ARE 1481610 Alexandre de Moraes

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RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO 1.481.

610 R IO GRANDE DO
SUL

RELATOR : MIN. ALEXANDRE DE MORAES


RECTE.(S) : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO
GRANDE DO SUL
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO
RIO GRANDE DO SUL
RECDO.(A/S) : ELISEU BORGES SOUZA
ADV.(A/S) : MARIO GASPAR SAN MARTINS GOMES

DECISÃO

Trata-se de Agravo em Recurso Extraordinário interposto em face de


acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do
Sul, resumido na seguinte ementa (Doc. 8):

APELAÇÃO CRIME. TRÁFICO DE DROGAS.


NULIDADE DA PROVA DERIVADA DO FLAGRANTE.
AUSÊNCIA DE MOTIVAÇÃO À ABORDAGEM POLICIAL.
1. CASO EM QUE NÃO SE DEMONSTROU QUALQUER
MOTIVO A INDICAR FUNDADA SUSPEITA. RÉU QUE
ESTAVA EM FRENTE A UM BAR, EM REGIÃO DITA COMO
SENDO DE TRAFICÂNCIA, E SUPOSTAMENTE CORREU AO
AVISTAR A GUARNIÇÃO. CIRCUNSTÂNCIAS QUE NÃO
AUTORIZAM A BUSCA PESSOAL E QUE NÃO SE PRESTAM
A CARACTERIZAR, POR SI SÓS, PERCEPÇÃO EX ANTE DA
PRÁTICA DE CRIME.
2. EXIGE-SE, PARA BUSCA PESSOAL OU VEICULAR
SEM MANDADO JUDICIAL, A EXISTÊNCIA DE FUNDADA
SUSPEITA (JUSTA CAUSA), CONFORME TEOR DO ART. 244
DO CPP, DE QUE O SUJEITO ESTEJA COM OBJETOS
ILÍCITOS. NÃO CONSTITUEM JUSTA CAUSA PARA A
REVISTA PESSOAL INFORMAÇÕES ANÔNIMAS,
INTUIÇÕES OU IMPRESSÕES SUBJETIVAS, BASEADAS NO
"TIROCÍNIO" POLICIAL. NESSE ASPECTO, A
CLASSIFICAÇÃO SUBJETIVA DE DETERMINADA ATITUDE

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COMO SUSPEITA, OU DE DETERMINADA REAÇÃO OU


EXPRESSÃO CORPORAL COMO NERVOSA, NÃO
PREENCHE O STANDARD PROBATÓRIO EXIGIDO PELO
ESTATUTO DE RITOS. TEOR DO RHC 158580-BA, STJ. BUSCA
PESSOAL SEM A EXISTÊNCIA DE FUNDADAS SUSPEITAS.
3. RECONHECIMENTO DA NULIDADE DA PROVA
OBTIDA PELA BUSCA ILEGAL E DAS DELA DECORRENTES.
ABSOLVIÇÃO MANTIDA.
APELO MINISTERIAL DESPROVIDO.

Consta dos autos, em síntese, que o recorrido foi denunciado pela


prática do crime de tráfico de drogas (art. 33, caput, c/c art. 40, VI, ambos
da Lei 11.343/2006), porque,

No dia 28 de outubro de 2018, por volta de Oh, na Rua


Cristóvão Pereira, n- 946, nesta Cidade, o denunciado ELISEU
CO BORGES SOUZA, em conjunção de esforços e comunhão de
vontades com o adolescente Rafael Freitas Feijó (nascido em
30/03/2001) traziam consigo e guardavam, para fins de comércio, 1
(um) tijolo de maconha pesando aproximadamente 20g (vinte
gramas) e 31 (trinta e uma) petecas de cocaína pesando
aproximadamente 7g (sete gramas) auto de apreensão e laudo
de constatação da natureza da substância de fls. sem autorização
e em desacordo com determinação legal e regulamentar.

Ao final da instrução criminal, no entanto, o acusado foi absolvido


com fundamento no art. 386, II e VII, do Código de Processo Penal. (Doc.
4)
Inconformado, o MINISTÉRIO PÚBLICO apelou ao Tribunal de Justiça
do Estado do Rio Grande do Sul, que, por unanimidade, negou
provimento ao recurso. (Doc. 8)
Os Embargos de Declaração opostos contra esse julgado foram
rejeitados. (Doc. 12)
O MINISTÉRIO PÚBLICO , então, interpôs Recurso Extraordinário, com
amparo no art. 102, III, a, da Constituição Federal, no qual alega que o

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acórdão recorrido, ao confirmar decisão que declarou a ilicitude das


provas colhidas após busca pessoal violou o artigo 5º, X e XI, da CF/1988.
(Doc. 14)
Afirma que “o r. acórdão não observou que a fuga empreendida pelo réu
afigura-se claramente como um elemento caracterizador de fundada suspeita,
sendo tal conclusão baseada em estudos científicos a respeito do tema”.
Enfatiza que “as circunstâncias incontroversas delineadas no r. acórdão,
notadamente a existência de fuga do réu e de seu comparsa, adolescente, para o
pátio de uma residência e, na sequência, o réu para o interior da casa situada
naquele espaço, isto após a constatação da presença da guarnição que fazia
patrulhamento ostensivo preventivo em região conhecida por ser ponto de tráfico
do entorpecentes, com a posterior apreensão de drogas, autorizam tanto a busca
pessoal quanto o ingresso no domicílio, sem necessidade de autorização judicial”.
O Tribunal estadual inadmitiu o recurso, ao fundamento de que “os
dispositivos constitucionais invocados não foram ventilados no acórdão recorrido
nem quando do julgamento dos embargos de declaração, o que atrai a aplicação
das Súmulas 282 e 356 do Supremo Tribunal Federal.”
No Agravo, o MINISTÉRIO PÚBLICO refuta a incidência do referido
óbice processual e reitera os argumentos expostos na petição inicial do
Recurso Extraordinário. (Doc. 20)
É o relatório. Decido.

O presente recurso preenche os pressupostos de conhecimento


definidos na legislação processual.
Em primeiro lugar, suscita questão constitucional expressamente
abordada pelo Tribunal de origem. Está configurado, portanto, o requisito
do prequestionamento.
De outro lado, tem-se que os Recursos Extraordinários somente
serão conhecidos e julgados, quando essenciais e relevantes as questões
constitucionais a serem analisadas, sendo imprescindível ao recorrente,
em sua petição de interposição de recurso, a apresentação formal e
motivada da repercussão geral que demonstre, perante o SUPREMO
TRIBUNAL FEDERAL, a existência de acentuado interesse geral na

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solução das questões constitucionais discutidas no processo, que


transcenda a defesa puramente de interesses subjetivos e particulares.
Foi cumprida, no caso, obrigação do recorrente de apresentar, formal
e motivadamente, a repercussão geral, demonstrando a relevância da
questão constitucional debatida que ultrapasse os interesses subjetivos da
causa, conforme exigência constitucional, legal e regimental (art. 102, § 3º,
da CF/88, c/c art. 1.035, § 2º, do Código de Processo Civil de 2015 e art.
327, § 1º, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal).
Com efeito, (a) o tema controvertido é portador de ampla
repercussão e de suma importância para o cenário político, social e
jurídico e (b) a matéria não interessa única e simplesmente às partes
envolvidas na lide.
Passo à análise do mérito.
No caso, o Tribunal de origem manteve a absolvição do recorrido, ao
reconhecer a ilicitude da busca pessoal e das provas dela decorrentes,
com arrimo nos seguintes fundamentos (Doc. 8):

[…] Os policiais militares ouvidos em juízo


unissonamente afirmaram que, durante patrulhamento de
rotina, avistaram o réu em frente a um bar, em companhia de
um adolescente, tendo ambos corrido ao avistar a guarnição.
Por conta disso, os perseguiram, revistando o adolescente
na frente de uma casa e o réu em seu interior, e apreendendo
com eles drogas.
Ocorre que, sabidamente, o fato de que o réu tenha
supostamente corrido ao avistar a polícia não é razão suficiente
para motivar ou embasar o reconhecimento de fundada
suspeita, na linha dos precedentes do STJ, como se exemplifica:
[…]
Como se vê, não houve indicação precisa de qual elemento
anterior motivou a voz de abordagem, isto é, além de se tratar
de região de tráfico e de ter o réu corrido, não referiram os
policiais quaisquer informações que respaldassem efetiva
percepção ex ante da prática de crime permanente por parte do
acusado.

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O simples fato de o réu estar na via pública e,


supostamente, correr ao avistar a viatura policial, não eram -
nem são - circunstâncias autorizadoras para a realização de
revista (busca) pessoal ao acusado, pois ausente qualquer
percepção anterior, nas condições acima descritas, de que
estivesse ele a praticar alguma conduta ilícita ou possuísse
consigo objeto ilícito capaz de ensejar a abordagem e, assim,
justificar o posterior encontro da droga, ainda mais em plena
luz do dia.
Segundo LIMA, a busca pessoal de natureza processual
penal, regulamentada pelo art. 244 do CPP - naturalmente
combinado com o disposto no art, 240, §2º do mesmo Diploma
Legal -, deve ser determinada quando houver fundada
suspeita de que alguém oculte consigo coisas achadas ou
obtidas por meios criminosos, dentre outras de origem
espúria, o que não ocorreu no caso em apreço.
[…]
Recentemente, aliás, em julgado de relatoria do Min.
Rogério Schietti Cruz, o Superior Tribunal de Justiça decidiu, no
RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 158580 - BA (julgado pela
Sexta Turma em 19.04.2022, publicado em 25.04.2022 no DJe)
que, acertadamente, a meu sentir, só é legítima a busca pessoal
quando existir fundada suspeita (justa causa), descrita com a
maior precisão possível e devidamente justificada, de que o
indivíduo esteja na posse de drogas, armas ou outros objetos ou
papéis que constituam corpo de delito.
Nesse aspecto, não basta que a suspeita seja fundada mas,
também, que esteja relacionada à posse de objetos ilícitos,
havendo necessária referibilidade da medida, sob pena de
desvio de finalidade e conversão da medida em salvo-conduto
para abordagens e revistas exploratórias (fishing expeditions),
baseadas em suspeição genérica, com grandes chances de
reprodução de práticas lastreadas em preconceitos estruturais.
E é bem por isso que meras informações anônimas,
intuições ou impressões dos policiais, de cunho subjetivo, não
se prestam a demonstrar a suspeita fundada, não satisfazendo

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ao requisito disposto no art. 244 do CPP. Nesse sentido, o mero


encontro posterior de objetos ilícitos não justifica a medida,
porque a fundada suspeita era de ser tida precisamente antes
da diligência.
[…]
Como alhures demonstrado, não havia fundada suspeita
anterior que motivasse a abordagem do réu, que foi revistado,
precisamente, por supostamente ter corrido, situação que não
enseja, como dito, percepção ex ante da prática de crime
permanente.
Nesse contexto, de lembrar que não basta dizer, como
comumente ocorre, que em se tratando de crime permanente, a
execução do delito se protrai no tempo, de modo que o estado
de flagrância e a ofensa ao bem jurídico só cessa por vontade do
agente e, a partir daí, legitima-se, tout court, a atuação policial.
No caso dos autos, houve clara ilegalidade na busca
pessoal realizada, pois o mero fato de o acusado estar na via
pública, em suposta região de traficância, exigia que os agentes
policiais esclarecessem qual foi o dado, qual foi a circunstância
caracterizadora de percepção ex ante de que ele possuía consigo
objetos ilícitos.
Não verificada a constatação prévia de flagrante delito ou
fundadas razões suficientes que permitissem aos agentes a
revista pessoal, a prova material assim obtida afigura-se ilícita,
imprestável para condenar o réu. E a ilegalidade da busca
pessoal invalida toda obtenção de provas que dela derivou.
Destarte, por violadas as regras e condições legais para
busca pessoal, resulta daí a ilicitude das provas obtidas em
decorrência da medida, bem como das demais provas que dela
decorrem em relação de causalidade, de maneira que se impõe
a manutenção da absolvição.

Com a devida vênia, entendo que o acórdão recorrido merece


reforma. Conforme consta do trecho acima transcrito, o Tribunal de
origem entendeu pela ilegalidade da busca pessoal que culminou na
apreensão de drogas em poder do acusado ao fundamento de que não

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havia fundada suspeita para a diligência e os policiais militares que


faziam o patrulhamento no local deveriam ter procedido à prévia
investigação antes de efetuar qualquer abordagem.
O cenário estabelecido não se revelava apto a legitimar a prestação
jurisdicional deferida pelo Tribunal de origem no sentido de fazer
executar determinada atividade pública, já que, repise-se, “não se inclui,
ordinariamente, no âmbito das funções institucionais do Poder Judiciário e nas
desta Suprema Corte, em especial a atribuição de formular e de implementar
políticas públicas (JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, Os Direitos
Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, p. 207, item n. 05, 1987,
Almedina, Coimbra), pois, nesse domínio, o encargo reside, primariamente, nos
Poderes Legislativo e Executivo” (RE 1.165.054/RN, Rel. Min. CELSO DE
MELLO, DJe de 9/11/2018), pois, do contrário, a ingerência do Poder
Judiciário no Poder Executivo estaria, evidentemente, desorganizando a
implementação de medidas que possuem natureza de políticas públicas.
Ao impor uma específica e determinada obrigação à Administração
Pública, o Tribunal de origem não observou os preceitos básicos definidos
no artigo 2º do texto maior, que consagram a independência e harmonia
entre os Poderes e garantem que, no âmbito do mérito administrativo,
cabe ao administrador público o exercício de sua conveniência e
oportunidade (RE 636.686-AgR, Rel. Min. GILMAR MENDES, Segunda
Turma, DJe de 16/8/2013; RE 480.107-AgR, Rel. Min. EROS GRAU,
Segunda Turma, DJe de 27/3/2009).
Como recorrentemente destaco, apesar de independentes, os
poderes de Estado devem atuar de maneira harmônica, privilegiando a
cooperação e a lealdade institucional e afastando as práticas de guerrilhas
institucionais, que acabam minando a coesão governamental e a
confiança popular na condução dos negócios públicos pelos agentes
políticos. Nesse sentido, os seguintes precedentes, de minha relatoria:
ADI 6.533/DF, Tribunal Pleno, DJe de 27/4/2021; ARE 1.270.751 AgR,
Primeira Turma, DJe de 2/10/2020; ADI 6.025/DF, Tribunal Pleno, DJe de
26/6/2020. E ainda as seguintes decisões monocráticas, também de minha
relatoria: ARE 1.314.117/RJ, DJe de 11/11/2021; ARE 1.231.030/PR, DJe de

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7/10/2019; ARE 1.216.835/SE, DJe de 1º/7/2019; ARE 1.203.820/SP, DJe de


21/5/2019; e ARE 1.182.036/SE, DJe de 13/2/2019.
Para tanto, a CONSTITUIÇÃO FEDERAL consagra um complexo
mecanismo de controles recíprocos entre os três poderes, de forma que,
ao mesmo tempo, um Poder controle os demais e por eles seja controlado.
Esse mecanismo denomina-se teoria dos freios e contrapesos (WILLIAM
BONDY. The Separation of Governmental Powers. In: History and Theory
in the Constitutions. New York: Columbia College, 1986; JJ. GOMES
CANOTILHO; VITAL MOREIRA. Os Poderes do Presidente da
República. Coimbra: Coimbra Editora, 1991; DIOGO DE FIGUEIREDO
MOREIRA NETO. Interferências entre poderes do Estado (Fricções entre
o executivo e o legislativo na Constituição de 1988). Revista de Informação
Legislativa, Brasília: Senado Federal, ano 26, nº 103, p. 5, jul./set. 1989;
JAVIER GARCÍA ROCA. Separación de poderes y disposiciones del
ejecutivo com rango de ley: mayoria, minorías, controles. Cadernos de
Direito Constitucional e Ciência Política, São Paulo: Revista dos Tribunais,
ano 7, nº 27, p. 7, abr./jun. 1999; JOSÉ PINTO ANTUNES. Da limitação dos
poderes. 1951. Tese (Cátedra) Fadusp, São Paulo; ANNA CÂNDIDA DA
CUNHA FERRAZ. Conflito entre poderes: o poder congressual de sustar
atos normativos do poder executivo. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1994. p. 2021; FIDES OMMATI. Dos freios e contrapesos entre os Poderes.
Revista de Informação Legislativa, Brasília: Senado Federal, ano 14, nº 55, p.
55, jul./set. 1977; JOSÉ GERALDO SOUZA JÚNIOR. Reflexões sobre o
princípio da separação de poderes: o parti pris de Montesquieu. Revista
de Informação Legislativa , Brasília: Senado Federal, ano 17, nº 68, p. 15,
out./dez. 1980; JOSÉ DE FARIAS TAVARES. A divisão de poderes e o
constitucionalismo brasileiro. Revista de Informação Legislativa, Brasília:
Senado Federal, ano 17, nº 65, p. 53, jan./mar. 1980).
Tendo por parâmetros hermenêuticos esses núcleos axiológicos
extraídos da Constituição Federal – separação dos poderes
(independência) e sistema de freios e contrapesos (harmonia) –, por mais
louvável que seja a implementação judicial de medidas impostas ao
gestor da coisa pública, a fim de se evitar a fricção entre os poderes

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republicanos, a intromissão há de ser afastada dentro de um contexto


fático normativo operado pela regra e não pela exceção, essa evidenciada
quando os órgãos estatais competentes, por descumprirem os encargos
político-jurídicos que sobre eles incidem em caráter impositivo, vierem a
comprometer, com tal comportamento, a eficácia e a integridade de
direitos individuais e/ou coletivos impregnados de estatura
constitucional, assinala o eminente Ministro CELSO DE MELLO (ARE
1.170.694/AC, DJe de 7/11/2018).
O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – como intérprete maior da
Constituição Federal –, ao definir o real alcance da proteção prevista no
inciso XI, do artigo 5º – com efeitos erga omnes e vinculantes – não pode
permitir, como destaquei no julgamento da ADI 5.526, que seu texto seja
como o TESTE DE RORSCHACH, popularmente conhecido como o teste
do Borrão de Tinta, que consiste em dar respostas sobre manchas
simétricas que aparecem em dez pranchas, sendo as respostas,
invariavelmente, diversas e refletindo o estado psicológico de cada
examinado.
A Constituição Federal é fruto do Poder Constituinte originário, que
em 5 de outubro de 1988 foi promulgada após longos debates, ampla
participação popular e o resgate do Estado Democrático de Direito.
A diferenciação e limitação entre interpretação, ativismo judicial e
inventividade do juiz são realizadas tanto pela Suprema Corte norte-
americana quanto pelo Tribunal Constitucional Federal alemão e pelas
próprias cortes na França e na Bélgica, sempre no sentido de manter-se o
equilíbrio entre o legislador e o Judiciário.
Nessas hipóteses, como defendido pelo brilhante JUSTICE
BENJAMIN CARDOSO, em 1921, há a necessidade de as excentricidades
dos juízes se equilibrarem.
Como lembra FRANÇOIS RIGAUX, encontra-se essa diferenciação
no voto do JUSTICE FRANKFURTER, em Denis v. United States, e,
sobretudo, no voto dissidente do mesmo juiz em Textile Workers Union v.
Alabama:

“nele Frankfurt acusa o voto majoritário de ter concebido um

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código de relações de trabalho unicamente deduzido da invenção


judicial".

Confrontado com o mesmo dilema, o Tribunal Constitucional


Federal alemão recorreu a um subterfúgio para fixar limites à
inventividade do juiz, afirmando que uma lei unívoca não dá azo à
interpretação judiciária.
Na França e na Bélgica, a jurisdição constitucional distingue de sua
própria função o denominado “poder de apreciação” (subjetivismos), que
cabe apenas às assembleias legislativas eleitas (FRANÇOIS RIGAUX. A lei
dos juízes. Martins Fontes: 2003. p. 326/327).
O perigo de confundir a “interpretação constitucional” e mesmo o
“ativismo judicial” com a “inventividade” ou “excentricidade judicial” já fora
alertado por JOHN LOCKE, em sua grandiosa obra Dois tratados sobre o
governo civil, quando afirmou que:

“quem coloca sua própria vontade no lugar das leis, que


são a vontade da sociedade expressa pelo legislativo, acaba por
alterar o legislativo, e todo aquele que introduzir novas leis sem
ter sido autorizado pela escolha fundamental da sociedade e
dessa maneira, ou subverte as antigas, renega e derruba o poder
pelo qual foram elaboradas e, desse modo, estabelece um novo
Legislativo” (Martins Fontes: São Paulo: 1998. p.574-575).

Nesse mesmo sentido, como salientado pelo eminente professor


americano de ciência política e estudioso da CORTE SUPREMA, JOSEPH
M. BESSETTE,

“A Constituição, parece, não é meramente o que a Corte


Suprema diz que ela é e nem mesmo o que cada geração de
norte-americanos diz que ela é. É também um conjunto de
instituições políticas que incorpora em sua estrutura e em seu
funcionamento princípios duradouros de governo popular são
[sadio]” (Democracia Deliberativa: O Princípio da Maioria no
Governo Republicano. In: R. GOLDWIN, W. SCHAMBRA, A

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Constituição Norte-Americana. Capitalismo/Democracia. Forense


Universitária: Rio de Janeiro, 1986, p. 306).

A interpretação judicial, inclusive construtiva, deve estar lastreada


na Constituição, pois não há e não pode existir, como lembra ROSCOE
POUND, poder sem limites, uma vez que,

“a democracia não permite que seus agentes disponham


de poder absoluto e sejam, como os imperadores romanos
orientais, isentos das leis. Uma geração que esteja disposta a
abandonar a herança jurídica dos americanos para estabelecer
regime absoluto de certa maioria verificada afinal que está sob o
domínio absoluto do chefe da maioria” (Liberdade e garantias
constitucionais. Ibrasa: São Paulo, 1976, p. 83).

Essa limitação independe de se tratar de qualquer dos três ramos de


poder do Estado; repito inclusive o Poder Judiciário, pois o Estado de
Direito trouxe o equilíbrio entre os poderes e a vitória da racionalidade e
juridicidade sobre a ideia da mera vingança emotiva, populista e
imediata, exigindo-se o devido processo legal, com seus princípios
corolário da ampla defesa e contraditório, e o respeito aos direitos e
garantias fundamentais, entre eles, como na presente hipótese, a
observância da inviolabilidade domiciliar.
Conforme salientam os professores ingleses GARY SLAPPER e
DAVID KELLY, o reexame judicial é um exercício delicado e
necessariamente traz o Judiciário para a arena política, usando a palavra
política em seu sentido amplo e apartidário, exigindo extremo equilíbrio e
ponderação entre os poderes da República, pois, como destacado pelo
antigo juiz decano da Câmara dos Lordes LORD BINGHAM, de Cornhill,
em novembro de 2006,

“inovação excessiva e aventuras judiciais devem ser


evitadas. Sem negar o valor ou a legitimidade do
desenvolvimento judicial do direito, levado a extremos, tal

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criatividade judicial pode ela mesma destruir o estado de


direito.” (GARY SLAPPER, DAVID KELLY. O sistema jurídico
inglês. Forense: Rio de Janeiro, 2011. p. 24).

Nas palavras de LORD WOOLF, da Câmara dos Lordes Inglesa, é


essencial que os juízes tenham consciência disso, pois:

“o exame judicial é questão de equilíbrio entre os direitos


do indivíduo e a necessidade de que ele seja tratado com
justiça, e os direitos do governo tanto local quanto nacional de
fazer aquilo para o que foram eleitos, a uma decisão muito
sensível e política a ser tomada” (GARY SLAPPER, DAVID
KELLY. O sistema jurídico inglês. Forense: Rio de Janeiro, 2011, p.
249).

Obviamente, ninguém ousa mais afirmar hoje que o juiz é apenas "a
boca da lei", sem poder exercer sua essencial função de ampla revisão
judicial, mas com a necessidade de expressar suas limitações, para que o
Poder Judiciário não se transforme em “pura legislação”, inclusive
derrogatória de normas constitucionais (FRANÇOIS RIGAUX. A lei dos
juízes. Martins Fontes: 2003. p. 71), como na presente hipótese o inciso XI,
do artigo 5º da Constituição Federal.
Assim atuando, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do
Sul tornou conflituosa a relação entre o juiz e o legislador e desrespeitou,
no exercício da interpretação, uma importante expressão restritiva do
poder dos juízes enunciada pelo JUSTICE HOLMES, em 1917:

"os juízes fazem e devem fazer obra legislativa, mas se nos


interstícios da lei: não movem massas, mas somente moléculas"
(Southern Pacific Co. v. Jensen, diss. Op. 244 US 205, 221 – 1917).

Incabível, portanto, ao Poder Judiciário determinar ao Poder


Executivo a imposição de providências administrativas como medida
obrigatória para os casos de busca pessoal, sob o argumento de serem
necessárias para evitar eventuais abusos, além de suspeitas e dúvidas

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sobre a legalidade da diligência.


O entendimento adotado pelo SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
impõe que os agentes estatais devem nortear suas ações, em tais casos,
motivadamente e com base em elementos probatórios mínimos que
indiquem a ocorrência de situação flagrante. A justa causa, portanto, não
exige a certeza da ocorrência de delito, mas, sim, fundadas razões a
respeito.
Essa é a orientação que vem sendo adotada pelo SUPREMO
TRIBUNAL FEDERAL em julgados recentes (HC 201.874 AgR/SP, Rel.
Min. EDSON FACHIN, DJe de 30/06/2021; HC 202.040 MC/RS, Rel. Min.
NUNES MARQUES, DJe de 11/06/2021; RHC 201.112/SC, Rel. Min.
NUNES MARQUES, DJe de 28/05/2021; HC 202.344/MG, Rel. Min. ROSA
WEBER, DJe de 28/05/2021; RE 1.305.690/RS, Rel. Min. ROBERTO
BARROSO, DJe de 26/03/2021; RE 1.170.918/RS, Rel. Min. ALEXANDRE
DE MORAES, DJe de 03/12/2018), da qual destaco o RHC 181.563/BA, Rel.
Min. CÁRMEN LÚCIA, DJe de 24/03/2020, que registrou:

“O crime de tráfico é permanente e, portanto, a busca


domiciliar no imóvel não configura contrariedade ao inc. XI do
art. 5º da Constituição da República. No caso dos autos, há,
ainda, a notícia judicialmente adotada pelo Tribunal de origem
de que "...constata-se que agentes policiais, após receberem
denúncias sobre a ocorrência de tráfico de drogas, apontando a
alcunha e o endereço do recorrente, empreenderam diligências
a fim de averiguar o quanto informado e lograram surpreendê-
lo com excessiva quantidade de maconha, tendo,
posteriormente, com o consentimento do réu, consoante extrai-
se do seu próprio interrogatório, dirigido até sua residência,
local onde encontraram mais drogas".

No caso concreto, não há falar em ilegalidade na prisão em flagrante,


pois, conforme narrado, a existência de justa causa para a abordagem
ocorreu após os policiais que realizavam patrulhamento em local
conhecido como ponto de tráfico de drogas avistarem o acusado em

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atitude suspeita. Ao perceber a presença da guarnição, o recorrido tentou


ingressar em uma residência, mas foi perseguindo e abordado pelos
militares. Após revista pessoal, os agentes de segurança encontraram “1
(um) tijolo de maconha pesando aproximadamente 20g (vinte gramas) e 31
(trinta e uma) petecas de cocaína pesando aproximadamente 7g (sete gramas)”.
(Doc. 2)
Desse modo, não há qualquer ilegalidade na ação dos policiais
militares, pois as fundadas suspeitas para a busca pessoal foram
devidamente justificadas no curso do processo, em correspondência com
o entendimento da CORTE firmado no julgamento do RE 603.616/RO,
Rel. Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, DJe de 10/5/2016.
Diante do exposto, DOU PROVIMENTO ao Recurso Extraordinário
com Agravo para cassar o acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do
Estado do Rio Grande do Sul (Apelação Criminal nº 5002616-
02.2018.8.21.0023/RS) e, consequentemente, determinar a realização de
novo julgamento, observando-se a licitude das provas colhidas.
Comunique-se com urgência.
Publique-se.
Brasília, 15 de março de 2024.

Ministro ALEXANDRE DE MORAES


Relator
Documento assinado digitalmente

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