, injetando
ceticismo em um processo que deveria ser bonito e orgânico, com duas
pessoas se apaixonando ou se desejando profundamente. No entanto,
depois de testemunhar tantas pessoas se magoando durante esse
processo, posso dizer, baseado simplesmente na estatística, que é
recomendável conversar sobre monogamia proativamente e por
precaução, porque a desvantagem de não tê-la é muito maior do que
qualquer desconforto imediato que você sinta levantando a questão.
De qualquer forma, as conversas realmente desconcertantes são
aquelas em que você descobre que as duas pessoas estão operando em
mundos completamente diferentes — por exemplo, quando o seu par
lhe diz que quer sair com outras pessoas e você diz a ele que não quer.
Mas essa é exatamente a conversa que vai poupá-lo de sofrimento no
futuro.
Na verdade, conversas como essa não necessariamente atrapalham o
romance. Quando conduzidas do jeito certo, podem contribuir para ele.
Se vocês estão na mesma sintonia sobre ficar um com outro e só um com
outro, a conversa pode realmente ser bem divertida. “Eu sou a única que
você quer? Nossa, fico muito feliz que você tenha dito isso, porque você
é o único que eu quero. Vamos comemorar na primeira escada que
encontrarmos por aí...”
Trago a seguir algumas sugestões para abordar esse assunto, bem como
algumas variações para diferentes situações. Digamos que você esteja nos
estágios iniciais do namoro. Você poderia dizer:

Estou me divertindo muito com você, mas agora, quando outras


pessoas me chamam para sair, fico sem saber o que dizer a elas. Não
quero colocar nenhuma pressão desnecessária no que a gente tem,
porque estou gostando do processo de te conhecer melhor, mas eu
gosto de você, e enquanto estivermos decidindo se o que temos
pode se tornar algo mais eu gostaria de dar uma chance de verdade
para ver se nós temos potencial e de não sair com outras pessoas
durante esse período.

Ou:

Não estou saindo com mais ninguém, e gostaria de saber o que


você acha disso e se faria o mesmo.

Você também pode adaptar essas sugestões para demonstrar a sua


vulnerabilidade e quem você é:

Eu sou sensível e sei que ficaria magoada se descobrisse mais tarde


que você está saindo com outras pessoas, porque estou começando
a gostar de você de verdade. Não precisamos decidir o status desse
relacionamento agora nem colocar rótulos nele, mas eu sei que eu
agiria diferente se a gente continuasse aberto a sair com outras
pessoas em vez de investir em uma coisa só nossa. O que você acha?

A intimidade também pode ser precursora da monogamia. Se vocês


estão começando a se envolver fisicamente e para você é importante ter
clareza sobre o status do relacionamento antes que se envolvam ainda
mais, você poderia dizer:
Eu gosto de você e me sinto muito atraída por você. Mas, se você
estiver em um momento da vida em que só está buscando uma
coisa casual, eu não gostaria que a gente se envolvesse ainda mais
fisicamente, mesmo tendo certeza de que seria muito bom. Aliás,
não tem problema nenhum se for esse o caso; eu só queria deixar
claro, porque não quero construir intimidade com alguém que quer
fazer a mesma coisa com outras pessoas. Não funciona desse jeito
para mim.

Eu gostaria de enfatizar que isso não deve ser usado para pressionar a
pessoa. Esse tipo de coisa raramente funciona. O objetivo é ser
verdadeiro com você mesmo e com o que deseja, enquanto demonstra
que não está julgando o outro pela fase na qual se encontra, mesmo que
isso signifique que vocês dois precisam seguir cada um o próprio
caminho:

Isso não quer dizer que a gente tem que apressar as coisas... Só quer
dizer que, se não for o que você quer, prefiro ir mais devagar até
que você se sinta do mesmo jeito — e se isso não acontecer, tudo
bem também, nem tudo é para ser.

Este é o verdadeiro poder: mostrar-se gentil, firme e disposto a dar as


costas, sem ressentimentos, se vocês não estiverem na mesma sintonia.
Se você perceber que está preso em algum tipo de relacionamento
indefinido, declarações como essas podem ajudar. Cada uma delas tem
uma dose de charme e acolhimento, mas não falta honestidade. Por
favor, personalize essas declarações para que expressem a sua voz única,
mas não deixe de se apropriar delas. Isso significa entender por que elas
funcionam, para que você possa usá-las com convicção e se manter firme
em seu propósito. Lembre-se: os seus valores não são táticas. As táticas
podem mudar, enquanto os nossos valores permanecem constantes,
mesmo quando não nos proporcionam o resultado que gostaríamos.
Às vezes recebo perguntas de alguém em uma situação quase idêntica:
a pessoa tem um parceiro que parece ficar distante ou elusivo ou até
mesmo invisível sempre que a conversa gira em torno do assunto
compromisso. Mas, em vez de questionar a situação apesar do
desconforto resultante, a pessoa aceita os termos que lhe foram
oferecidos. Ela parece pronta para defendê-los diante de seus amigos
como se agora fizesse parte de uma intrigante aliança amorosa, na qual a
melhor coisa é não saber quando nem se você verá a outra pessoa
novamente.
Em um dos nossos webinários, uma mulher chamada Cora participou
on-line para perguntar… bom, era difícil saber o que ela estava
perguntando no início. Ela descreveu seu relacionamento de quase um
ano como um relacionamento entre “dois empresários”, com agendas
cheias e dificuldade de se encontrar ou conversar regularmente. Ela
estava começando a se incomodar com o fato de seus amigos (que
provavelmente percebiam que ela gostava mais do rapaz do que estava
demonstrando) ficarem perguntando qual era a verdadeira natureza do
relacionamento.
Enquanto ela descrevia como era o relacionamento dos dois, faltava
algo importante no cerne da pergunta, como se ela estivesse tentando me
convencer de algo de que ela também não estava completamente
convencida, por isso eu finalmente perguntei:
— Será que o motivo pelo qual você não quer exigir mais é porque
está satisfeita com o relacionamento sendo casual, e seu trabalho agora é
uma prioridade maior para você do que encontrar o amor? Ou será que a
verdade é que isso é como ele se sente e você está usando a mesma
desculpa, quando no fundo quer mais, porém fica preocupada de pedir
mais e ele se assustar?
Ela riu e disse:
— Sim, acho que, se for honesta comigo mesma, provavelmente é a
segunda opção.
Ela havia se apropriado da desculpa do parceiro para continuar se
relacionando com ele e, ao fazer isso, tinha silenciado a própria voz.
Quando conversava com os amigos, não era Cora que falava, e sim o
rapaz, que estava agindo como seu ventríloquo, para manter a situação
que o agradava. Mesmo que o exemplo de Cora pareça incomum, a
situação dela não é. Só que a complexidade é muito mais difícil de ser
confrontada. Relacionamentos indefinidos como o dela são o oposto do
amor à primeira vista. São compromissos estranhos, criados aos poucos.
Você é pressionado de novo e de novo, até se desprender completamente
da realidade, como se tivesse entrado para um culto de apenas duas
pessoas.
A lógica esquiva desse relacionamento causa uma dissonância
cognitiva que leva meses para ser criada e é difícil de ser desfeita.
Durante outro webinário, uma cliente que se autodenominava Canário
(será que ela sentia presa em uma gaiola?) tentou explicar sua situação;
contudo, quanto mais ela explicava, mais difícil era de entender. Ela
morava em Michigan, nos Estados Unidos, e estava saindo com um
cidadão canadense “há meses”, só que nos últimos tempos ele tinha
parado de mandar mensagens com a mesma frequência de antes —
chegou a não enviar nada por quase uma semana. A comunicação era
difícil, ela admitiu, e numerou inúmeras razões para isso: o sinal de
celular era ruim onde ele morava; ele era médico e vivia ocupado,
trabalhando em três lugares; ela não tinha conseguido instalar o
aplicativo no tablet para que ele pudesse mandar mensagens mais
facilmente; geralmente eles se encontravam aos domingos tanto nos
Estados Unidos quanto no Canadá, mas ultimamente ele estava
esperando sair o visto e não podia viajar para vê-la. Ela parecia feliz que
o relacionamento tivesse se tornado mais físico ultimamente — ele
brincava com o cabelo dela, colocava os braços ao seu redor e ela havia
passado a noite na casa dele na última vez que se encontraram —, mas
ele parecia um rapaz que espera o momento certo. Foi quando ela disse:
“É por isso que ele ainda não me beijou”.
Havia tantos sinais de alerta na história dela e tantas perguntas a
serem feitas, mas o fato de ela estar viajando regularmente para outro
país e depois de meses de namoro ainda não ter perguntado a ele por que
ainda não a tinha beijado indicava o quanto ela se tornara cúmplice na
construção daquele estranho relacionamento; o quanto, apesar de todas
as desculpas que ela deu (ela estava lidando com algumas coisas do seu
passado, ambos tinham uma timidez natural, a rotina corrida dele), ela
estava vivendo em uma fantasia. Canário tinha medo de fazer as
perguntas mais simples porque elas poderiam ameaçar aquele arranjo
frágil entre os dois. Quanto mais eu insistia em obter uma resposta dela,
mais dissociada e emotiva ela ficava.
Passamos quase vinte minutos conversando e, apesar de todos os sinais
de alerta que relatava, ela ainda não tinha criado coragem para fazer uma
pergunta de verdade. Por outro lado, a própria participação no
webinário era, por si só, um tipo de pergunta. Talvez ela não estivesse
disposta a perguntar a seu amigo médico nada que ameaçasse
diretamente o relacionamento entre eles, mas a falta de respeito
demonstrada por ele na última semana, ao não enviar nenhuma
mensagem, tinha sido tão grande que acabou realmente desafiando a
dissonância cognitiva dela. Por isso, ela finalmente resolveu falar com
alguém que sabia que não a enrolaria.
Sermos honestos com aquilo que estamos vendo é o tipo mais básico
de gentileza que podemos oferecer uns aos outros, principalmente
quando você vê um amigo nos estágios iniciais de um relacionamento
ficando tão confuso com as emoções novas que parece ter perdido a
capacidade básica de distinguir a fantasia da realidade. E a regra que
acompanha o mandamento “Não entrarás para um culto com duas
pessoas”: “Um amigo não serve para fazer coro para o outro”. Seja a dose
de realidade que gostaria de ver no mundo.
Mas a situação de Canário, assim como a de Cora, não é incomum.
Isso não quer dizer que os homens estão, em massa, manipulando as
mulheres, ou mesmo que sempre são eles os engenheiros responsáveis
por todo relacionamento diabolicamente torturante. A questão é que
existem muitos homens que gostam do lugar onde estão e não querem se
aventurar para além das suas zonas de conforto e por isso, consciente ou
inconscientemente, começam a tentar convencer as mulheres com quem
estão saindo a ver as coisas pelo ponto de vista deles. Eles costumam
dizer: “Toda vez que você vem com esse assunto, atrapalha uma coisa
que está legal” ou “Você está dando importância demais à atração que
nós sentimos um pelo outro”. Esse não é um negócio que um homem
consegue fechar de primeira. Aos poucos, porém, ele vai fazendo a
mulher se distanciar cada vez mais de tudo o que queria no início, até
que chega um momento em que a situação se torna tão ruim que ela me
procura em um evento virtual para conversar; e eu, juntamente com
todo mundo que está ouvindo, gostaria de perguntar: “Por que diabos
isso durou tanto tempo?”.
Existe uma saída fácil se você chegar a um ponto no relacionamento
em que se sente preso em algo que não parece certo. Não se preocupe em
estragar a festa; deixe claro o que você quer. A sua certeza vai levar a um
destes dois resultados: vai afastar alguém que não consegue lidar com o
que você está pedindo, seja monogamia ou só um beijo depois de uma
dúzia de encontros; ou vai incentivar a pessoa que está pronta para a
mesma coisa.
Sempre vai ter alguém para tentar te convencer com sua explicação
sobre o porquê de não conseguir te dar aquilo que você quer ou estar
presente da maneira que você precisa. Você não tem que considerar se as
desculpas que essa pessoa dá são legítimas; só precisa ser honesto consigo
mesmo: a realidade do que está sendo oferecido é suficiente para que
você seja feliz? Isso evita todo o esforço de tentar decifrar o que o outro
está dizendo. Diga para si mesmo: a pessoa tem os motivos dela
(verdadeiros ou não), mas eu tenho a minha realidade, e é a minha
realidade, e não os motivos da pessoa, que determina se eu devo
continuar ou não.
6

SINAIS DE ALERTA

Acabei de fazer uma busca por “sinais de alerta” (“red flags”) no YouTube,
só para ver os tipos de conselhos que estão circulando por lá. (Para
minha surpresa, muitos desses conselhos são meus!) No entanto, se
considerados como guias para os tipos de sinais de alerta, todos esses
vídeos podem ao mesmo tempo gerar confusão e sobrecarga emocional.
Veja uma amostra do conteúdo de vários canais: Ele não te elogia? Sinal
de alerta — Desinteresse; Ele te elogia demais? Sinal de alerta —
Bombardeio de amor (Love bombing); Ele nunca faz perguntas sobre
você? Sinal de alerta — Narcisista; Ele faz perguntas demais sobre você?
Sinal de alerta — Controlador demais; Ele trata a mãe com desrespeito?
Sinal de alerta — Imaturidade. Ele é muito ligado à mãe? Sinal de alerta
— Imaturidade também.
À medida que começa a estudar esse catálogo, você pode se esquecer
de que pessoas são apenas pessoas, humanas, propensas a cometer erros.
Nem todo mundo se recupera completamente de seus traumas antes de
sair para um encontro. Se o scanner fosse utilizado em nós, será que
veríamos algum sinal de perigo ali também? Será que é útil saber tudo
isso? Se os extremos de cada traço comportamental se tornarem um
grande sinal de alerta, quem permanece no meio-termo, na pequena
amostra de “pretendentes com potencial” que sobra?
A obsessão por sinais de alerta concentra a nossa atenção em duas
direções: o passado e o futuro. Não somos capazes de compreender o
quanto um sinal de alerta pode ser valioso (ou o quanto seria prejudicial
ignorá-lo) sem antes realizar uma espécie de perícia em nossos próprios
relacionamentos (demonstrando um pouco de orgulho perverso dos
piores deles), nos perguntando o que deu errado — tentando catalogar
cada ex segundo um sinal de alerta ou outro — e quanto tempo levamos
para perceber. Existe um sentimento catártico em saber que no fundo
nós sabíamos — mesmo que tenhamos ignorado por muito tempo e
sacrificado o nosso bem-estar e a nossa autoestima. Por um lado, é um
inventário das nossas cicatrizes, provas de que vivemos e amamos. Por
outro, é uma forma de dizer para nós mesmos: “Não, analisando agora,
eu não estava cego nem louco. Eu sempre soube que a coisa iria terminar
mal”.
Pensando no futuro, podemos converter esse catálogo em um manual
que nos permita poupar tempo (e sofrimento). Se conseguirmos
identificar um comportamento desqualificante no Terceiro Encontro,
então não precisaremos desperdiçar um ano até chegar ao
Quinquagésimo Terceiro Encontro. O tipo de ataque preventivo que é
bom para todos. Nosso tempo é limitado. Por que sofrer sem necessidade
ou mergulhar em situações que sabemos que nos causarão sofrimento?
No entanto, em quais sinais de alerta vale a pena focar? Quando
praticamente qualquer traço comportamental pode ser utilizado como
motivo de término, quais deles realmente nos machucam mais, tanto
agora quanto no futuro? A seguir apresento a minha tentativa de reduzir
a lista a alguns tópicos que são desproporcionalmente responsáveis por
causar o maior tipo de dano; aqueles que possivelmente nos causarão
mais sofrimento se escolhermos ignorá-los.
Fala mal de vários ex
Eu queria intitular esta seção “Falar merda sobre os ex”, antes de me
lembrar que algumas pessoas realmente têm ex terríveis. E ninguém
deveria se conter quando for falar sobre o quanto sofreu em um
relacionamento anterior. Ter conhecimento sobre o sofrimento do outro
(e compartilhar o nosso próprio em troca) é um estágio importante no
caminho que leva à intimidade.
Tudo bem. Mas e quando conhecemos alguém que diz “todos os meus
ex são babacas” ou “todas as minhas ex são loucas”? Com alguém assim,
das duas, uma: ou se trata de alguém que não se responsabiliza por todas
as maneiras como uma pessoa é difícil de se lidar e então, em vez de
focar naquilo que precisa mudar, prefere direcionar a conversa para as
maneiras como os outros erraram com ela. (Pessoas assim tendem a fazer
a mesma coisa quando são demitidas do emprego.) Ou a segunda
possibilidade: trata-se de uma pessoa cujos ex eram mesmo
extremamente tóxicos — porque é exatamente esse tipo de pessoa que a
atrai! O primeiro tipo de pessoa vai ficar contra você ao primeiro sinal de
conflito, e você vai acabar como o exemplo mais recente do seu exército
de “ex loucos”. O segundo tipo vai te testar para ver se você pode se
tornar — ou se ele pode fazer você se tornar — o tipo de louco que o
atrai, com quem se sente confortável, ou o tipo de louco que precisa
rejeitar para se sentir bem consigo mesmo. Se você não quiser fazer parte
da dinâmica dessa pessoa — o que é uma reação saudável —, ela vai
dizer que você é sem graça ou se sentir ameaçada por você e
provavelmente vai te magoar antes de seguir em frente, para uma pessoa
que possa desempenhar esse papel para ela.
Trata mal os outros quando acha que você
não está vendo
Esse sinal de alerta aparece quando uma pessoa que está tentando te
impressionar, te seduzir, dormir com você ou fazer você se apaixonar por
ela apresenta uma versão seletiva de si mesma. Atores ruins fazem isso, é
verdade, mas isso também se aplica a qualquer um que exibe o seu
melhor comportamento. Sejamos sinceros: somos diferentes quando
estamos mal-humorados com um irmão e quando estamos em um
encontro. Mas às vezes você estará de fato namorando o Dr. Jekyll, para
só vê-lo se transformar no Sr. Hyde quando ele interage com os outros.
Todos sabemos que devemos observar cuidadosamente como as
pessoas tratam quem elas acreditam não ser útil para elas, principalmente
quando aquela pessoa está apenas fazendo seu trabalho: o garçom ou o
barista, o manobrista, o funcionário do serviço de atendimento ao
cliente. No entanto, boas avaliações nesses casos nem sempre são
confiáveis: talvez seu pretendente estivesse ciente de que você o estava
observando. Enquanto há plateia, continua sendo uma performance. O
verdadeiro teste é como essa pessoa trata alguém quando acha que você
não está vendo ou esqueceu que você está por perto. Não estou
recomendando grampear telefones ou esconder câmeras em seus locais
de trabalho, mas sim que você preste atenção. Existem buracos na
atuação do outro? Tome cuidado para não ficar tão cego pela adoração
que recebe a ponto de não perceber o quanto essa atenção é realmente
volúvel.
Um último aviso: pode ser tentador gostar do fato de que alguém
trata mal os outros ao mesmo tempo que nos trata tão bem. Às vezes,
quando as pessoas são grosseiras com os outros e gentis com a gente, isso
nos faz sentir validados porque, de alguma forma, nós domamos a fera.
Nos sentimos especiais; é maravilhoso ter a sensação de que somos o
ponto fraco de alguém. Isso nos dá um status único. Quem nunca
assistiu Game of Thrones torcendo para ser Daenerys Targaryen, Mãe dos
Dragões, a única a ter o afeto das feras que cuspiam fogo e não deixavam
ninguém mais chegar perto? Na vida real, porém, precisamos ter cuidado
ao subir nesse pedestal: ele é uma armadilha. O holofote que alguém
coloca sobre você não deveria nunca andar de mãos dadas com não tratar
os outros com o mínimo de dignidade e respeito. No mesmo sentido,
não deixe de pensar em como seria a sua experiência se essas pessoas
decidissem trocar a luz do holofote pela do fogo.

Bombardeio de amor
Uma mulher em um dos meus eventos descreveu o rapaz que tinha
conhecido como “muito intenso” logo no início, citando o poema que
ele havia escrito para ela sobre ela ser uma deusa. Quando eu disse a ela
que achava que ele se revelaria uma perda de tempo, grande parte da
plateia soltou uma sonora lamentação em resposta ao meu ceticismo.
Mas — alerta de spoiler —, à medida que a mulher seguiu falando,
aparentemente ele já tinha se mostrado uma perda de tempo e
desaparecido com a mesma rapidez com que aparecera.
Pessoas que fazem bombardeios de amor — como essa imagem de
homem — recebem esse nome por causa da artilharia pesada contra
você, desde o início, com um nível de adulação completamente
desproporcional a quanto realmente te conhecem. Elas mergulham de
cabeça no amor, querem que as acompanhemos nesse mergulho e se
ofendem quando não demonstramos a mesma empolgação com o
relacionamento.
Existe um aspecto fascinante sobre o bombardeio de amor: encontrar
alguém que se apaixona tão rápido assim pode ser semelhante a entrar
em um estúdio de cinema. E é com isso que eles contam — todas
aquelas fantasias românticas que nos tornam sedentos por uma história
de amor. É importante observar que existem diferentes tipos de pessoas
que usam essa tática, desde aquelas que têm ideais imaturos sobre o que
é o amor combinados com dificuldades para controlar seus impulsos até
atores do mal que sabem que, quando desejamos encontrar um amor,
acelerar o processo pode parecer exatamente aquilo que queríamos. É
esse instinto que o segundo tipo maligno explora.
Por isso, precisamos prestar atenção e não permitir que o nosso desejo
por viver nossa própria história de amor tecnicolor nos cegue para o
sentimento inconfundível de que tem alguma coisa errada com o ritmo
estranhamente acelerado que essa pessoa escolheu dar ao relacionamento.
Por que será que uma pessoa que mal nos conhece nos diz que somos o
amor da vida dela? Significar tanto assim para uma pessoa e tão rápido
desafia a lógica. É claro que seria ótimo encontrar alguém que enxergue
o quanto somos especiais. Mas será? Depois de um café?
Como podemos diferenciar pessoas que fazem bombardeios de amor
daquelas bem-intencionadas que só estão empolgadas conosco no início
do relacionamento e não conseguem conter essa empolgação? Um bom
ponto de partida é se perguntar se a intensidade é um fenômeno
recíproco ou se é unilateral; apenas da parte do outro. Pergunte a si
mesmo: Será que correspondi à energia dele? Será que disse “Também
senti demais a sua falta”? Ou “Sim, eu também quero largar tudo para
ficar com você”?
Lembre-se: quando uma pessoa está profundamente interessada em
você, começa a perceber o que está em jogo entre vocês dois, e a última
coisa que ela quer fazer é estragar isso fazendo parecer que está forçando
a barra ou demonstrando todos os seus sentimentos irracionais. Ambos
estão testando o território com cautela. Na verdade, pessoas que
percebem que estão se apaixonando uma pela outra podem acabar
agindo com formalidade e constrangimento quando estão juntas, quase
que de forma antiquada em suas trocas.
Se você notar que a velocidade e a intensidade vindas do outro lado
parecem ser gratuitas nesse estágio inicial, não é necessário formar uma
opinião concreta a respeito de se tratar de fato de um sinal de alerta. Em
vez disso, procure simplesmente que tirem o pé do acelerador. A reação
do outro pode ser reveladora. Será que ele, talvez um pouco
envergonhado, pedirá desculpas e se distanciará um pouco na esperança
de que isso os ajude a recuperar a sintonia? (Talvez não seja um sinal de
alerta, afinal.) Ou será que ele vai continuar como se você não tivesse
dito nada?
Paciência, controle e a capacidade de conter suas vontades podem ser
bons sinais de que alguém valoriza o relacionamento pelo qual anseia em
vez da satisfação imediata daquilo que seu coração (ou qualquer outra
parte da sua anatomia) anseia. Se alguém não demonstra interesse em
respeitar o seu desejo, cuidadosamente verbalizado, de seguir numa
velocidade mais orgânica ou demonstra não ter vergonha de bombardeá-
lo com declarações de amor que parecem desconectadas das suas reações,
fique atento.
Na melhor das hipóteses, isso geralmente quer dizer que a visão dessa
pessoa sobre o amor é imatura e desenfreada ou que a imagem que ela
tem de você é a projeção de uma perfeição que você não vai conseguir
atingir; as duas coisas significam que os picos de “amor” dessa pessoa
provavelmente serão seguidos de um enfraquecimento igualmente
brusco dos sentimentos dela quando os seus defeitos e a sua humanidade
aparecerem. Em outras palavras, fique atento para o tipo de bombardeio
de amor que faz uso de ondas de afeto extremo como forma de disfarçar
a busca pelos seus defeitos. Uma das assinantes do meu canal no
YouTube resumiu essa situação perfeitamente em seu comentário no
vídeo que publiquei intitulado: “Como saber se alguém está nos
bombardeando de amor”:

Risos... Lembro de um namoro rápido que tive com um homem


que confessou, depois que terminamos, que costuma começar todo
relacionamento acreditando que a pessoa é sua futura esposa.
Quando ele começa a descobrir aos poucos que não é, vai se
afastando até terminar com ela. Isso é ridículo! Estou trabalhando
isso em mim para garantir que consigo repelir esse tipo de pessoa.

Na pior das hipóteses, isso quer dizer que a pessoa faz bombardeio de
amor e é extremamente manipulativa, talvez até de um jeito mais
malicioso, e essa se torna uma estratégia consciente para extrair de você
um nível de interesse e uma profundidade de sentimentos que nunca
demonstraria naturalmente nesse estágio. Os especialistas dizem que
essas são as características básicas de um narcisista. Em primeiro lugar, é
um sinal de egoísmo criar sentimentos inexplicavelmente intensos para
depois abandonar alguém ao primeiro indicador de suas imperfeições
humanas — em outras palavras, assim que a conexão começa a sair da
fantasia do romance e caminhar para um compromisso de fato. Em
segundo lugar, é uma forma de objetificação. Uma pessoa narcisista (ou
com comportamento narcisista) só quer que você se apaixone por ela,
para se sentir validada como um ser digno de um amor supremo. Ela não
se preocupa com as possíveis consequências para você. “Você está
apaixonado por mim? Que ótimo! Agora posso finalmente cair fora”. É
por isso que eu alerto as pessoas para tomarem cuidado quando os
primeiros encontros são extraordinariamente bons. Esse tipo de pessoa se
mata para proporcionar ótimos primeiros encontros porque precisa
desesperadamente impressionar o outro. Você pode ser perdoado por ter
achado que era por sua causa, mas, desde o começo, era por causa dele.
Lembre-se de que uma pessoa emocionalmente saudável, que leva a sério
a busca por um relacionamento, não está procurando uma plateia, e sim
uma conexão. E uma conexão verdadeira nunca é unilateral.

Não pede desculpas


Você provavelmente já teve que lidar com alguém que não consegue se
desculpar. Uma pessoa que não consegue nem balbuciar um “Sinto
muito” representa uma combinação desconcertante: um misto de falta
de humildade e excesso de insegurança. Dizer essas duas palavras deveria
ser fácil, e escolher permanecer em silêncio quando um pedido de
desculpas é necessário é revoltante. Mas, pior que isso, é a barreira criada
para impedir o crescimento no futuro. Admitir os próprios erros, ou o
sofrimento causado por eles, é uma atitude fundamental de
reconhecimento, que também pode servir como uma ponte para a
mudança e o crescimento. Um parceiro que é incapaz de pedir desculpas
também será incapaz de crescer, ou só vai conseguir crescer escondido,
fora do ambiente de apoio que nasce quando o reconhecimento é franco
e recíproco. Em vez disso ele volta após criar a sua própria versão de
mudança, no seu próprio tempo, pronto para receber os créditos por essa
nova e melhorada versão, mas nunca se desculpando pela pessoa que foi
ou reconhecendo qualquer mágoa que possa ter causado. Negar qualquer
possibilidade de pedido de desculpas significa negar os benefícios que
resultam de uma discussão bem-sucedida: a comunicação das
necessidades, a exploração de sensibilidades e a certeza de saber que o
orgulho individual é menos importante do que fazer parte de um
relacionamento em evolução. Em vez disso, a falta de pedidos de
desculpas nos força a estar com alguém que insiste em seguir uma
jornada solitária, o que significa que a nossa jornada também vai ser
solitária e que nos veremos sozinhos com a nossa dor.
Além de não colher os benefícios e conexões que surgem de uma troca
de pedidos de desculpas e perdão, a incapacidade que alguém demonstra
de dizer “Sinto muito” ameaça a nossa sanidade mental. Por que será?
Porque outro traço que acompanha essa incapacidade é a tendência a
manipular os outros para pensarem que estão sempre errados ou que
sempre entendem o que acontece de forma errada. Às vezes essa
manipulação se torna uma espécie de intimidação ou coisa pior. Em uma
série de etapas previsíveis, a pessoa incapaz de pedir desculpas faz você
perder a autoestima. Por isso que não se desculpar é um sinal de alerta
tão importante. Quando fugimos de parceiros românticos que não
conseguem se desculpar, nos mantemos abertos à possibilidade de
encontrar uma conexão verdadeira.
Nunca cumpre as promessas, tanto as
pequenas quanto as grandes
Nenhum de nós faz tudo que disse que iria fazer. Isso não nos torna
pessoas mentirosas pelo fato de inicialmente termos dito que faríamos;
só nos torna normais, bem-intencionadas, que não conseguiram fazer
tudo o que estava em sua lista de afazeres. Por outro lado, existem
pessoas que constantemente quebram as promessas que fizeram;
frequentemente se comprometem a fazer algo e não cumprem. Quando
isso se torna um padrão, é bom começar a se preocupar.
O contrário também é verdadeiro. Se alguém se compromete a fazer
alguma coisa e costuma cumprir o combinado — se realmente envia o
link que prometeu ou o coloca em contato com alguém que conhece o
seu novo bairro —, vale a pena considerar isso um sinal verde. Embora
possam parecer atitudes simples, obter sinais claros, no início de um
relacionamento, da capacidade da pessoa para cumprir combinados é um
jeito importante de alguém demonstrar ser o tipo de pessoa que estará
presente quando você precisar.
As pessoas costumam dar todo tipo de desculpa por quebrarem
promessas:

• Queriam ter feito, mas estavam muito atarefadas.


• Não são boas em administrar o tempo.
• Assumem muitas tarefas e tentam agradar todo mundo.
• Têm TDAH.
• Achavam que não teria problema não cumprir o combinado, já que
não era uma coisa superimportante.
Já usei várias dessas desculpas. Provavelmente todos nós já usamos.
Assim, como diferenciamos alguém que está tentando fazer o melhor
que pode e merece uma chance de alguém em que não devemos confiar e
que vai nos deixar na mão em momentos importantes ao longo do
relacionamento?
Chega um momento na vida no qual tudo o que temos é a nossa
palavra e o quanto as pessoas que se importam conosco acreditam nela e
sentem que podem contar conosco. É por isso que devemos lutar para
construir, manter ou recuperar essa confiança. Quando você conhece
alguém que não só não se importa com o fato de a palavra dele não ter
nenhum valor como também condena todos que desconfiam dela,
quando todas as evidências indicam que essa desconfiança é válida, fuja.
É importante observar nesse caso que apresentar dois tipos específicos
de sinal de alerta — a incapacidade de cumprir a palavra e de pedir
desculpas — é a combinação mais perigosa de todas. Isso é o que eu
chamo de “combinação sombria”, duas características que, quando
encontradas na mesma pessoa, a tornam especialmente, e até mesmo
exponencialmente, destrutiva. Não quero dizer com isso que você
deveria sair em busca de virtudes intangíveis. Mas faça a si mesmo estas
quatro perguntas quando alguém por quem se sente atraído insistir em
descumprir suas promessas:

• Isso já aconteceu outras vezes com outras promessas?


• A pessoa chegou a reconhecer o erro? (Ou seja, foi um erro que ela
assumiu por conta própria?)
• A pessoa se desculpou?
• A pessoa procurou restaurar o valor da sua palavra se assegurando de
cumpri-la na vez seguinte em que prometeu algo?
Ou será que ela:

• Continuou agindo como se nada tivesse acontecido, na esperança de


que você não notasse?
• Tentou te convencer de que você estava fazendo tempestade em copo
d’água?
• Mentiu sobre ter se comprometido anteriormente, fazendo você se
sentir como se tivesse enlouquecido?
• Disse que não precisava se desculpar por estar ocupada/estressada/não
ter tido tempo para fazer/não ter sido capaz de honrar o que se
comprometeu a fazer?
• Fugiu do assunto, tentando jogar a culpa em você por coisas que você
fez de errado e que ela nunca mencionou “porque não fica jogando na
sua cara”?
• Continuou a quebrar promessas — agora sabendo que você ficará com
medo de falar sobre isso por causa da experiência ruim da última vez?

Claramente, esse é um rascunho do caminho para o abuso emocional.


Mas não tire conclusões precipitadas — releve se alguém lhe trouxer um
refrigerante quando disse que lhe traria uma cerveja, ou sem querer se
esquecer de fazer uma coisa que disse que iria fazer. No entanto, quando
a pessoa criar o hábito de descumprir o que prometeu, diminua o seu
prejuízo e comece a procurar pelo tipo de parceiro no qual possa confiar.

Inconstância na comunicação
É fácil nos empolgarmos quando alguém começa uma cruzada, nos
enviando mensagens sem parar. Entretanto, com isso, corremos o risco
de medir o potencial desse alguém pelos picos da sua intensidade e não
pela constância da sua comunicação. Por outro lado, quem nunca lidou
com alguém que responde enviando cinquenta mensagens no intervalo
de uma hora para, na semana seguinte, fazer um voto de silêncio?
Pode não ser tão empolgante quando alguém nos envia uma
mensagem no final de um dia de trabalho ou liga a cada dois dias, mas
esse tipo de constância tem seu valor. Se essa frequência de comunicação
é suficiente ou não para você se torna uma questão de compatibilidade e
não um sinal de alerta.
O que se torna um sinal de alerta, no entanto, é a comunicação
inconstante. Na melhor das hipóteses, significa que a pessoa não quer
nada sério com você. Ela não está buscando ter um relacionamento e sim
experiências. Se ela acordar em um sábado e de repente quiser afeto,
proximidade ou companhia para aquele dia, lá estará você. Mas depois
ela volta a desaparecer, retornando para tudo na vida dela que
aparentemente não inclui você. Ela não se importa que essa falta de
constância e previsibilidade matem a dinâmica do relacionamento — na
verdade, isso acaba fazendo um favor a ela. Os momentos em que ela
entra em contato mantêm o seu interesse, enquanto os momentos de
silêncio na comunicação inviabilizam o progresso do relacionamento,
que fica congelado onde está.
Na pior das hipóteses, isso significa que essa pessoa está vivendo uma
vida dupla sem que você tenha conhecimento. Quando a comunicação
com você é interrompida, é porque ela foi retomada com a outra pessoa
na vida dela. Se você começar a se afastar de alguém assim, não se
surpreenda se de repente o outro começar a tentar se esforçar mais.
Geralmente é um esforço para manter você disponível para a próxima
vez que ele precisar de um pouco da sua atenção.

O custo de ignorar os sinais de alerta


Em um dos meus cursos intensivos pela internet, pedi aos membros do
Love Life Club que relembrassem seus relacionamentos anteriores e
dissessem quanto havia lhes custado ignorar os sinais de alerta. O chat
do curso começou a ser inundado de mensagens, mesmo antes de eu
terminar de fazer a pergunta. As respostas se enquadravam em três
categorias principais:

Ser abandonado de repente:


“Levar um pé na bunda do nada e ter uma grande crise de
ansiedade.”
“Levar um perdido no final.”
“Um casamento: a pessoa me largou depois de quatro meses de
casados.”

Geralmente há sinais iniciais de que alguém não é quem diz ser, que
não se sente da mesma forma e não está comprometido do mesmo jeito
que você. Pode ser que você sinta que as coisas acabaram de repente e
que o desaparecimento parece inexplicável, dados os sentimentos que o
outro alegou ter ou as demonstrações de afeto que deu, porém uma
análise honesta revelará que havia sinais de alerta indicando essa partida
repentina desde o início.
Acabar em um relacionamento abusivo:
“Meu corpo. Sofri abuso sexual e precisei de anos de terapia para
não me culpar pelo comportamento abusivo dele.”
“Tudo que trabalhei duro para conseguir, o futuro que queria,
minhas economias, meu emprego, minha sanidade, tudo.”

Ignoramos os sinais de alerta iniciais quando não nos sentíamos


seguros, nossas necessidades não eram satisfeitas e quando praticamente
não havia constância na atenção que recebíamos. Talvez tenhamos nos
convencido de que, se investíssemos mais, esses sentimentos
desapareceriam. Mas eles nunca desapareceram. Na verdade, tivemos que
lutar contra uma situação oposta na qual, quanto mais investíamos no
relacionamento, pior ele parecia ficar.

Desperdiçar nossas vidas em um relacionamento no qual as


intenções de longo prazo da pessoa não estavam alinhadas
com as nossas:
“Ele não queria um relacionamento e eu aceitei uma amizade
colorida, até que ele se apaixonou por outra pessoa e me deixou.”
“Doze anos e a possibilidade de ter os filhos e a família que eu
sempre quis.”

Pode ser que você queira um compromisso e o outro, não; que você
queira um relacionamento monogâmico e o outro não acredite nisso.
Que você queira uma família e o outro não esteja interessado em ter
filhos. Quando ignoramos o desalinhamento de intenções desde o início,
continuamos investindo tempo e energia sem perceber que não
estávamos no mesmo caminho que o nosso companheiro de viagem. E
muitas vezes levamos anos para perceber ou finalmente aceitar que
estávamos seguindo direções completamente contrárias desde o início.

DEPOIS DO FRACASSO, PODEMOS OLHAR para trás e tentar identificar os


sinais iniciais de alerta que deveriam ter sido pistas de que todo o
relacionamento estava fadado ao fracasso desde o começo. É fácil nos
punirmos por ignorar o que em retrospecto parecia ser um sinal de alerta
óbvio. É como assistir a um filme de terror no qual a pessoa sabe que há
um assassino à solta, escuta um barulho no andar de baixo e, em vez de
pegar a chave e sair da casa alugada, resolve abrir cuidadosamente a porta
do porão armada apenas com uma lanterna com defeito. No entanto, a
pessoa que grita “Por que diabos você está fazendo isso? Fuja!” somos
nós. Nós somos as vítimas desatentas.
A verdade é que isso pode acontecer com qualquer um de nós. É
tentador nos sentirmos humilhados pela nossa incapacidade ou
indisposição para levar a sério um sinal de alerta. Mas também podemos
considerar isso um lembrete para nunca mais permitir que sejamos
sequestrados novamente; que mergulhemos tão fundo a ponto de não
enxergar os sinais de alerta; que sejamos arrebatados pelo nosso próprio
desejo de sermos arrebatados. Ao invés disso, precisamos reduzir a
velocidade antes das lombadas, e ter conversas diretas sobre as nossas
necessidades e restrições muito antes de cedermos ao impulso de
simplesmente nos deixar levar por algo de que teremos dificuldades para
nos desvincular emocional ou logisticamente.
Um dos aspectos mais difíceis de interpretar sinais de alerta é saber se
algo que alguém disse ou fez realmente preenche os requisitos para ser
considerado um sinal de alerta. Se preencher, o que você faz? Termina o
relacionamento e foge? Fica e vê se acontece de novo? Ou deveria dizer
alguma coisa antes que seja tarde demais?
O escritor Robert Greene dá o seguinte conselho: “Uma das coisas
que devemos procurar são padrões, quando julgamos o caráter, porque as
pessoas se revelam em seus passados. Elas revelam quem são por meio de
suas ações. Elas tentam disfarçar, mas acabam revelando... ninguém
nunca faz uma coisa apenas uma vez”.
Se Greene está certo sobre as pessoas, talvez seja válido procurar saber
sobre os relacionamentos anteriores de nossos pretendentes, como
chegaram ao fim (se você tiver a sorte de ouvir a verdade), como eles
trataram os outros com quem se relacionaram antes de você e como
estão tratando as pessoas e você agora. “Ninguém nunca faz uma coisa
apenas uma vez” é uma regra de ouro para seguirmos. Eu com certeza a
incluiria em qualquer tipo de manual sobre “como sobreviver” que
quisesse dar a alguém que eu amasse — é por isso que a estou colocando
aqui, neste livro, agora.
Se realmente seguirmos esse conselho, então vale a pena perguntar:
“Isso que acabou de acontecer foi muito ruim? E se acontecer de novo e
de novo pelo resto da minha vida, que tipo de vida eu teria?”. Se a
resposta estiver em algum lugar do espectro entre “completamente
insustentável” e “incompatível com a minha ideia de felicidade e de uma
vida tranquila”, o melhor a fazer seria sair desse relacionamento.
Mas novamente, para voltar o foco para nós mesmos: certamente já
fizemos coisas que decidimos nunca mais fazer de novo. Talvez tenhamos
magoado alguém por falta de cuidado, e saber sobre o dano que
causamos tenha nos mudado para sempre. A capacidade de mudar é uma
marca de caráter. E, se consideramos um grande erro nosso uma
anomalia e não um fator que vai predizer nossos comportamentos
futuros, será que não deveríamos dar a mesma oportunidade para os
outros?
Foi por isso que cataloguei esses sinais de alerta; para ajudar você a
reconhecer comportamentos que acredito que lhe causarão sofrimento
no futuro, não importa o quanto você tente interpretá-los à luz da
generosidade. Ainda assim, mesmo nesses casos, sabemos que a vida nem
sempre é simples. Existem níveis de gravidade.
Será que essa pessoa está mesmo me bombardeando de amor ou
simplesmente se empolgou demais? Será que a dificuldade que ela tem
de se desculpar é um sinal de alerta ou será que é seu ego falando mais
alto nessa situação em específico? Será que a dificuldade que ela tem de
assumir um compromisso é mesmo uma incapacidade genuína, ou será
que ela está prestes a superar o trauma que fez com que se fechasse esse
tempo todo? Será que a inconstância na comunicação é porque ela tem
outra vida ou porque estamos no início do relacionamento e eu ainda
não me tornei tão importante assim para ela, o que seria compreensível?
Até mesmo a traição, por mais que a maioria das pessoas a condene, faz
muitos que foram traídos me perguntarem se deveriam interpretá-la
como um sinal de quem a pessoa realmente é ou se deveriam aceitar uma
demonstração genuína de arrependimento como um sinal de que isso
nunca vai se repetir.
É complicado.
A verdade é que, apesar de apresentar alguns sinais de alerta
importantes neste capítulo, no geral a ideia de sinais de alerta me deixa
desconfortável. Eles são inerentemente simplistas. A vida nunca é tão
simples, e as escolhas nem sempre são tão óbvias. Eu não estava pronto
para um compromisso sério quando conheci minha esposa. E então
mudei. As pessoas mudam às vezes. Confiar em uma mudança assim ou
apostar nosso futuro nela seria uma péssima ideia — seria apenas uma
forma de transferir o problema para que ele se torne fonte de sofrimento
e uma responsabilidade para as nossas versões futuras, que terão que lidar
com ele. Entretanto, ter mais clareza no presente pode ajudar você a
obter a sensação de encerramento necessária para ter certeza de que algo
é realmente um sinal para parar ou um convite para um maior
entrosamento e até mesmo uma maior intimidade.
Se você achar que o traço comportamental em questão merece uma
conversa para ver se as coisas podem melhorar, eu chamo isso de “Sinal
Amarelo”. Digamos que você tenha uma experiência que não foi legal,
mas que gostaria de explorar um pouco mais antes de decidir jogar a
toalha. Esse traço ou tendência se torna temporariamente um sinal
amarelo. Esse sinal pode tanto se tornar verde (Siga em frente!) se a
situação melhorar; ou ficar vermelho (Fuja!) se nada melhorar.
Como isso acontece? Como descobrir para qual cor o sinal amarelo
vai mudar? Tudo começa com uma conversa. Esse é o princípio central
do meu trabalho: ter conversas difíceis melhoram as nossas vidas. O sr.
Rogers (Fred Rogers, que passou décadas na TV dos Estados Unidos
ensinando a lidar com crianças) costumava dizer: “Se pode ser
conversado, pode ser resolvido”. Bom, em relacionamentos românticos,
tudo deve ser conversado, do contrário nunca saberemos se poderá ser
melhorado.
Quando as pessoas me procuram com um problema, muitas de suas
perguntas seguem este padrão: “Matthew, ele fez isso e eu não gostei.
Você acha que o relacionamento pode melhorar?”. No entanto, quando
eu respondo com uma pergunta óbvia, “Você falou com ele sobre isso?”,
a resposta é quase sempre “não”. Eu deveria ser a segunda pessoa com
quem elas discutem o problema. E grande parte do problema é que
costumo ser a primeira pessoa com quem elas falam sobre isso.
Já vi inúmeras pessoas que enxergam os sinais de que o outro não está
querendo algo sério e simplesmente os ignoram, na esperança de que
bastaria uma aproximação maior com o outro para que ele mudasse de
ideia. Um ano depois, descobrem que aquela pessoa continua
exatamente no mesmo lugar de quando começaram: ainda não querendo
um relacionamento.
Geralmente deixamos de conversar com a pessoa diretamente
envolvida porque ficamos com medo de assustá-la. Mas, se permitirmos
que o nosso medo e desconforto nos guie, estaremos simplesmente
ignorando os sinais de alerta que um dia nos atormentarão. Colocar o
medo de assustar alguém acima da nossa necessidade de saber se a pessoa
é capaz de nos valorizar é a receita para a infelicidade. Precisamos
reverter essa equação: o meu maior medo deveria ser desperdiçar minha
vida com alguém que não me fará feliz, e não assustar esse alguém com uma
pergunta. Até mesmo a pessoa que acreditamos ser certa para nós se
tornará errada se não estiver comprometida com a nossa felicidade. É a
nossa felicidade, e não aquela pessoa que sempre será o prêmio. Para
encontrar a felicidade com alguém, precisamos ter coragem e disposição
para comunicar aquilo que nos gera dúvida. Demonstrar essa coragem se
torna mais fácil quando percebemos que os relacionamentos que valem a
pena são, na verdade, forjados na fogueira de conversas difíceis.
7

TENHA CONVERSAS DIFÍCEIS

Cerca de oito anos atrás, uma marca de camisinha me contratou para ser
um dos porta-vozes de uma campanha de utilidade pública sobre sexo
seguro. Na condição de “especialista em relacionamentos de renome
mundial”, de acordo com o comunicado divulgado à imprensa, a marca
me pediu para falar sobre as muitas formas como as pessoas se engajam
em comportamentos de risco. Primeiro, me levaram até Nova York para
conversar com inúmeros veículos de mídia e revistas, cada um com o seu
próprio público-alvo e riscos específicos de sua demografia. Em uma das
revistas, por exemplo, os editores me disseram que ainda existia uma
cultura de machismo na qual muitos homens não queriam usar
camisinha e muitas mulheres não só ficavam com receio de ter essa
conversa com eles como também de insistir para que usassem.
Em muitos aspectos, o sexo seguro é o ponto de partida das conversas
difíceis, para casais hétero e homoafetivos; enfim, para todo mundo.
Quantas vidas mudaram para sempre porque durante um momento
crucial alguém se sentiu muito sem jeito ou envergonhado — ou pior,
intimidado — de ter uma conversa desconfortável? A nossa cultura
também não ajuda. Eu me lembro de ser conduzido a uma sala de som
para cumprir meu papel de porta-voz e ser conectado com uma estação
de rádio atrás da outra. Dei tantas entrevistas seguidas na hora do rush
que não conseguia mais saber quem estava do outro lado da linha ou
para qual parte do país eu estava falando, mas teve um apresentador em
específico, de um programa de rádio que deveria ser transmitido em uma
região conservadora, porque ele me deu boas-vindas à rádio “fulano de
tal FM” dizendo:
— Agora vamos receber um cavalheiro aqui, Matthew Hussey, que vai
conversar conosco sobre, e vou dizer essa palavra apenas uma vez,
“camisinha”. Então, Matthew, o que você acha que está acontecendo?
Por que temos tantas pessoas que não fazem sexo seguro?
Eu não pensei duas vezes antes de responder:
— Bom, parte do problema deve ser pessoas como você, que
aparentemente acreditam que é ofensivo dizer a palavra camisinha mais
de uma vez em uma entrevista de rádio. — Sinceramente, se eu tivesse
pensado duas vezes teria sido ainda pior. Pelo menos acabou rápido.
Outra conversa difícil que aparecerá: filhos, embora “filhos” seja como
chamamos uma conversa quando ela é tranquila, quando acontece mais
ou menos assim: “É claro que eu quero, quem não quer ter filhos?”. Na
sua versão mais difícil, o assunto é o relógio biológico (algo que vamos
discutir em detalhes no Capítulo 11). Já testemunhei inúmeras situações
nas quais as pessoas evitam ter conversas difíceis, que (para ser justo) têm
o potencial de colocar um ponto-final no relacionamento, com seus
parceiros a respeito de visões desalinhadas sobre ter filhos, levando a uma
desilusão muito maior no futuro e a um sentimento de arrependimento
profundo. A experiência de perto que tenho com esse tipo de
arrependimento me convenceu de uma coisa: toda conversa difícil que
temos hoje, que nos salva da angústia do arrependimento no futuro,
deve estar no topo da nossa lista de prioridades.
A nossa disposição para ter conversas difíceis é o reflexo exterior de
uma necessidade interior que recentemente se tornou evidente —
baseada em um conhecimento amplo sobre o tipo de vida que queremos
viver. Conhecer nossas necessidades e ter conversas difíceis andam de
mãos dadas. Assim que você decidir o que quer, vai conseguir comunicar
isso — “Por mais atraente que você seja, não posso continuar sem
camisinha”; ou “Você é engraçado, nós temos ótimos momentos juntos,
mas não posso continuar se você não estiver interessado em ter um
compromisso sério”; ou “Adoro estar com você, e fico triste que
discordemos sobre isso, mas o meu plano é ter um filho, com ou sem
você, antes que de completar quarenta anos” — e você vai conseguir
encontrar a clareza e a força de que precisa para se afastar de situações
que não contribuem para isso.
As regras da negociação não mudam porque você está em um
relacionamento no qual emoções e sexo se misturam; você deve sempre
estar disposto a ir embora. Se estivesse procurando um emprego, você
não consideraria deixar o seu emprego atual se não fosse para conseguir
um cargo mais importante, ou um aumento de salário, ou um emprego
que estivesse mais relacionado com aquilo que gostaria de fazer. Se você
está vendendo uma casa, sabe o preço que precisa cobrar para que a
mudança valha a pena. Em ambos os casos, se as condições básicas
estabelecidas por você não forem atendidas, você educadamente colocará
um ponto-final nas negociações.
Conversas difíceis surgem tanto de ter uma necessidade interna como
dos meios externos para supri-la. Uma das assinantes do meu canal no
YouTube enviou para o rapaz com quem estava saindo uma versão de
uma mensagem que criei para momentos nos quais o relacionamento
não está caminhando para lugar nenhum. Ele respondeu: Nem parece que
é você falando. Respostas assim são completamente normais e esperadas.
Na terapia familiar, chamamos de “impulso homeostático” — o desejo
que existe em qualquer sistema de manter as coisas como estão. Quando
ouço uma resposta assim, a minha reação é: “Que ótimo! Agora você está
caminhando para obter um resultado diferente daquele que vinha
recebendo”. Claramente esse rapaz sentiu que as coisas estão indo para
uma nova direção, e estava testando para ver o quanto ela realmente
acreditava no que disse. Ele queria saber se era uma decisão impensada
que desapareceria ao primeiro sinal de problema — em outras palavras,
uma simples tática — ou se ela estava definindo novos parâmetros e
informando a ele que agora ambos teriam que seguir novas regras.
A resposta correta para a mensagem dele era: A verdade é que esta sou
eu. Mas, como eu gosto de você, estava deixando as coisas acontecerem até
que eu pudesse ver para onde elas estavam caminhando. Agora estou vendo
que não estão indo na direção que eu gostaria, então preciso ser honesta
comigo mesma e com você sobre as minhas necessidades. Em vez de
fazer isso, ela se desesperou e disse: Tem razão. Não sou eu falando. É um
especialista em relacionamentos que acompanho no YouTube. Mandei para
você uma das mensagens dele porque fico triste que nada esteja acontecendo
entre nós. Em um piscar de olhos, ela desistiu dos limites que tinha
acabado de estabelecer. A verdade é que o rapaz estava certo: não parecia
ela falando, mas era esse o objetivo: criar um novo parâmetro para
sinalizar que agora ela estava levando a si mesma e a suas necessidades a
sério. Infelizmente, essa atitude não foi reforçada por uma profunda
autoconfiança e acabou dando errado no primeiro sinal de resistência da
parte dele. Voltar atrás dessa forma destruiu todo o progresso que ela
havia feito para mudar a dinâmica entre eles; e o rapaz aprendeu que
qualquer parâmetro que ela tentar estabelecer pode ser ignorado porque
ela vai deixar de se impor ao primeiro sinal de conflito.
É por isso que ter conversas difíceis (que são sustentadas por um
parâmetro ou necessidade) é tão importante: não podemos mudar o que
não confrontamos. (O corolário negativo dessa regra é que tudo o que
ignoramos, todos os comportamentos para os quais fechamos os olhos
sinalizam uma aprovação tácita.) Ainda assim, é natural tentar evitar esse
tipo de situação. Em primeiro lugar, temos medo de nos expressar mal e
ficamos muito incomodados porque nos preocupamos com a
possibilidade de não conseguirmos falar com clareza, de não nos
expressarmos bem ou de ficarmos sem graça. Em segundo lugar, temos
medo de afugentar a pessoa, bem como da solidão e do arrependimento
que se seguirão se isso acontecer. Em terceiro lugar, temos medo de
encarar a realidade da situação na qual estamos, de que, qualquer que
seja o problema (questionar a inconstância da comunicação no início do
relacionamento ou abordar o assunto casamento ou filhos mais adiante),
levará ao fim do relacionamento e nos devolverá à força para a selva do
namoro.
Precisamos reconhecer que tudo isso é muito difícil. Se você está há
meses, ou mesmo anos, sem namorar ou sair com alguém de forma séria,
pode ser assustador começar uma conversa sobre parâmetros (ou sobre
qualquer coisa, na verdade) cujo risco seja perder a primeira coisa boa
que apareceu em muito tempo. É como apresentar todos os seus termos
e condições enquanto ainda está tentando concluir a venda. Nessas
circunstâncias você fica mais propenso a abrir mão de alguns dos termos
só para conseguir fechar o negócio. Se você não tiver recebido nenhum
tipo de atenção individual há um tempo, é quase inconcebível tratar essa
situação como uma que pudesse ser substituída — é a essência daquilo
que chamamos de mentalidade da escassez.
Quando se concentra apenas no fato de que podemos afugentar
alguém (deixando de lado por um momento que quem se assusta com
uma conversa difícil provavelmente não é alguém que você queira ter por
perto), você esquece todos os resultados positivos que podem derivar de
confiar a alguém suas preocupações reais. Ser vulnerável o suficiente para
deixar que alguém saiba que você tem alguma coisa em jogo é sinal de
coragem, é encantador e também cria intimidade. Você está contando
sobre si mesmo para alguém.
Você também está dizendo a esse alguém como ele deveria ver você. A
vida não é simples, e as pessoas realmente precisam de pistas. Informar a
alguém que não é um encontro casual para você, ou, mais tarde, que
você está pronto para construir algo real e duradouro faz com que ele
saiba em qual categoria te colocar. Você está insistindo em um parâmetro
que o diferencia dos relacionamento menos sérios. Existe uma
porcentagem significativa de mulheres que agem com passividade
movidas pelo medo, ou que aprenderam que a passividade é um
comportamento feminino adequado. Com frequência, elas perdem não
porque seus pretendentes não gostam delas o bastante, mas porque
continuaram seguindo como se estivessem felizes em permanecer na
“categoria casual”. É esse o verdadeiro perigo por trás de esperar que o
amor e o relacionamento aconteçam com a gente. Por mais que o amor
seja uma via de mão dupla, ainda assim você vai precisar direcionar o
trânsito algumas vezes!
A verdade é que os parâmetros que tornam difícil o assunto das suas
conversas são quase sempre irrelevantes; a conversa em si já atribui
gravidade e intenção ao relacionamento. Um amigo que tinha saído
algumas vezes com uma mulher de quem gostava viajou para uma
conferência em Houston, no Texas, e decidiu esticar a viagem, passando
o final de semana em Austin. Quando voltou, ligou para ela, que disse:
“Fiquei preocupada quando você estava viajando e eu não tive notícias
suas. Acabei me perguntando se talvez você não estaria dormindo com
outra pessoa”. Só para constar, tenho quase certeza de que ele estava, mas
essa não é a questão. O fato de ela ter verbalizado isso o fez
imediatamente enxergá-la de forma diferente. Ele não só percebeu que
ela não era alguém com quem teria um relacionamento apenas casual,
mas também achou aquilo excitante. Os dois acabaram tendo um
relacionamento sério por causa dessa combinação — a percepção de que
ela estava levando o relacionamento deles a sério e o fato de ele ter
achado sexy que ela tivesse deixado isso claro —, o que o tirou de uma
fase na qual ele estava apenas seguindo o fluxo entre uma ficada e outra.
Talvez o resultado tivesse sido o mesmo independentemente da conversa
que tiveram, mas a impressão que ficou foi a de que ela alterou as
condições.

A conversa mais difícil é conosco


Não é segredo para ninguém que sou fã de conversas difíceis. Como
vimos no Capítulo 6 com a Canário, algumas pessoas se inscrevem em
meus cursos por estarem em situações complicadas e tendo dificuldade
para serem honestas consigo mesmas sobre isso. Elas sabem que, se me
contarem sobre suas dificuldades, vou desempenhar com prazer o papel
do amigo que nunca evitará ter uma conversa difícil com elas. Não é
uma observação científica, mas acredito que quase metade das conversas
difíceis que as pessoas precisam ter é consigo mesmas. Quando é esse o
caso, o melhor que posso fazer é mostrar um modelo do tipo de conversa
que elas estão tendo dificuldade de visualizar sozinhas, mas que deveriam
ter consigo mesmas.
Uma vez uma mulher australiana vestida em estilo conservador
compareceu a um dos meus eventos da turnê em Sydney e se levantou
para fazer uma pergunta. Ela segurava o microfone em uma mão e o
celular na outra, como se tivesse costume de ficar diante de uma plateia
como aquela. Mas a sua fragilidade começou a aparecer assim que ela
começou a relatar as contradições de sua situação: ela havia ficado
solteira por oito anos até conhecer o homem com quem estava há quase
um ano e realmente o amava, “mas nós não temos um rótulo”.
— Nos esforçamos para nos ver a cada quinze dias, mas quando não
estamos juntos — ela disse, e nesse momento soluçou — parece que ele
esquece de mim.
Ela tinha certeza da intensidade dos próprios sentimentos: estava
pronta para se casar se ele pedisse; ela chegou a dizer que “levaria um tiro
por ele”, porém os dois sempre discutiam quando estavam separados.
— É bom quando vocês estão juntos — eu disse, e a maneira como
ela respondeu com um “Sim” pouco entusiasmado confirmou a minha
impressão de que não estava se expondo ali porque queria uma
confirmação. Em seguida, ela admitiu que eles só se encontravam por
dois dias a cada duas semanas, porque ele trabalhava à noite e morava a
algumas horas de distância. Pedi a ela que fizesse as contas do que isso
representaria ao longo da sua vida. Com quase quarenta anos, dada a
expectativa de vida atual, ela poderia ser otimista e considerar que
permaneceria neste planeta por mais uns cinquenta ou sessenta anos,
com a expectativa de felicidade disponível por apenas dois dias a cada
duas semanas. — Mas vocês provavelmente estão discutindo muito
quando estão juntos também — eu inferi —, então você nem está tão
feliz assim durante esse tempo.
— Preciso admitir que sou eu quem começa as brigas.
— É claro que começa, porque você não está feliz! — Acho que ela
percebeu que eu estava indignado por ela. Essa ideia de que ela era o
problema porque tinha necessidades é profundamente corrosiva. —
Quantas outras vidas você acha que terá? Eu acho que só vamos ter uma.
E eu com certeza não vou arriscar achar que existem outras.
Enquanto ela recuperava a compostura, apresentei a ela os perigos de
adotar uma postura de “férias futuras” na vida, para me referir ao tipo de
pessoa que passa 51 semanas do ano esperando pela única semana em
que estará de férias para então se sentir feliz, e que ela corria o risco de
passar o tempo de vida que tinha fazendo a mesma coisa.
— Não há tempo suficiente para que você não esteja feliz hoje —
prossegui. — Você não tem o tempo que finge ter quando desperdiça
doze dias toda vez que se despede dele e espera ansiosamente pela
próxima vez que o verá.
Assim como alguém que passa pelos estágios do luto, ela entrou em
negação (“Mas nós queremos estar juntos!”) e depois passou para a
barganha (“Mas eu o magoei muito nas nossas brigas... A culpa é toda
minha.”).
— Tudo bem — eu disse. — Vamos fingir que a culpa é sua mesmo.
Que você esteja representando muito bem o papel da pessoa doce e
vulnerável aqui conosco, quando na verdade você é um pesadelo terrível!
— A risada da plateia sugeriu que todos achavam essa ideia absurda.
Ela também riu, e seguiu com a brincadeira:
— Quando estou brava, com certeza!
Perguntei a ela qual era o principal motivo das discussões deles, e
novamente a sua voz falhou quando respondeu:
— Porque ele ignora as minhas mensagens ou não responde. Ele
nunca inicia uma conversa. Não pergunta sobre mim.
— Mesmo que vocês não discutam da forma mais produtiva, o
motivo é que você não está recebendo aquilo que precisa desse
relacionamento. Por isso, mesmo que vocês comecem a discutir de um
jeito mais produtivo, se essa parte do relacionamento não mudar, você
vai continuar se sentindo infeliz. E pode passar a sua vida toda se
sentindo infeliz assim. Você quer continuar infeliz desse jeito daqui a
cinco anos?
Ela sinalizou que não com a cabeça.
Depois admitiu que não gostaria de se sentir assim pelos próximos
cinco ou dez anos, e eu fui muito sincero sobre a realidade da sua
situação:
— Isso de que você está se convencendo, essa felicidade à qual está se
apegando, não é felicidade verdadeira.
— Mas então por que ele ainda está comigo?
— Porque você ainda está com ele! Existem pessoas que serão fracas se
você permitir que elas sejam fracas; que vão tirar vantagem de você se
você também permitir.
Esse era um comportamento de esquiva clássico; da parte dele com
certeza, e um pouco da parte dela também. Não tenho orgulho de
admitir que já me comportei assim no passado também, o que é um dos
motivos pelos quais falei com tanta veemência na tentativa de ajudá-la a
perceber que ele continuaria a tratá-la de qualquer jeito se ela
continuasse permitindo. Mesmo aqueles que acabam se arrependendo
pelas formas como magoaram os outros ou desperdiçaram o tempo deles
não têm o poder de voltar o tempo para aquela pessoa e desfazer aquela
mágoa. Por isso é tão importante que estejamos sempre nos protegendo,
sem presumir que alguém fará isso por nós.
— Neste momento você não vai conseguir perceber isso porque está
cega pelo seu amor por ele. Mas o fato de ele não dar a você o que você
quer e ainda assim continuar com você é egoísmo da parte dele. Ele está
sendo egoísta e você não está se protegendo.
Não foi fácil para ela ouvir isso tudo, e exigiu bastante coragem da sua
parte para se colocar naquela posição em que deveria saber que iria ouvir
tudo isso. Mas o objetivo não era proteger os sentimentos dela. Diante
de tudo o que estava em jogo, o tempo que ela ainda tinha para viver,
nenhuma dor de curto prazo se comparava à importância de plantar uma
semente: cada semana que ela desperdiçasse com um homem que estava
dizendo que não a amava da mesma forma que ela o amava era uma
semana que ela não estaria passando com a pessoa que era certa para ela,
ou na paz da sua própria companhia. Existe alguém por aí que é certo
para ela, que a merece e a quem ela merece, mesmo que ela não o
conheça ainda.
O auditório começou a aplaudir, demonstrando que concordava e a
apoiava.
— Vou dizer quais são as suas opções agora. Você decide o quer fazer.
Siga em frente. Viva sua vida. Conheça alguém que supra as suas
necessidades. Seja feliz... Você tem filhos?
— Dois meninos, um de dezesseis e outro de dezoito anos.
— Então você pode dar dois tipos de exemplo diferentes para eles: o
de uma mulher forte ou de alguém que permite que os outros te tratem
como querem.
Eu queria orientá-la para dar atenção para as maneiras como estava
sendo maltratada e que ignorava:
— É uma espécie de crueldade quando somos descuidados com o
coração de alguém. Você não faz isso com uma pessoa a quem ama e
com quem se preocupa. Você não a mantém em uma coleira só para que
ela esteja por perto quando você precisa dela... Encontrando-se com ela a
cada duas semanas porque é o mais conveniente para você.
Ela, então, fez algo bastante comum, desviando a conversa da
principal verdade, que era o fato de ele não querer o que ela queria para
um impedimento menos doloroso para os dois ficarem juntos:
— O que a gente faz numa situação como essa? — ela perguntou. —
Se ele mora tão longe?
— Você sabe que, quando duas pessoas querem estar em um
relacionamento, elas fazem dar certo.
A situação daquela mulher claramente fez as pessoas presentes no
evento se identificarem com ela, e elas novamente aplaudiram. Ela
também se identificou. Principalmente quando percebeu o quanto a sua
decisão final impactaria seus filhos. Eles poderiam vê-la conhecer alguém
que estava pronto para suprir as suas necessidades, o que significaria que
eles a veriam feliz e em paz. Ou poderiam assisti-la continuar nesse
relacionamento desgastante, que frequentemente a deixava em estado de
extrema ansiedade. Quando a decisão ficava entre essas duas opções tão
diferentes, praticamente não parecia uma decisão tão difícil assim. E eu
ainda tinha um último conselho.
— Além disso, se você decidir terminar e ele milagrosamente mudar
de ideia e perceber o que estava perdendo, então você vai ter que tomar
uma decisão importante. Mas neste momento não há nenhuma decisão a
ser tomada, porque ele não está nem oferecendo uma opção que você
queira.
Eu pedi que a plateia a aplaudisse, e enquanto eles faziam isso me
aproximei para abraçá-la e confortá-la, reafirmando só para ela o que
tinha dito publicamente; que a pessoa certa para ela existia. Na verdade,
a conversa mais difícil não era aquela que ela precisava ter com ele, e sim
aquela que precisava ter consigo mesma, na qual ela aceitaria o fato de
que ele não era essa pessoa.

Não adie conversas difíceis


Parte do que tornava tão difícil a conversa que essa mulher precisava ter
depois de um ano de relacionamento era o quanto ela demorou para
acontecer. Conversas difíceis tendem a ficar ainda mais difíceis à medida
que o tempo passa. Quanto mais o tempo passa sem que as nossas
necessidades sejam supridas, mais elas se transformam em ressentimentos
profundos e raiva. A nossa identidade fica presa ao papel que
desempenhamos até aquele momento, e parece ainda mais difícil, de
repente, tentar convencer o outro da nova versão de nós mesmos que
queremos que ele respeite — em outras palavras, nos acostumamos a
sermos vistos da forma como o outro nos vê, e é assustador pedir ou
exigir que sejamos vistos de formas diferentes. Além disso, é claro, há o
fato de que com o passar do tempo dizemos para nós mesmos que o
risco é maior porque agora temos muito mais a perder: aquilo que
construímos com alguém, o tempo que investimos, a maneira como
construímos nossas vidas ao redor daquele relacionamento — o que
recebe o nome de falácia do custo irrecuperável. E por isso fazemos o
que eu chamo de “Aposta do Um Dia”: a terrível aposta de que um dia a
pessoa vai milagrosamente mudar para se tornar tudo que precisamos
que ela seja.
Quanto antes aprendermos a ter conversas difíceis, mais cedo
descobriremos que somos capazes de ter conversas assim de forma mais
casual e com a facilidade de alguém que está apenas ensinando ao outro
sobre si mesmo e suas necessidades, antes de que as cicatrizes resultantes
de ele ter entendido errado por tanto tempo se aprofundem. E nós
nunca vamos precisar arriscar tudo na “Aposta do Um Dia”. Também
não temos que fazer apostas altas quando fazemos pequenos
experimentos com conversas difíceis que geram dados reais sobre o
potencial de alguém.
No entanto, mesmo nos estágios iniciais, quando encaramos a
possibilidade de termos conversas difíceis, não podemos desconsiderar o
medo de falar tudo errado, de mergulhar de cabeça e de fazer uma
grande burrada por causa do nervosismo e acabar precisando ter uma
segunda discussão, que se resume em “Não, não foi isso que eu quis
dizer”.
Ter conversas difíceis é como aprender qualquer outra língua. E,
como qualquer outra língua, existem formas mais eloquentes de nos
comunicarmos que geram resultados melhores. Quando aprendemos
outras línguas, é sempre melhor ver um exemplo funcionando em
contexto do que aprender de forma abstrata. Se você está preocupado em
passar a imagem de alguém muito intenso, ou em dizer a coisa errada
durante uma conversa difícil, eu apresento um exemplo a seguir que
podemos analisar juntos. Esse exemplo não foi pensado para ser usado
em todas as conversas difíceis, mas é um bom exemplo apesar disso. Veja
se consegue identificar partes nas quais poderia dizer coisas de um jeito
diferente do apresentado no exemplo. Isso não quer dizer que o seu jeito
de dizer está errado, mas pode evidenciar o quanto os resultados podem
ser diferentes com base nas escolhas linguísticas que fizermos.
Procure um local neutro
Nos roteiros a seguir, o meu objetivo é oferecer algumas frases que
podem desviar a conversa de um território mais emocional para um
meio-termo diplomático. A primeira vez que eu imaginei a conversa a
seguir, pensei em uma situação hipotética na qual você desconfiava de
que o outro tinha mentido para você. Ser pego em uma mentira não é o
maior dos pecados — todos distorcemos alguma coisa de vez em quando
—, e abordar esse assunto funciona como uma introdução em pequena
escala para o mundo das conversas desafiadoras. Entretanto, a linguagem
que utilizei funcionaria em outras circunstâncias, como quando alguém
faz algo que te magoa ou te leva a hesitar; por isso, no lugar em que,
inicialmente, usei as palavras “mentiu para mim” ou “está mentindo para
mim” você verá que deixei um espaço em branco, como um exercício no
qual você precisa preencher as lacunas. Vamos imaginar que você já
tenha tido uma discussão reativa, totalmente emocional e confusa, e esta
seja a conversa seguinte, na qual tenta esclarecer as coisas.

Quando eu soube que você__________ (inserir a atividade), me


senti estranho/magoado/assustado. Fiquei pensando e relembrando
tudo até perceber que deveria estar conversando com você sobre
isso. Na verdade eu não posso aceitar que alguém tão próximo de
mim como você tenha ___________ (novamente, nomeie a
atividade ofensiva). Isso é inaceitável para mim, e eu gostaria de
conversar sobre o motivo de ter acontecido, porque eu quero
entender o que te levou a agir assim, para que possamos ter certeza
de que nunca mais vai acontecer.
Vamos analisar a linguagem utilizada e saber por que ela é útil:
Estranho, magoado ou assustado são palavras boas para serem usadas
porque não fazem juízo de valor do outro; pelo contrário, enfatizam o
que estamos sentindo; um sentimento que carrega certa ambiguidade e
oferece a você uma margem de manobra. É quase como se você ainda
não tivesse decidido como se sente.
“Fiquei pensando e relembrando tudo até perceber que deveria estar
conversando com você sobre isso” é uma ótima alternativa para aquelas
situações nebulosas, nas quais você não tem certeza se está certo sobre o
que aconteceu. É como se você dissesse “Não sei se meus sentimentos
são válidos ou se entrei em uma ruminação irracional, então aqui estou
eu sendo vulnerável o bastante para ter essa conversa em voz alta com
você”. Isso aproxima vocês dois apesar das circunstâncias, reforçando que
você confia que o que têm juntos é forte o bastante para sobreviver a
uma discussão perigosa.
“Não posso aceitar que alguém tão próximo de mim como você tenha
(em branco)” quase parece um elogio. Comunica que existe uma
proximidade entre vocês e, portanto, que ele/ela tem uma posição
importante, mas que exatamente por ter essa posição tão importante
existe um parâmetro para o que você espera dele/a. De alguma forma,
isso confere importância à pessoa, ao mesmo tempo que despersonaliza o
parâmetro que você tem. Não é sobre a pessoa, e sim sobre o lugar que
ela ocupa na sua vida. Compare essa frase com algo que geralmente
ficamos tentados a dizer em situações como esta: “Você não pode fazer
isso de novo”. Não há nada de errado nessa fala; é ousada e assertiva.
Porém, é mais provável que adicione o ego à equação. Nós queremos que
a pessoa nos ouça, e não que lute cegamente contra o que percebe ser
uma forma de agressão, julgamento, ou de dizer o que ela deve fazer.
Agora que você retirou o ego da equação, está livre para terminar de
falar com um pouco mais de ênfase:

“Isso é inaceitável para mim, e eu gostaria de conversar sobre o motivo


de ter acontecido, porque eu quero entender o que te fez agir desse jeito,
para que nós possamos ter certeza de que nunca mais vai acontecer”.

“Isso é inaceitável para mim” é onde você claramente estabelece o seu


limite. “Quero entender o que te fez agir desse jeito” é uma
demonstração de compaixão. Evidencia o desejo de entender por que a
pessoa fez o que fez, o que também é uma oportunidade para que você
descubra se essa pessoa é capaz de ser introspectiva, autoconsciente e
autocrítica o bastante.
“Para que possamos ter certeza de que nunca mais vai acontecer”
realmente ilustra o espírito de trabalho em equipe para resolver o
problema. Se nós estivermos fazendo isso (ou seja, nos relacionando),
então nós precisamos garantir que isso nunca mais vai acontecer, porque
vai contra a cultura de relacionamento que ambos parecemos prontos
para assumir.
Ter conversas difíceis é um fator-chave para que possamos reforçar
nossos limites e parâmetros, e esses são os dois elementos centrais para
uma vida amorosa melhor. Se você for parecido comigo, ou com os
milhares de pessoas com quem já trabalhei, há um lado seu que gosta de
agradar e dirigir o espetáculo; um lado que tem tanto medo de “cutucar”
que vai procurar desculpas para não ter que falar as coisas abertamente.
No entanto, quando nos tornamos mais competentes nessa área,
utilizando as habilidades discutidas neste capítulo e percebendo o
quanto elas podem ser práticas, podemos finalmente começar a trabalhar
esse músculo que estava atrofiado até agora. No fim, comunicar o que
precisamos se torna parte da nossa identidade, uma parte da qual nunca
mais abriremos mão.
Como tudo na vida, as conversas difíceis exigem prática e ficam mais
fáceis à medida que nos tornamos mais competentes para tê-las. Porém,
pode ser uma descoberta entusiasmante perceber que usar a linguagem
certa em uma conversa difícil é capaz de abrir uma porta e tornar mais
convidativo atravessá-la, enquanto a linguagem errada pode fazer as
pessoas nos darem as costas por completo. Essas dicas não se aplicam
apenas a conversas difíceis nas quais alguém fez algo de que não
gostamos. Também servem para dizer coisas que parecem difíceis de ser
ditas quando tudo o que queremos é que alguém goste de nós e nos
aceite.
Eu me lembro de um evento de final de semana que realizei em
Londres muitos anos atrás, quando o meu programa ainda incluía fazer
as pessoas saírem pela cidade à noite para colocar em prática o que
tinham aprendido comigo durante o primeiro dia. Isso era possível
quando havia trinta mulheres indo para lugares específicos (enviar 2 mil
mulheres para uma área específica hoje em dia seria demais). No
segundo dia do evento, perguntei a elas como foi. Uma delas me
respondeu:
— Matthew, eu me diverti, mas em momento nenhum esqueci que
tenho filhos e não sei quando abordar esse assunto.
Outra mulher, que parecia não querer fazer uma pergunta e estava
simplesmente empolgada para contar sua história, levantou a mão e
disse:
— Eu troquei telefone com um cara bem atraente!
— Que bom! E como você começou a conversar com ele? —
perguntei.
Veja o que ela respondeu, sem nem ao menos perceber o quanto sua
resposta se relacionava com a dificuldade da primeira mulher:
— Bom, eu notei que ele tinha uma covinha no queixo, então disse:
“Gostei da sua covinha no queixo. Não é tão fofa quanto as covinhas nas
bochechas da minha filha, mas eu achei bonita!”.
A plateia riu e instintivamente entendeu o tipo de energia divertida e
atraente que o homem deve ter sentido na noite anterior quando ela lhe
disse isso.
Esse é um exemplo de como uma conversa difícil nem chegou a
acontecer para uma pessoa, enquanto continuou sendo uma conversa
difícil para a outra. A primeira mulher falava como se tivesse o Darth
Vader esperando em casa por qualquer homem que se aproximasse dela.
A segunda conseguiu conversar sobre sua filha ao mesmo tempo que
flertava com alguém.
Isso evidencia um aspecto vital sobre conversas difíceis: as pessoas
seguem nossas dicas. Se ficarmos com medo de ter uma conversa, elas
perceberão esse medo. Se estivermos preocupados se o fardo que
carregamos vai afugentá-las, elas provavelmente o enxergarão como um
fardo mesmo. Por outro lado, podemos aprender a lidar com as coisas de
um jeito mais leve; mesmo com aquilo que uma vez achamos que nos
tornaria invisíveis ou incapazes de sermos amados pelos outros. É difícil
pensar em um melhor exemplo disso do que o da minha cliente Angela,
que um dia na primavera de 2019 subiu no palco do meu retiro e
contou para mim e para um auditório praticamente lotado,
completamente emocionada, a história da sua própria conversa difícil.
Angela
Angela é uma escocesa que tinha participado de um dos meus primeiros
retiros em 2010, quando eram pequenos encontros e ainda
conseguíamos alocar todo mundo em uma grande casa nos arredores de
Orlando, na Flórida. Ela também tinha participado de outros eventos,
como uma série de palestras que eu dei em Londres sobre confiança;
mas, antes da nossa conversa naquele primeiro retiro, havia mantido
uma postura estudiosa e se vestia de uma forma que chamava a atenção
na Flórida, com saias longas e blusas de manga comprida.
Até que, em um dado momento durante aquela semana de retiro, ela
me levou para um canto da casa e perguntou se poderia conversar
comigo individualmente; algo que era muito mais comum nos retiros
iniciais, quando os participantes totalizavam dezenas e não centenas de
pessoas. A casa tinha uma sala com um pequeno home theater que era
silenciosa, escura, quase como uma igreja. Angela e eu entramos e nos
sentamos no sofá em frente à televisão desligada. Ela não disse uma
palavra depois que nos sentamos, o que não era tão estranho quanto
parece. Finalmente rompi o silêncio e disse:
— Você sabe que eu vou ficar sentado aqui até que você me diga sobre
o que queria conversar.
Quando ela cruzou os braços como um desafio, eu disse a ela que
poderia ficar sentado ali o dia todo e garanti que o quer que ela quisesse
me contar não seria nada que eu não tivesse ouvido antes.
Então, de uma vez, ela me contou sua história: quando tinha 23 anos,
estava voltando para casa do trabalho quando foi atropelada por um
motorista bêbado, que estava a mais de cem quilômetros por hora e a
deixou caída no chão e fugiu. Ela perdeu uma perna e depois da cirurgia
seu braço ficou cheio de cicatrizes; os médicos lhe disseram que talvez ela
não voltaria a andar, nem conseguiria se alimentar sozinha, nem
construir a própria família. No entanto, ela tinha bastante do que
chamou de “teimosia escocesa”, saiu andando do hospital de muletas e
agora se locomovia completamente sozinha, “usando”, como ela
descreveu, uma prótese ortopédica.
Depois que ela colocou para fora toda essa história triste que
carregava, em uma espécie de desabafo emocional, perguntei:
— Qual o problema?
Ela respondeu que agora se preocupava se, quando tivesse um
encontro, a pessoa talvez não se interessasse por ela pelo fato de não ter
uma perna.
Em momentos como esse, no meu trabalho como coach, aprendi o
quanto pode ser poderoso romper com o padrão de pensamento de uma
pessoa ao lhe dar uma resposta radicalmente diferente daquela que ela
estava condicionada a esperar. Então perguntei, em um tom que
misturava incredulidade e falsa indignação:
— Isso é muito arrogante da sua parte, sabia? Você precisa que todo
mundo se interesse por você? Que todo mundo com quem tenha um
encontro se apaixone por você e escolha você?
Angela olhou para mim confusa por uns quinze segundos e em
seguida riu. Depois riu mais um pouco até que nós dois começamos a rir
juntos, o que deve ter durado uns trinta segundos. Instantânea e
instintivamente, ela entendeu: quando se trata de amor, não precisamos
que todos nos queiram. Precisamos de apenas uma pessoa. E a rejeição só
nos ajuda a chegar até essa pessoa mais rápido.
Oito anos depois, no fim de 2018, Angela entrou em contato comigo
por telefone, ansiosa para me dar as boas notícias; ela contou que a
minha resposta levemente irreverente deu a ela confiança para fazer algo
que nunca sonhara ser capaz de fazer. Eu fiquei muito feliz por ela.
Apesar do seu silêncio inicial naquela sala de TV, Angela era uma ótima
contadora de histórias — “um pouco tagarela” era como ela se descrevia,
e eu a convidei para falar sobre as grandes mudanças em sua vida em um
próximo evento que faria antes do Natal. Ela hesitou. Iria fazer uma
cirurgia que a impediria de comparecer, então concordamos que ela
participaria do próximo retiro que eu faria na primavera como minha
convidada.
Quando a chamei para o palco, cinco meses depois, não tinha ideia,
de verdade, do quanto seria emocionante ouvi-la falar. Ela contou com
confiança sobre o acidente, a minha reação ao ouvir sobre seus
problemas naquela pequena sala de TV, e ganhou o meu coração ao
relembrar um incidente uma manhã na cozinha da casa, quando
escorregou e caiu, derrubando café no seu vestido longo, e se sentiu
envergonhada, em parte porque a queda expôs a sua prótese. Pelo que ela
disse, minha mãe, que estava presente, foi até ela, estendeu a mão e a
ajudou a ficar de pé, além de se oferecer para lavar seu vestido se ela
quisesse voltar para o quarto para se trocar. Angela acenou para minha
mãe, Pauline, que também estava presente ali, no fundo do auditório, e
agradeceu a ela por sua bondade instintiva naquela manhã quando ela
havia se sentido tão exposta.
— Aliás, pessoal — ela se dirigiu a todas as mulheres no auditório —,
essa é praticamente a primeira vez que eu estou usando uma saia que
deixa as minhas pernas de fora — ela declarou, referindo-se à saia azul e
branca que deixava suas pernas à mostra e às botas de camurça de cano
curto. As mulheres aplaudiram. Angela estava só no começo de sua
história e, em seguida, contou que, depois daquele retiro, ela pegou as
técnicas que tinha aprendido nos meus programas e começou a colocá-
las em prática, conheceu um rapaz e, depois de um bom primeiro
encontro, resolveu que abriria o jogo no segundo encontro.
— Eu estava tão preocupada de contar para esse rapaz sobre o meu
acidente, sobre as minhas cicatrizes e sobre o que eu uso — Angela disse,
apontando para a sua prótese ortopédica... — E ele perguntou a mesma
coisa que o Matthew naquele dia: “Qual o problema?”. E foi então que
eu soube que ele era o homem certo para mim — ela continuou rindo.
A plateia também riu.
— Mas a verdade é que, por causa do que o Matthew me ensinou,
mesmo antes de conhecer esse homem eu tinha decidido que, se ele não
gostasse de mim do jeito que sou, o problema era dele. Eu iria continuar.
O meu valor não dependia do interesse dele. Então — ela estava se
dirigindo à mulheres na plateia agora —, se eu estou aqui, de pé, diante
de vocês, e vocês podem ver o que eu uso, as minhas cicatrizes e as
minhas inseguranças, qualquer insegurança que vocês tenham, eu já tive
e entendo. E, se eu consigo fazer isso, vocês também conseguem — ela
disse, com seu sotaque escocês carregado.
Em seguida ela contou a história de que, alguns meses depois, o seu
novo namorado a levou para St. Andrews, na Escócia, reservou a suíte de
lua de mel dizendo a ela, meio sem jeito, que aquele era o único quarto
disponível. Quando os dois saíram para jantar naquela noite ele estava
bastante nervoso, as mãos tremendo tanto que, quando foi passar o prato
para que ela experimentasse a comida, o prato voou e atingiu outra
mesa. Ela se lembrava de pensar Se ele que ele está tão nervoso assim, eu
ainda estou podendo! Ele a levou para fora, para ver as estrelas, pediu que
ela fechasse os olhos, e ela perguntou: “O que você vai fazer?”. E ali, de
joelhos, ele a pediu em casamento. Seis meses depois, eles se casaram.
Nesse momento todos aplaudiram. Quando o auditório ficou em
silêncio novamente, ela disse que tinha mais duas coisas para dizer:
— A minha história, essa coisa sobre a qual eu não conseguia falar,
aquilo que me atormentava tanto que estava me atrapalhando, o
Matthew tirou de mim. Agora eu criei uma instituição de caridade para
ajudar famílias e crianças que foram feridas por pessoas que dirigiam
embriagadas.
Em seguida, Angela nos pregou uma peça, dizendo que tinha feito
uma cirurgia um pouco antes do Natal e que não tinha sido boa —
tinha mudado sua vida, na verdade. Ela contou sobre a coisa mais triste
que lhe disseram depois do acidente, que, por causa da gravidade das
suas lesões, ela não poderia ter filhos. Como alguém se consola depois
disso? Ela procurou seu celular, pediu que a minha mãe subisse no palco
e nos mostrou uma foto dela no hospital, ao lado do seu marido e com
um bebê nos braços! A sua filha, Hannah. Eu achei que ela tivesse ido
até lá para falar um pouco sobre a entidade que tinha criado, mas em vez
disso esperou cinco meses, pegou dois aviões para chegar até Miami e
guardou segredo durante toda a semana, escolhendo o momento perfeito
para fazer a sua revelação. Fiquei atônito e muito feliz.
— É por isso que eu digo para vocês: isto aqui funciona — ela disse.
— Não estou dourando a pílula, ou enfeitando... Eu queria que a minha
vida fosse em uma direção, e ela seguiu em outra bem diferente. Mas
agora eu me sinto realizada em todas as áreas. Eu sei que vou encontrar
obstáculos; a diferença é que eu tenho as ferramentas necessárias para
manter a minha autoestima e confiança agora. E sei que o que aprendi
com você, Matthew, vou ensinar para minha filha, Hannah, e sei a
pessoinha maravilhosa que ela vai ser.
8

ATENÇÃO NÃO É INTENÇÃO

Quando ficamos carentes de atenção romântica, qualquer pingo de


atenção que recebemos de alguém que consideramos atraente parece um
raio de sol. Para começo de conversa, parecia tão difícil receber aquele
tipo de atenção que não queremos abrir mão disso tão facilmente. No
entanto, quando queremos um relacionamento, nossos parâmetros
precisam ser mais altos do que esses.
Se você acompanha o meu trabalho há mais tempo, já me ouviu dizer:
Não invista em uma pessoa com base apenas no quanto você gosta dela;
invista em uma pessoa baseado no quanto ela investe em você.
Essa é uma ótima regra que podemos seguir para nos proteger. Ela
redireciona a nossa atenção, que se afasta do quanto é bom ser o foco da
energia de alguém e se volta para o quanto e com qual frequência esse
alguém está investindo em nós. Ela evita que justifiquemos gastar nosso
tempo e energia com base no quanto alguém parece ser incrível, ou em
quão especial acreditamos que seja nossa conexão com ele.
Embora essa regra funcione para impedir que sejamos enganados,
quando levada às últimas consequências pode nos deixar tão passivos que
nada nunca aconteça. Se todos ficarmos esperando que o outro invista
antes de investirmos, nenhum relacionamento vai sair do papel. É o
outro que precisa dar o primeiro passo no dia seguinte em que dois
estranhos se notam; é o outro que precisa enviar a primeira mensagem
depois de um encontro, dizer o primeiro “Eu te amo”... pedir em
casamento. Não podemos todos agir em uníssono o tempo todo. Na
verdade, a decisão de alguém de dar o primeiro passo pode ser o que nos
fará melhorar o nosso próprio desempenho. Então, precisamos encontrar
o equilíbrio entre o nosso orgulho e a nossa proatividade. Se formos
orgulhosos demais, nunca arriscaremos fazer nada. Esse é o problema de
muitas pessoas com as quais trabalho; elas não criam oportunidades de
romance o suficiente para que suas chances de encontrar o amor
aumentem. Se formos proativos demais, nos empolgamos e corremos o
risco de sermos enganados.
Uma forma que encontrei de ajudar as pessoas a obter esse equilíbrio
foi acrescentar um pré-requisito à minha regra original, cunhado pelo
meu irmão, Stephen Hussey: Invista primeiro, teste depois.
Se você der meio passo à frente, o outro também dará? Considere cada
passo proativo que você der como um pequeno experimento, e observe o
que acontece. Por exemplo, você pode enviar uma mensagem no dia
seguinte para a pessoa com quem saiu dizendo: Oi, Fulano/gato/linda.
Espero que você tenha um ótimo dia. Pode não parecer muito, mas uma
mensagem assim pode render resultados bastante promissores. Você não
está se esforçando demais para chamar a atenção dessa pessoa. Não está
nem fazendo uma pergunta que demandaria uma resposta. Mas está
mostrando abertura, gentileza e vulnerabilidade. Depois que fizer isso,
eu gostaria que você ficasse atento ao que acontece depois. Será que essa
pessoa vai enviar para você uma mensagem no dia seguinte? Em outras
palavras, a sua proatividade estimula a proatividade dela? As pessoas
costumam me dizer: “Eu sei que essa pessoa gosta de mim porque
sempre responde as minhas mensagens”, mas essa é uma atitude reativa.
A minha pergunta é: “Beleza, mas essa pessoa já chegou a enviar uma
mensagem para você primeiro?”.
Esse é o risco inerente que corremos no início de qualquer
relacionamento; assim que começamos a gostar de alguém, qualquer
atenção que recebemos parece ter o efeito de uma droga, reordenando o
nosso pensamento racional. Essa atenção pode ser ainda mais perigosa
do que qualquer outra droga, porque, independentemente do quanto
uma pessoa se sinta bem depois de usar cocaína, por exemplo, ela não
acorda no dia seguinte pensando na possibilidade de envelhecer com ela.
Não se imagina apresentando a cocaína para os pais. Mas a atenção que
recebemos de um estranho atraente, a mensagem de um ex que ainda
não esquecemos, a possibilidade de um final de semana romântico com
alguém para quem temos planos; essas coisas nos dão esperança e, por
isso, podem ser facilmente confundidas com uma intenção mais
profunda.
Observe que eu disse “alguém para quem temos planos”. É esse o
problema; nesse estágio, você pode não ter nem planos com esse alguém
ainda. “Com” sugere intenções compartilhadas, planos que foram
comunicados por ambos os lados. Porém, todos reconhecemos as partes
de nós que ficam superempolgadas e vão na onda da promessa do amor,
tramando e fazendo planos para alguém em função de quão perfeito
decidimos que esse alguém é para nós.
Começamos a nos imaginar com esse alguém no futuro e, sem
perceber, ficamos completamente envolvidos pela história de amor que
criamos na nossa cabeça; uma história descolada da realidade do quanto
esse alguém está realmente investindo, e, em vez disso, nos baseamos
apenas na empolgação gerada pela atenção que recebemos. Conheci
várias pessoas que se machucaram muito porque confundiram a atenção
de alguém, nesse estágio perigoso do relacionamento, com a intenção
dele. Lembre-se: a atenção é apenas a energia que alguém está gastando
com você naquele momento. Intenção tem a ver com um desejo genuíno
de ver até onde as coisas podem ir, o que pode ser mais difícil de
identificar. Não permita que toda a atenção que você está recebendo de
alguém agora o distraia das intenções desse alguém, ou da falta delas.

Atitudes contraditórias
Um dos exemplos mais enlouquecedores desse tipo de confusão aparece
quando uma pessoa é superatenciosa quando estamos com ela. Parece
que ela nunca se cansa de nós. E então, assim que nos separamos, parece
que deixamos de existir para ela. É como transitar entre dois universos
paralelos: um no qual a pessoa está extremamente a fim de você e outro
no qual ela mal se lembra que você existe. Isso pode comprometer o seu
tempo e energia, como vimos no exemplo da australiana no capítulo
anterior. A pessoa que fica empolgada demais nos momentos em que
quer ter uma experiência romântica logo prova, quando praticamente
desaparece, que não tem intenção nenhuma de comprovar o que sente
tomando uma atitude concreta para que o relacionamento progrida.
E o que dizer sobre as desculpas que a pessoa dá quando finalmente
nos procura novamente? Ela estava ocupada com o trabalho ou com os
amigos, envolvida em algum problema familiar. Tirou alguns dias para se
dedicar a algum hobby que adora. Qualquer uma dessas justificativas
pode ser verdadeira; a pessoa pode estar legitimamente ocupada com
essas outras prioridades. Mas será que é uma justificativa boa o bastante
para ela ter nos ignorado na semana anterior? Deveria ser o suficiente
para que tolerássemos uma inconstância e um comportamento que nos
faz sentir tão mal? O que é o melhor a fazer nesse caso?
O erro mais fácil de cometer nesse momento é agir como ela. Quando
você retribui a atenção que recebe, mas ignora a pessoa quando é
ignorado por ela, pode ser que acredite estar seguindo o meu conselho
para investir em quem investe em você. O problema de agir assim é que
você certamente estará dando a esse romântico Houdini exatamente o
que ele quer; ficando disponível quando ele também está e não o
incomodando quando ele não está. Isso não só reforça o comportamento
que você quer desencorajar como pode levar a um ciclo ainda mais
perigoso, no qual você acaba atraindo alguém que se empolga quando é
ignorado, mas que perde o interesse toda vez que você retribui o seu
afeto. Esse é um jogo no qual ninguém ganha.
Mas como, afinal, quebrar esse ciclo de atitudes desencontradas? Você
tem que estar disposto a se retirar, usando uma comunicação direta. Isso
quer dizer que você se retira mas antes explica o motivo. Observe que o
momento certo para fazer isso não é quando a pessoa está no meio de
um dos períodos em que o ignora; se ela não está entrando em contato,
então você não tem nenhum poder. Isso só funciona quando ela
reaparece querendo alguma coisa de você; que é quando você realmente
tem poder. Pode ser que ela seja direta, dizendo “Eu queria muito te ver
nesse final de semana” ou indireta, recorrendo a um simples “Estou com
saudade”. Qualquer que seja o jeito, é sempre uma jogada para chamar
sua atenção.
É nesse momento que você responde:

Sendo bem honesta, estranhei que você queira me encontrar. [Ou:


estranhei te ouvir dizer que está com saudade.] Achei que não estivéssemos
mais tão próximos, já que faz um tempo que não tenho notícias suas, por isso
eu simplesmente presumi que não queríamos as mesmas coisas.

Você não está demonstrando nenhuma emoção forte aqui. Está indo
direto ao ponto, usando verbos no passado para se referir a qualquer
dúvida que tenha tido com base na falta de investimento da pessoa. Pode
ser que ela responda rapidamente com alguma desculpa (trabalho,
amigos, família, hobby). Essa é a sua oportunidade para deixar claro
quais são os seus parâmetros:

Entendo perfeitamente. Também estou fazendo várias coisas no momento,


então sei como é. Mas uma coisa que valorizo muito é a constância. A
verdade é que a gente se dá bem quando está junto, mas eu não sinto essa
conexão quando estamos longe um do outro.

Você está demonstrando empatia e compreensão, ao mesmo tempo


que informa à pessoa que a falta de constância dela não passou
despercebida e que não vai rolar com você. Está deixando claro como se
sente quando vocês estão separados e convidando a pessoa a evoluir e
melhorar, sem apontar o dedo para ela.
Já falamos neste livro sobre os perigos de “fingir indiferença” quando
retribuímos o mesmo nível de investimento demonstrado pela pessoa,
ignoramos quando somos ignorados; porém, corremos um risco ainda
maior quando não enviamos uma mensagem como essa. Não só o
silêncio funciona como uma aprovação tácita do comportamento errado
como nos rouba a oportunidade de despertar o comportamento certo na
pessoa certa. Existem pessoas que acordam quando recebem uma
mensagem assim e pensam: Esse é exatamente o tipo de vulnerabilidade e
de força de caráter que eu estava procurando. Se você não consegue deixar
claro o que realmente quer, corre o risco de se tornar invisível para o tipo
de pessoa que quer o mesmo que você.

Seis passos para diferenciar atenção de


intenção
Receber atenção é bom, mas como podemos identificar quais são as
verdadeiras intenções de alguém, logo no início, para não perdermos
nosso tempo nem sermos intensos demais rápido demais, afugentando a
pessoa? Veja a seguir seis coisas que você pode fazer e algumas coisas
simples que pode observar no comportamento do outro.

1. Demonstre curiosidade
Faça perguntas sobre a personalidade, os planos e o que a pessoa está
buscando em um relacionamento — não um interrogatório formal, mas
uma conversa descontraída, demonstrando uma curiosidade sincera por
quem está diante de você. Tente fazer isso logo no início, quando saírem
para tomar um café ou um drinque, quando ainda não houver tanta
coisa em jogo. Esse é o momento ideal: você ainda não arriscou nada de
significativo; vocês não estão dormindo juntos há meses. Não há nada
emocionalmente exagerado em tomar um café juntos. Mantenha a
conversa sem pressão; não existe resposta errada. Simplesmente olhe com
objetividade para a pessoa do outro lado da mesa e se permita perguntar
— em voz alta! — como ela se tornou quem é. É como se ela fosse uma
raspadinha humana neste momento e cada nova resposta revelasse uma
parte nova dela.
Existem dois bons motivos para seguir essa abordagem:

• Ela permite que você deixe de lado qualquer expectativa ou projeção e


se concentre de verdade em conhecer a pessoa diante de você.
• Demonstrar curiosidade genuína vai aproximar você da verdade. As
pessoas respondem melhor ao interesse de quem se mostra entretido
pela conversa e ao uso de um tom neutro do que a um julgamento
imediato. Quanto mais você for capaz de entender quem alguém é
agora, menos provável será que você desperdice o seu tempo no
futuro.

Exceções a essa estratégia: cuidado com a pessoa cuja reação às suas


perguntas, que demonstram curiosidade sem nenhum juízo de valor, é
respondê-las e quase não permitir que você fale de novo! A curiosidade é
uma das poucas coisas que se valorizam quanto mais são trocadas.

2. Você nota a curiosidade do outro


Às vezes a pessoa do outro lado da mesa quer nos conhecer. Outras vezes,
só está procurando um pouco de prazer. Como saber a diferença?
Um jeito de saber é quando a pessoa demonstra uma curiosidade
genuína sobre você. Ela quer estar em um relacionamento e faz
perguntas que a ajudem a descobrir sobre:

• Seus valores
Por exemplo: Será que você é uma pessoa gentil? (Pode ser visto como
algo simples, mas é importante para mim.)
• Sua história de vida
Por exemplo: Você tem um bom relacionamento com a sua família? (E,
se não tiver, isso te levou a investir em estabelecer vínculos de amizade
e o sentimento de família em outro lugar?)

• Seu estilo de vida


Por exemplo: Você gosta de sair à noite com frequência? (Hoje em dia,
sou o tipo de pessoa que às dez horas está “na cama com um chá de
camomila”.)

Em última instância, o outro quer descobrir como você é como


pessoa, da mesma forma que você está fazendo com ele. A pessoa que o
avalia para assumir um papel importante na vida dela segue um roteiro
diferente de alguém que está ansioso para levar você para a cama logo de
cara. É por isso que é perigoso avaliar um encontro com base apenas no
quanto ficamos fascinados pelo outro, ou no quanto nos divertimos. É
claro que ter um péssimo primeiro encontro lhe diz tudo o que você
precisa saber; por outro lado, o melhor encontro de todos pode te
surpreender e se revelar um índice pouco confiável.
Pessoas muito carismáticas, que sabem como nos conquistar e nos
deixar empolgados, proporcionam ótimos encontros. Os cafajestes
adoram proporcionar os melhores encontros, não porque estão
interessados em você, mas porque, quando você se mostra muito
interessado neles, isso alimenta o ego deles. Gostam de seduzir, e o que
querem ouvir é: “Esse foi o melhor encontro que eu já tive!”. Pode ser
que você diga isso e eles pensem: Que ótimo! Mais mulheres precisam
vivenciar esses encontros fenomenais.
Exceção: uma demonstração de interesse genuíno de ambos os lados
pode ser fenomenal também. Mas também pode ser algo mais tranquilo,
baseado na conversa e até mesmo sem muito alarde. Essa pessoa é o
oposto do cafajeste espalhafatoso: é alguém que abre espaço para você.

3. A pessoa mantém contato


Ela não deixa você se perguntando quando se verão de novo. O que não
é o mesmo que imediatamente marcar um encontro para a noite
seguinte. Com a correria da vida, algo assim pode não ser possível. Mas
essa pessoa não vai esperar até a próxima sexta-feira para enviar uma
mensagem dizendo: Preciso te ver amanhã. Não, hoje! Onde você está? Pode
me encontrar daqui a uma hora? Nossa, estou louco pra te ver!
Isso evidencia apenas foco seletivo disfarçado de empolgação. A pessoa
decidiu focar você hoje — talvez ela esteja com tesão, ou seus outros
planos foram cancelados, ou acabou de encerrar uma semana intensa de
trabalho e sua mente está finalmente livre para pensar em fazer algo
divertido. Quem sabe?
Saia com essa pessoa. Mas, se quiser ter algo mais com ela, não faça
nada que te leve a sentir usado ou a se chatear caso o relacionamento não
progrida para além do estágio atual, porque tudo o que você tem agora é
uma atenção esporádica em vez de demonstrações reais de intenção.

4. A pessoa está se programando


Eu queria que esta seção fosse intitulada “A pessoa está se planejando”,
até me lembrar de que, quando ambos estão empolgados para fazer algo
juntos, planejar não se torna um compromisso, mas se programar, sim.
Podemos planejar fazer um safári um dia, mas isso só se torna realidade
depois que nossas passagens estão compradas e que pedimos férias no
trabalho.
Planos podem ser perigosos. Eles nos dão toda a satisfação de poder
falar sobre uma ideia e até podemos nos divertir no processo, mas sem
que precisemos fazer nenhum esforço para tirá-los do papel. No mundo
do namoro (e dos negócios) existem aqueles que se empolgam fazendo
planos para o futuro. É uma demografia com uma porcentagem
desproporcional de desperdiçadores de tempo.
Exceção: Também existem pessoas que não mostram nenhuma
intenção de querer um relacionamento sério com você, mas que
demonstram boa vontade para abrir espaço para você na programação de
suas vidas viajando com você no Ano-Novo, ou te incluindo em uma
viagem de família com os pais. É tentador interpretar isso como um sinal
de intenção verdadeira, porque em grande parte são coisas que essa
pessoa faria com alguém por quem tivesse intenções verdadeiras.
Infelizmente, essas pessoas (em geral aquelas que fazem o bombardeio de
amor que vimos anteriormente) amam o sentimento produzido por essas
experiências. Não tem relação nenhuma com estarem prontas para
assumir um compromisso. Existem muitas pessoas que desejam a
experiência de ter um parceiro, mas que não têm intenções verdadeiras
de ser realmente parceiras de alguém.
Alguém que se programa para algo está muito mais propenso a querer
ter um relacionamento sério do que um sonhador que nunca olha a
agenda. Mas as raras e rápidas demonstrações de amor sentimentalistas
valem muito menos do que o esforço constante. Isso não quer dizer que
a sugestão de alguém para que vocês façam algo divertido juntos mereça
ser respondida com uma bronca (“Não me venha com sugestões de
destino contraditórias e fantasiosas, Brian, a menos que você já tenha
datas concretas em mente!). Nos estágios iniciais do relacionamento, é
divertido trocar ideias sobre atividades que vocês podem fazer juntos no
futuro, e não há nada de errado em alimentar essas ideias. É gostoso,
uma espécie de flerte improvisar sobre coisas que vocês poderiam fazer
em um destino extravagante juntos. Não há necessidade de transformar
tudo em uma busca por investimento nesse estágio, contanto que você
consiga diferenciar entre uma encenação e um progresso de verdade.

5. A pessoa inclui você


Ter um relacionamento sério com alguém não significa que agora ele
precisa incluir você em toda decisão que tomar. Porém, depois que vocês
passaram dos primeiros estágios complicados da atração e que ambos
reconheceram a conexão entre vocês, é importante observar a maneira
como o outro lida com questões que podem te afetar significativamente:
• A quantidade de tempo que vocês conseguem passar juntos.
• Quanto tempo pode ser que tenham que ficar separados.
• A sua confiança nele.
• A possibilidade de o relacionamento progredir.

Ser incluído, dependendo do estágio do relacionamento em que vocês


estiverem, não necessariamente significa que você terá direito de voto ou
veto. Se o outro precisa viajar a trabalho por um mês, provavelmente não
vai pedir sua permissão. Mas você pode esperar receber um aviso e muita
conversa sobre isso. Uma coisa é certa: a pessoa vai querer ter certeza de
que o fato de se ausentar não vai te levar a duvidar do interesse dela por
você ou das suas intenções de continuar com o relacionamento.
As questões principais nesse caso são:

• Será que a pessoa está realmente considerando os seus sentimentos?


• Será que ela se importa?
• Será que ela procura incluí-lo no processo ou demonstra indiferença
pela sua experiência?
• Você se sente o último a saber sobre as coisas que acontecem na vida
dela e tem a sensação de que está fora do círculo que recebe todas as
informações?
• Será que você é um dano colateral cujas reações passam despercebidas,
até que a sua mágoa e frustração se tornem impossíveis de serem
ignoradas?

Um jeito de perceber quando o outro não está pensando em você: a


sua reação (quando lhe é permitido ter uma) não é recebida com
compaixão e sim com irritação, como se você fosse um inconveniente
para a realização do grande e inegociável plano dele.

6. A pessoa te faz sentir confortável


Alguém que quer ter certeza de que você vai continuar na vida dele
daqui a uma semana vai querer confirmar com antecedência se você se
sente confortável com as atitudes dele.
E se o outro combinar de sair para jantar com antigas amizades das
quais você possa ter ciúme? Você pode notar pela forma sutil como ele
esclarece se essa pessoa é só uma amiga, se é casada ou alguém que ele
quer muito te apresentar. Ele não deixa nada ao sabor da subjetividade e
da ambiguidade, porque não quer que nada prejudique o que está
nascendo entre vocês. Ele também quer evitar qualquer coisa que sugira
que se sentiria confortável com esse tipo de ambiguidade vindo de você.
Cruzando a fronteira entre a atenção e a
intenção
Talvez você tenha notado que os seis passos acima foram organizados em
ordem cronológica, partindo dos primeiros encontros até chegar ao
momento em que temos consciência de uma conexão com o outro. Em
outras palavras, existe uma graduação entre a atenção que se traduz em
flerte e a intenção verdadeira, que costuma ser uma correspondência
aproximada da transição da atração para o compromisso.
O perigo real surge quando você começa a presumir que, à medida
que a atenção cresce, provoca um aumento nos níveis de intenção do
outro. É fácil confundir a intensidade do sentimento com a seriedade do
propósito, principalmente se você percebe que o seu próprio nível de
comprometimento está crescendo e, por isso, simplesmente presume que
essa seriedade e intensidade andam juntas para o outro assim como para
você.
É por isso que costuma ser mais seguro ir devagar, não por motivos
puritanos, e sim porque o tempo é a única maneira de medir o índice
mais confiável de intenção: a constância. A inconstância geralmente
aparece muito antes do que gostaríamos. Mas a constância só pode ser
verificada com o tempo. Ir devagar dá à constância o tempo necessário
para se mostrar e às ações a chance de reduzir a distância entre palavras e
sentimentos.
9

AQUELE QUE NUNCA ESTÁ


SATISFEITO

ALEXANDER: Você é igual a mim, eu nunca estou satisfeito.


ANGELICA: É mesmo?
ALEXANDER: Eu nunca fico satisfeito.
— Hamilton

Ser feliz no amor pode ser algo absurdamente difícil de conseguir, o que
não é novidade para quem está em um relacionamento com uma pessoa
maravilhosa cujos sentimentos são mais fortes que os seus. Se ao menos
você conseguisse criar uma faísca ou duas de amor, poderia ter tudo.
Mas, apesar de todos os seus melhores esforços, o afeto que sente nunca
deixa de ser morno.
Até que você conhece uma pessoa que incendeia as suas paixões,
inspirando suas fantasias ingênuas sobre o futuro do casal. No entanto,
parece que o jogo virou: a pessoa só entra em contato esporadicamente e
você, que nunca tem certeza se ela quer estar com você, entra em um
ciclo de euforia quando ela liga e de grande ansiedade quando fica sem
notícias. Nesse estado de “empolgação”, você descobre que não consegue
comer, dormir ou se concentrar em absolutamente nada.
Quando consegue escapar dessa situação, você se sente preparado para
estar com alguém gentil, confiável e seguro, apenas para se ver
impassível, desestimulado, se perguntando se não deveria apenas esperar
até encontrar uma pessoa que o faça se sentir vivo novamente. Você se
sente tão seguro que dedica todo o seu tempo livre a imaginar a vida que
poderia ter com essa pessoa.
Por que é tão difícil acertar? É como se ao final de cada
relacionamento fizéssemos nossas preces olhando para trás, e consertar
um fracasso só nos conduz a uma desilusão diferente na próxima vez.
Com base nessas oscilações bruscas, é fácil concluir que nada funciona.
Não estamos cansados de namorar ou das outras pessoas, mas sim de
algo comum a todo relacionamento que tivemos e que deu errado: nós
mesmos.
Será que somos nós o problema? Será que fomos programados do jeito
errado? Será que estamos condenados a empurrar uma enorme pedra
montanha acima, só para vê-la rolar montanha abaixo toda vez que
vislumbramos um lampejo de felicidade? Segundo o escritor francês
Albert Camus em O mito de Sísifo, os deuses acreditam que não há
punição pior do que o trabalho fútil e inútil. Não é surpresa que muitos
de nós desistamos. Por outro lado, desistir também não é sinônimo de
paz; o desejo por uma vida compartilhada nos acompanha a todos os
lugares, assombrando qualquer espaço que já acreditamos que poderia
ser ocupado por alguém.
Mas, se ainda não estamos prontos para desistir, como podemos evitar
nos apaixonarmos por quem não nos respeita, alguém que não é capaz
de enxergar em nós uma pessoa digna de se apegar? E como nos
empolgamos com o tipo de pessoa que realmente poderia nos tratar
melhor?
Por que dizemos “sim” para as pessoas que
nos fazem mal
Vamos começar com a primeira pergunta: Por que sempre nos
apaixonamos por pessoas cafajestes e indisponíveis emocionalmente,
aquelas que nos fazem correr atrás, que não nos tratam bem? Em algum
momento precisamos reformular a nossa pergunta para que deixe de ser
“Por que essas pessoas são assim?” e passe a ser “Por que continuo
gastando o meu tempo com pessoas assim?”. Por que continuamos nos
derretendo por aqueles para quem dissemos “nunca mais”? Vamos
analisar por que nunca mais jamais será uma expressão segura para
dizermos.

1. A mentalidade da escassez
Você chega a uma festa com seus amigos, na expectativa de conhecer o
tipo de pessoa sobre o qual vieram conversando no caminho. Você dança
com algumas. Cada uma delas tem alguma coisa de que você gosta, mas
também falta nelas algo de que você precisa. Uma é divertida, só que
mais como amiga. Outra é atraente, mas vocês não se conectaram. A que
era autêntica e interessante estava usando... aqueles sapatos. Enquanto
você segue procurando, uma coisa engraçada acontece: à medida que seu
grupo de amigos vai diminuindo, o tempo começa a pregar peças. Você
vê uma pessoa indo embora com alguém com quem passou a noite
dançando, mas os dois parecem se conhecer há muito tempo. Sozinho e
inseguro, você pega seu celular e de repente é como se estivesse em outra
dimensão. O amigo que acabou de ir embora com alguém postou a foto
do noivado deles. Outro amigo que você perdeu de vista no início da
noite acabou de fazer uma postagem em êxtase sobre o bebê que está a
caminho. Até a pessoa atraente com quem você dançou mas não se
conectou fez uma postagem; parece que ela saiu da festa e agora está em
lua de mel em Santorini, na Grécia, recém-casada. Você não consegue
acreditar. “Há quanto tempo estou aqui?” O lugar está praticamente
vazio. A música agora não parece mais uma batida, e sim o som do
ponteiro de segundos do relógio. “Será que fui muito implacável ao
desconsiderar as pessoas? A que era atraente parecia a pessoa errada, mas
alguém não pensou assim. Será que fui muito exigente ao julgar aquela
conexão?” A sua respiração fica ofegante. Você para de se preocupar em
encontrar o par perfeito e, em vez disso, começa a procurar por alguém
que possa tirar você dali antes que seja tarde demais.
É assim que a mentalidade da escassez funciona. Imaginar um cenário
catastrófico sobre o quanto a nossa situação é desesperadora nos
incentiva a considerar pessoas que não deveríamos, pessoas que
geralmente aqueles que nos amam conseguem perceber de longe que nos
farão mal. Uma afirma com orgulho que não acredita na monogamia,
mas é com quem você teve o melhor sexo da sua vida; a outra com quem
você sempre se diverte fica calada toda vez que você diz querer mais; tem
aquela que está prestes a se divorciar há cinco anos, mas que é ótima
com os filhos e oferece a você a promessa de um futuro perfeito.
O que todas elas têm em comum: você sente alguma coisa com elas.
“E o que tem de errado nisso?”, nos perguntamos. “A vida é curta. Por
que não escolher sentir algo pelo caminho?” Esse tipo de lógica permite
que justifiquemos as partes boas enquanto ignoramos os danos de longo
prazo de todo o resto. Nessa hora, vale a pena ouvir Irving Rosenfeld,
talvez o melhor exemplo de golpista da história do cinema, que no filme
Trapaça, de 2013, homenageia a tendência quase universal das pessoas
que enganam a si próprias: “Nós nos convencemos a fazer as coisas, sabe?
Vendemos para nós mesmos coisas que talvez nem precisemos ou
queremos. Nós as enfeitamos, sabe? Deixamos os riscos de fora,
deixamos a terrível verdade de fora. Preste atenção nisso, porque estamos
todos nos enganando de um jeito ou de outro, só para podermos seguir
com as nossas vidas”.
Condenamos aqueles que mentem para nós, mas ignoramos as
mentiras que contamos para nós mesmos: que estamos felizes, que o
outro pode mudar, que as nossas necessidades estão sendo supridas, que
não estamos arriscando nos arrepender profundamente se continuarmos
vivendo assim. Ilusões dessa magnitude são o tipo mais perigoso de
mentira. Elas nos impedem de deixar pessoas que são obstáculos para a
nossa felicidade e, assim, nos fazem conspirar para o roubo do nosso
próprio futuro.
Enfeitamos nossas ilusões com justificativas levianas. (Eu sei que essa
não é a pessoa certa para mim, mas só estou me divertindo por
enquanto, sem levar tudo tão a sério. Nem tudo precisa ter um rótulo
bonitinho. Só estamos vendo aonde isso vai dar. Além disso, é uma
situação complicada.) No entanto, a “diversão” pode ser uma armadilha
para relacionamentos tóxicos. “Por enquanto” costuma ser um disfarce
inofensivo que usamos para trair os nossos sonhos. Nós aceitamos esses
eufemismos porque é mais fácil do que dizer a verdade sobre a nossa
mentalidade da escassez: que, quando ficamos com medo que tudo se
resuma a isso (ou que o nosso valor se resuma a isso), paramos de
escolher o que é certo e começamos a aceitar o que aparecer. Se
queremos tomar as decisões certas visando à nossa felicidade futura,
precisamos superar essa mentalidade, embora ela não seja a única coisa
que limita as nossas chances.
2. O que sabemos
Quando estamos sempre envolvidos em situações nocivas, os outros
podem presumir que continuamos fazendo essas escolhas porque nos
falta amor-próprio. Talvez essa presunção não esteja errada, mas pode ser
reducionista. Um golfinho em cativeiro consegue nadar em círculos e
atravessar aros para chegar até a sua própria refeição. Entretanto, se
soltarmos esse golfinho no mar, ele provavelmente vai ter dois
problemas: primeiro, se continuar associando humanos com comida, vai
descobrir que está procurando nos lugares errados para sobreviver. Algo
que, além de errado, é potencialmente perigoso, pois se aproximar de
embarcações em busca de comida pode ser fatal. Em segundo lugar, os
truques que aprendeu no tanque são inúteis no oceano. Mas é essa
realidade que o golfinho conhece, não é culpa dele. Se ele realiza o seu
número porque ao fazer isso recebe um peixe, ou se procura por pessoas
porque essa já foi uma forma confiável de conseguir comida, não
diríamos que o golfinho tem pouco amor-próprio; reconheceríamos a
triste verdade de que ele não conhece uma realidade diferente, que o que
ele sabe o deixa pouco e precariamente equipado para viver no oceano.
Muitas das pessoas que me procuram esperam melhorar o seu
sentimento de amor-próprio, o que com certeza é um objetivo válido.
Porém, geralmente, para que possam fazer isso, elas precisam retreinar
suas expectativas nos níveis interpessoais, comportamentais e
emocionais. No nível interpessoal, depois que as pessoas geralmente
entram em um padrão específico em todo relacionamento, pode ser
difícil imaginar que outro tipo de padrão exista. Se só tivermos nos
relacionado com pessoas infiéis, não importa quantos casais felizes e fiéis
conhecermos, ainda assim parecerá que só escolhemos os errantes. Parece
que só conseguimos reconhecer aquilo que nos é emocionalmente
familiar. Você pode finalmente deixar um narcisista e, mesmo assim,
continuar sentindo aquela sensação de medo e de ameaça contínua
envenenando a sua perspectiva, mesmo quando se conectar com alguém
estável e emocionalmente generoso.
No nível comportamental, todos temos truques nos quais confiamos;
alguns que desenvolvemos ainda crianças, tentando chamar a atenção
dos nossos pais. Pode ser que mostremos traços de comportamento que
desenvolvemos durante conexões românticas desafiadoras e formativas, e
nosso comportamento ainda não tenha se adequado ao tipo de
companhia que gostaríamos de ter. Talvez você esteja acostumado a
provocar ciúme em alguém só para conseguir a atenção dele, um
comportamento que funcionou com os ex que só estavam interessados
na conquista (mesmo que fossem daquele tipo que perdia o interesse por
você assim que você demonstrava qualquer tipo de afeto sincero). Uma
pessoa que esteja tentando se relacionar com você de verdade não saberá
muito bem como lidar com você quando os seus velhos hábitos
reaparecerem e surtirem um efeito completamente diferente nesse novo
relacionamento, parecendo um sinal de falta de lealdade e de respeito
mútuo. Isso pode fazer essa pessoa resolver escolher alguém cuja
gentileza e vulnerabilidade sejam mais acessíveis.
Ainda assim, é difícil deixar de lado as armas que funcionaram no
passado. Conheço homens que reclamam de mulheres que só querem
estar com eles pelo dinheiro e mesmo assim continuam escolhendo
restaurantes cinco estrelas para o primeiro encontro em vez do
restaurante familiar da esquina. Ouço mulheres reclamarem que os
homens parecem só querer sexo, mas cujas postagens nas redes sociais
parecem não deixar nada a cargo da imaginação. Para encontrar o amor,
às vezes precisamos abrir mão daquilo que nos faz receber atenção. Isso é
mais difícil do que parece, principalmente se o nosso ego estiver
envolvido e se começarmos a nos preocupar que, se desistirmos da
atenção que sabemos como atrair, ninguém nunca mais vai olhar para
nós.
No nível emocional também, o nosso sistema nervoso é programado
para certos tipos de experiência. Se nos acostumamos com as mudanças
bruscas de comportamentos imprevisíveis, pode ser difícil manter um
relacionamento que seja saudável mas que não ofereça esse tipo de
volatilidade. Uma amiga minha, Lucy, teve o primeiro namorado de
verdade na faculdade. Ele era desrespeitoso, a diminuía e era
inconveniente com outras mulheres na frente dela. Quando esse
relacionamento terminou, ela conheceu um rapaz atraente, engraçado e,
principalmente, gentil. As coisas eram fáceis entre eles e ela sabia
exatamente o que esperar dele. Quando ela foi visitar a família, depois de
poucas semanas de relacionamento, sua mãe perguntou o que estava
acontecendo:
— É estranho, mãe, ele é tão legal comigo — Lucy respondeu,
genuinamente perplexa.
— É assim que deve ser — sua mãe respondeu, mal conseguindo
esconder o alívio.
A gentileza demonstrada pelo novo namorado de Lucy inicialmente
causou estranhamento e desorientação. Se o mesmo acontecer com você
em circunstâncias semelhantes, e coisas como gentileza e paciência
fizerem você se sentir desorientado, seja generoso consigo mesmo. É
normal. Os maus-tratos com os quais estávamos familiarizados talvez
não tenham nos feito feliz, mas nos acostumamos a eles. É por isso que é
necessário mais do que apenas desejar algo novo. Desprogramar a nós
mesmos requer que escolhamos ativamente aquilo que não nos é familiar
no lugar do que conhecemos. Quando descobrimos que algo novo é
possível, precisamos ter coragem para lidar com o desconforto criado. É
difícil, e por isso as pessoas permanecem presas à sua infelicidade por
tanto tempo. Por outro lado, da mesma forma que podemos respirar
enquanto sentimos dor durante um treinamento físico doloroso,
devemos aceitar esse desconforto até que ele desapareça. Se conseguirmos
fazer isso, aquilo que começou como extremamente desconfortável pode
se tornar uma fonte nova de prazer. Se não queremos continuar
condenados a reviver essas emoções dolorosas, precisamos manter as
novas experiências até que elas se tornem algo conhecido e familiar.
Felizmente para a minha amiga Lucy, essa mudança aconteceu no
início da vida adulta. Muitos de nós não temos tanta sorte e repetimos
inconscientemente os mesmos padrões durante anos ou até mesmo
décadas porque é o que conhecemos; o que os nossos comportamentos
antigos atraem; e aquilo a que o nosso sistema nervoso responde. E, toda
vez que voltamos para os nossos velhos hábitos, eles nos deixam com a
sensação de possibilidades reduzidas. É como se a vida validasse essa
realidade dolorosa, contanto que continuemos a alimentá-la.
Compreender isso pode nos ajudar a exercitar a autocompaixão. O
simples ato de notar um comportamento diferente pode ser difícil. Os
tipos para os quais nos tornamos condicionados a nos sentirmos atraídos
tendem a ter o sinal mais forte no nosso radar. Aprender a fazer
distinções mais sofisticadas demanda tempo e uma intervenção
consciente, um compromisso de parar de alimentar os nossos velhos
hábitos e de começar a abraçar algo novo. Como todos que já tentaram
parar de beber ou fumar podem atestar, não é uma tarefa fácil. Significa
que precisamos treinar para controlar esse instinto perigoso mas natural:
o instinto de continuar focando a única coisa que estamos tentando
evitar.

3. Olhando para o muro


Quando perguntaram ao piloto da Fórmula 1 Mario Andretti qual era a
sua principal dica para dirigir um carro em uma corrida de alta
velocidade, ele respondeu: “Não olhe para o muro de contenção. O carro
segue a direção dos seus olhos”. Pilotos profissionais são ensinados a
controlar esse instinto. Mas quantos de nós nos identificamos com o ato
de ir exatamente na direção daquilo que queremos evitar?
Meu pai tinha uma tendência para o conflito quando eu era criança.
Eu me lembro de momentos entre ele e outros homens que escalavam
rapidamente. Na melhor das hipóteses, eu ficava com vergonha e tenso
durante esses momentos constrangedores; na pior das hipóteses, ficava
com medo que eles recorressem à violência, o que acontecia de vez em
quando. Eu tinha picos de adrenalina. Às vezes dissociava; outras, tinha
dificuldade para pensar em qualquer outra coisa horas depois que a
confusão acabava. Para piorar, quando era adolescente, trabalhei na
boate do meu pai (sim, sim, não era certo, eu sei), onde toda noite
testemunhava as coisas terríveis que as pessoas bêbadas eram capazes de
fazer umas com as outras. Aprendi a odiar brigas, ao mesmo tempo que
desenvolvi um sexto sentido para quando elas estavam prestes a
acontecer. Esse era um dos fatores que alimentavam um comportamento
de hipervigilância que me acompanhou durante grande parte da minha
vida, fazendo que eu estivesse sempre monitorando o meu entorno,
atento às ameaças de conflito e perigo para além do que seria útil ou
necessário. Sendo o mais velho de três irmãos, um pouco dessa
hipervigilância se transformou em um instinto protetor que, com
frequência, me levava a me envolver exatamente no tipo de situação que
supostamente queria evitar.
Em um bar em Golden Gai, durante uma viagem para Tóquio, no
Japão, fizemos amizade com a gerente do local, Melody, uma mulher que
conhecemos porque ela me reconheceu dos vídeos do meu canal no
YouTube. Golden Gai é um bairro conhecido por seus bares
absurdamente pequenos, como o de Mallory, com capacidade para cinco
ou dez pessoas, amontoados em uma complexa rede de ruas estreitas.
Toda vez que chegávamos Melody nos tratava bem, como se
frequentássemos o lugar desde sempre. Na noite em questão, meu irmão,
Harry, cantava a plenos pulmões a música “Hey Ya!” do Outkast no
caraoquê — não era uma música fácil de cantar, como evidenciado pelo
número de vezes em que ele errou a letra, embora pudesse ser culpa do
saquê — enquanto Stephen e eu assistíamos.
Enquanto Harry estava ocupado dizendo a todos “Agite como uma
foto Polaroid”, notei outro turista que o estava encarando. Isso me
incomodou, não pelo fato de Harry ser meu irmão, e sim porque, apesar
de ter 1,95 metro de altura, ele é simplesmente a pessoa mais doce que
existe. Imagine um filhote gigante, que ama as pessoas e está sempre
querendo se divertir; esse é o Harry. Nada nele sinaliza um problema.
Mas aquele cara não parava de olhar para ele. Vira e mexe eu olhava na
direção dele para confirmar, e, como diria Mario Andretti, não conseguia
parar de encarar o muro. E toda vez que olhava lá estava aquele olhar
descontente fixo no Harry.
Antes que eu me desse conta fui até ele, com o sangue quente, e
perguntei:
— Algum problema, cara? Você está encarando o meu irmão. Se você
tem um problema com ele, me diga e podemos resolver.
Não fui educado. Inconscientemente canalizei o meu mais carregado
sotaque de Cockney, região leste de Londres (obrigado, mãe e pai). Não
era um bom sinal. Vinte anos estudando as dinâmicas do
comportamento humano e da comunicação positiva tinham se resumido
a isso: eu, o especialista em amor do YouTube durante o dia,
incorporando um personagem de gângster do Michael Caine em um bar
japonês à noite. O que eu mais queria — o que sempre quis mais do que
tudo — era passar momentos tranquilos e descontraídos com as pessoas
que amo. Mesmo assim, lá estava eu começando uma briga. Stephen,
reconhecendo os sinais, segurou o meu braço:
— O que você está fazendo?
Melody, que com certeza já tinha visto inúmeras variações dessa
situação antes, também notou. Tão rápido como faria qualquer dono de
bar da região leste de Londres, ela se colocou no meio de nós e, daquele
jeito adorável das pessoas que não brincam em serviço, disse:
— Já chega. — E sinalizou para que nós dois voltássemos para os
nossos lugares.
Eu costumava pensar em como os meus irmãos sobreviveram sem
mim por perto. E então me dei conta: eles não se envolviam em
situações assim. Para mim, historicamente, essas situações estavam em
todos os lugares; para eles, não. Por quê? Porque eu estava encarando o
muro e eles, não (pelo menos não o muro que eu continuava
encarando). E quando não havia nenhum muro à vista eu,
inconscientemente, procurava por ele, por toda situação que validasse o
meu anúncio de utilidade pública para as pessoas que amava: “Não
estamos seguros, e todos precisamos estar atentos o tempo todo”. O que
eu não percebia era que estava não só vivendo, mas também criando,
uma realidade diferente daquela na qual meus irmãos viviam.
Todos tentamos controlar nossos medos de jeitos diferentes. O meu
jeito era chegar o mais perto possível do muro. Por quinze anos, os meus
hobbies escolhidos foram o boxe, o jiu-jítsu brasileiro e um pouco de
Muay Thai, todas atividades que mantinham o combate na minha
cabeça e às vezes me colocavam cara a cara com ele. Houve dias nos
quais o meu diretor, Jameson Jordan, precisou remarcar as filmagens de
vídeos porque o meu rosto estava com hematomas dos treinos. Eu
gostava dos vídeos do YouTube com pessoas lutando, que não só
aumentavam os meus níveis de adrenalina como também alimentavam a
minha percepção de que a violência estava sempre presente (o algoritmo
cumpria a sua função com prazer). Qualquer que seja o muro que
procura, você vai encontrá-lo, e cedo ou tarde terá passado tanto tempo
encarando aquele muro que nem enxergará mais um muro; você vai
achar que é só parte da vida. Hoje em dia eu faço um esforço consciente
para evitar ver esse tipo de vídeo — algumas mudanças são simples.
Quando a nossa mente está buscando o muro, vai enxergá-lo até onde
ele não está. Recentemente, tive uma cliente que tinha pavor de se
magoar. Assim que sentia que isso era uma possibilidade, afastava as
pessoas. Ela estava no início de um namoro com um rapaz que, segundo
ela, até então tinha sido um bom parceiro. Até que, em um sábado, ele
organizou uma reuniãozinha com alguns amigos do trabalho e não a
convidou. Ele não tinha escondido isso dela, mesmo assim ela ficou
chateada. Isso despertou seu receio de que ele não sentisse o mesmo que
ela, acordando medos ainda mais profundos de que ela não fosse boa o
bastante. Quando o sábado chegou, a mágoa tinha se transformado em
raiva, e ela enviou uma mensagem: Por que você não me convidou?
Percebendo a chateação dela, ele pediu desculpas, explicou que era
apenas um grupo de amigos com quem tinha o costume de se reunir e
perguntou se poderia ligar para ela mais tarde. E ela respondeu: Não
precisa. Porém, todo dia que passava e ele não ligava para ela — algo que
ela tinha pedido que ele não fizesse — só confirmava suas suspeitas de
que ela estava certa de ficar com medo. Ela tinha o direito de ficar
chateada por não ter sido convidada para conhecer os amigos dele, mas o
seu foco no muro transformou uma oportunidade de demonstrar
vulnerabilidade e criar intimidade em um motivo para implodir o
relacionamento. No entanto, ela só pensava que tinha provado a sua
teoria: todos inevitavelmente acabariam por magoá-la.
Precisamos tomar muito cuidado com o tipo de “normal” que criamos
para nós mesmos. Existem tantas realidades diferentes, mas o nosso foco
e escolhas nos aprisionam em uma que não queremos. Não permita que
o seu muro se torne o seu mundo.

4. Nosso valor
Até aqui, estabelecemos alguns motivos cruciais para continuarmos
dizendo “sim” para pessoas e situações que nos fazem mal: o medo de
não termos tempo nem oportunidade suficientes, que nos faz
desenvolver a mentalidade da escassez e acreditar que precisamos aceitar
o que aparece; as nossas experiências do passado, que forjam o que
conhecemos; e o foco perigoso no muro, que nos direciona para aquilo
que é familiar e não para o que queremos. Também discutimos sobre o
desconforto intenso que podemos sentir quando tentamos desviar o
olhar do muro e direcioná-lo para algo novo. Em vez de aceitar esse
desconforto, muitas pessoas voltam para o que conhecem, mesmo que
isso as faça infelizes. Parte desse desconforto advém do fato de ser uma
experiência nova e o desconhecido pode ser assustador. Por outro lado,
existe mais um desafio: quando vivemos algo novo e isso representa mais
do que tivemos no passado, não só precisamos nos familiarizar com isso,
mas também permitir nos sentir merecedores disso.
Aquilo a que fomos condicionados no passado é responsável tanto
pelo que conhecemos como pelo que julgamos merecer. Na nossa
cabeça, o passado é um reflexo do nosso valor na vida. Podemos querer
mais, podemos até perceber que mais é possível para outras pessoas,
porém é difícil acreditar que mais é possível quando se trata de nós.
Interpretamos mal as nossas próprias experiências e temos a falsa crença
de que, se realmente merecêssemos mais, já teríamos recebido mais.
Treinar a nós mesmos para ficarmos confortáveis com receber mais é
difícil. No passado, nos disseram coisas ou nos ensinaram a aceitar coisas
que afetaram negativamente a percepção que temos do nosso próprio
valor. Por isso, aprendemos a nos sentirmos confortáveis com receber
menos, a ponto de ficarmos até mais seguros quando isso acontece. E,
depois que nos acomodamos nesse lugar, receber mais pode nos causar
estranhamento e nos deixar com medo: de não sermos capazes de manter
nenhum dos ganhos ou melhorias em nossas vidas; de descobrirem que
não merecemos estar na posição em que estamos — a essência da
síndrome do impostor. Existe um sentimento distorcido de segurança
em receber menos. A segurança é dos males o menor; significa saber o
caminho, mesmo em um terreno difícil.
Mesmo quando pedimos mais, receber mais pode instantaneamente
gerar insegurança em nós. Você já precisou ser firme com uma pessoa
que está acostumado a agradar? Depois de se posicionar, ou de falar com
sinceridade sobre os seus sentimentos, quanto tempo levou para que
você começasse a se sentir culpado por isso? Quanto tempo levou para
que voltasse para a dinâmica que lhe causa ressentimento?
Existe uma segurança em ser quem reclama sobre o egoísmo do outro.
Existe uma segurança em ser a pessoa de quem os outros se aproveitam.
Nós sabemos desempenhar esse papel. Mas talvez nunca tenhamos
aprendido a sermos iguais em um relacionamento.
Quando percebemos que receber mais na verdade pode causar mais e
não menos insegurança, começamos a entender por que passamos tanto
tempo das nossas vidas reclamando das mesmas coisas. É mais fácil
reclamar do que treinar para nos sentirmos confortáveis nesse novo
lugar.
Talvez só nos sintamos seguros em um relacionamento quando
estamos fazendo mais pelo outro do que permitimos que ele faça por
nós. Depois de um tempo, pode ser que essa desigualdade fundamental
até cause uma sensação de controle. Esse desequilíbrio é ainda mais
comum quando decidimos que alguém é atraente ou mais atraente do
que nós: ele é particularmente bonito, bem-sucedido, carismático,
charmoso e impressionante. A nossa autoestima nos diz que seria querer
demais estar com alguém assim sem ter enfrentado algum efeito colateral
ruim como parte da barganha: ele trai, a comunicação é inconstante, se
entrega menos do que nós, desperta incertezas em nós, só é gentil depois
de uma sequência de abuso emocional. Quando você se vê nessa situação
e se sente psicologicamente inseguro para ter conversas difíceis por medo
de perder a pessoa, o seu valor preestabelecido lhe diz que você está
pedindo mais do que vale.
Como resultado, só ficamos confortáveis com o amor que recebemos
quando ele vem com condições. Isso nos dá permissão para aceitar o
presente. Uma vez assisti a uma entrevista com a comediante Nikki
Glaser, na qual ela explicava a sua relação com o orgasmo:

Eu sempre gostei de ficar amarrada. Sou uma pessoa que não


acredita que merece sentir prazer sem sentir dor. Por exemplo, eu
nunca comemoro nada; só consigo comemorar ou relaxar se tiver
me matado de trabalhar por aquilo. Tenho muita dificuldade de
aproveitar a vida. Eu preciso me punir primeiro. E com os
orgasmos… é difícil para mim ter um e me permitir ter um. É
demais. É como o Natal. Precisamos esperar um ano inteiro pelo
Natal; não podemos ter Natal todos os dias. Então, eu gosto de
estar amarrada e ser forçada a ter um Natal.

Algumas pessoas podem ficar chocadas pela descrição de Nikki sobre


o que precisa fazer para merecer o privilégio de ter um orgasmo. Eu vejo
como uma descrição da maneira como muitos de nós vivemos. Tenho
dificuldade de acreditar que mereço momentos de alegria e tranquilidade
sem antes cumprir um cronograma brutal, segundo o qual preciso
monitorar a minha produtividade minuto a minuto. Talvez algumas
pessoas consigam usar essa mentalidade do “fazer por merecer” de
maneira saudável. Não é o meu caso. A minha versão dessa mentalidade
é uma mutação na qual alegria e autocompaixão são suprimidas por um
tirano interior que decide se já apanhei o suficiente para o dia. Quando
estou prestes a desmoronar, uma voz interior diz: “Ok. Vamos dar a ele
meia hora de paz antes de dormir. Mas vamos deixar bem claro para ele
que retomaremos de onde paramos, logo cedo pela manhã”.
Ter consciência de padrões como esse é um primeiro passo
importante. Nos ajuda a exercitar a autocompaixão, a reconhecer a força
que nos mantém onde estamos, mesmo quando começamos a sentir que
existem mais possibilidades para nós do que nos permitíamos acreditar
no passado. Entretanto, em vez de permitir que qualquer insegurança
nos convença de que “mais” só é possível para os outros, e não para nós,
precisamos começar a nos reeducar sobre o nosso valor. É uma espécie de
reparentalização, na qual desaprendemos antigos condicionamentos,
profundamente enraizados, de que somos errados e nos ensinamos a
fazer novas associações, algumas pela primeira vez, por exemplo, o amor
não deveria vir com condições que nos fazem sofrer; não tem problema
ter necessidades e verbalizá-las sem vergonha ou culpa; merecemos o
mesmo respeito, consideração e gentileza que qualquer outra pessoa —
não existe um motivo especial para merecermos um tratamento pior,
independentemente de termos aprendido a nos ver como pessoas más e
indignas; não importa o quanto alguém pareça ser incrível por fora,
porque, no fundo, é só uma pessoa, como nós.
A maioria de nós vive esperando que o outro nos ensine qual é o
nosso valor. Mas está na hora de viver com base em uma verdade
diferente: embora, de vez em quando, apareçam pessoas especiais em
nossas vidas, que têm uma visão única sobre o nosso valor, no fim das
contas, cabe a nós ensinar aos outros sobre o nosso valor, e não o
contrário.
São coisas difíceis de serem aprendidas. É como aprender a andar de
novo. Porém, assim como uma criança aprendendo a andar, precisamos
de paciência, gentileza e incentivo à medida que tropeçamos
desajeitadamente, descobrindo uma nova forma de caminhar pelo
mundo.

5. A sensação é boa
Qualquer análise dos motivos pelos quais seguimos gravitando na
direção daquilo que nos faz mal seria incompleta se não revisássemos o
nosso comportamento à luz da influência do vício. Inúmeras facetas de
um relacionamento são viciantes: o sexo; os períodos de lua de mel;
pessoas carismáticas, carinhosas e a onda de oxitocina que sentimos
quando nos abraçam; a dose de dopamina que recebemos quando o
nome de alguém reaparece na tela do nosso telefone. Até mesmo os
ciclos de altos e baixos que vivemos quando namoramos alguém que nos
faz sentir amados e depois ansiosos, e depois amados novamente, são
viciantes. A psicologia tem um nome para isso: vínculo traumático. As
substâncias envolvidas no amor e no namoro são tão viciantes que
muitos de nós fazemos ou aceitamos qualquer coisa para continuar
recebendo a nossa dose delas.
Procuramos essa dose no caminho que oferece menor resistência:
voltando para pessoas que não nos levam a lugar nenhum, em vez de nos
esforçarmos para encontrar alguém novo. Voltamos para dinâmicas
nocivas porque elas geram uma euforia familiar quando as coisas ficam
boas de novo. Aceitamos qualquer conexão no curto prazo, não importa
o quanto sejam inferiores, em vez de aproveitarmos a solitude e os
períodos prolongados de solteirice.
O que as drogas fazem é oferecer uma solução rápida para emoções
dolorosas. O problema é que essa solução rápida não dura muito tempo;
uma cadeia de eventos que pode facilmente convencer alguém de que
não existe uma solução de longo prazo para a sua vida amorosa.
Funciona como uma espécie de crescendo para a mentalidade da
escassez, que leva à completa perda da esperança. Quando não existe
esperança, o que começa como uma solução rápida pode se tornar um
estilo de vida. O comentário a seguir, feito por uma das assinantes do
meu canal no YouTube, funciona como um importante choque de
realidade:

Quando você começou a listar os motivos pelos quais justificamos


namorar a pessoa errada, eu pensei: NOSSA, eu faço isso! Mas,
sinceramente? É melhor do que nada. Passei muitos anos, anos
extremamente solitários, sem ter ninguém porque estava sempre
querendo encontrar a pessoa certa e evitar perder meu tempo com
namoros casuais. Enquanto isso, continuava envelhecendo sem
nunca encontrá-lo; por isso precisei aceitar a norma, que é o
relacionamento casual. Se eu não namorasse os caras errados, ainda
estaria solteira. Pelo menos é mais divertido assim do que ter que
lidar com a completa e absoluta solidão.
— Sarah, assinante do canal

Como não simpatizar com a Sarah? Quem não é capaz de entender


por que ela escolheu simplesmente aproveitar as oportunidades que
cruzam o seu caminho, em vez de perder anos da vida esperando por
aquele relacionamento que, em teoria, vai ser sério e repleto de amor,
mas que nunca parece se materializar? A honestidade dela nos força a
confrontar a pergunta: Será que não ter nada é realmente melhor do que
ter a coisa errada? Fica claro para mim, quando descrevo os quatro níveis
de importância de um relacionamento (admiração, atração recíproca,
compromisso, compatibilidade), que uma grande porcentagem da
plateia inicialmente me encara, de braços cruzados, porque a experiência
dessas pessoas diz que até mesmo a atenção recíproca está longe de ser
uma possibilidade. Por que se dar ao trabalho de querer ter
compatibilidade de longo prazo nesse caso? Para alguém que não teve
ninguém durante anos, a atração recíproca, não importa o quanto seja
imperfeita, funciona como um bote salva-vidas, ou, pelo menos,
proporciona um pouco de divertimento.
Por outro lado, será que não se trata apenas de um truque da baixa
autoestima, juntamente com a falta de amor-próprio, agindo como uma
espécie de fatalismo existencial? Será que não é só mais um jeito de nos
safarmos, uma desculpa que nos convence a aceitar menos, que nos
distrai da possibilidade de encontrar algo incrível que a vida está
reservando para nós, para quando conseguirmos romper esse nosso ciclo
vicioso? E como seria romper esse ciclo na prática? Como obter o tipo de
relacionamento cuja existência passamos a questionar? Como garantir
que vamos ficar realmente empolgados com aquilo que é melhor para
nós, em vez de ansiar pelo que nos faz mal? E como podemos garantir
que nos sentiremos merecedores disso quando conseguirmos? Essas
perguntas são a chave para que possamos encontrar satisfação no amor.
Para encontrar essa satisfação, precisamos levar a sério o compromisso de
criar uma nova realidade em nossas vidas amorosas. Precisamos
conscientemente recalibrar o padrão de configuração que governou as
nossas decisões até agora. Quer tenhamos vinte ou sessenta anos, sejamos
solteiros convictos ou namoremos pessoas erradas uma atrás da outra,
precisamos dar passos diários e tomar decisões que, de uma vez por
todas, vão reprogramar o nosso cérebro quando estamos apaixonados.
Embora não seja uma tarefa fácil, garanto que é possível e que o roteiro
para isso é mais prático do que você imagina.
10

COMO REPROGRAMAR SEU


CÉREBRO

Todos temos padrões que direcionam automaticamente o curso das


nossas vidas durante muito tempo: um padrão de pensamento ansioso
que nos leva a sabotar qualquer coisa boa que cruze o nosso caminho,
porque, no fundo, tememos não sermos bons o bastante para mantê-la;
permitindo que o ciúme e a insegurança assumam o controle e destruam
a nossa experiência de estar em um relacionamento; insistindo em
pessoas indisponíveis emocionalmente; entrando em padrões de
codependência com parceiros tóxicos e até mesmo abusivos; investindo
demais e consequentemente afastando a possibilidade de
relacionamentos saudáveis assim que começamos a gostar de alguém;
encontrando defeitos e fugindo sempre que o período de lua de mel
acaba e o relacionamento se torna real, porque no fundo não sabemos
como receber um amor saudável.
Não é fácil se desconectar desses padrões dolorosos. Padrões se
transformam em hábitos, que, por sua vez, podem se transformar em
comportamentos automáticos e que, por fim, se tornam naturais a ponto
de serem aceitos como parte da nossa identidade. Essas crenças
fundamentais sobre o que e quem somos podem continuar nos fazendo
mal. Embora sejam difíceis de mudar, temos a capacidade de causar um
curto-circuito no que parece ser automático e, em vez disso, passar a agir
com intenção. Assim que identificamos os padrões persistentes que nos
fazem mal — algo que tentamos fazer no capítulo anterior —,
começamos a reprogramar conscientemente o nosso cérebro para uma
vida amorosa que nos deixará mais tranquilos e, quem sabe, mais
satisfeitos.
Os cinco passos a seguir estão menos relacionados às atitudes que você
precisa ter quando sair pelo mundo conhecendo pessoas novas e mais
relacionados às suas condições mentais, suas perspectivas e expectativas
antes de fazer isso. Eles envolvem aceitar o ritmo dos nossos
comportamentos mais interiorizados, por isso é importante avaliar o seu
progresso com compaixão e se lembrar de que as pequenas mudanças
também contam.

Passo 1: Faça da mudança uma necessidade


O começo de uma mudança não se baseia na crença, e sim na
necessidade. Assim que aprendemos, por experiência própria, que não
podemos mais continuar fazendo o que estamos fazendo, fazer algo novo
e diferente se torna uma necessidade. Segundo Platão, “A necessidade é a
mãe da criatividade”. Infelizmente, a compreensão clara dessa
necessidade só é alcançada quando sentimos a verdadeira dor e o
principal custo de continuar fazendo a mesma coisa.
Qual o padrão que está nos causando essa dor insuportável?
Arruinando qualquer bom relacionamento que cruze o nosso caminho e
nos fazendo terminar sozinhos, sentindo que nós somos o problema?
Correndo atrás de pessoas que sabemos que são encrenca e sendo
traídos? Namorando pessoas indisponíveis emocionalmente, que
desperdiçam anos das nossas vidas? Nos apegando com tanta ansiedade
(ou nos esquivando tanto) que nunca conseguimos relaxar e acabamos
sabotando todos os nossos relacionamentos? Nunca conseguindo
defender o que queremos em um relacionamento e permitindo que se
aproveitem de nós? Ou talvez a dor não seja causada pelos
relacionamentos, e sim porque evitamos estabelecer conexões como um
todo: ignoramos qualquer parte nossa que deseje encontrar o amor;
dividindo o nosso tempo entre o trabalho e jantares com amigos casados,
insistindo que “aplicativos de namoro não funcionam para mim”, mas
sem tomar nenhuma iniciativa para conhecer pessoas na vida real
também. E depois vem a autorrecriminação (por não fazermos nada para
mudar a nossa situação), que aumenta a nossa solidão.
Um dia a dor atinge um crescendo, quando nos damos conta dos
custos: de perdermos a chance de ter uma família biológica (se isso for
importante para nós), de desperdiçarmos anos com alguém que nunca
mereceu o nosso foco, de nunca realmente nos arriscarmos para
encontrar o amor. Para entender isso, só precisamos ver aonde a nossa
trajetória atual vai nos levar, e fazer isso não tem relação com viagens no
tempo, ou poderes psíquicos, e sim com o bom senso.
Em algumas situações, como voltar para um parceiro abusivo, o custo
é óbvio. Em outras, como manter contato com o ex que não supre as
nossas necessidades, é mais traiçoeiro. Eu chamo esse impulso de
“microdosagem de amor”. É quando dizemos para nós mesmos que só
vamos continuar saindo com aquela pessoa até que apareça alguém
melhor; só que esse relacionamento casual acaba se tornando o motivo
de nunca termos o incentivo para encontrar alguém melhor. Toda
interação, seja por mensagem, telefone ou sexo, reafirma a marca
psicológica dessa pessoa na nossa vida. A intimidade nunca é o bastante
para nos satisfazer, mas é suficiente para nos distrair de encontrar outro
alguém. Nós não ficamos com aquela pessoa, nem a superamos.
Graças à microdosagem, existem pessoas indisponíveis em todos os
lugares, que não estão de fato comprometidas, mas que deixam passar
possíveis parceiros, demonstrando enorme indiferença, porque estão
semiabsortas em um relacionamento fantasma. O lado bom dessa
desilusão amorosa é que ela passa com o tempo. Entretanto, a
microdosagem é como um disco de vinil riscado, que faz a agulha ficar
pulando: um looping de sofrimento.
A microdosagem é apenas um dos padrões que nos impedem de
encontrar o amor. Qualquer que seja a sua situação, se não estiver
funcionando, aceite essa dor. Decida que não está disposto a pagar o
custo futuro desse padrão. Essa decisão faz a mudança se tornar
necessária e inevitável, porque, assim que você disser “Chega!”, será
confrontado pela próxima pergunta: “E agora?”. A resposta para essa
pergunta exige que você tome outra decisão: “O que é o mais
importante para mim neste novo capítulo da minha vida?”.

Passo 2: Escolha o que é mais importante


Decidir o que queremos para a nossa vida amorosa é crucial para que
possamos distinguir entre o que vale o nosso tempo e o que não vale. É
praticamente o oposto, do ponto de vista das prioridades, de uma lista
com as principais características de um parceiro ideal — precisamos
escolher o que é mais importante para nós primeiro, quais são os nossos
critérios principais na hora de escolher um parceiro. Esses critérios se
tornam o mapa que nos orientará enquanto navegamos pelo universo do
namoro.
Para que lado você vai? Na direção de alguém que traz paz para a sua
vida ou da pessoa mais atraente com quem acha que pode ficar? Alguém
que está disposto a planejar um futuro com você, ou alguém impossível?
Alguém comprometido com o próprio crescimento ou alguém que tem
1,90 metro de altura? Muitos de nós escolhemos como se estivéssemos
fazendo seleção de elenco para um desfile, e não buscando um parceiro
para a vida. Veja o exemplo da desiludida Natalie, do filme Amor sem
escalas, de 2009, quando explica o que amava em seu ex, que continuava
sendo o tipo de homem com quem ela sonhava ficar:

Ele realmente preenchia todos os pré-requisitos, sabe? Executivo,


1,85 metro de altura, curso superior, ama cachorros, gosta de filmes
engraçados, cabelo castanho, olhar gentil, trabalha no mercado
financeiro, mas gosta de estar ao ar livre. Sempre imaginei que ele
teria um nome curto, como Matt, ou John, ou Dave. Em um
mundo perfeito, ele tem um utilitário esportivo, e a única coisa que
ama mais do que a mim é o seu labrador amarelo. E tem um belo
sorriso.

A lista de pré-requisitos da Natalie parece uma chamada para um teste


de elenco; praticamente não há nada nela que faria de alguém um bom
parceiro. A vida real requer duas pessoas que vão desempenhar inúmeros
papéis em uma variedade de crises, e não só fazer uma performance
deslumbrante, convertida em um reel incrível para o Instagram. Sempre
que ajudo uma pessoa a superar alguém, pergunto o que ela amava no
outro, já sabendo que raramente as suas respostas citarão aspectos que
tenham uma mínima relação com o que faz de alguém um ótimo
parceiro. Uma vez, para justificar o fato de continuar investindo em um
homem que a enrolava havia meses, uma mulher me disse, sem nenhum
traço de ironia: “Ele é muito educado, tem bom coração, é proativo e
conquistou um cargo muito importante na empresa em que ele
trabalha”. Nenhum desses traços estava relacionado com a maneira como
ele a tratava ou a fazia sentir. Pode ser chocante perceber o impacto
mínimo que as coisas que sempre quisemos realmente têm na qualidade
do nosso relacionamento.
Um sinal de que estamos sendo bem-sucedidos em nos reorientarmos
é: as características necessárias para a nosso teste de elenco inicial
começam a desaparecer. Uma vez conversei com um homem feliz no
casamento que me disse que, embora sempre tenha se interessado por
dançarinas, a sua esposa era uma das pessoas menos coordenadas que ele
já tinha conhecido. Ele riu quando perguntei se isso o incomodava.
“Quanto tempo da minha vida eu passo em uma pista de dança? A
minha esposa é a melhor pessoa que eu conheço; ela é uma mãe
maravilhosa, e adoramos a companhia um do outro. É isso que tem
impacto na minha vida todo santo dia.”
Enquanto você estiver revisando as qualidades que realmente
importam, considere o quanto o seu ego, e não a sua felicidade futura,
tem sido uma força determinante. Uma das minhas clientes particulares,
Lisa, é uma das profissionais mais bem-sucedidas que já conheci e
desejava muito encontrar o amor. No entanto, quando nos conhecemos,
logo ficou claro para mim que era o ego dela, e não o seu bem-estar, que
estava comandando as suas escolhas:
Eu me interesso por homens que outras mulheres acham atraentes.
Sempre estou procurando alguém que seja mais desejado pelas
mulheres do que eu sou pelos homens. É como se, quando um
homem é considerado “o cara” e eu ouço outras mulheres falando
sobre o quanto ele é incrível, eu me interessasse ainda mais.
Principalmente se achar que ele é mais inteligente do que eu, ou
que está se destacando na carreira ou nos negócios. Eu passo a
desejá-lo, ao mesmo tempo que fico apavorada com a possibilidade
de ser rejeitada por ele.

Apesar de ser extremamente bem-sucedida, Lisa convivia com um


profundo sentimento de inferioridade, que se manifestava em seus
relacionamentos com os homens. Essa inferioridade a motivava a tentar
provar que era capaz de atrair alguém que os outros julgassem ótimos
partidos, uma conquista pessoal que finalmente a faria se sentir como se
estivesse no topo. Porém, quando esses homens a tratavam mal, isso não
era suficiente para convencê-la de que eles provavelmente não eram bons
candidatos, nem merecedores do seu investimento; pelo contrário, isso
apenas confirmava o seu medo de não ser boa o bastante para alguém
como eles. E então ela tentava ainda mais para conquistar a aprovação
deles, independentemente do quanto sofresse — um círculo vicioso de
autoabuso, além de transformá-la em um alvo fácil para pessoas ruins.
Como a sua insegurança estava no comando, ela se desconectou da
própria experiência, procurando não por uma pessoa que poderia fazê-la
feliz, mas por alguém que pudesse fazê-la se sentir boa o bastante.
O que o nosso ego quer e o que o nosso coração precisa geralmente
são coisas completamente diferentes. A palavra ego com frequência é
associada apenas a uma noção exagerada da própria importância, mas o
ego também pode ser alimentado pela insegurança, que nos faz desejar
ter essa importância antes de mais nada. O ego que diz “Eu sou incrível”
é a mesma voz que pode dizer “Eu não tenho nenhum valor” no dia
seguinte. São dois lados de uma mesma moeda. É tudo uma questão de
ego. Diversos livros foram escritos inteiramente sobre esse assunto, e
mentores como Eckhart Tolle são especialistas nessa área. Tudo o que
precisamos saber para os nossos objetivos neste livro é que o nosso ego
está sempre tentando garantir reforço e validação para si mesmo.
Quando acreditamos que somos muito importantes, nosso ego nos faz
acreditar que as outras pessoas não são boas o bastante para nós. Quando
questionamos o nosso próprio valor, nosso ego nos leva a acreditar que
os outros são bons demais para nós. Permitir que o nosso ego tome
decisões é uma péssima estratégia para alcançar a felicidade no amor. O
seu ego pode querer uma pessoa alta, atraente, empresária de sucesso,
que mora em uma cobertura em uma cidade grande — uma pessoa por
quem todos os seus amigos o parabenizarão por encontrar. Por outro
lado, o seu coração pode se aquecer por alguém que lhe permita ser você
mesmo e que te faça sentir aceito.
Se você notar que a falta de esforço de alguém o leva a considerá-lo
mais interessante, é o seu ego que está no comando. Enxergamos a nossa
capacidade de “conquistar” essa pessoa como uma forma de validarmos o
nosso próprio valor. Se essa pessoa tão importante não acha que eu sou bom
o bastante, então não devo ser suficiente, pensamos. Se essa pessoa é
considerada atraente pelos outros, estamos propensos a cair na armadilha
mimética de basear o valor dela naquilo que os outros consideram
valioso. Esse é o problema de ouvir o nosso ego e não a voz interior que
nos diz do que realmente precisamos. O ego nos faz cair na armadilha de
valorizar aquilo que a maioria está valorizando. Porém, como diz a
minha esposa, Audrey (era minha noiva quando comecei a escrever este
livro!): “Ninguém se torna mais importante porque o holofote está em
cima dele”.
Quando prestamos atenção nas nuances daquilo que nos faz felizes —
que são, por definição, específicas para nós —, o nosso interesse se torna
o próprio holofote. Quanto mais sintonizados estivermos com o que é
importante para nós, menos nos preocuparemos com o que é importante
para os outros. Não estamos tentando encontrar alguém que seja certo
para os outros; queremos alguém que seja certo para nós.
Para descobrir o que é importante para você, pergunte a si mesmo:
“Quando eu estava no meu momento de maior infelicidade com alguém
(independentemente de estar tentando desesperadamente mantê-lo), o
que estava faltando e me fazendo infeliz?”. Em outras palavras: “Antes
mesmo de considerar o que eu quero em uma pessoa, tenho que saber do
que eu preciso em um relacionamento para ser feliz? O que preciso sentir
de alguém para ficar em paz? Que valores preciso que alguém
compartilhe comigo antes de qualquer outra coisa?”.
Veja algumas possibilidades: um compromisso sério, igualdade,
investimento no relacionamento, abertura na comunicação, gentileza,
constância, estabilidade, confiança, comprometimento, lealdade,
integridade, responsabilidade, parceria, fazer você rir, fazer você se sentir
visto, compreendido e aceito, deixar você seguro para ser quem é sem
julgamento ou vergonha, saber que o outro reconhece e se preocupa com
seus sentimentos, tempo de qualidade, presença, sentir-se seguro no
relacionamento, valorização das conquistas a dois (por exemplo, casar ou
ter filhos).
No passado, pode ser que tenhamos nos apegado a alguém que tinha
charme, carisma, boa aparência ou status, mas, quando uma necessidade
crucial não era satisfeita, as coisas que antes julgávamos realmente
precisar perderam o seu valor. Mesmo assim, continuamos tentando nos
convencer de que eram coisas que não poderíamos nos dar ao luxo de
perder, mas o que estava faltando tornava impossível que ficássemos — e
muito menos que ficássemos e fôssemos felizes. Que qualidades a vida o
fez pensar que não poderia viver sem? Isso não se aplica apenas aos
valores de alguém, mas também ao que ele quer da vida — o seu legado.
Que tipo de compromisso ele deve estar disposto a assumir para que
você seja feliz com ele? A pessoa certa não é apenas isso; é também
aquela que está preparada.
Você se lembra do muro e da maneira como podemos passar a vê-lo
em todos os lugares, mesmo quando ele não existe? Quando
reprogramamos o nosso cérebro, precisamos começar a nos desconectar
da ideia de que sempre conhecemos o mesmo tipo de pessoa, ou
acabamos em um mesmo tipo de relacionamento, e começar a nos
conectar com a ideia oposta: a de que existem pessoas diferentes daquelas
pelas quais nos sentíamos atraídos no passado.
Um sinal de que a reprogramação do nosso cérebro está começando a
funcionar surge quando as coisas pelas quais costumávamos ansiar não só
se tornam desnecessárias como não são mais atraentes. Uma amiga
minha sempre se sentia atraída por tipos carismáticos, a alma da festa;
tão atraída que ignorava repetidas vezes suas falhas graves de caráter. Eles
a traíam, e, o que é pior, ela nunca se sentia aceita por ser quem é.
Sempre que relaxava e se comportava como a pessoa gentil e
profundamente emotiva que é, eles diziam que era “sensível demais”. A
necessidade reflexiva deles de controlar o ambiente mal deixava espaço
para os sentimentos dela. Depois de anos de sofrimento nesses
relacionamentos, ela reconheceu a hierarquia daquilo que era importante
para ela, começando por encontrar alguém que valorizasse a sua
inteligência emocional como o dom que era. Ela se surpreendeu ao
descobrir que estava ficando cada vez menos impressionada e, até
mesmo, menos atraída pelo tipo de charme que antes a encantava, um
traço que ela passou a interpretar como uma forma de insegurança e
carência. Ela passou a valorizar pessoas que tinham um tipo de confiança
profunda e tranquila e a prestar mais atenção em conversas que eram
verdadeiras e recíprocas com pessoas que a faziam se sentir confortável
para ser quem era. O marido dela é alguém com quem a sua versão mais
jovem nunca imaginaria que ela ficaria, ela diz, e ela afirma com alegria
que nunca foi tão feliz.
Determinar o que é mais importante para nós cria um modelo para a
nossa felicidade no amor que é ao mesmo tempo possível e feito sob
medida para as nossas necessidades. Isso nos desconecta das exigências
supérfluas e às vezes baseadas no ego das nossas versões anteriores, ao
mesmo tempo que nos conecta com os ingredientes essenciais para a
nossa felicidade de longo prazo, abrindo caminho para que possamos
escolher para quem doar o nosso tempo e energia. O próximo passo
envolve orientar as nossas vidas na direção desse caminho e segui-lo,
mesmo quando os nossos sentimentos ameaçam nos desviar dele.

Passo 3: Siga o seu caminho, não os seus


sentimentos
Se temos certeza do caminho que escolhemos — o que deveríamos ter,
considerando que já sabemos o que deu errado das últimas vezes —,
vamos dizer “não” para as coisas que só oferecem conforto ou
empolgação de curto prazo. É quando o antigo adágio se aplica: Se você
quer uma vida difícil, faça o que é mais fácil; mas, se quer uma vida fácil,
faça aquilo que é difícil. Toda vez que tomamos decisões que se alinham
com o nosso novo caminho, reafirmamos nossas intenções, sinalizando
para nós mesmos (e quem mais notar), sem nenhuma ambiguidade, o
que valorizamos.
Infelizmente, nossa vida amorosa é uma área na qual sempre existe
alguém para nos dizer para seguirmos o que sentimos. A julgar pelos
dilemas que as pessoas que me procuram têm, seguir os próprios
sentimentos parece um exemplo clássico de coisa fácil que dificulta a
vida. Eu me lembro de um término que levei meses para aceitar que era
necessário, bem como da reação confusa da minha mãe, me vendo sofrer
depois. Quando ela não conseguia mais assistir àquele triste espetáculo,
disse: “Ah, querido, se está doendo tanto assim, não seria melhor que
vocês voltassem?”. Por mais que eu fosse grato pelo seu misto de
confusão e frustração, mesmo sofrendo, eu sabia que se seguisse o
conselho dela estaria apenas confundindo aquilo que me faria me sentir
bem e aliviado momentaneamente com o que me faria mais feliz no
longo prazo.
Esse mesmo dilema está presente no início dos relacionamentos
também. Depois de um excelente primeiro encontro, talvez você sinta
vontade de enviar uma mensagem que evidencie a sua empolgação,
como: Oi, eu sei que acabamos de nos conhecer, mas acho que te amo.
Parece óbvio para mim que deveríamos nos casar e começar uma vida juntos.
O que você acha? Ainda bem que temos um sistema natural de freios que
nos impede de enviar essa mensagem pra valer, um botão de pausa
emocional que nos permite deixar de lado nossos sentimentos e nos
questionar: “Será que isso contribui para o caminho que eu quero
seguir?”. Essa pergunta, que pode ser instintiva em momentos como
esse, é uma das muitas que deixamos de fazer em outros momentos, mas
que precisamos começar a fazer com consciência e frequência, enquanto
reprogramamos nosso cérebro e remodelamos nossos comportamentos.
Uma vez, fui entrevistado por uma pessoa que usava uma camiseta
com a mensagem “Os seus sentimentos são válidos”. Eu não disse na
época o que vou escrever aqui agora: eu não acho que todos os meus
sentimentos são válidos. Se os sentimentos são baseados em
pensamentos, considere quantos pensamentos inválidos temos por dia,
por causa de ansiedade irracional, medo ou estresse, todos provocando
sentimentos que estão completamente desconectados da realidade. Uma
espécie de “um cego guiando outro cego” dentro do nosso cérebro.
Seguir os meus sentimentos o tempo todo costuma ser uma péssima
decisão. Se eu fizesse isso, provavelmente iria à academia no máximo sete
vezes durante o resto da minha vida. Em vez de permitir que aquilo que
sinto na hora assuma o controle, eu sempre me pergunto: “Será que isso
é algo que, no final, me fará dizer ‘Ainda bem que fiz isso?’”. No caso da
academia, a resposta é quase sempre “sim”. Em situações parecidas na
minha vida, apesar da resistência que sinto inicialmente, eu sei que
preciso vencê-la e fazer mesmo assim. Isso, é claro, também vale para
situações negativas. Existem coisas que realmente queremos fazer
naquele momento, mas que sempre nos farão sentir pior depois que
fizermos. Nesses casos, podemos nos perguntar: “O que eu posso deixar
de fazer, mas que, no final, me fará dizer: ‘Ainda bem que não fiz isso?’”.
Por exemplo, beber demais a ponto de odiar a vida no dia seguinte. Uma
das vantagens de agirmos com esse tipo de intenção em nossas vidas
amorosas é a possibilidade de conquistarmos o respeito dos outros.
Quando as pessoas percebem que temos parâmetros para darmos
abertura a alguém, mesmo quando o nosso coração está acelerado, isso se
torna um sinal de integridade, uma evidência de que nos valorizamos, e,
ao fazer isso, passamos a ser mais valorizados também. Também
sinalizamos que precisamos de mais do que sentimentos momentâneos;
precisamos de algo que nos faça sentir bem depois também.
No início do meu namoro com Audrey, ela se viu cara a cara com o
tipo de pessoa que eu alerto em vários momentos deste livro que você
evite (que horror!). Nos conhecemos em Londres e tivemos encontros
muito bons, durante os quais estabelecemos uma conexão. No entanto,
depois que voltei para a minha casa em Los Angeles, nos Estados
Unidos, havia um oceano e um continente entre nós. Embora tenha
começado bem, durante as semanas seguintes minha comunicação foi se
tornando mais esparsa. Ligações viraram mensagens de texto. A
frequência dessas mensagens caiu para a cada dois ou três dias. Até que,
em determinado momento, depois de dias sem nos falarmos, enviei uma
mensagem para ela dizendo que estava com saudade. Para ela deve ter
parecido algo ao mesmo tempo inesperado e não condizente com o
clima da nossa dinâmica naquele momento, porque algumas horas
depois recebi uma resposta que foi como levar um soco no estômago: Oi,
espero que você esteja bem. Sinceramente, faz um tempo que não sinto que
estamos tão próximos assim, e essa mensagem (independentemente de qual
tenha sido a sua motivação) me pareceu uma forma de receber atenção.
Essa doeu. Não estou exagerando quando digo que foi como levar um
soco no estômago. Eu me senti repreendido, exposto. Eu estava
querendo atenção. Eu gostava da Audrey; gostava demais, na verdade.
Mas não queria um relacionamento a distância. E até mesmo isso era
uma desculpa. Eu não queria nenhum tipo de relacionamento
verdadeiro, e ela percebeu. Audrey sempre diz que estava gostando muito
de mim quando fui embora de Londres, mas, quanto mais percebia que
os nossos caminhos não estavam alinhados, menos estava disposta a
desperdiçar sua energia comigo. Vale a pena dizer que, embora Audrey e
eu hoje estejamos casados e felizes, essa mensagem não provocou uma
resposta imediata minha. Seguimos caminhos diferentes durante um
tempo ainda depois disso. Contudo, quando finalmente nos
reconectamos, eu sabia exatamente com quem estava lidando e o que era
esperado de mim. Nesse meio-tempo, ela não tinha desperdiçado nem
um minuto do seu tempo com alguém que não conseguia estar onde ela
estava.
Agir com intenção nesse estágio exige que reorientemos o nosso foco,
para não ceder aos nossos sentimentos, e sigamos no nosso caminho.
Essa é a maior demonstração de amor que podemos dar a nós mesmos.
O nosso caminho, no qual custamos a chegar, passa a se refletir em
nossas decisões, conversas e atitudes diárias. E quando isso acontece
pode ser revelador perceber o quanto o outro passa a nos levar a sério e o
quanto pode estar disposto a unir o seu caminho ao nosso.

Passo 4: Não tenha vergonha de comunicar


o seu caminho
Quando estamos reprogramando nosso cérebro, precisamos ir além de
simplesmente viver de acordo com o nosso caminho; precisamos ser
corajosos o bastante para dividir isso com os outros também. Fazer isso
funciona como um convite para que eles façam o mesmo, o que ajudará
ambas as partes a enxergar se seus caminhos têm chances de se
alinharem, além de permitir que o outro saiba quais são os nossos pré-
requisitos, o que evita que percamos tempo com quem não estiver
disposto a cumprir com eles.
A minha amiga Tanya Rad era a produtora do meu programa de rádio
Love Life, antes que ele virasse o podcast. Desde o dia em que a conheci,
cerca de dez anos atrás, ela estava à procura de um companheiro de
longo prazo, por isso levava muito a sério tudo o que eu dizia durante os
programas. Um comentário que fiz durante um seminário ao vivo fez
muito sentido para ela: “Se tivermos cem pessoas solteiras,
provavelmente uma ou duas vão ser realmente certas para você; se você
conhecer apenas uma pessoa nova por mês, vai precisar viver pelo menos
mais cem anos para garantir um resultado positivo”. Depois disso, ela
passou a considerar seus encontros uma espécie de segundo trabalho: ela
não terminaria sozinha porque não tinha conhecido homens o suficiente.
Mesmo assim, anos se passaram sem que ela encontrasse o tipo de
relacionamento sério que queria.
Quase dez anos depois, Tanya é hoje coapresentadora, junto com
Ryan Seacrest, de um dos maiores programas de rádio dos Estados
Unidos. E em algum momento nesse meio-tempo ela também
encontrou o relacionamento que procurava e ficou noiva. Convidei
Tanya para contar a sua história para os membros do Love Life Club, na
expectativa de que ela revelasse tudo sobre a única coisa que faltava para
ela durante todos esses anos.
Começamos conversando sobre namoro e intimidade, áreas nas quais
ela lutava contra uma noção que sempre a deixava desconfortável:

Eu acho que existe essa mensagem, principalmente para as


mulheres, de “Passe o rodo! Podemos ser como os homens! Ter
todos os encontros de uma noite só que quisermos”. E eu pensava:
Eu não sou assim. Nunca fui programada para isso. Se você é assim,
ótimo, eu respeito, mas eu nunca fui. Nunca consegui transar sem
compromisso. Então eu disse: “Tudo bem, de agora em diante não
faço mais sexo fora de um relacionamento sério”. E quando falei
em relacionamento sério estava pensando em namoro com alguém
comprometido comigo. E, bom, isso eliminou vários pretendentes
rapidinho.

Essa era uma Tanya diferente da que eu me lembrava. A ideia de ir


por eliminação revelou algo crucial: a disposição de aceitar uma perda
tática em nome de uma significativa vitória de longo prazo. Tanya
conseguiu fazer isso porque tinha chegado ao ponto da necessidade sobre
o qual falamos: o primeiro passo para reprogramar o nosso cérebro. Ela
tinha avaliado a dor e o custo de continuar no seu padrão antigo. Como
resultado, teve mais clareza do que era importante para ela: conhecer
alguém com a mesma intenção sobre encontrar o amor que ela. Depois
que começou a seguir nesse caminho, ela deixou de tentar agradar os
outros ou de ceder ao que parecia empolgante no momento.
Isso a levou até o ingrediente que faltava: como o objetivo dela não
era mais um segredo, ela estava realmente disposta a comunicar qual era
o seu caminho, independentemente das consequências. Ela explicou
como essa abertura funcionava na prática:

Lembro que conheci um cara em um restaurante e dei meu telefone


para ele em uma happy hour. Ele me chamou para sair, e eu aceitei.
Isso foi numa segunda ou terça-feira, e a ideia era sairmos naquele
final de semana. Ele me ligou só para conversar, e eu pensei: “Meu
Deus, ninguém faz mais isso”. Pareceu bem legal da parte dele.
Então, enquanto conversávamos, ele fez uma piada sobre sexo; não
lembro exatamente sobre o que era. Não foi grosseira nem nada,
mas me deu uma abertura e eu abri o jogo. Eu disse: “Ah, hahaha,
bom, eu não transo se não estiver em um relacionamento sério”. E
ele respondeu: “Nem eu”. Então eu disse: “Ah, isso é muito legal”.
Só que, mesmo ele tendo dito isso, eu ainda tinha a impressão de
que ele não queria compromisso. Terminamos a nossa conversa
naquela noite e ele nunca confirmou o encontro. Acho que pensou:
Eu não vou conseguir o que eu quero, e desistiu, o que não é um
problema.

Conversar, ela descobriu, proporcionava inúmeras aberturas para que


ela pudesse comunicar o seu caminho. Alguns homens faziam piadas,
outros não achavam que era tão importante assim. Mas todos
entenderam o que ela estava dizendo, e, por ter certeza da sua decisão,
ela estava em paz com qualquer reação que recebesse. A postura dela
também tinha suas nuances: para ela, sexo significava penetração, então
outras coisas ainda poderiam acontecer se ela se sentisse confortável. E
acredito que vale a pena mencionar que, meses depois de começar a sair
com seu noivo, ela dormiu com ele, antes que estivessem em um
relacionamento sério. Veja o que ela me disse sobre isso:

Isso foi bem difícil para mim porque foi no calor do momento. E
acho que eu sabia desde o início com ele em específico que ele era a
pessoa certa para mim, então eu só me permiti me sentir segura
naquele espaço e [a essa altura] ele também não ignorou a
importância disso. Fui eu que deixei acontecer; ele nunca me
pressionou. E, no fim, isso meio que nos aproximou, porque
conseguimos conversar seriamente logo depois. E eu disse: “Eu fiz
uma promessa a mim mesma, e sinto que me decepcionei. Eu não
me arrependo. Estou muito feliz, e estou feliz com o rumo que as
coisas estão tomando, mas não quero fazer mais isso até que
estejamos em um relacionamento sério”.

Tanya assumiu a responsabilidade, uma atitude atraente por natureza.


Apesar de só ter ficado triste pelo fato de considerar que tinha
decepcionado a si mesma, ela também deixou claro para ele que não se
arrependia. Além disso, também não jogou tudo pela janela só porque
tinha desviado do caminho uma vez. Na verdade, quebrar a própria regra
se transformou em uma oportunidade para reforçá-la. Os dois não
voltaram a dormir juntos até que estivessem comprometidos um com o
outro. Um mês depois, eles estavam. Ninguém precisa ser perfeito.
Porém, Tanya se manteve consciente do seu comportamento, mesmo
quando suas ações a desviaram do caminho.
Ela também foi direta com ele sobre o desejo que tinha de se casar e
ter filhos — uma conversa que não deve ter sido fácil, considerando que
ele não só era divorciado como já tinha dois filhos. “Nós conversamos
sobre as minhas experiências”, ela me contou. “E eu disse a ele: ‘Eu sei
que você já foi casado e tem filhos. Essas são experiências que eu
realmente ainda quero viver. Fico empolgada com a possibilidade de me
casar um dia e de ser mãe. Quero muito passar por essa fase da minha
vida’.”
Se Tanya, visivelmente ansiosa, tivesse deixado escapar “Eu quero me
casar!”, poderíamos perdoar o outro por querer sair correndo. Alguém
que mal conhecemos não deveria ficar com a impressão de que já o
escalamos para uma posição para qual ele ainda nem fez por merecer.
Mas Tanya estava falando sobre algo que a deixava empolgada por ser
um desejo seu. Realmente não tinha nada a ver com ele (a não ser pelo
fato de ele já ter vivido essas experiências). No entanto, o subtexto estava
lá: se você não quiser viver essas experiências novamente, vamos parar
por aqui e dizer que foi bom enquanto durou.
Perguntei a Tanya como ela fazia quando não tinha uma abertura do
tipo “sou um pai divorciado”, e ela me deu uma resposta igualmente
prática:

Eu lidava quase como se fosse uma espécie de transição de carreira,


dizendo: “Eu já conquistei bastante coisa na minha vida
profissional, mas ainda tem muitas coisas que gostaria de fazer na
vida pessoal. Durante muito tempo não me permiti estar em um
relacionamento sério porque estava focada na minha carreira. Isso é
uma coisa que eu desejo de verdade. Tenho muitos amigos casados
à minha volta, com casamentos maravilhosos. Isso é uma coisa que
eu quero muito. O mesmo vale para filhos. Sempre senti que estava
trabalhando demais para sequer pensar em ter filhos”.

Ela nunca expressava ter urgência (mesmo que a sentisse), o que não
seria apropriado assumir para alguém que tinha acabado de conhecer —
um erro comum que revela uma ansiedade e que o outro interpreta
como pressão. Em vez disso, ela simplesmente definia seu caminho com
base na própria empolgação. A mensagem era totalmente positiva.
Como foi fácil para Tanya! Que bom para ela!, podemos ficar tentados a
pensar todas as vezes que ouvimos histórias assim. Mas a história dela,
como a da maioria, não foi um “sucesso” que aconteceu da noite para o
dia. Ela precisou conhecer muitos homens, ter encontros ruins e
relacionamentos indefinidos até encontrar alguém que se mostrou
receptivo aos parâmetros dela. Ela não decidiu mudar um dia e no dia
seguinte conheceu alguém de quem gostava e que estava pronto para o
pacote completo. Ela namorou por uma década, pôde se conhecer muito
melhor — o que queria e o que não queria —, solidificou o seu caminho
e finalmente encontrou alguém alinhado com a sua visão. Uma das
principais causas de impaciência na vida amorosa das pessoas são
histórias do tipo: “Eu fiz XYZ, e, do nada, a pessoa certa apareceu!”. O
crescimento na vida real é lento, mas os resultados são reais. Assim como
em outras áreas da vida, a batalha na vida amorosa das pessoas é vencida
bem antes que elas tenham alguém para mostrar como resultado.
Vamos resumir o que aprendemos até aqui sobre reprogramar o nosso
cérebro:

• A necessidade marca o início da mudança. Assim como Tanya,


precisamos ser honestos sobre o sofrimento do presente e o custo
futuro das nossas atitudes até agora. Essa avaliação honesta não nos
deixará outra escolha que não seja fazer diferente.
• O próximo passo é decidir o que é mais importante para nós agora: o
nosso novo caminho.
• Precisamos seguir nesse novo caminho em vez de ceder aos impulsos
dos nossos sentimentos momentâneos. Felizmente, quanto mais
conectados estivermos com os motivos pelos quais o nosso caminho é
importante para nós, menos empolgados vamos nos sentir sobre as
situações que acabam nos fazendo mal.
• Nos tornamos capazes de nos comunicarmos sem sentir nenhuma
vergonha, sabendo que não tem problema perder os outros, não
importa o quanto eles sejam atraentes. Ninguém tem passe livre para
cruzar o nosso caminho.
• Devemos comunicar aonde queremos chegar de maneira positiva, já
que estamos empolgados e seguros, e não ansiosos e inseguros. Não
tem a ver com eles; tem a ver conosco.

Se você fizer isso, vai evitar 99% do sofrimento presente na vida


amorosa das outras pessoas e abrir caminho para o seu próprio
relacionamento saudável. Mas e a pergunta que não quer calar? Aquele
receio, lá no fundo, mesmo quando estamos fazendo tudo certo e
dizendo “não” para as pessoas e experiências que não estejam alinhadas
com o nosso caminho; o receio de nunca encontrarmos alguém que nos
faça sentir do jeito que nos sentíamos com outra pessoa, ou que nos
disseram que deveríamos nos sentir quando encontrássemos a pessoa
certa? E a questão de ter química com o outro?

Passo 5: Não compre pelo impulso da


comparação, com base na química
Vamos imaginar (ou talvez não seja preciso imaginar) que você
encontrou uma pessoa que o trata bem, que está interessada e quer as
mesmas coisas que você. Porém, ela não é uma pessoa por quem você se
sente atraído, algo que o deixa cada vez mais ansioso. Quanto tempo
você espera antes de decidir que esse não é o relacionamento certo? Será
que deveria continuar buscando alguém por quem sinta atração ou
deveria ficar com essa pessoa porque ela cumpre vários dos seus pré-
requisitos?
A resposta curta e enfática é “não”. Não só você não deveria desistir da
atração como eu não recomendo que faça isso. A química sexual é o fator
essencial que diferencia a amizade dos relacionamentos românticos. Se
você não consegue se ver tendo um relacionamento sexual com seu
parceiro ou desfrutando desse momento com ele, o caminho será longo.
Vale a pena se perguntar: será que o nível de química que eu sinto com
essa pessoa é algo com que vou conseguir conviver pelo resto da vida? Se
a resposta for “não”, é hora de cair fora. Não tente forçar; a atração não
responde bem à coerção.
Por outro lado, podemos encontrar mais pessoas pelas quais nos
sentimos atraídos quando removemos alguns dos obstáculos que
criamos. Um deles é o quanto somos rígidos com relação à nossa
“política de abertura” para namoros. Hoje, mais do que nunca,
dispensamos as pessoas com uma velocidade impressionante. Não existe
lugar em que isso seja mais evidente do que nos aplicativos de namoro,
nos quais mantemos parâmetros altos e artificiais mais cruéis do que
qualquer outro padrão que seguimos na vida real, onde as nossas lentes
têm um filtro de foco mais suave. O bufê digital desvaloriza e faz as
pessoas parecerem ser descartáveis quando comparado a ter uma pessoa
real, diante de nós, dizendo coisas que nos surpreendem. O maior perigo
da tecnologia é que inconscientemente rejeitamos pessoas com quem
poderíamos ter uma química verdadeira; e fazemos isso com facilidade,
sabendo que outra pessoa virá logo depois.
Quem nunca se sentiu sexualmente atraído por alguém que nunca
teria escolhido em uma seleção feita pelos aplicativos de namoro? Talvez
você tenha até se casado com essa pessoa! Isso acontece porque a atração
sexual não é determinada por uma foto; é um jogo — um enredo que se
desenrola e ganha vida ou se perde quando as pessoas se encontram
pessoalmente. Mesmo de um ponto de vista superficial, podemos dizer
que muito da atração advém das movimentações do outro; como ele se
move, sorri, se levanta ou anda. Podemos nos sentir atraídos por alguém
simplesmente pelo jeito como ele balança a cabeça durante uma música.
Essa verdade pode ser verificada em todas as direções. Podemos ver a foto
de alguém que julgamos ser objetivamente bonito e simplesmente não
sentir nada quando o vemos pessoalmente. Podemos sentir uma atração
absurda por alguém que acabamos de conhecer pessoalmente e, para a
nossa surpresa, descobrir que as fotos dele nas redes sociais “não lhe
fazem justiça”. Já aconteceu de uma amiga lhe mostrar a foto da pessoa
superatraente com a qual ela saiu na noite anterior e você pensar consigo
mesmo É sério? A diferença não está necessariamente baseada em uma
preferência pessoal. Sua amiga estava lá, você não. Isso não quer dizer
que você deveria relevar a sua necessidade de sentir química com o
outro, e sim perceber que ter química não é algo simples, logo, pode
valer a pena reavaliar a sua “política de abertura”, que pode estar
dificultando que você descubra se a química existe de fato.
Além disso, a química não só exige mais do que uma foto como às
vezes demanda mais de um contexto. Você já teve um crush em alguém
que nunca tinha notado antes? Até que um dia ele fez algo cativante, ou
apareceu usando uma roupa que fez você olhar para ele com outros
olhos, ou lhe mostrou o quanto é competente em seu ofício. E assim, de
repente, você sentiu alguma coisa. É por isso que precisamos ter cuidado
com declarações como “Eu nunca conheci alguém por quem me senti
atraído”. A atração é mais do que um encontro, da mesma forma que
uma praia é mais do que um balde de areia e uma garrafa de água
salgada.
Também precisamos ter consciência de como o ego pode interferir na
química. O ego diz: “Essa pessoa não se veste como as outras com quem
namorei” ou “Não é uma pessoa que gosta de fazer coisas ao ar livre” ou
“Meus amigos e familiares não a acharão atraente”. Critérios assim, ao
mesmo tempo que são retrógados e críticos demais, afetam a nossa
capacidade de fazer uma escolha verdadeira, colocando muito mais valor
em fatores externos, como boa aparência e estilo, do que em outras
qualidades pelas quais podemos nos sentir sexualmente atraídos quando
estivermos presentes e envolvidos. A atração sexual é pessoal, e podemos
senti-la intensamente com alguém que não teria se encaixado nas nossas
noções preconcebidas sobre o que faz o nosso tipo.
O ego não só prejudica uma possível química como pode falsamente
identificar uma. Faz alguém que se mostra esquivo e difícil de conquistar
se transformar em uma pessoa valiosa e desejável. Por que correr atrás de
alguém indisponível? Os altos inesperados e baixos turbulentos são
confundidos com sensações de química — o que não faz nenhum
sentido. Tenha cuidado para não confundir um ciclo de ansiedade e
alívio temporário com química.
Quando isso vira um hábito (ou até mesmo um vício), pode gerar
distorções nos resultados. Meg, que é membro do meu clube, uma vez
me disse: “Já me machuquei muito em relacionamentos no passado;
mesmo assim, tenho dificuldade de sentir o mesmo tipo de atração com
os outros homens com quem me relacionei depois. O que devo fazer?
Também tenho medo de me machucar de novo. Quais qualidades
deveria procurar?”. Meg resumiu o estranho dilema que está presente em
tantas vidas amorosas: como encontrar outra pessoa igualzinha àquela
que me magoou sem me machucar de novo?
No entanto, quando Meg e eu começamos a destrinchar o seu último
relacionamento, ficou claro que o namorado não a magoou só quando
terminou com ela. Mesmo quando os dois estavam supostamente em um
relacionamento, ela nunca se sentiu segura e tranquila. E é o que ocorre
em muitos relacionamentos: nunca sentimos que conquistamos
definitivamente a pessoa. Quando isso acontece, a corrida nunca
termina. Nós seguramos com toda a força, como se a nossa vida
dependesse disso. Como o sentimento de segurança nunca aparece, a
turbulência emocional do início do relacionamento nunca termina. Era
essa a situação da Meg, que criava condições impossíveis para os novos
pretendentes; eles precisavam fazê-la sentir o mesmo nível de desejo que
ela sentia pelo ex — com a exceção de que sempre fora um desejo
baseado em fazê-la se sentir desconfortável. Saiba que nunca vamos estar
seguros com quem permanece fora de alcance. E lembre-se: em qualquer
relacionamento, você se apaixona pela presença da pessoa, não pela sua
ausência.
Também tome cuidado quando o pico da química cresce e atinge
níveis que você não consegue reproduzir tão facilmente: o romance de
férias; o entusiasmo de um caso; o relacionamento de dois meses que
adquire uma enorme importância só depois que termina abruptamente.
Todos amamos fogos de artifício, mas para prender a nossa atenção eles
precisam garantir duas condições primárias: a atmosfera romântica da
noite, e saber que tudo vai acabar muito rápido. Retire um desses fatores,
e todos os fogos se tornam comuns. Quantas experiências que
consideramos serem o ponto alto de nossas vidas foram breves e hoje se
tornaram distorcidas pelas lentes turvas da memória? E se o seu amante
dos trópicos tivesse voado de volta para casa com você? E se o seu ficante
de dois meses enviasse uma mensagem pedindo um favor? Você não
pode comparar a reação química rápida de uma corrida romântica de
velocidade com a estamina necessária para a maratona de um noivado.
No mínimo, precisamos moderar quaisquer sentimentos de romance
motivados por situações como essa a partir da realidade do fato de que
realmente não temos noção de como teria sido se tivéssemos ficado com
aquela pessoa no longo prazo.
Resumo da ópera: ter química é crucial, mas não é a única qualidade a
ser buscada em uma parceria de longo prazo. É verdade que é algo
extremamente importante na fase inicial, mas, se estamos escolhendo
com base na química, por que também não buscamos a pessoa mais
gentil, ou a mais incentivadora, ou a que mais nos entende, qualidades
que são tão importantes, se não forem mais, quanto a química para nos
fazer felizes no longo prazo?
Isso não quer dizer que você precisa começar a preencher seu diário
com pessoas por quem não sente nenhuma atração física, ou continuar
saindo com pessoas com quem, desde o início, não sentiu nada. É
simplesmente um convite para não tomar decisões no calor do momento
sobre química e atração sexual, que precisam de um pouco de exposição
e abertura para se manifestarem; para parar de colocar os sentimentos
que nutrimos no passado — sentimentos que, por definição, nunca
tiveram que resistir ao teste do tempo — em um pedestal; e para atribuir
à química o nível de importância apropriado, mas não em um nível mais
alto do que as outras qualidades necessárias para um relacionamento
feliz. Por fim, precisamos lutar contra a nossa necessidade de estar
sempre fazendo comparações. Quando nos comprometemos a encontrar
um relacionamento completo, a química é um componente vital, mas
não é uma competição que uma nova pessoa precisa vencer.
PADRÕES COMO OS QUE DISCUTIMOS nos dois últimos capítulos podem se
tornar normais para nós sem que sequer percebamos, e é por isso que
não podemos confiar na esperança de que um dia vamos simplesmente
acordar e começar a nos sentir melhor ou a tomar decisões melhores. A
mudança não é algo que acontece com a gente; ela precisa vir de nós, o
que exige mais do que uma simples epifania. Epifanias (talvez você tenha
tido algumas lendo este livro) apenas iluminam o caminho. É a intenção
que reordena o nosso modo de ser — é uma guerra de resistência contra
o que fazíamos antes. Quando algo não está funcionando para nós,
precisamos identificar imediatamente o que é, como um sentinela que
guarda os portões da nossa felicidade e, assim que conseguimos, tomar a
decisão de parar de fazer ou de dar abertura para isso e começar a fazer o
que será melhor para nós no futuro. Preste atenção naquilo que te faz
sentir melhor consigo mesmo. Alie-se com algo mais importante, como
os valores que passou a admirar nesse estágio da vida. Decida com
antecedência o que é importante para você em uma pessoa. Saiba que
tipo de energia quer que o rodeie, e quais qualidades lhe trazem
tranquilidade na vida e nos relacionamentos. Oriente cada parte da sua
vida ao redor dessas qualidades: como você gasta o seu tempo, a energia
que coloca no mundo, o tipo de pessoa no qual investe até mesmo como
amigo. Sature a sua vida com o tipo de energia que quer atrair. Não é
algo que acontece da noite para o dia, mas é mais poderoso do que você
imagina. Quanto mais você faz, mais vai notar e ser notado por outras
pessoas com essas qualidades.
Nada disso é fácil. É mais fácil ir atrás daquilo que nos faz sentir
melhor momentaneamente do que fazer as coisas que nos farão sentir
bem no longo prazo e ter fé que elas em algum momento vão atrair a
pessoa certa para as nossas vidas. Fazer isso requer sacrifício, paciência e
comprometimento. Requer que continuemos treinando o foco todos os
dias para o nosso novo objetivo: a nossa paz e felicidade. Envolve
disciplina e requer que levemos a nós mesmos e ao nosso bem-estar a
sério.
A coisa certa pode não parecer tão valiosa no início, e é essencial nos
momentos de tentação continuarmos conscientes das coisas que nunca
funcionaram no passado e do porquê. No entanto, se seguirmos
tentando, logo veremos que gradualmente vamos chegar a um lugar mais
saudável, um lugar de calma e objetividade. Vamos nos libertar das
correntes frenéticas da ansiedade e do vínculo traumático e entrar nas
águas calmas de um relacionamento com atenção plena, no qual ficará
mais claro para nós o que é uma atração saudável e o que não é. As
pessoas erradas vão começar a perder a importância e até mesmo o apelo.
O tipo de pessoa que entraria na sua vida no passado e acabaria com a
sua paz de repente deixa de ser atraente e de estar sintonizado com o
ritmo da sua nova vida.
Quando nos libertarmos do ciclo do vício no amor, podemos começar
a encontrar uma espécie de química mais serena, embora não menos
valiosa, com novas pessoas, que talvez não considerássemos antes. Você
não começará a achar todo mundo magicamente atraente, mas pode ser
que comece a notar pessoas que nunca tinha notado antes e, ao fazer
isso, descubra que a sua gama de possibilidades aumentou. Isso gera
esperança. A dor que propiciou essas mudanças em você diminui,
abrindo caminho para a noção de que novas coisas são possíveis: não só
existem pessoas que nem sabíamos que existiam como elas estão entre
nós. Fica claro que as nossas versões mais jovens não eram de fato as
especialistas que julgavam ser naquilo de que precisávamos para sermos
felizes. Com alguma distância, podemos desfrutar de uma nova
possibilidade de encerramento, que se torna disponível para nós: a
capacidade de rir com leveza e carinho das nossas confusões do passado.
11

A DÚVIDA SOBRE TER OU NÃO


FILHOS

Durante esses anos nos quais compartilho ideias e filosofias sobre a


temática da confiança e do amor-próprio com mulheres, percebi que
para muitas delas existe um medo oculto afetando suas capacidades de
manter os padrões que estabeleceram enquanto trabalhamos juntos. O
grupo do qual sou o porta-voz aqui é o das mulheres que sentiam ter um
tempo limitado para decidir se queriam ou não ter filhos.
Não tenho lugar de fala para me sentir confiante ou confortável para
opinar sobre esse assunto. Mas o meu desconforto não é a questão, e sim
a discussão sobre isso. Muitas das minhas clientes sabiam que gostariam
de ser mães desde pequenas. Talvez elas não tenham verbalizado isso
quando adultas por medo de serem vistas como antiquadas pelas outras
mulheres, ou intensas demais pelos homens; porém, para várias delas, ter
uma família sempre foi um dos seus maiores objetivos de vida. Uma das
minhas amigas mais bem-sucedidas me confessou recentemente que,
apesar de todo o seu sucesso — invejado por muitos —, o seu maior
sonho era, e continuava sendo, ter uma família, e esse sonho era muito
maior do que qualquer sonho de carreira que tivesse, mesmo depois de
trabalhar tanto.
Para outras mulheres, o desejo de ter filhos as pegava de surpresa.
Depois de anos focando outras áreas de suas vidas — carreira, viagem,
amigos —, de repente e sem nenhum aviso viram tudo isso ir para
segundo plano, superado por uma necessidade intensa e arrebatadora de
satisfazer algo que repentinamente parecia instintivo. Apesar de estarem
satisfeitas com a própria vida, elas começaram a sentir a pressão. E não
precisa ser explícito. Talvez elas nunca tenham sofrido pressão familiar,
nem de amigos presunçosos, nem mesmo cogitado que ter filhos era algo
que poderiam querer e ainda assim acabavam colocando essa pressão
sobre si mesmas. Quer essa mensagem venha sorrateiramente de fatores
externos ou apareça sutilmente como uma voz interior, agora era
impossível ignorá-la.
É claro que nem todas as mulheres sentem essa necessidade. Já
trabalhei com inúmeras delas que tiveram que terminar um
relacionamento porque o parceiro queria ter filhos e elas não. Para
outras, a família, a sociedade e a pressão social que cresce à medida que
envelhecem as deixam confusas, sem saber se sua ansiedade é
simplesmente resultado da pressão cultural ou social ou motivada por
algo que realmente desejam.
Existe também a angústia comum das pessoas que, embora não
tenham ouvido nenhum chamado da maternidade, se sentem inclinadas
a ter um filho como uma espécie de apólice de seguros contra um
possível arrependimento futuro de não ter seguido por esse caminho.
Esse desalinhamento interior as faz sentir isoladas e exaustas, enquanto
lutam contra a vergonha e o medo de terem que se convencer de algo
que “supostamente” seria uma das melhores experiências que existem,
mas que para elas se assemelha a uma estratégia desconexa de aversão ao
risco.
Mesmo assim, para quem sente, o desejo profundo de ter filhos é uma
necessidade que, com o passar do tempo, pode dominar o seu foco, além
de afetar a autoconfiança, ao mesmo tempo que alimenta a ansiedade e
até mesmo o pânico que pode levar à tomada de decisões perigosas e às
vezes desastrosas em termos de relacionamentos.
O que é esse medo? É o medo de que esse processo essencial da vida
que muitas pessoas querem vivenciar, e julgam ser fundamentais para
suas felicidades e sentimentos de realização, possa não acontecer. Isso
não se aplica somente para aquelas que estão sempre solteiras, ou pulam
de um relacionamento para outro até que seja tarde demais; também se
aplica para muitas que têm parceiros dispostos e empolgados, e que
descobrem que ter uma gravidez de sucesso é muito mais complicado do
que imaginavam (devido a dificuldades em um ou ambos os lados), ou
impossível como um todo.
Trabalhei com um casal que, mesmo tendo acesso aos melhores
médicos e a inúmeras inseminações artificiais ao longo dos anos, não
conseguia ter uma inseminação bem-sucedida. Outra mulher,
juntamente com seu parceiro, estava nessa jornada da fertilidade fazia
nove anos, tinha tentado a fertilização in vitro (FIV) várias vezes
(hipotecando sua casa para isso), sem sucesso. A vida não é tão simples
quanto pensar Se eu não conhecer a pessoa certa a tempo, não poderei ter
filhos. Conseguir ter filhos biológicos não é garantia em nenhum dos
casos. Para ter filhos dentro de uma estrutura tradicional, a cultura dita
que você precisa encontrar alguém com quem tê-los, a biologia exige que
você e seu parceiro concebam dentro da janela de fertilidade, ambos
precisam ser compatíveis em termos de fertilidade e, finalmente,
precisam levar a gravidez até o final, ou pelo menos o mais longe que for
possível. Não surpreende que esse objetivo de vida faça muitas pessoas se
sentirem impotentes. Existem inúmeras variáveis pelo caminho que
podem ser obstáculos para que consigam alcançá-lo.
O meu primeiro contato com os desafios que surgem a partir do
desejo de ter filhos não veio durante um estudo sobre a ciência por trás
desse processo, e sim de um curso intensivo sobre o sofrimento causado
por ele: não só na forma da ansiedade e do pânico causados quando o
relógio biológico desperta, mas também pelo sofrimento agravado por
decisões ruins tomadas sob influência desses sentimentos. Muitas vezes,
parece que o meu único trabalho é tentar baixar a temperatura de
relacionamentos durante um aquecimento global irreversível que
acontece dentro da mente das pessoas assim que o desejo de formar uma
família se intensifica. Enquanto, de um lado, tento incentivá-las a
desacelerar e a não investir tanto nem tão rápido, enquanto essa força
contrária lhes manda acelerar, ignorar os sinais de alerta e ir para a mesa
de negociação como alguém que precisa de um bote salva-vidas.
Sem dúvida não entendo completamente as amarras profundas de
medo e isolamento que podem controlar algumas mulheres que sentem a
janela de tempo ir se fechando para algo que parece ser fundamental
para sua existência. Mas eu conheço o terror nauseante de sentir que não
temos o controle daquilo que parece uma questão de vida ou morte.
Pode ser paralisante. Muitas mulheres com quem trabalho tentam seguir
com suas vidas compartimentalizando — silenciando esse anseio interior
com uma obsessão pelo trabalho, as obrigações do dia a dia e
relacionamentos inconsequentes.
Entretanto, essa voz nunca se cala por completo como gostariam, e
elas seguem ansiando por algo que, de alguma forma, parece já fazer
parte delas, mesmo que ainda não tenha acontecido. Eu sei disso porque
qualquer sinalização de que vamos abordar esse assunto difícil durante
um evento já é o suficiente para levar muitas das mulheres da plateia às
lágrimas instantaneamente. Isso pode se tornar um tipo de ansiedade
silenciosa e crônica que passa a atormentar as pessoas: um desejo
desesperado por algo que naquele momento parece ser a chave para a sua
felicidade.
Se você estiver em um estágio em que não pode mais ter seus filhos
biologicamente, pode se ver vivendo uma espécie de luto não resolvido,
ou se sentir condenada ao sentimento de que falta algo em sua vida.
Ainda que pareça que muito deste capítulo está voltado para quem está
no início desse processo, a minha esperança é que o conteúdo desperte
uma sensação de alívio para você também.
Quanto mais me aprofundo nesse assunto, mas compreendo e sinto a
desigualdade nisso tudo. Muito homens acreditam que não há pressa, já
que podem, pelo menos em teoria, engravidar uma mulher até o final de
suas vidas. A biologia da mulher diz o contrário. Além disso, os homens
têm que lutar contra a própria biologia também: existe uma
superestimação no que tange à fertilidade masculina, ou a viabilidade de
seus espermas, à medida que envelhecem. Essa superestimação só
exacerba a assimetria biológica entre homens e mulheres. Os homens
usam essa assimetria para fazer piadas irônicas e frequentemente cruéis
sobre mulheres serem “intensas demais”, ou “loucas”, simplesmente
porque elas querem ter clareza sobre um assunto com o qual eles fingem
não se importar. Enquanto isso, esses homens seguem agindo com toda a
tranquilidade de quem acredita que tem tempo de sobra
(independentemente de isso ser verdade ou não). Eu sempre me
pergunto que tipo de desespero visível esses homens demonstrariam se
ouvissem que o maior sonho de suas vidas — seja ter filhos, abrir uma
empresa ou tornar-se milionário — só pode ser realizado nos próximos
três ou cinco anos (e também dependeria de outra pessoa para que
acontecesse!), do contrário se tornaria impossível independentemente do
que fizessem.
Considerando esse desequilíbrio, e sendo eu um maníaco por controle
em recuperação, não pude evitar pensar no enorme ressentimento que
poderia sentir só de cogitar ter que esperar para que a minha parceira
concordasse com um dos meus maiores objetivos de vida. Esse instinto
foi reforçado durante uma conversa, há muitos anos, com a editora deste
mesmo livro, Karen Rinaldi, quando perguntei qual era a sua opinião
sobre esse assunto. Ela não precisou pensar duas vezes: “Por que diabos
deveríamos depender de um homem para isso?”. A verdade era que,
apesar de no fim ter tido filhos dentro de um relacionamento — um
relacionamento que, é importante destacar, já acabou —, Karen já tinha
decidido que teria filhos sozinha, mesmo que encontrasse um parceiro
para a vida disposto a dividir isso com ela. Essa não era uma declaração
contundente de uma feminista de carteirinha, o que de fato ela é, mas
sim um reflexo do quanto esse assunto era importante para ela.
Embora eu não estivesse prestes a dizer para as mulheres desistirem
dos homens por completo — eu mesmo ainda queria encontrar uma
namorada —, comecei a ficar impaciente, e até mesmo com raiva,
quando via mulheres desperdiçando tempo com homens que não se
importavam nem compartilhavam dos seus objetivos. É o sonho da sua
vida o que está em jogo! Será que você não percebe? Esse cara não está nem
um pouco preocupado com o tempo que você ainda tem, ou com o
arrependimento que você vai sentir mais tarde se passar da hora de começar
uma família porque estava passando um tempo em um destino remoto com
ele... E mesmo assim você continua transferindo a responsabilidade para ele
sobre esse assunto! Eu nem sempre dizia isso (embora às vezes dissesse,
como você pode conferir nos vídeos do meu canal no YouTube), mas era
algo que sempre esteve presente enquanto eu lutava para esconder a
minha frustração com uma situação na qual mulheres continuavam
enfatizando a enorme conexão que sentiam com alguém ao mesmo
tempo que confessavam, quase como se fosse um segredo, que ele tinha
deixado claro que não estava pronto para um relacionamento. Às vezes
eu acho que isso me deu a reputação de ser uma espécie de Scrooge do
amor, um assassino do romance, que está sempre questionando as
histórias que ouve. Mas eu sou um romântico. Eu só ficava com raiva
toda vez que percebia que a nossa cultura faz uma lavagem cerebral nas
mulheres para que elas renunciem ao controle quando o assunto são os
seus futuros. Eu não ficava com raiva delas, mas com raiva do quanto
estamos predispostos a julgar mulheres pelas suas necessidades e a relevar
quando os homens se recusam a entendê-las.
Testemunhei mulheres aceitando continuar em relacionamentos
abusivos porque eles possibilitavam que elas tivessem os filhos que
sempre quiseram. Trabalhei com mulheres do outro lado dessa dinâmica
também, que lutavam para criar os filhos com alguém determinado a
atormentar as suas vidas e a envenenar seus filhos contra elas sempre que
possível. Vi mulheres se autossabotarem no início de um namoro porque
a ansiedade de estar ficando sem tempo as impedia de serem elas
mesmas.
Nunca vou esquecer de uma participante de um dos meus retiros que
entrou debaixo da mesa durante uma das sessões e chorou muito porque
tinha continuado casada com um homem que ela esperava que “mudaria
de ideia” sobre ter filhos, enquanto a sua janela para que isso acontecesse
se fechava gradualmente, até que ele acabou colocando um ponto-final
no casamento. Sentei ao lado dela enquanto ela sentia o luto pelo filho
que nunca teve.
O tipo de sofrimento profundo que testemunhei nessa área me fez
chegar a duas conclusões: a primeira é que qualquer conselho voltado
para o empoderamento de mulheres de vinte, trinta ou no início do seus
quarenta anos será incompleto se não incluir uma conversa sobre esse
assunto. O segundo é que nunca vou me esquivar de começar essa
conversa difícil (que, aparentemente, é uma das mais difíceis) por medo
de errar. Esquivar-se pode ser a opção mais fácil, considerando que sou
um representante de uma parte do problema, para além do desconforto
gerado pela conversa em si. Acho que todos concordamos que é
impossível para mim sentir o peso desse assunto da forma que uma
mulher sente, mas você pode confiar que já fui testemunha do
sofrimento resultante inúmeras vezes. Eu só peço que você releve, como
outras fizeram no passado, qualquer falta de jeito que eu demonstre
enquanto insisto em falar sobre esse assunto que acredito não ser
discutido o suficiente por inúmeros motivos.
O medo que as mulheres sentem de serem percebidas como
desesperadas e pouco atraentes é potente. Assim como a vergonha que
sentem, mesmo quando estão entre amigas bem-intencionadas que têm
filhos, de admitir algo que as deixa profundamente vulneráveis: Eu
queria tanto ter o que você tem, mas acho que estou ficando velha e meu
tempo está acabando. É como se as mulheres tivessem sido forçadas a se
envergonhar ou a pensar que não é permitido, legal ou atraente ter essa
conversa enquanto a enorme maioria dos homens não sente necessidade
de falar sobre isso por acreditar ter todo o tempo do mundo.
Escrevi este capítulo para que pudéssemos falar sobre esse assunto
abertamente. Juntos podemos destrinchar tudo e discutir todas as
nuances sem nenhuma reserva. Assim como acontece em todas as
conversas difíceis: antes de termos essa conversa com outra pessoa,
precisamos ser corajosos o suficiente para tê-la conosco primeiro. Isso
significa fazer uma análise completa e consciente do que queremos, e de
quais são as nossas opções para que isso aconteça; dessa forma estaremos
mais bem equipados para tomar a melhor decisão para nós mesmos.
Por onde começamos essa conversa? Bom, em tese já começamos; uma
vez que você já chegou até aqui, já deve estar aceitando o fato de que a
possibilidade de ter filhos não é uma garantia, não importa quais sejam
as suas circunstâncias. Essa falta de garantia é ainda maior se você não
tem um parceiro. Mas, além disso, está na hora de aceitar radicalmente
quanto tempo ainda tem à sua disposição agora e em qual momento
seria seguro admitir não mais ser possível ter filhos da forma que você
originalmente desejava.
Não se trata de derrotismo. Esse tipo de aceitação é necessário para
que você possa considerar honestamente quais são as suas opções e
colocar um plano em prática. Esse plano é a chave para retomar o seu
poder pessoal nessa área.

O quanto isso é importante para você?


Antes de traçarmos um plano, pense sobre isso:

O quanto é importante para você ter filhos? E por quê?

Saber a resposta para essas duas perguntas informará todas as outras


decisões. Podem parecer perguntas simples, mas as suas respostas são
profundamente importantes. Elas fazem você questionar: O quanto esse
meu desejo é real? De onde ele vem? Qual necessidade estou tentando
preencher?
Vamos começar com a primeira pergunta. O quanto é importante?
Independentemente de qual seja a sua resposta para essa pergunta, ela vai
guiar suas decisões sobre o que fazer daqui em diante. Se a resposta for
não existe nada mais importante do que isso, então isso deve determinar
quem e quais situações são merecedoras do seu tempo. Por que namorar
alguém que não compartilha da sua opinião sobre ter filhos quando isso
é um objetivo de vida fundamental para você?
Se, por outro lado, você não tiver certeza de que quer ter filhos, esse é
um tipo diferente de clareza. Você pode tomar providências que vão lhe
dar mais tempo para ter certeza sobre o que realmente deseja.
Quando o assunto é por que você quer ter filhos, sempre noto que as
respostas para essas perguntas são o mais variadas possível quando as faço
para a plateia. Algumas pessoas dizem que querem ter alguém que as
amará não importa o que aconteça; outras dizem que querem ter alguém
por quem sintam um amor incondicional. Algumas dizem que gostariam
de vivenciar a experiência biológica de serem mães, enquanto outras
alegam querer saber como é o sentimento de ser mãe de alguém (uma
distinção vital quando o assunto é avaliar as suas opções). Algumas
pessoas querem alguém que cuide delas quando envelhecerem. Outras
dizem querer deixar um pedaço de si mesmas que continuará existindo
depois que elas se forem.
É divertido considerar sobre a possibilidade ter filhos podendo
oferecer uma boa dose de humor em uma conversa que tende a ser
pesada. Eu sempre lembro às pessoas que não existem garantias de que
seu filho vai amá-la apesar de tudo, ou cuidar de você na velhice... você
não pode nem garantir que eles vão retornar as suas ligações ou
responder às suas mensagens. Com relação a querer deixar um pedaço de
nós que continuará existindo depois que partirmos, sempre gosto de
brincar que isso parece ser um traço narcisista bastante humano: “EU
preciso continuar existindo!”. É claro que estou ciente de que se trata de
um instinto comum, que não tem uma origem ruim, mas não falo isso
só de brincadeira, existe um fundo de verdade por trás.
Outros motivos são difíceis de levar na brincadeira: querer oferecer
uma vida melhor para alguém do que a que você teve, ou o desejo de ser
mãe. Porém, mesmo nesses casos, às vezes, quando ouço os motivos que
as pessoas usam para justificar quererem filhos, sempre existe uma
flexibilidade inerente à própria resposta que elas ainda não perceberam.
Uma mulher chamada Andrea me contou que o seu desejo era uma
tentativa de tentar “salvar a criança em mim que não tinha ninguém por
perto para salvá-la”. Quando ela disse isso diante da plateia, também
disse que estava confusa, sem saber se queria dar à luz seu próprio filho
ou adotar. Eu queria que ela percebesse que havia espaço na sua resposta
para que ela pudesse ser feliz em ambos os casos e que, portanto, a
incerteza dela era, na verdade, um sinal positivo. A sua confusão sobre o
que deveria fazer, no fim, significava ter liberdade para decidir o que ela
poderia fazer. Não é um tipo de liberdade que todos se permitem ter.
Muitas pessoas se apegam à ideia de que só serão felizes se tiverem um
filho biológico, dentro de uma família tradicional; já testemunhei o
instinto materno sendo direcionado para causar impactos
impressionantes ao longo da minha carreira. Percebi que existem muitas
mães extraordinárias nesse mundo, e nem todas elas deram à luz.

Os seus critérios
Quanto mais cimentamos a visão do que desejamos para a nossa
felicidade futura, mais sufocamos os outros cenários possíveis para a
nossa felicidade. Nos tornamos prisioneiros de um caminho que pode
acabar sequestrando a nossa felicidade. Quando isso acontece,
inicialmente entramos em pânico, depois nos resignamos, e em seguida
vem a depressão.
Explorar outras opções, como a adoção, ou ser mãe/pai solteira(o),
pode parecer que estamos mudando de religião. Pode significar rejeitar
tudo o que já nos disseram. Porém, precisamos estar abertos à liberdade
de pensamento que nos impede de aceitar cegamente as expectativas da
sociedade ou de familiares, e sim aquelas criadas sob medida para nós.
Conectar-nos ao que se mostra ser unicamente certo para nós e para o
nosso futuro requer que recuemos: dando um passo atrás, deixando de
ouvir outras vozes e passando a ouvir a nossa própria voz. A confusão da
Andrea, na verdade, colocava-a um passo à frente da maioria das pessoas,
pois sinalizava que ela estava explorando o que poderia ser o certo para
ela.

EM ÚLTIMA INSTÂNCIA, EXISTE UMA lição nisso tudo que sempre


considerei ser uma das mais importantes da vida: tudo o que temos e
valorizamos supre um tipo de necessidade nossa, ou, pelo menos, uma
necessidade que acreditamos que será suprida quando conquistarmos
essas coisas. Uma das formas mais poderosas de recuperar o controle
sobre a nossa felicidade é perceber que a própria crença de que uma
experiência ou coisa específicas são o único caminho para suprirmos
aquela necessidade não passa de uma história que contamos para nós
mesmos. Com um pouco de imaginação, e talvez de experiência, nos
damos conta de que as nossas necessidades podem ser supridas de
inúmeras maneiras, muitas das quais jamais cogitamos ser possíveis. Não
existe apenas um jeito de viver uma vida realizada. Pelo contrário, todos
temos uma série de critérios sobre aquilo que precisamos para sermos
felizes, e existem inúmeras formas criativas de preencher esses critérios.
Muitas pessoas acreditam que ter filhos cumprirá alguns dos seus
critérios mais fundamentais, e talvez estejam certas sobre isso; porém, o
que elas não percebem quando se apegam ao projeto imutável que
desenvolveram para seu futuro é que existem vários outros caminhos que
as levariam ao mesmo resultado.
Isso não quer dizer que não deveríamos ter um Plano A e segui-lo.
Sermos honestos conosco sobre o quanto esse Plano A é importante para
nós informa as nossas decisões, sejam elas grandes ou pequenas. Se
queremos conhecer uma pessoa e ter um filho com ela, então precisamos
fazer o possível para que isso se torne inevitável, incluindo dizer “não”
para as coisas que diminuem as chances de isso acontecer: por exemplo,
passar anos em um relacionamento com alguém que não tem nenhum
interesse em dividir conosco o mesmo futuro (independentemente da
química que sentimos com essa pessoa). Saber qual é a nossa opção
número um nos diz o que deveríamos ou não valorizar. Na minha
experiência como coach, pude trabalhar com inúmeras mulheres que só
cogitavam um determinado tipo de homem — o playboy, o viciado em
sucesso, o que tem pavor de compromisso, o que não tem nenhum
interesse em formar uma família no futuro — porque ainda não tinham
realmente decidido ou sido honestas consigo mesmas sobre o que mais
valorizavam.
O Plano A, quando analisado com a lente do “critério”, nos mostra
que existe mais de um caminho capaz de satisfazer esses critérios.
Podemos considerar os Planos B, C, D, E e até mesmo o F — todas
opções que nos deixariam satisfeitos se nos proporcionassem o resultado
que desejamos. Sermos flexíveis com relação à forma como
conquistaremos o nosso objetivo nos ajuda a alcançá-lo mais facilmente.
Desconsiderar o que faríamos se o nosso plano original não der certo é
apenas um outro jeito de enterrarmos a cabeça na areia e evitarmos
conversas difíceis conosco e com as pessoas que nos apoiariam. Eu acho
interessante que a associação que a maioria dos adultos faz em relação ao
termo “Plano B” é a pequena pílula que a pessoa toma quando não quer
engravidar (pelo menos nos Estados Unidos, onde a pílula do dia
seguinte tem esse mesmo nome). Mas, na minha experiência, existem
muitas pessoas que não sabem qual seria o seu Plano B se quisessem
realmente engravidar. Se algo é essencial, então é muito importante saber
como ainda podemos conquistá-lo quando o nosso cenário ideal não se
concretiza. Essa é a essência da resiliência e da adaptabilidade; o
reconhecimento de que tudo em nosso mundo pode ser alterado ou
mudado, e, ainda assim, encontraríamos o nosso equilíbrio e a nossa
felicidade em outro lugar. Isso é um superpoder.
A ironia é que essa expansão da nossa mentalidade, criada por esses
pensamentos e planejamentos, nos permite relaxar e agir com mais
confiança em nossas vidas amorosas (nas nossas vidas como um todo, na
verdade), contribuindo para aumentar as chances de o Plano A se
concretizar — se o Plano A for ter um filho com o seu parceiro e isso for
o que você quer. Aceitar a necessidade de ter Planos B, C ou D pode ser
um dos principais segredos para a realização do Plano A. Talvez não
pareça uma coisa romântica se planejar para aquilo com que não temos
familiaridade ou ainda desconhecemos; no entanto, por mais estranho
que possa parecer, planejar alternativas pode realmente nos ajudar a
voltar a ter romance e presença em nossas vidas amorosas.
Nada disso tem a intenção de desmerecer a dificuldade presente em
cada uma dessas alternativas. Em nenhum momento finjo conhecer os
desafios enfrentados durante um processo de adoção, ou quando se é
uma mãe solteira sustentando uma família. Mas eu sei que as pessoas o
fazem e são capazes de fazê-lo. Também sei que existe vida depois desses
cenários e que essas pessoas acabam conseguindo encontrar o amor,
porque eu as ajudei a fazer exatamente isso. Isso não quer dizer que você
deveria adotar ou optar por ser mãe solteira — essas são decisões
extremamente pessoais, que devem ser tomadas individualmente.
Christopher Hitchens uma vez disse que, na vida, “Você precisa escolher
os seus arrependimentos futuros”. Os arrependimentos são inevitáveis.
Todo mundo se arrepende de algo (e, se não se arrepende, não vejo como
conseguiu aprender ou viver qualquer coisa). Quando você contempla o
seu futuro, qual seria o seu pior arrependimento? Esperar para ter a sua
família tradicional até que não seja mais possível que ter um filho
biológico? Ou criar uma criança sendo mãe solteira? Não pergunto isso
para induzir a sua resposta. Para algumas pessoas, criar um filho sozinha
pode ser algo que nunca será uma opção viável. Outras entendem que
terão dificuldade de se perdoar se esperarem pela pessoa certa até
completarem quarenta anos, sem terem tomado as providências
necessárias. O que é certo para os outros não importa. O que importa é
que tenhamos essas conversas conosco e com quem confiamos, para que
possamos tomar decisões informadas, sem inconscientemente ficarmos
reféns dos nossos medos.
Também é importante lembrar que ficamos mais propensos a agir
quando estamos tentando sair de um sofrimento do que quando estamos
confortáveis. Então, se pensar sobre essas coisas é doloroso para você,
pode ser algo positivo — ao antecipar a dor, também estamos
antecipando as decisões; decisões que talvez fossem deixadas para um
momento em que haveria menos opções disponíveis para escolha.

Aceitando as suas opções


Para conhecer as suas opções, você precisa obter informações claras sobre
sua própria situação. A possibilidade de ter que fazer um teste de
fertilidade pode ser mais uma conversa potencialmente difícil que as
pessoas evitam ter. E se eu receber uma resposta desagradável? Lembre-se:
informação é poder. Saber que o seu corpo produz menos óvulos do que
você imaginava pode criar um sentimento de urgência, que pode ser
positivo. Essa urgência pode fazer você antecipar um cronograma que,
do contrário, teria negligenciado. Uma resposta desagradável agora pode
ser a chave para a sua felicidade futura porque vai influenciar os seus
próximos passos. A mesma lógica se aplica quando adotamos uma
postura realista sobre o percentual geral de fertilidade: saber que existe
uma queda importante da fertilidade em mulheres acima de 35 anos e
um declínio significativo a partir dos quarenta, com maiores chances de
complicações durante a gravidez. Por isso, é importante fazer uma
autoavaliação honesta à luz dos fatores de saúde e de estilo de vida que
contribuem para a fertilidade. Eu faço o mesmo apelo para os meus
leitores homens. Nós também temos responsabilidade, assim como as
mulheres em nossas vidas, de buscar informações sobre janelas temporais
e sobre a fertilidade de ambos, e de tomar decisões como um time. Se ter
filhos é algo que queremos “um dia”, então ignorar ou sempre adiar essa
conversa é uma forma de abdicar dessa responsabilidade e simplesmente
forçar as mulheres das quais gostamos a carregar o peso das dúvidas e das
ansiedades sozinhas.
Talvez você decida que, por não ter conhecido ninguém ainda, precisa
se dar a maior janela temporal possível para engravidar. O congelamento
de óvulos pode ser um caminho viável para isso. Deixando de lado
questões de saúde, que sem dúvida são tanto complexas quanto custosas,
congelar os óvulos pode lhe dar alguma paz de espírito e um sentimento
de independência, além de evitar que você se torne dependente de outra
pessoa ou permaneça em uma situação não ideal — ou até possivelmente
perigosa. Já ouvi muitas histórias de pessoas que congelam os óvulos
como um Plano B imediato — mesmo que pareça improvável que elas
venham a precisar ou que talvez isso só seja necessário em um futuro
remoto — e percebem um impacto significativo em sua confiança. Isso
deu a elas o poder de estabelecer as próprias condições, de dar as costas
para situações sem sentir que estão prejudicando seu futuro.
Quando falei sobre os méritos do congelamento de óvulos em um
podcast recentemente, recebi uma resposta de uma ouvinte de longa
data, Elizabeth, uma enfermeira, que tinha congelado seus óvulos.
Mesmo sendo alguém que ainda tinha esperanças de ter uma família e
filhos do jeito tradicional, Elizabeth fez o cálculo financeiro e emocional
e decidiu realizar o procedimento. Embora fosse uma profissional da área
da saúde e tivesse todas as informações necessárias, ainda assim ela
enfrentou inúmeras dificuldades, que detalhou em sua carta. Devido a
essas dificuldades, que ela julgou que eu tinha subestimado ao me
concentrar em passar uma mensagem de confiança, ela achava que a
minha percepção do procedimento era otimista demais —
despreocupada a ponto de soar arrogante.
Graças à mensagem de Elizabeth, a quem agradeço imensamente, fiz
outro episódio de podcast para poder ler a sua carta ao vivo e tirar um
tempo para realmente avaliar como se trata de uma decisão difícil. Em
primeiro lugar, ela queria lembrar a todos (a mim, especialmente) que
congelar os óvulos não é a solução mágica que parece ser às vezes. Ela
enfatizou o peso financeiro, que aumenta a cada rodada de coleta de
óvulos, porque muitas mulheres precisam fazer mais de uma rodada para
garantir o máximo de óvulos viáveis para serem usados com sucesso no
futuro. E, mesmo quando o procedimento (que é mais complexo, e para
algumas mulheres mais doloroso, do que a maioria das pessoas imagina)
é bem-sucedido, ainda não é garantia de que você será capaz de gerar um
bebê saudável quando decidir engravidar no futuro. Quando isso
acontece, todos os mesmos gastos e complicações da fertilização in vitro
se aplicam. No intervalo desses dois estágios, entre a coleta inicial e a
fertilização futura, você precisa arcar com os gastos de armazenamento
para os óvulos que congelar. É muito tempo, energia e despesa para
assumir sozinha, Elizabeth diz em sua carta. No fim, ela avaliou que a
análise de custo-benefício foi bem equilibrada, embora tenha optado
pelo processo mesmo assim.
Na segunda parte da sua carta, ela chamou a minha atenção por ter
sugerido que o congelamento de óvulos, de alguma forma, iguala
homens e mulheres em termos de fertilidade ao tirar o relógio biológico
da equação, fator que está incluído no cálculo, mas que ela considera um
atributo inerente e valioso de ser mulher. Ela via uma falha em todo o
conceito: quando o assunto é formar uma família, não são as mulheres
que deveriam fazer coisas doloridas e caras em seus corpos para poderem
simplesmente desfrutar da mesma liberdade que os homens; são eles que
precisam pensar com maturidade sobre a formação de uma família em
vez de simplesmente abraçar a ideia quando estão prontos, aos 35 ou 55
anos ou nunca. “É razoável que mulheres adultas esperem que homens
adultos saibam o que querem nessa área e que sejam capazes de conversar
sobre o assunto sem, erroneamente, interpretar isso como uma forma de
pressioná-los.”
Em seguida, ela apresentou a sua humilde proposta sobre o assunto:
“eu acho que em vez de dizer que, em um mundo ideal, todas as
mulheres deveriam congelar seus óvulos aos 21 anos, deveríamos dizer
que todos os homens deveriam fazer vasectomias reversíveis aos quinze
anos; um procedimento que é muito menos invasivo, e que pode ser
revertido quando eles estiverem prontos para ser pais. Se isso soa ridículo
para você, então você sabe quão ridículo soa para mim ouvi-lo dizer que
eu deveria simplesmente congelar os meus óvulos”. Amei essa parte da
carta! É realmente ridículo que, além da janela temporal contra a qual as
mulheres precisam lutar, já que se trata de um aspecto biológico delas,
agora exista uma pressão prática sobre elas para resolver o problema de
retardar uma gravidez. Por que as mulheres deveriam enfrentar um
procedimento invasivo, doloroso e custoso sozinhas, só porque os
homens não são capazes de tomar uma decisão ou de dizer algo mais
esclarecedor do que “Vamos ver o que acontece” quando o assunto é essa
questão fundamental da existência? E os homens podem fazer isso com
um sorriso presunçoso no rosto, porque sabem que insistir no assunto
pode ser visto como um tipo de pressão que vai afugentá-los.
Eu realmente acredito que, além do que Elizabeth disse, existem
mulheres que abordam esse assunto a partir da própria ambivalência que
sentem sobre ter filhos (como as pessoas rapidamente apontaram na
seção de comentários do podcast). Mas se eu estivesse trabalhando,
digamos, com uma mulher que deseja progredir em sua carreira e ainda
ter a opção de formar uma família, acho que debater pontos de vista não
ofereceria nenhuma ajuda prática. As perguntas seriam praticamente as
mesmas que costumo fazer quando sou coach de alguém: “Quais
soluções temos disponíveis hoje para ajudá-la a alcançar seus objetivos?”.
É nesse espírito que eu discuto a possibilidade de congelar os óvulos,
porque estaríamos lidando com o mesmo tipo de análise de custo-
benefício feita pela Elizabeth quando ela decidiu fazer o procedimento.
Congelar os óvulos não é garantia de paz de espírito, e só você pode
saber se aumentar as suas chances dessa forma vai lhe proporcionar uma
sensação de controle, ou pelo menos de ter feito tudo o que podia.
Graças à eloquente carta da Elizabeth, me senti inspirado a
aprofundar essa conversa, por isso fiz outro episódio de podcast, dessa
vez contando com a participação de duas médicas. Serena H. Chen,
especialista em fertilidade e sócia fundadora do Institute for
Reproductive Medicine and Science [Instituto de Medicina Reprodutiva
e Ciência, em tradução livre], e Ioana Baiu, cirurgiã-residente em
Stanford, compareceram para falar sobre suas perspectivas pessoais e
profissionais sobre o assunto. A Dra. Chen argumentou que os
tratamentos para fertilidade não deveriam ser procedimentos oferecidos
apenas pela rede particular, e sim ter uma cobertura universal, pública,
uma vez que contribuem para um propósito tão vital. A Dra. Baiu falou
do ponto de vista pessoal: como uma mulher com mais de trinta anos
em uma profissão na qual existe muita pressão. Ela contou que tinha
escolhido passar por duas rodadas de tratamento para congelar seus
óvulos. Como tinha pouco tempo para namorar, queria ter a opção de
poder começar uma família mais tarde, quando as pressões inevitáveis
que fazem parte do treinamento cirúrgico tivessem diminuído o
suficiente para permitir que ela começasse sua família. Ela deu detalhes
das dificuldades não antecipadas que enfrentou. Mesmo sendo uma
cirurgiã familiarizada com procedimentos cirúrgicos complexos, ela se
sentiu intimidada quando chegou em casa com centenas de seringas e
medicamentos que precisava misturar em dosagens de microgramas, bem
como procedimentos que deveria realizar em diversos momentos do dia
e deviam ser cronometrados com precisão. Houve níveis hormonais que
precisaram ser ajustados de um ciclo para outro e, inesperadamente, um
período de desequilíbrio hormonal e fadiga posterior à coleta que lhe
custou semanas de recuperação.
Quando perguntei à Dra. Baiu se ela achava que no fim tinha valido a
pena, apesar dessas dificuldades, ela respondeu que sim, que fazer isso
havia tirado a pressão de cima dela, que passou a se preocupar menos se
poderia um dia ter uma família. Sabendo que a saúde dos óvulos
diminui com a idade, ela se sente mais aliviada com os óvulos saudáveis
que tem armazenados agora, prontos para quando decidir que está
pronta.
É preciso dizer que não cheguei nem perto de cobrir esse assunto com
a profundidade que ele merece. Todo mundo que estiver considerando
seriamente fazer esse procedimento deve procurar orientação
profissional. Fiquei impressionado com a empatia demonstrada por
ambas as médicas, e com a maneira como se esforçaram para apresentar a
discussão da forma mais ampla possível, sabendo como o interesse das
pessoas por esse assunto pode ser variado.
Isso também se verificou nas reações on-line ao podcast, que recebeu
milhares de comentários. Uma francesa de 34 anos escreveu contando
que tinha acabado de iniciar o processo para congelar seus óvulos
(gratuito para todas as mulheres na França) e esperava que os Estados
Unidos seguissem esse exemplo de cobertura universal. Outra mulher
relatou ter viajado para Barbados, no Caribe, para fazer o procedimento
em um ambiente hospitalar, mas com custos significativamente menores.
Uma mulher que foi adotada por uma mãe solteira disse que adotaria
também se não conhecesse ninguém até que completasse quarenta anos.
Outra que tinha sido “mãe muito nova” queria que as pessoas soubessem
que não tem problema não ter tudo decidido antes de começar uma
família. Uma mulher que aos 44 anos “ainda não tinha encontrado a
pessoa certa” estava começando o processo de FIV com um doador de
esperma, rezando para não ser tarde demais. Outra mulher que tinha
comparecido a uma festa oferecida pela sua academia de CrossFit
mencionou que quatro das cinco mulheres que conheceu lá, com idades
variando entre 32 e quarenta anos, tinham congelado seus óvulos. Uma
mulher que tinha parado de namorar aos quarenta anos e decidido ter
um filho (que agora estava com dez anos) sozinha, recorrendo a um
doador, estava feliz de voltar a namorar sem a pressão de ter que
encontrar um pai para seu filho.
É muito comovente ver tantas pessoas considerando o procedimento e
expandindo suas opções, assumindo o controle dos seus destinos, apesar
das dores envolvidas ou das desilusões que viveram. É claro que não é
para todo mundo. Continua sendo um procedimento caro demais para
muitas mulheres. Outras não o consideram por questões religiosas. Em
alguns casos, o procedimento não está disponível ou nem é viável em
muitas partes do mundo. E mesmo aquelas que passam pelo tratamento
nem sempre usam seus óvulos, e, se usarem, o procedimento para
fertilizá-los anos depois pode não ser bem-sucedido, ou as circunstâncias
de ter um filho se revelam impossíveis quando chega a hora.
Trata-se de uma solução imperfeita para uma fonte real de sofrimento
para muitas mulheres, embora continue sendo uma opção
empoderadora, que liberta muitas delas de um fator estressor crônico em
suas vidas já tão atribuladas. Sempre serei a favor da criação de escolhas
que potencialmente resultem em maior liberdade e menor ansiedade.
Para mim, a parte mais importante não é a ênfase no congelamento
dos óvulos (ou, em alguns casos, no congelamento de embriões), mas
sim entender que o Plano B está ligado a outras grandes aceitações que
você terá que cogitar para obter liberdade e tranquilidade. Alguém pode
decidir que o Plano A é conhecer alguém e se apaixonar hoje, enquanto
congelar seus óvulos se torna seu plano de segurança. O Plano B seria
conhecer alguém em um futuro não tão distante e usar os óvulos viáveis
do procedimento se não for possível engravidar naturalmente naquele
momento. O Plano C pode ser definir uma idade máxima para poder
usar um doador de esperma e ter um filho, mesmo que isso signifique ser
mãe solteira. O Plano D pode ser a adoção, se nada mais funcionar. O
plano E pode ser encontrar outras formas de ser mentora de crianças, ou
amar seus sobrinhos e sobrinhas como se fossem seus filhos.
A liberdade resulta de saber que, a qualquer momento, você está
preparada para transformar os planos B, C, D ou E no seu novo Plano
A. Tem a ver com escolher, em vez de esperar. O Plano B não é um
prêmio de consolação. Na verdade, quando sabemos que o Plano B é o
caminho que vamos seguir, podemos resolver torná-lo extraordinário.
Quase como um ato de rebeldia, no qual você diz a si mesma: se o Plano
A não pode acontecer, então vou fazer um Plano B tão incrível que eu
nunca precise olhar para trás, e que o maior presente da minha vida seja
que as coisas tenham acontecido dessa forma. O Plano B não pode
acontecer? Tudo bem, então vou transformar o Plano C na melhor coisa
que eu poderia imaginar, para que possa ficar verdadeiramente grata pelo
Plano B nunca ter acontecido. Nenhum plano segue sendo um “plano
reserva”. Assim que você se decide pelo Plano C, imediatamente ele se
torna o novo Plano A e faz com que ele seja tão maravilhoso que você
nunca se arrependerá.
Para mim, é assim que a adaptabilidade funciona na prática, tanto
nessa área quanto na vida em geral. Não é uma solução mágica, mas sim
uma fórmula consciente que pode levá-la de volta a um lugar de
aceitação sobre sua situação atual. Tem a ver com se dar a confiança de
alguém capaz de ser feliz, não importa o que aconteça. Isso não quer
dizer que não podemos ficar de luto nos momentos em que maneiras
que dizer adeus a uma ideia cuidadosamente cultivada sobre como seria a
nossa vida; e esse luto pode sim ser necessário, antes que possamos ser
felizes em um novo lugar. Descobrir como seguir em frente depois de
uma grande desilusão pode inicialmente gerar um sentimento de
isolamento, como se você tivesse sido deixado para trás depois que a vida
que queria, ou com a qual contava, escapou por entre seus dedos. Perder
o emprego, terminar um relacionamento, não se casar, descobrir que
desperdiçou anos de sua vida com uma pessoa narcisista — a lista de
desilusões desse tipo é enorme. Uma das formas mais simples e
reconfortantes nessas circunstâncias é perceber o quanto essa experiência
dolorosa de alienação é realmente comum, profundamente humana.
Quando entendemos isso, podemos nos libertar ou desacelerar e notar
quantas pessoas dividem uma versão desse sofrimento conosco; talvez
isso possa até nos confortar.
Nos próximos capítulos (principalmente em “Confiança interior”),
focaremos esse passo crucial para nossa evolução. É um processo de
reformulação pelo qual quase todo mundo passa, o de ver essas
desilusões sob uma nova luz. Acho incrível o fato de que não precisamos
mudar nada circunstancialmente em nossas vidas para que possamos nos
sentir melhor. Você pode ficar sentado exatamente onde está agora e
mudar por completo a sua experiência e as emoções que ameaçam
sobrecarregá-lo assim que decidir reescrever a sua história. Isso não quer
dizer que esse processo de reescrita será simples, mas pode fazer você
recuperar o seu poder e escrever uma história melhor.
12

COMO TERMINAR QUANDO


ISSO PARECE IMPOSSÍVEL PARA
VOCÊ

Às vezes são as diferenças entre as pessoas que as aproximam, e a


imprevisibilidade dessa atração pode ser empolgante, principalmente no
começo. O velho ditado de que “os opostos se atraem” se mantém por
algum motivo. Quando exploramos o que existe entre a nossa natureza e
a do outro, podemos sentir as fronteiras da nossa própria identidade
mudando e se expandindo. É por esse mesmo motivo que as pessoas
recomendam viajar — nós entramos em contato com novas maneiras de
viver e pensar, e a sensação de possibilidade se expande de formas que
seguem conosco muito depois de voltarmos para casa.
No entanto, às vezes podemos chegar ao limite do universo que
conhecemos e convidar para entrar uma força que não só desconhecemos
como também estranhamos; uma força com a qual nunca poderemos
coexistir verdadeiramente, porque ela opera de acordo com leis diferentes
das que nos governam.
Semana passada, caí na armadilha de ver um vídeo na minha timeline
que começava de maneira inocente, com um bando de crocodilos
deitados juntos em um zoológico. Ficar deitado é provavelmente a tarefa
principal de um crocodilo, e inicialmente a cena parecia bastante
tranquila para mim. Em seguida o funcionário do zoológico jogou um
pouco de carne dentro da jaula, e, à medida que os crocodilos
começaram a despertar, um deles mordeu a perna do outro, girou em
um movimento fatal, arrancou o pé inteiro do seu companheiro e
engoliu aquele pedaço todo ensanguentado de uma só vez. É possível
ouvir gritos ao fundo do vídeo. Depois disso, ambos os crocodilos se
deitaram novamente como se nada tivesse acontecido. Existem muitos
animais com os quais me identifico; mas, depois de ver esse vídeo, posso
afirmar com certeza que o crocodilo nunca será um deles.
Algumas pessoas podem ser tão perigosas de se relacionar quanto
aqueles crocodilos. Não podemos dialogar com elas como dialogaríamos
com qualquer outra pessoa. Suas ações são indecifráveis, assim como as
suas reações quando as confrontamos, porque — precisamos reconhecer
—, assim como os crocodilos, essas pessoas não têm o sentimento de
responsabilização pessoal que possuímos. Elas acham que deveríamos
aceitar o inimaginável sem questionar. (“Era só um lanchinho!”, elas
dizem.) Considerando que elas não parecem sentir empatia como o
restante de nós, não conseguem entender do que você está falando. Elas
podem até mesmo demonstrar irritação, porque, enquanto você
continuar chateado, não poderão ter o que elas querem: amor, bajulação,
ou simplesmente que você pare de insistir e elas possam voltar a relaxar.
Esse tipo de pessoa recebe inúmeros rótulos dependendo de com
quem você conversar: ególatras, narcisistas, sociopatas; qualquer que seja
a conclusão à qual você chegar, todas descrevem um animal
fundamentalmente diferente de nós.
Este é um teste revelador para identificar com qual tipo de animal
você está lidando: tente se lembrar de algo que tenham feito que o
magoou, ou algo que fizeram de forma descuidada ou maliciosa, visando
causar destruição em sua vida. Isso é algo que você faria não apenas com
elas mas com qualquer outra pessoa?
Por que será que você nunca faria isso? Porque tem uma consciência.
Saber que as magoou o magoaria também, o que é a reação apropriada
quando machucamos alguém que amamos. Agora, sabendo o quanto
você sofreria se tivesse feito com elas o que acabaram de fazer com você,
reflita sobre que elas realmente fizeram. Quando você as perdoou e
seguiu em frente, elas tiveram dificuldade para se perdoar como você
teria tido? Será que redobraram seus esforços para garantir que você se
sentisse seguro e amado? Ou será que simplesmente voltaram a relaxar,
como um crocodilo boiando em um pântano?
Geralmente, depois que pessoas assim criam o caos na sua vida, elas
querem que as coisas simplesmente voltem ao normal o mais rápido
possível. Tentam diminuir a importância do que fizeram, ou agir como
se a sua reação fosse exagerada ou desproporcional (gaslighting), para
fazer você acreditar que a culpa, de alguma forma, é sua, ou para virar o
jogo, atacando você e suas falhas. Se nada disso funcionar, elas passam a
adotar uma tática diferente, como demonstrar chateação,
arrependimento ou os seus lados mais amorosos, na tentativa de
recuperar o seu afeto. Porém, é preciso que você lembre que,
independentemente do que essas pessoas tentem fazer para reconquistá-
lo, não estarão motivadas pelo remorso, e sim pelo medo de perder que
sentem quando percebem que você pode se afastar.
Isso não quer dizer que elas não estejam sofrendo. E é claro que vê-las
chorar nos causa sofrimento também. Pode ser ainda mais confuso
quando, em um esforço para decifrar o comportamento delas, passamos
muito tempo nos convencendo de que elas são frias e incapazes de ter
empatia; e vê-las sofrer nos faz duvidar da análise que fizemos
inicialmente: se são capazes de sofrer tanto assim, talvez as tenhamos
interpretado mal, afinal.
Também pode ser tentador se convencer que são lágrimas de
crocodilo, mas isso pode não ser verdadeiro nem necessário. Elas estão
sendo sinceras do jeito delas. Entretanto, não importa o quanto pareçam
ser genuínas, não é o mesmo tipo de tristeza — motivada pelo
arrependimento, pela empatia e pela culpa — que você sentiria se
estivesse no lugar delas. Elas não estão sofrendo porque você está
sofrendo, estão sofrendo em função do próprio sofrimento. É uma
espécie de sofrimento egoísta, como uma criança que chora quando é
colocada de castigo. Não se deixe enganar pelas lágrimas que podem ser
por sua causa, mas nunca são por você.
Aceitar isso é difícil. Se você estiver em um relacionamento longo com
um réptil semiaquático, pode levar anos para aceitar isso e pagar um
preço alto. Geralmente são os seus admiráveis instintos emocionais que
dificultam esse processo, porque você projeta o mesmo misto de
arrependimento, empatia e culpa que o motivariam se a situação fosse
inversa. O seu registro funcional de emoções — que pode ter muito
trabalho, ainda que unilateral, nesse relacionamento — dificulta que
você termine com alguém que já provou que é capaz de magoá-lo (de
novo e de novo) sem demonstrar nenhum sinal de remorso.
Na vida real, mesmo o mais esclarecido de nós é cauteloso. Levamos o
nosso melhor sorriso estilo Dalai Lama para todos os lugares; mas, na
cidade grande, encontramos gigantes engravatados que dizem “Não, não,
pode voltar. Você não pode estar aqui”. É exaustivo. Com quem
conhecemos, queremos tirar essa máscara e ser nós mesmos. É por isso
que gostamos tanto de cachorros. Quando chegamos em casa, eles mal
conseguem conter o seu amor por nós. (Na verdade, os cachorros não
têm o mesmo gene que algumas pessoas com a chamada síndrome de
Williams-Beuren; pessoas com essa condição precisam ser treinadas, para
a sua própria segurança, para não abraçar estranhos.) A questão é que
crocodilos não são cachorros, embora pessoas apaixonadas cometam esse
erro o tempo todo. Por isso, considere este aviso: se tiver a aparência de
cachorro mas se mover e morder como um crocodilo, pare de tentar
entendê-lo. Você não vai conseguir. Simplesmente se encaminhe para a
saída mais próxima. Este capítulo vai ajudá-lo a parar de se enganar e a
identificar quando chegar a hora de partir.

Não se distraia
Em Tóquio, todo prédio alto tem luzes vermelhas em cada um dos
quatro cantos do telhado, para alertar helicópteros e aviões que voam
baixo enquanto navegam em meio à escuridão. Mas, para quem está nas
ruas, cercado pelos vertiginosos letreiros em neon piscando nas laterais
dos prédios, oferecendo uma distração a cada passo, é impossível
enxergar a pulsação ritmada daqueles sinais de alerta. Acontece a mesma
coisa quando nos aprofundamos em um relacionamento: todos os sinais
de alerta que você enxergaria com facilidade de fora se perdem em meio
às distrações que o cercam.
Alguns relacionamentos têm um alto teor de drama, são repletos de
picos vertiginosos e quedas bruscas, tão intensos e instáveis, tão
dolorosos e exaustivos que, para permanecer neles, nos permitimos ser
completamente monopolizados pela experiência, que consome todo o
nosso tempo, energia e pensamentos. E, quando uma pessoa domina
toda a nossa vida por tanto tempo, essa vida fica irreconhecível sem ela.
Passamos a depender tanto dessa pessoa que chegamos a duvidar dos
nossos próprios instintos, nos raros momentos em que temos a
oportunidade de ficar sozinhos e pensar.
Não estou me referindo aqui àqueles momentos inevitáveis em um
relacionamento nos quais nos cansamos momentaneamente do outro,
apesar de ele costumar ser um bom parceiro; quando nos vemos
fantasiando sobre ir embora, mas tendo, ao mesmo tempo, medo do
desconhecido e pouca familiaridade com o tipo de pessoa que éramos
quando estávamos solteiros. Não estou falando de tédio. Estou falando
do parceiro que não passou no teste fundamental de ser uma força do
bem na sua vida; alguém cuja presença em sua vida se tornou um veneno
para a sua saúde mental; que o convenceu, de alguma forma, de que a
sua mente ou as suas necessidades é que seriam o problema, e não a
impossibilidade de conviver com ele.
Anteriormente neste livro, fiz um alerta para que você não entrasse
para uma seita com apenas duas pessoas. No entanto, as seitas são
complicadas, e nem sempre você conseguirá saber que está em uma até
que tenha perdido o chão e renunciado às suas economias e à escritura
da sua casa. Muitas pessoas que conseguiram escapar ilesas de uma seita
falam sobre esse momento de euforia do início, quando parecia que
estavam no único lugar da face da Terra onde eram realmente vistas e
compreendidas. Soa familiar? Se você estiver lendo isto atentamente e se
reconhecendo em algumas dessas situações, pode ser que seja uma dessas
pessoas.
Estar em uma seita é muito trabalhoso. Alguém precisa estar
constantemente fazendo uma lavagem cerebral em você (sutilmente no
início, depois cada vez mais abertamente), cortando o seu contato com
qualquer pessoa que seja capaz de fazê-lo enxergar a realidade da
situação; roubando a sua independência; e distorcendo a sua realidade
até que às vezes pareça que vocês dois vivem isolados em um planeta só
de vocês.
Para justificar a sua permanência em uma situação como essa, você
pode se ver apegado aos bons momentos que tiveram juntos. Você vive
para esses bons momentos, tanto pela memória que tem deles no
passado quanto pela esperança de ter mais bons momentos em um
futuro próximo. E esses bons momentos parecem ainda mais valiosos
quando acontecem logo depois de um grande revés no relacionamento;
um ponto alto, que parece criado artificialmente em função da diferença
que existe entre ele e os desconfortos diários do restante do seu
cotidiano.
Existem psicólogos que dedicam suas carreiras para entender as
motivações que nos mantêm ligados a pessoas assim. De certa forma,
não importa quantos desses comportamentos você reconhece na sua
própria situação. O que importa é o que você vai fazer depois que
perceber que um ou outro desses comportamentos, sozinhos ou
combinados, está impedindo você de viver uma vida tranquila e feliz e
vai continuar fazendo isso enquanto você continuar com essa pessoa.
Nas próximas páginas, vamos adotar uma abordagem prática,
começando com os passos necessários para um processo de separação.
Esses passos foram pensados para ajudar você a encontrar forças para
agir, para evitar que queira voltar atrás (quantas vezes forem necessárias)
e prepará-lo para a angústia inevitável do processo. Os passos a seguir
estão numerados, não só porque estão correlacionados, mas também
porque, depois de anos trabalhando como coach, pude verificar o quanto
é importante observar uma sequência. Não pule nenhum deles. Passar
rapidamente por eles é menos importante do que cumpri-los até o final.

1. Presuma que essa pessoa nunca vai


mudar
Sendo um coach, preciso acreditar que as pessoas podem mudar; do
contrário, qual seria o objetivo de fazer o que faço? No entanto, no caso
das pessoas que nos maltrataram de inúmeras formas, geralmente
durante vários anos, presumir que elas não vão mudar é um ato de
autopreservação essencial. Existem três bons motivos para prever a não
mudança:

Elas não querem mudar


Eu não sei se você já fez terapia. Se leu até aqui, eu diria que é o tipo de
pessoa que pelo menos já considerou fazer terapia. Pela minha própria
experiência, o simples ato de comparecer à terapia requer um grande
esforço, e quando você está lá não é uma atividade agradável. Sempre
que eu faço uma piada, o terapeuta presume que estou escondendo algo.
O progresso é geralmente medido em lágrimas. E essa é a parte boa!
Se você já insistiu com alguém em sua vida que você sabe que precisa
fazer terapia — sua mãe, irmão ou melhor amigo —, sabe que é mais
difícil ainda convencê-los dessa necessidade do que foi convencer a si
mesmo. Primeiro, eles precisam estar dispostos a admitir que estão
repetindo padrões nocivos. Em seguida, precisam querer mudar esses
padrões e, por fim, precisam se comprometer a seguir o processo lento e
geralmente doloroso de tentar mudá-los. Já é pedir muito para quem não
é egoísta e tem boas intenções. Se, em vez disso, a pessoa for
desmotivada, egoísta, despreocupada, arrogante e/ou narcisista, então
rapidamente se torna uma causa perdida.
O que será que faz as pessoas reavaliarem as próprias vidas e
mudarem? O sofrimento. Foi isso que me motivou a procurar a terapia
quando estava prestes a completar trinta anos. Eu não estava tentando
implementar um belo planejamento de vida; eu queria parar de sofrer.
Era como se eu tivesse quebrado um osso: precisava resolver o problema
rapidamente.
Será que é assim que o seu parceiro se sente? Antes de responder, evite
cair na armadilha de dizer “Sim, Matthew, eu sei que no fundo ele está
sofrendo”. Se você quer que ele faça o que é preciso para mudar, ele não
só precisa estar ciente do próprio sofrimento “aparente” e do sofrimento
que está causando a você como também estar motivado para mudar.
Vamos começar com o fato de que provavelmente a pessoa não estará
muito motivada para mudar se nunca tiver sentido medo de perder você.
Pode ser que você já tenha dito que estava no seu limite e ameaçado ir
embora, mas você de fato foi? Será que essa pessoa realmente aprendeu
que seus comportamentos geram consequências que o afetam também?
Se não aprendeu, é provável que não tenha sentido essa motivação
extrínseca para mudar seus comportamentos.
Agora, vamos considerar se o seu sofrimento é uma motivação
genuína para que ela mude. Quando você ou eu percebemos que
estamos constantemente machucando alguém que amamos, uma reação
natural nossa seria: “Preciso mudar isso. Estou magoando essa pessoa, e
me sinto mal com isso”. Compare isso com o que uma pessoa sem
empatia poderia responder: “Nossa, que chatice. Por que você precisa ser
tão sensível o tempo todo?”. Mesmo quando a compaixão está
motivando o nosso desejo de mudar, isso continua não sendo um
processo fácil para nós. Então, imagine o quanto é minúscula a
probabilidade de mudança de uma pessoa desprovida de compaixão.
Lembre-se: se a única coisa por trás do desejo de mudança do outro é
a nossa insistência para que ele mude, isso quer dizer que não há nada no
caráter dele que deseja promover essa mudança ou que vai sustentá-la no
longo prazo.
Mesmo com ajuda especializada e bastante motivação, mudar coisas
em mim mesmo foi complicado; eu tropecei, dediquei bastante tempo, e
é um processo contínuo. As batalhas que venci foram difíceis, e muitas
ainda requerem manutenção e vigilância constantes. Não tenho dúvidas
de que com você foi assim também. Por que, então, mudar seria fácil
para o outro? Como Jacob M. Braude diz: “Considere o quanto é difícil
mudar a si mesmo e você entenderá como as suas chances de mudar os
outros são pequenas”.

As mudanças são grandes demais


Mudar mesmo que seja 1% do nosso comportamento já é difícil, e
manter essa mudança também não é fácil. Aqueles que conseguem ser
fortes o bastante para mudar tendem a fazer isso devagar e em pequenas
quantidades. Quando as mudanças necessárias são fundamentais —
quando envolvem traços de personalidade e valores básicos —, é
necessário muito mais força de vontade e comprometimento. Se você
sentir que este capítulo foi escrito para você, então as mudanças que o
seu parceiro precisa fazer provavelmente são drásticas. Os meus clientes
que mudaram são geralmente os que precisavam fazer mudanças sutis
mas que tiveram impactos profundos em suas vidas. Eles não precisavam
de um transplante de personalidade.
Veja este exemplo de experimento mental conduzido pela dra. Ramani
Durvasula, uma das maiores especialistas em narcisismo, em uma das
minhas conversas com ela. Vou tentar adivinhar e presumir que você,
querido leitor (pelo menos você é o mais querido dos leitores que leu até
aqui!), compartilha algumas características com a maioria das pessoas
que comparecem aos nossos eventos presenciais, o que quer dizer que
você é uma pessoa empática, carinhosa, que pensa nos outros e faz o
possível para vê-los felizes. Então, o que seria necessário acontecer para
que você parasse de se preocupar e começasse a mentir, a manipular e a
agir com base apenas no seu próprio interesse, mesmo que isso
machuque alguém que você ama? Você seria capaz disso? Eu sou capaz
de apostar as minhas economias que isso seria praticamente impossível,
não importa o quanto você tentasse. Não seria remotamente plausível
que você conseguisse mudar tanto esse aspecto fundamental da sua
natureza — mesmo que tivesse uma arma apontada para a sua cabeça.
Considerando o quanto seria difícil para você mudar a sua natureza, e
sabendo o quanto a sua natureza difere da de outras pessoas, você
consegue entender agora que é tão improvável que o seu parceiro consiga
ficar mais parecido com você quanto é para você ficar mais parecido com
ele? Basta aplicar esta regra: se, para fazer alguém se comportar como
você gostaria, seria necessário submetê-lo a um transplante de
personalidade, então você pode presumir que isso nunca vai acontecer.

Não são simples diferenças de comportamento, e sim de


caráter
Costumamos cometer o erro de nos identificarmos tão intensamente
com as pessoas que estão próximas a nós que simplesmente presumimos
que elas estão fazendo o mesmo conosco também. Porém, proximidade e
dependência nem sempre são recíprocas, e elas não criam ou refletem
automaticamente valores compartilhados. Na verdade, com frequência,
quando dividimos uma rotina diária com alguém, podemos não enxergar
que temos tão pouco em comum com essa pessoa. Ainda assim, a
identificação com o nosso parceiro continua a crescer pela força absoluta
da nossa proximidade. Depois de um tempo, essa identificação cega se
torna um elemento necessário ao relacionamento, principalmente se
estivermos em uma posição de dependência, seja por algo tão pragmático
como nossas finanças, seja por algo tão fundamental como as nossas
identidades. Frequentemente essa conexão unilateral nos leva a criar
fantasias sobre como a vida vai se desenrolar — fantasias que se tornam
tão elaboradas e familiares que podem se tornar parte inseparável da
nossa própria identidade. Para manter essa fantasia, você precisa
acreditar que o seu parceiro, no fundo, é como você e vai fazer o que for
preciso para ajudá-lo quando você mais precisar. A versão alternativa
dessa fantasia é uma versão infernal, na qual percebemos que estamos
emocionalmente casados com um alienígena; uma pessoa vinda de outro
planeta qualquer, com quem não conseguimos nos identificar.
Infelizmente é bem isso que acontece com muita gente que percebeu,
um pouco antes de se divorciar, que mentiu para si mesma durante anos,
criando do zero um universo de emoções e valores compartilhados no
qual seus parceiros nunca chegaram a pisar.
No entanto, antes que chegue a esse ponto, você continua esperando
que o outro seja como você. Se você é gentil, não consegue entender a
insensibilidade do outro quando faz algo que o magoa. Se você tem
consideração, não consegue entender como o outro pode tomar decisões
importantes (grandes investimentos, mudanças de emprego) sem nem ao
menos consultá-lo. Se você valoriza o espírito de equipe, então o seu
choque vai ser verdadeiramente genuíno quando descobrir que, apesar
de todo o apoio que lhe ofereceu durante anos, quando chega a vez de
fazer o mesmo por você, o outro se mostra completamente
desinteressado.
Se a sua definição de amar alguém é baseada no cuidado, na empatia,
na compaixão, na consideração e na gentileza, e se a definição do outro
for baseada em ter alguém ao seu lado o tempo todo para atender às suas
necessidades sempre que precisar, então você não só terminará
completamente infeliz como ficará exausto de viver em um mundo que
não consegue decifrar. O outro não “ama” como você, e não existe
nenhuma comparação.
Isso não quer dizer que você e a pessoa com quem ficar precisam ser
idênticos. Parte do charme dos relacionamentos que funcionam advém
das diferenças e perspectivas únicas que oferecemos um para o outro;
aquele atrito agradável entre surpresa e desafio que surge quando duas
pessoas fortes e independentes navegam juntas pela vida. No entanto, se
não conseguirmos concordar no básico — sobre a necessidade de
honestidade, lealdade ou de assumirmos a responsabilidade quando
erramos —, então estamos condenados a confiar nos momentos de
alegria que só acontecem quando as nossas necessidades comuns se
cruzam ao acaso. Momentos assim nunca duram o bastante para gerar
confiança; são interlúdios breves como os dois momentos do dia em que
um relógio quebrado acerta a hora. Por favor, não atribua a essas duas
coincidências nenhum significado especial. Você tem todo o direito de
ser amado durante os demais 1.438 minutos do dia também.
2. Não permita que a sua empatia se torne
uma inimiga
A empatia é algo maravilhoso. Ela nos ajuda a ver os outros como eles
são e permite que compartilhemos de suas dores, fracassos, alegrias e
triunfos. Aumenta a nossa curiosidade, incentiva a nossa bondade, cala o
nosso preconceito, ameniza o nosso julgamento, ativa a nossa
compaixão. No nível mais básico, nos ajuda a conhecer os outros, tanto
estranhos quanto os nossos amigos mais próximos. E, quanto mais os
conhecemos, mais fácil fica ajudá-los; mais fácil é fazer aquilo que vai
ajudar diretamente as pessoas que conhecemos de inúmeras formas,
grandes ou pequenas.
No entanto, a empatia pode sofrer mutações e se transformar em algo
extremamente perigoso. Quanto maior é a nossa tendência à empatia,
mais capazes nos tornamos de identificar e perdoar os piores
comportamentos de nossos parceiros. E, quanto mais conhecemos os
nossos parceiros, mais contexto temos para racionalizar até o mais
doloroso dos seus comportamentos. Pode se tornar um distintivo que
usamos com orgulho. (“Eu conheço ele melhor do que ninguém. Pode
até parecer loucura para você, mas não para mim.”). Temos orgulho de
ser as pessoas em quem eles confiam, seus contatos de emergência, os
únicos na posição privilegiada de perdoá-los, mesmo quando a maioria
das coisas pelas quais eles precisam de perdão é formada por aquelas que
eles continuam fazendo conosco.
Com frequência é esse o problema com esse nível de empatia: toda a
nossa capacidade de compreensão não consegue ajudá-los a mudar.
Continuamos sendo a primeira pessoa a sofrer por eles serem como são.
Talvez sejamos os únicos a saber por que eles estão nos magoando tanto,
mas isso não muda o fato de que continuam agindo assim, às vezes com
tanta frequência e facilidade que fica parecendo que é a nossa capacidade
de ter empatia que faz com que eles nos magoem.
Existe, ainda, um segundo problema: o simples fato de termos essa
enorme capacidade empática já nos torna vulneráveis àqueles que podem
se aproveitar disso. E se aproveitar da nossa empatia pode servir a vários
propósitos. Se eles “compartilham” conosco alguma experiência ruim de
suas infâncias, que parece ser a chave para todo o sofrimento deles, não
só isso pode parecer uma forma de criar intimidade (“Meu bem, você
sabe que eu não sou um monstro”) como também os faz deixar de ser os
causadores de sofrimento no aqui e agora para se transformarem em
vítimas de algum tipo de trauma oculto e profundo que aconteceu
muitos anos atrás.
Essa é uma das formas como uma pessoa assim pode tentar usar a sua
empatia contra você. Toda vez que você releva os comportamentos
nocivos mais recentes dela, demonstrando simpatizar com eles e pela dor
que ela carrega há tanto tempo, essa pessoa o recompensa por “entendê-
la”. (“Ninguém mais me entende!”) Isso se torna ao mesmo tempo
reforçador (você ganhou o prêmio) e um modo de isolá-lo (você é o
único outro habitante desta ilha). Além disso, cria um péssimo
precedente. Você se demonstrou tão tolerante com essa pessoa agora que
ela se sentirá traída toda vez que você não for tolerante no futuro. (“Eu
simplesmente não consigo acreditar que, depois de tudo o que eu contei
sobre mim, minha vida, meu sofrimento, você ainda não entenda por
que eu sou como sou. Eu pensei que você me conhecesse.”)
É assim que a nossa empatia pode deixar de ser um instinto protetor
para se transformar em uma compulsão que alimenta a codependência.
Beth Macy, a autora de Raising Lazarus [Ressuscitando Lázaro, em
tradução livre], um livro que fala sobre superar o vício em opioides,
argumenta ser um equívoco acreditar que existe um fundo do poço para
as pessoas e que, assim que elas chegam a esse estágio horrível de
sofrimento, voltam imediatamente para suas vidas normais. Em vez disso
ela explica que, na verdade, existe um porão no fundo do poço e nele há
um alçapão, e por aí vai. Em outras palavras, seria completamente
possível continuar caindo em um poço que nem nos nossos piores
pesadelos poderíamos imaginar não ter fundo. Descobri que a mesma
lógica se aplica quando uma capacidade sem fim para demonstrar
empatia se encontra com uma disposição infinita para se aproveitar dessa
empatia. Se você tiver empatia o bastante, realmente não existe nada que
não consiga justificar:

Eles mentem para mim compulsivamente: Bom, os pais deles


nunca permitiram que eles fizessem nada, e a única maneira que
encontraram de poder realmente viver suas vidas foi mentir sobre o
que faziam.

Eles continuam me traindo: É um vício que não conseguem


controlar e que também os machuca de verdade, pois parecem
sempre atormentados pela culpa porque me amam demais. De
qualquer forma, como eles poderiam ter uma relação saudável com
o sexo, considerando a criação que tiveram?

Eles nunca me consultam antes de tomar grandes decisões


financeiras ou de negócios que podem afetar nossas vidas. Mesmo
assim, isso é algo que eles entendem melhor do que eu, e, embora
me magoem quando não me consultam, no fundo eu sei que eles só
estão tentando fazer o que é melhor para nós como família.

Assim como o vício em opioides, a nossa empatia não tem fundo. Não
existem limites para os horrores que somos capazes de suportar antes de
desistirmos: destruição financeira, isolamento de família e amigos,
aniquilamento da nossa confiança e de sentimento de individualidade,
mesmo em situações de vida ou morte. Não há outra saída que não seja
mudarmos as regras da nossa empatia.
Mudar as regras da nossa empatia não significa mudar quem somos.
Podemos continuar demonstrando compreensão, mas precisamos
substituir a nossa tolerância por uma compaixão distante. Podemos
escolher ter pena de alguém a distância, até mesmo de alguém capaz de
fazer coisas terríveis, mas não podemos ter essas pessoas em nossas vidas.
A nossa empatia é defeituosa se só a usamos unilateralmente. Não
podemos permitir que a nossa compaixão por uma pessoa se torne um
instrumento de tortura usado em outra pessoa, principalmente quando
somos nós essa pessoa! Já não se trata mais de empatia. É algo mais
profundo e mais destrutivo, que disfarçamos com a nossa empatia.

3. Não permita que a empatia se torne um


disfarce para o seu medo
Pode ser que, com um parceiro ou membro da família, pareça aceitável, e
até mesmo nobre, fazer concessões em nome do amor que sentimos por
eles. Em um passe de mágica capaz de enganar até a nós mesmos,
usamos a nossa enorme capacidade de sentir empatia — uma de nossas
melhores qualidades — para justificar a persistência em um
relacionamento quando, na verdade, grande parte dos nossos motivos
para ficar está enraizada nos nossos próprios medos:

Tenho muito medo de perder essa pessoa.


Não consigo nem pensar na possibilidade de ficar sozinho
novamente.

Nunca mais vou encontrar uma conexão como essa. Ninguém


nunca vai me amar do mesmo jeito.

Nunca mais vou amar ninguém assim.


Vou ter que recomeçar do zero.
Desperdicei anos da minha vida.
Não vou conseguir fazer tudo sozinho.

Quando confrontamos esses medos, eles rapidamente assumem um


caráter existencial: “Se eu perder essa pessoa, a quem dediquei tanto
tempo da minha vida, qual terá sido o significado da minha vida até
aqui? Passei grande parte da minha vida com essa pessoa; como posso
aceitar quem ela é de verdade sem invalidar a minha vida adulta inteira?
Quem sou eu sem ela? Quem vou ser aos olhos dos outros?”. Por isso
não surpreende que, em vez de encarar esses medos, nós procuremos
motivos mais palatáveis e até mesmo válidos para ficar. É fácil dizer para
seus amigos que só você realmente conhece essa pessoa, ou que existem
fatores complexos e únicos sobre a situação. É mais difícil admitir que
você não sabe quem é, qual é o seu valor e como vai viver sozinho.
Lembre-se: você pode ser uma pessoa gentil, leal, preocupada,
consciente e empática, mas não permita que a facilidade que tem para
desempenhar esse papel mascare o verdadeiro motivo que o mantém em
um relacionamento nocivo (e até mesmo perigoso). Para se libertar e ter
uma vida melhor, você precisa enxergar para além da máscara que a sua
empatia proporciona, se libertar desse disfarce e encarar os seus medos
existenciais.

4. Você precisa estar disposto a acender o


pavio que explodirá a sua própria vida
Às vezes, um relacionamento explode sem que possamos fazer nada para
evitar. É horrível — como uma colisão emocional —, mas, quer você
tenha sido pego de surpresa ou praticamente tenha assistido a tudo em
câmera lenta, se alguém não lhe deu uma escolha, você nunca
experimentou a sensação de estar no controle dessa decisão. Em
situações como essa, contamos como se fosse algo que nos aconteceu,
como se fôssemos vítimas indefesas. Quer a pessoa tenha terminado com
você do nada ou ido embora depois que uma série de pequenas traições
acumuladas levou ao término definitivo, a sensação que fica é a de que
terminou antes que você tivesse uma chance.
Mas o que dizer daquele outro tipo de término, aquele no qual você
precisa ser a pessoa que acende o pavio que explodirá a sua vida? Isso
requer atitude e resolução. Você não pode simplesmente esperar até que
o relacionamento morra de causas naturais. Deve iniciar o processo e
concluí-lo. Para isso, você precisa de um tipo poderoso de coragem:
aceitação plena. Esse não é um tipo de aceitação no qual você reconhece
as suas limitações (“Eu nunca vou correr uma maratona”), mas sim o
tipo em que você reconhece a realidade de uma situação difícil. (“Essa
não será a última vez. É provável que não seja nem a última vez nesta
semana.”) É preciso aceitar plenamente o fato de que as suas
necessidades não estão sendo supridas, que esse relacionamento (assim
como talvez as condições de vida geradas por ele) é insustentável, que
você está profundamente infeliz e que nada vai mudar até que você
admita que a sua versão fantasiosa desse relacionamento não se parece
em nada com a sua vivência real.
Para assumir o controle, você precisa admitir o quanto está infeliz e
que tem se sentido assim há muito tempo, bem como o quanto
continuará sendo infeliz se ficar. Você precisa respirar fundo e admitir:

Não estou em um relacionamento/casamento funcional, e ele


acabou.
Não tenho futuro com essa pessoa se o meu objetivo for ficar em
paz.
Essa pessoa não fará mais parte da minha vida.
Vou sentir saudade dessa pessoa, mesmo depois de toda a dor que
ela me causou. Primeiro, vou precisar enfrentar a abstinência
dolorosa, o luto e a solidão inicial que ficarão em seu lugar.
Eu tenho [insira a sua idade aqui] e vou ficar solteiro(a) novamente.

Todo o tempo que investi nesse relacionamento não fez dele um


sucesso, como eu esperava. Simplesmente tornou evidente o fato de
que nada nunca vai mudar.
Não estou onde os meus [amigos/familiares/colegas de
trabalho/conhecidos] acreditam. Estou sofrendo muito mais do que
deixo transparecer, e não tenho o tipo de relacionamento que todos
acham que eu tenho.
Vai ser um choque para várias pessoas, e eu vou sentir vergonha,
principalmente se sustentei ativamente a imagem falsa de um
relacionamento feliz diante das pessoas que me cercam.

Esse é o passo mais difícil. Exige aceitar radicalmente a sua situação,


coragem e a capacidade de se adaptar e se reinventar. Por outro lado,
vem acompanhado de um enorme presente — a rejeição de uma
identidade falsa e o presente da verdadeira confiança. A analogia a seguir
ajuda a explicar o que eu quero dizer:
Digamos que você tenha dito para todos os seus amigos que tem 100
mil dólares no banco quando na verdade está devendo 20 mil. Toda vez
que você menciona esses 100 mil dólares, esse valor se torna mais real
para você. A validação que recebe faz parecer verdade para você e se
torna parte da sua identidade com os amigos. Agora, imagine que você
trabalhou horas extras, cortou seus gastos e conseguiu diminuir a sua
dívida para 10 mil dólares. Isso é importantíssimo, metade da dívida.
Mas você não pode comemorar porque todo mundo acredita que você
tem aqueles 100 mil! Você teria que abrir mão de toda essa validação (e
lidar com as consequências de tanta enganação) antes que qualquer
pessoa pudesse ficar feliz por você.
Devemos nos orgulhar muito das nossas conquistas verdadeiras. No
entanto, nunca vamos conseguir fazer isso enquanto não formos
honestos conosco sobre a nossa real situação. É apenas quando aceitamos
o fato de que nunca teremos paz e felicidade se ficarmos — nosso
verdadeiro ponto de partida — que criamos a coragem para acender o
pavio que vai explodir essa parte danificada da nossa antiga vida. Pode
parecer que estamos dando cinquenta passos para trás, mas basta um
passo honesto para a frente para que comecemos a nos sentir vivos e
orgulhosos novamente.

5. Quando a realidade dessas escolhas


difíceis se apresenta, sua mente vai tentar
convencê-lo a acreditar que essa pessoa e a
vida que vocês têm juntos não são tão ruins,
afinal
Quanto mais perto chegamos de agir — de dar aquele passo decisivo
para sair da nossa antiga vida e adentrar o desconhecido —, os nossos
medos e tormentos aparecem para desafiar a nossa decisão. É uma
espécie sutil de barganha que fazemos conosco quando estamos diante
de uma mudança difícil, que ressuscita os nossos maiores medos: de ficar
sozinho, de não saber como sobreviver no mundo, de ter que redescobrir
a nossa identidade (“Eu já nem sei mais quem sou sem essa pessoa”),
reconhecendo e vivendo o luto pelo fim de uma vida que não se
concretizou.
Essa nova voz nos diz: “Você ficou louco. Vai querer passar por tudo
isso porque brigou com essa pessoa semana passada?”. Ela nos acusa de
estar tendo uma reação exagerada ao que aconteceu. Imagine todas as
coisas que essa voz tenta dizer para você nesse momento decisivo:
No fundo essa pessoa te ama, e você sabe disso.
Essa pessoa faz tanta coisa por você, pelos seus filhos, pela sua
família. Lembra quando ela ajudou seu irmão naquela vez que ele
precisou de dinheiro? Lembra quando vocês fizeram aquela viagem
caríssima para a Itália? Lembra quando ela pagou a matrícula da
escola das crianças?
Quando está em um bom dia, essa pessoa é tão maravilhosa. Você
realmente quer perder isso?
Apesar de tudo, essa pessoa tem boas intenções. É verdade que é
uma pessoa complexa. Talvez seja um dos desafios de estar nesse
relacionamento. Você quer mesmo jogar tudo isso fora?
O amor verdadeiro é incondicional. Se quiser ter alguém que te
ame incondicionalmente, não deveria fazer o mesmo por ele?

Você vai ficar sozinho(a)... já pensou nisso?

Isso não passa de uma tentativa dessa voz interior de desviar a nossa
atenção, dizendo “Olha tudo o que você está perdendo, ignora a
montanha de sofrimento que teve que enfrentar para chegar até aqui”.
Esse é o primeiro de muitos testes para verificar se você está finalmente
decidido a acabar com esse sofrimento em sua vida. Você já esteve nessa
mesma situação e voltou atrás, só para descobrir que a mesma dor e
sofrimento continuavam ali esperando por você mais à frente. Quantas
vezes essas vozes o convenceram a voltar atrás? Elas são boas no que
fazem, levando você a duvidar se deveria mesmo atender ao apelo da sua
exaustão, angústia, raiva e total incapacidade, ou indisposição para
continuar suportando essa situação, ou se deveria ceder às tais vozes que
lhe dizem parar continuar.
Lembre-se: você quer um relacionamento. Você queria esse
relacionamento, que não é fácil de terminar, do contrário já teria
terminado antes, não só uma vez, mas centenas de vezes. Você não
precisa de ajuda para continuar. Porém, de alguma forma e apesar de
todos os seus instintos, você permanece em uma situação que não
consegue mais sustentar. O quanto um relacionamento que você
realmente deseja precisa ser ruim para que deixe de desejá-lo?
A resposta para essa pergunta revela a questão principal: é necessária
uma quantidade intolerável de dor para fazer você desistir de algo que
realmente deseja. Logo, uma quantidade intolerável de dor é o que você
tem agora.
Nessa parte do processo você vai descobrir que, toda vez que vencer
um medo, outro aparecerá. E você se verá comparando o seu
relacionamento com outro, no qual o abuso é mais óbvio ou extremo,
para justificar o que sofre como não sendo “tão ruim assim”; ou, no
outro lado do espectro, tentar comparar com um relacionamento tão
“tedioso” que você não consegue imaginar trocar de relacionamento. Se
você conseguir ignorar essas vozes, uma última voz aparecerá; uma voz
que sabe que, se as outras não foram suficientes para convencê-lo de que
a sua situação atual é boa, pelo menos pode conseguir fazer você se sentir
mal:

Você se acha uma pessoa perfeita? Veja tudo de errado que fez ao
longo dos anos. E você tem a sua parcela de culpa nos erros dessa
pessoa. Na metade do tempo, foi o seu comportamento que a fez
agir assim. Ei, pelo menos essa pessoa quer estar com você. Quem
mais poderia querer? Pense bem. Talvez isso seja o melhor que você
vai conseguir. Você não é flor que se cheire também. Pelo menos
essa pessoa te ama e quer ficar com você, apesar de tudo.

Toda mensagem que oferece resistência em sua cabeça tem a intenção


de distraí-lo da única verdade que importa nessa situação:

6. Se você continuar onde está, nunca será


feliz, nunca terá paz
O antídoto para todas as dúvidas do Passo 5, a resposta para todos os
medos, é, a rigor, uma não resposta. Você não precisa se convencer de
que não fez nada de errado no relacionamento (mesmo que seja
verdade), não precisa fingir que não tem motivos, não precisa acreditar
que encontrará outra pessoa. A única coisa da qual precisa se convencer
(às vezes, centenas de vezes por dia) é que, não importa o que mais possa
ser verdade, você não pode continuar nessa situação.
Quando a experiência lhe ensinou que alguém vai devastá-lo ou criar
o caos em sua vida — de forma confiável e previsível —, ficar não só
causará mais dor como será uma quantidade de dor que o fará se sentir
mal fisicamente, quando imaginar ter que passar por isso. Não existe
mais esperança para toda a esperança que você já teve para o
relacionamento. Já falei sobre Pandora, que fechou a caixa antes que a
esperança pudesse escapar. Não consigo ignorar o quanto esse mito se
aplica aos relacionamentos que discutimos neste livro. Quando abrimos
a tampa de um relacionamento assim, podemos ficar cegos para todas as
crueldades que saltam para fora dessa caixa.
No entanto, talvez a esperança continue sendo a pior e mais perigosa
de todas. A esperança pode convencer você a ficar quando não há mais
motivos para isso. A esperança pode começar como um sentimento
positivo — dando a você a força para acreditar no melhor do outro —,
porém ela rapidamente se torna uma espécie de negação que permite que
você bloqueie a realidade. No fim, a esperança pode roubar o nosso
sentimento de independência, a nossa capacidade de agir e até mesmo o
nosso instinto mais básico de autopreservação. Contanto que você
consiga algum consolo na esperança, vai continuar, passivamente, se
submetendo a coisas a que ninguém deveria se submeter. O que é
assustador é o quanto a situação parece ser diferente para quem está do
lado de fora do que é para você. De fora, entretanto, esse
comportamento parece muito semelhante ao vício.
É por isso, por mais estranho que pareça, que precisamos matar essa
esperança, para que possamos nos salvar. Quando destruímos a
esperança, abrimos caminho para uma atitude mais ativa, assertiva e
mais no controle. Só depois que deixamos a esperança de lado e
admitimos que sim, que nossa situação é insustentável, podemos ter
clareza suficiente para dar os passos necessários para nos protegermos e
mudarmos a situação. Não importa se você não é forte o bastante ou
digno de algo melhor; quando percebemos que o futuro que queremos
não será possível nesse relacionamento, encontramos a força para fazer o
que for preciso. Não é incomum, quando algo se faz extremamente
necessário, descobrir reservas de forças escondidas, como a mulher de 22
anos da Virginia, nos Estados Unidos, que tirou um BMW525i de cima
do seu pai e ainda realizou uma manobra de reanimação cardíaca nele. A
necessidade é um ótimo antídoto, tanto para a esperança quanto para a
insegurança.
7. Só porque dói, não significa que está
errado
Este é o teste final: a dor definitiva da perda.
Quando você finalmente consegue terminar esse relacionamento, a
sua mente vai tentar pregar novas peças em você. Quando as noites
solitárias chegam — não importa quantos amigos você tenha ou quanto
seja próximo da sua família —, há um momento em que você sente um
peso no estômago e uma dor no coração. Quando você atinge esse
ponto, não precisa muito para convencê-lo de que cometeu um grande
erro.
Porém, a dor não é um indicador confiável de uma escolha ruim. Se
você cometer esse erro — se voltar atrás na primeira fisgada de dor —,
pode acabar sentenciando a si mesmo a uma vida de infelicidade
confortável. Você pode se convencer a voltar para algo que parece ser
confortável, ou pelo menos mais confortável do que a solidão que parece
ser tudo o que você sempre terá. Mas conforto não é felicidade. O que é
confortável pode ser um inferno (já foi uma vez). E a dor costuma ser
precursora da felicidade.
Quando começamos pensando “Isso dói demais” e concluímos “que
eu só posso ter cometido um erro quando resolvi terminar”, fazemos
uma conexão sem lógica nenhuma. Não existe nenhuma correlação entre
a dor que sentimos e a suposição de que só sentiríamos uma dor assim se
aquele amor que acabamos de deixar fosse de alguma forma especial e
importante. Esse raciocínio já fez muitas pessoas voltarem correndo para
alguém que só irá magoá-las e envenenar suas vidas novamente.
Precisamos parar de considerar a intensidade da dor como um
indicativo do amor. Quando os viciados estão tentando parar de beber,
usar heroína, consumir pornografia ou usar o celular obsessivamente,
sentem uma dor emocional considerável durante o processo. Mas isso
não quer dizer que a heroína era especial e eles nunca deveriam ter
parado de usá-la. Ninguém em uma clínica de reabilitação diz: “Olha só
como eles estão péssimos; talvez não devessem ter parado de beber
afinal”. Em vez disso, consideramos a intensidade da dor que eles sentem
como uma medida da gravidade dos seus vícios, e não da importância
daquilo que acabaram de cortar das suas vidas.
Quando comecei a praticar o jiu-jítsu brasileiro, fui advertido que me
sentiria como se tivesse sido atropelado por um trem depois da primeira
luta (a luta no jiu-jítsu é o mesmo que o combate no boxe: você enfrenta
outra pessoa). E foi o que aconteceu. Um sinal claro de que você é um
iniciante é: você não consegue controlar a respiração depois que começa
a lutar. Os nervos ficam à flor da pele, o ego se envolve, os seus
movimentos se confundem enquanto você tenta conseguir uma
vantagem; e, depois de mais ou menos um minuto que você passa
tensionando todos os músculos do corpo e esquecendo de respirar, é
como se estivesse se afogando. Aprendi isso rapidamente na minha
própria experiência.
Nesse momento, o meu treinador de jiu-jítsu me disse que, quando
treina com outros faixas-pretas, ele às vezes coloca o cronômetro para
marcar sessenta minutos e eles lutam durante todo esse tempo! Quando
viu a minha expressão de choque, ele disse: “Quando você precisa lutar
durante uma hora inteira, sabe que vai ser difícil, então, por mais
incrível que pareça, você para de entrar em pânico porque sabe que não
vai acabar logo. Assim, em vez de tentar acabar logo com aquilo, você
decide controlar a sua respiração; e, quando passa a se sentir mais calmo,
com o tanque cheio de oxigênio, se prepara para a jornada”. Desde
então, aprendi que, quando fazemos isso, paramos de sentir como se
estivéssemos nos afogando. Ainda pode parecer uma maratona, mas
quando estamos cientes e aceitamos isso fica mais fácil descobrir como
correr até a linha de chegada.
Terminar relacionamentos funciona da mesma forma. A dor pode
parecer insuportável por semanas, meses ou até mais; porém, quando
ficamos desesperados para fugir da dor e não existe uma solução à vista,
o pânico toma conta. Mas, se, em vez disso, aceitamos que essa parte da
vida vai ser sofrida por um tempo, podemos parar de prender a
respiração — durante minutos, durante meses — e realmente nos render
ao processo de enfrentar a nossa dor.
É importante lembrar que, embora esse caminho seja sofrido, o outro
é pior. Nesse momento, você só vai conseguir recuperar a sua felicidade
seguindo em frente na direção do desconhecido, e não de volta para uma
situação que sempre o deixou infeliz. Nenhum desses caminhos é fácil,
por motivos diferentes. Se você escolher ficar, vai renovar um contrato
que funcionará como uma garantia para maus-tratos, de que as suas
necessidades não serão supridas e de que você não terá nenhuma chance
de ter paz ou de melhorar de vida. Se você decidir ir embora para
sempre, vai se aventurar pelo desconhecido, vai ter que lidar com a falta
que sentirá da pessoa que deixou para trás e com o luto — não só pelo
fim do relacionamento, mas também por finalmente e definitivamente
aceitar que essa pessoa não vai mudar. Se você optar pelo segundo
caminho, no fim vai aprender a ficar bem sozinho. Ambas as escolhas são
garantias de sofrimento. Porém, só uma libertará você da escuridão.
13

IDENTIDADE DE CONFIANÇA

Já conversamos neste livro sobre o fato de que o estágio mais perigoso da


atração chega no momento em que você decide que gosta de alguém.
Esse é o momento no qual você está mais propenso a renunciar aos seus
parâmetros, a ficar disperso no trabalho, a cancelar sua sessão de ioga das
terças-feiras ou a desmarcar o encontro no restaurante mexicano com
seus amigos para poder passar todo minuto livre com a sua nova
obsessão; como se para você não houvesse vida antes dessa pessoa. (É
muito fácil cair na armadilha de pensar: Essa nova pessoa é capaz de
satisfazer todas as minhas necessidades!) Mesmo que você se esforce para
não cair nessas armadilhas — controlando a comunicação, evitando
checar as redes sociais da pessoa a todo momento etc. —, ainda assim
pode ter problemas se passar todo o seu tempo livre imaginando um
futuro com uma pessoa com quem teve apenas dois encontros. Porque,
mesmo que o objeto da sua atração não tenha conhecimento dessas
fantasias, a sua fascinação privada vai se tornar evidente assim que vocês
se encontrarem novamente. No lugar de apenas curtir o seu tempo
juntos, agora você se vê preocupado com a possibilidade de se magoar.
Você consegue perceber os pequenos sinais de que talvez tenha se
precipitado, o que se transforma em uma fonte de frustração, fazendo
você demonstrar apreensão em vez de simplesmente aproveitar o filme ao
ar livre que vocês decidiram assistir no quinto encontro.
Você poderia alegar que a culpa não é toda sua, uma vez que a
intensidade no romance é um mar no qual todos nadamos. Muito do
entretenimento popular — filmes, músicas, livros, propagandas —
reforça a noção de que a verdadeira felicidade é impossível sem o amor.
Essa ofensiva pode fazer com que nos sintamos inúteis toda vez que
precisamos encarar o mundo sem o sentimento de validação que sempre
acompanha quem está em um relacionamento.
No Capítulo 8 analisamos algumas técnicas para evitar nos
empolgarmos demais nos primeiros encontros, enquanto ainda estamos
tentando identificar a diferença entre atenção e intenção. No entanto,
mesmo quando a pessoa que temos diante de nós demonstra uma
intenção verdadeira, ainda corremos o risco de perder de vista tudo mais
que é importante em nossas próprias vidas. Uma regra extremamente útil
para seguir na vida é: tendemos a valorizar aquilo em que investimos.
Por isso, quando deixamos de investir naquilo que não está diretamente
ligado ao nosso relacionamento, acabamos diminuindo o valor de tudo
que existe em nossa vida fora dele, ao mesmo tempo que aumentamos a
certeza de que esse relacionamento é a nossa principal fonte de
felicidade. Quanto mais conseguirmos permanecer conectados aos
outros aspectos da nossa vida, mais difícil será para alguém que ficou
sem nos responder por três horas afetar o nosso equilíbrio.
Pode parecer contraintuitivo, mas o momento em que acreditamos ter
encontrado a pessoa dos nossos sonhos é também a hora de fazer
qualquer coisa para não alimentar essa obsessão. É a hora de reforçar as
outras fontes de significado em nossas vidas: nossos hobbies, nossa
família, os livros que estamos ansiosos para ler, as atividades que nos
renovam e motivam, qualquer coisa que nos conecte conosco e com o
nosso sentimento de propósito. Você precisa se concentrar em atividades
que fortaleçam a convicção de que, não importa o quanto seria bom se
essa nova pessoa em sua vida sentisse o mesmo que você, a sua própria
vida, assim como ela é, com tudo pelo qual trabalhou, é suficiente para
você.
Sempre tento formular esse conselho de forma prática, dizendo para
as pessoas que a melhor coisa a fazer antes de um encontro que você
julga importante é ter uma semana corrida. Essa é uma estratégia segura
de curto prazo, que tira a ansiedade do foco da sua mente, reduz as
oportunidades de exagerar as expectativas e, em tese, faz você ficar tão
ocupado com as coisas que gosta de fazer (ou que precisa terminar, ou
que começou a fazer há pouco tempo, ou que ficava adiando começar)
que não existe espaço para a ansiedade e preocupação com o próximo
encontro. Graças a todas essas atividades, você faz uma transição
tranquila para ter um momento divertido com alguém em quem não
teve tempo para pensar demais. Além de ter muito para contar como
resultado de tudo o que fez desde a última vez que vocês se encontraram.
Você provavelmente já ouviu falar da ideia de “dinheiro para chutar o
balde”, que é a quantia necessária para que você possa dizer “não” para
tudo aquilo que não quer fazer — dizer “não” para trabalhos, chefes,
estar com pessoas que o fazem infeliz.
E se pudéssemos alcançar esse mesmo efeito no âmbito da
autoconfiança no lugar do dinheiro? Imagine que a sua confiança é o
tampo de uma mesa, com toda a firmeza das pernas que o mantêm de
pé. As várias formas de apoio em sua vida dão a esse tampo de mesa a
estabilidade necessária. Se o tampo é a sua confiança, cada uma das
pernas é uma parte diferente da sua vida que lhe confere força,
significado, propósito e amor.
Não há nada de errado em admitir o quanto é importante para você
encontrar um parceiro para a vida. Mas investir nas outras pernas que
sustentam a nossa mesa faz com que, quando um parceiro em potencial
aparecer, não precisemos confiar apenas nessa pessoa para nos manter de
pé. A “confiança para chutar o balde” resulta de já contar com formas de
apoio firmes na sua vida antes que essa nova forma apareça.
O instinto de esquecer tudo o que você tem se torna mais tentador
quando a pessoa que aparece é alguém particularmente bonito,
carismático ou bem-sucedido. No entanto, nenhum desses traços torna o
seu mundo menos importante. E daí que essa pessoa é “mais bonita”? E
daí que ela se destaca em um lugar cheio de pessoas? E daí se todos os
que a cercam a consideram importante? Nenhum desses atributos
diminui o tamanho e o valor intrínseco da sua vida e de tudo que há
nela.
No filme O homem que não vendeu sua alma, Sir Thomas More
aparece aconselhando o ambicioso Richard Rich, que acredita que o seu
valor está atrelado à conquista das suas maiores ambições. More quer que
ele saiba que existem formas mais profundas de alcançar um sentimento
de importância:

More: Por que não ser professor? Você seria um bom professor, talvez um
excelente professor.
Rich: Se eu fosse, como eu saberia?
More: A sua percepção; a dos seus a alunos; a dos seus amigos; Meu
Deus. Não é uma plateia ruim.

Sempre que namoramos alguém que tem uma vida empolgante,


ficamos tentados a desvalorizar a nossa própria vida, como se, de alguma
forma, ela tivesse se tornado insignificante diante de uma presença
ofuscante. No entanto, mesmo a vida que aparenta ser a mais normal de
todas pode ter uma profunda importância. Quem é capaz de dizer que a
vida de um cuidador que passa os dias ajudando alguns poucos pacientes
com demência é mais insignificante do que a de alguém que gerencia
centenas de funcionários em uma empresa de tecnologia? Procure
permanecer conectado ao que há de mais rico no seu mundo; à diferença
que você faz na vida das pessoas que o cercam; à sua família e aos seus
amigos; ao trabalho que você tem; aos hobbies que ama; às práticas que
segue. Se você fizer isso, ninguém que aparecer será capaz de intimidá-lo.
Ninguém pode ser capaz de fazer você sentir que precisa trabalhar em
dobro para conquistar sua atenção, como se ele tivesse algo que você não
tem. E, quando as pessoas veem que você está profundamente conectado
ao valor que cria e/ou ao amor que tem dentro do seu próprio mundo,
você já tem o que todos anseiam e desejam ter por perto: amor,
propósito e realização. Nem a maior das vidas pode garantir essas coisas.
As diferenças entre as pessoas são ótimas para os relacionamentos.
Porém, se alguém não é capaz de reconhecer você como igual, parta para
outra. Esse é um aspecto importante para prestar atenção desde o início:
quanto tempo essa pessoa atraente demora para reconhecer você como
igual? “Logo de cara” provavelmente é a melhor resposta nesse cenário.
Não importa o quanto o seu pretendente em potencial seja atraente, este
é um teste essencial: nenhum relacionamento será duradouro ou
proporcionará uma felicidade verdadeira se não for um relacionamento
entre iguais.

A matriz de identidade
Existe um exercício, que aplico há anos nos meus retiros, chamado “A
matriz de identidade”, que sempre se mostrou uma ferramenta
extremamente prática para que possamos identificar o que precisamos
mudar em nossas vidas, para que possamos desenvolver a tal da
“confiança para chutar o balde” sobre a qual falamos.
Inicialmente eu peço que os presentes façam uma lista dos vários
aspectos de suas vidas dos quais derivam seus sentimentos de
autoconfiança: suas amizades; os cargos que alcançaram em suas
carreiras; a capacidade de tocar um instrumento ou de falar uma segunda
língua; os hobbies que cultivam; a segurança financeira que garantiram
para si mesmos. Qualquer coisa que nos faça nos sentir orgulhosos,
atraentes ou importantes; que nos faça nos sentir interessantes, que nos
faça nos sentir seguros em nossas vidas são itens que tendem a entrar
nessa lista; sobretudo se for algo que frequentemente contribui para a
nossa confiança ou para a nossa identidade. Para alguém que lutou para
obter a cidadania de um novo país, o seu novo passaporte pode entrar na
lista. Outra pessoa pode listar a casa que passou anos construindo com
carinho. Para outra, pode ser o quanto ela estudou, ou o quanto já viajou
pelo mundo para vivenciar outras culturas. O que quer que entre na lista
de cada um é um reflexo direto da identidade que essa pessoa construiu
para si mesma, durante a sua vida até agora.
Em seguida, peço para cada membro da plateia desenhar um
quadrado e dividi-lo em quadrados menores, igualmente espaçados,
como em um jogo da velha, embora maiores. Depois peço que
dediquem cada quadrado menor a um item diferente de suas listas. O
resultado é uma matriz de quadrados que compõem o que denomino
suas “Identidades de Confiança”.
No entanto, enfatizo para quem está participando da atividade que,
na realidade, o tamanho ocupado por esses quadrados em nossas vidas é
tudo menos uniforme. Por isso, peço que desenhem suas matrizes
novamente, mas dessa vez ajustem o tamanho dos quadrados para que
reflitam o quanto o item em cada quadrado é importante para a
construção das suas identidades. Geralmente um ou dois quadrados são
muito maiores que o resto, porque todos nós temos coisas das quais
derivamos uma quantidade desproporcional da nossa validação. Para
muitas pessoas, é a carreira. Para outras tantas, o quadrado dominante é
o seu relacionamento. A matriz, como um dos presentes bem descreveu,
deixa de se parecer com uma cartela de bingo e passa a se assemelhar a
uma pintura de Mondrian, com um ou dois grandes quadrados, cercados
por quadrados menores.
Construir uma matriz de identidade nem sempre é um exercício
confortável. Se você for honesto consigo mesmo, pode olhar para a sua
matriz e perceber que vem dando mais ênfase a algumas áreas da sua vida
do que gostaria e dedicando a outras áreas menos atenção do que elas
mereciam. Algumas pessoas chegam a descobrir que não conseguem
pensar em muitas coisas para colocar em suas matrizes. Se você for uma
delas, não se preocupe; provavelmente terá mais ideias do que pode
compor a sua matriz à medida que avançar na leitura.
Um dos aspectos-chave para que possamos interpretar as nossas
matrizes é o fato de que o tamanho dos nossos quadrados tende a ser um
reflexo daquilo com o que nos identificamos mais. Tendemos a nos
identificarmos com os aspectos das nossas vidas que nos proporcionam
maior sentimento de validação e propósito. A pessoa que sempre foi
recompensada na infância por estar sempre disposta a ajudar, depois de
adulta é considerada uma funcionária “exemplar” por trabalhar até tarde,
por nunca reclamar sobre o volume excessivo de trabalho e por sacrificar
sua vida e sua saúde em nome do trabalho. A pessoa que costuma
chamar bastante atenção por sua aparência se torna obcecada em mantê-
la à medida que envelhece, porque acredita que essa é a sua principal
fonte de valor. Em muitos casos, o cenário tende a ser desenhado desde o
início para o formato que a nossa matriz de identidade assumirá no
futuro, em função do que descobrimos que “funcionava para nós”
durante a infância. Não é fácil dizer se a nossa matriz de identidade
reflete certos aspectos intrínsecos da nossa personalidade que
inevitavelmente se manifestariam, ou se simplesmente seguimos as
migalhas de validação ao longo do caminho de menor resistência, até
que em algum momento a nossa identidade se transformou naquilo que
pensamos que somos. Provavelmente é um misto de ambas as
possibilidades. Todos estamos tentando suprir alguma necessidade:
segurança, propósito, uma maneira de nos identificarmos no mundo; a
nossa matriz simplesmente reflete as nossas melhores tentativas de fazer
isso. Entretanto, a matriz de identidade que desenhamos hoje nunca é
um retrato definitivo; é mais como uma fotografia do momento atual,
que revela os músculos que mais utilizamos para chegar até este
momento das nossas vidas.
Talvez seja mais fácil de visualizar na página do que na sua cabeça. Por
isso, a seguir apresento duas versões para uma matriz de identidade; a
primeira é a minha matriz de identidade aos 21 anos; e a seguinte sou eu
agora, aos 36. Eu poderia ter acrescentado mais quadrados para essas
matrizes, mas optei por restringi-los aos mais óbvios para facilitar a
ilustração. (Desenhei ambas as matrizes na mesma semana, então existe a
possibilidade de ter deturpado alguns elementos da minha versão mais
jovem, embora eu duvide disso!)
Como você pode observar, com 21 anos eu baseava grande parte do
meu valor no quanto eu acreditava ser bem-sucedido aos olhos dos
outros, e na ideia de estar estabelecido financeiramente. Eu também
sustentava a minha família, o que, embora baseado em um misto de
generosidade e sentimento de obrigação, também me fazia sentir bem
comigo mesmo, tornando-se parte da minha identidade. A vida amorosa
também era muito importante, mas tinha menos a ver com realmente
encontrar o amor e mais com sentir que eu era, egoística e heroicamente,
bom em namorar e atrair mulheres. Eu lutava boxe, e isso contribuía
para a minha confiança.
Eu não colocava muita ênfase nas minhas amizades; estava focado
demais nas minhas ambições, mas elas desempenhavam um papel
pequeno na minha matriz, apesar disso. Por ter trabalhado alguns meses
em Xangai, eu havia aprendido um pouco de mandarim, o que se tornou
algo que eu achava que fazia de mim uma pessoa mais interessante. Estar
em forma era importante, mas estava relacionado àquela ideia de “ser
desejado”. Eu gostava da noção de que era bem-informado
(independentemente do quanto eu realmente era) e de que as pessoas me
achavam inteligente quando conversavam comigo. Nem preciso dizer
que uma boa dose de insegurança estava por trás de todas as coisas que
direcionavam as minhas decisões sobre onde alocar meu tempo e
energia, bem como o que me dava um sentimento de importância.

Agora vamos analisar a minha matriz aos 36 anos. Não há como negar
que a carreira ainda ocupa grande parte dela. Mas não está mais focada
apenas na percepção de sucesso validada pelo outro. Uma parte dela
ainda considera esse tipo de sucesso — eu estaria mentindo se dissesse
que eliminei todos esses traços de ambição (e você não acreditaria em
mim de qualquer forma) —, mas hoje em dia eu valorizo muito mais ter
um sentimento de propósito, mesmo que isso signifique que a carreira
não crescerá tão rápido. O meu crescimento interior é um dos aspectos
que mais me causam orgulho, por isso ocupa um quadrado significativo
hoje em dia. Quando eu tinha 21 anos, o crescimento interno só era
importante se me proporcionasse mais sucesso validado externamente,
algo que eu realmente desejava naquela época.
Estar em forma ainda é importante para mim — não vou negar essa
vaidade —, mas igualmente importante hoje é o sentimento de estar
realmente saudável. Um novo e também proeminente quadrado é o das
“experiências de vida”, que reflete o fato de que, hoje em dia, grande
parte da minha confiança e da minha identidade vem da vontade de
viver também, em vez de só trabalhar. Na minha matriz de identidade
atual, você verá que eu não tenho um grande quadrado dedicado a
“cuidar da família”. Agora ele se transformou no quadrado “Ter conexão
e proximidade nos relacionamentos”. Eu ainda procuro ajudar a minha
família, da mesma forma que eles me ajudam, mas isso não é mais de
onde eu tento derivar significado para a minha vida. No lugar da
obrigação, eu agora escolho amor e reciprocidade como a base desses
relacionamentos — eu recebo as recompensas de estar realmente
conectado nessas relações, sem precisar me sentir importante ou valioso
em função do que posso fazer pelas pessoas. Hoje em dia, eu também
derivo a minha confiança da força do meu casamento e não de quantas
pessoas podem me achar atraente.
Os relacionamentos em geral desempenham um maior papel na
minha vida atualmente, e consequentemente recebem quadros maiores
na minha matriz. Sou muito grato por todo o amor presente na minha
vida; um amor que, inconscientemente, eu achava que era algo
garantido. Antes eu achava que os relacionamentos na minha vida — as
amizades e a família — meio que ficavam onde estavam, como insetos
pré-históricos congelados em âmbar, para sempre preservados, sem que
eu precisasse investir neles de alguma forma. Agora, estou muito mais
focado na maneira como posso me fazer ainda mais presente nesses
relacionamentos. Mais do que nunca, tenho consciência de que o
tamanho do meu quadrado “Ter conexão e proximidade nos
relacionamentos” é um reflexo direto do volume de energia que dedico a
ele — já sou muito grato por esse amor, essa energia aumentou
exponencialmente. É assim que ciclos de autorrealização ocorrem nas
nossas matrizes — quanto mais gratos somos por algo em nossas vidas,
mais respeitamos e investimos nisso; quanto mais respeitamos e
investimos nisso, maiores os nossos quadrados se tornam.
Preencher uma matriz de identidade é uma forma clara de ser honesto
sobre onde estão as suas prioridades e o que você precisa mudar para
ficar mais feliz e ter mais confiança. Essa tarefa não requer meses ou anos
de terapia. Existe uma qualidade orgânica nesse exercício,
principalmente se você se dedica a desenhar matrizes regularmente, pois
elas acabam revelando que as suas prioridades se transformam e mudam.
Com essa leitura visual em mãos, você fica menos propenso a sentir que
as circunstâncias estão ditando a direção que deve seguir, e mais
propenso a sentir que é você quem está no comando. Você consegue ver
onde estão as suas vulnerabilidades, bem como em quais áreas está
investindo mais, podendo redirecionar a sua energia de acordo. Evite
pensar demais enquanto estiver desenhando a sua matriz; esse é um
exercício inevitavelmente grosseiro e imperfeito. Simplesmente tente
fazer um desenho aproximado de como você acha que seria a sua matriz
hoje, e depois decida o que precisa mudar para ter uma matriz mais
robusta.
Você pode ver que, aos 36 anos, não só a minha matriz tem mais
quadrados como é, no geral, bem maior. É como se eu tivesse
acrescentado um segundo andar à matriz anterior! Isso acontece porque a
minha identidade se expandiu ao longo dos anos, e as minhas fontes de
confiança e de onde derivo o meu senso de identidade se tornaram mais
numerosas. É ao mesmo tempo um reflexo de onde eu coloco meu foco
e de como gasto o meu tempo. Se o tamanho da sua matriz de
identidade estivesse diretamente relacionado apenas ao tempo gasto nas
coisas, sempre seria um jogo de soma zero entre os aspectos diferentes da
sua personalidade que competem entre si e a vida que lhe dá um
sentimento de confiança. Para mim, a possibilidade de morar e trabalhar
nos Estados Unidos contribui para uma parte da minha identidade de
confiança, mas não é algo que “consome” o meu tempo como o meu
hobby de praticar o jiu-jítsu brasileiro tem consumido nos últimos anos;
simplesmente existe como algo de que me orgulho e que me dá uma
sensação de segurança. O mesmo vale para a minha habilidade para falar
em público, que, apesar de não ter aparecido na minha matriz da
juventude, não necessariamente reflete um aumento do tempo alocado
para ela (eu dava palestras aos 21 anos também). O quadrado alocado
para ela agora reflete apenas o fato de que agora estou muito mais
consciente e conectado com o quanto é maravilhoso ter essa habilidade
de me comunicar. Eu gosto de ter esse quadrado na minha matriz,
principalmente porque é algo que ainda estaria ali mesmo que eu não
ganhasse um centavo com isso. É o mesmo caso da minha habilidade
para escrever, que considero uma habilidade central, que eu manteria
mesmo se perdesse todo o meu negócio. Quando renovo o meu foco
para a sorte que tenho por contar com essas habilidades, o tamanho da
minha matriz aumenta apenas em função daquilo pelo qual escolho ser
grato.
Ainda assim, a maioria das coisas que nos dão uma sensação de
confiança costuma consumir o nosso tempo; por isso, naturalmente,
uma boa parte do que a matriz revela é como ou onde estamos gastando
o nosso tempo e o nosso foco, nos dando a oportunidade de considerar
se estamos dividindo esse recurso finito de uma maneira que contribui
para os nossos objetivos de longo prazo e valores permanentes.

Tenha consciência das suas mutações e


diversifique
Para o bem ou para o mal, tendemos a formar o que consideramos ser a
nossa “identidade” com base nos quadrados em nossas matrizes. Na vida,
lutamos para manter a nossa identidade porque é o que nos dá uma
sensação de segurança — é “o que conhecemos”. Podemos até não gostar
do nosso trabalho, mas o cargo, o status e o dinheiro que vêm com ele
passam a fazer parte da nossa identidade, podendo se tornar
indispensáveis para nós. Podemos chegar ao ponto de achar que perder
tudo isso seria como perder uma parte do corpo. O perigo aqui é que
passamos a confiar tanto nas nossas fontes primárias de validação que
elas se transformam em mutações nossas. Se não formos cautelosos, esses
músculos se tornam os únicos que sabemos como usar. Aos poucos, essas
mutações se transformam nas nossas maiores vulnerabilidades. Se perder
toda essa validação pode ser devastador para a nossa ideia de quem
somos, então podemos facilmente nos tornar prisioneiros daqueles um
ou dois quadrados superdesenvolvidos em nossas matrizes. Se no início
você teve dificuldade para descobrir quais seriam os maiores quadrados
na sua matriz, basta se fazer a seguinte pergunta: “O que mais afetaria a
minha confiança se fosse tirado de mim?”.
No caso de algumas pessoas, podemos claramente identificar a
mutação: o rapaz na academia com bíceps enormes; a influenciadora do
TikTok que usa maquiagens elaboradas, dignas de tapete vermelho, para
ir ao supermercado. Outros casos são menos óbvios mas ainda assim
evidentes, como o pai viciado em trabalho, que inicialmente era apenas
ambicioso mas que anos depois não consegue se desligar quando sai de
férias com a família; ou as pessoas casadas que fazem do outro o seu
único foco, correndo o risco de perder a chama da individualidade que
mantém vivo o desejo. Christopher Hitchens, provavelmente o maior
debatedor da sua geração, confessou tomar muito cuidado para não usar
suas incríveis habilidades em casa com a família, uma vez que claramente
existem situações em que é melhor perder uma discussão e outras nas
quais o silêncio é a melhor opção. Todos conhecemos pessoas que
gostam de agradar e, por isso, acabam ficando sobrecarregadas e exaustas;
ou pais que ficam sempre tão preocupados com os filhos que estes
acabam fazendo de tudo para escapar desse controle. Existem inúmeras
formas pelas quais podemos nos exceder.
Uma boa pergunta que deveríamos nos fazer é: “Quem eu seria sem o
maior quadrado na minha matriz?”. Mostre-me a sua resposta para essa
pergunta e eu lhe direi o quanto você está vulnerável a fracassos, crises
ou tragédias. É inquestionável que contar demais com a confiança
resultante de um único elemento na nossa matriz de identidade é uma
proposição precária. Em parte porque quase todas as coisas que nos dão
confiança estão suscetíveis a mudança. Pessoas próximas de nós morrem,
relacionamentos terminam, perdemos o emprego, nos machucamos,
envelhecemos ou desenvolvemos uma doença crônica. As habilidades
que cuidadosamente cultivamos se deterioram se deixamos de praticá-las
(às vezes podem se deteriorar até mesmo quando as praticamos o tempo
todo!). Além disso, podemos perder o acesso aos lugares onde elas
podem ser exercidas ou ao equipamento necessário para praticá-las.
Existem pessoas que consideram as coisas com as quais mais nos
identificamos uma espécie de armadura, como se a nossa própria matriz
(assim como toda a confiança que advém dela) fosse uma espécie de
muleta, talvez até mesmo um dos impedimentos centrais para ter acesso
ao espectro total da experiência humana. Essas pessoas não estão erradas.
Essa é uma observação que seria rapidamente feita em círculos de
atenção plena. Definitivamente, existe um nível de confiança mais
profundo e mais imutável que você pode acessar, que vamos abordar em
mais detalhes em um dos próximos capítulos. Porém, estamos todos
vivendo vidas imperfeitas diariamente, encarando o mundo pelo menos
tanto quanto (ou provavelmente até mais) encaramos internamente a
nós mesmos.
Uma das melhores estratégias que podemos usar para contrabalançar
os riscos negativos dos elementos principais do nosso caráter é garantir
que a nossa vida não gire em torno de uma única coisa. Existem três
formas de diversificar a sua matriz: 1) dedicar-se mais a um dos
quadrados ao qual você não tem alocado muito tempo nem atenção,
para que ele possa crescer a partir desse aumento de investimento; 2)
encontrar novas formas de valorizar aquilo que você já tem — faça isso e
você descobrirá fontes de confiança às quais já tem acesso, como eu fiz
com as minhas habilidades para escrever e falar em público; 3) acrescente
um quadrado completamente novo, colocando nele algo que você nunca
fez ou tentou antes. Tenho certeza que você consegue pensar em
quadrados na sua matriz que, se você voltar no tempo o suficiente, não
existiam antes. Para mim é o jiu-jítsu, um esporte que eu comecei a
praticar quando as minhas lesões comprometeram minha capacidade de
continuar praticando o boxe. Atualmente tento treinar pelo menos três
vezes por semana, não importa o que mais eu tenha que fazer naquela
semana. Passei a me importar com o meu progresso nessa área, e
costumo me pegar pensando nas lições que aprendi com esse esporte.
Ao contrário do que acontece quando focamos a gratidão recém-
descoberta por algo que já temos, o problema de acrescentar um
quadrado, ou de dedicar mais esforço a um quadrado menor que você
gostaria de aumentar, é que, considerando que a vida é um jogo de soma
zero, fazer isso pode tirar a sua atenção e esforço diários de onde estão
concentrados os seus pontos fortes. Isso nem sempre é ruim. Tenho uma
amiga que é mestre em ser sarcástica, e ela usa isso para fazer todos
rirem, dominar a conversa e manter o clima leve e dinâmico. Às vezes
isso significa que ela acaba destruindo por completo vários tópicos
interessantes antes mesmo de alguém conseguir falar uma única palavra,
e geralmente significa que quase não há espaço para vulnerabilidade ou
curiosidade enquanto ela está falando — duas coisas que demandam
abertura e sinceridade, e algumas vezes silêncio, no lugar de piadas e
ironias.
Já tentei, mas não cheguei nem perto de conseguir fazê-la maneirar,
provavelmente porque ela se sairia muito pior nessas situações de
socialização se seguisse o meu conselho. Ela, com certeza, se sentiria
menos poderosa, interessante, confortável e confiante, pelo menos por
um tempo. Para ela seria uma espécie de retrocesso, mesmo que do
ponto de vista da sua matriz de identidade fosse considerado um avanço,
na direção da força e da diversidade, em vez de depender apenas de uma
habilidade que claramente está se tornando um tipo de esquiva. Quem
quer voltar a ser um estudante desengonçado — embora seja uma
experiência que nos ensina bastante —, principalmente quando sabemos
que existem lugares melhores para estarmos e coisas que faríamos
melhor?
Minha amiga e editora Karen Rinaldi escreveu um livro que poderia
ser uma ode à diversificação da sua matriz, chamado É ótimo ser péssimo
em algo. Karen gosta de surfar, mesmo que, como ela costuma dizer para
todo mundo, não seja uma boa surfista. Isso não a impediu de comprar
uma casa na Costa Rica, para onde poderia ir e passar horas pegando
ondas, caindo, subindo novamente na prancha e remando de volta para
o final da fila. Ela escreveu um artigo para o New York Times sobre
algumas coisas que aprendeu falhando com tanta regularidade. (Failing is
OK. Better still, isn’t it a relief? [Falhar faz parte. É até bom, que alívio,
né?, em tradução livre]). Para acompanhar o artigo, ela postou um vídeo
seu surfando, e uma colega de trabalho foi até seu escritório para dizer:
— Nossa, você é uma péssima surfista mesmo!
— Você achou que eu estivesse sendo modesta?
Sua colega descreveu a imagem que tinha de uma Karen descolada,
surfando na Costa Rica, e completou:
— Realmente não foi isso que vi naquele vídeo que você postou...
Você é terrível mesmo!
— E?
— Fico feliz de saber que você é tão ruim!
Rinaldi argumenta que o “descolada” (e a atitude de autoproteção que
geralmente está por trás desse adjetivo) pode ser um inimigo: que nos
impede de tentar fazer coisas novas, da alegria que podemos encontrar
no aprendizado, da resiliência que surge de não nos preocuparmos com a
impressão que passamos ao fazer algo que nunca fizemos com maestria e
que talvez nem tenhamos a expectativa de um dia chegar a fazer. Existe
uma recompensa em tentar coisas novas. Isso diminui o controle
exercido pelo perfeccionismo e abre caminho para a postura do iniciante
que brinca e se surpreende. Talvez um dia você chegue a sentir que tem
habilidade naquilo, mas os benefícios são muito maiores. Quando você
tenta fazer algo novo, diminui o impacto das coisas das quais dependia
demais anteriormente. E graças a essa chama de esperança você se torna
menos vulnerável à possibilidade de colapsar se circunstâncias em sua
vida roubarem algo seu com o qual sempre contou.

Pareamentos únicos
Existe outro motivo para diversificar que vai além das recompensas
internas. Quando a nossa confiança resulta de múltiplas fontes, ela
oferece um bônus maravilhoso de nos tornarmos mais atraentes aos
olhos dos outros. Isso gera o que eu chamo de “pareamento único”: duas
ou mais características em uma pessoa, que isoladas já seriam atraentes,
mas que combinadas criam algo muito mais potente. Por quê? Porque
são inesperadas. Elas nos fazem perceber, quase imediatamente, que
ainda não conhecemos completamente aquela pessoa; que ela é um
enigma, imprevisível. Elas nos fazem pensar não só “O que mais eu não
sei sobre essa pessoa?” como também “Em que lugar do mundo eu
poderia encontrar outra pessoa assim?”. Um traço chama sua atenção; o
segundo retorna a pessoa irresistível.
Como Rinaldi (editora/surfista) provou, você não necessariamente
precisa ser bom em ambos os elementos do seu pareamento. Mas precisa
ter paixão por eles. Os dois polos distintos criam uma espécie de campo
energético no qual tudo parece possível. É fácil encontrar exemplos entre
pessoas que já são famosas por algo, como o ator Seth Rogen e sua
obsessão pelas cerâmicas que faz. Ou o ex-presidente George W. Bush,
que talvez ganhasse alguns votos retroativos quando começou a se
dedicar a pintar quadros extremamente sensíveis de veteranos e
imigrantes.
Tenho um amigo, Jesse Itzler, que é um empreendedor apaixonado
por desafios de resistência. Ele realiza um desses desafios no próprio
quintal, que dá para uma colina íngreme, no qual ele convida as pessoas
para subir essa colina cem vezes seguidas. Ele chama de “Colapso na
Colina”, e eu posso atestar que é o tipo de desafio diabólico que só quem
já completou uma prova do Ultraman (competição de triatlo na qual
homens nadam dez quilômetros, pedalam 276 quilômetros de bicicleta e
correm 85 quilômetros) poderia ter inventado. Uma vez ele me
convidou para tentar (foi o desafio físico mais difícil da minha vida);
quando ele me convidou novamente, perguntei se a minha noiva,
Audrey, poderia participar também.
Pode, sim! Ela vai amar! Foi a resposta que ele me enviou. Ficamos
noivos nesse mesmo ano, então pode ser que uma parte de mim achasse
que talvez valesse a pena descobrir como ela se sairia no desafio da colina
antes que eu fizesse oficialmente o pedido. (Não conte para ela que eu
disse isso.)
Ela tinha assistido aos vídeos nos quais eu aparecia semimorto ao final
do desafio no ano anterior, sendo amparado por dois amigos que me
ajudaram a completar a última subida; e eu acho que ela pensava que
tinha só sido um dia ruim, em que eu não estava tão bem e que
provavelmente não era assim tão difícil. Eu sempre falava para ela: “Não,
na verdade foi horrível”; e, apesar da minha insistência para que ela
treinasse para o desafio, ela casualmente deixou de comparecer a algumas
das sessões de treino comigo, convencida de que eram apenas uma forma
que eu tinha encontrado para ter companhia durante aquelas horas
solitárias na academia.
Quando chegamos à casa do Jesse em Connecticut, nos Estados
Unidos, no final do verão, havia uma mesa de bufê de bananas, daqueles
tipos de gel de energia e misturas com eletrólitos que costumam ser
encontrados nos bolsos das pessoas que escalam o El Capitan, uma
formação rochosa localizada no Parque Nacional de Yosemite, na
Califórnia. Quando o Colapso começou e até as primeiras vinte subidas,
Audrey continuou sendo Audrey: pegando água e uma fatia de laranja
para nós dois antes do início de cada subida. Lá pela quadragésima
subida, na segunda hora do desafio, já estava claro para ela que não só
era tão intenso quanto eu tinha dito mas que exigiria muito mais de nós
se quiséssemos terminar. Por volta da septuagésima subida, com três
horas de desafio, o ritual de cuidado da Audrey já tinha sido esquecido.
Na octogésima subida, eu já sentia a raiva silenciosa dela, que estava
muda. A música estava alta, pessoas gritavam incentivos umas às outras,
mas Audrey não fazia contato visual nem dizia uma palavra.
Isso era algo sem precedentes no nosso relacionamento. Audrey é a
pessoa mais genuinamente preocupada, gentil e bondosa que eu
conheço. Ela não só nota o que os outros estão sentindo como descobre
o que pode fazer para que se sintam melhor. Mas naquele momento ela
estava direcionando todos esses recursos para si mesma. No topo da
colina, Jesse gritava “Nós não chegamos até aqui para só chegar até
aqui!”, o que vagamente reconheci na hora ser um bom mantra para a
vida. Quando percebeu o nosso colapso iminente, ele abaixou seu
megafone e disse:
— Ei, Huss, Audrey, uma dica para vocês: cada vez que vocês
terminarem uma subida — ele apontou para um barril cheio de gelo —,
coloquem suas mãos e braços lá dentro por dez segundos e em seguida
mergulhem a cabeça. Confiem em mim.
Nós confiamos nele e seguimos seu conselho; e pareceu funcionar, o
bastante para nos ajudar a terminar a subida seguinte. Então repetimos o
processo a cada subida daquele momento em diante. (Depois que
terminamos, ele revelou que o seu “truque de mergulhar no gelo” era
algo que tinha inventado de improviso naquela hora.)
Quatro horas tinham se passado, e o meu treinamento extra tinha
valido a pena. Eu estava me sentindo melhor do que no ano anterior,
tanto que ao final da nonagésima nona subida eu virei para a Audrey e
perguntei:
— Ei, amor, por que não subimos uma última vez e vamos nos
divertir?
Audrey não pensou duas vezes:
— Não — ela respondeu, direta e irredutível, entre respirações
ofegantes e pesadas.
Nós dois concluímos o desafio. Audrey tocou o sino na linha de
chegada, mais para marcar o fim da tortura do que para celebrar
qualquer grande vitória. Alguém pendurou uma medalha de “Vencedor”
no pescoço dela, e ela desmoronou na grama, chorando. Depois, de
tempos em tempos, envergonhada, repetia:
— Não sei por que estou chorando.
Mas eu sabia. Aconteceu com ela exatamente o que tinha acontecido
comigo no ano anterior.
Eu já sabia que amava a Audrey antes de completarmos o desafio, e
acho que a atração que sentia por ela era evidente desde a primeira vez
que lhe disse “Oi”. Mas eu nunca tinha ficado tão impressionado com
ela. Quando estávamos treinando, ela era a pessoa que insistia para que
ficássemos em casa e pedíssemos uma pizza em vez de ir para a academia.
Naquela colina, porém, a guerreira surgiu. Eu soube, quando vi de perto
aquela determinação, que ela era o tipo de colega de equipe que eu
precisava ter do meu lado nos momentos difíceis. Eu sabia que ela era
forte, mas tinha uma força extra que eu não imaginava; e eu sabia que
seria um tonto se alguma vez duvidasse dela. Pareamento único.
É isso que os pareamentos únicos fazem. Você vê duas partes de uma
pessoa que nunca imaginou encontrar juntas naquela mesma pessoa.
Mas você também nota uma terceira coisa: tudo que está entre esses dois
lados da pessoa e que você não vê; um vale inteiro encoberto por nuvens
que você ainda precisa explorar.
14

SOBREVIVENDO AOS
ROMPIMENTOS

Existem dois tipos de término: aquele em que é algo que acontece


conosco e aquele em que nós tomamos a iniciativa. Essas duas
experiências podem parecer tão distintas que dificultam a tarefa de
pensar em conselhos ou estratégias de vida que se apliquem a ambas as
situações. Mas os resultados em ambos os casos não são tão diferentes
quanto você imagina. Ambos deixam um vazio em nossas vidas que,
como qualquer vácuo, oferece um perigo real. Ambos podem nos causar
arrependimentos duradouros, e até mesmo um profundo sentimento de
vergonha. Ambos são difíceis de ser superados. (Isso é válido mesmo
quando pulamos direto para o próximo relacionamento.)
“Seguir sempre, retroceder jamais” é um bom mantra para
rompimentos, em ambos os casos. É especialmente verdadeiro quando
acabamos de sair de uma situação tóxica ou abusiva. Embora também
seja verdadeiro quando alguém termina conosco: não podemos
romantizar o amor que achávamos que estávamos recebendo de um
parceiro, mas que não existia de fato. Não importa o que tenha levado ao
término, existem coisas práticas que podemos fazer para seguir em frente
— para evitar que fiquemos presos no mesmo lugar, ou pior, que
voltemos para o relacionamento problemático do qual acabamos de sair.
Todo rompimento parece causar uma dor única e individual —
aconteceu com você e mais ninguém —, mas existem passos que
podemos dar e que nos ajudam a voltar à vida. As cinco estratégias
apresentadas nas próximas seções não precisam ser seguidas na ordem,
porque a desilusão amorosa é assim: você pode passar semanas ou meses
se sentindo bem, e de repente um tsunami de emoções surge e você se
sente de volta à estaca zero. Por isso sinta-se livre para segui-los como
quiser, bem como repeti-los quantas vezes forem necessárias.

Conecte-se com o sentimento de paz


recém-descoberto
Na sua situação atual, pode parecer que estou sugerindo que você faça
uma prancha de surfe com aqueles espaguetes de piscina; mas todos os
dias eu trabalho com pessoas cujas vidas melhoraram após o
rompimento. É verdade que a pessoa com a qual contávamos se foi, e o
peso emocional dessa ausência pode ser devastador. Parece impossível
não pensar nessa pessoa, ou esperar encontrá-la quando viramos a
esquina, exatamente como acontecia quando tudo estava bem. Por outro
lado, enquanto ficamos obcecados pelo passado, costumamos ignorar
todas as melhorias visíveis em nossa vida agora que estamos sozinhos.
Você pode identificar essas melhorias de duas formas distintas. A
primeira pode ser difícil de ser notada devido a todas as emoções
negativas que acompanham qualquer término — mas não permita que
isso ofusque todas as emoções negativas das quais você acabou de se
libertar. Reconhecer esse peso tirado das costas pode ajudá-lo agora.
Lembre-se de todos os momentos em que o outro fez (ou deixou de
fazer) algo que o deixou triste, ansioso, com raiva, ou que tirou a sua
felicidade. Talvez essa pessoa se comportasse mal nos jantares com a sua
família; talvez nunca tenha se interessado pelas coisas que são
importantes para você; talvez diminuísse o seu trabalho; talvez o
mantivesse sempre em estado de alerta. Pode ser que fizesse você se
atrasar para todas as viagens que fizeram juntos; de forma que, desde o
início do que deveria ser um momento de relaxamento, você já
embarcava no avião estressado, sem fôlego, envergonhado, evitando
olhar para as fileiras repletas de passageiros irritados.
Courtney fazia parte do Love Life Club, um grupo on-line composto
por pessoas de todos os lugares do mundo, com as quais trabalhamos de
forma contínua. Ela acabava de passar por um término difícil, depois
que descobriu que não só o marido a traía fazia anos como também
tinha deixado a família com uma enorme dívida financeira. Foi um
duplo desastre: ela e seus dois filhos tiveram que começar uma nova vida
sozinhos, e ela precisou encontrar uma forma de tirá-los daquela situação
de risco financeiro.
Porém, apesar de todo o contratempo familiar repentino, e da ameaça
real que pairava sobre sua segurança financeira futura, em nossas sessões
por telefone ela só conseguia focar em sua desilusão amorosa. Nesse caso,
eu tinha uma única missão: reorientar o foco dela, para que saísse da dor
de perder o marido e fosse para a sua paz recém-descoberta, à qual ela
teria acesso agora que ele não estava mais por perto. Eu queria que ela
percebesse o contraste. Ela não precisaria mais passar os dias morrendo
de preocupação por causa do que ele não estava lhe contando, nem
noites esperando-o chegar, enquanto ele estava com outra mulher. Ela
não precisaria mais passar semanas se sentindo completamente invisível
para o homem com quem dividia sua casa, enquanto ele fugia tanto dela
quanto da realidade da dívida que se acumulava em torno deles. Quando
mencionei tudo isso, ela respondeu:
— Eu sei, Matthew; mas, apesar disso tudo, ele ainda estava lá
comigo. É tão difícil agora ficar longe dele.
Em seguida examinamos com que frequência ele realmente estava lá, e
a verdade apareceu. Todos os finais de semana nos quais ele trabalhava
até mais tarde ou simplesmente não dormia em casa porque era “mais
fácil ir para um hotel”, todos os finais de semana em que ele se trancava
no escritório com o seu computador. Ela se sentia apavorada de ter que
viver sem ele, mas não tinha conseguido perceber há quanto tempo já
vinha fazendo isso. Ela estava sobrevivendo sozinha fazia muito tempo
já; aquilo que temia fazer era algo que já tinha aprendido a fazer.
Embora ela ainda não tivesse se dado conta, sua vida tinha ficado mais
fácil em diversos aspectos.
Essa é a segunda maneira pela qual a sua vida melhora depois de um
término: ela enriquece de um jeito positivo. Agora, em vez de ficar presa
em casa como um criminoso de colarinho-branco que usa uma
tornozeleira eletrônica, ela saía com as amigas. Em vez de precisar dizer
que não podia sair com elas porque não queria deixá-lo “sozinho”, ela
estava fortalecendo relacionamentos que foram negligenciados durante
anos, passando finais de semana inteiros na companhia de amigos e da
família. O seu sofrimento diminuiu assim que ela parou de se concentrar
na fantasia daquilo que tinha perdido. Ela começou a perceber que
estava perdendo muito menos do que imaginava e ganhando muito mais
do que julgava. Ela agora estava livre para dizer “sim” para o que
enriquecia a sua vida, e levava a mais conexões e aventuras. Ela estava se
redescobrindo.
Eu sei o que você deve estar pensando: Matthew, talvez isso funcione
quando o seu ex é um ladrão narcisista e traidor abusivo, mas o meu ex era
maravilhoso em todos os aspectos, exceto por não querer mais ficar comigo.
Como eu supero isso?
Existem situações nas quais alguém com quem erámos felizes termina
conosco de um jeito que parece inesperado. Términos assim podem ser
devastadores tanto para a nossa autoestima quanto para a nossa
capacidade de confiar no nosso julgamento em relacionamentos futuros.
No entanto, quando alguém que fingia estar perfeitamente feliz de
repente vem e puxa o seu tapete, pode ser útil procurar pelos sinais de
alerta naqueles momentos nos quais essa pessoa deixou escapar que o
caráter dela não era tudo aquilo que você se permitiu acreditar que era.
Identificar sinais de alerta retroativamente — formas como essa pessoa
mentiu, ou agiu de maneira estranha, ou as coisas negativas que os
outros lhe disseram sobre ela e que você escolheu ignorar na época —
pode se mostrar um modo extremamente válido de retirar os seus
sentimentos por essa pessoa do pedestal em que estavam, em vez de
permitir que sejam preservados naquele estágio de pico do amor. Você
pode encontrar paz quando perceber que não perdeu a pessoa que
pensava ter perdido.
No entanto, talvez você não consiga encontrar sinais de alerta como
esses durante o tempo que passou com essa pessoa. Talvez ela fosse
mesmo incrível, vocês eram felizes juntos, até que ela terminou com
você. Mesmo se isso tudo for verdade, nunca se esqueça de uma verdade
mais profunda e fundamental: o amor da sua vida só pode ser aquela
pessoa que escolhe você para dividir a vida. Não pode ser nunca a pessoa
que não escolhe você. Por isso, não importa o quanto vocês tenham sido
felizes por um tempo, não era o relacionamento dos sonhos porque, por
definição, o seu relacionamento dos sonhos é aquele que dura. Seguir em
frente fica mais fácil quando percebemos que perdemos algo que apenas
temporariamente simulava um relacionamento verdadeiro, mas que em
aspectos fundamentais não chegava nem perto de um.
Contudo, vamos dar um passo atrás por um momento — será que
você estava mesmo tão feliz quanto a sua tristeza insinua? Será que você
sempre se sentia feliz na presença (ou na ausência) dessa pessoa, ou será
que a sua felicidade era marcada por um sentimento constante de
insegurança? Uma pessoa não precisa ser ruim para você se sentir mal
quando está com ela. Um dos motivos pelos quais nos sentimos assim é
porque percebemos que o amor e o investimento naquele
relacionamento não é igual, algo que acontece quando o outro começa a
ter dúvidas sobre nós. Mesmo que ele não tenha dito nada e continue
cumprindo as funções de um parceiro (até e inclusive o fato de o sexo ser
bom), é raro que a nossa intuição não consiga identificar quando ele
está, ainda que de maneiras que não consigamos decifrar, distante (ou
talvez nunca demonstrando o mesmo tipo de comprometimento que
demonstramos).
Com exceção dos sociopatas clássicos, as pessoas não terminam umas
com as outras por capricho e impulso, no mesmo dia em que informam
ao outro que acabou. É um processo interno que pode durar semanas,
meses ou anos até o dia em que elas finalmente decidem dividir conosco
a sua decisão, em um momento também escolhido por elas. Essa
disjunção — entre o que elas pensavam quando estavam sozinhas e
como agiam sempre que estávamos por perto — é um dos principais
motivos pelos quais o término pode soar tanto como uma traição. Elas
estavam se escondendo em seus mundos particulares, nos deixando
acreditar que estávamos em um tipo de relacionamento (o qual
cultivávamos com tanto comprometimento e intensidade) enquanto
estavam em outro completamente diferente (o qual cultivavam com
dúvidas e dissimulação).
Perceber que estávamos vivendo em um relacionamento de fantasia
com alguém que nunca esteve 100% presente pode ser humilhante. O
peso emocional de todos os momentos importantes durante os meses e
anos que se passaram desaparece em um único instante. A vida real que
você pensava que estava construindo era na verdade um holograma. Isso
também explica por que o outro consegue tocar a vida tão rápido: talvez
só tenhamos recebido a notícia hoje, mas ele vinha convivendo com ela
(de repente até procurando em outros lugares) por meses antes de dizer
uma palavra sobre isso.
A nossa intuição consegue perceber que alguma coisa está estranha
antes que sejamos capazes de colocar os fatos em ordem. E quanto mais
vivemos nessa disparidade, na qual os nossos sentimentos não batem
com os eventos da nossa vida cotidiana, mais internalizamos a nossa
ansiedade, dizendo a nós mesmos que somos nós que estamos fazendo
algo errado, que é loucura da nossa cabeça, e nos martirizando por nossa
ansiedade inexplicável. Isso rapidamente se transforma no nosso próprio
inferno particular de abuso psicológico, onde nos sentimos cada vez mais
inseguros com a única pessoa que todo mundo julga ser perfeita para
nós.
Em um término típico, temos o instinto de demonizar, de catalogar
todos os erros e traições do outro, como se isso facilitasse o nosso
processo de seguir em frente. Em vez disso, é mais saudável e mais fácil
focar aquilo que essa pessoa nos fazia sentir. E não me refiro ao que
sentíamos por ela — tudo o que admirávamos ou amávamos nela. Estou
me referindo à maneira como nos sentíamos diariamente na companhia
dela, quando nada estava sendo dito: será que nos sentíamos sempre
seguros, felizes e amados? Será que éramos amados o suficiente? Ou será
que nunca conseguimos nos livrar daquela sensação de que faltava algo,
de que a nossa felicidade era uma espécie de palco instável sobre o qual
fingíamos que nada acontecia?
A pessoa errada para você não se limita àquela que é “tóxica”. Também
pode ser alguém com quem não nos sentimos em paz. E você nunca
encontrará a paz com alguém que não escolhe você.
Quando perdemos alguém dessa forma, podemos sofrer no início,
achando que perdemos a única coisa que queríamos mais do que tudo.
No entanto, se nos permitirmos, podemos realmente nos conectar com
um novo sentimento de paz. Agora estamos livres da ansiedade
constante; livres de sentir que não somos o bastante; livres de tentar
assegurar aquilo que não é para ser. Qualquer que tenha sido a sua
experiência no relacionamento, não era felicidade, que só aumenta
quanto mais você a alimenta, como um jardim orgânico. E, mesmo que
ainda não tenha encontrado o amor novamente, você vai perceber que
esse sentimento de paz recém-descoberto é sólido e substancial; não há
nada de imaginário nele. Quando você encontra o tipo certo de amor,
sente uma espécie de continuação dessa paz, e não um desvio dela.

Aceite que você precisará repetir a mesma


história várias vezes, e isso não é um
problema
Nem uma única conversa com alguém, não importa o quanto ela seja
boa, será capaz de resolver permanentemente o seu sofrimento. Ela pode
aliviar um pouco a dor, e esse alívio definitivamente é importante. É
apenas aquela luz no fim do túnel que pode ser a diferença entre sair da
cama e permanecer lá o dia todo. Ouvir as coisas certas, navegar pela
dor, é algo que precisa acontecer muitas vezes ao dia. É necessária uma
enorme quantidade de repetição, especialmente nos estágios iniciais
quando estamos aos poucos tentando escrever uma história diferente e
mais positiva sobre o que significa isso tudo. Faça muitos planos com os
amigos com os quais consiga ser você mesmo. E conte a eles a verdade
sobre o que aconteceu. Às vezes, quando não queremos que algo seja real
— principalmente no fim de um casamento que se tornou a base da
nossa identidade —, deixamos de contar a verdade para as pessoas que
mais nos amam. Mas deixá-los a par do que aconteceu não é só um passo
vital para a aceitação como também dá aos nossos amigos o presente de
poder nos ajudar.
É importante observar que podemos continuar sofrendo
silenciosamente após meses e até mesmo anos depois do fim de um
relacionamento. Se sentirmos que cruzamos alguma fronteira invisível,
onde não é mais socialmente aceitável falar mais sobre o término,
corremos o risco de passar por uma segunda onda de isolamento. Pode
ser importante ter terapeutas e coaches por perto nessa fase, por nenhum
outro motivo além do fato de que pagar pelo tempo de outras pessoas
pode nos dar mais liberdade para nos repetirmos centenas de vezes sem
que fiquemos inseguros, ou preocupados com quem, dentre os nossos
amigos mais próximos e familiares, já não aguenta mais nos ouvir falar
no assunto.
Livre-se de tudo que faz você se lembrar da
pessoa (contanto que não afete a sua
qualidade de vida)
É um passo simples, mas importante: livre-se das coisas que o fazem
lembrar da pessoa. Precisamos estabelecer uma diferença entre processar
e ficar ruminando o término. O processamento é proativo e nos ajuda a
seguir em frente. A ruminação é reativa e rapidamente se torna uma
compulsão. Esse processamento pode ser feito com um terapeuta, um
coach, por meio de uma conversa honesta com um amigo, ou
simplesmente se permitindo ter um tempo sozinho para se conectar com
a tristeza e decepção que o cercam. É como malhar — você vai para a
academia para obter os resultados de saúde que deseja, mas não precisa
ficar lá o dia todo. Vá, faça o que tem que fazer e depois continue com o
restante da sua vida pelas próximas 23 horas.
E a ruminação? Essas são as horas que perdemos quando somos pegos
de surpresa por uma lembrança que surge do nada. Ficamos
especialmente vulneráveis a isso se não conseguirmos assumir o controle
da nossa mente e do que serve de gatilho para essas memórias. Depois de
um término, precisamos ter a frieza de um médico de pronto-socorro
limpando um ferimento, eliminando qualquer partícula que possa causar
uma possível reinfecção. Precisamos jogar fora tudo que nos faz lembrar
dos nossos ex, onde quer que apareça: na nossa mesa (aquele retrato com
o pôr do sol no Taiti), no nosso quarto (a luminária que ele nunca
desligava), na prateleira de cima da nossa geladeira (o patê mofado), no
nosso telefone (por que continuar monitorando o clima no Taiti?).
Troque o nome do(a) ex nos contatos do seu telefone, para que você não
tenha um reflexo pavloviano toda hora que receber uma notificação de
ligação ou mensagem dele(a). (Eu tive uma cliente que trocou o nome de
uma pessoa em seu telefone para “Chega”, sabendo que, em vez de
invocar uma esperança dolorosa, criaria um sentimento de finalidade e
empoderamento). Faça uma limpeza na gaveta de medicamentos e
debaixo dos bancos do seu carro. Repita o processo nas gavetas da
cozinha, na prateleira alta do armário do corredor, na caixa de
eletrônicos estragados. Se sobrar qualquer coisa que nos lembre nossos
ex, estaremos dormindo no ponto.
Precisamos sistematicamente querer seguir em frente. Depois de fazer
essa limpeza completa em sua casa, embalando as fotos, as roupas, as
meias que passaram a ser um lembrete dessa pessoa, saia do local. Se
possível, fique uns dias fora de casa. Vá para a casa de um amigo, faça
uma escalada, visite uma cidade ou um local histórico que sempre quis
conhecer. Procure, ao menos, frequentar partes da sua cidade —
restaurantes, bares, cafés — que você não associa a essa pessoa. Pense
nisso como uma desculpa para visitar novos lugares e conhecer partes da
sua cidade aonde nunca tinha ido antes.
Ao mesmo tempo, faça uma limpeza em todas as suas redes sociais.
Nem preciso dizer que você deveria parar de visitar o perfil dessa pessoa
— mesmo depois de achar que está começando a se sentir melhor; você
não precisa saber o que ela está fazendo, e isso só levará você a retroceder.
Você pode ir além e criar uma lei para não procurar essa pessoa em
nenhuma circunstância. Assegure-se que o algoritmo não a traga até você
também. Deixe de seguir ou silencie a pessoa para que ela não apareça
mais no seu feed, e faça o mesmo com os amigos dela, até mesmo com
os amigos que vocês têm em comum e qualquer pessoa que possa postar
algo que reative a dor do término. Lembre-se: a questão aqui não é se
preocupar com quem pode se ofender com isso; é uma questão de
autopreservação. Você sempre pode ligar para os amigos em comum e
dizer a eles: “Oi, só pra você saber, eu silenciei você nas redes sociais, não
porque você fez algo de errado ou porque eu quero cortar relações; mas
porque ver fotos e stories do meu ex realmente me machuca e me impede
de seguir em frente”. Quando você os encontrar pessoalmente para
conversar, sinta-se livre para dizer: “Me ajudaria muito se você não
falasse sobre o meu ex. Eu não preciso saber nenhuma notícia nem
novidades sobre ele. Adoraria que conversássemos sobre tudo menos isso.
Realmente me ajudaria a seguir em frente”.
No entanto, alguns relacionamentos de longo prazo se tornam tão
entrelaçados com tantos aspectos da nossa rotina — nosso círculo social,
nossa moradia, nossa localização geográfica — que para nos livrarmos de
qualquer associação com nossos ex precisaríamos banir a nós mesmos.
Então, o que podemos fazer quando as lembranças estão por toda parte?
Não podemos simplesmente ceder cada parte do nosso mundo para os
nossos ex (principalmente aquelas que originalmente pertenciam a nós).
Vocês moraram em Chicago juntos? Chicago é território dele agora.
Vocês encontraram o seu restaurante favorito de sushi juntos? Ele é o
dono do sushi agora. Vocês gostavam de ouvir rock clássico juntos?
Desculpa, agora é o dono do rock.
É por isso que acrescentei uma exceção ao título desta seção: Livre-se
de tudo que faz você lembrar dessa pessoa, contanto que não afete a sua
qualidade de vida. Se vocês moraram na mesma cidade juntos por dez
anos, muito dessa cidade fará você se lembrar dessa pessoa. Você
realmente quer abrir mão da sua cidade favorita? Se se livrar de tudo que
faz você se lembrar dessa pessoa empobrece a sua vida de maneiras
inaceitáveis, existe uma estratégia diferente que você pode seguir. É aqui
que o soldado do exército que vive dentro de você precisa fazer o
trabalho de reconquistar o território que você deseja manter, não só
identificando e eliminando aquilo que não quer mais. Como podemos
fazer isso quando essas coisas se tornaram tão intrínseca e
emocionalmente ligadas aos nossos ex?

Ressignifique tudo aquilo que não quer


perder
Um dos motivos que tornam os términos tão opressivos é porque eles
causam um curto-circuito na nossa capacidade de raciocinar, ao mesmo
tempo que atacam as nossas emoções, o que pode ser desolador e difícil
de mudar. Existem muitas coisas que, uma vez compartilhadas com um
ex, podem nos jogar em um estado de turbulência emocional sem dar
nenhum sinal de alerta. Você nota um par de tênis colorido, sente o
cheiro de paella, escuta um trecho da música-tema de um show a que
ambos assistiram juntos e fica imediatamente cara a cara com os
sentimentos poderosos e específicos de uma intimidade à qual você não
tem mais acesso.
O cheiro é um gatilho particularmente forte para as emoções, uma vez
que os circuitos sinápticos que transmitem o estímulo inicial — o cheiro
de cebola e azeite de oliva, ou de manteiga de coco, ou de maré baixa —
para o sistema límbico do cérebro, incluindo a amídala e o hipocampo,
regiões relacionadas com a emoção e a memória, são o principal
caminho para qualquer um dos sentidos: apenas uma ou duas ligações
celulares do início ao fim. Uma vez me pediram para conduzir uma
sessão de treinamento para todos os funcionários do departamento de
beleza de duas das maiores lojas de departamento de Londres: a Harrods
e a Selfridges. Uma das funcionárias tinha a função de espirrar os
perfumes para as pessoas que vinham até o balcão. Ela sempre gostou
dessa parte do trabalho, até o dia em que uma mulher sentiu um
daqueles cheiros e começou a chorar, instantaneamente, porque era a
fragrância favorita do seu falecido marido.
Sabendo o quanto as emoções podem ser poderosas, tento fazer as
pessoas construírem conscientemente gatilhos para engajar emoções
positivas. Chamo esses gatilhos de “botões emocionais” — um tipo de
estímulo que podemos usar de forma confiável para evocar a emoção que
queremos. Quando estou me preparando para subir ao palco e falar com
as pessoas, às vezes por horas seguidas, e quero evocar paixão e
entusiasmo aos quais as pessoas possam responder, eu recorro a alguns
dos meus botões emocionais: pode ser assistindo a alguns minutos de
Steve Irwin, O Caçador de Crocodilos — existe um vídeo dele, apoiado
atrás de um tronco de árvore, depois de ver um exército de crocodilos
devorar uma carcaça de hipopótamo, dizendo: “Inacreditável! Essa foi a
coisa mais divertida que eu já fiz na minha vida inteira”. Eu vejo esse
vídeo e dois minutos depois me sinto reconectado com a paixão que
quero incorporar ao meu próprio trabalho; é como tomar uma dose de
paixão um pouco antes de conhecer a plateia. Eu passo grande parte do
tempo nos meus retiros explicando como os botões emocionais
funcionam, porque eu quero que as pessoas sejam capazes de ter uma
forma prática de conscientemente programar as emoções que desejam
sentir constantemente.
A desilusão amorosa, no entanto, pode destruir todas as defesas que
cuidadosamente construímos, exatamente porque cria tantos botões
emocionais negativos — estímulos que imediatamente evocam emoções
que não queremos. Botões emocionais negativos seriam quase cômicos se
não fossem tão perniciosos. Uma mulher com quem trabalhei não podia
passar em frente a uma loja da Victoria’s Secret sem ficar furiosa, porque
tinha encontrado sem querer algumas lingeries no guarda-roupa de seu
marido e nenhuma delas chegava perto do tamanho usado por ela.
Outra mulher, de repente, passou a odiar um país inteiro (“Foda-se a
França!”) só porque seu ex tinha sotaque francês. Esses são ótimos
exemplos da importância exagerada que um ex pode ter depois de um
término: uma única maçã podre pode estragar os outros 67,7 milhões.
Guy Winch, psicólogo e defensor da criação de kits de primeiros
socorros emocionais, sugere que as pessoas deveriam desinfetar suas
pessoas favoritas e lugares das associações indesejadas com os seus ex e
reivindicá-las fazendo visitas em circunstâncias diferentes, para que
possam criar novas associações. Essa é uma das formas de reverter um
botão emocional negativo. Por exemplo, você não precisa parar de
frequentar os seus restaurantes favoritos — volte a eles, várias vezes,
talvez junto com amigos que façam você rir até ficar com a barriga
doendo, até que as novas experiências possam reescrever os seus
sentimentos sobre os fantasmas daquele lugar. Porém, o autor tinha uma
regra: você não pode falar sobre o seu ex enquanto estiver lá.
Outra forma de desatrelar os nossos ex de qualquer associação com
coisas importantes para nós é nos reconectarmos com uma noção de
escala. Uma cliente em um dos meus retiros tinha acabado de sofrer uma
desilusão amorosa por causa do fim inesperado do seu relacionamento
com um escritor famoso. Ela amava ler antes de conhecê-lo, e os livros
eram um dos seus botões emocionais positivos — ou seja, eles tinham
uma associação positiva que imediatamente a deixava de bom humor e
com um estado de espírito positivo. Todas as outras associações positivas
— o cheiro das bibliotecas, procurar por novos livros na sua livraria
favorita, os sentimentos deliciosos que um ótimo livro é capaz de causar,
permitindo que ela desaparecesse em um mundo ao qual nunca teria
acesso do contrário — foram aspectos que a conectaram com seu ex
desde o início do relacionamento. Porém, a pior desilusão amorosa da
sua vida reverteu essa polaridade, e de repente os livros se transformaram
em uma associação dolorosa. Uma das suas coisas favoritas no mundo
tinha se tornado um botão emocional negativo. Livrarias a faziam
lembrar das conversas sussurradas entre os dois na seção de ficção. Era
difícil frequentar as bibliotecas agora, onde ela sempre precisava
confrontar os livros dele dispostos em mesas de recomendação de
leituras. Às vezes ela encontrava um novo livro sobre o qual só tinha
ouvido elogios, só para dar de cara com o nome dele entre os
comentários na contracapa. De repente os livros tinham seguido o
mesmo caminho dos outros hábitos que os dois criaram juntos: a
tradição de ler todo domingo, a rotina de ler na cama de mãos dadas.
No entanto, os livros não pertenciam a ele. O amor que ela cultivara
ao longo da vida pelos livros começou bem antes do relacionamento
deles. Quantas pessoas — que não se parecem em nada com o ex dela e
não têm nada a ver com ele — mantêm a mesma relação com livros? Os
livros o antecedem em quantos anos? Para os livros, ele era apenas outra
pessoa em uma longa lista de pessoas que gostavam de algo muito maior
do que ele e que mentem sobre o quanto leem. Quando se conectou
com essa noção de escala, ela conseguiu começar a ressignificar os livros
como um botão emocional positivo novamente.
Desafiar pode ser uma postura importante nesse caso. Existem
atividades que ninguém pode tirar de você, e você precisa declarar isso:
Ele não tem o direito de ficar com as minhas paixões depois do término; não
tem o direito de ficar com meu amor por filmes antigos, árvores ou
caminhadas matinais... Ele não vai ficar com a minha pizza!
Enquanto estamos colocando as coisas em suas próprias escalas, é
importante nos lembrarmos que o mundo é muito maior do que os
nossos ex. Naquele momento logo após o término, pode parecer que eles
e o mundo são a mesma coisa. Entretanto, embora possa parecer que o
seu ex é o seu mundo inteiro agora, existem cerca de 8 bilhões de pessoas
que nem sabem da existência dele. Eu me lembro de ouvir uma pessoa
de quem gosto muito repetir a história do seu divórcio umas cinquenta
vezes. Tinha sido bem ruim: o ex-marido estava tendo um caso, e
quando confrontado sobre isso, abruptamente terminou o casamento e
foi morar com a nova amante sem demonstrar nem um pingo de
bondade ou arrependimento. Naturalmente, ela contava isso para quem
quisesse ouvir. No início era necessário, mas depois ameaçava se tornar o
único assunto sobre o qual ela queria conversar. Além da forma como a
traição é vista pela nossa sociedade, isso também teve o efeito de
desempoderá-la. Toda vez que repetia essa história, ele parecia se tornar
ainda maior na vida dela, e não o contrário.
Um dia, virei para ela e disse:
— Você tem consciência de que ninguém que mora em Paris neste
exato momento sabe quem é o seu ex? Na verdade, a Europa inteira está
vivendo muito bem sem ele. O seu ex foi uma gota de uma única onda
de um oceano inteiro. Se você parar para pensar um minuto, ele também
é apenas uma gota no seu oceano particular, porque o seu futuro lhe
reserva muitas novas histórias, mais do que você já imaginou viver. Mas
você não poderá chegar a nenhuma delas enquanto não abrir mão desta.
Uma das maneiras de lidar com um botão emocional negativo é
mudar o significado dele. Digamos que exista uma determinada rua que
faz você lembrar de um momento especial que teve com seu ex, e agora,
toda vez que precisa passar por essa rua, você sente um enjoo no
estômago. Vamos pensar em algo bonito em sua vida com o qual você
possa aprender a fazer uma nova associação com essa rua. Talvez desde o
seu término, uma das coisas pelas quais você mais tenha agradecido
sejam os vínculos profundos que estabeleceu com pessoas com as quais
tinha perdido contato, em meio à névoa desse relacionamento. Talvez
essas amizades tenham sido a sua salvação e o seu coração se encha de
alegria sempre que pensa nelas e no profundo significado que trouxeram
para a sua vida. Agora chegou o momento de fazer a conexão. Toda vez
que você andar por essa rua, ligue para um desses amigos, ou mande
uma mensagem, seja para ter uma bela conversa com eles ou
simplesmente para expressar a sua gratidão. Faça isso sempre que passar
por essa rua, até que ela se torne um belo símbolo do amor e da amizade
presentes em sua vida... amor e amizade que você só encontrou ou
aprofundou como resultado desse término. Esse é mais um exemplo de
como pegar o que se tornou um botão emocional negativo e transformá-
lo em um botão emocional positivo que lembrará você do tamanho da
sua gratidão por esse término.
O aplicativo de notas do meu celular está repleto de arquivos com
botões emocionais que uso diariamente. Eu levo isso bem a sério. Se eu
suspeitar de que algo se tornou um botão emocional negativo para mim,
procuro encontrar formas de fazer com que se torne um botão
emocional positivo. Uma das maneiras que encontrei de fazer isso é
anotar o pensamento que está funcionando como gatilho para emoções
negativas; em seguida anoto uma nova verdade empoderadora que muda
o significado inicial desse pensamento. Para que esse processo funcione,
eu preciso acreditar genuinamente na validade dessa nova verdade que o
está substituindo. Ela precisa realmente me fazer sentir algo, do contrário
só estou tentando mascarar superficialmente a minha dor com uma fala
positiva vazia. Sempre que encontro uma verdade que funciona, seja por
causa de um pensamento aparentemente aleatório que, de repente, me
faz sentir melhor, ou de algo que eu vi ou que alguém me disse, eu
anoto.
Alguns anos atrás, me vi em um dos momentos mais difíceis da minha
vida. Eu estava lidando com múltiplas perdas, todas ao mesmo tempo;
sozinhas, teriam o potencial de me derrubar, mas que chegaram juntas
em minha vida como um tsunami. Na época, a minha vida parecia um
painel de controle no qual todos os botões ao meu redor eram negativos,
embora todos levassem a uma versão do mesmo pensamento:

Eu queria que isso não tivesse acontecido comigo. Eu não consigo lidar
com o quanto tudo isso é difícil...

Nessa mesma época, liguei para o meu treinador de boxe, Martin


Snow, e conversei sobre esse sentimento. Ele não perdeu tempo. Com
sua voz perfeita e grave, carregada com um sotaque do Brooklyn das
antigas, disse:
— Precisa ser difícil assim. Se não fosse, não haveria nada de heroico
em passar por isso. Você precisa passar por isso ou não será capaz de
mostrar para as outras pessoas como voltar a ficar de pé, quando elas
precisarem no futuro. As pessoas vão precisar de uma versão sua que
conseguiu passar por isso. Continue, rapaz, nós temos um puta trabalho
para fazer.
Senti meu peito se encher de ar à medida que Martin falava. Algo no
que ele dizia fez sentido. E de uma forma que imediatamente consegui
internalizar como uma lógica potente na qual eu podia me apegar.
Existem muitas falas positivas que ouvimos durante momentos difíceis
que entram por um ouvido e saem pelo outro; são coisas que
simplesmente não fazem sentido para o que estamos vivendo. Mas o que
Martin disse fazia muito sentido. Porque não importava o quanto as
coisas ficassem difíceis, elas só reforçavam na minha cabeça o que ele
tinha dito naquele dia... quanto mais difícil isso ficar, mais fundo eu terei
que ir para encontrar a saída, e, quanto mais fundo eu for, mas terei para
dar ao final de tudo isso. Isso se tornou um botão emocional positivo
instantâneo para transmutar a minha dor naquele momento. Passei a ver
a dor como uma parte necessária do processo para me tornar quem eu
precisava ser, para poder ajudar mais pessoas, ou para ajudar uma versão
futura de mim mesmo, que encontrasse novos desafios. No fim, Martin
estava certo. Sem as inúmeras dores da minha vida, eu não teria escrito
este livro; o aprofundamento que consegui fazer aqui não teria sido
possível sem elas. Sem essas dores, não existe um Amor à Vida
verdadeiro.

Uma breve observação: os seus botões emocionais não precisam fazer


sentido para nenhuma outra pessoa neste planeta que não seja você. E
geralmente não fazem. Eles serão estranhos demais, específicos demais,
ou vergonhosos demais para serem compartilhados. Eu li aquele meu
botão emocional para minha esposa e ela me disse: “Esse não funcionaria
para mim; eu não faço questão de ser heroica” (estou rindo enquanto
escrevo). Nós somos tão diferentes. Mas esse é o objetivo! Esses botões
são extremamente pessoais. É por isso que você precisa prestar atenção na
sua vida — você nunca sabe quando vai pensar ou escutar uma verdade
que tem o potencial de se tornar um novo prêmio precioso na forma de
um botão emocional positivo. Nos meus piores momentos, os meus
botões emocionais me salvaram. Se a nossa casa estivesse pegando fogo,
seriam todos os meus dispositivos que contêm os meus botões
emocionais que eu pegaria e sairia correndo pela porta. E a minha
esposa, é óbvio. Seria o ato de heroísmo que a situação pediria.
A maioria dos meus botões mora no meu telefone e no meu
computador, porque, quando eles estão sempre ao meu alcance, não
preciso esperar para me sentir melhor, quer seja por meio de uma nova
perspectiva, gratidão, empolgação ou uma nova fonte de calma. Eles são
o manual de funcionamento para as minhas emoções; uma forma de ter
o controle dos meus pensamentos e das minhas emoções em tempo real,
por isso não seriam úteis para mim se estivessem enterrados em um
caderno esquecido em algum lugar.
Como podemos usar nossos botões emocionais em casos de desilusão
amorosa? Como eu disse, não posso escrever os seus botões emocionais
por você, porque provavelmente eles não teriam nenhum significado
para você. Mas a seguir apresento alguns exemplos de como você pode
transformar um botão negativo em um positivo nessa situação. Primeiro
você verá o botão negativo, e em seguida a verdade que ofereço como
um exemplo para transformá-lo em um novo botão emocional positivo
para um término.

BOTÃO EMOCIONAL NEGATIVO: Eu me sinto insignificante. Se eu


fosse bom/boa o bastante, ele(a) não teria procurado outra pessoa.
BOTÃO EMOCIONAL POSITIVO: As pessoas fazem coisas erradas o
tempo todo, que não têm nada a ver com o real valor de seus
parceiros. Se eu sou insignificante, então todos os demais seres
humanos incríveis que já foram traídos também são. A falta de
integridade dele(a) não é um reflexo do meu valor. É um reflexo
dos parâmetros dele(a).
BOTÃO EMOCIONAL NEGATIVO: Eu perdi mais do que poderia
suportar perder...
BOTÃO EMOCIONAL POSITIVO: O meu mundo ficou maior depois
desse término, e não menor. Consegui me conectar com amigos e
familiares de uma forma que eu nunca tinha feito antes. Recebi
doses extraordinárias de amor e bondade daqueles que ficaram ao
meu lado neste momento doloroso. Descobri quem realmente está
do meu lado, o que serviu para me lembrar das pessoas importantes
que eu estava negligenciando, bem como me mostrar em quem
devo investir mais do meu tempo, energia e amor. Aprendi a
valorizar mais a natureza, a tranquilidade e os aspectos
fundamentais da vida. Eu não percebia os presentes que me
cercavam até que esse término me forçou a enxergá-los; ele me
colocou em contato com a abundância que tenho na minha vida e
com o tanto que ela é preciosa. Esse término está me permitindo
construir o meu mundo de uma maneira que ninguém poderá
destruir.
BOTÃO EMOCIONAL NEGATIVO: Ele(a) me fazia tão feliz e agora isso
acabou.

BOTÃO EMOCIONAL POSITIVO: Ele(a) não me fazia tão feliz assim, do


jeito que eu fico insistindo que fazia. Preciso lembrar de todos os
momentos nos quais me sentia invisível, ou que não era uma
prioridade. A frequência com que me sentia ansioso(a). Não posso
esquecer nunca que grande parte do motivo pelo qual esse
relacionamento funcionou por tanto tempo foi a minha capacidade
de ignorar todos os jeitos como essa pessoa não supria as minhas
necessidades.
BOTÃO EMOCIONAL NEGATIVO: Eu perdi a pessoa certa para mim.
BOTÃO EMOCIONAL POSITIVO: Ninguém pode ser a pessoa certa para
mim se não me escolher. Ponto-final. O amor da minha vida é a
pessoa que me escolhe para estar em sua vida.

BOTÃO EMOCIONAL NEGATIVO: Eu nunca mais vou me sentir assim


por outra pessoa.

BOTÃO EMOCIONAL POSITIVO: Eu pensei a mesma coisa sobre


situações e outras pessoas no passado; e mesmo assim as superei,
segui em frente e encontrei situações e pessoas melhores. Da mesma
forma, um dia vou olhar para trás e sentir um certo rubor quando
lembrar da tolice que cheguei a achar que seria o fim do mundo.

Esses são apenas exemplos. Comece o seu próprio arquivo de botões


emocionais em seu telefone ou computador hoje mesmo. Assim como
foi comigo e com as centenas de pessoas a quem ensinei essa estratégia,
ela não só vai ajudá-lo a sobreviver ao que quer de ruim que cruze o seu
caminho como, além disso, pode até transformar esses percalços ruins
em ocorrências que, por incrível que pareça, você agradecerá no fim.

Faça tudo o que você não faria ou não podia


fazer quando estava nesse relacionamento
Não importa o quanto vocês eram próximos ou quanto tempo ficaram
juntos, provavelmente existe uma lista de coisas que você costumava
fazer antes que vocês dois se conhecessem e que você nunca conseguia
fazer enquanto estiveram juntos. Provavelmente também existe outra
lista de coisas que você sempre quis fazer, mas sempre encontrou motivos
para adiar durante todo o tempo que passaram juntos (sem contar todas
as coisas que se forçou a fazer: que alívio poder voltar a ser você
mesmo!). Talvez fosse um pequeno prazer que o outro não
compartilhava. (Ele odiava musicais? Você agora pode assistir a todos os
espetáculos da Broadway.) Talvez fosse algum hobby que você não tinha
tempo para praticar porque passavam tanto tempo juntos. (Matricule-se
naquela aula de pintura.) Talvez você simplesmente soubesse que o outro
não ficaria confortável com você fazendo uma aula de pole dancing com a
sua melhor amiga. Ou talvez você nunca tenha se sentido confortável
para passar horas seguidas lendo com uma xícara de chá do lado. Quer
essas proibições fossem explícitas ou o tipo de coisa que você mesmo se
negava a fazer, não existe nenhum empecilho agora. Avance naquele
projeto tão importante para você. Os relacionamentos errados deixam
nossas vidas pequenas, contraem nossas personalidades e impedem o
nosso crescimento. Neste instante da sua vida, um mundo inteiro de
possibilidades está diante de você.
Pode parecer cruel dizer para alguém que está sofrendo para olhar para
o lado bom das coisas, para pensar em um amanhã mais ensolarado. Não
é isso que estou fazendo. A minha sugestão é começar um projeto; pode
ser um gesto de apoio pequeno e particular em nome da sua versão
futura ou um compromisso extremamente ambicioso que exigirá uma
reorganização completa da sua vida. Sabe aquela onda de empolgação
que sente quando acabou de começar um novo relacionamento e a
pessoa com quem está se refere a vocês no tempo futuro? É nesse
momento que você está no seu relacionamento consigo mesmo. Celebre
as conquistas desse relacionamento à medida que esses gestos positivos
de fé que tem em si mesmo se tornam parte do seu dia a dia —
lembretes necessários do caminho que você percorreu, da tristeza que
sentiu e de todas as coisas boas que criou a partir de tudo isso desde
então.

Evite emendar relacionamentos, se puder


Ninguém deseja uma desilusão amorosa para alguém de quem gosta. É
uma dor terrível. Mesmo assim, eu não impediria que alguém que amo
vivesse essa experiência também, pois acredito que é uma das mais
valiosas pelas quais podemos passar na vida. Para que possamos extrair
esse valor, precisamos senti-la profundamente, e é por isso que vale a
pena evitar emendar relacionamentos logo após um término. Quando
emendamos relacionamentos, perdemos a oportunidade de estar
presentes com as nossas emoções, de nos redescobrirmos e de perceber o
quanto podemos ser fortes, além de aprendermos a desfrutar da nossa
própria companhia mais do que imaginamos ser possível, o que é uma
das experiências mais bonitas e pouco valorizadas da vida. Além disso,
existe um superpoder que se revela quando você sabe, por experiência
própria, que pode sobreviver a um final de semana e ficar bem na sua
própria companhia.
Por mais incrível que pareça, uma vez que é tão doloroso quando
estamos passando por isso, podemos até vir a olhar para o término,
depois que a dor diminui, e perceber que sentimos falta de alguma coisa
daquele momento. Conversei com um amigo depois de um ano e meio
do seu término para ver como ele estava, e ele me respondeu: “Quer
saber? Eu sinto falta de verdade do que sentia seis meses atrás. Eu estava
tão motivado e focado em fazer coisas novas. E essa energia diminuiu
agora”. Ele estava bastante saudável no seu momento atual, mas disse
que foi muito bom poder ter aquele combustível logo depois do
término.
Antes de passar pelo meu pior término de todos, eu sempre emendava
os relacionamentos. Porém, quando o meu coração realmente foi
partido, foi como se eu não conseguisse nem cogitar essa possibilidade.
Eu não conseguia suportar a ideia de magoar alguém da mesma forma
que eu tinha sido magoado. Só que era mais do que isso. Era um
sentimento visceral, um efeito colateral do meu coração partido, do qual
eu sentia um orgulho estranho. De certa maneira, as boas ações que me
vi fazendo, para mim mesmo e para outras pessoas, me faziam me sentir
bem e melhoravam a minha perspectiva. Eu me sentia conectado com a
intensidade com a qual alguém podia se sentir na pior às vezes, e isso me
fazia sentir compaixão. Eu gostava desse sentimento, daquela qualidade
sensível e delicada que me tornava mais presente e aberto ao mundo. Era
como se a dor que eu sentia não fosse apenas minha, e eu iria conhecer
outras pessoas que dividiriam esse sentimento comigo. Eu não queria
sujar essa percepção do mundo pulando imediatamente em algo novo.

Uma palavra final sobre a desilusão


amorosa
No fim do dia, procure se lembrar de que estamos falando da sua vida, e
não da vida dos nossos ex. Os términos só permanecem dolorosos se
continuamos permitindo que eles sejam protagonistas do filme que
estamos assistindo sobre a nossa vida. É normal dar importância demais
aos nossos ex. Por um lado, nós os glorificamos e os transformamos em
anjos dentro da nossa cabeça; por outro, por causa da dor que eles nos
causaram, nós os odiamos e os transformamos em demônios. Em ambos
os casos, estamos dando a eles poder demais.
Somos condicionados desde a infância a escalar alguém para o papel
de “amor da nossa vida”. É como se o nosso cérebro estivesse procurando
um alvo no qual projetar uma vida inteira de ideais românticos.
Geralmente, quando encontramos alguém que representa cerca de 50%
daquilo que procuramos, as nossas esperanças e imaginação trabalham
para criar os outros 50% por meio dessa projeção. Depois precisamos
viver o luto de perder essa pessoa que nos convencemos ser perfeita para
nós, sem perceber que a nossa mente simplesmente encontraria um alvo
diferente se não tivéssemos encontrado aquela pessoa em nossas vidas.
Não é um pensamento cético; pelo contrário, é um pensamento
otimista... Significa que você pode, e vai, se sentir dessa forma de novo
desde que esteja disposto a abrir mão da história anterior que vinha
contando para si mesmo sobre o que aquela pessoa representava para
você. Por isso, vamos tirá-la desse pedestal e colocá-la em seu devido
lugar — um ser humano mortal que ficou no nosso passado, não uma
presença sobrenatural ou assombrada que vai seguir conosco no futuro.
Na verdade, assim que o término aconteceu, a vida dessa pessoa, suas
escolhas, sucessos, os romances e amores que encontrar, se tornaram
extremamente irrelevantes para você. Agora que você não está mais com
ela, com quem ela namora, ou o que está fazendo não é mais importante
do que quem um barista qualquer está namorando em uma cafeteria que
você nem frequenta. Ela é só uma pessoa vivendo a própria vida. Você é
o herói desta história, e não há momento melhor para ser heroico do que
quando as coisas estão ruins. Nós amamos o personagem do Rocky
Balboa não porque ele era um vencedor, e sim porque ele era um
lutador, então lute. LUTE.
15

CONFIANÇA INTERIOR

No início da minha carreira, percebi que as pessoas têm diversas


definições para confiança: uma hora é um olhar, às vezes é um jeito de
agir, outras vezes parece ser um sentimento que carregamos dentro de
nós. Mas, se não conseguimos claramente definir o que é confiança,
como podemos alcançá-la? Se não estivermos de acordo sobre o destino,
é impossível criarmos um mapa do caminho.
Geralmente, quando falamos sobre confiança, estamos nos referindo a
algo incrível, por vezes inspirador, na maneira como uma pessoa anda,
fala, se apresenta ou age. Chamo isso de “camada superficial da
confiança”, e grande parte dela cresce a partir de pistas físicas que
sinalizam uma confiança interior: a tranquilidade na sua postura, a graça
nos seus movimentos, as dinâmicas da sua voz. Prestar atenção nessas
pistas me ajudou a passar uma imagem convincente no palco, em frente
às câmeras e em um auditório. Aprendi as minhas primeiras lições sobre
esse assunto lendo o livro Como fazer amigos e influenciar pessoas, de Dale
Carnegie, aos onze anos. Cheguei a ensinar os pontos principais em um
programa chamado Impact [Impacto, em tradução livre], que focava
essas pistas físicas que determinam a maneira como os outros nos veem.
Embora eu a chame de camada superficial da confiança, não é no sentido
figurado. Warren Buffett, um dos maiores investidores norte-americanos,
atualmente com 94 anos, diz que a coisa mais valiosa que realizou para o
seu futuro sucesso foi fazer um curso sobre como falar em público
quando tinha 21.
Mesmo assim, existem limites para os resultados que podem ser
alcançados quando priorizamos esse aspecto da confiança. Se a nossa
confiança física não for sustentada por algo mais profundo, vai
desmoronar ao primeiro sinal de resistência que encontrar em outra
presença forte, ou em outras forças impessoais da vida. Dar o próximo
passo exige uma camada mais profunda de confiança, que eu chamei de
identidade de confiança no capítulo anterior. A identidade de confiança é
a base da confiança que projetamos na camada superior. Fortalecemos
essa camada por meio de experiências intencionais, dedicando mais
tempo e energia para os quadrados existentes em nossa matriz de
identidade, ou diversificando a nossa matriz, investindo mais nos novos
quadrados que acrescentamos. De acordo com o dicionário, a marca
registrada desse estilo de confiança é:

O sentimento de confiança em si mesmo que surge da valorização das


próprias habilidades ou qualidades.

Mas aqui também existe uma fragilidade inerente: a nossa psique se


deteriora, o mercado de ações quebra, o nosso parceiro vai embora, as
nossas habilidades são questionadas. Confiar demais na matriz de
identidade para construir a nossa identidade nos deixa vulneráveis às
mudanças causadas pelo acaso. Se a nossa confiança depende de tudo dar
certo, inevitavelmente corremos o risco de estar em uma posição mais
frágil no futuro. Isso não quer dizer que estamos fingindo; é uma espécie
de arte conseguir viver com satisfação dentro da nossa área de
competência. Entretanto, as coisas inevitavelmente mudam.
Ninguém de nós sabe o quanto realmente estamos seguros até que as
coisas das quais dependemos para sustentar nossas certezas são tiradas de
nós. Ninguém está a salvo de ficar temporariamente abalado quando
grandes mudanças acontecem. No entanto, se esses contratempos ou
perdas serão catastróficos para a nossa confiança ou demandarão apenas
uma reorganização vai depender do trabalho que tivermos feito na
camada mais profunda da confiança, que eu chamo de “confiança
interior”.
O dicionário também apresenta dois outros aspectos que são as bases
da confiança:

O sentimento de certeza sobre a veracidade de algo.

O sentimento ou crença de poder confiar em alguém ou algo: confiança


absoluta.

Alguns sentimentos são experimentados mais intensamente na sua


ausência. Se já teve dificuldade para estabelecer confiança em um
relacionamento com alguém que mais de uma vez se mostrou não ser
digno de confiança, você sabe exatamente qual é o sentimento quando
esse tipo de confiança não existe. Quando alguém, com frequência,
mente, trai ou desrespeita você, pode ser difícil não internalizar as
emoções que essas atitudes lhe causam. Você se martiriza por se sentir
ansioso e inseguro, ao mesmo tempo que deseja ser capaz de invocar
mais confiança em si mesmo. Mas, se a confiança é um sentimento de
certeza, os seus problemas com ela são justificados. Você está tentando
localizar um sentimento de segurança em uma situação essencialmente
de insegurança. Enquanto você depender de alguém tão indigno de
confiança, qualquer sentimento real de confiança será impossível.
É por isso que mudar a fonte da nossa certeza pode ter um efeito
imediato na nossa confiança. Paramos de tentar encontrar certezas
confiando em alguém que sabemos não ser confiável e percebemos que,
se alguém tão próximo a nós nos trair assim, já provamos ser capazes de
sermos fortes o bastante para ir embora e ficar bem. Essa mudança
simples transfere o nosso sentimento de confiança da camada de
identidade para a interior. A camada de identidade diz: “Eu sou
confiante (em parte) porque tenho um relacionamento”. A camada
interior diz: “Eu tenho confiança de que ficarei bem mesmo se não
estiver em um relacionamento, incluindo o meu relacionamento atual”.
O relacionamento mais inabalável em nossas vidas é aquele que temos
conosco. A confiança interior é a forma como abordamos esse
relacionamento. Os ajustes que fazemos na camada superficial da
confiança alteram a maneira como nos percebemos. Mas a confiança
interior não é algo que começa e termina com slogans. Se alguém
perguntar como é o nosso relacionamento conosco, muitos de nós
teremos que admitir que é complicado.

O seu relacionamento consigo mesmo


Para onde quer que você olhe, parece sempre ter alguém pronto para lhe
dizer que o segredo da vida é amar a si mesmo. Nas redes sociais, esse
conselho parece menos um segredo e mais uma espécie de câmara de
eco. Porém, se é tão óbvio e onipresente que é isso que precisamos fazer,
o que está nos impedindo de realmente fazê-lo? A verdade é que, como
acontece com todo conselho, amar a si mesmo é um conselho muito
difícil de seguir na prática.
Apaixonar-se, do jeito que se faz com outras pessoas, parece não exigir
nenhum esforço. A parte mais difícil (se é que este livro provou alguma
coisa) é aprender a pisar no freio, para não assustar o outro ou acelerar
em uma direção que não deveríamos. No mito grego, Narciso olhou
uma vez para si mesmo em uma fonte de água e se apaixonou
imediatamente. Enquanto isso, aqui estamos nós, lutando para
simplesmente tentar gostar de nós mesmos. Para muitos de nós, é
extremamente desconfortável ficar sozinho em um lugar, sem falar em
ter que, de alguma forma, amar a pessoa que estamos condenados a ter
por perto pelo resto da vida.
Conselhos que parecem impossíveis de serem seguidos nos irritam.
Podemos sorrir e dizer “Sabe que você tem razão?”, mas internamente
estamos pensando Idiota, você acha que eu já não tentei? É simplesmente
impossível. O manual de instruções sobre como realmente alcançar esse
tipo de amor parece que foi escrito em um pergaminho esquecido em
uma caverna em algum lugar próximo a um oceano que nunca
visitamos. É assim que sempre me senti. O problema da balela do “ame a
si mesmo” — assim como o do mantra de desenvolvimento pessoal,
“acredite em si mesmo” — é que ele nos faz sentir ainda mais
inadequados quando nos mostramos incapazes de fazê-lo, apesar das
nossas inúmeras tentativas. Então, quando ouvimos os outros pregando
sobre amar a si mesmo, suspeitamos que estão mentindo ou que existe
algo de errado conosco, ou as duas coisas.
Tentando em vão amar a nós mesmos
Quando pergunto para a plateia dos meus eventos ao vivo “Por que
devemos amar a nós mesmos?”, costumo receber como resposta alguns
segundos de silêncio. As pessoas podem reconhecer que deveriam fazer
isso, mas pensar em motivos reais para responder em voz alta é uma
tarefa muito mais difícil.
Por fim, alguém diz “Porque sou uma boa pessoa”, ou “Porque sou
incrível”, ou “Porque nós merecemos”. Observe que a terceira resposta
simplesmente substitui um chavão pelo outro, levando à pergunta “E
por que merecemos amar a nós mesmos?”. Agora estamos de volta à
estaca zero, com as pessoas respondendo “Porque sou gentil”. Ou leal.
Ou generoso(a)... Trabalhador(a)... Altruísta.
O problema com cada uma dessas justificativas é que elas sugerem o
inverso: se merecemos o amor com base nas nossas boas qualidades, isso
significa que deixamos de merecê-lo nos nossos dias ruins? Quando
somos cruéis, desleais, egoístas ou preguiçosos, somos indignos de amor?
Essa lógica — que nos faz sentir dignos de amor quando nos sentimos
virtuosos — apenas alimenta nosso sentimento de alienação sempre que
não estamos bem, que é exatamente quando precisamos do amor que
todos dizem que deveríamos estar sentindo.
É como se só amassemos nossos filhos quando eles tiram boas notas
nas provas — um tipo de amor condicional, direcionado a um objetivo,
que leva a uma obsessão pela excelência no futuro, baseada no desejo de
continuar sendo digno de amor. E ainda há o problema de que, não
importa quantas boas qualidades tivermos, existe sempre alguém com
mais qualidades.
Nesse momento, as pessoas na plateia estão começando a perceber que
essa pergunta é cheia de armadilhas, das quais elas tentam desviar com
respostas vagas:
— Nós merecemos o amor porque somos especiais — elas dizem.
— Então, vocês estão dizendo que somos todos especiais? — eu
pergunto.
— Com certeza!
— Mas se somos todos especiais então acaba que ninguém é especial,
não é?
Não importa quantas pessoas tentem defender essa ideia, sabemos que
nem todo mundo conquista uma medalha de ouro — enquanto outras
conquistam dez. Já assistimos a maravilhas da genética atraírem toda a
atenção. Fomos testemunhas das vezes que pessoas mais inteligentes que
nós fizeram a excelência parecer fácil. Já vimos grupos de pessoas
herdando milhões, enquanto outras pulam etapas graças às vantagens
oferecidas pela sua raça ou gênero. Vimos pessoas conquistando mais paz
e alegria do que jamais conseguimos conquistar. Ninguém é capaz de nos
convencer de que oportunidade, dinheiro, status, aparência ou saúde
mental são distribuídos igualmente. Não importa o quanto dizemos a
nós mesmos que somos especiais, parece evidente que os melhores
resultados estão reservados para um pequeno grupo, e são resultados que
fazem uma diferença substancial na qualidade de vida.
Quando provoco as pessoas dessa forma, não estou intencionalmente
tentando ser difícil. Só estou espelhando o diálogo interno que impede
que esses aforismos nos façam nos sentir melhor sobre nós mesmos.
Quando uma criança chega em casa da escola arrasada porque foi a
última a ser escolhida para praticar um esporte no qual ela não é boa,
seus pais podem tentar consolá-la lhe dizendo que ela é especial de
outras formas. “Você é tão inteligente!”, eles a relembram. Mas a criança
responde “Isso não me torna boa no basquete, e ser ruim no basquete foi
o que me fez ser a última a ser escolhida”. E até mesmo uma garota
inteligente inevitavelmente se verá em uma sala cheia de pessoas onde a
sua inteligência superior não parece ser tão especial assim; algo que o
meu irmão Stephen vivenciou quando chegou à Universidade de Oxford
para fazer seu doutorado. Então, estamos de volta à estaca zero.
Na nossa vida adulta, as pessoas que amamos podem nos dizer que
somos especiais para elas — que merecemos o melhor —, mas existe
uma criança esperta dentro de nós para quem essa fala não faz muito
sentido. Além disso, depois de adultos já passamos por decepções reais e
acumulamos arrependimentos pelo quais ainda nos martirizamos. Então,
quando alguém diz “Você é especial e merece encontrar o amor”,
internamente estamos dizendo “Ah, tá bom. Agora me dê algumas dicas
que vão me ajudar com esse aplicativo de namoro no qual me sinto
completamente invisível”.
Estou dizendo tudo isso porque eu paro de prestar atenção no
momento em que um conselho me soa condescendente. Essas são
conversas que tive comigo mesmo anos antes de tê-las em voz alta com a
plateia. O que fazemos quando a nossa beleza acaba, quando perdemos o
emprego, quando tiramos 7, 6 ou 5 na escola ou na vida? Como
podemos aprender a amar a nós mesmos quando quem somos parece ser
insuficiente? Qual a justificativa para amarmos a nós mesmos?
Como posso demonstrar “amor por mim mesmo”? Com um banho de
espuma e velas? Comendo mais salada? Não trabalhando tanto? Ou tão
pouco? E o que acontece quando os nossos melhores esforços não fazem
nenhuma diferença? Não importa o quanto trabalhamos duro na nossa
matriz de identidade tentando nos tornar a versão mais atualizada e
completa de nós mesmos, ainda assim nos pegamos olhando no espelho
com vergonha da pessoa que nos encara de volta. Mesmo quando esses
esforços geram resultados reais e começamos a parecer confiantes para o
mundo exterior, ainda vivenciamos um sentimento crescente de
síndrome do impostor — a desconfiança de que a qualquer momento
seremos descobertos por não sermos a pessoa que nos mostramos ser.
Esse é um sentimento que só aumenta à medida que conquistamos mais
coisas e alcançamos mais sucessos. Agora estamos encurralados — o
principal problema da nossa inadequação não está sendo resolvido pelos
nossos melhores esforços, mas não podemos parar, porque temos medo
de perder a fonte primária da nossa validação.
Não se preocupe se você ainda não descobriu qual é o significado de
amar a si mesmo. Poucos descobriram. E muitos que alegam ter
descoberto estão enganando você sobre como conseguiram. Esse assunto
tem sido uma obsessão para mim, porque é uma das coisas com as quais
sempre tive dificuldade. Pode parecer que por quinze anos tudo o que eu
fiz foi para ajudar pessoas a lidar com as suas vidas amorosas, mas
construir esse mapa para mim e para as outras pessoas tem sido o meu
objetivo principal, principalmente porque não podemos ter uma vida
amorosa feliz e sustentável sem isso.
Nesse meio-tempo, aprendi duas coisas importantes: a primeira é que
a confiança interior é a resposta para como sobreviver aos piores reveses
em nossas vidas. É a resposta para os níveis mais profundos de
insegurança e inadequação que nos atormentam ao longo da nossa
existência — que nos impedem de arriscar, que nos levam a tomar as
piores decisões, que roubam a nossa paz e a nossa felicidade. A segunda
coisa é que as pessoas confundem fundamentalmente o significado do
termo amor-próprio. O amor-próprio precisa de uma repaginação.
Começar de novo com amor-próprio
Nas próximas páginas vamos tentar repaginar o amor, tirá-lo do mundo
do sentir e plantá-lo firmemente no território do fazer. É a diferença
entre amor, o substantivo, e amar, o verbo; uma mudança que de tão
importante está sempre presente neste livro. Essa mudança nos ajuda a
deixar de lado os nossos sentimentos por uma pessoa e, em vez disso,
olhar para o que ela está realmente fazendo — quanto ela está investindo
em nós e o que está fazendo para desenvolver, cultivar e proteger o
relacionamento?
Essa mudança também é necessária quando o assunto é amar a nós
mesmos. Frequentemente, o amor romântico é usado como modelo para
nos amarmos, e é exatamente por isso que não está funcionando.
Nós entendemos errado. Amar a si mesmo não é o objetivo; é a ação.
Amor-próprio é a linha de partida. A confiança interior não é uma
epifania única; é uma prática, com aplicação imediata e diária. Na
verdade, é algo no qual você pode melhorar.
Por que o modelo do amor romântico não funciona para o amor-
próprio? Segundo Esther Perel, psicoterapeuta e especialista em
relacionamentos, o desejo é o catalisador do amor em relacionamentos
íntimos. O desejo vem primeiro, nos aproximando de alguém, enquanto
o sentimento de amor nos faz aprofundar o nosso envolvimento. Porém,
à medida que a intimidade cresce, o desejo desvanece. O mistério
evapora com a proximidade, a necessidade da conquista diminui e o véu
(ou a ilusão) da perfeição é tirado. É nesse momento que as pessoas
começam a se perguntar se estão no relacionamento certo. As correntes
do desejo deixaram de levá-las até aqueles sentimentos oceânicos de
amor. De repente, o amor requer ação. A maré vira, e agora as correntes
puxam as pessoas na direção de, bom, outras pessoas, que não têm a
chave do seu apartamento e ainda mantêm aquele ar de mistério e
empolgação. Outras pessoas que, observadas a uma boa distância, agora
parecem perfeitas. Com certeza, você pensa, esses estranhos glamorosos
nunca vão… bom, é aqui que você insere um inconveniente aleatório do
seu amor mais recente.
Olhando por essa lente, é fácil entender por que o amor-próprio
parecia tão impossível até agora. Qual relacionamento é mais comum do
que o que temos conosco? Nós dividimos a mesma cama durante todas
as noites das nossas vidas. Conhecemos todos os nossos defeitos. Se a
familiaridade leva ao desprezo, então haveria espaço para qual outra
emoção que não essa? Ao final de todo dia, chegamos em casa e
encontramos a nós mesmos sem dar valor a isso. Somos abusivos
conosco, porque quem mais nunca vai embora?
No mundo do amor romântico, começamos gostando de uma pessoa
e depois nos apaixonamos por ela. Sabemos que esse processo começou
quando duas palavras em uma mensagem dela nos injetam uma dose de
dopamina, e rolar na cama com ela nos inunda de oxitocina. Mas,
quando paramos de pensar no amor em termos de ondas hormonais de
sentimento e passamos a pensar no amor como verbo, podemos parar de
nos preocupar com gostar de nós mesmos como uma precondição para o
amor-próprio. Amar a nós mesmos vem primeiro.
“Amar a si mesmo” é proativo nesse caso. Nessa repaginação,
precisamos começar a ver a palavra amar nessa frase como intercambiável
com “cuidar de”, “investir em”, “incentivar”, “cultivar” e “proteger”. O
amor-próprio é um verbo.
A pergunta-chave agora é como, depois de uma vida de
arrependimentos, fracassos e autodepreciação, podemos nos motivar a
“amar/cuidar de/investir em/incentivar/cultivar/ defender” a nós
mesmos.

Reconceituando
o amor-próprio
Se estamos descartando o modelo do amor romântico, precisamos de um
novo para substituí-lo. Para facilitar, vamos começar com um modelo
que já conhecemos, o do relacionamento entre pais e filhos. Lembre-se
da pergunta que confundiu muitas das minhas plateias: “Por que você
deveria se amar?”. Vamos refazê-la no contexto do relacionamento entre
pais e filhos. Imagine perguntar para um pai: “Por que você ama o seu
filho?”.
Já fiz essa pergunta a alguns pais, e não me lembro de receber como
resposta uma lista de qualidades que fazem daquela criança uma ótima
pessoa. Eles raramente dizem “Porque ela é inteligente, amorosa,
engraçada, bonita e só tira nota boa na escola”, como se o filho estivesse
concorrendo ao Prêmio Criança do Mês. Alguns até podem responder
isso, mas não são a maioria, porque o amor deles não está baseado nessas
qualidades. Eles podem responder isso quando pergunto por que têm
orgulho dos seus filhos, mas não como resposta para por que os amam. E
o amor deles realmente não é baseado em gostar dos filhos também.
Talvez existam dias nos quais seus filhos dificultem a tarefa de gostar
deles, mas seus pais ainda os amam.
Assim, qual resposta os pais dão quando perguntados por que amam
seus filhos? Geralmente: “Porque eles são meus filhos”. O tom da
resposta deixa claro que é uma pergunta boba. Essa foi uma pista
enorme quando comecei a pesquisar sobre quais seriam as raízes da
confiança interior.
Irmãos costumam ter uma conexão parecida. A minha mãe tem uma
irmã gêmea idêntica. Quando perguntei por que ela ama a irmã,
simplesmente respondeu: “Porque ela é minha irmã gêmea”. Outra pista.
Esses relacionamentos, com os pais, irmãos ou irmãs, não dependem
de que a pessoa faça qualquer coisa. Eles não exigem que ela seja boa ou
que tenha feito o seu melhor. Essas são coisas que podem ser esperadas e
com certeza contribuirão para o relacionamento, mas pergunte para um
pai amoroso se ele continua amando o seu filho nos piores dias, e ele vai
rir da pergunta.
Essa foi uma descoberta emocionante. Parecia ser a essência do amor-
próprio, e eu comecei a procurar por ela em todos os lugares. Veja o jeito
como uma criança fala sobre seu coelhinho de pelúcia: “MEU
coelhinho”. Eu o desafio a dizer para o pequeno Eddie que você tem
uma versão mais bonita, nova e cara do Luigi, o coelhinho de pelúcia
que ele leva para todos os lugares. O Luigi pode não ter um olho, estar
todo sujo, descosturado e perdendo o enchimento, mas nada disso é
suficiente para separar Eddie do Luigi. Por quê? Porque ele não é só um
coelho de pelúcia, é o coelho de pelúcia do Eddie. Isso não tem nada a
ver com o que o coelho pode oferecer e tudo a ver com o que o Eddie
decidiu que o Luigi significa para ele. Luigi é o coelho do Eddie. Você
nem precisa de uma criança para fazer esse teste. Na próxima vez que
sair, procure pelo cachorro desgrenhado, de olhar desvairado, com três
pelos arrepiados no topo da cabeça e a língua permanentemente
pendurada no canto esquerdo da boca e tente oferecer ao adulto que está
segurando a coleira a oportunidade de trocar o seu gremlin peludo por
um cachorro mais fofo e imponente. Todos instintivamente já sabemos
qual será a resposta.
Isso acontece porque a razão fundamental por trás do amor em todos
esses relacionamentos é a mesma: “Eu os amo porque eles são meus”.
Essa descoberta fez a tarefa de me amar, com todas as minhas falhas e
vergonhas, meus arrependimentos e ressentimentos, todo o enchimento
que escapa pelos meus buracos, deixar de ser um ideal impossível para se
tornar algo que eu sabia exatamente como fazer.

Reivindicando a si mesmo
Pode parecer estranho questionar isso, mas será que realmente pensamos
em nós mesmos como sendo uma pessoa? Logicamente sabemos que
existimos, que somos alguém no mundo, com um tamanho de sapato,
um CPF e lugares nos quais precisamos estar. Mas, tipicamente, essa não
é a maneira como vivenciamos a nós mesmos. Em vez disso, a nossa
vivência é a de uma mente a bordo de um corpo que vestimos,
espreitando o resto da vida e as outras pessoas. Estamos de olho nas
outras pessoas, é com elas que conversamos, nos relacionamos, de quem
cuidamos, para quem pedimos café e por quem passamos nas ruas. Mas
eu? O que você quer dizer?
Veja quanto tempo passamos nos preocupando com outras pessoas e o
modo como as tratamos. Será que fui educado o bastante? Será que falei
demais? Será que minha gorjeta foi boa? Espero que o que eu disse
ontem não tenha chateado a minha irmã. Preciso ligar para aquele amigo
para ver como ele está. Enquanto isso, mal consideramos a forma como
nos tratamos. Talvez valorizemos ser gentil com os outros, mas com que
frequência pensamos na gentileza como sendo algo que deveríamos
estender para a pessoa na foto da nossa carteira de motorista?
Monitoramos cuidadosamente o que pedimos aos nossos colegas de
trabalho para fazer para, em seguida, criarmos uma lista de afazeres para
nós mesmos, lotada de tarefas e impossível de ser concluída no prazo que
temos. Incentivamos nossos amigos porque sabemos que isso os ajuda a
prosperar, mas nos martirizamos quando o nosso rendimento é baixo.
Enchemos as pessoas de gratidão pelas coisas que fazem por nós e mal
reconhecemos a coragem e o sacrifício necessários para que chegássemos
a este ponto em nossas vidas. Em vez disso, sempre que temos a
oportunidade, revivemos os exatos momentos da nossa história pessoal
nos quais falhamos conosco e com os outros.
Muitos de nós chegamos a esse estado de desumanização
inconscientemente. Isso poderia ser relevado se fôssemos assim com
todos — pelo menos seria um comportamento consistente. Mas
demonstrar que nos preocupamos com as pessoas enquanto
sistematicamente nos excluímos dessa mesma consideração? Isso é cruel.
Só que, assim como a maioria das crueldades, ela acontece longe do
campo de visão dos outros, onde não há ninguém por perto para nos
oferecer qualquer clemência ou nos defender.
Para todo mundo, somos claramente uma pessoa. Nenhum dos nossos
amigos nos considera uma espécie de entidade especial que merece
receber um tratamento sub-humano. Se afirmamos amar as pessoas,
então somos candidatos perfeitos a receber esse amor. Não existe motivo
para aplicar um conjunto de leis diferentes e mais duras a nós mesmos.
Somos uma pessoa, um cidadão do mundo, um ponto fixo em um lugar,
um rosto conhecido; então, será que realmente podemos dizer que nos
importamos com as pessoas enquanto constantemente singularizamos
uma única pessoa, ignoramos suas necessidades e a maltratamos de um
jeito que nem ousaríamos fazer com alguém diferente?

Se a sua compaixão não inclui a si mesmo, ela é incompleta.


— Jack Kornfield

Saber disso deveria nos impulsionar na direção da dignidade básica.


Podemos continuar reconhecendo que erramos, fizemos coisas erradas,
magoamos pessoas, decepcionamos a nós mesmos e aos outros, de um
jeito que é doloroso admitir. No entanto, todos fazemos isso, e a maioria
de nós não acha que, por isso, merece ser excluída de receber um
tratamento gentil e digno. Portanto, pare com essa isenção especial. Seja
gentil — ou pelo menos decente — consigo mesmo. Pode não ser amor-
próprio ainda, mas é um começo.
Um breve resumo: estabelecemos algumas coisas importantes até
aqui...

• Se nos amamos por causa dos nossos pontos fortes e qualidades, isso
nos torna vulneráveis ao argumento de que não deveríamos nos amar
nos dias ruins, quando essas qualidades estão ausentes (ou quando
alguém com mais qualidades está presente). Isso significa que
precisamos encontrar motivos mais profundos para amar a nós
mesmos.
• O modelo do amor romântico não ajuda quando o assunto é amar a
nós mesmos. É difícil “se apaixonar” pela pessoa que você conhece
melhor do que ninguém — você mesmo. Você precisa enxergar o
amor como uma ação, e não como um sentimento.
• Podemos encontrar algumas pistas sobre como amar a nós mesmos em
outros modelos de amor, por exemplo, no relacionamento entre pais e
filhos.
• Quando entendemos a noção de que nós também somos uma pessoa
neste mundo, percebemos que todos os valores de dignidade,
gentileza, respeito e compaixão que aplicamos em nossos
relacionamentos com outras pessoas devem ser estendidos a nós
também.

Poderíamos parar por aqui. Se as pessoas simplesmente seguissem essa


lógica, começariam a tratar a si mesmas pelo menos tão bem quanto
tratam os outros. E não só pessoas: uma vez convidei o meu treinador de
boxe, Martin Snow, para dar uma palestra em um dos meus retiros na
Flórida — um convite arriscado, uma vez que era impossível saber o que
ele iria dizer —, e ele perguntou para a plateia: “Vocês alimentam os seus
cachorros com porcarias, álcool e drogas? Não? Então por que fazem isso
consigo mesmos?”. No entanto, precisamos dar mais um passo para
compreender completamente o que o amor-próprio realmente significa.
Aqui está a principal verdade: existem 8 bilhões de pessoas na Terra.
Você é uma delas. Isso não só faz com que seja importante cuidar de si
mesmo tão bem quanto cuida dos outros como torna essa missão ainda
mais importante. Porque, entre todos esses 8 bilhões de pessoas, existe
apenas uma pessoa pela qual você sempre foi responsável.
Imagine se alguém lhe perguntasse por que você se ama e você
balançasse a cabeça igual ao pai que diz “Porque ele é meu filho”. Isso
não tem nada a ver com o quanto você é incrível. Nenhuma
característica, atributos ou conquistas são necessários. “Porque eu sou a
minha pessoa”, você responde, como se fosse completamente óbvio. E,
quando paramos para pensar, realmente é óbvio.
Como você trataria a si mesmo se pudesse entender isto: “Eu sou a
pessoa que pertence a mim”? No nascimento, você recebe — da
natureza, de Deus, ou do que quer que você acredite — uma pessoa para
cuidar pelo resto da vida. No início, você não era capaz de cumprir essa
função, por isso outras pessoas tiveram que começar a tarefa de criá-lo.
Talvez elas não tenham se saído bem, mas, lá atrás, manter você vivo era
uma obrigação de outras pessoas. Elas estavam lá para serem seus
guardiões até que você chegasse à fase na qual descobrisse quem é a
pessoa que em última instância tem a sua custódia: você.
A maioria de nós nunca sequer pensou sobre isso dessa forma. Talvez
vivenciássemos um sentimento de responsabilidade por outra pessoa —
um filho, um parente doente, um irmão —, mas nunca por nós mesmos.
Quando nos tornamos adultos, procuramos em outras pessoas o cuidado
que recebemos ou esperávamos receber: em uma figura paterna, em um
mentor, em um interesse romântico, em um pequeno grupo de amigos.
A maioria de nós ainda está buscando alguém para assumir o papel de
proteger e cuidar de nós. Queremos que essas pessoas confirmem que
somos bons o bastante, inteligentes o bastante, desejáveis o bastante, e
dignos de amor. Embora seja verdade que a construção de uma
comunidade na vida adulta é essencial para nosso bem-estar, isso está
mais para uma transferência de responsabilidade. É como viver a vida
tentando passar para outra pessoa uma obrigação que deveria ser nossa.
E a obrigação nesse caso é simples: amar e cuidar de nós mesmos
ativamente.
Quando ignoramos esse dever fundamental, abandonamos o nosso
posto. Fazemos como Simba em O Rei Leão, o herdeiro por direito que
renunciou a essa honra por acreditar que alguém mais capaz cuidaria dos
demais — protegeria, alimentaria e tomaria as melhores decisões por
eles. Mas a nossa obrigação é nossa. É por isso que precisamos levar mais
a sério a tarefa de amar a nós mesmos, em vez de ficarmos esperando
sentir esse amor por nós mesmos. Precisamos tomar a decisão de nos
amar como se isso fosse uma obrigação... porque é uma obrigação. Não é
que ninguém virá nos salvar; somos nós que temos que nos salvar.
Por que passar a vida preocupado com o fato de que alguém tem algo
que não temos? Tudo isso é ego, e é uma distração. Sim, existem 8
bilhões de pessoas neste mundo, e em diversos aspectos podemos não ser
os melhores nisso ou naquilo. Mas nada disso importa. O que importa é
a nossa única obrigação: cuidar de um único indivíduo entre os 8
bilhões. Comparar a nós mesmos com outras pessoas não faz sentido
quando enxergamos a vida dessa forma; não podemos nos substituir por
outro ser humano. Só temos este aqui, e a nossa obrigação é dar a essa
criatura a melhor vida que pudermos.
Eu não conheço você, o que fez de errado na vida, a quem magoou,
quais arrependimentos o assombram, quais vergonhas, privadas ou
públicas, o atormentam, quais são as suas fraquezas. Também não sei
quais são os seus pontos fortes ou o que faz de você um ser humano
excepcional. Mas não preciso saber o que existe de incrível em você. É
esse o argumento. Eu só sei que você precisa se amar todos os dias, com
toda a sua força, porque ninguém mais tem tempo para fazê-lo.
Durante anos eu me maltratei, nunca sentindo que estava fazendo o
suficiente, me matando de trabalhar, me martirizando todas as vezes que
não conseguia e raramente sendo gentil comigo mesmo. Eu achava que
esse era quem eu era, a minha natureza. Mas hoje em dia, nos momentos
em que estou prestes a ter um burnout, exausto de me martirizar por um
erro que cometi, sendo incapaz de ter um pingo de compaixão comigo
mesmo, penso: Você tinha uma única obrigação! Onde você estava?
Amar a si mesmo é mais do que um sentimento; é uma estratégia. É
fazer coisas difíceis por si mesmo e defender a si mesmo motivado por
um sentimento de dever e responsabilidade. Precisamos parar de
procurar recompensas para a autoestima de curto prazo. A confiança
interior é um investimento de longo prazo. Quando um pai investe no
filho por dezoito anos, muitos dos frutos desse investimento — a
maioria deles, na verdade — vêm mais tarde. À medida que a criança se
torna um adulto, passa a valorizar as muitas coisas que seus pais fizeram
por ela, e o relacionamento se enriquece e se enternece cada vez que isso
acontece. Nunca é tarde demais. Cuidar de nós mesmos é um projeto de
longo prazo semelhante que pode começar em qualquer idade. Podemos
nos ver cuidando do nosso adolescente desajeitado interior aos sessenta
anos. Porém, como acontece com qualquer adolescente, não espere que
esse amor seja retribuído logo de cara. As recompensas demoram a vir,
mas elas serão reais.
Ter uma boa opinião sobre nós mesmos não é necessário para esse tipo
de amor-próprio. (E pode até atrapalhar.) Mas é possível desenvolver um
afeto por nós, nascido da empatia e da compaixão. O ponto de partida
dessa empatia e compaixão é nos perdoarmos pelo passado.

Perdoar-se
O arrependimento, com a repetição constante dos nossos piores
momentos, nos cega para o momento presente e as pessoas com quem o
dividimos. Se não formos capazes de nos perdoar — por nossas
fraquezas, nossos erros, nossas falhas, nossos fracassos e nossas omissões
—, nunca vamos encontrar nenhum tipo de alegria verdadeira no
presente que temos, nem seremos capazes de invocar a energia para o
futuro que queremos.
Existe uma coisa que todos nós compartilhamos: um passado repleto
de erros. Cada um de nós já fez alguma coisa que nos custou caro. Em
alguns casos, os custos são tão altos que é difícil imaginar como vamos
conseguir nos perdoar e seguir em frente por:

• não ter terminado com alguém antes;


• não ter cuidado da nossa saúde;
• ter permitido que os nossos padrões destrutivos arruinassem um
relacionamento;
• ter procrastinado fazer algo importante até que fosse tarde demais;
• ter tomado decisões ruins — especialmente uma decisão que mudou a
nossa vida inteira;
• magoar alguém, ou muitas pessoas, incluindo as que mais amamos;
• não ter aprendido uma lição importante e repetido o erro;
• sentir que desperdiçamos as nossas vidas.

Quando realmente fazemos uma lista das coisas pelas quais nos
arrependemos, podemos acabar nos odiando. É difícil não odiar alguém
que nos traiu, mas, quando essa pessoa somos nós, o rancor pode ser
difícil de ser dissipado.
Todas essas decisões ruins e traições pessoais nos fazem sentir como se
tivéssemos fracassado na nossa única chance de nos dar uma vida
melhor. E o ciclo sem fim do sentimento de culpa costuma nos deixar
com sentimentos de raiva e desgosto por nós mesmos, transformando os
nossos momentos mais privados naqueles mais envenenados. Quando
esses sentimentos persistem, podemos sentir que livrar o mundo do
nosso veneno seria algo que beneficiaria a todos.
Por favor, pare agora. Aqui está um choque de realidade para ajudar
você a evitar essa queda livre. Responda a este teste em duas partes sobre
como você trata a si mesmo:

• Quando faz algo certo, você separa um tempo para reconhecer as suas
contribuições e celebrar essa conquista?
• Quando faz algo errado ou idiota, quanto tempo você gasta se
martirizando por isso?

Fiz essas duas perguntas ao redor do mundo, e a maioria das pessoas


responde que gasta entre trinta segundos e 24 horas celebrando uma
conquista, para depois passar dias, semanas, anos e às vezes a vida inteira
se martirizando por seus erros.
Eu já fui uma dessas pessoas. Desde que consigo me lembrar, sempre
me martirizei ao extremo. Era exaustivo e às vezes me adoecia. Foi por
isso que eu pensei tanto sobre esse assunto — para poder resolver a
minha própria crise pessoal de ruminação obsessiva. Depois de me
martirizar com tanta frequência e tão intensamente a vida inteira, eu
finalmente entendi que não teria qualidade de vida até que desenvolvesse
um modelo consciente e robusto para praticar o autoperdão. Foi assim
que eu fiz:

Responsabilidade x culpa
Quando era criança, eu amava o filme original da franquia Jurassic Park
— O parque dos dinossauros. Eu me lembro de assisti-lo pela primeira vez
aos sete anos, com os olhos arregalados na cena inicial do rangido da
jaula com o velociraptor dentro. Saí do cinema com uma opinião
apropriada para a minha idade: os dinossauros são incríveis. Depois de
reassisti-lo pelo que talvez fosse a vigésima quinta vez, já um adulto que
sofria com o sentimento de culpa, uma fala do filme que eu nunca tinha
notado de repente chamou a minha atenção. Ela me abriu os olhos para
uma forma diferente de lidar com o meu passado.
O Dr. John Hammond, o dono do parque, está conversando com um
membro da sua equipe que cometeu um erro. O Dr. Hammond
(interpretado pelo já falecido Richard Attenborough) diz para o seu
funcionário: “Eu não culpo as pessoas pelos seus erros, mas peço que elas
paguem por eles”. Acredito que essa fala nos dá o caminho para que
possamos nos perdoar pelo passado e nos empoderar para nos sentirmos
mais confiantes no presente. Ela também se baseia numa distinção
necessária: a diferença crucial entre culpa e responsabilização.
A responsabilização, de qualquer ponto de vista, faz sentido. Ela nos
empodera para consertar algo, para fazer o que podemos para corrigir o
nosso erro. Ela cria um sentimento de responsabilidade pelos erros que
cometemos e nos faz perceber que existe um preço a ser pago por tê-los
cometido. Por meio da responsabilização, aprendemos que existem
consequências com as quais teremos que viver e nos adaptar. Tornarmo-
nos adultos tem a ver com nos apropriarmos, e nos responsabilizarmos é
uma forma de nos apropriarmos do que fizemos até agora, bem como de
assumir a responsabilidade por consertar os nossos erros. É uma forma
de melhorar as coisas.
A culpa, por sua vez, não tem nenhuma utilidade. Na verdade, nos
martirizarmos incessantemente por aquilo que fizemos não só não serve
a nenhum propósito como também passei a acreditar que é algo que não
faz nenhum sentido. E o motivo é...

Se você pudesse fazer diferente, teria feito


Pense em um momento da sua vida do qual você se arrepende; algo que
tem dificuldade para se perdoar. Provavelmente já reviveu esse cenário
milhares de vezes, vendo exatamente o que deveria ter feito diferente. É
um exercício enlouquecedor que faz você desejar ter uma máquina do
tempo para poder voltar atrás no que fez, e fazer o que deveria ter feito
no lugar.
Eu já joguei esse jogo milhares de vezes apenas para chegar à
conclusão recentemente de que eu nunca poderia ter feito nada
diferente. A ideia de que eu poderia é pura ficção científica. Digamos
que você se culpe por continuar em um relacionamento abusivo por
duas décadas a mais do que deveria e agora acredite que “desperdiçou a
sua vida”. Você se odeia por não ter tido forças para ir embora, e nunca
perde a oportunidade de relembrar essa fraqueza. Ao fazer isso, porém,
está ignorando uma coisa: na época, você não tinha o que precisava para
ir embora. Não tinha os recursos. Você não sabia o que sabe agora, ou, se
sabia, não tinha as ferramentas para agir. Para ter empatia e compaixão
por si mesmo, o primeiro passo essencial para se perdoar, é preciso
entender que o que você fez em qualquer situação era exatamente o
melhor que poderia fazer naquele momento. Talvez isso soe estranho
para muitos de nós, provavelmente porque carregamos um ideal
imaginário do que seria realmente o nosso melhor, imaginando que o
nosso melhor é equivalente ao nosso esforço máximo, ou à nossa melhor
resposta, no nosso dia mais efetivo, uma expectativa que,
inevitavelmente, nos coloca como perdedores de uma corrida sem fim
contra o nosso melhor. Não é isso que a expressão fazer o nosso melhor
realmente significa. O nosso melhor em qualquer momento é a atitude
que fomos capazes de tomar considerando onde estávamos naquele dia
(e sermos capazes de nos perdoar por isso depois, se não tiver sido
necessariamente a atitude certa). Fazer o nosso melhor não significa fazer
algo bom. O nosso melhor pode não ser admirável, mas, para o bem ou
para o mal, o nosso melhor é simplesmente o que podemos fazer no
momento.

A cura do filósofo para o autoperdão


Como vimos no Capítulo “Como reprogramar o seu cérebro”, o ego é
mais do que apenas soberba, um senso de identidade inflado. O ego
pode declarar: “Eu mereço a minha riqueza, e a minha boa aparência, e
os meus filhos incríveis, e as minhas criptomoedas nas ilhas Caimã!”.
Mas o ego também trabalha na direção contrária. Se você acredita ser
especialmente ruim (vil, condenável, indigno de confiança, malicioso,
entre outros) e que não merece ser feliz porque traiu o seu melhor
amigo, e arruinou a festa de Ano-Novo, e fez a pior escolha matrimonial
possível, isso é ego também. Em ambas as versões de ego aparece mais o
pronome “Eu” do que no trava-língua “Alice disse que eu disse”.
Encontrei uma filosofia útil que podemos usar para lidar com ambas
as situações: o determinismo absoluto. (Não se preocupe, o
determinismo brando vem depois!) É uma interpretação da realidade
observável segundo a qual todo evento é completamente determinado
por causas preexistentes e não poderia ter acontecido de nenhuma outra
forma. É uma interpretação tão popular na Associação Americana de
Psicologia que eles possuem a própria definição aplicada à psicologia: a
posição de todos os comportamentos humanos resulta de antecedentes
causais específicos e eficientes, tais como estrutura ou processos
biológicos, condições ambientais ou experiências prévias.
Em outras palavras, a nossa infância, o nosso biotipo, os nossos
hábitos mentais, a cidade em que crescemos, as lições que aprendemos
lá, os abusos que sofremos, os mentores que nos acolheram (e aqueles
que não), tudo isso forma um coquetel de variáveis que nos levam
diretamente para a próxima decisão que estamos prestes a tomar. Essa
interpretação traz desconforto para alguns porque não deixa muito
espaço para o livre-arbítrio. É por isso que existem os “deterministas
brandos”, os bons policiais que contrapõem os policiais durões do
determinismo absoluto, que, embora concordem que, sim, tudo o que
fazemos é causado por uma ação prévia, argumentam que essas ações
podem ser determinadas pela escolha humana na mesma intensidade que
pelas forças externas. De qualquer forma, brando ou absoluto, o
determinismo é útil quando o assunto é se perdoar, porque nos ajuda a
renunciar a essa noção egocêntrica de que, de alguma forma, não
merecemos o perdão.
Tive um cliente, Randall, que me procurou depois de anos
trabalhando para um narcisista. O seu chefe, Mark, mentia para ele de
maneira patológica, quebrava promessas, abusava do seu tempo e boa
vontade, manipulava-o para que ele se achasse incapaz de trabalhar em
qualquer outro lugar, e assim o convencia de que ficar seria o melhor
para ele porque o Mark “cuidaria dele”. E o pior é que, para Randall, a
relação entre eles era mais do que uma relação de trabalho. Mark tinha se
tornado uma figura paterna, uma figura paterna controladora. Randall
admirava Mark, e não só se sentia inspirado por ele como parecia que o
chefe estava mais presente em sua vida do que seu pai jamais estivera. O
pai de Randall era ausente e indisponível emocionalmente, nunca o
abraçava, não dizia que o amava, muito menos chegou a passar o tempo
com ele quando era pequeno. Agora que Randall tinha a própria família,
o pai demonstrava a mesma falta de interesse pela sua esposa e filhos.
Randall tinha passado a vida adulta inteira até então tentando preencher
aquele vazio deixado pelo pai.
Quando Mark apareceu, Randall só era capaz de enxergar que o chefe
estava lhe dando mais do que o pai tinha dado. Assim, quando Mark
não o pagava no dia, fazendo com que ele praticamente tivesse que
implorar para receber seu salário todo mês, quando Mark chegava horas
atrasado para as reuniões (ou nem aparecia), ou quando dizia que as
coisas tinham sido feitas quando não tinham e vice-versa, Randall dizia
para si mesmo: “Ele não faz por mal, e posso contar com ele”. Randall
aguentou duas décadas de maus-tratos antes de me procurar para
finalmente colocar um ponto-final na relação tóxica de trabalho com o
chefe e poder encontrar outro emprego.
Infelizmente, abandonar o chefe narcisista não pôs um fim à
autodepreciação que Randall sentia por ter permitido que essa situação
continuasse por tanto tempo. Ofereci a ele a perspectiva determinista,
tentando fazê-lo perceber que o efeito dominó tinha começado no dia
em que ele nasceu, graças ao desprezo de seu pai e à sua própria
combinação de genética e circunstâncias. Na verdade, tinha começado
mesmo antes de ele nascer, com a mistura de influências que fizeram
com que seu pai tratasse o próprio filho com tanta indiferença.
Em cada estágio, entre o pai ausente e o chefe manipulador, Randall
fazia o que podia com as ferramentas que tinha. E essa era uma época
em que ele não tinha tantas ferramentas com as quais trabalhar. O que
ele realmente possuía, assim como eu e você, era um sistema nervoso que
ele não escolheu, que havia sido inconscientemente programado desde
cedo para lidar com aquilo que estava vivendo na época e sobreviver com
isso. E esse sistema nervoso o levou diretamente ao Mark. No entanto,
com novas ferramentas, Randall foi capaz de adotar uma nova
perspectiva que permitiu que ele saísse daquele emprego. É uma sensação
semelhante à de testemunhar um pequeno milagre quando alguém com
quem estou trabalhando consegue fazer os dominós de sua vida caírem
em uma direção diferente. E valorizar o quanto isso é realmente difícil de
fazer — desviar da nossa programação — é a chave para se perdoar.
Randall sempre tinha feito o seu melhor, e agora, devido ao esforço que
estava dedicando a si mesmo, o seu melhor hoje era melhor do que
antes. Isso é lindo.
Essa é uma das formas pelas quais você pode transformar o amor-
próprio em verbo: diga a si mesmo que você sempre fez o seu melhor.
Você pode não ter gostado do seu melhor muitas vezes, e ele pode não
ter sido suficiente para alcançar o resultado que queria, mas o seu melhor
era exatamente o que você estava fazendo. Ficar ruminando o que você
poderia ter feito diferente transforma a introspecção em ficção científica.
Talvez exista, em algum lugar em algum multiverso infinito, uma versão
sua que tomou uma decisão diferente, mas isso não aconteceu nesta
versão. Aqui, o seu melhor, para o bem ou para o mal, era o que você
fez.
Como argumenta o escritor e neurocientista Sam Harris, pelas lentes
do determinismo, sentir ódio por nós mesmos não faz sentido. Por essa
lente, se alguém comete um crime, tudo na sua experiência e genética o
estava conduzindo até aquele momento. Podemos escolher odiar essa
pessoa pelo seu crime, mas poderíamos facilmente redirecionar esse ódio
para cada evento prévio e influência genética que contribuiu para que
agisse assim. A pessoa pode até precisar ser presa e tirada do convívio em
sociedade (responsabilização), mas odiá-la (culpa), dentro dessa
perspectiva, não faz sentido.
Adotar essa perspectiva pode nos fazer sentir que não temos controle
em nossas vidas. Se o que estou prestes a fazer é predeterminado, então
como posso mudar alguma coisa? Mas é importante lembrar que a
pessoa que nos levou até onde estamos hoje é um modelo antigo. O
modelo novo tem configurações novas — novos pensamentos, novas
perspectivas, novos pontos de referência. Este livro que você está lendo
agora é uma nova perspectiva, e cada nova perspectiva traz a
possibilidade de novas decisões — decisões que darão origem a novas
realidades.

Não culpe o modelo antigo


Você já teve uma das primeiras versões do iPhone? Ou de um iPod? Você
se lembra dos bugs? Lembra que eles travavam e desligavam? Lembra dos
problemas de mau funcionamento que pareciam ter sido pensados para
convencer você a comprar um novo aparelho? Quando finalmente
comprava aquele novo modelo, por acaso você tirava o seu iPhone
novinho em folha de dentro da caixa elegante e gritava com ele por causa
de todos os problemas que seu antigo iPhone tinha dado? Com certeza
não. Você está feliz por ter o modelo mais recente. O seu antigo iPhone
de repente ficou no passado. Por que não conseguimos fazer a mesma
coisa conosco?
Vamos tentar outra analogia: eu gosto de pensar na minha vida inteira
como uma corrida de revezamento. Em uma corrida de revezamento
olímpica de verdade, são quatro corredores, cada um correndo um
quarto da volta. O primeiro corredor faz a largada, com o bastão na
mão, e corre a melhor prova que é capaz. No final da primeira parte do
percurso, o primeiro corredor entrega o bastão para o próximo, que
inicia a sua corrida. Cada corredor tem a função de correr a sua melhor
corrida individual dentro de uma corrida maior.
Agora, digamos que o segundo dos quatro corredores tropece na sua
parte do percurso e isso custe alguns segundos à equipe. É frustrante.
Incomoda os outros corredores, principalmente o terceiro e o quarto,
que agora precisam tentar compensar o tempo que o segundo corredor
custou à equipe. Não há dúvidas de que consequentemente eles têm uma
corrida mais difícil para fazer agora. Porém — e esse é o meu argumento
—, nós estranharíamos se ouvíssemos falar que esses outros corredores,
frustrados com a performance do segundo corredor naquele dia,
voltaram para casa e gritaram consigo mesmos em frente ao espelho. Nós
acharíamos que essa raiva estava mal direcionada, porque o erro não
pertencia a eles; pertencia ao segundo corredor.
Imagine a sua vida assim, dividida em séries de percursos em um
revezamento. A cada ano, quando o relógio bate meia-noite em 31 de
dezembro, o corredor daquele ano entrega o bastão para um novo
corredor, que correrá o próximo percurso da corrida, durante os
próximos doze meses, a partir do primeiro dia do Ano-Novo. Ou você
pode imaginar como eu imagino: todo dia, um novo corredor acorda,
com o bastão que lhe foi entregue pelo corredor do dia anterior. Todo
dia, a função do novo corredor é fazer a melhor prova de que é capaz por
24 horas.
É verdade que alguns dos corredores anteriores pegaram atalhos,
acabaram saindo dos limites e cometeram alguns erros graves pelo
caminho. Eles magoaram pessoas e a si mesmos, perderam tempo,
tomaram decisões ruins, disseram coisas que não queriam, se sabotaram,
perderam a oportunidade de serem corajosos, deixaram de se arriscar.
Pode ser frustrante, e até mesmo irritante, a maneira como eles
dificultaram a nossa vida atual de inúmeras formas. (As nossas finanças,
por exemplo, ou a nossa vida amorosa.) Assim como o segundo corredor
na corrida de revezamento olímpico, esses tropeços nos custaram tempo
e nos renderam uma corrida mais difícil para correr hoje. Xingá-los por
isso é compreensível. Mas xingar o corredor de hoje não faz sentido
nenhum.
Cada corredor começa do zero, livre de culpa ou bagagem. Afinal de
contas, nós esperamos muito dele. A nossa função é poupar a energia
dele o máximo possível para que ele possa correr a sua melhor prova,
sem preocupações, até que seja a hora de entregar o bastão para o novo
corredor. A corrida de hoje já é difícil o suficiente sem ter que carregar a
bagagem dos erros do passado. Viaje com pouco peso.
Nada disso tem a ver com diminuir a responsabilidade. O corredor de
hoje é responsável por consertar os erros do passado — como disse o Dr.
Hammond, essa é a nossa forma de pagar pelos nossos erros. Não
podemos evitar essa responsabilidade, porque, no final, estamos todos
correndo a mesma prova, no mesmo time. Se não aceitarmos a
responsabilidade de colocar a corrida de volta nos trilhos hoje, então,
como os corredores de hoje, estamos cometendo um erro que é só nosso.
Mas, se assumirmos a responsabilidade de correr a nossa melhor prova
hoje, devemos sentir orgulho neste novo dia de corrida, em vez de nos
sentirmos sobrecarregados pela culpa do passado. Essa é a essência da
distinção entre culpa e responsabilização.
Nos nossos retiros, quando percorro com os participantes esse
caminho de conceitualização do perdão, eles percebem que a parte mais
difícil da corrida não é consertar os problemas de ontem, e sim acabar
com a identificação inútil e sufocante com o corredor que os criou.
Assim que essa bagagem desaparece, é incrível o quanto passamos a
correr mais rápido. E como até mesmo as corridas difíceis se tornam
mais prazerosas.
Agora que estamos a postos na linha de partida, depois de nos
perdoarmos e preparados para viajar com pouco peso, existe mais um
passo que devemos dar que vai nos ajudar a nos libertarmos do ódio que
sentimos por nós mesmos, bem como permitir que enxerguemos que a
maneira como a nossa vida se desenrolou até aqui é de fato uma coisa
boa. É um projeto corajoso e criativo. E, mais importante do que isso,
nos traz um sentimento de realização. Não é que a história positiva é
verdadeira e a negativa não é; é você quem decide qual é o significado
das coisas. É isso que torna os seres humanos especiais em sua habilidade
de mudar suas emoções e direcionar seu futuro.

Reformulação, otimização e celebração de


seus ingredientes
Eu realmente não acredito que alguém possa crescer se não for amado
por ser exatamente como é.
— Mr. Rogers

Assim que ouvi a premissa do reality show de TV Chopped — sobre uma


brigada de chefs competindo para fazer a melhor refeição de três pratos,
usando cestas idênticas de ingredientes misteriosos —, eu sabia que o
programa tinha identificado dois fundamentos da confiança interior:
aceitação e desenvoltura.
Realmente, no primeiro episódio a que assisti, os chefs tiveram que
preparar entradas com os seguintes ingredientes: caranguejo-rei do
Alasca, carne-seca de algas marinhas, água salgada e limão caviar. Todos
os participantes amaram um dos ingredientes — não é difícil adivinhar
qual foi —, mas o prato tinha que incluir todos os ingredientes. Com
vinte minutos para empratar suas criações, eles precisavam aceitar os
fatos e trabalhar com o que tinham, e rápido.
Preocupar-se com os ingredientes que recebeu e não pode trocar não é
o objetivo do programa, e sim usar os ingredientes com criatividade. E
não sobra tempo para que os participantes sintam pena de si mesmos.
Assim que os chefs reconhecem os ingredientes, precisam começar a
pensar em seus pratos, sabendo que serão julgados por suas soluções
únicas para a charada dos ingredientes, a velocidade e a confiança que
demonstram ao trazer o resultado para a mesa.
O gancho do programa são os ingredientes obscuros e praticamente
impossíveis de serem combinados que os participantes recebem. Mas as
coisas surpreendentes que eles fazem com esses ingredientes são o que
nos motiva a continuar assistindo: para ver alguém transformar uma
impossibilidade em um triunfo durante uma corrida contra o tempo.
Todos precisamos de um pouco disso. É muito fácil acreditar que o
sucesso ou a felicidade dependem dos nossos ingredientes — nossa
aparência, nossa inteligência, nossa família, nossas vantagens ou
desvantagens — enquanto nos esquecemos que o show do qual somos
protagonistas tem a ver com os pequenos milagres que podemos realizar
usando apenas o que temos.
Frequentemente temos dificuldade de ter confiança porque estamos
dando atenção à coisa errada. Perdemos tempo preocupados com os
nossos ingredientes, que consideramos inferiores. No entanto, quem
pode nos culpar? É difícil ignorar a mensagem. Às vezes ela é curta e
grossa; outras é sutil e redundante. Mas está em todos os lugares. As
redes sociais fazem com que nos comparemos com um padrão impossível
(e artificial) centenas de vezes por dia. Por isso, quando alguém nos diz
que é loucura nos sentirmos inseguros com a nossa aparência (“Não seja
bobo(a), você é muito bonito(a)!”), pode parecer uma forma de
manipulação psicológica (gaslighting), porque toda vez que pegamos o
nosso celular somos confrontados por um algoritmo de beleza com o
qual claramente não temos nenhuma correspondência. Na internet
podemos mergulhar no oceano dos bumbuns perfeitos, para depois olhar
para o nosso e nos sentirmos como um pedaço de carne-seca de algas
marinhas.
“O seu nariz é lindo!”, dizemos a uma amiga que está cogitando fazer
uma cirurgia plástica para corrigir um atributo característico seu que ela
passou a odiar — porque todo nariz perfeito que ela já viu é claramente
o oposto do dela. Seria ela realmente insegura ou alguém que presta
atenção?
No entanto, quando o assunto é a aceitação e a desenvoltura, não
precisamos gostar dos nossos ingredientes igualmente. Nem precisamos
gostar deles. Na verdade, se obrigar a gostar de um ingrediente é
simplesmente entrar um beco sem saída e correr o risco de transformar
em fetiche a importância que esse único ingrediente assume sobre os
outros. Entre os nossos ingredientes existe um pouco de caranguejo-rei
do Alasca e de carne-seca de algas marinhas. Podemos até aprender a
amar carne-seca de algas marinhas, mas de uma coisa eu tenho certeza:
qualquer chef que é capaz de fazer algo incrível e inesperado com carne-
seca de algas marinhas é fácil de ser amado.
Você não é os seus ingredientes; você é o
artista que faz uso deles
Quando alguém é um grande chef, não vê apenas um limão caviar, ou
uma carne-seca de algas marinhas ou uma cenoura. Ele vê o potencial do
limão caviar — todas as maneiras como pode se destacar ou se misturar.
Quanto mais habilidosos nos tornamos como chefs, mais desenvolvemos
um apreço e até mesmo uma empolgação pelos nossos ingredientes.
Descobrimos um orgulho em exibir ingredientes que outras pessoas
considerariam inúteis ou prejudiciais. Em vez disso, fazemos os nossos
ingredientes funcionarem para nós — e a nossa desenvoltura, um
elemento central da confiança interior, cresce. Na camada da identidade,
a nossa confiança cresce sempre que as coisas estão funcionando e nos
favorecendo. Quando entramos em contato com a nossa confiança
interior, confiamos na nossa camada de desenvoltura para fazer qualquer
coisa funcionar. Desenvoltura requer criatividade. Onde os outros
enxergam um obstáculo, precisamos enxergar um novo ingrediente, uma
nova oportunidade para demonstrar a nossa astúcia e habilidade.
BJ Miller é um médico especializado em cuidados paliativos que
aparenta ser sábio e confiante no palco. Ninguém que assistir ao seu
TED Talk pode negar o seu carisma enquanto ele conta como um
evento trágico na sua juventude se tornou o trampolim para a sua
carreira e para a sua compaixão. Em 1990, no segundo ano na
Universidade de Princeton, ele estava na rua com os amigos depois de
uma festa quando subiu em um trem de transporte que estava parado;
assim que levantou o braço, uma descarga de 11 mil volts de um fio
suspenso, de repente, atravessou o seu corpo. Os danos causados por
aquela descarga momentânea foram sérios: ele sofreu queimaduras
graves, teve as duas pernas amputadas abaixo do joelho, bem como o
antebraço esquerdo. Ele acordou, uma semana depois, para descobrir
que o que achava ter sido um longo pesadelo era na verdade a sua
imutável realidade. Tudo isso por causa de um único momento
irreversível em sua vida — uma decisão, um erro.
Mesmo assim, Miller diz que não se arrepende do que aconteceu.
Nem mesmo das lesões. Segundo ele, “Muita coisa boa resultou disso.
Eu não estava inclinado a seguir carreira na medicina antes do acidente,
e acho que não seria um médico especialista em cuidados paliativos tão
bom se não tivesse passado por aquela experiência. O presente foi me
fazer perder o hábito de ficar pensando sobre o futuro e me comparando
com os outros. O acidente me forçou a ficar no momento presente.
Tenho a maior gratidão por isso. Encontrei uma nova confiança”.
Depois de sofrer um trauma tão extremo, Miller poderia ter
facilmente aceitado a ideia de que a sua vida como a conhecia tinha
acabado. Mas, em vez disso, ele viu a possibilidade de uma nova história
que focava o que aquele evento tinha dado. Isso é a reformulação —
pegar as circunstâncias não negociáveis da vida e se apropriar delas —
em sua melhor forma. Eu amo não só o fato de que Miller claramente se
perdoou e correu uma prova incrível apesar desse evento catastrófico em
sua vida, como também de que ele realmente aponta esse evento como
sendo o catalisador da direção positiva que sua vida seguiu desde então.
Essa é uma parte importante da reformulação: reconhecer as nossas
partes que nunca vivenciaríamos se não fosse pela única coisa que
desejamos que não tivesse acontecido. Não podemos deletar os nossos
erros na vida sem deletar elementos cruciais e valiosos da pessoa que nos
tornamos. Você pode passar anos na terapia tentando desfazer os danos
causados por seus pais, e isso é admirável; porém, também vale a pena
considerar as partes valiosas de si mesmo que você só desenvolveu
porque seus pais eram do jeito que eram. Talvez exista algo
extremamente útil que você tenha aprendido com eles apesar de tudo, ou
talvez tenha desenvolvido o seu próprio contragolpe em resposta às
coisas pelas quais os odiava ou aos sofrimentos que eles o fizeram passar.
Até mesmo a ausência de um dos pais pode produzir qualidades com as
quais teríamos medo de mexer. Isso não quer dizer que consideraríamos
as piores partes das nossas vidas um remédio útil para o que as outras
pessoas precisam. Mas sei que, no meu caso, eu não as mudaria por
medo de perder algumas das coisas pelas quais mais sou grato
atualmente.
Porque, se pudesse voltar atrás e desfazer os seus erros, as suas
tragédias e dores, você provavelmente se apagaria. A riqueza, a
complexidade e a profundidade do seu caráter hoje não só foram
forjadas nesses incidentes como são alimentadas pelas suas conquistas.
Você não pode ter uma sem a outra. Se você retira o trauma, retira o
tesouro também — as coisas que o fazem ser você. Isso também é
verdade agora: os seus problemas hoje estão moldando a pessoa da qual
você se orgulhará de ser amanhã. Toda vez que um problema surgir no
seu dia, pergunte-se: “Quem eu preciso me tornar para poder lidar com
isso?”. A resposta para essa pergunta dá significado para o problema
imediatamente.
É um superpoder único que temos como seres humanos essa
habilidade de criar significado e depois usá-lo para redefinir as nossas
vidas. Existem aqueles que dizem que tudo tem um significado, mas eu
acho essa definição menos interessante. Tentar localizar o significado de
alguma coisa difícil ou terrível em nossas vidas é uma atitude reativa.
Criar significado é uma atitude proativa. É contar uma história. Essa é a
essência da reformulação. É a essência de usar os seus próprios
ingredientes. Mel Abraham, um amigo que foi diagnosticado com câncer
há alguns anos, me disse: “Eu percebi, depois de passar o primeiro ano
procurando pelo significado, que o significado não estava no passado, e
sim no futuro”. Em outras palavras, Mel iria criar significado com o que
fizesse depois. Ele se tornaria alguém e faria algo que faria esse
diagnóstico ter significado.
Decida uma coisa agora mesmo: que, de agora em diante até o fim
dos seus dias, você focará toda a sua energia na sua desenvoltura, em vez
de se julgar pelos ingredientes com os quais deve trabalhar. Lembre-se:
todos os dias, uma nova versão de você acorda, e a sua versão de hoje
tem a tarefa de fazer o melhor que pode, nas circunstâncias que tem para
trabalhar. Você tem algum ingrediente difícil e estranho com o qual
trabalhar? Ótimo! É uma excelente oportunidade de mostrar o tipo de
artista que você é.
Entretanto, você pode alegar que a vida não é um programa de
televisão; na vida real as pessoas são recompensadas por acordar com um
tigela de caviar. Pessoas bem-apessoadas conseguem os melhores
empregos. Depois do trabalho, a vida social delas é bastante agitada. A
criança criada em um bairro bom, herdeira de uma marca de sucesso,
nada em uma piscina de conexões poderosas. Tudo isso é verdade.
É por isso que o único juiz é você. Só você sabe o que teve que superar
— os seus pais complicados, os momentos formadores nos quais sofreu
abusos ou foi traído; as suas batalhas com a aparência ou o corpo; a luta
contra o vício, a falência ou pela saúde mental; a perda de alguém que
você ama, ou as oportunidades que perdeu para ter os relacionamentos
que imaginou para si mesmo. Só você sabe o que fez com tudo o que
tinha para trabalhar.
Você pode conquistar um ótimo diploma de confiança pela sua
disposição para encarar os desafios do futuro, mas nunca deve perder de
vista a desenvoltura que já colocou em prática durante as circunstâncias
difíceis do seu passado. Será que você já não fez algo bonito com aquilo
que tinha disponível para trabalhar? Pense em todas as coisas que você
cozinhou — começando praticamente do zero. Pense em tudo aquilo
pelo qual você nunca se deu o crédito porque estava levando em
consideração a opinião de pessoas que não tinham ideia de como a sua
vida realmente era.
Considerando que o nosso cérebro antigo e padrão vem programado
para escanear o horizonte em busca de ameaças, existe um instinto
poderoso de tentar superar rapidamente as melhores refeições que já
preparamos, não importa o quanto tenham sido perfeitas. Mas é bom
lembrar, sempre que você pensar nas suas improvisações mais inspiradas,
que, quando as inventou, você era bem menos habilidoso do que é hoje.
Você é um chef melhor agora — mais sábio, mais astuto, até mesmo,
ouso dizer, melhor preparado. E é provavelmente por causa das
habilidades que aprendeu desde cedo, das ferramentas e recursos que
adquiriu pelo caminho, que hoje você tem um conjunto de técnicas
ainda melhor do que tinha no passado.
É por isso que você deve ter consciência de quão longe chegou e se
lembrar de que essa enorme distância faz parte da sua rotina diária de
confiança interior. Todos nós temos o hábito de ficar agarrados à lateral
da montanha, olhando para cima para ver o quanto falta para chegar ao
topo — ou quanto mais para cima da montanha as outras pessoas estão.
Poucos de nós praticamos olhar para baixo, regularmente, para ver o
quanto tivemos que subir para chegar onde estamos.
Ninguém conhece a sua vida como você. Conecte-se com a
grandiosidade de sua trajetória até o momento, independentemente de
qualquer outra pessoa considerá-la impressionante do ponto de vista
dela. Para uma pessoa que se recupera de um acidente que a paralisou,
conseguir sustentar o próprio peso nas duas barras paralelas, suando para
dar um pequeno passo à frente durante a fisioterapia, é extraordinário. E
o fato de que a maioria da humanidade está andando por aí com
facilidade sem nem pensar duas vezes não gera nenhum impacto na
escala dessa conquista. Precisamos cultivar uma consciência sobre o
poder tremendo daquilo que construímos trabalhando dentro das nossas
circunstâncias. As conquistas que somente nós podemos medir formam a
base da nossa confiança, não importa o que elas representam para
qualquer outra pessoa. Às vezes, o fato de que ninguém consegue medir
essa conquista nos dá uma vantagem. A única forma de usar essa
vantagem é aprender a apreciar a vista de onde estamos.
16

FELIZ O SUFICIENTE

Não faz muito tempo, fiz uma pergunta bastante direta para os meus
seguidores no Instagram: “Qual é o seu maior medo para o futuro,
aquilo que mais o preocupa?”. Na última contagem, 3.145 seguidores
tinham comentado, a maioria demonstrando um nível extraordinário de
vulnerabilidade. Mas um comentário de uma mulher chamada Danni
chamou a atenção, e não só a minha. Seu comentário se tornou o mais
relevante, com 2.202 curtidas e 184 respostas:

[O meu maior medo é] Ficar solteira pelo resto da vida… eu sei que
pode parecer superficial ou algumas pessoas podem achar que existem
coisas piores que isso… Eu sei que vão dizer que preciso me amar
primeiro. E eu me amo, me amo de verdade. Mas também tenho muito
amor para dar e eu amo o amor! Eu tenho uma vida que me satisfaz,
com um emprego legal, amigos incríveis e todos os dias vivo a vida para
mim. Estou planejando uma viagem sozinha etc., então a minha vida
não está parada enquanto espero pelo “cara certo”. Mas o meu maior
medo é nunca encontrar “a pessoa certa”. As pessoas podem dizer o que
quiserem, mas o amor romântico preenche espaços em nossos corações
que os outros tipos de amor simplesmente não conseguem.

A maioria dos comentários era alguma variação do comentário da


Danni. (“Envelhecer e morrer sozinha”; “De nunca encontrar a pessoa
ideal e passar a vida solteiro.”) Mas alguma coisa na fala dela resumiu
bem a questão para todos os que responderam, que era o fato de que,
não importava o que estivesse acontecendo no resto de suas vidas, isso
não conseguia compensar a dor de estar sem um parceiro. A resposta
honesta dessa mulher parecia questionar o conselho-padrão dado a
alguém que tem dificuldade de estar solteiro: encontre um propósito,
estabeleça amizades, aprenda a desfrutar da sua própria companhia.
No livro Cartas para um jovem poeta, Rainer Maria Rilke escreve para
um rapaz cujas preocupações o lembraram das suas próprias alguns anos
antes. Rilke recomendou as virtudes de cultivar a solitude na vida:

Existe apenas uma solitude, e ela é grande e não é fácil de


suportar… As pessoas são atraídas para o que é fácil e para o lado
mais fácil daquilo que é fácil. Mas está claro que precisamos nos
manter naquilo que é difícil.

Eu aposto, porém, que até mesmo Rilke teria se atrapalhado com o


comentário da Danni. Posso até ouvi-la dizendo: “Claro, eu entendo,
Rainer, mas eu já fiz isso. Você vai encontrar férias comigo mesma
marcadas na minha agenda, e vários momentos de leitura e banho de
banheira sozinha nos finais de semana. Eu continuo pronta para
encontrar uma pessoa agora”.
A solitude é profundamente importante, mas não é uma prescrição
para a felicidade com resultados imediatos, muito menos resolve a
necessidade daquela faísca específica, encontrada apenas em uma
conexão romântica. E quantos de nós já não nos perguntamos, assim
como a Danni, se conseguiríamos ser completamente felizes sem ela?
Na série The Crown, existe uma cena comovente na qual a princesa
Margaret explica para a sua irmã, a rainha Elizabeth II, a quem ela se
referia como Lilibet, as coisas que não pôde ter quando foi proibida de se
casar com o grande amor da sua vida, o capitão da guarda Peter
Townsend; e todas eram coisas das quais a rainha pôde desfrutar nos seus
muitos anos com o príncipe Philip. A conversa tinha um peso porque foi
a própria Lilibet, exercendo o seu papel de rainha, quem proibiu a irmã
de se casar com Peter, uma vez que ele não só era divorciado como
também um plebeu que estaria se casando com alguém “acima da sua
posição”.

Margaret: Sem o sol e a água, as plantações não vingam, Lilibet. Me


permita uma pergunta: quantas vezes o Philip fez algo? Interveio
quando você não podia intervir? Foi forte quando você não foi
capaz de ser? Demonstrou raiva quando você não podia
demonstrar? Foi decisivo quando você não podia ser? Quantas vezes
você agradeceu em silêncio por tê-lo e pensou: “Se eu não o tivesse,
eu não conseguiria fazer isso?”. Com que frequência? O Peter era o
meu sol. A minha água. E você me negou o direito de tê-lo.

Quantos de nós nos sentimos como a princesa Margaret e a Danni,


como se estivéssemos sentindo falta do sol e da água em nossas vidas,
seja por causa do amor que perdemos, ou pelo amor que nunca
encontramos?
Muitos anos atrás, senti essa perda quando acordei de um sonho no
qual, por um breve momento, vivenciei o tipo de amor que eu desejava
um dia encontrar. Não sou o tipo de pessoa que acorda e diz “Deixa eu
te contar sobre o sonho que tive”. Mas esse sonho breve e aparentemente
sem grandes acontecimentos ficou marcado.
Eu estava em um elevador ao lado de uma mulher. Nós dois tínhamos
acabado de escapar de algo — algo perigoso — juntos. À medida que o
elevador desacelerava, ficava a sensação de que, o que quer que
estivéssemos prestes a encontrar, nós enfrentaríamos juntos. Quando as
portas se abriram, a mulher agarrou a minha mão, não por medo, mas
de um jeito reconfortante, como se quisesse que eu soubesse que íamos
ficar bem, apesar de tudo, porque tínhamos um ao outro. Eu me senti ao
mesmo tempo protetor e protegido.
Embora não tenha visto o rosto dela, eu sabia que ela era a minha
pessoa. Era como se o sonho tivesse criado um espaço para que essa
pessoa se tornasse qualquer pessoa — não um rosto a ser identificado,
mas um sentimento a ser realocado. Eu nunca me senti tão em casa. O
que quer que aquilo fosse, eu o tinha encontrado; não tanto o amor, mas
tudo que o amor oferecia: tudo de que eu precisava para enfrentar o
mundo, um sentimento que eu nunca abandonaria e que nunca me
abandonaria. Então as portas do elevador se abriram, a luz entrou e eu
acordei.
Eu estava magoado por causa de uma pessoa de quem inicialmente me
senti muito próximo para imediatamente perdê-la, no momento
seguinte. Minha vontade era estar de volta naquele sonho, com aquele
sentimento de certeza e a pessoa que o dividia comigo. Tentei dormir de
novo, na esperança de encontrar o meu caminho de volta, mesmo que
por mais alguns minutos somente. Ainda assim, mesmo que eu nunca
tivesse aquele sonho outra vez, aquele sentimento tinha me marcado. O
sonho revelou um vazio que existia na minha vida e o ampliou.
O desespero para voltar ao sonho reflete a falta de controle que
costumamos sentir em nossas vidas amorosas. Em outras áreas pelo
menos conseguimos identificar coisas que podemos fazer para nos
aproximarmos de um resultado desejado. Quando queremos perder
peso, precisamos mudar a nossa dieta e fazer mais exercícios. Se
queremos mais dinheiro, poupamos ou investimos. Mas é incrivelmente
frustrante que os nossos esforços no amor não consigam produzir
resultados previsíveis ou retornos permanentes. Você poderia ter quatro
encontros por semana durante um ano e mesmo assim não encontrar
alguém com quem queira ficar e que queira ficar com você também.
Mesmo que encontre, e você ame, respeite e seja leal a essa pessoa, não
há garantias de que ela não vai trair, mentir ou deixar você.
Para muitos de nós, essa incerteza e falta de controle é intolerável. Por
isso, exercemos controle onde podemos — nos vícios em trabalho,
academia, comida e bebida, bem como em nossas amizades e relações
familiares. Às vezes rejeitamos completamente o mundo do amor, para
que ele não possa mais nos rejeitar. Porém, o desejo de nos sentirmos
vistos, aceitos e amados não desaparece tão facilmente. Enquanto escrevo
este livro, estamos começando a ouvir falar sobre relacionamentos com
inteligência artificial, com as pessoas usando softwares para criar
companheiros ideais — um lembrete de que a necessidade de conexão é
universal e de que as pessoas farão o que for necessário para satisfazê-la.
O que a inteligência artificial pode oferecer que uma vida amorosa na
vida real não oferece? Controle. Um companheiro criado por inteligência
artificial não vai nos abandonar ou trair. Temos a garantia de que estará
lá quando precisarmos, pronto para nos ouvir e demonstrar empatia
(especialmente se as suas capacidades de ter empatia puderem ser
programadas por psicólogos clínicos). Ela, se estou usando o gênero
correto, oferece um lugar de visibilidade para aqueles de nós que se
tornaram invisíveis pela idade, pela deficiência, pelo divórcio ou por
mudanças em nossas circunstâncias de vida.
Será que podemos ser culpados por desistir de namorar do jeito mais
difícil — pessoalmente, com pessoas de verdade — e recorrer ao que
Rilke chamou de “lado mais fácil daquilo que é fácil”? Quer seja se
abstendo de relacionamentos no geral, explorando as opções de
inteligência artificial, namorando exclusivamente por meio de uma tela
via aplicativo de namoro ou simplesmente levando em banho-maria a
pessoa com a qual temos “um pouco de diversão” e nenhum futuro —
esse conforto, não importa o quanto seja imperfeito, geralmente parece
melhor do que nada, o que com frequência é a única alternativa. Quanto
tempo alguém mantém os seus padrões elevados e espera por algo
melhor quando esse algo melhor nunca parece chegar?
Quando estou no palco ou na internet aconselhando uma pessoa a
dispensar o parceiro casual que não está lhe dando o que deseja, costumo
sentir como se estivesse tirando dessa pessoa a única fonte de conforto
que a ajuda a sobreviver. Então me lembro de quantos desses cenários já
vi desenrolar que deixaram as pessoas em situação pior do que estavam
quando começaram: como um viciado em drogas que inicialmente só
usava para sentir um barato, depois precisava usar para não se sentir
péssimo e acabou tendo que lidar com a agonia do vício e da
abstinência.
No entanto, quando algo tão importante para a nossa felicidade,
como o amor romântico, está ausente, como sobrevivemos? Aprendendo
a ser “felizes o suficiente”.
Eu gosto de estar feliz o suficiente. Gosto já faz alguns anos. Alguns
podem ver esse estado emocional como um novo nome para
“acomodação” — uma forma de desistir do que realmente queremos.
Para mim, feliz o suficiente não só funcionou como um modo essencial
de sobreviver às inevitáveis decepções e perdas da vida como criou o
alicerce para um profundo sentimento de paz — um tipo de paz que
serviu como base para que eu me arriscasse mais, me envolvesse mais e
obtivesse melhores resultados.
Feliz o suficiente começa aceitando radicalmente o lugar onde estamos
agora e depois concluindo que, se nada mudar, nós realmente ficaremos
bem. Isso não quer dizer que não existem coisas pelas quais lutar, e sim
que não estamos partindo de um lugar de escassez, mas de um lugar de
paz. Isso, agora, é o suficiente.
Uma versão mais jovem minha, com a minha personalidade ambiciosa
e competitiva, teria refutado esse tipo de conselho por considerá-lo uma
espécie de mentalidade de perdedor. No entanto, quanto mais sucesso eu
tinha, mais me via rodeado por pessoas cujas filosofias de vida pareciam
ser baseadas no lema “nunca é o suficiente”. Cheguei a testemunhar essas
pessoas tendo que passar, muitas vezes junto com as suas famílias, por
um sofrimento constante para conseguirem mais. Eu penso nisso como
se fosse “a doença”. Toda vez que vejo alguém que não consegue parar,
eu penso Hum, ele pegou a doença. Toda vez que me pego correndo para
conquistar a próxima coisa só pela conquista em si, digo para mim
mesmo: “Hum, Matthew pegou a doença agora”.
Feliz o suficiente não é aceitar menos; é uma filosofia baseada na
gratidão e na aceitação. Este momento, esta vida, este corpo, esta mente,
isto é suficiente para que eu seja feliz. Eu posso escolher tentar conseguir
mais, porque mais pode ser divertido, pode proporcionar mais conforto
à minha vida, pode levar a novas experiências, pode criar novas
conexões, mas não tentarei fazer isso partindo de um lugar de falta, e sim
de um lugar de calma. É impressionante o quanto essa mentalidade
permite que você tente mais, porque, de repente, você não tem nada a
perder. Se aquilo que estávamos tentando conquistar não for possível,
não arriscamos ou perdemos a nossa felicidade quando não
conseguimos. Quando pensamos em alguém que não tem nada a perder,
geralmente pensamos nisso com uma conotação negativa, por exemplo,
alguém que não tem nada. No entanto, quando estamos felizes o
suficiente, não temos nada a perder porque podemos olhar para as nossas
vidas hoje e perceber que já temos o suficiente.
A partir dessa perspectiva, podemos sentir que seria incrível ter um
relacionamento. Podemos nos empolgar com a possibilidade. Podemos
até reconhecer que encontrar o relacionamento certo pode nos fazer
ainda mais felizes do que estamos hoje. Entretanto, a ausência de um
relacionamento não nos impede de ser felizes o suficiente para desfrutar
da vida que temos. Isso é um poder. Não um poder que vem de uma
postura defensiva ou cínica, mas um poder que é resultado de sermos
agentes da nossa própria felicidade; uma atitude que coexiste com uma
abertura e um senso de infinitas possibilidades de uma vida vivida com
curiosidade.
Feliz o suficiente é a sustentação de todos os parâmetros. Quando
estamos felizes o suficiente podemos tranquilamente dizer “não” para os
maus-tratos, para o desrespeito e para um comportamento que
simplesmente não se encaixa na cultura da nossa vida. Podemos dizer
“não” para alguém que tem intenções diferentes, independentemente de
termos ou não um outro alguém para substituí-lo. Se você colocar um
barco em um lago, a água vai temporariamente se deslocar para criar
espaço, mas basta removê-lo para que a água volte ao seu nível natural.
Não existe um vazio que precisa ser preenchido.
Feliz o suficiente não precisa de uma opção de substituição para que
você possa dizer “não”, porque dizer “não” não deixa um vazio. A vida,
como ela é, é suficiente; por isso, qualquer pessoa ou qualquer coisa que
seja convidada para entrar em nossa vida deve torná-la melhor ou será
deixada para trás. Pessoas infelizes dizem “sim” para aqueles que as fazem
infelizes porque acreditam que elas ou a sua vida não têm valor sem o
outro. Pessoas que estão felizes o suficiente podem avaliar objetivamente
se algo é digno do seu tempo, em vez de se sentirem prisioneiras sem
nenhuma outra opção. Feliz o suficiente é a liberdade para dizer “não”.
Entretanto, como podemos conseguir ser felizes o suficiente se
estamos tomados pela dor e pelo sofrimento? Pode ser a dor de uma
enorme desilusão amorosa, de circunstâncias trágicas da vida, ou a
profunda e permanente dor da solidão. Sentir como se estivéssemos
presos à nossa dor faz parecer impossível nos conectarmos com a ideia de
ser felizes o suficiente.

Lidando com a dor


Escrevi anteriormente nestas páginas sobre a minha própria luta contra a
dor crônica. Raramente falava em público sobre o quanto as coisas
estavam ruins. Eu sentia como se pudesse desmoronar a qualquer
momento, por isso lidava com a dor reservadamente. Já comentei aqui
que foi por isso que comecei a fazer terapia: não motivado por nenhum
desejo de crescimento, e sim pela necessidade desesperada de não me
afogar. Eu me sentia fora da minha própria vida, incapaz de me conectar
com qualquer coisa ou qualquer pessoa. A distância poderia parecer que
as coisas estavam indo bem, mas eu estava com problemas. Eu entendia
como as pessoas que conviviam com a dor incessante e a desesperança
poderiam enxergar a morte como uma forma de alívio.
Uma manhã, durante a terapia, as primeiras palavras que saíram da
minha boca foram:
— Decidi que só vou viver pelas outras pessoas, porque não sinto
prazer em mais nada na minha vida. Eu só consigo pensar na minha dor.
— Essa foi uma das declarações mais sombrias da minha vida.
— Matthew — meu terapeuta respondeu —, essa é a sua depressão
falando.
Talvez a minha depressão fosse circunstancial, com origem na minha
dor crônica física, mas era uma distinção que não fazia diferença: o
resultado mental e emocional era o mesmo.
— A dor — o meu terapeuta explicou — é extremamente
centralizadora. Isso é especialmente verdade quando é uma dor na sua
cabeça, porque parece estar muito mais próxima.
Ele usou a palavra perfeita: centralizadora. A dor tinha tomado conta
de todos os aspectos da minha vida, como um buraco negro. (Embora eu
seja a única pessoa que acharia que uma dor na cabeça é mais
centralizadora do que a dor em seu coração.) Entretanto, embora eu
tenha levado anos para perceber, a dor realmente me ensinou uma lição
importante. Apesar de ter sofrido com a dor, aprendi sobre as
ferramentas para que pudesse ser feliz o suficiente, mesmo nos
momentos mais difíceis. Ser feliz o suficiente fez com que os momentos
difíceis ficassem mais fáceis.

As ferramentas
Cada uma das ferramentas a seguir é baseada na única coisa que eu
apendi com a dor: a coisa mais dolorosa sobre a dor não é a dor em si,
mas a nossa relação com ela. Por isso, antes de mais nada, vou falar um
pouco sobre essa relação.
A minha relação com a dor era tóxica. Quando sentia fincadas na
cabeça e um zumbido no ouvido, eu não experimentava apenas uma
sensação física. A dor desencadeava uma reação em cadeia inteira de
pensamentos catastróficos, que tinham como destino final sempre
alguma versão de “Estou ferrado”. Veja alguns exemplos dos meus típicos
pensamentos catastróficos:

• Você nunca mais vai aproveitar a vida por causa dessa dor. Nada que
você ama sobre a vida vai ser o mesmo.
• Nenhuma mulher vai querer você depois que descobrir essa sua
fraqueza, que o torna patético, ruim e nada atraente. As mulheres
querem um homem forte e capaz, não uma criatura delicada e frágil
que sempre está a uma fincada de distância de desmaiar. Isso te fez
perder a confiança que antes o tornava desejável.
• E o que você esperava? Foi você que fez isso consigo mesmo. Não
cuidou de si mesmo; alimentou o estresse e a ansiedade, e agora está
estragado sem possibilidade de conserto. O único culpado disso é
você.
• Você nunca vai conquistar todas as aquelas coisas que queria
conquistar, porque essa dor vai dominar a sua vida. E, se você não
conquistá-las, não terá nenhum valor.

Às vezes ficava bem pior, mas deu para ter uma ideia.
Observe a completa ausência de autocompaixão. Quando eu precisava
de um amigo mais do que qualquer outra coisa, eu me tornava o inimigo
que imediatamente transformava a minha experiência diária em uma
fonte de vergonha. A minha relação com a minha dor, essa espiral de
autorrecriminação, era multiplicadora, tornando a dor infinitamente
pior. Nas páginas a seguir você vai encontrar as ferramentas que aprendi
pelo caminho e que transformaram a minha relação com a minha dor e,
ao fazerem isso, me permitiram ser feliz o suficiente. Na verdade, agora
estou feliz o suficiente para compartilhar tudo isso com você, algo que eu
nunca teria sido capaz de fazer quando estava perdido na dor. Ser feliz o
suficiente nos dá a habilidade de voltar a fazer a diferença.
Estou confiante de que estas ferramentas vão funcionar para você
também. Eu não as inventei, mas transformei o que aprendi em
diferentes fontes em ferramentas que compõem um kit bastante
completo para lidar com a dor, que eu uso diariamente.

Deixe de drama
Eu me lembro de conversar com a minha mentora no auge dos meus
sintomas físicos. Contei a ela que comer certos alimentos ou ingerir
bebida alcoólica parecia piorar os meus sintomas. Eu tomava um gole de
vinho e imediatamente começava a sentir dor, tontura, e o zumbido no
ouvido ficava mais alto. Nunca fui de beber muito, mas amo comida,
uma taça de vinho e um bom coquetel. Associo essas três coisas a
algumas das minhas melhores experiências na vida, como viagens e
aventuras. Expliquei a ela em um tom de voz completamente derrotado
— que era basicamente o meu estado emocional naquele momento —
que nunca mais poderia consumir aquelas coisas de novo por causa dos
meus sintomas. Nunca vou esquecer do que ela me disse: “Olha, nós não
sabemos quais serão os seus sintomas daqui a um ano, muito menos
daqui a cinco anos; por isso vamos deixar de drama, com essa conversa
de ‘nunca mais vou poder fazer isso’, que nem sabemos se é verdade, e
vamos focar o que é melhor para você agora. Como algumas dessas
coisas parecem causar dor, então vamos parar de consumi-las por
enquanto, até que as coisas melhorem um pouco”.
Quando ela me disse para “deixar de drama”, estava na verdade me
dizendo para parar de pensar de maneira catastrófica, o que estava me
deixando bem mais infeliz do que a realidade de que eu não poderia
tomar uma margarita de jalapeño naquela noite. A mesma lógica se
aplica à nossa vida amorosa. Quando estamos sozinhos, nossa mente
costuma caracterizar a situação de forma extrema. (“Eu vou morrer
sozinho!”) E é esse o pensamento que nos leva ao pânico e à depressão.
Deixe de drama!

Tudo muda
O corolário para o conselho da minha mentora para deixar de drama é o
simples fato de que você realmente não tem mesmo nenhuma ideia de
como vai se sentir daqui a um ano, ou como a sua vida vai mudar. A dor,
como tudo na vida, muda. Às vezes ela diminui ou desaparece por
completo. Às vezes continua ali, mas não nos afeta da mesma forma,
porque aprendemos a mudar a nossa relação com ela e a lidar com ela de
um jeito diferente. Em algum momento, não seriam a mesma coisa? Não
julgue o seu futuro com base no jeito como você se sente agora. Tudo
muda, e muda o tempo todo.
Na próxima vez que começar a escrever o roteiro do seu futuro inteiro
com base no que está acontecendo hoje, lembre-se: a sua única obrigação
é lidar com a situação hoje, da melhor forma que consegue, enquanto se
mantém aberto às surpresas que o futuro inevitavelmente reserva.

Renda-se
Como Eckhart Tole disse, “aceitar o inaceitável é a maior fonte de graça
neste mundo”. Enquanto o futuro pode reservar surpresas, ficar parado
desejando e esperando por elas é uma péssima ideia. A única forma de
viver é aceitando as nossas circunstâncias atuais. Eu aprendi o quanto era
contraproducente para mim acordar todos os dias esperando que os
meus sintomas mudassem. Isso não significava que eu deveria desistir de
procurar formas de aliviá-los com o passar do tempo. Mas eu tinha
tentado tantas coisas e ficado tão arrasado todas as vezes que elas não
funcionavam que a própria esperança começou a se tornar corrosiva.
Para contrabalançar o meu ceticismo e desespero, aprendi a dizer para
mim mesmo: “Talvez daqui a alguns anos eu não tenha mais esses
sintomas, mas por enquanto eu os tenho, e a vida é curta demais para
não aproveitá-la enquanto isso; então, vou aceitá-los e aprender a
aproveitar a vida enquanto eles ainda estão aqui”.
Algo sobre essa aceitação imediata diminuiu o controle que a dor
exercia sobre mim. Eu não estava mais lutando contra ela. Existe uma
história na mitologia grega sobre o príncipe Ilus, fundador da cidade de
Troia. Ele cometeu o erro de olhar para um objeto sagrado enviado pelos
deuses e foi cegado por ele instantaneamente. No reconto feito por
Stephen Fry dessa história, ele escreve: “Ele [Ilus] sabia o suficiente sobre
os Olimpianos para não se desesperar. Ficando de joelhos, ele lançou
preces de agradecimento aos céus. Depois de uma semana de devoção
inabalável, foi recompensado com a restituição da sua visão”.
Muitos podem não enxergar tanto aprendizado assim nessa história,
que descreve um milagre pouco realista, mas eu vejo uma das lições mais
importantes que já aprendi. Para mim, o príncipe Ilus representa a
pessoa que aprendeu que pode ser feliz o suficiente mesmo se não voltar
a enxergar. Talvez ele até saiba instintivamente que com certeza vai
aprender com essa nova experiência que a vida lhe deu, por isso
agradece. Ele encontrou a gratidão em meio à calamidade. A recompensa
pela sua reação a esse infortúnio é a graça. A sua visão é restituída. Não é
esse milagre, no entanto, o que eu acho interessante nessa história. Ele já
via com clareza quando lidou com a situação partindo de um lugar de
gratidão e redenção.
Render-se nem sempre reverte as nossas circunstâncias, mas
transforma o nosso relacionamento com elas. O estado de espírito do
príncipe Ilus é muito mais importante do que as circunstâncias da vida
dele. Quando nos rendemos, transformamos as lentes por meio das quais
enxergamos a vida. Aceitamos a realidade como ela é, mesmo que isso
signifique seguir pelo caminho que os outros rejeitam. Ao fazer isso,
criamos um novo relacionamento com a situação em si; um
relacionamento que já não causa mais a dor que costumava causar. A
aceitação nessa escala não é passiva. É uma ação consciente que requer
decisão. Ela diz: “Vamos fazer as pazes com O Que É, e depois fazer o
que pudermos para fazer O Que É Melhor”. Quando dizemos para nós
mesmos “É o que é; não poderia ser outra coisa”, ficamos livres para
perguntar “Como posso tirar o melhor dessa situação?”. Quando
desistimos de lutar contra a situação, finalmente liberamos energia que
pode ser usada para explorar os seus benefícios ocultos.

Escolha a sua dor


Eu me lembro de o psicólogo Guy Winch me contar de um experimento
feito com ratos, que ocorreu mais ou menos assim: O Rato A tinha
permissão para rodar na rodinha o quanto quisesse, e o outro, Rato B,
ficou preso a uma rodinha que estava conectada na rodinha do Rato A.
Toda vez que o Rato A escolhia correr, o Rato B era forçado a correr
involuntariamente. Depois de correr, o Rato A demonstrava todos os
efeitos positivos do exercício — diminuição do estresse, maior liberação
de serotonina —, enquanto o Rato B demonstrava um aumento
significativo de cortisol, o hormônio do estresse. Ambos estavam fazendo
a mesma quantidade de exercícios. Então, por que um teve uma resposta
neurológica positiva e o outro uma negativa? O Rato A escolheu correr,
o Rato B, não.
A dor que escolhemos nos beneficia. A dor da qual permanecemos
vítimas nos machuca. Isso nos dá uma pista de como podemos
renegociar o nosso relacionamento com a dor. Podemos ir além de nos
render e escolher a nossa dor nós mesmos.
Podemos não ter escolhido estar solteiros, sofrendo ou solitários, mas
podemos agir como se tivéssemos escolhido estar assim, descobrindo
quais seriam os benefícios únicos que resultam de estarmos assim. Essa é
uma espécie de escolha retroativa que nos transforma de Rato B em Rato
A. Nos tornamos gratos pelo exercício que a vida nos obrigou a fazer. Eu
me dei conta de que, ao aprender a lidar com a minha relação com a
minha dor física, eu tinha criado um modelo para lidar com a minha
relação com a vida que me ajudaria em todas as partes da vida e do meu
futuro. Eu nunca teria conquistado isso se tivesse conseguido
simplesmente fazer a minha dor desaparecer. Essa lição se tornou um dos
meus bens mais preciosos.
Imagine que você recebeu um cardápio com todos os tipos de
situações da vida que causam sofrimento. Ao lado de cada uma dessas
situações está uma lista de bens e benefícios que podem ser conquistados
se você passar por essas situações difíceis. Agora, imagine identificar a sua
situação no cardápio, aquela que lhe causou uma dor imensa. Você olha
para a coluna seguinte e vê a lista de todos os benefícios que essa dor lhe
proporciona, as maneiras como ela fez você ficar mais forte, mais
interessante, mais capaz, mais resiliente, mais sensível, mais equipado
para lidar com outras dificuldades. Agora, conecte-se com o fato de que
esses tesouros já são seus e de que existem mais tesouros a serem
descobertos nessa situação. Você pode não tê-la escolhido de início, mas,
agora que escolheu, imagine-se escolhendo-a retroativamente pelo
cardápio por causa dos incríveis benefícios únicos... benefícios que você
não conseguiria de nenhuma outra forma.
As pessoas escolhem a dor pelo cardápio da vida o tempo todo: elas
literalmente escalam montanhas, vão à academia, tentam construir um
negócio, escolhem escrever um livro (!). Algumas dessas escolhas passam
a impressão de que têm objetivos mais óbvios do que o sofrimento pelo
qual estamos passando agora na vida. Mas não é esse o caso. Os
benefícios da dor que enfrentamos não são inerentemente mais valiosos
do que os benefícios que nos são concedidos por meio das dificuldades
criadas pelas nossas circunstâncias na vida. Pela minha perspectiva,
preciso argumentar que o valor que recebi pela dor que inicialmente não
escolhi é bem maior do que o valor que eu persegui com a dor que
escolhi.
Quando escolhemos enxergar as nossas dificuldades pelas lentes dos
seus benefícios únicos, nós reescrevemos a história e o significado da
nossa dor; e, ao fazer isso, nos transformamos de Rato B em Rato A.

Preste atenção às modulações da sua dor


Existem dias ou horas nos quais a sua solidão atingirá um nível de
intensidade 10 em uma escala de 0 a 10. Outros dias, ela vai estar no
nível 3. É uma grande diferença. Eu sei que, quando estou sentindo uma
dor de intensidade 10, corro o risco de perder a objetividade. Nos picos
de dor, tendemos a não lembrar bem dos momentos recentes nos quais
realmente estávamos bem. Essa cegueira temporária pode nos deixar
incapazes de perceber que o nosso pico máximo de dor imediata é
temporário. Damos muita importância para os nossos momentos ruins,
o que nos leva diretamente de volta para os pensamentos catastróficos e,
em seguida, ao desespero.
Veja uma previsão razoável: às vezes você vai se sentir um pouco
melhor. Outras vezes, se sentirá bem melhor. Manter um registro dessas
variações é importante. Ele vai lembrá-lo de que como você se sente no
seu pior momento não é nenhum tipo de verdade absoluta, e que se
sentir melhor é possível. Além disso, um registro também ajuda porque
lhe oferece um relatório daquilo que você fez que o ajudou a se sentir
melhor do que normalmente se sente durante os seus piores momentos.
Saber como reduzir a sua dor de um nível 10 para um 7, ou de um 7
para um 4, muda a sua vida. E, quando você tiver algumas dessas
fórmulas à sua disposição, pode replicar aqueles resultados.
Eu pensava na minha dor 24 horas por dia. Depois comecei a notar
momentos em que eu não pensava nela por pelo menos dez minutos.
Não é muito para alguém que não está com dor, mas é significativo
quando a dor é constante. Isso me fez perceber que realmente existiam
momentos em que eu conseguia viver sem pensar na dor. Se eu
conseguia fazer isso por dez minutos, então com certeza conseguiria fazer
por vinte minutos, talvez até por uma hora! Quando cheguei em uma
hora, o meu objetivo era simples: aumentar essas horas. No caso dos
piores términos, você pensa nisso 24 horas por dia também. Mas um dia
você consegue ficar uma hora sem pensar naquela pessoa. Reconhecer
isso é como ter esperança, o que o ajuda a se concentrar em aumentar
essas horas. No mínimo, da próxima vez que entrar em desespero, você
vai se lembrar dessa uma hora que virá, durante a qual você não vai
pensar na pessoa, e esse simples pensamento pode ser suficiente para que
você deixe a luz entrar, respire fundo e se acalme.

Pratique o máximo de autocompaixão


Com certeza, se sentir mal já é ruim o bastante. Então, por que
pioramos esse sentimento com todas as histórias que nos contamos, do
tipo “Foi tudo culpa minha”, “Para começar, foi idiotice minha me
colocar nesta situação”, “Estou recebendo o que eu mereço”, ou
“Ninguém me quer porque não presto para nada”? É nesse exato
momento que precisamos praticar o tipo de autocompaixão sobre o qual
falamos no capítulo anterior sobre confiança interior.
Autocompaixão é dizer para nós mesmos: “Estou
mal/triste/magoado/solitário/sofrendo. Isso por si só já é ruim. É bom eu
cuidar de mim hoje para me ajudar a me sentir melhor”. Nos dias em
que a minha dor física estava em seus piores níveis de intensidade, eu me
sentia incapaz de fazer qualquer coisa. Eu me torturava por não estar
sendo produtivo naquele dia, depois me fazia sentir vergonha de estar
sentindo dor e tentava encontrar um meio de me culpar por ter criado as
condições em minha vida para que ela ocorresse. Tudo isso contribuía
para uma mensagem sufocante: “Você não vai conseguir fazer nada hoje.
Isso quer dizer que está ficando para trás na vida. E a culpa é toda sua”.
Precisei aprender a falar comigo de uma forma completamente
diferente, o que significou descartar todas as histórias apocalípticas que
eu tinha criado sobre essa dor para, no lugar, enxergá-la como um fato
daquele dia específico, o que era péssimo para o Matthew.
Meu novo monólogo, que levei um tempo para aprender, era assim:
“O Matthew está sentindo dor hoje. Isso é muito difícil para o Matthew,
principalmente porque ele tem muita coisa para fazer. Como eu posso
ajudar o Matthew hoje? Posso criar mais intervalos para que ele possa
descansar? Será que consigo encontrar alguém para ajudar com o
trabalho dele? Talvez eu possa dar a ele permissão para atrasar ou até
mesmo deixar de fazer algumas coisas hoje, enquanto damos a ele o
descanso que precisa para ter uma chance de estar melhor semana que
vem. Ou talvez não seja verdade que não vamos terminar nada hoje.
Talvez com um pouco de incentivo e gentileza possamos terminar
algumas coisas importantes, ou só algumas coisinhas”.
É assim que a autocompaixão funciona na prática. Na próxima vez
que se sentir sozinho, diga a si mesmo: “A solidão é um sentimento
ruim, por isso me sinto mal que o(a) [insira o seu nome aqui] esteja se
sentindo tão sozinho(a) hoje. Isso é muito difícil para ele/ela. Como eu
posso ajudar [seu nome de novo] a se sentir melhor? O que ele/ela
precisa para ter um dia melhor amanhã? Como eu posso ajudar mais
[seu nome de novo!] enquanto ele/ela estiver se sentindo assim?”.
Procure se ver como um amigo que você está ajudando a superar a dor.
E, idealmente, dizer o seu próprio nome várias vezes o ajuda a ter
perspectiva o suficiente para tratar a si mesmo como um amigo.
Se uma abelha o picasse inesperadamente agora, iria doer, mas você
não atribuiria nenhum significado especial a essa dor. Seria apenas uma
sensação dolorosa. E na verdade é isso que a dor sempre é. Uma dor
emocional, como a solidão, é só mais uma variação de sensação. Se
descartarmos todas as histórias que usamos para nos envergonharmos e
nos culparmos, o que sobra para tratarmos é simplesmente uma sensação
complexa no corpo. Esse pequeno ajuste torna ainda mais fácil praticar a
autocompaixão que nos tira ou nos afasta dessa sensação.

Redefina as suas expectativas


Um componente-chave da autocompaixão é estar disposto a redefinir as
expectativas que criamos para nós mesmos de acordo com a situação
atual. Isso é especialmente verdade durante os momentos difíceis. Sendo
uma pessoa que costuma estabelecer objetivos de maneira compulsiva,
uma das coisas mais difíceis que tive que aprender foi fazer as pazes com
o que eu não conseguia cumprir nos meus dias mais difíceis. Precisei
começar a abrir exceções para os dias ruins e a ajustar as minhas
exigências sobre mim mesmo de acordo com elas. Às vezes eu precisava
desacelerar. Outras vezes, precisava fazer menos coisas. E em alguns dias
eu precisava não fazer nada.
É difícil fazer isso se estivermos sempre comparando o nosso resultado
com o que vemos (ou achamos que vemos) outras pessoas fazendo, que
podem ter ou não os mesmos problemas. Similarmente difícil é quando
a pessoa com a qual estamos nos comparando é uma versão nossa de
quando não estávamos sofrendo com o que estamos sofrendo agora, ou
de quando tínhamos menos responsabilidades.
Esqueça o que todo mundo está fazendo, ou o que você já foi capaz de
fazer em outro momento. O progresso significa coisas diferentes
dependendo da sua situação. Para quem está profundamente deprimido,
sair da cama de manhã é um ato heroico. Precisamos definir o que
representa um dia bom para nós, e parar de nos preocupar se o nosso
dia, ou a nossa vida, no caso, se compara à de outra pessoa.

Mantenha a perspectiva
Sam Harris disse uma vez: “Se você acha que as coisas não podem piorar,
isso é apenas falta de imaginação”. As suas circunstâncias hoje podem ser
um sonho se comparadas ao que poderia dar errado em sua vida e não
deu. Se você não tivesse o seu grande problema em sua vida agora, não
há garantias de que não teria um problema igualmente difícil ou pior em
outra área. Todo mundo tem problemas. Quantos casais que pareciam
ter o casamento perfeito estão agora passando por um divórcio? Quantas
pessoas sofrem acidentes que mudam suas vidas, forçando-as a aprender
maneiras completamente novas de se relacionarem com seus corpos?
Quantos jovens têm uma doença e não chegam nem perto dos anos que
você ainda tem para sair e encontrar um relacionamento?
Sempre haverá incertezas, e uma nova dor com a qual você terá que
aprender a coexistir. Não leve isso tão a sério. Mesmo nos momentos em
que a sua dor está mais intensa, isso não quer dizer que tem alguma coisa
de errado com você. A nossa dor não é a única; é apenas o nosso próprio
cubo mágico que precisamos solucionar. Aproprie-se dela, domine-a,
veja o que pode aprender com ela, e isso será o trampolim para tudo que
você se vai tornar e do que mais se orgulhará em si mesmo.
Ironicamente, enquanto escrevo esta seção, os meus sintomas físicos
estão particularmente ruins. É um sentimento familiar. Uma tensão atrás
do olho direito, uma fincada no ouvido, acompanhada de um zumbido
que está mais alto do que o normal, uma pressão em todo o lado direito
da cabeça. Dificuldade para me concentrar. Não sei bem por que está
pior esta manhã. Como todo mundo que tem uma dor crônica sabe,
coisas diferentes podem ser gatilhos: se eu for ficar doente, começa na
cabeça e no ouvido, como um detector de tempestade. Pode ser que eu
esteja estressado demais sem perceber, e a minha cabeça e ouvido estão
me avisando. Nesta época do ano eu também posso ter alergia, outro
gatilho. Não sei o que está causando essa dor de grau 8 de 10 hoje, em
vez de uma bastante administrável de grau 2 ou 3. E, de certa forma, não
importa. Aprendi a ficar feliz o suficiente com um grau 8 também,
usando as mesmas ferramentas que apresentei neste capítulo.
Em momentos como esse, antes eu ficava totalmente desmoralizado e
chegava a entrar em pânico. As histórias vinham de uma vez: “Eu nunca
vou superar isso. Isso vai me assombrar pelo resto da vida. Achei que
estava melhor, mas voltou com força total. Não tem jeito. Não consigo”.
Esta frase, “Não consigo”, era a mais perigosa de todas. Demonstrava
que eu estava completamente sobrecarregado, o que me fazia desligar
totalmente. No passado, ela me fazia desistir do que quer que eu tivesse
que fazer naquele dia, voltar para a cama e cair em um abismo
emocional porque não conseguia enxergar uma saída. Não que tenha
alguma coisa errada com voltar para a cama (às vezes é exatamente o que
precisamos!), mas, graças às ferramentas que eu mencionei, essa não é
mais uma parte necessária da minha resposta à dor agora.
Primeiro, eu noto a dor como uma sensação independente, sem
atribuir nenhum significado a ela — não tento me envergonhar nem me
culpar por ela. (De todo modo, mesmo que eu tivesse feito alguma coisa
para criá-la, o eu que fez isso foi um corredor antigo, não o Matthew que
acordou hoje.) Não começo a pensar de maneira catastrófica em todas as
coisas que terei dificuldade para fazer hoje. São apenas os fatos: o
Matthew está com dor hoje. É isso.
Em segundo lugar, eu fico calmo. Calmo porque já passei por isso
antes e sobrevivi. Eu sei que a dor tem suas modulações, com dias bons e
ruins, horas boas e ruins. Por isso, ela não vai ficar grau 8 para sempre.
Houve uma época, antes da dor de cabeça, quando o zumbido nos
ouvidos sozinho me fazia entrar em pânico e depois em um buraco
negro de uma dormência depressiva. Hoje em dia, eu raramente penso
nele. Às vezes eu até gosto um pouco — não é estranho? Durmo com o
ventilador ligado na maioria das noites, ou com algum tipo de ruído
branco; mas às vezes, quando estou viajando, eu não tenho acesso a um e
fico deitado na cama à noite e os meus ouvidos estão zumbindo e o
silêncio do quarto o faz parecer estar realmente dentro da minha cabeça,
e a sensação é quase aconchegante para ficar ali ouvindo. É como um
velho amigo que me ensinou tanto, e eu digo: “Ah, aí está você, velho
amigo. Puxe uma cadeira; venha sentar comigo”.
Fiquei bastante familiarizado com os meus sintomas. Nós passamos
por muita coisa juntos. Eles foram meus professores e me fizeram um
coach e líder melhor. Eles têm sido uma aula continua e inevitável de
empatia, e uma janela crucial para a vida daqueles que estão em situação
muito pior. Muito do que eu mais valorizo em mim mesmo eu aprendi
com esse velho amigo. Por isso, me sinto grato.
Então, a partir desse estado eu começo a fazer as coisas que podem
ajudar. Você se exercitou nos últimos dias? Não? Bom, isso é parte do
problema, seu pateta. Você tem comido bem? Não? Certo. Então, vamos
colocar um pouco de comida boa para dentro hoje. Você tem se
estressado muito e ficado ansioso com esse livro? Sim? Ok. Bom, é só um
livro, não vamos levar as coisas tão a sério. E o mais importante de tudo:
eu avalio se estou fazendo as coisas com os punhos cerrados; se estiver, eu
relaxo as mãos. Eu digo para mim mesmo que o que for feito, bem, e o
que não for feito, amém; isso é o melhor que eu consigo fazer agora.
Em seguida faço um agradecimento para mim mesmo:

Obrigado, Matthew, por ter chegado tão longe nos últimos sete
anos, apesar do tanto que você se sentiu mal durante grande parte
desse tempo. Obrigado por todos os dias em que você saiu da cama
quando isso era difícil; por todos os meios que você ainda assim
encontrou de ajudar as pessoas e a sua família; por todas as
maneiras como escolheu crescer a partir dessa experiência; por
todas as vezes que não desistiu; pela força de caráter que
demonstrou ao aprender a conviver com isso; pela versatilidade que
mostrou ao reconhecer que esse era um momento para aceitação
em vez de luta. Obrigado, Matthew, meu amigo, por cuidar de nós
nesta era, por fazer tudo o que podia para não deixar a sua vida
desmoronar, e por realmente usar essa experiência para se tornar
um ser humano mais rico e com mais coisas para dar do que antes.

Um dos motivos pelos quais eu não gostava de falar sobre a minha dor
publicamente era porque as pessoas sentem a necessidade de vir com
soluções. Elas ficam desesperadas para nos dar uma solução que possa
acabar com a dor. Mas o que elas não percebem é que eu já consegui
administrar a minha relação com essa dor de maneira bem-sucedida, e é
por isso que não preciso que elas me encontrem uma solução.
O que eu espero que você tire disso tudo é que a dor crônica que você
sente em função da sua desilusão amorosa, ou o seu anseio de ter um
parceiro, não só é administrável como pode ser um dos seus professores
mais esclarecedores, além de uma imensa fonte de força e gratidão. É
essa a verdade dessa dor. A sua função é se conectar com ela. E se você
precisar de ajuda, a seguir apresento algumas verdades sobre a dor de
buscar pelo amor, para que você possa começar:

VERDADE: Estar em um relacionamento também não é garantia de


felicidade, e existem inúmeras pessoas que parecem estar felizes em
público, mas que estão sofrendo imensamente na vida particular.
Relacionamentos não equivalem automaticamente à felicidade.

VERDADE: Estar em um relacionamento que o faz feliz não garante


que você nunca ficará sozinho de novo. Nós podemos encontrar a
pessoa pela qual sempre procuramos apenas para que a vida a tire
de nós. O caminho para estar junto não é linear. O único
relacionamento que temos garantido até o dia da nossa morte é
conosco.
VERDADE: Você aprendeu muito com essa dor. Teve que se tornar
mais forte sozinho. Precisou aprender a vivenciar a solitude para
valer. Teve que aprender a se acalmar. Estabeleceu amizades mais
profundas na ausência de um relacionamento romântico. Precisou
cuidar de si mesmo. E, caso não tenha feito nenhuma dessas coisas
ainda, a sua dor o trouxe até um ponto no qual você agora
consegue começar, ao ler este livro (e olha, você já está quase
acabando!), uma jornada que você nunca teria começado se não
sentisse essa dor.

VERDADE: Você tem acesso a um nível completamente diferente de


empatia em relação aos outros que vivenciam esse tipo de dor.
Então, agora, você pode expressar o tipo de sensibilidade e
compaixão que os outros podem não ser capazes de expressar. Você
pode se conectar com as pessoas que estão sofrendo (praticamente
todos nós, algo que você agora tem mais facilidade de perceber) e
ajudá-las de verdade.

VERDADE: Você está aprendendo a ser feliz o suficiente com ou sem


um relacionamento, e isso é uma forma de invencibilidade. Isso é
confiança interior na sua essência, saber que você será feliz o
suficiente não importa o que mude na sua matriz de identidade. Se
a pessoa errada cruzar o seu caminho, você vai ser capaz de dizer
“não” a ela. Quando alguém promissor aparecer, você estará
presente o bastante para desfrutar de verdade, em vez de ficar
sofrendo com a ansiedade constante de que essa pessoa pode um
dia ir embora e levar a sua alegria com ela. Ser feliz o suficiente é o
que permite que você realmente desfrute da felicidade do
relacionamento que está vivendo.

VERDADE: A sua vida é incrível, do jeito que ela é. Existem muitas


coisas pelas quais ser grato — incluindo as queixas que você não
tem por causa das coisas terríveis que não lhe aconteceram. Tudo é
um bônus.

Ser felizes o suficiente nos torna atraentes


Com o auxílio das ferramentas e verdades apresentadas nas seções
anteriores, você pode criar uma lente completamente diferente para sua
vida do que a maioria das pessoas possui. Isso não só resulta em maior
capacidade de amar mais a vida como transforma a maneira como você é
visto pelas outras pessoas. O problema da dor crônica, seja ela emocional
ou física, é que ela programa o nosso cérebro para a negatividade, a
ansiedade, o pânico, o ressentimento, a sobrecarga e a desesperança.
Esses estados emocionais têm um efeito duplamente negativo: eles nos
proporcionam uma experiência negativa de vida, que, por sua vez, nos
altera de um jeito que fica muito mais difícil atrair as pessoas que
queríamos em nossas vidas. Quando estamos constantemente de luto
pelo que não conseguimos na vida, ansiosos ou apavorados com aquilo
que não podemos mudar ou completamente preocupados com tentar
lidar com a nossa dor, exalamos uma energia que afasta as pessoas.
Isso torna mais difícil encontrar o que quer que estejamos
procurando. Não é culpa nossa termos tido que lidar com todas essas
coisas: nós não escolhemos a nossa aparência, a nossa genética, as nossas
influências, os padrões de relacionamento que nossos pais nos passaram,
o abuso que sofremos nas mãos de um péssimo parceiro. E, depois,
descobrimos que como recompensa passamos a despertar menos
interesse dos outros sempre que a dor que ainda sentimos nos aflige. Esse
é o tipo de ciclo que cria um enorme ressentimento e rancor.
Por isso é comum, e compreensível, que as pessoas entrem em uma
espiral negativa. Porque a vida é difícil. É preciso ter coragem para
escolher ser criativo e tentar criar algo incrível a partir desses
ingredientes. No entanto, existem recompensas especiais para aqueles
que conseguem; porque, como vimos anteriormente, a vida dá um jeito
de recompensar os grandes chefs. Não controlamos muito, mas sim uma
coisa: a nossa energia. E ela é um dos maiores recursos que temos para
atrair outras pessoas. Fazer com que fiquemos felizes e aproveitemos o
melhor da nossa situação é a forma mais poderosa e bonita de atrair
outra pessoa.
As ferramentas que mencionei podem nos ajudar a alcançar uma
relação com a nossa dor que é administrável e até mesmo positiva.
Quando tivermos chegado lá, podemos fazer o tudo que as pessoas
incríveis fazem: criar mágica.

Onde mora a magia


A maioria das pessoas passa a vida procurando pela magia. Esses
caçadores de magia estão sempre atrás da carreira dos sonhos, do
parceiro do sonhos, da casa do sonhos, do país do sonhos para viver. O
que quer que eles imaginem que lhes trará a magia que procuram se
torna aquilo que passam a buscar.
Os meus pais me levaram pela primeira vez aos Estados Unidos
quando eu tinha treze anos. Como a maioria dos britânicos que
consegue economizar o suficiente para viajar para lá, fomos para
Orlando, na Flórida. Destino: a Universal Studios e o Walt Disney
World.
Se você for mais sofisticado do que eu era (e ainda sou,
honestamente), pode ser que ache aqueles parques temáticos gigantes
bregas e comerciais. Eu me diverti como nunca! Tanto que fiquei
completamente deprimido quando embarquei no avião de volta para a
Inglaterra, e prometi a mim mesmo que voltaria.
Isso não foi um desejo que eu superei. Quando estava lá, senti algo
dentro de mim despertar. Em meio a todo aquele escapismo sintético e
manufaturado, encontrei um tipo de magia que me tocava em um nível
profundo, desde a maneira como os funcionários (“membros do elenco”,
como a Disney os chama) vinham me cumprimentar até os cenários
complexos que me transportavam para novos mundos. Lembro que
visitei a Noite de Horrores do Halloween da Universal Studios e fiquei
impressionado com todo o esforço dedicado para criar aquelas casas
assombradas e imersivas, e ruas cheias de atores fantasiados de tudo, de
demônios a palhaços maníacos, garantindo um susto a cada esquina.
Realmente somos a mais estranha das espécies.
Fiquei profundamente tocado. E claramente é o que acontece com as
muitas pessoas que viajam meio mundo para visitar esses lugares, mesmo
que existam parques temáticos perto de suas casas que elas poderiam
visitar. Porém, enquanto os outros podem oferecer brinquedos, esses dois
lugares criam o seu próprio mundo. Eles fazem isso contando grandes
histórias e se preocupando com os menores detalhes que criam uma
experiência imersiva completa, algo que você nunca conseguiria ver em
nenhum outro lugar. Maya Angelou (que algum tempo depois gravou a
narração para o Corredor dos Presidentes da Disney) estava certa quando
disse que “as pessoas vão esquecer o que você disse, as pessoas vão
esquecer o que você fez, mas as pessoas nunca vão esquecer como você as
fez sentir”.
Tenho tanto carinho por aquele menino que não queria ir embora.
Não era só porque eu preferia muito mais ficar andando nos brinquedos
em um parque temático ensolarado a voltar para a escola na molhada e
triste Inglaterra. Parte de mim tinha acordado. Eu havia sentido algo que
não queria perder: empolgação e conexão emocional. Por que tudo na
vida não causava esse sentimento?
A magia tinha criado raiz naqueles lugares. À medida que a Flórida foi
desaparecendo debaixo da minha poltrona na janela, quando o avião
decolou, eu estava arrasado por ter que voltar para o meu mundo.
Quantos de nós já nos sentimos assim — que, ao perdermos um
relacionamento, a magia em nossas vidas estava desaparecendo? Quantos
de nós passamos meses depois de um ótimo encontro fazendo de tudo
por alguém que não tem nenhum interesse em recuperar aquela mágica?
Todos já caímos na armadilha de buscar a mágica. Mas em algum
momento precisamos deixar de ser caçadores de magia para nos
tornarmos autores de magia. Isso requer uma mudança de foco: de
deixar de procurar pela magia fora de nós para nos tornarmos uma fonte
dela. Quando somos autores de magia, nos tornamos a magia na vida de
alguém, pela maneira como ele se sente quando está perto de nós e no
nosso mundo.
Existem tantas formas de criar magia: quando pegamos uma situação
ruim e encontramos um significado bonito nela; a maneira como um
grande chef transforma um ingrediente complexo; quando ajudamos
alguém que está em uma situação difícil a descobrir o potencial de
transformá-la em algo incrível; quando paramos de tentar copiar a marca
registrada de carisma, confiança e atributos de outras pessoas e
procuramos descobrir e criar a nossa própria; quando expressamos as
nossas paixões para o mundo; quando criamos algo por amor, quer seja
um livro, uma obra de arte, um quarto em nossa casa; uma bela amizade,
ou um forte no sofá para as crianças; quando reconhecemos o que existe
de especial nos outros e dizemos a eles; quando sorrimos para alguém ou
o fazemos rir: todas essas são formas de criar magia.
Uma das melhores maneiras de ser um autor de magia é por meio da
generosidade de espírito. Quando entramos em contato com alguém via
mensagem ou telefone, reconhecemos seus esforços, notamos o que ele
tem de especial ou incentivamos o seu potencial, mostramos a esse
alguém que, em um mundo que se move em uma velocidade
desconcertante, existe alguém que realmente o enxerga, que está
testemunhando a sua jornada. Se você deixar as pessoas melhores do que
as encontrou, você é uma fonte de mágica neste mundo. Isso é diferente
de tentar agradar as pessoas, que é baseada no medo. Nesse caso é dar
amor em abundância e, ao fazê-lo, nos sentirmos preenchidos por ele.
Não estamos mais buscando a magia; nós somos a magia.
Conheço pessoas que nunca ficarão satisfeitas com um hotel se existir
um melhor no qual elas poderiam ter se hospedado; nunca estarão felizes
com o parceiro que têm se houver a possibilidade de que um mais
bonito entre no salão; nunca estarão felizes com o dinheiro que têm se
puderem ganhar mais. Esses são os tipos de “nunca é o suficiente” sobre
os quais escrevi anteriormente. Uma das melhores maneiras de ser feliz o
suficiente é ser feliz com o suficiente.
Meu primo Billy é uma das melhores pessoas que eu conheço. Deixa
eu contar sobre o chapéu dele, que é o que ele faria se conhecesse você.
Ele uma vez comprou um chapéu “Kwik-E-Mart”, em homenagem à
famosa loja do desenho Os Simpsons. Billy usava aquele chapéu o tempo
todo. E, quando o assunto era aquele chapéu, ele não tinha vergonha de
mostrar seus sentimentos. (“Todo lugar que eu vou, Matt, eu sei que não
existe chapéu melhor. É um chapéu tão incrível.”) Qualquer amigo do
Billy sabe: ele é um autor de magia. Participei da sua despedida de
solteiro recentemente em Madri, na Espanha. Todos os vinte amigos que
ele convidou ficaram em um hotel três estrelas no centro da cidade. O
hotel tinha um pequeno terraço, com uma piscina gelada em que a
maioria dos caras não foi corajosa bastante para entrar, e algumas
cadeiras que colocamos em círculo no piso de concreto para que
pudéssemos sentar e conversar. Existem pessoas que se hospedam no
Four Seasons em Madri e reclamam que não é tão bom quanto o
Mandarin Oriental, que fica a seis minutos de distância. Esses são os
caçadores de magia. Billy é um autor de magia. Ele circulava por aquele
terraço, enquanto todos nós estávamos sentados conversando, e dizia: “A
gente teve a maior sorte, né? Este terracinho é ótimo! As cadeiras no sol,
a vista da cidade, a piscina para quando bater o calor. Deu supercerto”.
Eu amo o Billy. Essa sempre foi e provavelmente sempre será a qualidade
dele que eu mais admiro. Como todos que o conhecem, ele me faz
querer estar perto dele. Billy não apenas aprendeu a ser feliz com o
suficiente; estar perto dele faz o suficiente parecer ser mais. É comum
ouvir as pessoas dizendo que o Billy é o cara mais sortudo que
conhecem, porque as melhores coisas sempre parecem cair no colo dele.
Não tenho dúvidas de que a energia que ele traz para a sua vida dá um
jeito de fazer mais coisas incríveis cruzarem o seu caminho. Mas eu ainda
acho que essas pessoas não entenderam... porque o verdadeiro truque de
mágica do Billy, aquele que ele faz tanto nos dias especiais quanto nos
dias comuns, é que tudo parece incrível quando visto pelos olhos dele.
Esse é o chapéu mágico do Billy.
Ser um autor de magia é essencial para uma vida romântica, porque
nada do lado de fora da vida é garantido. Pessoas vêm e vão. Carreiras
mudam. Perdemos pessoas que amamos. Enfrentamos doenças
repentinas. Precisamos nos mudar da casa que era nossa fonte de orgulho
e alegria. Perdemos coisas que nunca imaginamos que perderíamos. Mas
a nossa magia é algo que controlamos — é uma garantia desde que
façamos um compromisso para seguir sendo seus autores.
A qualquer momento podemos tomar a decisão de parar de esperar a
magia chegar em nossas vidas e começar a criá-la. Todos podemos nos
tornar a magia em nossa própria vida. E nos tornar essa magia
geralmente acaba sendo a maneira indireta de obtermos os resultados
que queríamos em primeiro lugar. A minha paixão pessoal por pegar as
ferramentas que estavam me ajudando e transformá-las em vídeos a que
eu nem sabia se alguém assistiria me levou para os Estados Unidos. A
minha esposa, que sempre sonhou encontrar o amor, passou anos
desenvolvendo a sua paz interior, uma bela mentalidade e valores sólidos,
que acabaram sendo as coisas que fizeram com que eu me apaixonasse
por ela. Isso corrobora o que o professor da Universidade de Oxford,
John Kay, argumenta no seu livro A beleza da ação indireta: que os
nossos objetivos na vida são mais bem conquistados indiretamente.
Também é importante se conectar com a magia que você já tem. Nem
tudo tem a ver com o que você vai criar no futuro — às vezes, para nos
sentirmos confiantes, só precisamos nos conectar com o que já temos,
algo de que nos momentos mais difíceis das nossas vidas acabamos nos
esquecendo. Sempre que vejo as pessoas passando por um término
difícil, eu sei que elas acreditam que perderam a coisa mais valiosa em
sua vida. Por isso, preciso lembrá-las que 50% daquilo de que elas
sentem falta no relacionamento são elas. Pense no seu último
rompimento. Quanto do que fazia aquele relacionamento especial era
você? As suas concessões; toda vez que você aparecia e dava atenção aos
detalhes daquele relacionamento para torná-lo especial; os seus presentes;
as suas surpresas; o modo como você antecipava as necessidades do
outro; as perguntas que fazia, que criavam momentos de vulnerabilidade
e forjavam um vínculo profundo entre vocês dois; os momentos nos
quais você cuidava do outro e o fazia se sentir seguro e amado; o fato de
que você o amou com tanta pureza que ele se sentiu aceito até por suas
partes que não eram fáceis de ser amadas (talvez ao ler isso você esteja
percebendo que era muito mais do que 50% do relacionamento). Na
dor, tendemos a supervalorizar o que o outro trouxe para o
relacionamento, enquanto deixamos de enxergar o quanto o nosso
esforço contribuiu para o porquê de o relacionamento ser tão especial,
ou simplesmente durar o tanto que durou. Essa é apenas outra forma
pela qual colocamos o nosso poder fora de nós mesmos. Será que a
magia da qual você sente falta do seu último relacionamento (ou do
relacionamento que gostaria de ter tido) não é na verdade a sua magia
que ainda está com você? Você pode ter perdido uma pessoa, mas não
perdeu a magia. A magia é você. E você não precisa de desculpas para
libertá-la novamente.
“Morrer será uma grande e incrível
aventura”
Ser feliz o suficiente não é só uma filosofia para aqueles de nós que ainda
não encontraram o que estavam procurando. É um modelo de trabalho
essencial para aqueles que encontraram. Mesmo se estivermos em uma
temporada de nossas vidas na qual temos as coisas que queremos, não há
garantias de que elas não serão tiradas de nós. Na verdade, é
praticamente certeza que algumas delas serão. Quando isso acontecer,
vamos precisar aprender a amar nossa vida de novo.
Uma certeza da vida é que vamos morrer. Enquanto estamos vivos, e
não só uma vez, mas muitas vezes, a desilusão amorosa é a morte do
futuro que contávamos ter com alguém. O divórcio é a morte de uma
promessa bilateral. A decepção é a morte de uma ideia cultivada. A
infertilidade é a morte do modo pela qual se planejava formar uma
família. O fracasso e a rejeição são a morte do ego. Você e eu já
vivenciamos algumas dessas mortes. Outras estão por vir.
Se você leu Peter Pan, de J. M. Barrie, o livro que inspirou os filmes e
peças, sabe que é uma leitura difícil para um adulto. Diversas vezes
enquanto eu lia os meus olhos marejavam, mas há uma fala em
particular que me marcou. A batalha contra o Capitão Gancho deixou
Peter ferido estirado sobre uma pedra em uma lagoa com a corrente
subindo. Barrie escreve sobre Peter contemplando a sua morte iminente:

Peter não era como os outros meninos, mas ele estava com medo
finalmente. Um tremor o atravessou, como um arrepio passando
sobre o mar; mas no mar um arrepio segue o outro até que são
centenas deles, e Peter sentiu apenas um. No momento seguinte ele
estava de pé na pedra novamente, com um sorriso no rosto e uma
batida de tambor dentro dele. Ela dizia: “Morrer será uma grande e
incrível aventura”.

Qual morte você vivenciou recentemente ou está vivenciando agora?


A morte de um relacionamento? A morte de um ideal cultivado sobre
como a sua vida seria neste momento? A morte de uma identidade à
qual você se apegava até agora? A morte do seu ego? Como poderiam
essas mortes ser a chave para sua próxima aventura?
Às vezes a perda nos abre para algo ainda melhor, algo que nunca
poderíamos ter visto em nossas vidas anteriores. Perdemos um
relacionamento que acreditávamos que não suportaríamos ficar sem, e
essa perda abre caminho para alguém ainda melhor. Outras vezes a dor
nos recompensa com a pessoa que nos tornamos. A dor é a maior
modificadora. A nossa antiga versão morre, uma versão maior volta. No
Senhor dos Anéis, Gandalf é puxado para as profundezas de Moria, e
temos certeza de que ele morreu. Estamos certos, mas não da forma que
achávamos. Gandalf, o Cinzento, se foi, mas Gandalf, o Branco, voltou.
No coração da confiança está essa conscientização de que nós de fato
sobrevivemos a essas fraturas. Somos vasos quebrados que ainda
funcionam.
Nada disso significa que não podemos ficar de luto pelas mortes que
vivenciamos na vida. A tristeza faz parte da nossa vida e não deveria ser
descartada como experiência, e até mesmo uma experiência desejável.
Quem nunca assistiu a um filme ou ouviu alguma música sabendo que o
resultado seriam lágrimas ou melancolia? E quantas vezes você se pegou
pensando em meio às lágrimas: “Finalmente… que alívio!”. A vida não
acontece apenas nos momentos bons. A experiência é vivida, e os
momentos difíceis são apenas outras experiências. Tudo conta.
Ainda assim, devemos ter cuidado com a necessidade de transformar a
tristeza em fetiche, como se a perda que vivenciamos fosse uma das
verdades irredutíveis da nossa vida. Na verdade, assim que uma história
termina, inúmeras outras se enfileiram, prontas para ser contadas. Será
que podemos criar espaço o bastante entre nós mesmos e a nossa tristeza
para enxergá-las? Abrir mão da nossa tristeza não cria um vazio; abre
espaço. Ser feliz o suficiente não é algo passivo. Você não está aceitando a
vida que recebeu; está se acomodando na vida que tem e decidindo viver
essas novas histórias, cujos pontos de partida podem ser localizados
exatamente onde você está agora.
Não há como saber as formas como a sua vida poderia mudar antes
que o próximo ano acabe. Quer você tenha encontrado um amor ou
não, você pode estar contando uma história bem diferente. É por isso
que a curiosidade é a força por trás de ser feliz o suficiente. É verdade
que ser feliz o suficiente nos deixa satisfeitos com o que temos no
momento presente. Mas a curiosidade não nos permite pensar que tudo
o que temos é este minuto e que ele será tudo que teremos. A
curiosidade diz: “Espere aí, eu não sei mesmo! Não tenho ideia do que
está por vir!”. Eu não sei quem eu vou ser ano que vem, ou daqui a cinco
anos. Não sei o que vou sentir sobre essa grande desilusão daqui a seis
meses, talvez até daqui a uma semana. Não sei quais oportunidades estão
vindo em minha direção, e que eu nem consigo imaginar. Não é meio
fascinante não saber?
Onde quer que estejamos agora, não vamos perder tempo desejando o
tipo de mudança que não existe, como uma espécie de começar do zero.
Será que alguma vez começamos do zero? Nós começamos com a
bagunça que nossos pais nos passaram, parte dela com certeza passamos
adiante, praticamente sem nenhuma alteração, para a próxima geração.
Começar do zero acaba sendo apenas mais uma miragem do ego —
assim como o currículo sem manchas e a pontuação perfeita. A vida sem
erros e arrependimentos é impossível. Mas você pode confiar no
progresso, que é confuso e precisa ser batalhado milímetro a milímetro.
Muito pouco na vida é fácil. Quando tentamos amar a vida, ela nem
sempre retribui. Apesar disso tudo, permaneça comprometido com essa
relação e com a que você tem consigo mesmo. Ambas são relações nas
quais você estará presente até o final. Experimente com a vida, e com
aquelas velhas suposições sobre si mesmo. Tente novas formas de ser.
Divirta-se no processo. Transforme a sua bela confusão em algo do qual
se sinta um pouco de orgulho a cada dia. As mudanças de hoje podem
ser modestas, mas os resultados com o tempo serão milagrosos... Assim
como já são milagrosos: veja pelo que você passou, tudo o que teve que
superar. Tudo isso e você ainda está aqui; você ainda é a pessoa que
deveria ser. O que mais uma pessoa assim poderia fazer?
AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar, agradeço à minha esposa, Audrey. Eu me considero


muito sortudo por ter me casado com Audrey não porque esperava que
ela estivesse comigo nos momentos difíceis, mas porque tenho certeza
absoluta de que ela já esteve. Obrigado por fazer o meu foco se voltar
para o que realmente é importante na vida desde o dia em que nos
conhecemos. E por ter sido paciente comigo enquanto eu lidava com o
estresse desse processo, e com a vida que acontecia em meio a ele. Este
livro, e a organização por trás dele, não poderia ter sido o que foi sem a
sua habilidade extraordinária de ler o comportamento humano,
demonstrar empatia e criar ideias que ajudam as pessoas. Obrigado por
ser uma grande defensora de tudo o que eu faço. Você torna tudo
melhor, tanto o meu trabalho como a minha vida.
Obrigado à minha editora e querida amiga Karen Rinaldi e à sua
equipe apaixonada na Harper Wave, incluindo as maravilhosas Amanda
Pritzker, Kirby Sandmeyer e Tina Andreadis. Karen publicou o meu
primeiro livro há mais de dez anos, pelo que na época era o seu novo
selo. Todo ano desde então, Karen me perguntava quando viria o
próximo livro, e todo ano ela esperava pacientemente enquanto eu lhe
dizia que eu ainda não estava pronto. Obrigado por esperar, Karen.
Obrigado por acreditar em mim lá atrás. E obrigado por me amar o
bastante para ter conversas francas comigo sempre que você sabia que eu
podia fazer melhor. Já são dez anos de caminhada, amiga. Estou ansioso
pelos próximos muitos anos dividindo nossas alegrias e também nossas
feridas de guerra, e rindo de tudo juntos.
Obrigado ao meu editor e mentor de escrita Kevin Conley, que
trabalhou arduamente comigo pelos últimos dois anos para criar um
livro do qual ambos nos orgulhamos muito. Sem a sua orientação, eu
jamais teria escrito no nível em que escrevi. Obrigado não só por ter sido
um parceiro de verdade neste processo, mas por ter generosamente me
ensinado a ser um escritor melhor. Ao fazer isso, você me deu um
presente que levarei comigo para além deste livro.
Obrigado a Michele Reverte, que me ajudou desde o primeiro dia na
compilação do material, na edição, na revisão (sempre de última hora!), e
pelo seu apoio entusiasmado durante este processo. Eu não poderia ter
uma amiga mais incentivadora trabalhando comigo.
À minha equipe na minha empresa, a 320 Media LLC, sou muito
grato a todos vocês pelo trabalho duro que fazem todos os dias, que nos
possibilita reerguer pessoas ao redor do mundo e ajudá-las a encontrar
novas perspectivas e estratégias para que possam amar suas vidas um
pouco mais a cada dia. Um agradecimento especial para a minha equipe
executiva, Audrey Le Strat Hussey, Chet Gass, Lauren McNeill, Daniel
Hyde e Suzanne Willis, por toda a sua dedicação nesses últimos dois
anos; a Jameson Jordan, por sua lealdade e seu amor e pelo trabalho duro
e criatividade necessários para criar os muitos vídeos que produzimos
juntos nos últimos dez anos; e a Stephen, Harry, Billy, Celia, Courtney,
Charlotte e Vic, por todas as formas que vocês encontraram de liderar
suas equipes e criar mágica nesta empresa. Obrigado à minha querida
assistente e amiga Annik, por sempre estar presente tanto por mim
quanto pela minha família, e por pensar em tudo em que eu não penso.
Eu não teria conseguido sem você.
Obrigado ao meu conselheiro, amigo e CEO Dan Hyde. De vez em
quando alguém aparece na sua vida, e, quando você olha para trás, não
consegue imaginar o que teria feito se essa pessoa não estivesse lá. Dan
foi essa pessoa para mim. Existem aqueles que nos dão a sabedoria da
qual precisamos e aqueles que nos ajudam a executar essa sabedoria. Dan
foi as duas coisas para mim. Sou grato pelo seu apoio todos os dias e
tenho orgulho de chamá-lo de amigo — você fez o possível e o
impossível por mim de maneiras que eu jamais me esquecerei. Um
agradecimento especial também ao meu amigo James Abrahart, que foi
uma luz no meu caminho durante momentos sombrios e sempre estava
presente quando eu mais precisei.
Um muito obrigado a outros amigos: Lewis Howes, que trouxe mais
amizades para a minha vida ao me convidar para lugares que eu não
frequentava antes, que tem sido generoso com os seus recursos
duramente conquistados e que teve inúmeras conversas importantes
comigo em várias saunas pelos Estados Unidos. Jesse Itzler, pela
perspectiva, pela sabedoria e pela Colina. Dra. Ramani, por acreditar em
mim, por suas percepções especializadas sobre as pessoas e por sua
presença como professora em meus programas.
Obrigado à minha família, que é um lembrete constante de que, se
você tem amor no centro de sua vida, o resto é só um bônus, ou só ego.
O amor permite que você corra grandes riscos na vida porque em casa
você já se sente seguro. Obrigado por me fazer sentir como George
Bailey, o “homem mais rico da cidade”.
À minha mãe: talvez você não saiba disso, mas o seu crescimento neste
estágio da sua vida tem sido a minha maior inspiração nos últimos dois
anos, e a maior validação que eu poderia receber por ter escolhido o
caminho que escolhi. Você é a prova de que nunca é tarde demais para
crescer e aprender novas formas de ser. E esse crescimento não é só um
ato de coragem, é um ato de amor pelos outros que nos cercam. Estou
muito orgulhoso de você, mãe. Nunca deixarei de agradecer pelo amor
incondicional que você demonstrou durante toda a minha vida, mas é
um enorme privilégio hoje poder ser grato pelo amor que você está
demonstrando por si mesma.
Por fim, eu gostaria de dizer “muito obrigado” a todos vocês que
fazem parte da minha plateia e que me acompanham pelos últimos
quinze anos, tanto os antigos quanto os novos membros. A vocês que
comparecem aos meus eventos, assistem aos meus vídeos, apoiam meus
programas e me incentivam. Obrigado por serem gentis o bastante
comigo e por me darem amor, mesmo quando é o que vocês estão
procurando para si mesmos. Muitos de nós somos amigos há muito,
muito tempo já. Nós crescemos juntos. As histórias e perguntas que
vocês vulneravelmente compartilharam me ajudaram a transformar este
livro no que ele é hoje. Vocês foram pacientes comigo enquanto eu
crescia e mudava e fazia descobertas sobre mim mesmo. É difícil crescer
quando ao mesmo tempo os seus pensamentos já são públicos há tantos
anos. Mas vocês sempre me incentivaram e foram generosos comigo
todas as vezes que eu me dispus a voltar para o quadro de planejamento
da minha própria vida. Sou muito grato pelo nosso relacionamento, e
estou ansioso por poder continuar crescendo com vocês por muitos anos
mais.
RECURSOS PARA A SUA
JORNADA

O que você deveria ler


a seguir?
Significa muito para mim que você tenha dedicado tempo para ler o
meu livro. Eu mesmo não leio rápido; então, terminar de ler qualquer
livro demonstra um investimento real do seu tempo, por isso sou muito
grato por você ter escolhido passar o seu tempo comigo. Tenho um
compromisso de tornar essas perspectivas, ferramentas e conselhos livres
e acessíveis a todos. Então, se você gostou do livro e gostaria de ler mais
do que eu escrevo, vou lhe fazer um convite.
A minha newsletter semanal gratuita contém meus textos e conteúdos
mais recentes; inscrevendo-se para recebê-la, você fica sabendo primeiro
sobre os meus novos projetos.
Para começarmos de um jeito divertido, quando você se inscrever vai
receber um capítulo especial, não publicado. Esse capítulo não foi
incluído no livro por questões de espaço, mas é um conteúdo que
significa muito para mim.
Você pode se inscrever em:
matthewhussey.com/newsletter
Entre para o Love Life Club
Neste livro, você leu algumas das histórias de membros do nosso Love
Life Club. Se você quiser saber mais, o Love Life Club é a minha
comunidade on-line, que conta com um programa de membros no qual
eu atuo como coach todos os meses. Este livro é um ótimo ponto de
partida, mas, se você quiser receber mais suporte e orientação para
colocar tudo em prática, saiba que o clube foi criado com esse propósito.
É uma comunidade construída como base em princípios saudáveis, no
crescimento e no apoio amoroso.
Você pode entrar para o clube agora em:
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Venha me ver ao vivo
Uma das minhas maiores paixões sempre foi, e provavelmente sempre
será, fazer eventos ao vivo. Eles são uma oportunidade para que todos
nós (incluindo eu mesmo) possamos sair da rotina, tentar algo novo que
nos mude e fazer mais do que simplesmente aprender — criando uma
memória. Nada se compara à experiência de um evento ao vivo, e nós
passamos anos desenvolvendo uma atmosfera e uma cultura em nossos
eventos que é unicamente nossa. Eu planejo meus eventos para que
sejam do mesmo jeito que eu espero que este livro tenha sido — repletos
de entretenimento, perspectivas e um lugar onde todos possam se sentir
em casa.
Temos realizado tanto eventos presenciais quanto virtuais ao vivo já há
quase duas décadas. Quero convidá-lo para participar de um, e estou
ansioso pela possibilidade de poder conhecer você.
Registre-se para participar dos próximos eventos em:
matthewhussey.com/live
SUA OPINIÃO É MUITO IMPORTANTE
Mande um e-mail para [email protected]
com o título deste livro no campo “Assunto”.

1a edição, nov. 2024

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