Literatura Teoria e Metodologia de Ensino

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 279

FACULDADE ÚNICA

DE IPATINGA

1
LITERATURA: TEORIA E METODOLOGIA DE ENSINO

1ª edição
Ipatinga – MG
2021

2
FACULDADE ÚNICA EDITORIAL

Diretor Geral: Valdir Henrique Valério


Diretor Executivo: William José Ferreira
Ger. do Núcleo de Educação a Distância: Cristiane Lelis dos Santos
Coord. Pedag. da Equipe Multidisciplinar: Gilvânia Barcelos Dias Teixeira
Revisão Gramatical e Ortográfica: Renata Ribeiro da Fonseca Fusilli
Revisão/Diagramação/Estruturação: Bárbara Carla Amorim O. Silva
Bruna Luiza Mendes Leite
Carla Jordânia G. de Souza
Guilherme Prado Salles
Rubens Henrique L. de Oliveira
Design: Aline de Paiva Alves
Élen Cristina Teixeira Oliveira
Maria Luiza Filgueiras
Taisser Gustavo de Soares Duarte

© 2021, Faculdade Única.

Este livro ou parte dele não podem ser reproduzidos por qualquer meio sem Autorização
escrita do Editor.

Ficha catalográfica elaborada pela bibliotecária Melina Lacerda Vaz CRB – 6/2920.

NEaD – Núcleo de Educação a Distância FACULDADE ÚNICA


Rua Salermo, 299
Anexo 03 – Bairro Bethânia – CEP: 35164-779 – Ipatinga/MG
Tel (31) 2109 -2300 – 0800 724 2300
www.faculdadeunica.com.br

3
Menu de Ícones
Comointuitodefacilitaroseuestudoeumamelhorcompreensãodo conteúdo aplicado
ao longo do livro didático, você irá encontrar ícones ao
ladodostextos.Elessãoparachamarasuaatençãoparadeterminado
trechodoconteúdo,cadaum comumafunçãoespecífica,mostradas aseguir:

São sugestões de links para vídeos, documentos


científico (artigos, monografias, dissertações e teses),
sites ou links das Bibliotecas Virtuais (Minha Biblioteca e
Biblioteca Pearson) relacionados com o conteúdo
abordado.
Trata-se dos conceitos, definições ou afirmações
importantes nas quais você deve ter um maior grau de
atenção!

São exercícios de fixação do conteúdo abordado em


cada unidade do livro.

São para o esclarecimento do significado de


determinados termos/palavras mostradas ao longo do
livro.
Este espaço é destinado para a reflexão sobre
questões citadas em cada unidade, associando-o a
suas ações, seja no ambiente profissional ou em seu
cotidiano.

4
TEXTO, INTERTEXTO E ESCRITA UNIDADE
LITERÁRIA 01

1.1 O QUE É UM TEXTO?

“O que é um texto?” essa pergunta é aparentemente simples, no entanto


quando começamos a analisá-la, percebemos que sua resposta não é tão simples
assim. Na verdade, precisamos executar o ato de ler em todos os momentos da nossa
vida, desde simples cartazes em Unidades de Saúde até os mais elaborados como
artigos científicos. E mesmo assim, quando paramos para encontrar uma definição
sempre nos estagnamos com o conceito.
O verbete “texto” vem do termo latino textum e significa “tecido”. Ou seja,
quando o autor escreve, ele tece ideias com o uso da palavra. Ele também busca
evitar falhas e desalinhamentos para que sua intenção de comunicação tenha
sentido completo. Logo, o texto pode ter uma ou mais palavras, pois seu tamanho
pode ter variações. Ele pode ser oral ou escrito, verbal ou não verbal, pode ter língua
padrão e língua não padrão, pode ser um símbolo ou uma imagem, etc. Além disso,
existem vários tipos de textos: literários, técnicos, oficiais, empresariais, jornalísticos,
filosóficos, didáticos, etc.(MENDES, 2019).
A referência a palavra “tecido” feito pela autora, Mendes (2019), nos remete
a um processo de criação em que as palavras ou as imagens são organizadas para
a formação de um sentido completo que objetiva a comunicação. Todo esse tecido
deve estar organizado para formar uma unidade clara.
Todo escrito,segundo Medeiros e Tomasi (2017),é um combinado de
variadas vozes: é heterogêneo, polifônico; ele pode compreender mais de um tipo
de texto: nele podem aparecer segmentos descritivos, narrativos, argumentativos,
expositivos, embora possa prevalecer um ou outro tipo. Além disso, um texto sempre
será produzido por um autor e entendido por um leitor.
Para Koch (2018), para chegar ao conceito de texto deve-se pensá-lo através
das concepções de língua e sujeito. A autora menciona que, se na concepção de
língua como representação do pensamento e de sujeito, o texto será um produto do
autor, cabendo assim ao leitor entender essa representação mental do produtor,

7
exercendo, pois, uma atitude passiva. Já na concepção de língua como código, o
texto é visto como mero produto de decodificação de um emissor (autor) a ser
decodificado pelo leitor, ou seja, basta o conhecimento do código. Também nessa
concepção o papel do leitor/decodificador é passivo.
Ademais, o autor utiliza a concepção interacional dialógica como um
entendimento mais completo do conceito de texto. Dessa forma, Koch (2018, p. 26)
explicita que:

Na concepção interacional, na qual os sujeitos são vistos como


atores/construtores sociais o texto passa a ser considerado o próprio
lugar da interação e os interlocutores, como sujeitos ativos que –
dialogicamente – nele se constroem e são construídos. Dessa forma
há lugar, no texto, para toda uma gama de implícitos, dos mais
variados tipos, somente detectáveis quando se tem, como pano de
fundo, o contexto sociocognitivo dos participantes da interação.

Em outras palavras, o texto é um produto da interação entre autor/produtor e


leitor/ouvinte, pois entre ambos deve haver uma ligação para apreensão da
significação. Na verdade, mesmo com todas as análises realizadas sobre tentar
encontrar um conceito geral sobre o que é um texto, o “seu sentido não está no texto,
mas se constrói a partir dele”(KOCH, 2018, p. 26).
Além do exposto, Orlandi (1995, p. 115)“considera as complexidades de um
texto, como um todo que resulta de uma articulação, representando assim um
conjunto de relações significativas individualizadas em uma unidade discursiva”, e
ainda reconhece a heterogeneidade de um texto, pois este apresenta “diferentes
materiais simbólicos – imagem, grafia, som etc.; quanto ao uso da linguagem – oral,
escrita, científica, literária, narrativa, descritiva etc. e por fim quanto às posições do
sujeito”.
Quando pensamos em um texto como unidade de sentido, devemos levar em
consideração muitas outras coisas, pois o texto é um objeto de interpretação e
compreensão. “Um texto é uma peça de linguagem de um processo discursivo muito
mais abrangente”(ORLANDI, 1995, p. 26).
Sobre o processo textual em termos de produção ou compreensão de um
texto exige uma interação entre o leitor e o autor. Essa atividade exige de ambas as
partes uma troca dinâmica para que ocorra a compreensão de um texto. O produtor
do texto deve mobilizar estratégias para oferecer uma produção compreensível para
o outro, ao passo que o leitor deve mobilizar, também, todos os seus conhecimentos
para compreender o que é enunciado. Dessa forma, toda essa mobilização

8
sociocognitiva, interacional e textual são necessárias para a produção de sentido
(KOCH, 2018).

[...] interpretador do texto são, portanto, ‘estrategistas’, na medida em


que, ao jogarem o ‘jogo da linguagem’, mobilizam uma série de
estratégias – de ordem sociocognitiva, interacional e textual – com
vistas à produção de sentido (KOCH, 2018, p. 86).

As palavras da autora são muito esclarecedoras, mas ainda é importante


mencionar que todo texto é carregado de sentido e sua verdadeira essência é a
comunicação, ou seja, a mensagem que o autor/produtor quer passar ao leitor e ao
ouvinte.

1.2 DE TEXTOS A TEXTO: O INTERTEXTO

No subtítulo anterior, compreendemos que um texto é fruto da interação entre


autor e produtor e leitor e ouvinte. Ainda, verificamos que um texto é algo dinâmico
e carregado de sentidos.
Assim, sob esse viés, vale ainda salientar que um texto como fruto de uma
interação pode dialogar com outros textos, o que inicialmente pode conceituar o
termo intertexto.
Mas o que é um intertexto ou intertextualidade?
Segundo o dicionário brasileiro de Língua Portuguesa Michaelis (2021), a
palavra intertextualidade é um substantivo feminino que significa: “1Superposição de
um texto literário em relação a um ou mais textos anteriores.2 Processo de produção
de um texto literário que parte de vários outros e com eles se imbrica”.
Dessa forma, apropriando-se do significado de que o intertexto é um processo

9
de transvariação em relação a textos anteriores, Alós (2006) corrobora na afirmação
de tal conceito ao inferir que a literatura não é produzida de forma paralisada, mas
sim, ela se produz de forma dinâmica e sempre em constante diálogo com outros
textos e também outras formas de cultura, dessa forma a construção literária se faz
através de constantes trocas entre diferentes produtos culturais.
A intertextualidade ou dialogismo são formas de construção de um novo texto
baseando-se em produções já existentes. Essa forma de elaboração pode acontecer
entre textos, imagens ou sons, pois novos produtos culturais vão surgindo e utilizam
outros textos para complementar ou homenagear produções já construídas. Barros e
Fiorin (1999), ainda acrescenta que ao se referir a outros textos, uma nova produção
colabora para perpetuação das diferentes obras ao longo do tempo.
Dessa forma, o conceito é ampliado porque acrescenta que intertextualidade
não acontece somente entre textos, mas também em imagens e sons de outras
obras. Isso aponta para outras formas de uso do intertexto, como no cinema, nas artes
plásticas, na literatura etc.
A intertextualidade compreende, então,as mais variadas formas pelas quais a
produção ou a recepção de um texto está ligado ao conhecimento de outras
produções textuais por parte dos leitores, ou melhor, cada novo texto mantém um
intrínseco diálogo com outros existentes (KOCH, 2009).
Dessa forma, o intertexto por se apresentar como um diálogo com algo que já
foi criado torna-se tão natural a nós leitores, pois essa prática na literatura nada mais
é do que a continuação histórica de várias outras criações, pois em maior ou menos
grau cada texto propõe diálogos com outros textos.
Entretanto, Alós (2006) explicita que o funcionamento da intertextualidade
enquanto mecanismo textual mostra que, ao contrário do que vulgarmente possa se
pensar, a noção de intertextualidade não faz do texto uma mera colagem de
retalhos, mas o processo de diálogo e troca de um texto já existente com outros
textos, ou outros, em especial com aqueles culturais, históricos ou sociais. Dessa
forma, o intertexto é o texto específico com que uma determinada produção textual
mantém uma troca semiótica que caracteriza a intertextualidade.
Como uma forma de exemplificar o uso da intertextualidade pode-se citar os
contos de fadas, que a cada vez que são reescritos trazem características novas as
narrativas, mas sempre estão em diálogo com alguma outra narrativa já existente.
Nessa perspectiva, Santos e Souza (2008, p. 16) explica que:

10
As narrativas tradicionais, compilados por Perrault, os Grimm ou
Andersen, foram, paulatinamente, incorporadas ao repertório da
literatura infantil universal. Em diferentes épocas e lugares, estes textos
são lidos ou contados para as crianças e sua permanência pode ser
justificada pela natureza simbólica com que representam os eternos
dilemas enfrentados pelo homem no seu amadurecimento pessoal.

Colaborando com a afirmação de que os textos infantis demonstram


claramente o uso do intertexto, também percebemos que essas narrativas mudam
ao longo da história em consequência do dinamismo social,Alós ( 2006) aponta para
o fato da intertextualidade ser uma ocorrência dialógica entre diferentes tipos de
textos que motiva, concomitantemente a natureza semiótica, ideológica e subjetiva,
consagrando-se como um dos mais inteligentes processos de interação textual para
a crítica literária, ou seja, o texto dialoga sim com outros textos, mas também com o
contexto social, a realidade transfigurada em texto.
Nessa perspectiva, podemos citar os contos de Jacob e Wilhem Grimmm
como textos de grande importância para a cultura mundial. Dessa forma, se
analisarmos o conto “A bela Adormecida”, por exemplo, podemos afirmar que o
filme “Malévola”, produzido pelo Walt Disney Pictures, dialoga com a narrativa,
mantendo, assim, uma relação intertextual.
Verifica-se, portanto, que podemos comparar obras literárias com outros tipos
de linguagem que não são essencialmente verbais.
Nesse sentido, podemos entender que quando duas obras se entrelaçam, elas
conversam entre si, e a partir desse ponto pode-se perceber o surgimento de um
texto a partir de outro com novas perspectivas e com outra configuração (LIMA,
2017).
Ainda, é necessário ressaltar que, como explica a autora Lima (2017, p. 07), há
duas formas de intertextualidade, a interna e a externa:

A forma externa que ela possui é determinada pela relação que o


texto estabelece com campos distintos do conhecimento; por sua vez
a intertextualidade interna se constitui pelo diálogo entre obras que
pertencem a uma mesma área do conhecimento.

Finalmente, Carvalhal (2006)afirma que a intertextualidade passou a significar


um procedimento indispensável a investigação das relações entre os mais diferentes
textos, ou seja, tornou-se chave para a leitura e um modo de problematizá-la. Dessa
forma, o tempo “intertexto significa “tecer” e, de forma figurada, entrelaçar, reunir,
combinar” Ruprecht (1984) apud Carvalhal (2006). Assim, quando pensamos a

11
respeito do que significa um intertexto, percebemos essa “tecitura” agrega outros
tipos de textos preexistentes.

1.3 O TEXTO E O MEIO: O CONTEXTO

Bronislaw Kasper Malinowski – antropólogo considerado um dos fundadores da


Antropologia Social – foi quem utilizou a expressão contexto de uso pela primeira vez,
pois necessitou de um termo que conseguisse mostrar todo o contexto que deveria
ser verificado, nessas condições o ambiente verbal e também toda a situação em
que um determinado texto fosse falado deveria se valorizado, dessa maneira, a
expressão “contexto de situação” foi criada em um momento oportuno para explicar
todas as possibilidades que acontecem para o entendimento de um texto (HALLIDAY,
1989).
Dessa forma, podemos entender a palavra contexto como uma inter-relação
de circunstâncias que acompanham um fato ou uma situação. Para tanto, se
atermos a relação entre texto e contexto, esse pode ser considerado o conjunto de
palavras, frases ou o texto que procede ou se segue a determinada palavra (OXFORD
LANGUAGES, 2021).
Quando lemos um texto, ao tentarmos compreendê-lo, a primeira coisa que
fazemos, mesmo que de forma inconsciente, é tentar entender a que o conteúdo se
refere, e na proporção que vamos avançando na compreensão e na leitura vão
surgindo vários elementos que nos auxiliam nesse entendimento. Esses elementos são
os que situam o texto dentro de um ambiente maior – o contexto.
Por isso, a produção e compreensão do texto e a conversação abrangem
várias categorias, tais como as identidades e os papéis dos participantes, o lugar o
tempo, a instituição, as ações políticas e sociais, entre outros componentes (DIJK,
2012).
O mesmo autor, DIJK (2012, p. 132), esclarece e amplia a definição do termo
contexto:

12
[...] situação, circunstância ou entorno, usamos a noção de contexto
sempre que queremos indicar que algum fenômeno, evento, ação ou
discurso tem que ser estudado com relação ao seu ambiente, isto é,
com as condições e conseqüências que constituem o seu entorno,
Portanto, não só descrevemos, mas também, e especialmente,
explicamos a ocorrência de propriedade de algum fenômeno focal
em termos de alguns aspectos de seu contexto.

Nessa perspectiva, o contexto é a chave para desvendar os sentidos de um


texto.
Koch (2009), em sua obra “O texto e a construção dos sentidos”, usa a
metáfora iceberg para ilustrar a definição de texto, pois, como a grande formação
de gelo, toda a produção textual possui apenas uma pequena superfície exposta e
uma pequena área imersa. Para entender o que está implícito e dele extrair um
sentido, fazem-se necessários dos recursos aos mais variados sistemas de
conhecimento. Dessa forma, o contexto é parte do recurso necessária ao
entendimento do texto.
O modo como compreendemos a linguagem está no estudo do texto. O texto
como linguagem funcional acaba por desempenhar um papel em um contexto, na
verdade, existe o texto e também outro que o acompanha, ou seja, um texto vai
muito além do que é registrado na forma escrita ou através do que é dito, e também
abrange o nãoverbal. Tudo isso constitui as interfaces de um texto, através do qual
esse se desenvolve e é interpretado(BARBISAN, 1995).
A mesma autora ainda complementa algumas informações sobre o contexto
de forma a colocá-lo como uma das principais ferramentas para o entendimento
efetivo de um texto, dessa forma, Halliday (1989)apud Barbisan (1995, p. 55)
acrescentam o seguinte:

1. um texto é um complexo de significados referenciais, interpessoais e


textuais; 2. o contexto de situação é a configuração de campo, teor
e modo, traços que especificam o registro do texto; 3. o contexto de
cultura é o quadro institucional e ideológico que dá valor ao texto e
limita sua interpretação; 4. o contexto intertextual é constituído pelas
relações com outros textos e afinações que são feitas a partir daí; 5. o
contexto intratextual é a coerência dentro do texto, incluindo a
coesão lingüística que compreende as relações semânticas internas.

Dessa forma, temos uma ampliação da dimensão do contexto textual, ou seja,


o contexto representa os traços específicos de um texto, por exemplo, o seu gênero;
o contexto cultural a qual aquela produção está inserida, limitando seu
entendimento; a intertextualidade, que relaciona um texto há vários outros; e por fim

13
o contexto intratextual que se configura pelas escolhas linguísticas do autor.
Todos esses elementos elencados são parte do contexto para análise textual,
pois sem eles seria difícil um bom entendimento do real sentido de qualquer texto.
O contexto é construído através de sentidos, uma vez que, se há mudanças
nas condições de produção, há variação na construção de sentidos que surgem a
partir das trocas existentes entre os interlocutores. Conclui-se, dessa forma, que a
leitura de um texto para encontrar informações pontuais e explícitas é diferente de
uma leitura em que se deseja encontrar informações subentendidas desse mesmo
texto (ORLANDI, 1995).
O autor Hymes retoma análises baseadas no contexto de situação e cria uma
matriz de traços etnográficos (situação em que o pesquisador foi a campo fazer
pesquisa), criando um esquema SPEAKING que permitiu caracterizar o contexto da
seguinte forma retomando a criação de Koch (2018, p. 32):

S – Situação: cenário, lugar;


P – Participante: falantes e ouvintes;
E – Fins, propósitos, resultados;
A – Sequência de atos: forma de mensagem/ forma do conteúdo;
K – Código;
I – Instrumentais: canais, forma de fala;
N – Normas de interação/ normas de interpretação;
G – Gêneros.

Um ponto importante a destacar sobre a ideia de contexto defendida pelo


autor do esquema SPEAKING, diz respeito à variabilidade e amplitude desse conceito,
nos evidenciando que “o contexto é que deve desempenhar o papel principal na
interpretação dos enunciados” (KOCH, 2018, p. 32).
Proença Filho (2007, p. 76)acrescenta o seguinte:

As palavras de um enunciado estariam assim carregadas de


significação vinculada a inúmeros contextos vividos, e toda
comunicação envolveria a interação de um falante, um destinatário
e um “personagem” (de que se fala), envoltos por um horizonte
comum que possibilita a compreensão dos elementos ditos e não
ditos.

Em suma, podemos verificar desde o surgimento do termo “contexto de uso”,


utilizado pela primeira vez pelo antropólogo Malinowski até os dias atuais, que uma
grande parte dos estudos são voltados para o entendimento e a complexidade do
contexto como necessário para desvendar o real sentido dos textos existentes.

14
15
FIXANDO O CONTEÚDO

1. (Prefeitura de São João Batista/ SC – adaptado) Leia a afirmação abaixo:

Conforme Ingedore (2020), um texto sempre dialoga com outros textos recorrentes
em dada sociedade. Assim, a remissão, frequentemente, faz-se a “conteúdos de
consciência”, guardados na memória do interlocutor que, a partir de “pistas”
encontradas na superfície textual, são reativadas, via inferenciação. Essa
afirmação refere-se à

a) intertextualidade.
b) polifonia.
c) citação
d) paródia.
e) referenciação.

2. (Prefeitura de Morzalândia/GO – adaptado) Leia a tira abaixo:

A tirinha nos remete a lembrar um poema famoso, a esse tipo de relação


chamamos:

a) Paralelismo.
b) Intertextualidade.
c) Ambiguidade.
d) Cópia.
e) Citação.

16
3. (Prefeitura Municipal de Criciúma – FAEPESUL/2019 – adaptada) O poema‘Canção
do Exílio’ de Gonçalves Dias é um dos textos mais conhecidos em língua
portuguesa e também um dos mais parodiados.

A seguir podemos ler as duas primeiras estrofes do poema:

“Minha terra tem palmeiras


Onde canta o sabiá;
As aves que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.
Nosso céu tem mais estrelas,
Nossas várzeas têm mais flores,
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores”.

Abaixo, podemos ler uma paródia, escrita por Oswald de Andrade: ‘Canto de
Regresso à Pátria’.
“Minha terra tem palmares
Onde gorjeia o mar
Os passarinhos daqui
Não cantam como os de lá
Minha terra tem mais rosas
E quase que mais amores
Minha terra tem mais ouro
Minha terra tem mais terra”.

Assinale a única alternativa ERRADA no que diz respeito à interpretação e


comparação dos dois poemas.

a) Gorjear e cantar são sinônimos.


b) Não há intertextualidade entre os dois poemas.
c) A intertextualidade é um elemento constitutivo das paródias.
d) Apesar de semelhanças de forma e vocabulário entre os dois poemas, a ideia
contida nos títulos é antagônica (Exílio X Regresso).
e) A semelhança entre os poemas é um caso de uso da intertextualidade, um recurso
que nos mostra que todo texto advém de outros.

4. O texto é um produto da interação entre __________________ e ________________,


pois entre ambos deve haver uma ligação para a apreensão de significação.

17
Complete a frase com a opção correta.

a) autor e produtor
b) autor/produtor e leitor/ouvinte
c) transmissor e receptor
d) conhecimento e interação
e) leitor e ouvinte

5. Se analisarmos o conto “A Bela Adormecida” podemos afirmar que o filme


“Malévola”, produzido pelo Walt Disney, dialoga com a narrativa, mantendo assim,
uma relação ________________________.

Complete a frase com a opção correta.

a) intratextual.
b) cópia.
c) reprodução artística.
d) intertextual.
e) dialógica.

6. Para Orlandi (1996) apud Ferreira & Dias ( 2005), o ____________________ é


constitutivo do sentido, já que a variação nas condições de produção afeta a
construção de sentidos que emergem a partir da interação entre interlocutores.

Complete a frase com a opção correta.

a) intertexto
b) texto
c) diálogo
d) conceito de texto
e) contexto

7. (Prefeitura Municipal de Cunha Porã/2020) De acordo com Beaugrande e Dressler,


a intertextualidade compreende diversas maneiras pelas quais a produção e

18
recepção de dado texto depende

a) do tipo de leitor que está com o material em mãos, pois para ser um bom leitor,
sabe-se que é necessário ler, interpretar e ter senso crítico para selecionar as
informações e conseguir ordená-las de maneira efetiva.
b) do conhecimento de outros textos por parte dos interlocutores, isto é, diz respeito
aos fatores que tornam a utilização de um texto dependente de um ou mais textos
previamente existentes.
c) da maneira com que o texto é lido, o interlocutor precisa estar atento ao tipo de
texto e até mesmo assunto, para que haja coerência no que está sendo lido e
consiga transformar assim símbolo em significado.
d) da significação e do significado, ambos têm a tendência a estilizar e trazer ao
texto sutileza ou intensidade, a depender da escolha lexical, e até mesmo a
pragmática da leitura pode transformar um texto de leitor para leitor.
e) do conhecimento acadêmico do leitor.

8. (Prefeitura Municipal de Criciúma/2010 – adaptada) A obra de Machado de Assis


é vasta e compreende crônicas, cartas e romances. Na obra “Esaú e Jacó”, por
exemplo, temos a história de Pedro e Paulo, dois irmãos que possuem muitos
desafetos tanto na vida pessoal quanto na vida política. O título da obra é uma
alusão, ou seja, faz referência aos elementos presentes em outros textos. Neste
caso, personagens bíblicos. Assinale a alternativa que apresenta o nome que
damos ao uso deste recurso na língua.

a) Intertextualidade.
b) Pleonasmo.
c) Redundância.
d) Polissemia.
e) Assonância.

19
A LINGUAGEM LITERÁRIA UNIDADE
02

Há muitas teorias que tentam definir literatura, uma delas, por exemplo, seria
defini-la como a escrita “imaginativa”, no sentido ficcional – escrita esta que não é
literalmente verídica. Para tanto, se refletirmos, ainda que por um breve momento,
sobre aquilo que comumente se considera o que é literatura, veremos que tal
definição não procede (EAGLETON, 2006).
Dessa forma, cabe a nós refletirmos nesse capítulo sobre o dinamismo da
linguagem literária.

2.1 TEXTO LITERÁRIO E TEXTO NÃO LITERÁRIO

Inicialmente, retomando o conceito de texto já estudado nesse livro, podemos


conceituá-lo como uma produção carregada de sentido e sempre relacionado a
um contexto. Sendo sua verdadeira função a comunicação ou a transmissão do que
o autor/produtor quer enviar ao leitor/ouvinte, seja esse texto oral, escrito ou visual.
Uma vez que conceituamos o que é um texto, devemos dividi-lo em dois
grandes grupos, o que nos conduzem a perceber um texto como literário e não
literário.
Na verdade, fazemos esta distinção para estudar os textos existentes em nossa
sociedade para podermos usufruir de seus conhecimentos e tornar nossa
comunicação mais clara, mais objetiva, assim, aproveitarmos melhor a variedade de
textos que temos a nosso dispor (MARTINS, 2017).
Assim, segundo o mesmo autor,Martins (2017, p. 13, grifo nosso), podemos
diferenciar e conceituar os textos literários e não literários da seguinte forma:

Os textosliterários são aqueles que possuem função estética.


Geralmente destinam-se ao entretenimento, ao belo, à arte, à ficção.
Já os não-literários são os textos com função utilitária, pois servem para
informar, convencer, explicar, ordenar. Aqueles que transmitem uma
notícia, bem como toda a sorte de textos de viés jornalístico, ou ainda
os textos científicos, são exemplos de textos não-literários, pois
cumprem uma finalidade diferente: informar, orientar, instruir. Isso

20
não quer dizer que os textos literários não instruam. Mas fazem isso
de outro modo.

Para tentarmos ampliar o conceito de textos literários, podemos entendê-los


como todos os textos que têm uma função artística, sendo construído através da
estética e da subjetividade para a criação de produções ficcionais. Esses textos são
criados pela observação do cotidiano, memórias, reflexões, abstrações e muitas
outras fontes de observação.
Um bom exemplo de texto literário seria o poema de Manuel Bandeira:

O bicho
Vi ontem um bicho
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos.
Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.
O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.
O bicho, meu Deus, era um homem.

Nesse texto, percebemos a presença da escrita literária, uma vez que


encontramos uma preocupação com a estética, ou seja, a forma como é
apresentado o texto para o leitor, já que se trata de um poema. Além disso,
percebemos a subjetividade ao verificarmos que o eu lírico espanta-se e indigna-se
com o fato do “bicho” que revira o lixo ser um homem. Outro ponto que deve ser
destacado nesse exemplo é que embora exista um trabalho mais elaborado com as
palavras, observamos que o texto – literário – exemplificado através do poema de
Manuel Bandeira é uma criação que se deu através da observação do cotidiano,
pois é uma realidade brasileira pessoas revirando o lixo para se alimentar.
Mantendo o mesmo tema, mas trazendo um exemplo de texto não literário,
vejamos a notícia retirada da Revista Veja e escrito por Goulart (2021, online):

A guerra do lixo em João Pessoa, em meio à pandemia

Prefeito suspendeu unilateralmente contratos com três empresas de coleta de lixo e abriu
contratação emergencial, sem licitação.
João Pessoa, na Paraíba, além de enfrentar a pandemia com ocupação de mais de 90%
dos leitos de UTI, está tendo que conviver com uma guerra do lixo. O prefeito Cícero Lucena
(PP) resolveu suspender unilateralmente os contratos com as três empresas que coletam o lixo
na cidade e resolveu abrir um processo de contratação emergencial. As três empresas, que
foram contratadas por meio de uma licitação, ocorrem para a justiça e para o ministério
público. O advogado da Beta Ambiental, George Ramalho Junior, diz que o prefeito quer

21
criar o caos para justificar a contratação emergencial, que é feita sem licitação. “A prefeitura
está convocando algumas empresas por e-mail, sem transparência para fazer a contratação
emergencial e por isso estamos entrando no Ministério Público com um pedido de apuração
por improbidade administrativa”. O advogado diz que o motivo apresentado para rescisão
dos contratos foi que alguns poucos caminhões estavam com idade um ano menor do que
a que havia sido acertada no processo de licitação. Isso aconteceu, segundo Ramalho,
porque a própria Volkswagen atrasou na entrega de novos caminhões em função da
pandemia.

Neste exemplo temos um texto não literário, pois este procura noticiar o
transtorno causado por uma contratação de empresas de coletas de lixo em caráter
emergencial realizado pelo Prefeito de João Pessoa, na Paraíba. A notícia procura
denunciar os fatos e mostrar como realmente esses estão acontecendo. Para tanto,
não verificamos nenhum trabalho subjetivo/conotativo com as palavras,
percebemos apenas uma forma impessoal de noticiar a realidade.
Na verdade, há inúmeros fatores que diferenciam um texto literário de um não
literário. Ao passo que o primeiro traz a emotividade, e muitas vezes a parcialidade,
manifestada pela indignação, revolta, raiva, alegria, amor, euforia, satisfação; o
texto não literário tem por foco a imparcialidade, a isenção (MARTINS, 2017).
Dessa forma, podemos destacar alguns atributos para os textos literários e não
literários. Para o primeiro, é válido ressaltar que há a presença constante de sentido
conotativo, o ponto de vista do autor é pessoal, há a ocorrência de simbolismos e
ainda encontram-se nestes textos muitos elementos que apresentam múltiplos
significados, reflexões e emoções. Já os textos não literários possuem uma função
mais utilitária e referencial, objetivando o fornecimento de uma informação, com
linguagem denotativa, clara, impessoal e imparcial, não ocorrendo recursos
estilísticos que possam prejudicar a compreensão do conteúdo do texto.
Alguns gêneros de textos literários são: os poemas, os romances, os contos, as
novelas, as lendas, as fábulas, as crônicas, as peças de teatro, as letras das músicas,
entre outros. Ademais, como exemplo de gêneros textuais nãoliterários temos: as
notícias e reportagens, que são textos publicitários; as cartas de reclamação e as
comerciais; os ensaios e artigos científicos, dentre tantos outros.

22
2.2 LITERATURA E LINGUAGEM

Nessa seção exploraremos dois conceitos importantes para o avanço dos


estudos introdutórios em teoria literária. Esses conceitos são sobre literatura e
linguagem.
Uma dimensão importante é fazermos a seguinte pergunta – o que é literatura?
Essa pergunta designa uma série de conceitos tanto complexos quanto, por vezes,
ambíguos, pois esse termo tem diversas significações. Para tanto, inicialmente
podemos dizer que literatura pertence ao campo das artes (arte verbal), que o seu
meio de expressão é a palavra e que a sua definição está comumente associada à
ideia de estética e valor estético (LOPES, 2010).
O termo linguagem também apresenta muitos significados e sentidos, mas
inicialmente vamos nos ater a apenas um deles –a faculdade cognitiva, que é
inerente a espécie humana, possibilita que cada pessoa faça a representação
simbólica de seu conhecimento adquirido com experiências vividas, assim como
adquire conhecimento, também o processa, produz e transmite(TRASK, 2004).
Sob esse viés, quando entendemos que a linguagem está a serviço da
literatura, temos o termo linguagem literária, queNomura (1996, p. 190)apresenta os
seguintes significados:

De modo geral, dois critérios pautaram as pesquisas em torno da


linguagem literária:
1 o primeiro coloca a linguagem literária em oposição à linguagem
cotidiana, postura teórica bastante antiga, de cunho valorativo: a
linguagem cotidiana, igualada à linguagem coloquial, sem trato, era
considerada de qualidade inferior à literária, sendo esta considerada
parte da língua culta;
2 o segundo define a linguagem literária a partir da linguagem
cotidiana, posição teórica apoiada na Lingüística: a linguagem
literária era considerada desviante da linguagem cotidiana. De
maneiras diversas, essa posição enfatiza a noção de desvio.

Se analisarmos os conceitos apresentados por Nomura(1996), percebemos

23
que a linguagem está a serviço da literatura para as mais diversas formas de criação.
Reis (2001, p. 111)lembra que “a constituição da linguagem literária e do discurso que
a configura podem ser entendidos como resultado de um ato discursivo próprio,
propondo a uma comunidade de leitores um texto que essa comunidade
reconhecerá como texto literário”.
Assim, a linguagem literária demonstra toda a engenhosidade imagética da
humanidade, entretanto modifica-se constantemente. Essa mudança sofre variação
de acordo com a ideia de arte e cultura, dentro de um determinado momento
histórico em que o texto literário foi produzido (NOMURA, 1996).
A mesma autora define que a linguagem literária possui autonomia de criação
para exprimir-se em prosa, verso ou drama, utilizando a língua-padrão ou qualquer
outra variante linguística escolhida pelo autor.
Proença Filho (2007, p. 41)ressalta que o grande desafio dos estudiosos e
pesquisadores tem sido caracterizar plenamente essa especificidade. Para tanto, o
autor propõe e explica as seguintes características que são encontradas apenas nos
discursos literários:

O discurso da literatura se caracteriza por sua complexidade. No


discurso não-literário, há um relacionamento imediato com o
referente; caracteriza-se, na maioria dos casos, a significação singular
dos signos, como vimos na frase-exemplo "Uma flor nasceu no chão
da minha rua". Já o que depreendemos do texto literário ultrapassa,
como já foi assinalado, os limites da simples reprodução. A natureza
das informações que, por seu intermédio, são transmitidas, vai além do
nível meramente semântico para se converter em algo tal que sua
comunicação se torna impossível por meio das estruturas elementares
do discurso cotidiano.
Multissignificação: caracterizar-se no texto literário um uso específico
e complexo da língua, os signos linguísticos, as frases, as sequências
assumem, em função do contexto em que se integram, significado
variado e múltiplo. Assim, afastam-se, por exemplo, da
monossignificação típica do discurso científico, para só citar um caso.
A multissignificação é, pois, uma das marcas do texto literário como
tal. É o traço que permite, entre outras, as múltiplas leituras existentes
da obra de João Cabral de Melo Neto, de Carlos Drummond de
Andrade, de Guimarães Rosa; que possibilita a Roland Barthes a sua
apreciação da obra de Racine e que nos autoriza ler, em Iracema, de
José de Alencar, uma síntese simbólica do processo civilizatório da
América, entre outras interpretações. A permanência de
determinadas obras se prende ao seu alto índice de polissemia, que
as abre às mais variadas incursões e possibilita a sua atemporalidade.
Predomínio da conotação: a linguagem literária é eminentemente
conotativa. O texto literário resulta de uma criação, feita de palavras.
E do arranjo especial das palavras nessa modalidade de discurso que
emerge o sentido múltiplo que a caracteriza.

24
Liberdade na criação: as manifestações literárias podem envolver
adesão, transformação ou ruptura em relação à tradição linguística,
à tradição retórico-estilística, à tradição técnico-literária ou à tradição
temático-literária às quais necessariamente está vinculado o trabalho
do escritor. A literatura se abre, então, plenamente, à criatividade do
artista.
Ênfase no significante Enquanto o texto não-literário confere destaque
ao significado, ou seja, ao plano de conteúdo, o texto literário tem o
seu sentido apoiado no significado e no significante, com especial
relevo concedido a este último.

Assim, a complexidade, a multissignificação, o predomínio da conotação e a


liberdade na criação são características marcantes e próprias do fazer literário, cujo
discurso é permeado por elementos que conferem maior expressividade e beleza ao
texto.
Iser (1996, p. 13-14),discorrendo sobre literatura e seu trabalho com a
linguagem, acredita que:

A interpretação da literatura, orientada pela estética da recepção,


visa à comunicação, por meio da qual os textos transmitem
experiências que, apesar de não familiares, são, contudo
compreensíveis. [...] através desses textos, acontecem intervenções no
mundo, nas estruturas sociais dominantes e na literatura existente.

Por fim, a linguagem literária nos proporciona ultrapassar os limites do que deve
ser decodificado, nos atingindo através de mensagens que nos mostra muito sobre a
nossa condição humana de criação, caracterizando o ser humano tanto
individualmente quanto socialmente (PROENÇA FILHO, 2007).

2.3 LITERATURA E CULTURA

25
A definição de cultura não é uma tarefa simples, pois definir cultura requer
uma mobilização de vários conhecimentos em muitas outras disciplinas que versam
sobre as áreas do conhecimento como Sociologia, Antropologia, História,
Comunicação, Economia, entre outras manifestações do saber (CANEDO, 2009). Em
cada uma dessas áreas é trabalhada a partir de distintos enfoques e usos. Na
verdade, essa complexidade concerne, ainda segundo a autora, Canedo (2009, p.
04):

[...] pelo próprio caráter transversal da cultura, que perpassa diferentes


campos da vida cotidiana. Diante da multiplicidade de
interpretações e usos do termo cultura, há três concepções
fundamentais de entendimento da cultura, como: 1) modos de vida
que caracterizam uma coletividade; 2) obras e práticas da arte, da
atividade intelectual e do entretenimento; e 3) fator de
desenvolvimento humano.

Assim, sob esse viés de complexidade a respeito das diferentes culturas


existentes e o seu real conceito, há a literatura que se apresenta também como parte
de toda essa complexidade cultural. Essa inserção também se deve ao fato de que
a literatura como uma forma de manifestação artística reflete as representações da
cultura de um determinado povo.
Quanto à conexão entre literatura e cultura, as palavras de Lima (2010, p.
229)são esclarecedoras e exprimem que:

Para falar de literatura e cultura, imperioso se faz, inicialmente, refletir


sobre o conectivo que une os dois termos, uma vez que,
aparentemente, estaríamos diante de uma incoerência gritante.
Afinal, a relação entre os dois conceitos, como nos lembra Noé Jitrik,
é sinedóquica, ou seja, o que geralmente se chama de literatura
estaria contido no que se entende por cultura.

Em outras palavras, não é possível pensar a literatura sem relacioná-la com a


cultura. As diferenças entre as culturas retratam também o tipo de literatura escolhida
ou valorizada por um determinando grupo.
Olinto e Scholhammer(2003, p. 73)explicam que:

A linguagem, em suas diversas expressões discursivas, funciona como


instância institucional na orientação social da cognição individual
com ajuda de significados culturalmente programados. Nas
discussões teóricas sobre cultura, acentua-se hoje nitidamente uma
tendência a entendê-la, portanto, na qualidade de comportamento
produzido como saber coletivo em processos cognitivos e
comunicativos, a partir dos quais os indivíduos definem esferas de sua

26
realidade. Um olhar sobre a história semântica do termo sinaliza, entre
outras.

Nessa perspectiva, verifica-se que o fazer literatura está intrinsecamente


relacionado à vivência da cultura, ou é parte dela. Ao ser produzido uma obra
literária, verifica-se que ela se constitui de significados culturalmente programados.
Abreu (2006)apontaque muitos canais de imprensa se dedicaram à escolha
dos melhores representantes dos anos mil e novecentos em diversas categorias. E
como não poderia deixar de ser, constituíram-se um júri para a eleição dos melhores
livros, A Folha de São Paulo destacou os dez melhores romances brasileiros.
Entretanto, poucos são os que realmente conseguiram ler tais livros. Mas a questão é
a seguinte, será que todos esses livros, se fossem realmente lidos por todos os leitores,
seriam valorizados e entendidos?
Continuando com o exemplo de Abreu (2006), ela ainda cita que a Revista
Isto étambém fez uma relação dos dez melhores romances, apresentando critérios
dessemelhantes, dessa forma, a revista conseguiu uma relação de títulos diferentes
da Folha de São Paulo. Assim, percebe-se que não há consenso quando falamos em
gosto literário.
A questão que a autora aponta é muito importante, porque durante muitos
anos a literatura foi considerada parte de uma cultura letrada e erroneamente
entendida como parte de grupos culturalmente privilegiados. E quem não gostasse
ou não conseguisse acompanhar os grandes clássicos era visto como alguém fora
dos parâmetros da cultura letrada.
Nessa perspectiva, é válido mencionar, então, a “literatura de massa” que é
modelo de produção literária intrinsecamente ligada à sociedade de consumo
contemporânea.
Para Aranha e Batista (2009, p. 04), um dado importante a respeito dos
avanços tecnológicos e a sua contribuição para a expansão da literatura como
parte da cultura apresenta-se com a seguinte colocação:

Os avanços tecnológicos permitiram, cada vez mais, a difusão da


produção de materiais impressos pelo barateamento do custo. Assim,
um universo maior de pessoas teve acesso aos livros que,
anteriormente, podiam ser considerados artigos de luxo. O surgimento
destes novos decifradores do código impresso deu origem a um novo
nicho de consumo de textos.

A literatura de massa é uma forma de popularizar a cultura literária, já que,

27
durante muitos anos, essa limitou-se a ser parte de uma pequena minoria da
sociedade, as elites. Entretanto, a adaptação para essa nova realidade exigiu
adaptações culturais e estéticas (ARANHA; BATISTA, 2009).
Na concepção de Ballerini (2015, p. 124), a literatura é muito abrangente e
deve ser libertadora:

O muro que separa cultura e vida, reverência e consumo, trabalho e


lazer, corpo e espírito, está sendo derrubado. Em outras palavras, a
cultura o sentido burguês criticamente avaliativo do mundo cede à
cultura no sentido antropológico puramente descritivo.

Por fim, a literatura como a arte das palavras e ainda por utilizar a língua para
a sua concretização, acaba se tornando um instrumento de comunicação e
interação social. Dessa forma, a literatura em âmbito geral, cumpre seu papel de
transmitir os conhecimentos culturais de um povo. Sendo, portanto, parte da própria
cultura.

28
FIXANDO O CONTEÚDO

1. A literatura como a arte das palavras e ainda por utilizar a língua para a sua
concretização, acaba se tornando um instrumento de comunicação e interação
social. Dessa forma, a literatura, em âmbito geral, cumpre seu papel de transmitir
os conhecimentos culturais de ________________. Sendo, portanto, parte da própria
cultura.

Complete a frase com a opção correta.

a) Um povo.
b) Uma elite.
c) Estudiosos canônicos.
d) Uma cidade.
e) Uma cultura.

2. Diante da multiplicidade de interpretações e usos do termo cultura, há três


concepções fundamentais de entendimento da cultura, como: 1) modos de vida
que caracterizam uma coletividade; 2)____________________________________; e 3)
fator de desenvolvimento humano (CANEDO, 2009).

Complete o parágrafo com a opção correta.

a) Obras literárias da humanidade.


b) Obras da literatura feminina.
c) Arte de um povo.
d) Modo de arte europeu.
e) Obras e práticas da arte, da atividade intelectual e do entretenimento.

3. São características da linguagem literária, EXCETO:

a) Variabilidade.
b) Multissignificação.

29
c) Denotação.
d) Liberdade na criação.
e) Complexidade.

4. Sobre o texto não literário, é correto afirmar, exceto:

a) É utilizado, sobretudo, em textos cujo caráter seja essencialmente informativo.


b) Sua principal característica é a objetividade.
c) Utiliza recursos como a conotação para conferir às palavras sentidos mais amplos
do que elas realmente possuem.
d) Utiliza a linguagem denotativa para expressar o real significado das palavras, sem
metáforas ou preocupações artísticas.
e) Não apresenta variabilidade, multissignificação e complexidade linguística.

5. A complexidade, a multissignificação, o predomínio da conotação e a liberdade


na criação são características marcantes e próprias do fazer
____________________________, cujo discurso é permeado por elementos que
conferem maior expressividade e beleza ao texto.

Complete a frase com a opção correta.

a) Intertextual.
b) Poético.
c) Literário.
d) Não literário.
e) Denotativo.

6. Proença Filho (2007) propõe as seguintes características que são encontradas


apenas nos discursos literários, exceto:

a) Complexidade.
b) Multissignificação.
c) Liberdade de criação.
d) Discurso objetivo.

30
e) Predomínio da conotação.

7. Os textos _____________________________com função utilitária servem para informar,


convencer, explicar, ordenar. Esses textos são queles que transmitem uma
notícia, bem como toda a sorte de textos de viés jornalístico, ou ainda os textos
científicos.

Complete a frase com a opção correta:

a) Literários.
b) Complexos.
c) Semióticos.
d) Conotativos.
e) Não literários.

8. Leia o poema de Manuel Bandeira:

O bicho

Vi ontem um bicho
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos.
Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.
O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.
O bicho, meu Deus, era um homem.

Nesse poema percebemos a presença da escrita:

a) não literária.
b) objetiva.
c) denotativa.
d) racional.
e) literária.

31
ENTRE MÚSICA E POESIA UNIDADE
03

3.1 LETRAMENTO LÍRICO

O Gênero Lírico é um gênero literário e destaca-se por seu intenso trabalho


com as palavras. Etimologicamente, do latim, “lyricu” faz referência a “lira”, um
instrumento que servia para sonorizar e acompanhar as poesias cantadas.
Em linhas gerais, o gênero literário lírico é em sua essência composto por poesia
– composição em versos. Ainda, esse gênero apresenta como características: a
subjetividade, o sentimentalismo, a emotividade e a afetividade.
A poesia lírica tem como vocação exprimir os sentimentos, os estados de
espírito do sujeito na sua “interioridade” e em sua “profundidade”, e não a de
representar o mundo “exterior” e “objetivo”. “O lirismo se confunde com a poesia
“pessoal” e mesmo “intimista”, e privilegia, assim, a introspecção meditativa, o mais
das vezes em tom melancólico, como indica a moda da elegia” (COMBE, 2010, p.
115).
Para tanto, é necessário diferenciar o poema enquanto gênero textual, ou
seja, o texto em sua composição em versos, da poesia que é a linguagem subjetiva,
conotativa, multiforme, utilizada nestes textos para causar o incomum. Alem disso,
devemos nos valer do questionamento – onde encontramos a poesia? Para esta
pergunta temos uma gama de respostas. Encontramos a poesia em letras de músicas,
em pequenos comerciais midiáticos, que emocionam e que trazem à mente
reflexões novas, mesmo que de forma pouco perceptível, que faz com que alguns
afirmem não apreciar este gênero textual(OLIVEIRA; FURUZATO, 2016).
Cosson (2006, p. 79)aponta uma característica muito singular da linguagem
lírica:

[...] é isso que sentimos quando lemos um poema e ele nos dá palavras
para dizer o que não conseguíamos expressar antes. Essa
singularidade da linguagem literária, diferentemente de outros usos da
linguagem humana, vem da intensidade da interação com a palavra
que é só palavra e da experiência libertária de ser e viver que
proporciona.

O entendimento dessa singularidade materializada no gênero lírico exige do

32
leitor muitas habilidades de compreensão, pois aqui a palavra ganha diversos
significados, que “traduzem a experiência poética do artista e a dos ouvintes, ou seja,
expressam sentidos pessoais, sociais, culturais e estéticos propostos, em conjunto, por
uma obra — sentidos em todos os sentidos” (ALCÂNTARA, 2012, p. 09)exigindo
umaboa prática de letramento para o entendimento do gênero.
Para tanto, Guerra e Martini (2020) afirmam ser consensual que a formação de
leitores literários, no Brasil, passa por diversas dificuldades e, em especial, a
dificuldade de formação, segundo Guerra e Martini (2020, p. 77),“se acentua,
amargamente quando se refere ao que podemos chamar de “letramento lírico”, ou
seja, a formação de leitores de poesia. Isso se justifica, de certa forma, pelo fato de
o texto poético exigir algumas competências leitoras específicas, devido à sua
natureza mais complexa”.
Por isso, há a necessidade de se trabalhar o letramento lírico na escola. E por
letramento entendemos a habilidade de utilizar a leitura e a escrita nas práticas
sociais do cotidiano, esse conceito é o oposto do que se considerava antes, uma vez
que ler e escrever mecanicamente eram ações importantes e já bastava ser somente
alfabetizado. Dessa forma, Soares (2004, p. 72)traz a seguinte contribuição a respeito
do termo letramento:

[...] letramento é o que as pessoas fazem com as habilidades de leitura


e escrita, em um contexto específico, e como essas habilidades se
relacionam com as necessidades, valores e práticas sociais. Em outras
palavras, letramento não é pura e simplesmente um conjunto de
habilidades individuais; é o conjunto de práticas sociais ligadas à
leitura e à escrita em que os indivíduos se envolvem em seu contexto
social.

O letramento lírico apresenta-se tão importante para a sociedade como um


todo, que um trabalho constante com esse gênero na escola, por exemplo, que
enfoque as correntes poéticas de determinado período (estilo de época) e autor
(estilo individual), poderão dar acesso ao estudante a conhecer conflitos e valores
de outras gerações, de civilizações antigas e atuais, com maior autonomia e
destreza, tendo em vista que o poema é uma das mais antigas formas de expressão
do sentimento humano e das angústias coletivas, sendo utilizada na Antiguidade
para entreter as pessoas, além de ser recitada também em rituais e na
filosofia(OLIVEIRA; FURUZATO, 2016).
Se pensarmos a utilização do gênero lírico dentro da escola, podemos
perceber que esse gênero auxilia na formação crítica do leitor, pois motiva a

33
autenticidade, a ousadia, a melhoria no desempenho dos estudantes, em vista disto,
é importante que se tenha uma boa seleção do material que será aplicado em sala
de aula, para que a apreciação e o aproveitamento de ideias concernentes ao texto
em verso seja uma prática cotidiana no ambiente escolar(OLIVEIRA; FURUZATO, 2016).
Entretanto, o que se pode perceber sobre o letramento lírico ainda se encontra
muito apagado frente às abordagens tradicionais escolares que visam “ensinar
conteúdos” e a “realizar exercícios”. Essa forma tradicional de abordar o gênero lírico
mais confunde os alunos do que os capacitam e os formam como leitores literários
autônomos frente a qualquer texto poético(GUERRA; MARTINI, 2020).

3.2 OS MÚLTIPLOS SENTIDOS DA POESIA

A poesia é uma criação tão antiga que podemos confundir esse surgimento
com a própria origem da linguagem humana. Dessa forma, a linguagem poética
acompanha o homen desde a sua existência e apresenta-se como uma forma de
arte atual e de grande valor para a humanidade. De diversas maneiras tentou-se
explicar o significado de poesia, para tanto, Alves (2002, p. 04)exprime que essa
função não é tão simples assim:

De muitos modos tentou-se explicar a especificidade da poesia,


contudo essa diversidade se unifica na afirmação de que a poesia é
uma atividade especial da linguagem verbal. A modernidade, ao
questionar a produção da obra de arte e a especificidade do sujeito
estético, provocou, nas diversas áreas da produção artística,
movimentos de auto-referencialidade, iniciando-se no Romantismo
um viés crítico que, a partir daí, não mais seria deixado de lado. No
âmbito literário, não foi diferente e viu-se o interesse crescente de
avaliar a obra literária na sua produção e mais recentemente na sua
recepção. Em relação à poesia, acentuou-se nas primeiras décadas
do século XX a preocupação de explicar os processos de linguagem
que possibilitam o poema, ainda mais com a maior divulgação dos
estudos lingüísticos de Ferdinand de Saussure e dos debates

34
empreendidos pelos formalistas russos, que fundamentaram o
desenvolvimento de uma teoria da literatura como ciência do texto.

Se pensarmos a respeito da épica, da lírica e do gênero dramático percebe-


se que cada um delespressupõe uma forma de leitura e de crítica. Diante da poesia,
o trabalho crítico constitui-se em reunir imagens e estabelecer elos, cujas ligações
formam um tecido semântico. Há um desenho do imaginário, um trabalho de
construção da sintaxe imagética textual, buscando um caminho não tão claro, até
o alcance de uma perspectiva interpretativa (MELLO, 2002).
Em outras palavras, o mundo da poesia é particular e múltiplo
concomitantemente. “Ele é singular quando revela o Ser na sua forma única de existir
e é múltiplo quando é fruto da experiência de mundo vivida” (FERREIRA, 2011, p. 400).
Por isso, quando o leitor se entrega ao mundo da poesia, ele se torna parte desse
mundo complexo e belo e, assim, consegue se encontrar dentro de sua cultura
(FERREIRA, 2011).
Sabe-se que a poesia é uma atitude artística que nos permite experimentar
muitas sensações. Isso, porque a poesia abrange diferentes sentidos, atingindo uma
subjetividade – característica do que é pessoal – que dificilmente será medida.
Nessa concepção, Mello (2002, p. 55)ainda explica que:

A poesia fala através das imagens poéticas. O poeta, inspirado pela


natureza, evoca o mundo em sua plenitude, fazendo emergir o
misterioso aquém da linguagem. O poeta é aquele que fala por todos:
através dele, exprimi-se a infância da humanidade, presente em cada
um de nós. O mundo, a humanidade, a natureza falam por intermédio
do poeta, emitindo imagens.

E nessa tentativa de representação da natureza através das palavras é que a


poesia multiplica seus sentidosporque ela,para Antônio (ANTONIO, 2002),é “a
inteligência encarnada na palavra poética é uma dança de significações: nas
entrelinhas, raramente pensadas, na raiz dos sonhos e das analogias, nos limites do
pensável e nas margens que se movem; nas vozes outras que não cessam de nascer
e de transformar-se – A poesia educa enquanto poesia”.
Para Jesus e Gomes (2020, p. 86):

A poesia desperta nossa subjetividade sensitiva e intelectual por,


normalmente, exigir uma leitura mais atenta e concentrada. As
palavras no texto poético não têm compromisso direto com a
objetividade. Elas podem ser exploradas por suas nuances
plurissignificativas, que, no processo de recepção, se intensificam a

35
partir das experiências do/a leitor/a, pois o texto não tem existência
sem as instâncias interpretativas e colaborativas do sujeito que ler.

Dessa forma, “a linguagem poética definiu-se como capacidade ou


habilidade de recriar o existente, de registrar ou assumir o desejo de deter sua
passagem e fragilidade, provando a liberdade da criação” (ALVES, 2002, p. 11). Essa
combinação de palavras, significados e qualidades estéticas através de sentimentos
e visões do autor, faz com que esse gênero literário seja muito importante para a arte
literária. Sabe-se também que a poesia é uma das mais antigas formas de arte
literária, havendo registro de poesias há séculos antes de Cristo.

3.3 O LIRISMO E A SENSIBILIDADE DA ALMA

Historicamente entre os séculos XI e XII surgiu o verso medieval, na Região da


Provença (Sul da França), esse verso ainda estava atrelado a música, mas também
a escrita. Esse tipo de poesia provou que a língua não precisava submeter-se a regras
gramaticais. Com o surgimento do Romantismo inicia-se uma lírica poética que oscila
entre o encantamento da poesia e a expressão inspirada de uma alma (ENDO, 2006).
Segundo Stalloni (2001, p. 151),“O lirismo é a emanação de um eu – que o
romantismo gostava de confundir com a pessoa do poeta, mas que pode se apagar
por detrás de uma de suas personagens”. Pode-se dizer que o gênero lírico é aquele
que se preocupa demasiadamente com as sensações, com os estados da alma do
eu lírico (ENDO, 2006).
Dessa forma, para entendermos o lirismo que há em cada criação poética,
devemos nos atentar ao conhecimento do termo eu lírico – termo usado na literatura
e muito importante para extrair a essência poética.
Nessa concepção, o eu lírico é um termo utilizado para conceber o Ser que
existe dentro do poema. Esse eu lírico representa e vive toda a subjetividade que

36
existe dentro da poesia, ou seja, sem ele fica difícil a identificação do interlocutor
com o que é apresentado na poesia.
Sobre o eu lírico, Soares(2007, p. 25) deixa bem claro os três principais traços
líricos:

1º) O eu lírico ganha sempre forma no modo especial de construção


do poema: na seleção e combinação de palavra, na sintaxe, no
ritmo, na imagística;
2º) assim, ele se configura e existe diferentemente em cada texto,
dirigindo-nos a recepção;
3º) e, por isso, não se confunde com a pessoa do poeta ( o eu
biográfico), mesmo quando expresso na primeira pessoa do discurso;

Utilizando esses traços de percepção do lirismo, podemos utilizar como


exemplo o poema de Vinícius de Moraes “Um poema acentuadamente lírico”, pelo
qual encontramos características bem acentuadas dos versos líricos. Vinícius de
Moraes construiu o seguinte poema:

Um poema acentuadamente lírico

Apavorado acordo, em treva. O luar


É como o espectro do meu sonho em mim
E sem destino, e louco, sou o mar
Patético, sonâmbulo e sem fim.

Desço da noite, envolto em sono; e os braços.


Como ímãs, atraio o firmamento
Enquanto os bruxos, velhos e devassos
Assoviam de mim na voz do vento.

Sou o mar! sou o mar! meu corpo informe


Sem dimensão e sem razão me leva
Para o silêncio onde o Silêncio dorme

Enorme. E como o mar dentro da treva


Num constante arremesso largo e aflito
Eu me espedaço em vão contra o infinito

O poema de Vinícius de Moraes traz “Eu poético” que canta a experiência


angustiada da solidão. Além disso, um dos fortes traços líricos encontra-se na fusão
entre sujeito e objeto, que pode ser percebido no verso “(...) sou o mar”. No próximo
verso, as características de um e de outro se misturam – “Patético, sonâmbulo e sem
fim” – já não sendo possível separar o sujeito da paisagem(SOARES, 2007).
Ainda, Soares (2007, p. 24-25)minuciosamente faz as seguintes análises sobre
as fortes características do lirismo romântico nos versos de Vinícius de Moraes:

37
Notemos, com estas últimas marcações textuais, que o sujeito
lírico se faz perceptível, não só quando indicado pela primeira pessoa,
mas também porque projetado nos arranjos especiais da linguagem.
A emoção lírica é favorecida ainda pelo predomínio da coordenação
(veja o acúmulo do conectivo aditivo "e"). E isto se dá porque a
coordenação impede uma apreensão lógico-circunstancial, própria
das conexões subordinativas. Destas restam, em poucos momentos, as
comparativas (segundo, sexto e décimo segundo versos) e uma
temporal (sétimo verso), quando a fusão se atenua, mantendo-se os
limites do corpo e da natureza.
O caráter emocional dos versos intensifica-se pela
musicalidade que, na forma escolhida do soneto, decorre do
tratamento melodioso e paralelístico das rimas, do ritmo e das estrofes.
Os versos estruturam-se em decassílabos, com acento ora marcado
na quarta, oitava e décima sílabas, ora na sexta e na décima. O
esquema de rimas é alternado até o décimo segundo verso: ABAB,
CDCD, EFEF, fechando- se em par — GG —, nos moldes do modelo
rímico inglês. Complementando sonoramente as imagens de aflição,
que culminam na simbolização do suicídio, Vinícius lança mão ainda
de outro tipo de repetições: as aliterações de nasais, sibilantes,
fricativas e vibrantes e até mesmo de rimas em eco
("dimensão"/"razão", "dorme"/"Enorme"), a prolongarem estas
o estado anímico poetizado.
O emprego do enjambement (que no exemplo citado é constante)
remete-nos para um transbordamento emocional, com a quebra
violenta da linearidade frásica. Pode mesmo acontecer, como no
soneto de Vinícius (do quinto para o sexto versos), que se utilize o
incompleto como uma das formas de privilegiar a emoção. Com "(...)
e os braços", o poeta inicia um pensamento que se suspende, na
prática da mímesis do estado afetivo. E assim, o fragmento, sem exigir
complementação, mantém o fluir da corrente lírica, nos trazendo, na
leitura, a sensação de ter evitado o poeta qualquer resistência ao
fluxo da disposição anímica (estado afetivo que, envolvendo todas as
coisas, elimina os distanciamentos).

São inúmeros os exemplos de grandes poetas que trazem o lirismo para dentro
de seus poemas, resultando no desejo de integração entre a emoção e o desejo de
interpretar o mundo.

38
FIXANDO O CONTEÚDO

1. A _______________________ tem como vocação exprimir os sentimentos, os estados


de espírito do sujeito na sua “interioridade” e em sua “profundidade”, e não a de
representar o mundo “exterior” e “objetivo”. O lirismo se confunde com a poesia
“pessoal” e mesmo “intimista”, e privilegia, assim, a introspecção meditativa, o
mais das vezes em tom melancólico, como indica a moda da elegia (COMBE,
2010, p.115).

Marque a opção que completa corretamente a frase.

a) Narrativa.
b) Poesia moderna.
c) Narrativa mítica.
d) Poesia lírica.
e) Literatura.

2. (FUNDATEC/2020 – Adaptada) Assinale a única alternativa que indica um gênero


literário.

a) Barroco.
b) Lírico.
c) Naturalismo.
d) Romantismo.
e) Arcadismo.

3. (FUNDATEC/2020 – Adaptada)A poesia de Carlos Drummond de Andrade


enquadra-se no que podemos chamar de gênero literário. Esse tipo de gênero
subdividem-se em três categorias. Assinale a alternativa CORRETA que
corresponda às subdivisões do gênero literário.

a) Gênero Épico, Lírico e Dramático.


b) Gênero Injuntivo, Expositivo, Descritivo.
c) Gênero Épico, Injuntivo, Expositivo.

39
d) Gênero Lírico, Dramático e Injuntivo.
e) Gênero Épico, Mítico e Dramático.

4. O mundo da ____________________________é particular e múltiplo


concomitantemente. Ele é singular quando revela o Ser na sua forma única de
existir e é múltiplo quando é fruto da experiência de mundo vivida. Portanto, a
poesia é a maneira do homem reconhecer o mundo, mas ela só se revela quando
o homem é aceito pelo mundo. Por isso, ao entregar-se ao mundo, de ser parte
dele, o homem se percebe dentro da cultura em que está inserido. (FERREIRA,
2011).

Marque a opção que completa corretamente a frase.

a) Narrativa.
b) Lírica.
c) Poesia.
d) Narrativa épica.
e) Narrativa mítica.

5. Qual a definição de linguagem poética segundo Alves (2002)?

a) Capacidade ou habilidade de recriar o existente, de registrar ou assumir o desejo


de deter sua passagem e fragilidade, provando a liberdade da criação.
b) Capacidade de criar narrativas fantásticas com vários heróis.
c) Capacidade de criação objetiva, carregando as palavras de sentidos múltiplos.
d) Capacidade de criação imagética da realidade através de palavras com sentido
único.
e) Capacidade de tornar um ambiente real como parte da imaginação utilizando
descrição objetiva.

40
6. (Prefeitura de Coroados/2018) Leia o poema de Paulo Leminski:

PARADA CARDÍACA

Essa minha secura


essa falta de sentimento
não tem ninguém que segure
vem de dentro
Vem da zona escura
donde vem o que sinto
sinto muito
sentir é muito lento.

Analise a alternativa acerca do poema de Leminski.

I. O poema tem apenas um verso.


II. Eu lírico mostra o seu descontentamento com a própria falta de sentimentos.
III. O eu lírico mostra seu sentimento em relação ao ser amado.

Assinale a alternativa CORRETA.

a) Apenas I.
b) Apenas II.
c) Apenas III.
d) As opções II e III.
e) As opções I e III.

7. O ____________________ é um termo usado dentro da literatura para designar o


pensamento geral daquele que está narrando um poema.

a) narrador
b) autor
c) leitor.
d) eu lírico.
e) narrador em primeira pessoa.

8. Mello (2002) ainda explica que a poesia fala através das imagens

41
_________________.

Marque a opção que completa corretamente a frase.

a) líricas.
b) narrativas.
c) de mundo.
d) do fantástico.
e) irreal.

42
ENTRE HISTÓRIAS, CAUSOS E UNIDADE
AVENTURAS 4

4.1 O HERÓI E SUAS FAÇANHAS GUERREIRAS

O gênero épico vem de tradições orais de civilizações antigas,


especificamente originário da Grécia, como menciona Paz (1976, p. 68), “a palavra
poética funda os povos. Sem épica não há sociedade possível, porque não existe
sociedade sem heróis em que reconhecer-se”.
Nesse sentido, no gênero épico verificamos o trabalho com narrativas que
trazem a figura de um herói que luta fervorosamente por seu povo, pelas pessoas que
amae nunca abandonando seus valores sociais, religiosos e culturais.
Quando pensamos na figura do herói, devemos ter em mente as seguintes
características, como revela Silva (2007, p. 34):

O herói e o relato, vinculados pelo signo da viagem, manifestam


igualmente, o índice da duplicidade que define a natureza do epos.
O herói épico caracteriza-se por uma dupla condição existencial, a
humana e a mítica, e o relato, pelo encadeamento de referenciais
históricos e simbólicos. A ação épica, representada iconicamente
pela viagem, normalmente tem início com ela, desenvolve-se no seu
curso e encerra-se com ela.

Nesse caso, o herói relata em sua trajetória várias façanhas que demonstram
força, determinação e coragem. É no relato de uma viagem heróica que o gênero
épico se desenvolve.
Esse gênero é formado por narrativas e apresentam as seguintes
características que o constitui: narrador, enredo, personagens, tempo e espaço.
Todavia, considerar toda e qualquer narrativa como épica não é tão simples
assim, pois para isso esse texto narrativo deve apresentar personagens heróicose suas
façanhas extraordinárias. Dessa forma, a presença de uma figura heróica é o que
diferencia um texto épico e um texto apenas narrativo.
Entretanto, nesse capítulo não pretendemos traçar uma teorização que
pretenda explicar esse gênero literário. Para tanto, ao analisarmos textos que
caracterizem esse gênero, naturalmente será apontado algumas características.
Pode-se citar, na literatura brasileira, Peri, do romance de O Guarani – José de

43
Alencar - como um exemplo de herói medieval. Devemos nos atentar a um pequeno
fragmento do livro:

Então passou-se sobre esse vasto deserto de água e céu uma cena estupenda,
heroica, sobre-humana; um espetáculo grandioso, uma sublime loucura.
Peri alucinado suspendeu-se aos cipós que se entrelaçavam pelos ramos das árvores
já cobertas de água, e com esforço desesperado cingindo o tronco da palmeira nos
seus braços hirtos, abalou-o até as raízes.
Três vezes os seus músculos de aço, estorcendo-se, inclinaram a haste robusta; e três
vezes o seu corpo vergou, cedendo a retração violenta da árvore, que voltava ao
lugar que a natureza lhe havia marcado.
Luta terrível, espantosa, louca, desvairada: luta da vida contra a matéria; luta do
homem contra a terra; luta da força contra a imobilidade.
Houve um momento de repouso em que o homem, concentrando todo o seu poder,
estorceu-se de novo contra a árvore; o ímpeto foi terrível; e pareceu que o corpo ia
despedaçar-se nessa distensão horrível:
Ambos, árvore e homem, embalançaram-se no seio das águas: a haste oscilou; as
raízes desprenderam-se da terra já minada profundamente pela torrente.

No excerto acima, verifica-se uma saga de Peri é digna de uma verdadeira


epopeia. Nesse trecho do livro, o herói indígena consegue, usando apenas a força
dos baços, arrancar uma grande palmeira para salvar a amada Ceci e a si próprio
da enchente de um rio. Isso caracteriza a força natural dos heróis épicos.
Anterior a esse feito mencionado, Peri ainda realiza muitos feitos heróicos em
sua trajetória épica em O Guarani, pois em sua jornada o mesmo realiza as seguintes
ações de heroísmo. Rios (2013, p. 03)narra algumas dessas ações:

Desce a uma gruta repleta de serpentes para recuperar o bracelete de Cecília que
caíra no fosso; enfrenta sozinho a tribo dos aimorés; bebe veneno, num sacrifício
estratégico para liquidar os aimorés, o que não se concretiza; corre contra o tempo
realizando uma corrida sobre-humana em busca do antídoto para o veneno; sai ileso,
com Cecília nos braços, do cerco dos aimorés e do meio das chamas que assolam a
casa dos Mariz.

Na narrativa épica de O Guarani, observamos a construção de um herói


épico. Nas ações que foram elencadas como feitos heróicos do índio, esse
personagem e sua trajetória possuem características típicas de uma epopeia. Peri
pode ser descrito como nobre; possui grandeza e humildade como atributo;
reputação de grande guerreiro; é uma lenda em sua cultura e realizou grandes feitos
por si mesmo e não pela glória.
O exemplo de Peri é apenas um dos vários heróis épicos construídos ao longo

44
de séculos de narrativas literárias. Para tanto, o herói do romance de José de Alencar
é uma figura indígena que traz a nacionalidade brasileira ao protagonista épico.

4.2 O MITO E O HERÓI

O herói é um ser em transição, uma personalidade quase mágica que nos


deslumbra porque personifica o anseio e a figura ideal do ser humano. Ele defende
a nossa causa e por isso identificamo-nos com ele. Buchaul (2009, p. 06) afirma que
“a luta do herói possibilita a superação dos medos, compensação das mágoas,
humilhações e a expressão da raiva. É a transcendência dos impulsos em busca da
totalidade ou significado”.
A necessidade de superação do ser humano diante das forças naturais faz
com que sejam necessários a criação de um herói, e esse “é essencialmente um
arquétipo, que “nasceu” para suprimir muitas de nossas deficiências psíquicas e
obedece ao mesmo perfil e modelo nas mais diferentes culturas. É o precursor
(arquétipo) da humanidade em geral” (BUCHAUL, 2009).
Dessa forma, esse herói vem com a função de tranquilizar o ser humano diante
do mundo desconhecido.
A criação do herói mítico vem de séculos atrás e se confunde com o
surgimento da própria literatura, ganhando formas e personalidades diferentes ao
longo da história. Nessa perspectiva, Campbell (1997, p. 14)explica que:

O herói, por conseguinte, é o homem ou mulher que conseguiu vencer


suas limitações históricas pessoais e locais e alcançou formas
normalmente válidas, humanas. As visões, idéias e inspirações dessas
pessoas vêm diretamente das fontes primárias da vida e do
pensamento humanos. Eis por que falam com eloqüência, não da
sociedade e da psique atuais, em estado de desintegração, mas da
fonte inesgotável por intermédio da qual a sociedade renasce. O
herói morreu como homem moderno; mas, como homem eterno —
aperfeiçoado, não específico e universal —, renasceu. Sua segunda e
solene tarefa e façanha é, por conseguinte (como o declara Toynbee
e como o indicam todas as mitologias da humanidade), retornar ao
nosso meio, transfigurado, e ensinar a lição de vida renovada que
aprendeu.

45
Também, na modernidade, percebemos a personificação do herói mítico em
personagens atuais. Temos por exemplo o Superman, que Selerprin (2016, p.
09)explana as seguintes informações:

Em nossa sociedade, as estruturas míticas estão fortemente presentes


nas imagens e nos comportamentos que são impostos às pessoas
através da mídia. As personagens das histórias em quadrinhos trazem
presentes em seus desenhos e em seus diálogos os heróis
mitológicos ou folclóricos. Essas personagens encarnam de tal
maneira os ideais da sociedade que, a qualquer mudança que
aconteça nas suas formas de agir ou, em casos mais específicos, em
se tratando da morte de um herói dos quadrinhos, ocasiona
verdadeiras crises nas pessoas que são leitoras assíduas dessas
histórias. Como exemplo para ilustrar essa nossa afirmação, usamos
o exemplo do herói chamado Superman. Esse personagem dos
quadrinhos tornou­se popular devido a sua dupla identidade. “[...]
oriundo de um planeta destruído por sua catástrofe, e dotado
de poderes prodigiosos, ele vive na Terra sob a aparência modesta
de um jornalista, Clark Kent; Clark se mostra tímido, pagado,
dominado por sua colega Miriam Lane. Em suma, esse mito do
Superman, representa os anseios do homem moderno, o qual,
consciente da sua limitação, sonha com um futuro brilhante, de um vir
a se tornar alguém importante, um herói.

O que podemos notar é que há uma semelhança muito grande entre as


histórias dos heróis. Há muitos anos percebe-se as características parecidas entre
personagens e suas ações heróicas nos mais variados tipos de culturas existentes, e
isso acontece ao longo da história de humanidade (MÜLLER, 2017).
Ademais, uma explicação muito satisfatória para essa grande semelhança
entre as figuras heróicas ao longo dos milênios é apresentada ainda porMüller(2017,
p. 22):

[...] a ocorrência universal e a semelhança dos motivos míticos do herói


remontam em toda parte ao fato de que o herói substitui o ser humano
exemplar, que se esforça por uma renovação social, pelo domínio
criativo da vida e pela ampliação da consciência. As experiências,
conflitos e dificuldades ligadas a isso são extremamente semelhantes
para as pessoas de todas as culturas.

Por fim, essa necessidade do ser humano em criar heróis é antiga, entretanto,
de acordo com a necessidade de cada sociedade, esses heróis exprimem um pouco
da cultura de cada povo, mas mantém algumas características que são comuns em
todas as sociedades do planeta.

46
4.3 A POESIA ÉPICA: A NARRATIVA EM VERSOS

A épica tem seu nascimento na oralidade ancestral grega, anterior ao século


XIII a. C., mas nessa época ainda não se tinha essa denominação. O termo ‘épica’
provém do grego épos e significa, de modo mais amplo, ‘palavra’, ‘discurso’. Nessa
época, a métrica poética (hexâmetro datílico) e todas as poesias apresentam
caráter narrativo ou expositivo (MONTAGNER, 2014).
Cabe mencionar que a poesia épica é uma das tradições mais antigas dentro
da literatura, que iniciou-se há séculos antes de Cristo e estende-se até os nossos dias.
Garbariano (2001) apud Montagner (2014, p. 03)afirmam que “na idade pré-histórica,
a épica grega era recitada pelos ‘rapsodos’, uma espécie de contadores de histórias
que se apresentavam nos festins e que também transmitiam para as gerações
seguintes os próprios cantos e os de outrem”.
Ainda para o mesmo autor, Montagner (2014, p. 02), o discurso épico nasce
de um desejo humano, como o mesmo explica na seguinte passagem:

O épos nasce, pois, do desejo de perpetuar a memória de um


patrimônio de narrativas legendárias nas quais os protagonistas eram
personagens de elevada estirpe, dotados de virtudes excepcionais e
capazes de realizar feitos extraordinários. Seria, portanto, evocando o
passado, uma forma de afirmar e celebrar os valores em que uma
coletividade, um grupo social, um povo se reconhecem.

Percebe-se que ao longo da história, o ser humano buscou maneiras de


perpetuação das narrativas orais e a poesia foi uma dessas formas.
Ademais, passando para um modo mais prático,quando temos um poema
épico (ou epopeia), temos as seguintes características: proposição ou prólogo: situa
o leitor ao tema da epopeia e o conhecimento nominal do herói; invocação:

47
apresenta-se como uma inspiração divina a pedido do autor; dedicatória: o
momento em que o poeta faz homenagem a alguém que considera importante;
narrativa: a própria história e momentos importantes do herói em sua trajetória;
conclusão ou epílogo: a finalização de toda a narrativa épica.
Utilizando essa estrutura, podemos citar como exemplos de poemas épicos:
Ilíada e Odisseia, de Homero; Eneida, de Virgílio (70 a. C.-19 a. C.); e Os lusíadas, de
Luís Vaz de Camões (1524-1580).
Quando fazemos menção ao Brasil, é válido destacar dois grandes poemas
épicos: “Caramuru”, de Santa Rita Durão (1722-1784), e “O Uruguai”, de Basílio da
Gama (1741-1795).
Dessa forma, analisaremos um trecho do poema “Caramuru”, deFrei José de
Santa Rita Durão (1722-1784), para percebermos partes da estrutura de uma epopeia
narrada em versos.
No poema, o português Diogo Álvares, protagonista da narrativa em versos,
possui dois elementos essenciais para a configuração de um herói épico: a
veracidade histórica e o mito criado em torno de sua figura. Além disso, de acordo
com Biron (2010, p. 43), na construção dessa personagem, avulta o homem histórico,
que viveu no século XVI, sofreu um naufrágio no litoral da Bahia, foi resgatado por
uma tribo indígena, casou-se com uma nativa e teve papel importante na catequese
dos silvícolas. Aprendeu a língua tupi, para a qual traduziu algumas orações e
práticas católicas, o que lhe possibilitou servir de intermediário entre os nativos e os
jesuítas.
Ademais, segundo o autor Biron(2010, p. 43), o protagonista do poema
Caramuru apresenta uma série de características que fazem do poema de Frei José
de Santa Rita Durão um poema épico nacional, como podemos perceber no excerto
seguinte:

Em torno da personagem histórica há alguns atributos míticos, como o


que sobressai na passagem em que Diogo Álvares, com uma
espingarda, abate uma ave em pleno voo. Entre assustados e
maravilhados, os indígenas se apercebem da força do que lhes
parece inexplicável e, como única resposta, o aclamam “Filho do
Trovão”, “Caramuru” (nome indígena que significa filho do fogo,
dragão do mar, dragão que o mar vomita, grande moreia, rio grande,
e ainda aquele que sabe falar a língua dos índios). Inicia-se, assim,
com um “espetáculo” de destreza e poder sobrenatural, a sucessão
de vitórias que irão desenhar, ao longo do poema, a figura heroica de
Diogo Álvares Correia.

48
O poema épico Caramuru apresenta a jornada heróica de Diogo Álvares
Correiaque, após traçar um longo caminho de feitos altruístas e corajosos, retorna a
Europa com a índia Paraguaçu. Ao chegar ao continente Europeu, a indígena é
batizada, o casal é festejado e recebe as honras da realeza.
Verifica-se, portanto, que o poema mencionado apresenta características da
poesia épica, estruturado em versos e estrofes, apresenta narrações de ações nobres
representativos da história de uma determinada cultura.

49
FIXANDO O CONTEÚDO

1. O ____________________ vem de tradições orais de civilizações antigas,


especificamente originário da Grécia, como menciona Octavio Paz (1976, p. 68),
“a palavra poética funda os povos. Sem épica não há sociedade possível, porque
não existe sociedade sem heróis em que reconhecer-se”.

Complete a frase com a opção correta.

a) Gênero literário.
b) Gênero épico.
c) Gênero lírico.
d) Gênero mítico.
e) Gênero poético.

2. Qual das características abaixo relaciona-se ao gênero épico?

a) Crítica à realidade.
b) Objetividade.
c) A existência do herói.
d) Falta de personagem.
e) Descontinuidade cronológica.

3. Marque a alternativa incorreta em relação a epopeia.

a) A epopeia representa valores da aristocracia.


b) O objeto da epopeia é o passado heróico.
c) As ações épicas limitam-se ao presente.
d) Os heróis épicos possuem uma linhagem, estão imersos em uma tradição.
e) A fonte das epopeias são as lendas e mitos.

4. Leia as afirmativas abaixo sobre o herói:

I. Ele reúne em si características positivas.

50
II. Ele prestigia valores e interesses coletivos.
III. Ele se isola num mundo privado.

Marque a alternativa correta.

a) Somente I está correta.


b) Somente II está correta.
c) Somente III está correta.
d) As alternativas I e II estão corretas.
e) As alternativas I e III estão corretas.

5. O gênero narrativo apresenta as seguintes características que o constitui, exceto:

a) Narrador.
b) Personagens.
c) Enredo.
d) Tempo.
e) Lirismo.

6. Na narrativa épica de O Guarani, observamos a construção de ______________.

a) um herói comum.
b) um herói épico.
c) um herói sem prestígio por se índio.
d) um herói lírico.
e) um anti-herói.

7. A necessidade do ser humano em criar heróis é antiga, entretanto de acordo com


a necessidade de cada ____________________, esses heróis exprimem um pouco da
cultura de cada povo, mas mantêm algumas características que são comuns em
todas as sociedades do planeta.

Marque a opção que completa corretamente a frase.


a) Sociedade.

51
b) Elite.
c) Autor.
d) Momento histórico.
e) Mudança europeia.

8. Quando temos um poema épico (ou epopeia) temos as seguintes características,


exceto:

a) Proposição ou prólogo: indicação da temática e menção ao nome do herói.


b) Invocação: o narrador pede inspiração a um ser divino.
c) Dedicatória: o poeta dedica sua vitória somente aos reis e nobres.
d) Narrativa: o relato das aventuras vividas e dos obstáculos vencidos pelo
protagonista.
e) Conclusão ou epílogo: o final da história.

52
ENTRE ATOS E CENAS UNIDADE

5.1 LITERATURA E TEATRO

Toda manifestação teatral e dramática é parte da história humana e da sua


evolução. Mesmo na pré-história, os homens já faziam uso de máscaras e fantasias
para atrair uma caça. Nesse momento, já se percebia uma ação de cunho teatral.
Para Mostaço (2012, p. 02):

É preciso entender, inicialmente, o objeto em estudo. O teatro não é


o texto dramático, escrito por um autor, na solidão de seu escritório,
mas sua encenação, um produto coletivo que implica na composição
de uma equipe que o concretiza no palco, assim como a série de suas
apresentações para uma audiência. O teatro é uma prática de cena,
um modo de expressão entre indivíduos, uma cerimônia pública
complexa que demanda fatores distintos para sua emergência e
consecução, entre as quais pode ou não existir um texto prévio.

O teatro como uma manifestação da história da humanidade fez parte da


cultura de vários povos, mas encontrou seu apogeu na Grécia Antiga. Como explica
Cebulski(2010, p. 12):

As formas dramáticas gregas – a tragédia e a comédia – tiveram


tamanha força e intensidade no seu tempo, que atravessaram os
séculos inspirando criações e fornecendo modelos teatrais vindouros
até chegar à contemporaneidade. Tratava-se de um teatro cívico,
organizado pelo Estado, com a finalidade de promover o sentimento
de responsabilidade e o zelo pelas coisas públicas entre os cidadãos
da pólis, bem como a unidade entre os diversos povos que
compunham a sociedade grega. A grandiosidade do espetáculo
mobilizava todos os povos helênicos, que acorriam aos teatros ao ar
livre para ver e ouvir encenadas as histórias dos seus reis, rainhas,
heróis, deuses e deusas, além dos seres sobrenaturais que povoavam
suas crenças religiosas, dando origem ao que hoje conhecemos por
mitologia grega.

A grandiosidade do teatro grego se estende até a contemporaneidade com


algumas mudanças, mas prevalece sendo uma arte muito importante para a cultura
de cada sociedade.
Para tanto, sabe-se que o teatro, inicialmente, surgiu a partir de um texto
literário. Na verdade, a representação, quando adota a palavra como forma de
comunicação e interação com o público, torna-se parte da literatura, mas vai

53
tornando-se distinto na medida em que é representado, originando novos signos,
novos sentidos e novos olhares. Assim, a literatura e o teatro são produtos culturais
complementares. Dessa forma, o leitor que desejar conhecer essas expressões
artísticas, deve exercitar a imaginação para compreender os diferentes significados
que essas artes apresentam.
Nesse sentido, a relação entre teatro e literatura advém do entendimento de
que a encenação cênica é a recriação literária, pois o texto teatral “se alimenta da
linguagem literária para se erigir como espetáculo” (MOISÉS, 1997).
Um texto dramático é o início de um grande espetáculo, especialmente na
contemporaneidade, em que se encontram muitas encenações que não
dependem de um texto para a sua existência (GRAZIOLI, 2019).
Nesse sentido, Pavis (2011) apud Grazioli (2019, p. 339):

decorre diretamente do texto: decorre no sentido em que a cena


atualiza elementos contidos no texto. É até mesmo esse, no fundo, o
verdadeiro sentido da expressão “encenar um texto”: coloca-se em
cena, elementos que se acabou de extrair do texto, depois de tê-lo
lido. O texto é então concebido como uma reserva, ou até mesmo o
depositário de sentido que a representação tem como missão extrair
e expressar como se extrai o suco (cênico) da cenoura (textual).

A linguagem literária e a linguagem teatral são complementares e se


assemelham em alguns aspectos. A primeira é uma arte que trabalha essencialmente
com recursos de imaginação, pois depende principalmente do potencial de seu
autor na elaboração de sua narrativa, de seus personagens, de suas ações e tramas.
Já a segunda, a linguagem teatral, também é uma arte imaginária, sua essência é a
imaginação de seus atores metamorfoseados que faz a magia teatral (CORREIA,
2010).
Nessa perspectiva, quando pensamos no teatro como arte, devemos nos
atentar para o fato de que a arte teatral é formada por várias outras. E a partir desse
viés, podemos entendê-la como a materialização visual das produções literárias.
Assim, quando pensamos o cinema como uma forma de arte, Badiou (1998) apud
Correia (2010, p. 07) afirmam que “é impossível pensar o cinema fora de um tipo de
espaço geral onde apreendemos a sua conexão com outras artes”.
Muitas obras literárias são transformadas em peças teatrais todos os anos.
Dessa forma, podemos citar algumas adaptações literárias para o teatro: A Casa dos
Budas Ditosos - João Ubaldo Ribeiro; A Cor Púrpura - Alice Walker; Amar, Verbo
Intransitivo - Mário Andrade; Quarto de Despejo - Carolina Maria de Jesus, dentre

54
muitos outros.
Em suma, verifica-se que uma das mais antigas manifestações culturais da
humanidade, o teatro, tem um diálogo próximo com a literatura, por isso sempre que
assistimos a uma peça teatral podemos descobrir que essa se trata de uma
adaptação de um romance ou um livro de crônicas.

5.2 A CONVERSÃO DE TEXTOS PARA A REPRESENTAÇÃO TEATRAL: UMA


TENDÊNCIA ATUAL

Há uma tendência atual de adaptar obras literárias para o audiovisual, essas


adaptações vêm ganhando cada vez mais espaço na indústria dos espetáculos.
As formas teatrais contemporâneas utilizam textos líricos ou narrativos no lugar
do texto dramático e com isso ocorre a existência de diversos textos performáticos,
caracterizados de acordo com seu modo de inserção no espetáculo. Dessa forma,
alguns desses textos matêm uma linearidade narrativa, outros continuam
heterogêneos, incompletos e fragmentados (PINHEIRO, 2018).
Dessa forma, a adaptação é um trabalho autoral em que há a possibilidade
de percebermos as marcas deixadas pelo adaptador. Essas adaptações precisam e
devem ser valoradas como produto da cultura letrada, que amplia os horizontes
culturais para os mais diversos suportes midiáticos, possibilitando assim, uma
amplitude cultural(DEVIDES, 2018).
Para exemplificar sobre essa adaptação, podemos utilizar o livro “Quarto de
despejo” da autora Carolina Maria de Jesus, que foi adaptado para o teatro sob o
título Eu Amarelo: Carolina Maria de Jesus. Sob esse viés, para realizar a peça teatral
foi necessário adaptar o texto para o teatro. Dessa forma, Devides (2018) “ao receber
acréscimos, supressões, mudanças de focos narrativos e de enredo, obteve-se um
novo texto para um novo suporte, ou seja, obteve-se uma adaptação”.

55
Sobre a adaptação Devides (2018, p. 439)explica que:

adaptação é, portanto, processo e produto. Processo, pois, como ato


criativo de interpretação de uma obra exige que se coloque em
marcha uma série de alterações necessárias para que o novo texto
seja apropriado para o outro suporte que o receberá. (...)Tais
alterações são de toda ordem, desde narratológicas, quanto
econômicas, sociais e políticas; elementos estes sumamente
importantes para analisar e realizar uma adaptação. Produto,
destarte, é o resultado, por assim dizer, o artefato posto à venda, em
exposição, ou simplesmente à disposição; quer seja um filme, um
videogame, uma minissérie de TV, uma ópera, etc.

Um texto relaciona-se com o outro, e ao acontecer essa adaptação desses


textos para o teatro, por exemplo, devemos conceber essa mudança como uma
perpetuação dessa obra. Nessa perspectiva, Hutcheon (2011, p. 234):

A adaptação não é vampiresca: ela não retira o sangue de sua fonte,


abandonando-a para a morte ou já morta, nem é mais pálida que a
obra adaptada. Ela pode, pelo contrário, manter viva a obra anterior,
dando-lhe uma sobrevida que esta nunca teria de outra maneira.

Uma adaptação tem potencial para ser a porta de entrada para a mídia
procedente, não sendo imperioso que primeiro deve-se receber o “original” – o texto
– para depois experimentar a adaptação. Não há uma regra para apreciar essas
manifestações da arte. Na verdade podemos compreender essa importância da
adaptação apresentando múltiplas funções nas inúmeras culturas e tempos históricos
da civilização humana, demonstrando a potencialidade artística da adaptação
como transformação(TREBIEN, 2019).
Entretanto, deve-se atentar ao fato de que embora existam vários espetáculos
teatrais inspirados ou adaptados de obras literárias, há também a criação de textos
teatrais que configuram em uma literatura de gênero diverso voltado para o palco.

56
5.3 LITERATURA, TELEVISÃO, CINEMA E STREAMING

A literatura, a televisão e o cinema, tanto na sua vertente de indústria, quanto


na artística, apresentam uma importância incontestável na cultural mundial. Essas três
formas de cultura atuam como uma representação da narrativa humana.
Ao longo dos séculos, essas expressões culturais –literatura, televisão e cinema
– foram se popularizando e tornando-se parte da indústria cultural.
A indústria cultural, por sua vez, propiciou a expansão dessas expressões da
arte a todos, transcendendo distinções sociais, étnicas, sexuais, etárias etc. fazendo
com que surgisse a chamada cultura de massa.
Coutoet al.(2008, p. 111)menciona o seguinte a respeito da cultura de massa:

E é preciso considerar que muitas vezes essa influência deve ser


considerada bastante positiva. Basta observarmos o quanto os níveis
e as distâncias culturais foram sublimadas, não existindo o que é
estritamente visto por apenas um grupo seleto que dita a estrutura do
bom gosto. Como nos lembra Eco (1996, p. 45), “[...] o homem que
assobia Beethoven porque o ouviu pelo rádio já é um homem que,
embora ao simples nível da melodia, se aproximou de Beethoven.”

O mesmo autor, Couto (2008, p. 113), ainda menciona que, a partir de 1990,
os avanços das tecnologias digitais e sua crescente popularização propiciaram uma
crescente mudança na apropriação cultural:

O sistema digital todos-todos rompe barreiras, influencia, condiciona


e modifica comportamentos cristalizados pelas mídias tradicionais. Na
abertura das mudanças provocadas, conceitos também são
modificados pela influência dos meios tecnológicos e suas
mediações. O objeto central não é mais os meios de comunicação
em si e nem a recepção das mensagens da mídia por parte dos
receptores, mas as mediações, ou seja, as relações entre as práticas
de comunicação e os movimentos sociais, para as diferentes
temporalidades e para a pluralidade de matrizes culturais. [...] Essas
mediações são dispositivos técnicos, culturais, sociais e políticos das
relações entre o receptor e os meios de comunicação. Catalisadores
de transformações e transposições de um contexto social e cultural.
De todos e para todos, as tecnologias digitais superam geleiras
culturais tradicionais das mídias.

Todos os avanços tecnológicos “impulsionados por setores com interesses em


tornar seu grupo ou nação socioeconomicamente relevantes, são também
responsáveis por revoluções culturais nos meios midiáticos” Braga (2010) apud
Acevedo et al. (2020, p. 289).
Esses progressos da tecnologia e a necessidade de reafirmação de grupos e

57
expansão de conteúdos fez surgir a tecnologia de streaming (transmissão). Essa
tecnologia é o que nos permite o acesso e a transmissão de conteúdos pela Internet
e em tempo real sem a necessidade de armazenamento nos dispositivos pessoais das
pessoas.
O crescimento e importância dessa nova tecnologia de transmissão se deve a
vários fatores, dentre os quaisAcevedo et. al. (2020, p. 289)relaciona-os da seguinte
forma:

O progresso na tecnologia de suporte à Internet em si, que permitiu


maior velocidade, qualidade e acesso à população; a popularização
do smartphone, que permitiu o acesso verdadeiramente portátil à
informação, dependendo apenas de uma conexão com a internet.

Dessa forma, grande parte da população mundial dispõe de ferramentas para


obter serviços de streaming e consequentemente acompanharem as transformações
e popularização dos mais diversos produtos culturais – literatura, televisão e cinema.
Faz-se necessário, então, analisar separadamente cada uma dessas
manifestações culturais dentro da era da transmissão em massa.
Iniciando essa análise pela literatura, verifica-se que a tecnologia digital
colocou em questão conceitos tradicionais, principalmente por hibridar o erudito
herdado dos antepassados, com o inédito, que proporciona vivências originais e
diversificadas. Nesse caso, uma das áreas mais afetadas diz respeito ao livro e às
práticas de leitura, pois, para além da evolução tecnológica, têm-se as mutações
culturais.O texto literário na web, por exemplo, desmaterializa-se do livro impresso
enquanto objeto e passa a integrar a cultura participativa, conectando pessoas a
partir das ferramentas de interação, partilha e produção, e formando ao seu redor
uma teia de leitores, com preferências e gostos literários similares(FURTADO, 2018).
Na perspectiva literária, Furtado (2018)explica que os streamings propiciam ao
consumidor cultural contemporâneo um padrão de acesso e uso da informação e
da literatura, colocando em choque a tutela de objetos culturais. O livro, antes objeto
material, tinha sua posse e preservação priorizada como bem patrimonial, mas agora
percorre o caminho entre o material e o imaterial, pois seu consumo extrapola a
compra do artefato físico. Consequentemente, a cultura se apresenta em novos
suportes.
Quando passamos a analisar o produto cultural televisivo, Ladeira (2016),em
Audiovisual, televisão e streaming, menciona que a importância da transmissão por

58
streaming importa muito para a televisão em termos de desdobramento para o
futuro. Para tanto, na associação entre Internet e televisão, aquilo que se restringia a
um único mecanismo passa a tornar parte de um universo mais amplo.
Sob esse viés, Favoreto (2018, p. 11)explica que:

A televisão e também a internet, foram se firmando como tecnologias


amplamente utilizadas por sujeitos de todos os padrões, níveis
hierárquicos etc., entretanto, tais tecnologias não estagnaram, e sim,
adquiriram novas características que foram se modernizando e se
adaptando de acordo com os anseios dos consumidores, sendo um
exemplo claro disso, o advento da tecnologia de streaming, assim
como o surgimento e amplo incentivo da televisão com transmissão
digital. Mas essas novas tecnologias, não representam somente um
avanço em nível tecnológico, conotam também, uma evolução na
forma de comunicação e de interação entre consumidores e
produtores e reprodutores dos mais variados tipos de conteúdo.

No que tange a televisão, no futuro é possível que esse produto cultural seja,
sobretudo, conectado e que abrangerá uma quantidade maior de criadores,
“indiferente se eles são de emissoras, de provedores de conteúdo, ou de qualquer
pessoa que crie e compartilhe algo na rede” (FAVORETO, 2018, p. 11).
Já o cinema na atualidade tem uma pluralidade de conceitos. Ainda hoje,
muitas pessoas entendem cinema como uma experiência social; assistir a um filme
em uma ampla sala escura, de regras rígidas de comportamento silencioso, a uma
experiência com companhia. Em suma, uma experiência coletiva num determinado
tempo e espaço. Mas, é verdade também, que ver filmes, atualmente, pode ser
definido através da abertura de um separador no computador, ou carregando no
botão visual do serviço de televisão que encaminha para o catálogo
cinematográfico do próprio serviço(MAGALHÃES, 2020 ).
Segundo Machado e Vélez (2014) apud Azevedo& Rocha (2018, p. 102):

Com o advento das plataformas streaming, os indivíduos puderam


contar com a autoprogramação, saindo da condição de meros
espectadores "passivos" para se tornarem interatores. Este novo
modelo de consumidor exige experiências midiáticas mais fluidas, que
permitam cada indivíduo compor sua grade de programas e
possibilite sua maneira particular de interagir com elas.

Essas formas de interação e ampliação dos produtos culturais, no caso do


cinema, trouxeram uma nova realidade para as pessoas, pois o acesso a esse tipo
de arte audiovisual tornou-se mais democrática.
Por fim, ao pensarmos no futuro da literatura, televisão e cinema dentro dos

59
avanços tecnológicos, verifica-se que o surgimento das plataformas de streaming
também provocou a necessidade de ressignificar as narrativas de modo geral. Não
se trata do fim no sentido concreto, mas de um processo profundo de mudanças dos
conceitos. Por conta disso, a hibridização é muito presente, o que vai acontecer é
um período de mudanças, de experimentação de novos modelos da linguagem e a
perpetuação das artes de forma menos elitizada (AZEVEDO; ROCHA, 2018).

60
FIXANDO O CONTEÚDO

1. A linguagem literária e a linguagem teatral são __________________ e se


____________________ em alguns aspectos.

Marque a questão que completa corretamente a frase:

a) Antagônicas / assemelham
b) Complementares / assemelham
c) Distintas / confrontam
d) Antagônicas / confrontam
e) Complementares / distanciam

2. Uma das mais antigas manifestações culturais da humanidade, o teatro, tem um


diálogo próximo com a __________________________________, por isso sempre que
assistimos a uma peça teatral podemos descobrir que essa se trata de uma
adaptação de um romance ou um livro de crônicas.

a) Linguagem.
b) Apresentação.
c) Literatura.
d) Arte.
e) Lírica musical.

3. (FEPESE/ 2019 – adaptada) Na linguagem específica do Teatro, existe uma


diferenciação de nomenclatura que identifica a apropriação do espaço.

O Espaço concretamente perceptível pelo público e que consiste em cada uma


das unidades de ação de uma peça, ou ainda o lugar onde as personagens se
movimentam, é reconhecido como espaço

a) lúdico.
b) cênico.
c) textual.

61
d) dramático.
e) imagético.

4. (NUCEPE/UESPI/2019 ) A criação em Arte pode ser desenvolvida com inúmeros


elementos, inclusive os do cotidiano. Basta olhar em volta para perceber os
significados, histórias, sons, imagens e outros sinais espalhados pelo mundo. Na
contemporaneidade, uma metodologia para criação que busca a
horizontalidade nas relações entre os criadores do espetáculo, prescindindo de
qualquer hierarquia preestabelecida, denomina-se como

a) criação processual.
b) criação coletiva.
c) criação interdisciplinar.
d) processo transdisciplinar de criação.
e) processo colaborativo.

5. Embora existam vários espetáculos teatrais inspirados ou adaptados de obras


literárias, há também a criação de textos teatrais que configuram em uma
literatura de gênero diverso voltado para o __________________.

a) palco.
b) cinema.
c) televisão.
d) peça escolar.
e) série.

6. O ____________________________ é um meio que permite que o usuário acesse


diversos dados, tais como áudios e vídeos, sem necessitar da realização de
download para a sua execução. A referida tecnologia permite a transmissão em
tempo real, sendo prescindível a preservação de cópia do arquivo digital em seu
dispositivo.

a) banda larga
b) texto literário

62
c) streaming
d) site de literatura
e) download

7. Furtado (2018) explica que os streamings propiciam ao consumidor cultural


contemporâneo um padrão de acesso e uso da ____________________ e da
_____________________, colocando em choque a tutela de objetos culturais.

Marque a alternativa que completa a frase corretamente.

a) Informação/literatura.
b) Informação /cinema.
c) Literatura/teatro.
d) Socialização / informação.
e) Adaptação / literatura.

8. A indústria cultural, por sua vez, propiciou a expansão dessas expressões da arte a
todos, transcendendo distinções sociais, étnicas, sexuais, etárias etc. fazendo com
que surgisse a chamada cultura de massa.

Essa afirmação pode ser interpretada da seguinte forma:

a) A indústria cultural proporcionou a perpetuação da elitização dos produtos


culturais.
b) Nem todas as pessoas podem ter acesso aos produtos clássicos das artes.
c) A indústria cultural proporcionou, a um grande número de pessoas, os acessos aos
mais diversos produtos culturais.
d) A indústria cultural proporcionou, a um grande número de pessoas, a possibilidade
de conhecer as artes populares.
e) A indústria cultural não permitiu, a um grande número de pessoas, o acesso aos
produtos culturais da literatura.

63
ENFIM, OS ESTUDOS LITERÁRIOS UNIDADE
06

6.1 O QUE SIGNIFICA ESTUDAR LITERATURA?

Para sabermos difundir a arte de ensinar, faz-se necessário e indispensável ter


noções do que se pretende ensinar. Isso vale, naturalmente, também à literatura.
Para tanto, é necessário procurar entender em que consiste e para que serve a
literatura, por que devemos estudá-la?
Inicialmente, podemos pensar a literatura como uma reflexão sobre o mundo
com características particulares próprias.
Segundo Leite (1986, p. 46),pode-se listar cinco abrangências da literatura:

1.A literatura como Instituição Nacional e patrimônio cultural.


2.A literatura como um sistema de obras, autores e públicos.
3.A literatura como disciplina escolar que se confunde com a história
literária.
4.Cada texto consagrado pela crítica como sendo literário.
5.Qualquer texto mesmo, não consagrado, com intenção literária,
visível num trabalho da linguagem e da imaginação, ou simplesmente
esse trabalho como tal.

Nessas concepções, e especialmente no número 5, verifica-se uma utilização


prática da literatura, isto é, como deve ser feito um trabalho com a linguagem. A
partir dessa reflexão, o ensino da língua e da literatura, integradas numa mesma
prática, se faz possível pela invenção livre do texto(LEITE, 1986).
Outro importante ponto a ser mencionado sobre a literatura é sobre a
experiência única que acontece ao lermos um texto literário. Nesta perspectiva,
Lopes (2010, p. 06)menciona que:

Parece-me fundamental refletir, no estudo da literatura, sobre as


relações entre imaginário, imaginação, realidade e real. O imaginário
é a herança cultural das comunidades e nações culturais (como as
entenderam os românticos). De fato, o imaginário constrói o mundo
como o recebemos e o concebemos. A imaginação, o maior poder
individual do homem, modifica o próprio imaginário e a recepção do
mundo (ou leitura do mundo). A realidade é concreto-sensorial. O real
é conjunção da realidade com o imaginário, a que se pode
acrescentar a imaginação.

Em outras palavras, o estudo da literatura tem como função a transformação

64
do mundo real para o mundo ficcional, e ainda consegue através da palavra
eternizar todo o conhecimento de mundo que nos cerca. A literatura nos permite
sermos humanizados através de sua rica experiência (MORAES; BULAMARQUI, 2014).
Candido (1995, p. 179)traz a seguinte explicação:

Ao confirmar e negar, propor e denunciar, apoiar e combater, a


literatura possibilita ao homem viver seus problemas de forma
dialética, tornando-se um "bem incompressível”, pois confirma o
homem na sua humanidade, inclusive porque atua em grande parte
no subconsciente e no inconsciente.

Além disso, nas palavras de Jouve (2012, p. 15)encontramos muitas razões para
estudar literatura:

A literatura tem um valor específico que confere legitimidade aos


estudos literários, porque o confronto com as obras enriquece nossa
existência ao abrir o campo dos possíveis. A literatura, pela liberdade
que a funda, exprime conteúdos diversos, essenciais e secundários,
evidentes e problemáticos, coerentes e contraditórios, que
frequentemente antecipam os conhecimentos vindouros. Em cada
época, textos estranhos e atípicos nos mostram (ou nos lembram) que
o ser humano continua sendo um universo com vasta extensão a
explorar.

Verifica-se, portanto,que o estudo literário é multidisciplinar, pois há várias


áreas do conhecimento que fazem parte do universo da literatura: Linguística,
História, Filosofia, Sociologia etc. Entretanto, a arte literária é tão única, que mesmo
se fazendo parte de várias outras áreas do conhecimento, ainda possui autonomia
para descrever o mundo de uma maneira bem particular e própria (JOUVE, 2012).
Mas a pergunta a ser respondida nesta unidade é “por que estudar
literatura?”Santos e Souza(2008, p. 02)assevera que a importância da literatura é a
sua capacidade de ser atemporal:

um dos instrumentos de construção teórico - metodológica da


interpretação da realidade, isto é, tudo o que existe de manei a
perceptível ou não, a literatura por meio de sua textualidade, ajuda a
compreender a constituição da vida intelectual e da sociedade
pertencente a um determinado momento histórico.

Em outras palavras, a literatura é importante para a sociedade porque ela é


parte da construção histórica e social da humanidade. Há muito conhecimento por
traz de toda obra literária existente, sendo esse renovado a cada geração de acordo
com as transformações culturais e históricas que vão surgindo ao longo do tempo.

65
6.2 O QUE FAZ UM PROFISSIONAL ESPECIALIZADO NA ÁREA DA LITERATURA?

Você sabe o que significa letrólogo?


Segundo o dicionário, letrólogo é a pessoa que completou a graduação no
curso de Letras; linguista. Etimologia (origem da palavra letrólogo). Letra do latim
"littera" + lógos do grego "estudo".
Nóbrega (2017, p. 01)aponta algumas possibilidades de carreira para esse
profissional:

O mercado nunca foi tão oportuno aos profissionais de Letras como


no século XXI. Isso ocorre porque o sistema de produção se baseia em
redes que requerem o conhecimento linguístico em todas as suas
etapas. Esse contexto multidirecional de informação realça a
competência verbal, a produção escrita, a capacidade de ler e
escrever. Blogs e e-mails são exemplos de tecnologia comunicacional
com número crescente de usuários. Facebook, Twitter e Instagram são
redes sociais para troca de opiniões. Além do avanço da tecnologia
no dia a dia das pessoas, a facilidade das viagens internacionais, a
turismo, trabalho ou estudo, cria circunstâncias de multilinguismo e
expande a importância de dominar outras línguas, além da materna.
Como consequência, todo o contexto da atualidade enfatiza os
idiomas, objeto de estudo por excelência do curso de Letras,
juntamente com as respectivas literaturas e culturas.

Também, temos o teórico literário, a atividade desse profissional é mais


criteriosa, pois esse profissional deve examinar minuciosamente as diferentes criações
literárias de diferentes autores, e atribuir juízo de valor. Para tanto, essa avaliação
deve ter caráter objetivo, ou seja, os gostos pessoais desse crítico devem ser deixados
de lado a fim de que a análise dos materiais escritos sejam efetivas e de valor
objetivo(ZILBERMAN, 2012).
Mas, voltando à área da literatura, especificamente, o profissional que se
apropriar do conhecimento dessa arte, como ciência da existência humana, cumpre
a função de eternizar o legado em diferentes campos dos conhecimentos pelos
sujeitos que ousaram, construíram pontes dialógicas e de conhecimento, dos que
ainda se propõem desbravar novos caminhos na reconstrução de cada marca social
no percurso da história da humanidade(SOUSA, 2019).

66
O autor Souza (2019, p. 17) ainda acrescenta a respeito do profissional que
trabalha com a literatura nos âmbitos escolares:

Trabalhar com literatura na sala de aula é, ao mesmo tempo, trazer os


novos significados humanistas das práticas de ensino, associando-os
na formação dos sujeitos com as funções que o texto poético é capaz
de provocar e estabelecer, pois na relação da literatura com o plano
de formação humanitária a arte literária evidencia em cada parte da
obra como o leitor promove um descompasso no contexto inerte de
simples expectador literário para agente protagonista de letramento
literário.

Ainda nessa perspectiva, cabe ao profissional especializado na área literária


estar sempre se reinventando, porque na sociedade da informação mudaram-se as
práticas, os acessos aos múltiplos conhecimentos e com eles transformaram-se as
formas como as ações de ensinar e aprender literatura têm atingido uma amplitude
no contexto social em uma proposta humanista.

6.3 A TEORIA, A CRÍTICA, A HISTORIOGRAFIA LITERÁRIA E A LITERATURA


COMPARADA: PRENÚNCIOS

Com as transformações sociais e tecnológicas, o espaço da literatura ficou


ainda mais amplo. Com isso retorna-se a necessidade reflexiva e prática de atribuir
ao ato de leitura literária a finalidade de enxergar e entender a literatura como um
mundo possível de informação e formação de leitores.
Dessa forma, após delinear um longo caminho sobre a abrangência da
literatura e a sua importância enquanto arte, trataremos neste subtítulo de algumas
práticas relacionadas à literatura como um presságio para explicações futuras, ou

67
seja, a cada avanço nas disciplinas do curso de Letras, esses assuntos serão
explanados com mais detalhes.
A teoria literária é uma ciência que prioriza o estudo das manifestações
literárias, dessa maneira, considerá-la como ciência significa afirmar que
corresponde a uma área do conhecimento que requer pessoas especializadas –
peritos (técnicos) detentores de competências especializadas para exercê-la. A
teoria da literatura deve ser integrada às ciências, porque pertence, em especial,às
Ciências Humana (ZILBERMAN, 2012).
A expansão da teoria da literatura, enquanto ciência, deu-se sobretudo no
século XX, somente quando se difundiu no Ensino Superior. Por isso a literatura
enquanto arte estudada por uma ciência, requer análise minuciosa e objetiva. Nesse
viés, a teoria da literatura surge como disciplina literária somente na década de 1940,
através do tratado universitário de René Welleke. A partir daí, muitas outras
universidades adotaram essa nova disciplina em suas instituições.
Já no Brasil, esse novo componente curricular integrou a grade do curso de
Letras na década de 1960, na Universidade de São Paulo, por realização de Antônio
Cândido. A crítica literária, embora muito atrelada à teoria da literatura, apresenta
características próprias de atuação. Dessa maneira, uma crítica literária consiste na
análise valorativa das obras da literatura. O crítico literário utiliza conhecimentos de
linguística, retórica e estética, por exemplo, para valorizar as obras literárias, pois essa
crítica deve ser fundamentada para que sua valoração seja respeitada.
Atualmente, a crítica literária acadêmica fundamenta-se na imparcialidade e
na independência do ato crítico nas relações mantidas principalmente com o
mercado, uma vez que essa crítica não pode ceder aos interesses empresariais, não
podendo ser objeto de monopólio.
Entretanto, quando fazemos menção a outro tipo de crítica, que é a
jornalística, encontramos diferentes meios de atuação. A crítica jornalística possui um
campo de atuação bem amplo, para tanto, esse tipo de parecer sobre as obras
costuma ser parcial e subjetivo ao explorar um produto cultural. Na verdade, muitas
das vezes esse tipo de crítica obedece às demandas de mercado, ou seja, muitos
dos julgamentos lançados à população são para operar a valoração de alguma
obra para venda ou consumo em massa.
A historiografia literária, por sua vez, é “o exercício de reflexão sobre obras
históricas e, portanto, sobre a produção dos historiadores” (KAVAT, 2009, p. 119).

68
Dessa forma, alguns questionamentos são elencados por Schmidt (2011, p.
132)para que seja construída uma trajetória historiográfica da literatura:

se a narrativa da história da literatura constitui uma forma mental com


a qual a cultura aclara seu passado, que compromissos a história da
literatura tem com a produção de conhecimentos sobre esse
passado? Qual a função hoje da história da literatura enquanto
narrativa partícipe de processos de significação e de subjetivação,
lugar de identificações culturais/ identidades nacionais? Será que sua
função se esgotou ou se trata de conceber quadros de referência
para uma nova história da literatura a partir do protagonismo das
margens, o qual se torna visível à medida que as pesquisas históricas
sobre o passado e a conseqüente recuperação de textos situados nas
zonas de sombra e esquecimento desvelam outras leituras, outras
perspectivas, em contraponto às conhecidas? Em que termos poderia
se conceber uma história da literatura, a partir da reflexão crítica sobre
a função do conhecimento em termos de sua atuação
transformadora e emancipatória, sobretudo num contexto
social/nacional como o nosso?

Por fim, a literatura comparada, que inicialmente surgiu, segundo Carvalhal


(2006), a partir da comparação entre duas literaturas diferentes ou perseguia a
migração de um elemento literário de um campo literário a outro, hoje seu campo
de atuação ampliou largamente. Essa ampliação tornou a literatura comparada
uma forma de reflexão que vai privilegiar confrontos que versam sobre os
procedimentos textuais. Como exemplo, podemos citar as comparações da
literatura com os escritos históricos, que analisam a presença em ambos de esquemas
narrativos semelhantes. Vista assim, é uma prática intelectual que, sem deixar de ter
no literário o seu objeto central, confronta-o com outras formas de expressão cultural.
Em suma, toda essa dinâmica dos conhecimentos literários serão temas
trabalhados nas próximas disciplinas no curso de Letras, sendo essas informações
apenas o início de muito aprendizado.

69
FIXANDO O CONTEÚDO

1. O estudo da literatura pode ser entendido como força _______________________


que tem entre suas funções a reelaboração do real por meio da ficção e o
conhecimento do mundo e do ser por meio da palavra.

Marque a alternativa que completa corretamente a frase.

a) Icônica.
b) Antagônica.
c) Humanizadora.
d) Elitizada.
e) Híbrida.

2. O _____________________ passa necessariamente por saberes e noções de outras


áreas, tais como a Linguística, a História, a Sociologia, a Filosofia etc.

Marque a alternativa que completa corretamente a frase.

a) Conhecimento artístico.
b) Estudo literário.
c) Estudo das artes.
d) Conhecimento da linguagem.
e) Conhecimento histográfico.

3. O que é teoria literária?

a) É uma ciência que prioriza o estudo das manifestações literárias.


b) É uma disciplina voltada para o ensino de poemas.
c) É uma ciência que prioriza o estudo das manifestações literárias clássicas.
d) É uma ciência que não prioriza o estudo das manifestações literárias, pois atenta-
se a gramática.
e) É uma ciência que trabalha somente com as manifestações literárias europeias.

70
4. Como podemos entender a crítica literária?

a) Uma crítica literária consiste na análise valorativa das obras da literatura,


buscando analisar essas obras de maneira subjetiva.
b) Uma crítica literária consiste na análise valorativa das obras da literatura,
buscando analisar essas obras de maneira informal e com julgamentos próprios.
c) Uma crítica literária consiste na análise valorativa das obras da literatura,
buscando somente obras clássicas.
d) Uma crítica literária consiste na análise valorativa das obras da literatura.
e) Uma crítica literária consiste na análise valorativa das obras da literatura, de
acordo com o mercado de leitores.

5. A ___________________ é uma forma de reflexão que vai privilegiar confrontos que


versam sobre os procedimentos textuais.
Marque a alternativa que completa corretamente a frase.

a) Análise cultural.
b) Literatura comparada.
c) Crítica literária.
d) Leitura.
e) Historiografia.

6. Segundo Silva (2018), a crítica literária fundamenta-se na __________________ e na


_______________________ do ato crítico nas relações mantidas principalmente com
o mercado, uma vez que essa crítica não pode ceder aos interesses empresariais,
não podendo ser objeto de monopólio.

Marque a alternativa que completa corretamente a frase.

a) Parcialidade / dependência.
b) Imparcialidade / dependência.
c) Imparcialidade / independência.
d) Observação / dependência.
e) Parcialidade / observação.

71
7. Marque a alternativa correta quanto a atuação do crítico literário.

a) Deve atuar de forma imparcial, mas deve privilegiar algumas criações para o
mercado de trabalho.
b) Deve atuar de forma parcial, mas deve abster-se de usar seus conhecimentos para
privilegiar algumas criações dentro do mercado de trabalho.
c) Deve atuar de forma imparcial e trabalhar com isonomia diante das várias
criações que surgem.
d) Deve trabalhar de forma parcial, quanto se tratar do mercado leitor, e ao mesmo
tempo com isonomia.
e) Deve trabalhar subjetiva, avaliando suas criações através de seus gostos pessoais.

8. Marque a alternativa em que todas as áreas são possibilidades de carreira para o


profissional de Letras:

a) Tradução, interpretação, Produções textuais.


b) Cálculos, cinema, tradução.
c) Lógica aplicada, interpretação, cinema.
d) Cálculo, lógica, revisão.
e) Designer, teatro, revisão.

72
A POESIA BRASILEIRA UNIDADE
NA ERA COLONIAL

7.1 O BARROCO
07
A produção da literatura brasileira apresenta seus primórdios – como não
poderia deixar de ser – em um contexto colonial e advém dos reflexos da portuguesa,
haja vista que o Brasil, por muitos séculos, se manteve dependente de Portugal, país
já consolidado em sua produção literária. Além disso, a história da literatura
construída no nosso país é fruto de vários aspectos sociais, culturais e religiosos da
época, haja vista os primeiros habitantes que aqui residiam e os acontecimentos
coloniais que originaram uma literatura genuinamente brasileira.
No que tange à função da literatura que vai sendo construída no país, sem
dúvida, a religiosidade assegura importante fio condutor desse tecido de cunho
criativo, em que os estilos e temáticas servem de instrumentos, como por exemplo,
para catequisar os índios e pregar uma moral cristã, especialmente nos primeiros
séculos dessa escrita criativa. Destaca-se, nesse viés inaugural da literatura pós-
descobrimento, a Companhia de Jesus, já no século XVI, com a função de diluir a
doutrina cristã pelo país-colônia, pelos jesuítas e por meio da docência nos colégios
(CANDIDO, 2002).
Nessa perspectiva, os colonizadores trouxeram não apenas a língua que seria
herdada pelos povos da colônia, mas também valores religiosos, morais e estéticos,
em que as práticas de catequização e a educação serviram de pano de fundo para
a construção de uma literatura brasileira. Nesse contexto, as práticas europeias eram
evidentes, em especial no que se convencionou a denominar escolas literárias que,
no caso do Brasil, após o Quinhentismo, ou Literatura de Informação, o Barroco (ou
Seiscentismo) é instaurado como uma primeira grande escola, de modo a acontecer
em sintonia com os estilos adotados na Europa.

73
Portanto, os primórdios de uma construção poética mais considerável e
propagada no país se dá com o estilo Barroco que, como qualquer outra escola
literária, a escrita acompanha sempre os costumes, acontecimentos políticos,
práticas culturais e religiosas que norteiam a engrenagem literária. São as condições
de possibilidade para a compreensão de um determinado estilo e que há, na escrita,
em especial na poética, esses elementos vivenciados de uma época específica. É
esse viés que nos possibilita afirmar que a literatura pode funcionar como denúncia
social, o que talvez seja proibido de se dizer diretamente em certa época, a escrita
se constitui uma forma mais “suave” para uma expressão de resistência ou mais
realista.
Segundo Pasqualini (2012), aspectos encontrados e instaurados no novo
espaço, que é o Brasil, se fazem produtivos para a construção poética, como
geográfico, culinário, as relações humanas, que se traduziram em estilo próprio. Dessa
forma, embora é inegável que o que se aqui criou advém em grande parte das
doutrinas europeias, foi preciso criar um estilo próprio, singular, não aderindo-se às
mesmas formas de Portugal, haja vista as necessidades locais para uma nova
realidade.
Desta feita, a poesia nos moldes do estilo Barroco apresenta como pano de
fundo os movimentos Reforma Protestante e Contrarreforma, cuja efervescência

74
europeia promove esse horizonte literário que vai se conduzindo nesses
entrecruzamentos culturais como a tendência da época. Aspectos marcantes nessa
escrita, como contraste, exuberância, dramaticidade e o decorativo vão povoando
essa escola, que no interior desse movimento vão surgindo escritores brasileiros com
destaque na poesia.
No que concerne à Reforma Protestante, liderada por Martinho Lutero, na
Europa, no século XVI, afirma-se que o Barroco é instaurado como potencial de força
contra esse movimento. Nesse processo, a conservação do teocentrismo (Deus como
centro do Universo), que era fortemente propagado ao longo da era da Idade
Média, era reacendido pela arte barroca. Essa característica pode ser observada em
grande parte nas poesias dessa época, tendo a religiosidade como uma de suas
marcas para sustentação, como os sermões do Pe. Antônio Vieira.
Embora o Barroco no Brasil emerge de cara nova, mas não totalmente
desvinculado do europeu, é preciso considerar que esse estilo literário chega por aqui
em tempos muito posteriores de seu início europeu. Aqui, essa prática literária se dá
somente no século XVI, portanto, aproximadamente um século após o processo de
colonização do país. Nesse período histórico, faz sentido considerar alguns elementos
decisivos que demarcam essa produção poética, a saber: a valorização da terra, a
luta dos residentes por uma economia própria, o amor por aquilo que era tido como
nosso. Essas características próprias propiciaram então a criação de um estilo que,
embora suas raízes se assentassem nas tradições portuguesas, possibilitaram uma
escrita tipicamente voltada aos valores brasileiros da época. Nessa perspectiva, “[...]
as primeiras manifestações literárias que exprimiriam um gênero nacional, movido
pela mesma atmosfera que envolvia o Barroco, ou seja, de insegurança existencial,
de efemeridade dos bens mundanos e da busca de Deus” (PASQUALINI, 2012, p. 67).
Além das características já mencionadas, a poesia barroca apresenta como
pano de fundo alguns aspectos que merecem atenção e que não estão
desvinculados do contexto histórico de sua época, tais como o conflito entre os
prazeres mundanos, que são fortemente valorizados no renascimento, e a
espiritualidade, que se encontra latente na Contrarreforma. Essa dualidade pode ser
percebida tanto na poesia quanto em obras de esculturas e pinturas, cujo sentimento
de aspectos contraditórios obrigam o homem a escolher um dos caminhos, não
sendo permitido permanecer sob essa divisão de valores. Essa característica é
semelhante ao contraste sombra e luz que entra em cena como norteador desse

75
estilo dual e palavras opostas, como, por exemplo, Deus e Diabo.
No que concerne especificamente à escrita poética, os escritores barrocos
lançam mão de uma linguagem bastante culta, por meio de um vocabulário
sofisticado. Além disso, algumas figuras de estilo são bastante recorrentes,
especialmente no que concerne à hipérbole (exagero) e à metáfora. Concernente
a essa escrita culta, a riqueza de detalhes também vai nessa direção, em que a
complexidade se constitui uma dessas marcas adotadas, haja vista que a valorização
estética é aclamada nesse estilo.
Quanto à inauguração barroca brasileira e seus escritores seguintes, a
Prosopopeia, de Bento Teixeira, é considerada a primeira epopeia brasileira, escrita
em 1961 usando a estética de rimas ABABABCC, cujo conteúdo exalta Jorge de
Albuquerque Coelho, um dos donatários pernambucanos, como afirma Coutinho
(2004a). Além desse, outros poetas também se destacam nesse período, em especial
Gregório de Matos, considerado o maior poeta barroco brasileiro, o qual será
abordado na seção seguinte.

7.2 GREGÓRIO DE MATOS

Como mencionado anteriormente, o Barroco é marcado por um estilo que


coloca em cena aspectos contrastantes, tendo a religiosidade como demarcador
dessa dualidade constituinte. Essa característica é comprovadamente assinalada na
poesia brasileira do período, haja vista que fenômenos fortemente ocorridos na
Europa, tais como a Reforma e a Contrarreforma, além da Companhia de Jesus,
refletem na poesia brasileira quanto à forma (soneto, rimas e métrica (decassílabos –
versos compostos por dez sílabas poéticas) e ao conteúdo.
Nesse espírito de dualidade da época barroca, que apresenta um homem
dividido entre os prazeres da carne e a devoção a Deus, surge Gregório de Matos
(1633-1696), como sendo um dos poetas mais renomados do Barroco brasileiro.
Segundo Nicola (2003), o referido escritor nasceu em Salvador-BA, tendo estudado e
trabalhado na área do Direito, em Portugal, mais precisamente na cidade de
Coimbra, e que posteriormente retornou à terra natal. O referido poeta foi apelidado
de “Boca do Inferno”, devido ao seu estilo satírico de compor poemas.
Embora fosse um poema aclamado no estilo da época, Gregório foi
deportado para a África em meados de sua carreira como poeta. Quando de seu
retorno ao Brasil, foi restringido de retornar à sua terra natal, Bahia, além de ser

76
proibido de escrever seus poemas que se traduziam em verdadeiras sátiras. Esses
poemas satíricos nada mais são que a utilização de uma linguagem mais direta em
relação às críticas sociais, políticas e culturais de grande presença da época,
podendo ser comparados até mesmo com as cantigas de escárnio e de maldizer
que se observam na Europa na época do Trovadorismo.
Seus últimos dias de vida não foi em terras fora do Nordeste, tendo falecido na
capital pernambucana. Sua fama de poeta satírico não o reduziu a valores da
literatura da época, pois esse poeta se dedicou também à escrita utilizando aspectos
lírico e religioso. Embora tenha vivido seu auge na escrita somente no século XVII, no
século XX a Academia Brasileira de Letras tornou pública uma coleção de escritos de
sua autoria, dentro de seus vários estilos de expressão que aderiu ao longo de sua
vida produtiva (estilos sacro, lírico, satírico e erótico).
A utilização de uma linguagem culta, como mencionado nesta unidade, é
uma característica manifesta na poesia barroca e na gregoriana não é diferente,
pois esse escritor lança mão de um vocabulário rebuscado, culto, que requer do leitor
um preparo mais apurado para acessar, à primeira vista, as suas poesias. Explora
também outras vertentes da linguagem, em especial no que diz respeito às ideias, de
modo que seus argumentos convençam o leitor.
A sua rejeição, comprovada pela proibição de retornar à sua terra natal, pode
ser atribuída pelo tom satírico que escreve. Por outro lado, é preciso tomá-lo como
aquele que escreve, na maioria das vezes, utilizando um tema espinhoso e primando
pela verdade, o dizer a verdade, seja de modo indireto ou mais direto, que acabava
por atingir sujeitos sociais de várias esferas (governo, Igreja Católica, etc.). Assim, “[...]
o poeta se define como aquele que denuncia os vícios do seu tempo, a
desonestidade e a corrupção. É conhecido também por marcar nossa literatura com
temas que versam sobre a transitoriedade e a perda” (PASQUALINI, 2012, p. 70).
Para ilustrar a obra de Gregório de Matos de forma mais nítida, segue um de
seus poemas, para uma breve explanação em relação às características tanto do
Barroco quanto do estilo próprio do poeta:

A/ bre/vi/da/de/ dos/ gos/tos/ da/ vi/da

Nas/ce o/ Sol;/ e/ não/ du/ra /mais/ que um/ di/a:


De/pois/ da /Luz, /se/ se/gue a/ noi/te es/cu/ra:
Em/ tris/tes/ som/bras/ mor/re a/ For/mo/su/ra;
Em/ com/tí/nuas/ tris/te/zas/ a a/le/gri/a.

77
Po/rém, /se a/ca/ba o/ Sol/, /por/ que/ nas/ci/a?
Se/ for/mo/sa a/ Luz/ é/, por/ que/ não/ du/ra?
Co/mo a/ be/le/za as/sim/ se/ trans/fi/gu/ra?
Co/mo o/ gos/to/, da/ pe/na as/sim/ se/ fi/a?

Mas/ no/ Sol/, e/ na/ Luz/, fal/te a/ fir/me/za;


Na/ For/mo/su/ra/, não/ se/ dê/ cons/tân/cia:
E/ na a/le/gri/a/, sin/ta-/se a/ tris/te/za.

Co/me/ce o/ mun/do, em/fim/, pe/la ig/no/rân/cia;


Pois/ tem/ qual/quer/ dos/ bens/, por/ na/tu/re/za,
A/ fir/me/za/ so/men/te/ na in/cons/tân/cia.
(MATOS, 1979, p. 64)

Nesse soneto, com versos decassílabos e rimas ABBA BAAB CDC DCD, o leitor
é convidado a questionar, juntamente com o poeta, a efemeridade das coisas
mundanas, pela sensação de vida que nos coloca frente a uma situação que é
passageira e que nos leva a indagar sobre o belo e o vivo diante do que é passageiro,
que não dura para sempre. Palavras que configuras dualismos podem ser
observadas, tais como nascimento/morte, tristeza/alegria, luz/escuridão.
Nessas circunstâncias da vida, o homem é colocado diante de circunstâncias
contraditórias, fazendo emergir na escrita de Matos a antítese, presente forte na
poesia barroca. Para além disso, essas contradições sinalizam os sentimentos
humanos da época, marcados pelas incertezas, certos pessimismos e
questionamentos sobre a própria vida terrena.
Segundo Veríssimo (1998), na escrita de Matos, há a presença constante de
traços baianos, lugar de origem do poeta, servindo como referência para sua obra,
que incluía com recorrência os habitantes daquele lugar. O encerramento das
estrofes de seus poemas detém outra curiosidade peculiar, que é a menção de uma
perda dos valores em decorrência das práticas governamentais, que não se atentam
para as causas do povo baiano e lhe provocam ocorrências negativas. De acordo
com o pesquisador destacado, essas nuances poéticas colocam o referido poeta

78
como uma importante figura no tocante a exprimir a realidade de uma sociedade,
retratando a realidade de acordo com os acontecimentos no período histórico
vigente.
Após o período denominado Barroco, entra em cena o Arcadismo, que se
configura por ser considerada outra escola literária e a qual será abordada na seção
seguinte, na dimensão dos estudos poéticos brasileiros.

7.3 O ARCADISMO E O MOVIMENTO DA INCONFIDÊNCIA MINEIRA

As escolas literárias brasileiras, ao contrário do que se possa imaginar em


relação aos períodos que marcam o fim de uma e o início de outra, não se dá de
modo tão demarcado, tendo em vista que se trata de uma transformação vagarosa.
É preciso ter em mente que cada uma delas acompanha as transformações ao longo
da história e que as tendências se baseiam nas condições (sociais, políticas, culturais
e religiosas) de cada momento.
Por outro lado, há de se considerar também os movimentos nesse segmento,
isto é, as transformações mais aparentes que ocorrem de forma mais visível na
sociedade, nesse universo da escrita que quase sempre retrata os valores e os
costumes de cada época. Considerando essa dimensão de mutação nessa esfera
cultural, para fins de estudo e seguindo uma cronologia quanto a essas alterações
de estilos e temáticas que dão vida à escrita em distintos momentos da literatura
brasileira, o Arcadismo emerge após o Barroco e que também se enquadra na era
colonial.
Um fenômeno histórico bastante conhecido, difundido não apenas nos
estudos literários, mas também históricos, sem dúvida é o Iluminismo, pelo qual
ocorrem novas manifestações artísticas e o surgimento de novos artistas/pensadores,
direcionando a literatura para um horizonte que viria a se concretizar posteriormente.
O Arcadismo, que difere do Barroco em várias características, sendo a central a
concepção de uma razão que legitima o status de verdade.
Trata-se de um período considerável quando o foco é a valorização da
burguesia e a busca de certos aspectos que não se encontravam no auge em
períodos anteriores, tais como a justiça, a liberdade e a solidariedade. Com base nos
ideais europeus, o iluminismo resultava em ideais aclamados na época, como, por
exemplo, a redução do analfabetismo, modelo da Europa que seria conveniente que
se aderisse no Brasil, embora a educação formal ainda fosse acessível a poucos

79
(SAMBUGAR et al., 1997).
Estamos falando do século XVIII, período efervescente na história, sobretudo
europeia, ocorrendo fenômenos políticos e sociais consideráveis, como a Revolução
Francesa, que instaurou um novo modelo de sociedade, interditando o privilégio da
nobreza. Destaque para Napoleão Bonaparte, jovem que conquista distintas classes,
como a burguesia e intelectuais, que clamavam por liberdade, vindo a ser,
posteriormente, imperador francês. Além disso, no âmbito produtivo e econômico,
ocorre a Revolução Industrial, refletindo nos modos de produção e de relações
trabalhistas, além de mudanças sociais. Nesse período, a ascensão burguesa é nítida,
devida em boa parte à propagação de opiniões, pelo crescimento dos meios de
comunicação.
Esses acontecimentos, que marcam a sociedade desse período, vão ao
encontro das ideias iluministas, em que a sociedade clama por uma vida simples e
por transformação cultural, inclusive literária. Em se tratando dos métodos científicos,
estes ganham importância, devendo ser vistos e tomados como modelos de
comprovação, de modo exclusivo. A racionalidade é então levada a cabo no
Arcadismo que, ao contrário da fase barroca, abandona a religiosidade em prol de
um tratamento mais real frente às situações cotidianas.
Esses acontecimentos mais gerais não deixam de refletir na política e a
economia brasileiras, mas o que mais marca a história brasileira nesse período, sem
dúvida é a Inconfidência Mineira. Uma sucessão de ocorrências vem a ser sua causa,
iniciando-se com a escassez da exploração de minérios no país, ampliando as dívidas
brasileiras com a coroa portuguesa, pressionando medidas como cobrança de
impostos e pressões administrativas sobre a colônia, resultando em ideias de
independência brasileira em relação a Portugal, fruto também das ideias iluministas.
Nesses conflitos, surge o líder Tiradentes, que é morto enforcado, colocando a
liberdade brasileira em segundo plano.

80
Segundo Pasqualini (2012), esse movimento, embora não signifique uma
revolução vitoriosa, é marcado historicamente por apresentar reflexos positivos na
literatura brasileira. Esse acontecimento serviu de pano de fundo para o surgimento
de vários poetas integrantes do Arcadismo, em que se sonhava com uma República
brasileira. Após esses fatos históricos da colônia, a cidade de Ouro Preto (na época
Vila Rica) é sede de um grupo de líderes com ideias iluministas e que ansiavam por
uma revolução, uma liberdade política e literária brasileira. A literatura é então
valorizada, pois é sentida como uma possibilidade de aproximação entre indivíduos
e de se promover movimentos, como chegam a ocorrer, de modo a agregar opiniões
sobre os ideais nacionais e a nova literatura.
O termo Arcadismo advém das Arcádias, para as quais os poetas se
convergem, além das Academias. Esses movimentos estimulam a produção literária
nacional e conferem uma união entre artistas de vários segmentos, desde a poesia
até a pintura e a escultura, como formas de expressão e de liberdade. Esses
movimentos de articulação em prol de uma prática artística de modo mais conjunto
possibilita a criação de um estilo literário que valorizava a estética, tendo em vista as
ideologias que circunscreviam na população do século XVIII. Essas mobilizações
possibilitam, assim, a instauração do Arcadismo como estilo literário com potencial,
sendo o “sistema literário” desse período (CANDIDO, 1959).
Covenhamos destacar a Arcádia Ultramarina, que nada mais é que uma
sociedade literária que apresenta seus primórdios em Vila Rica (MG), que toma como
base a Arcádia Romana, sendo comum a adoção de pseudônimos para a escrita
de poesia. Tendo surgida no Brasil em meados do século XVIII, essa arcádia é
inspirada nos renascentistas, filosofia francesa, além dos clássicos gregos e latinos.
Além disso, o Arcadismo apresenta forte ligação com a música, tanto em Portugal

81
quanto no Brasil, sendo que, em muitas ocasiões dos saraus e nas reuniões das
Arcádias, as letras musicais (cantigas) eram as poesias dos poetas, com destaque
para a modinha com auxílio do lundu (dança originada dos negros e dos congos).
Algumas sinalizações de suas características já foram feitas, mas,
direcionando-se para essas marcas estilísticas, pode-se dizer que o Arcadismo é
povoado por verossimilhança, excluindo o que só existe pelo imaginário, isto é, de
cunho mais subjetivo. A valorização da natureza é outro ponto forte dessa literatura,
que procura descrever, de forma breve, aspectos da natureza, o bucólico (poesia
pastoril), um ritmo suave e valorização de imagens. Essas evidências estabelecem
uma relação mais próxima entre homem, literatura e natureza, através do bucolismo,
em que o verdadeiro é o racional, como exposto na concepção iluminista de que a
verdade só deve ser concebida pela ciência.
A valorização da natureza direciona a sociedade/o poeta ao espaço
camponês, natural, pois o espaço urbano não oferece esse conforto. Nessa
concepção, é preciso se abster as vaidades burguesas para seu alcance, para uma
vida simples e livre de vaidades urbanas, cujo ideal é fugir para um lugar tranquilo em
que a natureza possa reinar (COUTINHO, 2004b). Embora a racionalidade é bastante
privilegiada nesse estilo poético, é preciso afirmar que nem sempre o poeta descrevia
as paisagens naturais tais como eram de fato, fazendo um trabalho de idealização
da natureza.
Nesse momento rico da poesia brasileira, vários escritores surgem e são
produtivos nesse cenário, como Silva Alvarenga (1749-1814), Santa Rita Durão (1722-
1784), Basílio da Gama (1741-1795), Alvarenga Peixoto (1742-1793), com destaque
para dois em específico, Cláudio Manuel da Costa (1729-1789) e Tomás Antônio
Gonzaga (1744-1810). Para um conhecimento mais detalhado dessa fase literária
brasileira, seguem uma abordagem mais esmiuçada desses poetas, inclusive com
análises de alguns de seus poemas, possibilitando uma visão mais nítida das
características descritas.
Segundo Pasqualini (2012), Cláudio Manuel da Costa nasceu em Vila Rica, em
Minas Gerais, e passa uma temporada em Portugal, onde estuda Direito na
Universidade de Coimbra e nesse local dá seus primeiros passos na poesia. Quando
de seu retorno ao Brasil e à sua terra natal, trabalha na área administrativa e depois
é preso por integrar o movimento da Inconfidência Mineira, resultando em sua morte
em 1789. Essa morte gera polêmica por não se saber ao certo o que aconteceu, pois,

82
o mistério levantou hipóteses diferentes, em suicídio e homicídio.
Esse poeta, embora integrante do Arcadismo, apresenta uma escrita com
traços barrocos, tais como metáforas e linguagem rebuscada. Vejamos um exemplo:

Aquela cinta azul, que o céu estende


A nossa mão esquerda, aquele grito,
Com que está toda a noite o corvo aflito
Dizendo um não sei quê, que não se entende;

Levantar-me de um sonho, quando atende


O meu ouvido um mísero conflito,
A tempo, que o voraz lobo maldito
A minha ovelha mais mimosa ofende;
Encontrar a dormir tão preguiçoso
Melampo, o meu fiel, que na manada
Sempre desperto está, sempre ansioso;
Ah! queira Deus, que minta a sorte irada:
Mas de tão triste agouro cuidadoso
Só me lembro de Nise, e de mais nada.
(COSTA, 1966, p. 12, apud PASQUALINI, 2012, p. 106-107)

O soneto apresenta ao leitor elementos da natureza, configurando o


bucolismo como característica dominante, em que esse espaço é idealizado e o eu
lírico desfruta de uma vida simples e fora do espaço urbano. Esse poema apresenta
características barrocas também pela evocação a Deus e em metáforas, “cinta azul
que o céu estende”. Além disso, o eu lírico vive um conflito interno que precisa ser
resolvido, que se traduz em uma melancolia como quem encontra-se sem muita
alternativa. A linguagem não é tão simples, pois o vocabulário é, de certa forma,
rebuscado.
Trilhando sobre esse mesmo caminho árcade, Tomás Antônio Gonzaga nasce
em Portugal, tendo vindo para o Brasil na sua infância. Também estuda em Coimbra
e retorna ao nosso país em seguida, onde passa a trabalhar em Vila Rica. É preso em
1780 e exilado de Minas para o Rio de Janeiro devido ser integrante da Inconfidência
Mineira. O fim de sua vida se dá em Moçambique, local aonde se casa com uma
filha de comerciante de escravos. Apresenta forte tendência à poesia bucólica
(COUTINHO, 2004a, p. 227).
As suas obras mais importantes são Marília de Dirceu (1792), povoada pela
lírica, e Cartas Chilenas (1863), de caráter satírico. A primeira obra é escrita em
referência à própria história de amor que vivera com a jovem Marília, tendo escrito
com a utilização de um pseudônimo, Dirceu. Essa história real vivida pelo escritor

83
justifica a sua característica pastoralística, ao rechear os versos de sentimentalismo.

Eu, Marília, não sou algum vaqueiro,


Que viva de guardar alheio gado,
De tosco trato, de expressões grosseiro,
Dos frios gelos e dos sóis queimado.
Tenho próprio casal e nele assisto;
Dá-me vinho, legume, fruta, azeite;
Das brancas ovelhinhas tiro o leite
E mais as finas lãs, de que me visto.
Graças, Marília bela,
Graças à minha estrela!

Eu vi o meu semblante numa fonte,


Dos anos inda não está cortado:
Os pastores, que habitam este monte,
Com tal destreza toco a sanfoninha,
Que inveja até me tem o próprio Alceste:
Ao som dela concerto a voz celeste;
Nem canto letra, que não seja minha,
Graças, Marília bela,
Graças à minha Estrela!
(GONZAGA, 1992)

Apresentando uma dimensão romântica, o poema materializa um eu lírico que


menciona elementos da natureza, configurando um ambiente que se traduz em um
espaço natural. Dessa forma, os traços do bucolismo são confirmados nesses versos,
remetendo-se a uma idealização desse espaço que serve como cenário para o
exercício de uma atitude de pastor frente a sua Marília. Essa posição que evoca um
direcionamento de conquista é requintada por suavidade, tanto da linguagem
quanto do espaço no qual se insere, elementos típicos do arcadismo.
Nesse poema, já é possível observar um eu lírico bastante sentimental, o que
dá a ideia de um pré-romantismo, escola literária que se firmaria posteriormente, o
que vai culminando nesse sentimentalismo poético, com plena valorização das
subjetividades frente às convenções sociais. Dentre outras características, que vão
emergindo no decorrer do século XVIII, é possível perceber já no Arcadismo essa
transição poética brasileira, que será abordada na próxima seção.

84
FIXANDO O CONTEÚDO

1. (UFRS) Considere as seguintes afirmações sobre o Barroco brasileiro:

I. A arte barroca caracteriza-se por apresentar dualidades, conflitos, paradoxos e


contrastes, que convivem tensamente na unidade da obra.
II. O conceptismo e o cultismo, expressões da poesia barroca, apresentam um
imaginário bucólico, sempre povoado de pastoras e ninfas.
III. A oposição entre Reforma e Contrarreforma expressa, no plano religioso, os
mesmos dilemas de que o Barroco se ocupa.

Quais estão corretas:

a) Apenas I.
b) Apenas II.
c) Apenas III.
d) Apenas I e III.
e) I, II e III.

2. (E. A. LAVRAS) A opção que não apresenta características do Barroco é:

a) Sentimento trágico da existência, desengano, desespero;


b) Gosto pela grandiosidade, pela pompa, pela exuberância e pelo luxo;
c) Gosto de cenas e descrições horripilantes, monstruosas, cruéis; arte da morte e dos
túmulos;
d) Tentativa de conciliar polos opostos: o ideal cristão medieval e os valores pagãos
do renascimento;
e) A natureza é a fonte perene de alegria, de beleza e de perfeição; retorno aos
modelos greco-latinos.

3. (UFRN) A obra de Gregório de Matos – autor que se destaca na literatura barroca


brasileira – compreende:

85
a) Poesia épico-amorosa e obras dramáticas.
b) Poesia satírica e contos burlescos.
c) Poesia lírica, de caráter religioso e amoroso, e poesia satírica.
d) Poesia confessional e autos religiosos.
e) Poesia lírica e teatro de costumes.

4. (UFV) Leia o texto:

Goza, goza da flor da mocidade,


Que o tempo trota a toda ligeireza,
E imprime em toda flor sua pisada.

Oh, não aguardes, que a madura idade


Te converta essa flor, essa beleza,
Em terra, em cinza, em pó, em sombra, em nada.
(Gregório de Matos)

Os tercetos acima ilustram:

a) Caráter de jogo verbal próprio da poesia lírica do séc. Xvi, sustentando uma crítica
à preocupação feminina com a beleza.
b) Jogo metafórico do barroco, a respeito da fugacidade da vida, exaltando gozo
do momento.
c) Estilo pedagógico da poesia neoclássica, ratificando as reflexões do poeta sobre
as mulheres maduras.
d) As características de um romântico, porque fala de flores, terra, sombras.
e) Uma poesia que fala de uma existência mais materialista do que espiritual, própria
da visão de mundo nostálgico-cultista.

5. (FESP) – Aponte a alternativa cujo conteúdo não se aplica ao Arcadismo:

a) Desenvolvimento do gênero épico, registrando o início da corrente indianista na


poesia brasileira.
b) Presença da mitologia grega na poesia de alguns poetas desse período.
c) Propagação do gênero lírico em que os poetas assumem a postura de pastores e
transformam a realidade em um quadro idealizado.
d) Circulação de manuscritos anônimos de teor satírico e conteúdo político.

86
e) Penetração de tendência mística e religiosa, vinculada a expressão de ter ou não
fé.

6. (ENEM 2016)

Soneto VII
Onde estou? Este sítio desconheço:
Quem fez tão diferente aquele prado?
Tudo outra natureza tem tomado;
E em contemplá-lo tímido esmoreço.

Uma fonte aqui houve; eu não me esqueço


De estar a ela um dia reclinado:
Ali em vale um monte está mudado:
Quanto pode dos anos o progresso!

Árvores aqui vi tão florescentes,


Que faziam perpétua a primavera:
Nem troncos vejo agora decadentes.

Eu me engano: a região esta não era;


Mas que venho a estranhar, se estão presentes
Meus males, com que tudo degenera!

(COSTA, C. M. Poemas. Disponível em: https://bit.ly/3y9k6hl Acesso em: 7 jul. 2012)

No soneto de Cláudio Manuel da Costa, a contemplação da paisagem permite


ao eu lírico uma reflexão em que transparece uma:

a) angústia provocada pela sensação de solidão.


b) resignação diante das mudanças do meio ambiente.
c) dúvida existencial em face do espaço desconhecido.
d) intenção de recriar o passado por meio da paisagem.
e) empatia entre os sofrimentos do eu e a agonia da terra.

7. (UFSCar)

Texto 1
Eu quero uma casa no campo
do tamanho ideal
pau-a-pique e sapê
Onde eu possa plantar meus amigos
meus discos
meus livros
e nada mais
(Zé Rodrix e Tavito)

87
Texto 2
Se o bem desta choupana pode tanto,
Que chega a ter mais preço, e mais valia,
Que da cidade o lisonjeiro encanto;
Aqui descanse a louca fantasia;
E o que té agora se tornava em pranto,
Se converta em afetos de alegria.
(Cláudio Manuel da Costa)

Embora muito distantes entre si na linha do tempo, os textos aproximam-se, pois o


ideal que defendem é

a) O uso da emoção em detrimento da razão, pois esta retira do homem seus


melhores sentimentos.
b) O desejo de enriquecer no campo, aproveitando as riquezas naturais.
c) A dedicação à produção poética junto à natureza, fonte de inspiração dos
poetas.
d) O aproveitamento do dia presente – o carpe diem-, pois o tempo passa
rapidamente.
e) O sonho de uma vida mais simples e natural, distante dos centros urbanos.

8. (UFRR) Leia o poema de Tomás Antônio Gonzaga, transcrito a seguir, e marque a


alternativa que aponta três características do Arcadismo brasileiro que nele
podem ser observadas.

Lira I
Eu, Marília, não sou algum vaqueiro,
Que viva de guardar alheio gado;
De tosco trato, d’expressões grosseiro,
Dos frios gelos, e dos sóis queimado.
Tenho próprio casal, e nele assisto;
Dá-me vinho, legume, fruta, azeite;
Das brancas ovelhinhas tiro o leite,
E mais as finas lãs, de que me visto.
Graças, Marília bela,
Graças à minha Estrela!

a) Vulgarização da figura da mulher; medievalismo; egocentrismo.


b) Denúncia social; exaltação da vida no campo; temas urbanos.
c) Exaltação da vida no campo; linguagem simples; pastoralismo.
d) Temas urbanos; linguagem simples; medievalismo.
e) Egocentrismo; pastoralismo; denúncia social.

88
A POESIA BRASILEIRA UNIDADE
NA ERA NACIONAL

08
Classificar os períodos literários brasileiros não é tarefa fácil, tendo em vista que
esses momentos históricos são muito bem demarcados ou estanques, mas essas
subdivisões servem também para problematizarmos nossos movimentos e transições
literárias. Como bem coloca Cândido (1959), no texto Formação da literatura
brasileira, quando se fala em uma Literatura Nacional significa uma escrita voltada
para uma tradição puramente brasileira, que se observa mais ao final do Arcadismo
e se acentua no Romantismo, que sublinham nossa riqueza natural e também nossa
história. No Romantismo é recorrente a valorização da natureza, assim como no
Arcadismo, e também do índio, atribuindo uma originalidade literária brasileira que
não se via até então.
Isto posto, os escritores brasileiros instauram, a partir do século XVIII, uma escrita
pátria que valoriza nossas origens, não somente pelo indianismo, mas também pela
valorização da cultura africana, que originam a cultura brasileira. Além disso, a
cultura urbana é abordada, pelas mudanças que se observam nas cidades desse
momento, fundando, portanto, uma literatura nacional pelas abordagens locais e
que nesse período o público leitor torna-se mais considerável.

8.1 O PERÍODO ROMÂNTICO

Após o período denominado colonial vem a fase nacional, na qual se dá o


desenvolvimento de várias escolas literárias e a produção poética que no Brasil vai
se instaurando se dá de maneira bastante fértil, com traços característicos de cada
época. Com o enfraquecimento do Arcadismo, no século XVIII, um novo estilo de
escrita poética vai ganhando forma, que é o Romantismo, que dá seus primeiros
passos no final de 1700 e se adentra para o início de 1800, atingindo também o século
XIX.
Consideramos relevante retomar alguns pontos já destacados na teoria
abordada no Arcadismo, que são a Revolução Francesa e a Revolução Industrial,

89
fenômenos relevantes para seu surgimento (MERQUIOR, 1979). Esses episódios
demarcam transformações sociais consideráveis, tendo em vista que a burguesia vai
ganhando força em detrimento da queda aristocrática. Impulsionada sobretudo
pela industrialização das cidades, observa-se, nesse período, um crescimento da
população urbana e com ela a emergência de novas formas de práticas artísticas e
culturais.
Na Europa, essa nova literatura que começa a conquistar espaço apresenta
seu início na Alemanha, se expandindo pela Europa até chegar ao Brasil. Por aqui, as
transformações governamentais são notadas principalmente pela transição de
colônia para o sistema imperial, em que Rio de Janeiro passa a ser sede de residência
da corte portuguesa. Nesse período, ocorre um vasto desenvolvimento comercial, da
agricultura e também industrial, além da comercialização de livros e bibliotecas,
impulsionando o estabelecimento de uma nova criação literária.
Por aqui, essa escola literária surge no seio de aspectos nacionais, como o
sonho de Independência, apreciação de aspectos geográficos, bem como a
valorização do índio, como sendo os primeiros habitantes que aqui ocuparam. Nessa
direção, o sentimentalismo que se aflora na poesia sublinha esses aspectos brasileiros,
como sinônimo de patriotismo. A intenção era primar por uma literatura que fosse ao
encontro da vida comum da população, além de uma liberdade também poética.
A valorização da natureza como uma forte característica do Romantismo
brasileiro se deve ao seu contexto histórico, em especial à fundação do Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), tendo sido inspirado naquele criado em Paris,
em 1834. A partir dessa criação brasileira, vários líderes, incluindo intelectuais e
literatos cariocas, associaram-se a essa fundação, tendo a proteção, inclusive, de D.
Pedro II que se torna um grande incentivador desse instituto. Por meio do IHGB, esse
grupo desejava evidenciar a história brasileira, dando ênfase aos heróis e sublinhar a
identidade brasileira, com destaque para os historiadores e poetas: Januário Barbosa
(1780-1846), Francisco Adolfo de Varnhagen (1816-1878) e Sílvio Romero (1851-1914),
este sendo também crítico literário. Essa instauração explica o sentimento de
nacionalidade que é propagado no Brasil nessa época, refletindo na poesia
romântica essa valorização histórica e geográfica.
Segundo Pasqualini (2012), o Romantismo é marcado por características tanto
na forma poética quanto em suas temáticas, com o rompimento de normas rígidas
tradicionais no que diz respeito à métrica e à rima, além da superação do soneto que

90
perdurou por muitos séculos como norma poética, embora ainda é usado nesse
período. Além disso, o que marca esse novo estilo que vai se aflorando é uma
subjetividade, em que a valorização do “eu” se faz latente na poesia, com expressão
sentimental considerável. Nesse contexto, a razão sede lugar para as sensações
íntimas, a sensibilidade e a emoção.
De forma lenta, a poesia romântica vai ganhando notoriedade no cenário
brasileiro, por meio de rupturas e valorização de aspectos brasileiros, fazendo com
que esse período seja dividido em três fases: a inicial, que denomina-se de
nacionalista ou “Indianista”; a segunda geração, conhecida como “Ultrarromântica”
ou “Mal do Século”; e a terceira fase que é também denominada de condoreira.
Dentro das características mais abrangentes, cada fase da referida escola
literária apresenta traços específicos do período, tendo em vista os acontecimentos
políticos, sociais e culturais que aqui se dão e que refletem diretamente na produção
poética da época, com tendências românticas. Como, por exemplo, na primeira
geração o destaque é para os ideais de independência de Portugal, o que
comprova o amor pela nação brasileira na época, além da ideologia indianista
(MERQUIOR, 1979) como centro desse universo que caminhava para a
Independência. Nessa geração, dois poetas se destacam com maior veemência,
quais sejam: Gonçalves Dias e José de Magalhães.

Antônio Gonçalves Dias (1823-1864) nasceu em Caxias, no Maranhão. Exerce,


além da função de poeta, jornalista e advocacia. Ao longo de sua vida como
escritor, publica inúmeros livros, tendo uma obra vasta e sendo bastante privilegiado
ao longo da vida dedicada à literatura. Faleceu na sua cidade maranhense, de
origem. Segue uma breve análise do poema “Canção do exílio”, integrante da obra
Primeiros Cantos, lançada em 1857 e que inaugura a primeira fase do Romantismo
brasileiro:

91
Canção do exílio

Minha terra tem palmeiras


Onde canta o sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.

Nosso céu tem mais estrelas,


Nossas várzeas têm mais flores,
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores.

Em cismar, sozinho, à noite,


Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o sabiá.

Minha terra tem primores,


Que tais não encontro eu cá;
Em cismar — sozinho, à noite
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

Não permita Deus que eu morra,


Sem que eu volte para lá;
Sem que desfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem qu'inda aviste as palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
(GONÇALVES DIAS, 1843.)

O referido poema é escrito quando Dias estuda em Portugal e vê na escrita a


oportunidade de exaltar o nacionalismo por meio da natureza, característica própria
dessa era romântica. Na oportunidade, demonstra seu sentimento às terras brasileiras,
expressando seu desejo de retorno em um tom comparativo entre Portugal e Brasil.
As descrições, um tanto quanto exageradas, que expressam o sentimentalismo,
evocam um eu lírico pautado pela subjetividade. Momentos após essa primeira fase
vem a segunda dessa corrente literária.
A segunda geração romântica é denominada de “Mal do Século” (a
característica central predominantemente é o sentimentalismo, que supera os dois
outros períodos dessa escola). Essa expressão excessiva de sentimentos valoriza uma

92
expressão de vida individual, em que o egocentrismo se dá de forma visível. No que
tange aos sentimentos, o pessimismo e a angústia demarcam esse universo subjetivo,
egocêntrico. Nessa mistura de sentimentos, há uma tendência para a valorização do
sonho e da morte, consequência de uma fuga da realidade e uma exagerada
idealização da mulher. Destaque para os poetas Álvares de Azevedo (1831-1852) e
Cassimiro de Abreu (1839-1860).
Na terceira geração, já no final do século XIX, também denominada de
Condoreirismo, algumas marcas históricas se fazem presentes e que refletem na
construção poética do período. É o período da história do Brasil marcada por
acontecimentos relevantes no que tange aos ideais de liberdade, tais como a
Abolição da Escravatura e a Proclamação da República. Dessa forma, aspectos
históricos dessa época se fazem presentes na poesia, demarcando um país
teoricamente livre e que seguiam seus passos livre da dependência portuguesa. Além
disso, essa liberdade é abordada também nos aspectos sociais e de progresso,
trazendo à tona a ideia de igualdade, justiça social e desenvolvimento. O poeta mais
representativo desse período é Castro Alves (1847-1871) (PASQUALINI, 2012).
O projeto estilístico que norteia o Romantismo, para além de uma liberdade
brasileira no sentido político, econômico e social, coloca sobre a mesa elementos
que justificam uma fase singular não apenas em se tratando de uma escola
específica, mas pela criatividade individual. Nessa escrita, uma vez que o
sentimentalismo é valorizado, além de certo egoísmo e narcisismo, a criatividade
ganha destaque, com a superação de normas tradicionais para a entrada de algo
singular com existência própria.

8.2 MACHADO DE ASSIS E O REALISMO

Com a decadência do Romantismo, outro formato literário vai sendo edificado


no cenário da escrita brasileiro, pelas mudanças nos valores e os fatos históricos que
vão emergindo após o final do século XIX. Trata-se do Realismo que vai emergindo
na Europa pela ascensão dos ideais de uma vida distinta daquela considerada na
literatura romântica. O sentimentalismo sede espaço para um olhar mais concreto
sobre a realidade, sem os exageros idealistas do “eu” como centro de tempos
anteriores.
As transformações sociais concernentes a esse período têm seus reflexos
também na arte, em que o artista muda sua concepção artística, rumando-se para

93
a realidade enquanto inspiração. Nessa nova era, elementos vinculados a um
progresso, tais como a tecnologia e ciência, inspiram novos modos de relação do
homem com a sociedade, inspirando uma configuração poética mais objetiva e sem
mascaramento e fuga da realidade. “A arte assumiu um papel de reproduzir uma
realidade sem alterações, segundo uma técnica fotográfica de recente invenção”
(POSSAMAI, 2011, p. 5).
Essa transformação social que se deve aos aspectos de evolução e de
valorização da ciência coloca em evidência o Positivismo de Augusto Comte, em
que a visão de mundo só deveria ser embasada aos moldes científicos. Essa nova
ordem instaura um estilo racional de criação, em que a razão impera sobre a
emoção, cujos conhecimentos devem ser considerados como os advindos da
ciência. É a época em que o saber é tomado como sinônimo de felicidade, tendo
em vista que seja sinônimo também de progresso em várias áreas e da própria
sociedade.

Essa literatura, em especial a escrita poética, vai ganhando forma no Brasil no


final do século XIX, com inspiração nesse modelo europeu pautado pelas
concepções positivistas e também pelo evolucionismo de Darwin, que refuta a
evolução humana como sendo de criação divina. Segundo Bosi (1980), o que se
observa no país nesse período é um esforço para uma escrita que refuta a
pessoalidade, levando a concepções da realidade e do homem cada vez mais
objetivas e antirromânticas. Os mais conhecidos escritores dessa fase literária
brasileira são Raul Pompéia (1863-1895), Visconde de Taunay (1843-1899) e Machado
de Assis (1839-1908).

94
Nesse cenário do Realismo, surge Machado de Assis, expoente da literatura
brasileira que se destaca por uma autenticidade nas letras. João Maria Machado de
Assis nasceu no Rio de Janeiro e faleceu na mesma cidade. De origem humilde, seus
estudos se dão em escolas públicas e não chega a ingressar no ensino superior,
aderindo-se à escrita literária como forma de ascensão social. Encontra-se, nesse
escritor, uma mistura de traços de diferentes estilos, como vistos no Romantismo e no
Naturalismo, além de provocar o leitor por meio de um elaborado suspense
(COUTINHO, 2004b). Suas primeiras publicações se dão em 1855, tendo uma vasta
obra no percurso de sua vida dedicada à literatura.
As relações entre Machado de Assis e o escritor português Eça de Queiroz não
foi das mais tranquilas, haja vista as críticas de Machado à obra de Eça,
especialmente os polêmicos romances O crime do Padre Amaro (1875) e O Primo
Basílio (1878). Há indagações sobre a entrada de Assis no Realismo com o objetivo de
competir com o referido literato português, que sugere marcas de inveja e ciúmes,
embora o escritor brasileiro tenha demonstrado admiração pelo português.
Considerado pelos críticos literários como um dos mais importantes literatos
brasileiros, tendo em vista que sua obra é bastante pesquisada por acadêmicos, a
obra machadiana se divide em romances, contos, peças teatrais e poemas, sendo
lançadas obras póstumas de sua autoria. Quanto à coletânea de poemas,
destacam-se as cinco publicadas: Crisálidas (1864), Falenas (1870), Americanas
(1875), Ocidentais (1880) e Poesias Completas (1901).

A caridade

Ela tinha no rosto uma expressão tão calma


Como o sono inocente e primeiro de uma alma
Donde não se afastou ainda o olhar de Deus;
Uma serena graça, uma graça dos céus,
Era-lhe o casto, o brando, o delicado andar,
E nas asas da brisa iam-lhe a ondear
Sobre o gracioso colo as delicadas tranças.

Levava pela mão duas gentis crianças.

Ia caminho. A um lado ouve magoado pranto.


Parou. E na ansiedade ainda o mesmo encanto
Descia-lhe às feições. Procurou. Na calçada
À chuva, ao ar, ao sol, despida, abandonada
A infância lacrimosa, a infância desvalida,
Pedia leito e pão, amparo, amor, guarida.

E tu, ó Caridade, ó virgem do Senhor,

95
No amoroso seio as crianças tomaste,
E entre beijos – só teus – o pranto lhes secaste
Dando-lhes leito e pão, guarida e amor.
(ASSIS, 1864, p. 41, adaptado)

O poema faz menção entre a religiosidade, isto é, o ter a fé, e as obras que
comprovam esse gesto, estabelecendo uma união entre vivência dessa fé e sua
ligação divina (o material e transcendental). Para tanto, faz alusão a Deus e a uma
mulher que dá a entender ser Nossa Senhora. Refere-se à sociedade, bem como
apresenta os ensinamentos bíblicos, o discurso de que não adianta dizer que crê
apenas na teoria, mas demonstrar pelas realizações de caridade. No contexto do
realismo, esse poema não deixa de ser um retrato da realidade daqueles que se
dizem religiosos sem sustentar uma prática que a torne sólida.
Nesse poema, a presença da religiosidade aponta também para traços pré-
românticos e nessa relação cabe ressaltar que esse poeta apresenta seus momentos
na literatura romântica. A religiosidade como pano de fundo do poema destacado
pode ser entendido como fruto da forte presença dos ideais religiosos de François-
René de Chateaubriand (1768 - 1848), e que Assis traz para a sua obra.

8.3 O NATURALISMO

Nesta seção, abordaremos o Naturalismo, com destaque para a poesia que


se configura nesse período classificado como o que surge após o Realismo, cujos
traços apresentam certa confusão dessas duas escolas literárias. Como nas demais
épocas literárias, os escritores brasileiros lançam mão de modelos europeus para a
prática poética no nosso país. Desta feita, o aspecto que instigou esses escritores a
aderirem esses modelos foi a utilização da escrita como possibilidade de denúncia
social.
Em relação ao momento histórico no Brasil, convenhamos destacar alguns
traços que consideramos relevantes para situarmos nesse modelo literário que aqui
se adotou. A capital federal ainda estava situada no Rio de Janeiro e a Segunda
Revolução Industrial a todo vapor, que representava sinônimo de crescimento do
capitalismo, requerendo mais mão de obra. O governo estava a cargo de D. Pedro
II, já no final do Império. Quanto à libertação dos escravos, essa se dá em 1988 pela
Princesa Isabel que assina a Lei Áurea. Figura-se, assim, um ar de liberdade no país.
Nessa efervescência de acontecimentos, surge o Naturalismo, que procurava
retratar a realidade, com escritores materialistas e sem rodeios. Portanto, o gesto de

96
escrever apresentava uma função, ainda que de forma indireta, a abordagem em
relação aos aspectos políticos, sociais e culturais da época se davam de forma
exuberante. Assim como visto na literatura realista, no Naturalismo há a
predominância de uma visão de homem por meio de um cientificismo, se libertando
do sentimentalismo impregnado na era romântica. Segundo Coutinho (2004b), a
escrita naturalista adota um estilo de fidelidade da realidade, contestando fatos que
careciam de reformas.
Seguindo a linha da Biologia que procura explicar a origem do homem, isto é,
atribuindo importância à cientificidade, como se percebe no Realismo, a escrita
naturalista contesta a religiosidade no que concerne a esses fatos. Trata-se de uma
literatura que preza pelo registro do presente e que apresenta uma aliança entre arte
e realidade social, rompendo com o convencionalismo de uma arte pela arte.
Os principais escritores que se sobressaem nesse período são Aluísio de
Azevedo (1857-1913), Adolfo Caminha (1867-1897) e Herculano de Sousa (1813-1884).
Segundo Possamai (2011), no que concerne à escrita de Azevedo, esse escritor
consegue falar a língua do leitor, isto é, a abordar temas que estava ao seu alcance.
Nascido em São Luís do Maranhão, Aluísio Tancredo Gonçalves de Azevedo é o maior
representante do Naturalismo brasileiro. Com vocação para as artes, em especial
para o desenho e a pintura, estudou pintura no Imperial de Belas-Artes, no Rio de
Janeiro. No retorno à terra natal, ao trabalhar na imprensa, dá início à vida na
literatura, tendo escrito inúmeras obras ao longo da vida. Segue um poema de sua
autoria:
Pobre amor
Calcula, minha amiga, que tortura!
Amo-te muito e muito, e, todavia,
Preferira morrer a ver-te um dia
Merecer o labéu de esposa impura!
Que te não enterneça esta loucura,
Que te não mova nunca esta agonia,
Que eu muito sofra porque és casta e pura,
Que, se o não fôras, quanto eu sofreria!
Ah! Quanto eu sofreria se alegrasses
Com teus beijos de amor, meus lábios tristes,
Com teus beijos de amor, as minhas faces!
Persiste na moral em que persistes.
Ah! Quanto eu sofreria se pecasses,
Mas quanto sofro mais porque resistes!

(AZEVEDO. Disponível em: https://bit.ly/3ODonRb. Acesso em: 20 set. 2021)

97
Sendo uma característica do realismo e do realismo-naturalismo, o poema é
estruturado em forma de soneto, recuperando a formalidade contida na poesia de
outrora. O eu lírico se direciona a uma virgem e demonstra seu amor, que deverá ser
apenas sua e resgata o valor da pureza feminina. Esse resgate vai ao encontro dos
valores familiares e sociais do século XIX, quando se casar virgem era tido como uma
dádiva e revelava a adesão da mulher a um único homem ao longo da vida.

8.4 A TRÍADE PARNASIANA: ALBERTO DE OLIVEIRA, RAIMUNDO CORREIA E


OLAVO BILAC

Trilhando pelas características semelhantes ao Realismo e ao Naturalismo, o


Parnasianismo compreende uma fase literária que surge na França no final do século
XIX. Esse tipo de poesia segue os ideais científico e positivista, sem muitos retoques na
linguagem, como as metáforas, por exemplo. A escrita obedece a uma linguagem
mais objetiva e simples.
Nessa época, observa-se uma espécie de carência de identidade em relação
à poesia que se apresentava no Brasil, tendo em vista as diferentes opiniões em
relação aos estilos que aqui emergem. Segundo Coutinho (2004c), o poeta dessa
época era percebido como aquele que se certificaria das convenções científicas na
escrita, para convencer o leitor de uma verdade comprovável, palpável. Ao rumar-
se em direção à verdade científica, os problemas sociais eram percebidos com mais
nitidez, e a poesia ganhava status do que viria a ser belo.
Sobre poesia científica, Veríssimo (1998, p. 384) acrescenta a sua crítica sobre
esse formato de literatura que se anseia na época, afirmando que “[...] a ciência,
influindo a mentalidade humana e aperfeiçoando-a consoante as suas soluções
definitivas, ou os seus critérios, possa acabar por atuar também o sentimento humano,
é uma verdade psicológica de primeira intuição”. A cientificidade é colocada em
xeque por esse autor, haja vista que a verdade científica é tomada como uma
construção que também apresenta seu lado subjetivo.
Por outro lado, a poesia socialista que era aderida em terras brasileiras,
segundo Coutinho (2004c), apresentava-se nos moldes europeus, com base na
Questão Coimbrã, em Portugal. Esses poetas lançavam mão de um tom otimista, se
direcionando para a humanidade e para o progresso, opondo-se a doutrinas
anteriores, como se observa no pessimismo romântico. Além disso, a inspiração desse

98
período na poesia se estende ao ideal republicano, em especial em São Paulo e no
Rio de Janeiro.
Quanto ao Parnasianismo, os três escritores principais são: Alberto de Oliveira
(1857-1937), Raimundo Correia (1859-1911) e Olavo Bilac (1865-1918). Antônio
Mariano Alberto de Oliveira nasceu em saquarema, inspirado na poesia europeia,
mais precisamente francesa, instaura no Brasil esse perfil literário, dando início a essa
era poética no nosso país. A sua poesia se divide em duas fases, sendo a primeira
com temas exóticos e a segunda, natureza brasileira. Dentre suas características e da
própria poética parnasiana, esse escritor não se preocupa com a estrutura e com a
linguagem na poesia, inclusive com erros de colocação pronominal e ortográficos
(POSSAMAI, 2011). Algumas de suas obras: Canções Românticas (1878), Meridionais
(1884), Sonetos e Poemas (1885), dentre outros.
Raimundo da Mota de Azevedo Correia nasceu em São Luís, tendo se formado
advogado no Rio de janeiro e atuado como juiz nesse estado. Ao contrário de
Alberto, Raimundo percebia a necessidade de se aderir a uma linguagem culta e a
uma formalidade poética. Porém, carrega na sua poesia um pessimismo
exacerbado. Vale ressaltar que esse poeta transita por distintos estilos, tendo iniciado
sua escrita nos moldes do Romantismo, posteriormente, como parnasianista e, depois,
como simbolista. Suas obras se traduzem em: Primeiros Sonhos (1879), Sinfonias (1883),
Versos e Versões (1887), Aleluias (1891), Poesias (1898).
Olavo Bilac, diferentemente da noção de uma poesia que apreciava uma
denúncia social, prezava a arte pela arte. A concepção de que a forma não constitui
o produto por si só, essa circunstância coloca a poesia na condição de algo
inatingível, como se não houvesse um caminho para a expressão perfeita (POSSAMAI,
2011). Segundo essa autora, Olavo Brás Martins dos Guimarães Bilac nasceu no Rio de
Janeiro, tendo iniciado os cursos de medicina e direito, interrompidos. Primando por
uma temática amorosa nas suas poesias, a melancolia também é evidente na sua
obra, uma espécie de recorrência à poesia romântica. A busca pela perfeição, tanto
na língua quanto no verso, faz de Bilac um poeta perfeccionista, embora emotivo.
Algumas de suas obras: Poesias (1888); Tratado de versificação (1910); Tarde (1919),
esta como sendo a que comporta o poema abaixo:

99
Vila Rica

O ouro fulvo do ocaso as velhas casas cobre;


Sangram, em laivos de ouro, as minas, que ambição
Na torturada entranha abriu da terra nobre:
E cada cicatriz brilha como um brasão.

O ângelus plange ao longe em doloroso dobre,


O último ouro do sol morre na cerração.
E, austero, amortalhando a urbe gloriosa e pobre,
O crepúsculo cai como uma extrema-unção.

Agora, para além do cerro, o céu parece


Feito de um ouro ancião que o tempo enegreceu...
A neblina, roçando o chão, cicia, em prece,

Como uma procissão espectral que se move...


Dobra o sino... Soluça um verso de Dirceu...
Sobre a triste Ouro Preto o ouro dos astros chove.
(BILAC, 1996, p. 269)

No poema de Bilac, comprova-se uma valorização da forma, pelo soneto,


mantendo essa característica do realismo, cuja origem vem da tradição poética de
séculos bem anteriores ao parnasianismo. Ainda com teor similar realista, há uma
alusão ao declínio do ouro brasileiro, em especial em Ouro Preto-MG, cuja atividade
vai se declinando no século XVIII. O dizer verdadeiro vai fluindo sob um tom
melancólico, referenciando-se a uma verdade sobre a realidade que poderia trazer
consequências negativas para a sociedade brasileira.

8.5 O SUBJETIVISMO, O MISTICISMO E A IMAGINAÇÃO NO SIMBOLISMO

Diferentemente do pensamento difuso entre a burguesia em relação aos


ideais científicos que pairavam sobre a Europa no final do século XIX para o início do
século XX, uma nova tendência vai ganhando força pelas camadas mais populares
dessa região. Um movimento que ganha força e que considera os símbolos como

100
sendo relevante para a compreensão da realidade. Frente a esse contexto, surge
uma nova corrente na literatura, denominada de Simbolismo, surgindo na França e
sendo denominado, também, de Decadentismo.
Esses símbolos poderiam ser representados por diferentes elementos, como
aspectos musicais, a rítmica, a tonalidade e até mesmo o colorido, que
representavam algo para além dos sentidos. Segundo as concepções de Bosi (2004),
mudanças políticas e econômicas pairam sobre a Europa nesse momento histórico,
com o avanço do capitalismo, advindo das revoluções industriais, e a Primeira Guerra
Mundial. Nesse contexto, surge uma espécie de repulsa em relação ao materialismo.
No que concerne ao movimento simbolista em relação à literatura, uma nova
estética emerge, em que o poeta se vê diante de um conjunto de símbolos como
representativos do universo. A representação figurada deveria então ser descoberta
pelo poeta, como aquilo que para ele é visível e que cabia a ele transferir para o
fazer literário essas sensações subjetivas do universo. O símbolo nada mais é que um
objeto que representa outro objeto, mas que no tocante à literatura, esse objeto
apresenta também vida própria, ele apresenta e não apenas representa.
Nessa concepção de literatura, elementos do contexto romântico se fazem
presentes, como um retorno dessa poesia para a construção dessa vertente nova
que se inicia. Os poetas se expressam, pelas convenções simbolistas, por meio de
lapsos da linguagem, que colocam em evidências os sonhos, as alucinações e os
devaneios, que promovem uma espécie de ruptura com a linguagem convencional.
Nesse movimento, o eu é colocado em evidência, como o centro. Além disso, o
estado da alma, o individualismo, a utilização de metáforas e símbolos, o idealismo e
as místicas se fazem presentes como norteadores dessa tendência (POSSAMAI, 2011,
p. 102).
Segundo as palavras de Coutinho (2004c), esse novo fazer poético significa
várias transformações no que concerne à prática literária, em que a poesia é
permeada pela imaginação de um mundo, dando ênfase ao mundo invisível,
marcado pela irracionalidade. Há, nessa poesia, todo um universo de obscuridade e
imprecisão, pautado pelo mistério e que foge a uma lógica precisa. É nesse contexto
que ocorre uma fusão entre aspectos artísticos distintos, tais como a literatura, a
música e a pintura. Essa corrente é considerada uma ruptura da mecanicidade do
fazer poético calcado no cientificismo, no materialismo, e abre caminho para um
novo Romantismo.

101
No Brasil, esse movimento ganhou força pela reunião de alguns escritores no
Rio de Janeiro para discussões acerca desse novo estilo de fazer poético, baseando-
se nos moldes franceses, gesto que foi nomeado de “decadentista”. Dessa iniciativa,
um manifesto foi publicado, dando visibilidade a essa nova corrente literária que
dava seus primeiros passos no Brasil.
Como aponta Junkes (2008), o poeta que mais se destaca nessa geração
simbolista é Cruz e Sousa (1861-1898). João da Cruz e Sousa nasceu em Nossa Senhora
do Desterro. Alguns teóricos consideram esse poeta como o único originalmente
negro na literatura brasileira. Suas principais obras são: em vida: Broquéis (1893),
Missal (1893), Tropos e Fantasias (1885). Além dessas, algumas póstumas merecem
destaque: Últimos Sonetos (1905), Evocações (1898, poemas em prosa), Faróis (1900,
poesia). Ressalte-se que esse poeta, assim como o movimento simbolista, enfrenta
resistências, cuja obra é desprestigiada e incompreendida.

Livre!

Livre! Ser livre da matéria escrava,


Arrancar os grilhões que nos flagelam
E livre penetrar nos Dons que selam
A alma e lhe emprestam toda a etérea lava.

Livre da humana, da terrestre bava


Dos corações daninhos que regelam,
Quando os nossos sentidos se rebelam
Contra a Infâmia bifronte que deprava.

Livre! bem livre para andar mais puro,


Mais junto à Natureza e mais seguro
Do seu Amor, de todas as justiças.

Livre! para sentir a Natureza,


Para gozar, na universal Grandeza,
Fecundas e arcangélicas preguiças.

(SOUSA, 1905, p. 45-46, adaptado)

No poema, o autor faz referência à escravidão brasileira, em que seu fim


significava a promoção do escravo livre, independente dos senhores. Mas também,
pode ser entendido como liberdade social em todos os aspectos, não apenas aos
escravos por ofício, que configura um desejo de liberdade também do espírito. O
poeta nos brinda de vocábulos vinculados a um mesmo campo semântico, como
sendo recurso próprio do simbolismo, tais como “grilhões” e “flagelam”

102
FIXANDO O CONTEÚDO

1. (Fuvest) – Poderíamos sintetizar uma das características do Romantismo pela


seguinte aproximação de opostos:

a) Aparentemente idealista, foi, na realidade, o primeiro momento do Naturalismo


Literário.
b) Cultivando o passado, procurou formas de compreender e explicar o presente.
c) Pregando a liberdade formal, manteve-se preso aos modelos legados pelos
clássicos.
d) Embora marcado por tendências liberais, opôs-se ao nacionalismo político.
e) Voltado para temas nacionalistas, desinteressou-se do elemento exótico,
incompatível com a exaltação da pátria.

2. (FAU-SP) – O indianismo de nossos poetas românticos é:

a) Uma forma de apresentar o índio em toda a sua realidade objetiva; o índio como
elemento étnico da futura raça brasileira.
b) Um meio de reconstruir o grave perigo que o índio representava durante a
instalação da capitania de são vicente.
c) Um modelo francês seguido no brasil; uma necessidade de exotismo que em nada
difere do modelo europeu.
d) Um meio de eternizar liricamente a aceitação, pelo índio, da nova civilização que
se instalava.
e) Uma forma de apresentar o índio como motivo estético; idealização com simpatia
e piedade; exaltação da bravura, do heroísmo e de todas as qualidades morais
superiores.

3. (FUVEST-SP) - Leia com atenção:

"Os ritos semibárbaros dos Piagas,


Cultores de Tupã, e a terra virgem
Donde como dum tronco enfim se abriram
Da cruz de Cristo os piedosos braços;
As festas e batalhas mal sangradas
Do povo americano, agora extinto,
Hei de cantar na lira.
Cantor modesto e humilde,

103
A fronte não cingi de mirto e louro,
Antes de verde rama engrinaldei-a;
De agrestes flores enfeitando a lira;
Não me assentei nos cimos do Parnaso.
(...)
Cantor das selvas, entre bravas matas
Áspero tronco da palmeira escolho."

Nos versos acima, o autor promete cantar:

a) As batalhas incruentas entre indígenas e americanos


b) A terra de santa cruz, então extinta
c) A realiza dos ritos, mirtos e louros semibárbaros
d) A cultura e o ambiente do povo indígena
e) As flores agrestes dos píncaros do parnaso.

4. (FEI-SP) Leia atentamente:

I. "Segunda Revolução Industrial, o cientificismo, o progresso tecnológico, o


socialismo utópico, a filosofia positivista de Auguste Comte, o evolucionismo
formam o contexto sociopolítico-econômico-filosófico-científico em que se
desenvolveu a estética realista."
II. "O escritor realista acerca-se dos objetos e das pessoas de um modo pessoal,
apoiando-se na intuição e nos sentimentos."
III. "Os maiores representantes da estética realista/naturalista no Brasil foram:
Machado de Assis, Aluísio Azevedo e Raul Pompéia."
IV. "Poderíamos citar como característica da estética realista: o individualismo, a
linguagem erudita e a visão fantasiosa da sociedade."

Verificamos que em relação ao Realismo/naturalismo está (estão) correta


(corretas):

a) Apenas I e II.
b) Apenas I e III.
c) Apenas II e IV.
d) Apenas II e III.
e) Apenas III e IV.

104
5. (Mack) Assinale a alternativa correta sobre Machado de Assis.

a) Embora tenha sido um dos maiores escritores brasileiros do século XIX, não
conseguiu em vida o reconhecimento de sua obra.
b) Uma de suas linhas temáticas está presente na valorização do comportamento do
homem burguês.
c) Introduziu o Realismo no Brasil em 1881, mas enveredou para o estilo naturalista ao
tematizar aspectos patológicos do comportamento.
d) Uma das marcas de seu estilo é a linguagem crítica, que se apresenta de maneira
direta e seca.
e) Vivendo num período de culto ao cientificismo, questionou lucidamente o valor
absoluto das verdades científicas.

6. (PUC-RJ) Estão relacionadas abaixo uma série de características de movimentos


literários. Delas apenas uma não se refere ao Naturalismo. Qual é?

a) Busca da objetividade científica.


b) Idealização da natureza.
c) Determinismo biológico.
d) Tematização do patológico.
e) Aplicação do método experimental.

7. Sobre as principais diferenças entre o Parnasianismo e o Simbolismo:

I. Enquanto no Parnasianismo a linguagem é objetiva e culta, no Simbolismo a


linguagem é vaga e fluida.
II. O Simbolismo preza pelo subjetivismo, enquanto o Parnasianismo pelo objetivismo.
III. O pessimismo é uma das características da poesia simbolista, enquanto na poesia
parnasiana há contenção de sentimentos.

Está correta a alternativa:

a) I.
b) I e II.

105
c) I e III.
d) II e III.
e) I, II e III.

8. (Unificado-RS)

Nasce a manhã, a luz tem cheiro... Ei-la que assoma


Pelo ar sutil... Tem cheiro a luz, a manhã nasce...
Oh sonora audição colorida do aroma!

A linguagem poética, em todas as épocas, foi e é simbólica; o Simbolismo recebeu


esse nome por levar essa tendência ao paroxismo.

Os versos acima atestam essa exuberância, pela fusão de imagens auditivas,


olfativas e visuais, constituindo rico exemplo de:

a) Eufemismo.
b) Polissíndeto.
c) Sinestesia.
d) Antítese.
e) Paradoxo.

106
A POESIA BRASILEIRA UNIDADE
NA ERA MODERNA

9.1 PRÉ-MODERNISMO – TRANSIÇÃO ENTRE O SIMBOLISMO E O MODERNISMO


09
Nesta unidade será tratada uma nova estética literária, em especial no campo
da poesia, que se desponta para uma nova era brasileira nessa dimensão criativa.
Após o Simbolismo, que começa a entrar em decadência no final do século XIX,
ocorre uma série de movimentos que vão estruturando uma nova corrente na
literatura, que é o Modernismo, que vem a se efetivar com denominada Semana de
Arte Moderna, em São Paulo, assunto que será tratado mais adiante.
Essa nova fase que se inicia se dá por uma complexidade, tendo em vista que
os próprios poetas se veem diante de uma indefinição, cuja tarefa cabe se reinventar.
grosso modo, a falta de um direcionamento preciso e características que venha a
discernir de correntes anteriores, despontam para criatividades livres de regras que
até então dominavam a poesia. Como, por exemplo, no que concerne à estrutura
que mantinha o soneto como padrão, é agora rompido. A regra a partir de agora
seria não haver regras e as produções passam a oferecer uma diversificação maior,
uma individualidade de estilos próprios de cada escritor que perfazem esse caminho
que apresentam seu início no início do século XX.
De acordo com Coutinho (2004c), esse período de transição – sem considerar
uma data exata para o final de uma corrente e início de outra – é recheado por
indefinições, que ao mesmo tempo em que parece recuperar características de
vários outros estilos já utilizados, abre espaço para a autonomia poética. O que
importa a partir de então é a criatividade, o que desperta também uma dificuldade
de classificação e até mesmo para uma crítica às obras que vão surgindo. Ainda,
esse citado teórico destaca que esse período transitório é denominado de
penumbrismo.

107
Essa transição entre os dois períodos de maior visibilidade na literatura brasileira
ocorre por meio de vários outros movimentos artísticos no seu interior, tais como o
neoparnasianismo, que recupera estilos parnasianos, no início dos anos 1900, com
destaque para Augusto dos Anjos (1884-1914) e Humberto de Campos (1886-1934).
Alimentados pelos ideais de filósofos, como Baudelaire, os poetas se expressam por
meio de um pessimismo exagerado, de tristeza e questionamento sobre a vida
(POSSAMAI, 2011).
Outro movimento artístico que ganha força é o Impressionismo, que nada mais
é que uma manifestação, sobretudo no campo da pintura, de uma impressão do
mundo a sua volta, povoada por subjetivismo. Essa manifestação elucida a visão
própria do artista, sendo praticada em teor mais considerável na pintura, com
destaque para os efeitos de luz e retratando elementos da natureza, bem como é
possível observar na pintura abaixo, do impressionista francês Claude Monet (1840-
1926):
Figura 1: “Impressão – Sol Nascente”, 1874

Fonte: Cristovão (2009, p. 41).

Essa dimensão do impressionismo da pintura mescla cores e sentimentos do


artista, com destaque para a sua liberdade de criação, desprendido de regras

108
convencionais, tendo como berço a França. Essa prática que se destaca na pintura
atinge também a poesia, pois os poetas começam a escrever inspirados em
sensações múltiplas, utilizando as palavras de forma não convencionais, como um
embaralhamento e mistura de várias cores, o que requereu uma busca de
independência entre esses dois campos culturais (CRISTOVÃO, 2009). (Essa
subjetividade na literatura, segundo Coutinho (2004c), atravessa um momento de
criação como algo fragmentado, inacabado e transitório, sem ficar preso à sintaxe
ordenada, pelo uso de metáforas, assim como se percebe no Romantismo, além da
sonoridade que é comum na poesia impressionista.
Além dos dois escritores destacados acima, outros integram esse período
literário de transição, quais sejam: Raul Pompeia (1863-1895), Graça Aranha (1868-
1931) e Afrânio Peixoto (1876-1947), dentre outros. Retomando Augusto Carvalho
Rodrigues dos Anjos, este nasceu em sapé-PR. Tido como pré-modernista brasileiro,
exerceu a função de professor no seu estado, tendo iniciado no universo poético já
na infância, com destaque para seu livro Eu e outras poesias (1912). Segue um poema
desse seu livro:
Vozes de um túmulo

Morri! E a Terra — a mãe comum — o brilho


Destes meus olhos apagou!… Assim
Tântalo, aos reais convivas, num festim,
Serviu as carnes do seu próprio filho!

Por que para este cemitério vim?!


Por quê?! Antes da vida o angusto trilho
Palmilhasse, do que este que palmilho
E que me assombra, porque não tem fim!

No ardor do sonho que o fronema exalta


Construí de orgulho ênea pirâmide alta,
Hoje, porém, que se desmoronou

A pirâmide real do meu orgulho,


Hoje que apenas sou matéria e entulho
Tenho consciência de que nada sou!
(ANJOS, 2018, p. 58)

Como característica própria da poética de Augusto dos Anjos, o poema


retrata a impressão do eu lírico sobre si mesmo, em que a morte assombra seus finitos
passos terrenos. A morte é mencionada como fatalidade e a finitude humana, assim
como tão frágil é o ser humano frente a essa passagem para o outro lado da vida,
sendo que a matéria (o corpo), insignificante, se desfaz no túmulo tido como o último

109
lugar e o destino do homem. Por outro lado, a fraqueza do eu lírico não retrata
somente a si mesmo, mas a sociedade em geral, pelos sentimentos negativos que
povoam esse ser, trazendo consigo a insignificância e a efemeridade da carne. Há,
portanto, um sentimento de pessimismo frente aos sentimentos humanos, e que a
morte seria uma forma de se transformar em um ser melhor.

9.2 O MODERNISMO E A SEMANA DE ARTE MODERNA EM SÃO PAULO

Além dos movimentos já apontados na seção anterior, outros também


merecem destaque, pois se traduzem em acontecimentos decisivos para a
instauração da poesia moderna brasileira, tais como as Vanguardas Europeias, nome
dado aos estilos que surgem no momento vigente, isto é, no início do século XX.
Seguem breves descrições dos cinco movimentos principais da época:

Quadro 1: Movimentos de Vanguarda Europeia


Movimentos Descrições
Destacava alguns fenômenos como o movimento e a velocidade, próprios
da tendência de velocidade temporal com que viria a ocorrer nos tempos
mais modernos. Inicia-se com o “Manifesto do Futurismo”, de Marinetti, o qual
Futurismo “[...] defendia o emprego do substantivo e do verbo somente no infinitivo,
abolindo o adjetivo e o advérbio” (POSSAMAI, 2011, p. 131).
Propunha um novo estilo estético e resistir modelos pré-estabelecidos,
sugerindo uma expressão mais livre de intelectualismo elaborado. Esse
descompromisso se direciona para uma anarquia, possibilitando reflexos
também a escrita, por meio de uma sintaxe mais livre. Essa concepção se
Dadaísmo alinhava a um ideal de felicidade e prazer momentâneos, em que a anarquia
se direcionava também para as palavras, pela fuga às convenções
tradicionais bem elaboradas.
Também aparece como uma etapa desses movimentos pré-modernistas,
integrando o horizonte dessas vanguardas como experimentos para um novo
rumo à arte europeia e que posteriormente inspiraria outras regiões, como o
Brasil. Como o próprio termo significa, trata-se de uma forma de arte que
ultrapassa as fronteiras do que vem a ser real, uma visão elaborada,
Surrealismo imaginada, dispensando modelos como os observados no Realismo.
Amparados pelo inconsciente freudiano, os artistas seguiam em direção a
uma falta de lógica, buscando um aspecto daquilo sem sentido.
O Cubismo também ganha destaque nessas correntes de vanguarda, cujo
nome mais famoso é Picasso e seus quadros, como pintor de notoriedade
nesses meados do início do século XX. Esse movimento foi o que mais rompeu
Cubismo de forma abrupta as tendências tradicionais e que mais refletiu no que viria a
seguir, a Semana de Arte Moderna, em São Paulo.
É outro movimento que vem sublinhar essa gama de manifestações distintas
das anteriores, a romper com as formalidades das artes que se praticavam
até então. Pautado por uma subjetividade extrema, sugere uma expressão
Expressionismo puramente pessoal e nada objetivo, em que o artista se expressa de modo a
conter na obra a sua própria visão de mundo, algo advindo de seu íntimo.
Fonte: Elaboração pelos autores (2021).

110
Frente a esses movimentos de Vanguarda e até mesmo pelo contexto histórico
que viria a ocorrer em momentos posteriores, emerge a Primeira Guerra Mundial, que
provoca uma mudança nas concepções em vários campos, tais como social e
ideológica. Dentre essas mudanças, como forte aspecto que reflete na literatura e
em outras artes, está a incerteza do cientificismo e dos questionamentos dos saberes
absolutos. Nesse contexto, já tendo existido no Surrealismo, o inconsciente ganha
destaque, advindas das teorias de Freud no campo da Psicanálise como
considerável para a compreensão do homem.
No período pós-guerra, ansiavam-se por novas formas de expressão que não
estivessem ainda presas ao passado. Nesse contexto, surge a figura de Oswald de
Andrade como líder para encabeçar um novo movimento artístico, conquistando
intelectuais e artistas para tal revolução. Dessa forma, o projeto ganha força, somado
às constantes exposições que passam a ocorrer na segunda década do século XX.
Dessa forma, vão se consolidando os modos diferenciados de se fazer arte no
Brasil, em especial a poesia, cuja fase, para além de Modernismo, o grupo de líderes
era denominado de futuristas. É nesse contexto que surge a ideia de se dedicar uma
semana à arte, que fica conhecida como a Semana de Arte Moderna, ocorrendo
em 1922 e como comemoração ao centenário da Independência do país. O evento
ocorre no Teatro Municipal, em São Paulo, reunindo todos os tipos de artes como
formas de expressão. Além dessa semana especial, outros espetáculos também
acontecem, como forma de reforço aos ideais propostos, no intuito de se dar um
novo rumo às práticas artísticas.

Após a semana supracitada, outras manifestações importantes ocorrem,


atinge todo o país e provocam reações diversas, desde a adesão de parte da
população até os contras ao movimento dos modernistas. Como exemplo, destaca-
se o Manifesto Pau-Brasil – resistência à poesia de importação, por Oswald de
Andrade, como aponta Coutinho (2004b).
Pensar em Modernismo, no que concerne à poesia, é se certificar de que se
trata de uma liberdade às fórmulas convencionais, acadêmicas, em que a

111
originalidade se faz a gosto do poeta. Os poetas modernistas aderem ao verso
branco e livre, rompe com a linguagem erudita em prol de coloquialismos, com erros
propositais. Essa corrente literária é dividida em três fases. Na primeira fase é
publicado o Manifesto Antropofágico, em 1928, de autoria de Oswald de Andrade,
sendo Tarsila do Amaral outro expoente desse movimento, cujo objetivo era
experimentar outras formas de cultura nacional. Esse manifesto é simbolizado por um
quadro de autoria de Tarsila que o dá de presente ao marido, Oswald:

Figura 2: Abaporu, 1928

Fonte: Sousa (2013, p. 26)

Na primeira fase modernista (fase heroica), que vai de 1922 até 1930,
destacam-se Mário de Andrade (1893-1945), Oswald de Andrade (1890-1954), Manuel
Bandeira (1886-1968) e Patrícia Galvão (1910-1962), conhecida como “Pagu”. Dentre
suas principais características, destacam-se o regionalismo e linguagem informal,
nacionalismo, valorização da cultura popular, ironia, versos brancos e livres.
Na segunda fase (de consolidação), 1930 a 1945, Carlos Drummond de
Andrade (1902-1987), Cecília Meireles (1901-1964), Mário Quintana (1906-1994),
Vinícius de Moraes (1913-1980) e Murilo Mendes (1901-1975). Nessa fase, observa-se
uma forte presença de crítica social, ênfase para as temáticas cotidiana, religiosa e
histórica, destaque para valorização da diversidade cultural brasileira, versos livres e
brancos.
Já na terceira fase, entre 1945 e 1960 (“Geração de 45”), o destaque vai para
Mário Quintana (1906-1994), João Cabral de Melo Neto (1920-1999) e Guimarães Rosa
(1908-1967). Nessa fase, observa-se a inserção da mulher na literatura, considerando-

112
se a poesia de Clarice Lispector (1920-1977), Hilda Hilst (1930-2004) e Adélia Prado
(1935-atual). Nessa última fase, há a presença de uma linguagem mais objetiva,
elementos do Simbolismo e do Parnasianismo, aversão à liberdade formal, com a
presença da rima e da métrica, além de questões sociais fazerem presença de forma
notável como temáticas centrais.
Segundo Possamai (2011), Mário Raul de Morais de Andrade nasceu em São
Paulo, iniciando-se na escrita poética em 1917, após ter estudado no
Conservadorismo Dramático e Musical da mesma cidade. Pelos reflexos dos artistas
plásticos da época, esse escritor adere-se aos estilos modernistas, em que escreve
Pauliceia Desvairada (1922), seu primeiro e um dos mais famosos livros de poesia.
Destaca, em seus poemas, aspectos da cidade de São Paulo, ressaltando sua
população e as vivências naquela metrópole. Vejamos o poema que inaugura o
referido livro:
Inspiração

São Paulo! comoção de minha vida...


Os meus amores são flores feitas de original...
Arlequinal!...Traje de losangos... Cinza e ouro...
Luz e bruma... Forno e inverno morno...
Elegâncias sutis sem escândalos, sem ciúmes...
Perfumes de Paris... Arys!
Bofetadas líricas no Trianon... Algodoal!...

São Paulo! comoção de minha vida...


Galicismo a berrar nos desertos da América!

(ANDRADE, 1987, p. 83)

No poema, o centro das ideias concentra-se na cidade de São Paulo, tendo


em vista que o livro é lançado no mesmo ano em que ocorre a Semana de Arte
Moderna, nessa cidade. Essa referência é marca registrada na obra de Andrade,
tendo em vista que a cidade na época supracitada passa por um intenso processo
de desenvolvimento, com sua agitação e efervescência cultural, sobretudo no
universo poético. Esse desenvolvimento e crescimento acelerado é comprovado
pela referência a Paris, que também provoca algumas contradições
comportamentais e climáticas: “Forno e inverno morno...”. Aliás, nesse verso, como
na maioria do poema, apresentam ideias inconclusas, pelo emprego de reticências,
como se a complexidade paulista, com suas variações, inclusive humanas,
interrompesse as ideias do eu lírico.

113
9.3 A POESIA CONCRETA

O Modernismo assinala uma liberdade artística em todos os campos e na


poesia não é diferente, o que significa também se despontar para outros rumos que
demarcassem como novas tendências da época. E é nessa dimensão que a
denominada poesia concreta surge, corrente liderada por Augusto de Campos
(1931-atual) e Haroldo de Campos (1929-2003).
Possamai (2011) destaca que a poesia concreta valoriza aspectos não apenas
temáticos, mas visuais, levando em conta os signos que não apenas as palavras, mas
também traços que produzem sentidos. Essa poesia ruma para a fusão entre os
aspectos linguagem verbal, imagem, som (efeito verbovocovisual) com possibilidade
de se explorar todos os significados possíveis das construções, dialogando com outras
manifestações artísticas, como as artes plásticas. Além disso, é comum perceber
nessa poesia recursos como a metalinguagem, objetividade (rompimento com o eu
lírico), adesão ao poema-objeto, rejeição ao verso e o aproveitamento da página
na composição do poema.

Coutinho (2004c) observa que no Concretismo o poema adquire também uma


função, denominada pelo teórico de poema-práxis, tendo em vista que a estética
possibilita desenhar por meio das palavras, configurando uma realidade específica
que vai ao encontro do leitor que pode também atribuir seus sentidos de acordo com
as dimensões visuais. Essa característica possibilita também adentrar-se para
possibilidades semânticas, cujo sentido é produzido com relações a outros
significados linguísticos e imagéticos, fazendo da poesia um trabalho dinâmico.

114
se
nasce
morre nasce
morre nasce morre
renasce remorre renasce
remorre renasce
remorre
re
re
desnasce
desmorre desnasce
desmorre desnasce desmorre
nascemorrenasce
morrenasce
morre
se
(CAMPOS,1958)

O poema concretista de Campos oferece ao leitor mais que um poema escrito


em palavras, mas um trabalho estético que mistura outros elementos, como
imagético (figuras triangulares com aspecto de reflexo, que dialogam com as artes
plásticas), e semântico. A dinâmica do nascer e morrer sugere a continuidade da
vida, em que a vida e a morte se constituem em dois processos naturais nesse círculo
vital do ser humano. Além disso, essa descontinuidade/continuidade é realizada por
um trabalho de repetição de fonemas idênticos no início das palavras (aliteração) e
palavras com sons semelhantes (assonância). Dessa forma, “nasce”/“desnasce” e
“morre”/”desmorre” é trabalhado como um jogo de quebra-cabeças, em que cabe
ao poeta ir dispondo as peças de modo a criar os efeitos de sentido desejado. Essa
dinâmica aponta para duas palavras contraditórias e que uma é consequência da
outra, em que os prefixos “re” e “des” reforçam a ideia de volta ao início, um retorno
que completa esse ciclo.
Por outro lado, sendo contrária ao Concretismo, surge a Poesia Social, cujo
objetivo é a denúncia social e com temáticas que vão ao encontro dos problemas
do país, resgatando tendências que outrora foram aderidas, como vistas no
Parnasianismo, por exemplo, além do verso e o lirismo. Nesse contexto, destaca-se a
Ditadura Militar no Brasil que já se encontra a todo vapor e também serve de horizonte
para a produção poética da época, inclusive pela censura da linguagem mais
direta. Nessa corrente, o destaque vai para Ferreira Gullar (1930-2016) que de início é

115
adepto da poesia concreta e depois abandona essa vertente e adere-se a essa
outra forma de escrita que é a poesia social.

116
FIXANDO O CONTEÚDO

1. (UCP – PR) Movimento literário brasileiro que recebeu influências de vanguardas


europeias, tais como o Futurismo e o Surrealismo:

a) Modernismo
b) Parnasianismo
c) Romantismo
d) Realismo
e) Simbolismo

2. (UDESC) A Semana da Arte Moderna de 1922 tinha como uma das grandes
aspirações renovar o ambiente artístico e cultural do país, produzindo uma arte
brasileira afinada com as tendências vanguardistas europeias, sem, contudo,
perder o caráter nacional; para isso contou com a participação de escritores,
artistas plásticos, músicos, entre outros. Analise as sequências que reúnam as
proposições corretas em relação à Semana da Arte Moderna.

I. O movimento modernista buscava resgatar alguns pontos em comum com o


Barroco, como os contos sobre a natureza; e com o Parnasianismo, como o estilo
simples da linguagem.
II. A exposição da artista plástica Anita Malfatti representou um marco para o
modernismo brasileiro; suas obras apresentavam tendências vanguardistas
europeias, o que de certa forma chocou grande parte do público; foi criticada
pela corrente conservadora, mas despertou os jovens para a renovação da arte
brasileira.
III. O escritor Graça Aranha foi quem abriu o evento com a sua conferência inaugural
“A emoção estética na Arte Moderna”; em seguida, apresentou suas obras
Pauliceia desvairada e Amar, verbo intransitivo.
IV. O maestro e compositor Villa-Lobos foi um dos mais importantes e atuantes
participantes da Semana.
V. As esculturas de Brecheret, impregnadas de modernidade, foram um dos
estandartes da Semana; sua maquete do Movimento às Bandeiras foi recusada
pelas autoridades paulistas; hoje, umas das esculturas públicas mais admiradas em
São Paulo.

117
Assinale a alternativa que contém a sequência correta, de cima para baixo.

a) II, III e V.
b) II, IV e V
c) I e III.
d) I e IV.
e) II e V.

3. (UEL-PR) As reações negativas do público à Semana de Arte Moderna refletem:

a) A fixação do espírito brasileiro no propósito de menosprezo das criações


nacionalistas.
b) A possibilidade do futuro fracasso do modernismo como movimento estético
literário.
c) A aversão dos autores em se comunicar com o público presente no teatro
municipal de são paulo.
d) A preferência pelas manifestações artísticas já cristalizadas nas linhas do
academicismo.
e) O pouco amadurecimento dos autores para propostas de vanguarda.

4. Em 1924, os surrealistas lançaram um manifesto no qual anunciaram a força do


inconsciente na criação de novas percepções. Valorizavam a ausência de lógica
das experiências psíquicas e oníricas, propondo novas experiências estéticas.
Sobre o Surrealismo, é correto afirmar:

a) Acredita que a liberação do psiquismo humano se dá por meio da sacralização


da natureza.
b) Baseia-se na razão, negando as oscilações do temperamento humano.
c) Destaca que o fundamental, na arte, é o objeto visível em detrimento do
emocionalismo subjetivo do artista.
d) Concede mais valor ao livre jogo da imaginação individual do que à codificação
dos ideais da sociedade ou da história.
e) Busca limitar o psiquismo humano e suas manifestações, transfigurando-os em
geometria a favor de uma nova ordem.

118
5. (FESP-PE)

"Quando as casas baixarem de preço,/ Laura Moura, prenda minha,/ Uma delas será sua
sem favor./ Lá fora a bulha da cidade/ Disfarçará nosso prazer.../ E a gente, numa rede
maranhense,/ Ao som dum jazz bem blue,/ Balancearemos no calor da noite,/ Sonhando
com o sertão."

Assinale a afirmativa que não constitui característica do Modernismo e que,


assim, não se aplica ao texto acima.

a) Valorização poética de aspectos da realidade tradicionalmente considerados


prosaicos.
b) Utilização de versos simétricos, porém brancos.
c) Integração na nossa cultura de manifestações artísticas estrangeiras.
d) Síntese poética da nacionalidade pela integração de diversos aspectos culturais
do país.
e) Aproximação dos padrões da linguagem coloquial.

6. (ENEM) “Poética”, de Manuel Bandeira, é quase um manifesto do movimento


modernista brasileiro de 1922. No poema, o autor elabora críticas e propostas que
representam o pensamento estético predominante na época.

Poética

Estou farto do lirismo comedido


Do lirismo bem comportado
Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente
protocolo e manifestações de apreço ao Sr. diretor.
Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no dicionário
o cunho vernáculo de um vocábulo.
Abaixo os puristas
[...]
Quero antes o lirismo dos loucos
O lirismo dos bêbedos
O lirismo difícil e pungente dos bêbedos
O lirismo dos clowns de Shakespeare

- Não quero mais saber do lirismo que não é libertação.

(BANDEIRA, Manuel. Poesia completa e prosa. Rio de janeiro: José Aguilar, 1974)

Com base na leitura do poema, podemos afirmar corretamente que o poeta:

119
a) Critica o lirismo louco do movimento modernista.
b) Critica todo e qualquer lirismo na literatura.
c) Propõe o retorno ao lirismo do movimento clássico.
d) Propõe o retorno do movimento romântico.
e) Propõe a criação de um novo lirismo.

7. (ENEM) O uso do pronome átono no início das frases é destacado por um poeta e
por um gramático nos textos abaixo.

Pronominais

Dê-me um cigarro
Diz a gramática
Do professor e do aluno
E do mulato sabido
Mas o bom negro e o bom branco
Da Nação Brasileira
Dizem todos os dias
Deixa disso camarada
Me dá um cigarro.

(ANDRADE, Oswald de. Seleção de textos. São Paulo: Nova Cultural, 1988.)

“Iniciar a frase com pronome átono só é lícito na conversação familiar, despreocupada,


ou na língua escrita quando se deseja reproduzir a fala dos personagens (...)”.

(CEGALLA. Domingos Paschoal. Novíssima gramática da língua portuguesa. São Paulo: Nacional, 1980.)

Comparando a explicação dada pelos autores sobre essa regra, pode-se afirmar
que ambos:

a) Condenam essa regra gramatical.


b) Acreditam que apenas os esclarecidos sabem essa regra.
c) Criticam a presença de regras na gramática.
d) Afirmam que não há regras para uso de pronomes.
e) Relativizam essa regra gramatical.

8. (PUC-PR)

de sol a sol
soldado
de sal a sal
salgado

120
de sova a sova
sovado
de suco a suco
sugado
de sono a sono
sonado

sangrado
de sangue a sangue
(Haroldo de Campos)

O poema concretista, acima indicado, apresenta as seguintes inovações no


campo verbal e visual:

a) Apresentação de um ideograma; uso de estrangeirismos, esfacelamento da


linguagem.
b) Ausência de sinais de pontuação; uso intensivo de certos fonemas; jogos sonoros
e uso de justaposição.
c) Abolição do verso tradicional; desintegração do sistema em seus morfemas; a
palavra dá lugar ao símbolo gráfico.
d) Uso construtivo dos espaços brancos; neologismo; separação dos sufixos e dos
prefixos; uso de versos alexandrinos.
e) Apresentação de trocadilhos; uso de termos plurilinguísticos; desintegração da
palavra e emprego de símbolos gráficos.

121
A TROPICÁLIA UNIDADE

10.1 O SURGIMENTO DO MOVIMENTO 10


Diferentemente dos estudos anteriores, no que concerne à poesia, a Tropicália
não é considerada uma escola literária, integrando ao pós-modernismo em função
do período em que ocorre. Porém, não se trata de uma literatura propriamente dita,
mas de uma junção entre diferentes manifestações culturais, em que ocorre uma
fusão entre poesia, música, teatro e cinema. Então, trata-se de uma experimentação
de mesclagem cultural que rompe com modelos anteriores, exatamente por
objetivar formas alternativas de se praticar a cultura no Brasil.
Esse movimento surge na década de 1960, em meio a repressões, com
destaque, principalmente, para o início da Ditadura Militar brasileira (1964-1985),
refletindo em situações conflitantes entre a direita militar e a esquerda, esta
representada por artistas e intelectuais que buscam formas alternativas culturais de
modo a atender aos anseios da sociedade. Nesse contexto, as discussões sobre a
realidade brasileira começam a ganhar força, emergindo novas propostas
ideológicas de enfrentamento político e novas formas de se dialogar com o público
consumidor da cultura que propunha.
É nessa efervescência que surge a força denominada de cultura de esquerda,
representada por um grupo de músicos baianos, em especial Caetano Veloso,
Gilberto Gil, Torquato Neto, Tom Zé e Gal Costa, artistas que se situavam na periferia
do Brasil e que são os idealizadores desse novo projeto artístico. Vale destacar
também que essa nova roupagem que envolve especialmente a música (MPB)
projetava uma nova maneira de se relacionar política e arte. Por outro lado, no
contexto literário do Modernismo, há um certo resgate da antropofagia oswaldiana
do Modernismo, vindo à tona a hegemonia cultural tida como de esquerda brasileira
(OLIVEIRA, 2019).
O início desse novo tipo de arte que se encontra em evidência apresenta seu
fundamento no III Festival de Música Popular Brasileira, com destaque para a televisão
como veículo considerável do período, que serve como instrumento para a
propagação cultural pelo alcance maciço da sociedade. Nesse festival, houve

122
interpretações de duas canções peculiares e fundadoras do movimento: Alegria,
Alegria, por Caetano Veloso, e Domingo no Parque, por Gilberto Gil.

Anos seguintes, por ocasião de demais festivais, estes se deram nessa linha
tropicalista, inclusive com o lançamento de um disco-manifesto, em 1968, contendo
o próprio nome em seu título: Tropicália ou Panis et Circencis, pela gravadora Philips
Records.
figura 3: Capa do disco-manifesto

Fonte: Alves (2014, p. 17).

Embora possa ser observado com certa singularidade, pelas inovações


estéticas que se caracterizam de modo radical, esse movimento se baseia também
em outros antecedentes, em especial a vanguarda e a popularidade, justificada
pelo fato de pertencer à esquerda brasileira. No contexto de uma cultura, em

123
especial a literatura de tendências vanguardistas, encontram-se inspirações em
prática também estrangeiras, além de o concretismo – verbovocovisual – inspirar essa
arte.
Portanto, ainda que o movimento possa ser observado como de forte vínculo
com a literatura, é no contexto da evolução da Música Popular Brasileira que esse
aspecto cultural ganha sustento, até mesmo se tratando de suas lideranças
vinculadas à música como recurso mais adequado para se expressar. Segundo
Favaretto (1995), essa nova roupagem musical traça uma relação entre fruição
estética e crítica social, sendo que os processos construtivos apresentam sua
importância nesse contexto. A enumeração caótica e a colagem, em um
movimento de desconstrução das tradições musicais, com destaque para o cool e
trata as questões sociais sem o pathos do momento.

O termo “Tropicalismo” foi originado por um artista plástico da época, Hélio


Oiticica, sendo tomado posteriormente por Caetano Veloso para uma de suas
músicas e que acabou se consolidando como nome do movimento. Embora algumas
características já tenham sido mencionadas, cabe reiterar que outras merecem
destaque, como por exemplo, o fato da presença do movimento hippie na sua
estética, com destaque para a irreverência. O tropicalismo é fundado com base em
uma visão nacionalista e valorização de uma cultura mais primitiva brasileira, com a
consideração de popularidade em detrimento da cultura erudita da classe
dominante; valorização da liberdade, inclusive de expressão; consideração ao

124
movimento antropofágico de Oswald de Andrade, ocorrido no Modernismo literário
brasileiro. As letras tornam-se muito populares e esse é exatamente o objetivo do
movimento, com destaque para a evolução da indústria cultural, em especial a
fonográfica, que coloca em evidência também o nacionalismo populista.
Essa popularidade nos faz refletir sobre a popularidade cultural e a cultura
erudita, que não era praticada para todos, mas para uma fatia reduzida da
população. Essa democratização cultural, então, de fácil consumo, propunha um
processo de aproximação da população à realidade nacional, como forma de
conscientização sobre as questões políticas, sociais e culturais. Ocorre então uma
espécie de descentralização cultural, cujas letras exprimem um teor de protesto, bem
como outros gêneros musicais vinculados à MPB, tais como o pop, o caipira e o rock
brasileiro dos anos 1980, que acabam fundidos pela Tropicália (OLIVEIRA, 2019).
O discurso tropicalista, de modo não convencional, trata da realidade do país
de modo irreverente, aproximando-se do deboche em formato de protesto, que
clama por justiça social. Esse discurso se constitui como plurissignificante, haja vista as
várias referências de críticas e artísticas, sobressaindo-se o humor e o cafonismo como
características marcantes desse movimento tido ainda como lúdico, pelos seus
recursos construtivos (FAVARETTO, 1995).

10.2 O TROPICALISMO E A DITADURA MILITAR NO BRASIL

O encontro produtivo entre o grupo de artistas baianos e intelectuais paulistas


culminou na emergência da Tropicália (ou Tropicalismo), movimento estético-musical
que toma a radicalidade crítica como mecanismo de enfrentamento à Ditadura
Militar brasileira. Nesse período, havia instalado no país os ideais do autoritarismo, em
que o conservadorismo reinava a todo vapor, e que a ideologia de uma
modernização centrada nessa proposta de governo vinha a se concretizar com o
golpe militar, em 1964. É a partir daí que começam as discussões e as alianças para
se buscar meios de resistência a esse sistema governamental e surge então esse
movimento artístico no país.
Coelho (2010) observa que, em momentos anteriores ao golpe, mais
precisamente em 1962, as sensações eram boas, pois reinava um projeto político
diferenciado no Brasil, por meio dos denominados janguistas e reformistas, mas
naufraga pela ideologia conservadora anos depois. No período de domínio da
ditadura, especialmente, na década de sua instauração, 1960, o país presencia uma

125
tensão severa, com dois segmentos em conflito: de um lado os militares e, de outro,
a sociedade. Essa estrutura social requer então alternativas para reflexões e saída
para uma sociedade justa e democrática, cujo enfrentamento se daria por meio das
práticas artísticas, com destaque para a música e a poesia.
Se por um lado esses conflitos são observados como negativos, sobretudo
pelas suas consequências desagradáveis, por outro, há de se considerar uma
vantagem nesse contexto. Esses conflitos ideológicos provocam alterações no
cenário da produção cultural brasileiro, fazendo progredir a indústria cultural em
consonância com uma sociedade de consumo. Desses movimentos, nascem meios
de comunicação diferenciados, tais como a televisão, a modernização das
telecomunicações, propiciando novos formatos de comunicação em massa. O rádio
perde a hegemonia para esses novos meios, estes induzindo ao consumismo em
massa também pela imagem. Programas de TV passam a ser produzidos,
especialmente telenovelas, festivais e disco.
Essa época de ascensão do consumo pela expansão industrial, especialmente
no que concerne à cultura pelos veículos de comunicação, é marcada por uma
transformação da sociedade, que migra da zona rural para a urbana em busca de
melhores condições de vida. Essa urbanização reflete no consumo em larga escala
e possibilita os avanços culturais em todos os sentidos, provocando a produção de
novos produtos nesse sentido (OLIVEIRA, 2019, p. 25).
Como forma de enfrentamento à ditadura, as letras que veiculam na mídia
vão de encontro ao sistema de governo, resiste à ideologia conservadora e propõe
novas formas de artes, populares, de esquerda. “Temas como banditismo, armas de
fogo, enfrentamentos armados entre policiais e estudantes, desagregação de
valores da classe média brasileira, grupos marginalizados da sociedade [...]”
(COELHO, 2010, p. 116). Artistas como Caetano Veloso, Gilberto Gil e Torquato Neto
passam a compor letras com fortes críticas, como, por exemplo, “É proibido proibir”,
“Marginália” e “Enquanto seu lobo não vem”, dentre muitas outras que se contrastam
com o momento político e social da época.
Para ilustrar essa relação íntima entre as letras tropicalistas e a ditadura militar,
analisaremos a primeira supracitada no parágrafo anterior, composta por Caetano
Veloso em alusão ao próprio regime político brasileiro que, na ocasião apresentada
no III Festival Internacional da Canção, o artista foi vaiado pela letra de cunho político
militar:

126
É Proibido Proibir

A mãe da virgem diz que não


E o anúncio da televisão
E estava escrito no portão
E o maestro ergueu o dedo
E além da porta há o porteiro, sim...

E eu digo “não”
E eu digo não ao “não”
E eu digo é proibido proibir
É proibido proibir
É proibido proibir
É proibido proibir

Me dê um beijo meu amor


Eles estão nos esperando
Os automóveis ardem em chamas
Derrubar as prateleiras
As estantes, as estátuas
As vidraças, louças, livros... Sim

E eu digo “sim”
E eu digo não ao “não”
E eu digo: é proibido proibir
É proibido proibir
É proibido proibir
É proibido proibir
É proibido proibir

Caí no areal na hora adversa


Que Deus concede aos seus,
Para o intervalo em que esteja a alma imersa
Em sonhos que são Deus.

Que importa o areal, a morte, a desventura,


Se com Deus me guardei?
É o que me sonhei, que eterno dura.
É esse que regressarei.

(VELOSO, 1968 apud NETTO, 1998, p. 51-52).

A letra musical de Caetano, a começar pelo seu título, faz alusão à ditadura
militar que impunha um sistema autoritário e de censura cultural, não permitindo a
veiculação de qualquer tipo de expressão, especialmente aquelas que utilizassem
uma linguagem mais direta e com forte conotação política e social. O eu lírico, por
meio do repetido verso “É proibido proibir”, especialmente, coloca-se em posição de
resistência ao sistema e sugere liberdade, ainda mais quando se trata da juventude
da época, que anseia por gozar de uma vida livre, sem preocupações em ser
controlado por um sistema autoritário. E nessa direção os demais versos seguem nesse
horizonte de não proibição.

127
Além disso, há uma crítica em relação ao sistema capitalista brasileiro, o qual
provoca desigualdade social. Ressalta-se que esse gesto contracultural que se
observa na Tropicália apresenta sua base nos moldes culturais norte-americanos, em
que os hippies se rebelam dessa forma como é expressa pelo eu lírico na canção, em
que a aparente rebeldia é lema para as manifestações contra o conservadorismo.
Trata-se de um gesto de coragem de Caetano em relação à expressão de
enfrentamento, quando o sistema pedia silenciamento e obediência. Com um tom
irônico, a letra desperta distintos tipos de sentimentos na época de seu lançamento,
pautada por polêmica e provocando uma divisão na sociedade em relação à letra.
Além do que é apresentado na letra analisada, essas letras, no geral, fazem
alusão a vários aspectos vinculados à Ditadura Militar, evocando elementos como
“bomba”, “morte” e “cadeia”, como protesto e meio de conscientização da
sociedade, que encontra respaldo nos meios de comunicação em massa. Ressalta-
se que os grupos estudantis também se aderem ao movimento, jovens que buscam
por transformações sociais e, especialmente, políticas, de modo a ganhar visibilidade
pelos protestos.
No entanto, grupos conservadores reagem ao tropicalismo, pois esse
movimento se caracteriza pelo protesto, com forte crítica a ideologias da época.
Essas reações se dão principalmente pelos religiosos católicos. Essas reações incluem
desde bombas a destruição de cenários de shows dos artistas tropicalistas, inclusive
por espancamentos de atores de peças relativos ao movimento, em São Paulo e em
Porto Alegre. Desses conflitos, houve censura em relação a shows desses artistas,
como, por exemplo, na Boate Sucata (RJ), já que o cenário fazia referência à “[...]
homenagem do artista plástico Hélio Oiticica ao bandido Cara de Cavalo, morto
pela polícia carioca, além da suspensão do programa Divino Maravilhoso e da
própria prisão, e posterior exílio, de Caetano Veloso e Gilberto Gil” (OLIVEIRA, 2019, p.
36). A relação entre distintos formatos artísticos será abordada na próxima seção.

128
10.3 ALIANÇA ENTRE CINEMA, TEATRO, POESIA E MÚSICA

Como já mencionado anteriormente, a Tropicália é marcada por uma


manifestação cultural que engloba vários campos artísticos, não se restringindo a
apenas a poesia ou a música, embora os estudos nessa área e talvez pela maior
notoriedade social, estes dois últimos tipos de expressão tenham ganhado mais
impulso nesse movimento. Além disso, o próprio momento histórico político dominado
pela ditadura militar requeria uma ação conjunta das artes em geral, como força
para a busca de novas alternativas, alvos de debates para se pensar a produção
cultural brasileira do momento, com efeito para despolarizar essas concepções
artísticas e sociais no país.
Isto posto, segundo Favaretto (1995), as discussões que dominavam as
temáticas daquele momento eram amplas e ambiciosas, como quem objetivava a
observar um Brasil com outros olhos, em todos os aspectos. Esses artistas colocavam
em pauta a internacionalização cultural, consumo, dependência econômica, enfim,
um passeio às origens que, de certa forma, ainda permaneciam intactas nos cenários
cultural e econômico, principalmente. Eram preocupações que despertavam os
jovens para um movimento, partindo da união entre os mais variados líderes e
intelectuais, para um processo de conscientização por vias artísticas sob vários
segmentos.
Ainda sobre esse pensamento que norteava, sobretudo os jovens na década
de 1960, culminava em organizações envolvendo a arte em geral, com destaque
para os integrantes de cultura popular, com destaque para a União Nacional de
Estudantes (UNE). Essas manifestações reúnem não somente os estudantes, mas
também vários outros que se engajam no projeto, tais como poetas, músicos,
cineastas e artistas de teatro. Dessa forma, o movimento promove espetáculos
envolvendo essas distintas naturezas artísticas. Diferentes lideranças culturais se
envolviam nessa causa, como “do Grupo Opinião; o Cinema Novo; Teatro de Arena
e Oficina; a poesia participante de Violão de Rua e alguns romances como Quarup,
de Antônio Callado, e Pessach de Carlos Heitor Cony” (FAVARETTO, 1995, p. 28).
A Tropicália surge, assim, desses projetos arquitetados pelos diálogos e
articulações que são capazes de estabelecerem vínculos entre diferentes campos
artísticos e colocar novas ideologias em prática. Essas novas formas de se pensar
sobre os valores, em especial culturais do país, colocava em xeque também a

129
polarização cultural e social, além de esse grupo artístico se rebelar contra a
radicalização política que se observa em 1968.
Era preciso então debater e encontrar alternativas de atribuir uma nova
identidade brasileira, pois a dependência cultural ainda impera nesse período,
aspecto que requeria uma reflexão conjunta dos atuantes no campo cultural,
“música, literatura, artes plásticas, cinema, teatro, arquitetura etc.” (OLIVEIRA, 2019,
p. 25). Somado ao contexto da ditadura militar, esses debates e manifestações
tornam-se mais frequentes, haja vista que a Tropicália se caracteriza, especialmente,
por se tratar de um projeto liderado por artistas de esquerda.
É a partir da articulação desses diferentes tipos de artes que o tropicalismo
ganha fôlego, cujas discussões colocavam no mesmo patamar, dentre as
destacadas, principalmente a literatura, o teatro e o cinema. Obviamente não
estamos desprezando a música, principal símbolo desse movimento, mas para além
dela, aqueles são, sem dúvida, os tipos que ganham mais destaque para
engrenagem dessa nova proposta. Esses elementos em desenvolvimento integram a
indústria cultural brasileira do período, em que é debatida, também, uma espécie de
antagonismo entre dois segmentos de arte: de um lado a participante e, de outro, a
alienada. No que tange à música, de certa forma, foi preciso ganhar nova
roupagem, sendo pertinente que se desvinculasse da crítica literária para receber
novas fórmulas de apreciação.
Quanto à relação entre poesia e música, sem dúvida o tropicalismo promove
uma articulação bastante íntima entre essas duas formas de artes, para além do que
já havia realizado em momentos anteriores na literatura moderna. Aparentemente
semelhantes, aspectos como verbal e musical parecem fundir nesse processo criativo
e analítico, embora ainda apresente certas dificuldades de aproximação desses dois
processos criativos. A maior delas se situa no movimento de análise, já que a música
requer um cuidado mais apurado na sua leitura, pois além de texto possui a melodia
que também provoca sentidos.

10.4 OS MÚSICOS/ESCRITORES INTEGRANTES DO MOVIMENTO

Na primeira seção ressaltamos o grupo composto por artistas que lideram o


movimento tropicalista, sobretudo os cantores e compositores baianos tidos como de
esquerda, caracterizando essa prática cultural como marginal. Ferreira (2018)
discorre sobre alguns desses artistas/compositores da época e suas participações

130
nesse tipo de arte emergente no período histórico dado. Esse autor destaca Caetano
Veloso, Gilberto Gil, Tom Zé, Os Mutantes e Gal Costa, expoentes da história desse
novo estilo musical e de outras formas de artes que integram esse universo.

Além dos destacados, outros nomes que também integram à lista são Jorge
Bem Jor, Chico Buarque, Nara Leão, Torquato Neto, José Carlos Capinam, Haroldo
de Campos e Waly Salomão, Rita Lee, Rogério Duarte, Rogério Duprat, Damiano
Cozzella Arnaldo Baptista e Júlio Medaglia. Desses, vários são poetas e, como
mencionado anteriormente, o concretismo ganha força nesse período na literatura e
na música brasileiras, se fazendo presente na linguagem cotidiana, desde a poesia
até slogan de televisão e na propaganda.
No que concerne à representatividade desse movimento pelos diferentes tipos
artísticos, podemos destacar alguns que se tornaram ícones nesse contexto. Na
música, os maiores representantes são exatamente os fundadores, citados no
primeiro parágrafo desta seção. Na poesia, os escritores mais marcantes desse
período são Torquato Neto (1944-1972) e José Carlos Capinam (1941-atual). Além
disso, merece menção honrosa o artista plástico Hélio Oiticica (1937-1980), além de
José Celso Martinez Corrêa (1937-atual) que se destaca no teatro. Essa articulação
artística demonstra que a Tropicália não é composta apenas por poesia, mas por
vários outros campos artísticos.
Torquato Neto nasceu em Teresina/PI, tendo sido poeta, jornalista e compositor
de letras musicais da MPB. Filho de um defensor público e de uma professora, muda-
se para Salvador para conclusão dos estudos secundários, onde conhece Gilberto
Gil, Caetano Veloso, Gal Costa e Maria Bethânia. Posteriormente, muda-se para o Rio
de Janeiro para dar continuidade aos estudos e ingressa na faculdade de Jornalismo,
embora não conclua esse curso, mas exerce a função em vários veículos de
comunicação cariocas. Integra o movimento vanguardista na década de 1960, em
especial a Tropicália, sendo um nome importante na história dessa efervescência

131
cultural da época, juntando-se aos seus líderes que já eram conhecidos desse escritor
piauiense. O poema a seguir integra a obra póstuma desse escritor, os últimos dias de
Paupéria, de 1973:

Literato cantábile

Agora não se fala mais


toda palavra guarda uma cilada
e qualquer gesto é o fim
do seu início:

Agora não se fala nada


e tudo é transparente em cada forma
qualquer palavra é um gesto
e em sua orla
os pássaros de sempre cantam
nos hospícios.

Você não tem que me dizer


o número de mundo deste mundo
não tem que me mostrar
a outra face
face ao fim de tudo:

só tem que me dizer


o nome da república do fundo
o sim do fim
do fim de tudo
e o tem do tempo vindo:

não tem que me mostrar


a outra mesma face ao outro mundo
(não se fala. não é permitido:
mudar de ideia. é proibido.
não se permite nunca mais olhares
tensões de cismas crises e outros tempos.
está vetado qualquer movimento

(ARAÚJO NETO, 1973, p. 35)

Integrante da Tropicália, também denominada contracultura, na primeira


estrofe já denuncia o caráter de censura em relação às artes, dando pistas de que
se trata de um eu lírico que manifesta a sua indignação frente à ditadura militar:
“Agora não se fala mais / toda palavra guarda uma cilada / e qualquer gesto é o fim
do seu início:” O discurso ruma para uma contraidentificação em relação ao sistema
político no que tange à liberdade de ideias, em um momento histórico em que o Brasil
clama por uma identidade cultural própria e uma ruptura com a cultura da classe
dominante.

132
Vários são os versos em que o eu lírico encontra-se em meio à angústia de viver
sob as patrulhas de esquerda, em que a cultura é controlada e os sujeitos obrigados
a aderirem ao que lhes é imposto: “não se fala / não é permitido: / mudar de ideia é
proibido [...] está vetado qualquer movimento”. Observa-se um movimento de
imposição e incapacidade de mudança, restando ao eu lírico à obediência ao
sistema e viver segundo às convenções da ditadura. Por outro lado, o poeta resiste,
ainda que por meio de um eu lírico desesperançoso, mas que não deixa de ser o
modo pelo qual o poeta expressa seu protesto para uma abertura cultural pautada
pela democracia.

133
FIXANDO O CONTEÚDO

1. (Unesp-2020, adaptado) Sobre a Tropicália, é correto afirmar que:

a) Congregou artistas de diversos matizes ideológicos, tanto favoráveis como


contrários ao regime militar.
b) Foi um movimento eminentemente musical, que transmitia o otimismo da década
de 1950.
c) Foi um movimento artístico-cultural que se apropriou do ideário da antropofagia.
d) Foi um movimento cultural interrompido pelo regime militar.
e) Teve seu ápice incentivado pela explosão industrial nos estados do rio de janeiro e
de são paulo.

2. (IBFC-2017) “O Tropicalismo botou guitarra na música brasileira e a fez dialogar


com o que havia de mais revolucionário na cultura fora do país – com os Beatles,
os Rolling Stones, o cinema francês, a cultura pop. (...)" diz o cantor, compositor e
performer baiano Tom ZÉ sobre o movimento tropicália do fim da década de 60. A
arte moderna e a sociedade industrial estavam recebendo os valores
contemporâneos da sociedade urbana com comunicação de massa. Analise as
afirmativas abaixo e assinale a alternativa correta.

I. A tropicália retomava princípios ligados ao conceito de Antropofagia na visão de


Oswald de Andrade.
II. Artistas se manifestavam politicamente através de suas obras.
III. Os destaques do movimento eram principalmente músicos com Caetano Veloso
e Gilberto Gil.
IV. Tinha postura contestatória, bem-humorada e irreverente.
V. Queriam quebrar as barreiras entre o tradicional e o moderno.

Estão corretas as afirmativas:

a) I, III, IV apenas
b) II, IV, V apenas
c) III, IV, V apenas
d) I, II, III, IV, V

134
e) IV, V apenas

3. (UEM-2017, adaptado) Sobre os festivais de música promovidos por canais de


televisão brasileiros, da metade dos anos 60 ao início dos anos 80, assinale o que
for correto.

a) A música tradicional do nordeste brasileiro passou a ser apreciada em todo o País


a partir das apresentações de Luiz Gonzaga nos festivais.
b) Caetano Veloso e Gilberto Gil apresentaram canções que seriam ponto de partida
para o movimento chamado Tropicalismo.
c) O movimento da Bossa Nova tornou-se mundialmente reconhecido a partir das
apresentações, nos festivais, de canções que viriam a se tornar clássicos da MPB,
como “Chega de Saudade”, “Desafinado” e “Samba de uma Nota Só”.
d) O gênero canção de protesto, com letras politicamente engajadas, era frequente
nos festivais e, entre seus principais representantes, estavam Chico Buarque e
Geraldo Vandré.
e) Em contraponto ao gênero canção de protesto, Ary Barroso e Assis Valente
apresentaram músicas que enalteciam as qualidades do País, como “Aquarela do
Brasil”, “Isto aqui o que é? ” e “Brasil Pandeiro”.

4. (UERJ-2019, adaptado) O álbum de músicas Tropicália ou Panis et circensis foi


lançado em 1968. A fotografia que estampou sua capa foi realizada na casa de
Oliver Perroy, fotógrafo da Editora Abril, em São Paulo. Cada um levou seus
apetrechos, até um penico, comicamente usado por Rogério Duprat como se
fosse uma xícara. A imagem ficou tão famosa que se tornou uma espécie de
cartão-postal do movimento tropicalista.

No contexto do final da década de 1960, o Tropicalismo, que causou polêmicas


com produções como a do álbum citado, tornou-se símbolo de

a) Purismo estético
b) Extremismo político
c) Tradicionalismo artístico
d) Movimento conservador
e) Experimentalismo cultural

135
5. Leia as três estrofes abaixo e, em seguida, aponte a alternativa correta.

No pulso esquerdo o bang-bang


Em suas veias corre
Muito pouco sangue
Mas seu coração
Balança um samba de tamborim

Emite acordes dissonantes


Pelos cinco mil alto-falantes
Senhoras e senhores
Ele põe os olhos grandes
Sobre mim

Viva Iracema ma, ma


Viva Ipanema ma, ma, ma, ma...

Os versos acima são da canção “Tropicália”, de Caetano Veloso. Partindo desses


versos, é possível afirmar que:

a) Um dos principais aspectos do movimento tropicalista era falar exclusivamente da


cultura nacional.
b) Caetano Veloso faz uma crítica irônica ao bairro de Ipanema nos versos finais.
c) Apesar de levar o título de “Tropicália”, essa canção nada tem a ver com o
movimento tropicalista.
d) A mistura de elementos aparentemente sem conexão dão o tom da proposta
estética da Tropicália.
e) Caetano Veloso não se preocupa em passar nenhuma mensagem com a música,
apenas enumera palavras soltas, sem sentido algum.

6. (UEL, adaptado) "Caminhando contra o vento / Sem lenço, sem documento / No


sol de quase dezembro / Eu vou / [...] Por entre fotos e nomes / Sem livro e sem fuzil
/ Sem fome sem telefone / No coração do Brasil / Ela nem sabe até pensei / Em
cantar na televisão / O sol é tão bonito /Eu vou / Sem lenço sem documento /
Nada no bolso ou nas mãos / Eu quero seguir vivendo amor." (Caetano Veloso,
música "Alegria Alegria")

Com base na letra da canção e nos conhecimentos sobre o tropicalismo, é correto


afirmar

136
a) A letra da canção mostra que os tropicalistas usavam a arte como instrumento
para a tomada do poder.
b) Ao valorizar a aproximação com a mídia os tropicalistas colocaram num plano
secundário a qualidade estética de suas canções.
c) Ao criticar a sociedade por meio da construção poética, a canção questiona
determinada concepção de esquerda dos anos 1960.
d) Para o tropicalismo as transformações sociais precedem as mudanças ocorridas
no plano subjetivo.
e) A letra da canção enfatiza temas sociais e revela o engajamento do autor na
resistência política armada.

7. (UNEMAT) A música é, sem dúvida, um aparato por meio do qual o professor de


artes poderá trabalhar a sensibilidade de seus alunos. Em uma situação de sala de
aula, quais das características abaixo poderiam ser exploradas através da letra da
canção “Alegria, alegria”?

a) Nacionalismo, combate à ditadura militar, guerra contra a repressão, tropicalismo


com intenção de entretenimento, crítica contra a invasão de produtos
americanos.
b) Nacionalismo, combate à ditadura militar, guerra contra a repressão, crítica ao
rock and roll, propaganda positiva à entrada de produtos americanos no Brasil.
c) Nacionalismo, combate à ditadura militar, guerra contra a repressão, tropicalismo
com intenção de entretenimento, crítica ao rock and roll.
d) Nacionalismo, combate à ditadura militar, guerra contra a repressão, crítica ao
rock and roll, crítica contra a invasão de produtos americanos.
e) Nacionalismo, combate à ditadura militar, poesia concreta musical, crítica contra
a invasão de produtos americanos, crítica ao rock and roll.

8. (Cesgranrio) A instalação de um regime militar no Brasil, após 1964, interferiu no


processo de produção cultural, como pode ser exemplificado pelo (a):

a) Cinema Novo, que foi apoiado pelo regime militar, através de uma agência de
fomento — Embrafilme.
b) Tropicalismo, que marcou a desenraização da cultura brasileira, com a introdução

137
de ritmos estrangeiros no Brasil.
c) Apoio dos militares às principais formas de expressão cultural do período, com os
festivais de música e os movimentos estudantis, com o intuito de popularizar o
regime.
d) Reflexo na criação cultural da crise brasileira e da busca de alternativa para o país.
e) Característica de retorno ao passado, que marcou a produção cultural no período
de 1964-1986.

138
A POESIA MARGINAL UNIDADE

11.1 A “GERAÇÃO MIMEÓGRAFO”


11
Ainda que a Tropicália seja denominada poesia literatura marginal, nos anos
1970 surge outra roupagem poética e que recebe essa denominação propriamente
dita, tendo bebido, inclusive, da fonte do tropicalismo por apresentar certas
semelhanças com aquele estilo poético. Seguindo a linha de uma prática cultural
alternativa, sem se preocupar com o eruditismo e rumando-se para o popular, não
se trata de um movimento como ocorre anteriormente, mas que essa literatura vai
emergindo e se intensificando pelo surgimento de poetas que vão se aderindo a essa
nova produção literária.
No que tange ao contexto histórico, a ditadura militar ainda se mantém e com
ela a censura, empecilho para uma democratização cultural e ao mesmo tempo
serve de pano de fundo para os poetas se despertarem para certas convenções, no
tocante à crítica social, ainda que de modo mais indireto. Ribeiro Neto (2018) observa
que a Poesia Marginal, diferentemente de outros movimentos, não possui um ideal a
ser seguido, constituindo-se por uma mistura de vários poetas com estilos distintos,
como quem não havia uma regra, uma linha a ser seguida. Essa possibilidade, de
certa forma, atribui mais liberdade aos poetas que a partir de agora o trabalho não
se dá mais em torno da música, mas da poesia.
No contexto do autoritarismo brasileiro, um fato curioso em torno da poesia é
o considerável número de mulheres na literatura, com destaque para Ana Cristina
Cesar (1952-1983), uma das pioneiras dessa geração conhecida também como
“mimeógrafo”. Essas mulheres pretendiam conquistar um público para a literatura,
em especial para a poesia, de modo a fortalecer esse ramo cultural como potente
mobilizador como havia sido em tempos anteriores. Essa escritora, especificamente,
procura romper com os jogos de poder no campo literário e conquistar seu espaço
nesse cenário cultural.
Além da escritora supracitada, outros principais representantes desse novo
modelo (embora não se tenha um modelo) de escrita são Paulo Leminski, Torquato

139
Neto, Ricardo de Carvalho Duarte (Chacal) e Antônio Carlos de Brito (Cacaso), entre
outros, referência na marginália, provocando impacto no sentido de tentarem trazer
o cotidiano para a literatura. Nesse período, os poetas, assim como outros
intelectuais, dividem-se em três blocos: os favoráveis ao regime militar; os que eram
contra, fruto de movimentos anteriores que aderiam à denúncia social por meio da
cultura; e os novos membros dessa arte engajada que se aderem à contracultura e
favorável a uma transformação estética da arte no momento vigente (BRITTO, 2012).
Embora a arte seja controlada pela censura, segundo Hollanda (2004), as
manifestações vão se organizando por si próprias, independentemente de
autorização do estado, como quem cria os próprios meios artísticos, assim como os
artesãos. Trata-se, portanto, de um modo de criação diferenciada do oficial, em
especial na primeira metade da década de 1970, inclusive com exposições nas
universidades, como a “Expoesia” que ocorre na PUC/RJ em 1973. Os livrinhos eram
produzidos e vendidos em cinemas, em museus e teatros, propagando essa
subversão poética, tanto no que se refere aos modos de produção quanto de
consumo dessa cultura.

De modo informal, os textos são mimeografados e muitas vezes fotocopiados


para serem distribuídos em praças, universidades e até mesmo nas ruas, fator que faz
jus à denominação dessa geração de poetas, “Geração Mimeógrafo”. Essa nova
forma de prática literária, que vai na contramão de uma produção formal, sobrevive
ao modo alternativo de expressão, às margens do sistema. Nesse período são criados
também distintos meios de veiculação para a poesia, tais como revistas e jornais, de
forma que chegue ao público consumidor dessa arte.

140
Embora o sistema vigente fosse contrário a essa forma de expressão, esse tipo
de prática resiste e caracteriza-se como expressão livre. Quanto aos modos de
consumo, é um tipo de poesia que pode ser lida em qualquer lugar, até mesmo nas
paredes e portas de banheiros, indo na contramão da formalidade editorial. Vale
destacar que essa forma de poesia não é aceita pelas editoras, as quais resistem a
essa nova proposta, o que, de certa forma, contribui para as produções e circulações
alternativas.
Frente a essa poesia marginal emergente na década de 1970, muita polêmica
surge em torno dessa nova “democracia” cultural, não apenas pelo autoritarismo
militar que censura a veiculação de letras mais diretas, mas também por editoras e
por uma fatia da sociedade. É uma proposta que encontra resistências de todos os
lados, mas que é praticada, em especial por poetas na sua maioria jovens e que
anseiam por formas alternativas de se expressar e de se praticar a cultura, em
especificamente pela poesia.

11.2 INFLUÊNCIAS E CARACTERÍSTICAS

A proposta poética da Poesia Marginal se assemelha às características da


Tropicália em certos aspectos, embora a manifestação anterior se deu mais no
campo musical, o que envolve também elementos vinculados à musicalidade e não
apenas a escrita. Como já mencionado, a informalidade é a base que sustenta a
marginália, tanto no que diz respeito sua produção e veiculação quanto à escrita em
si. É a geração denominada de “desbunde”, haja vista o desencanto dos jovens
frente à política e às questões socioculturais vigentes na época, regado por um
desejo de busca por uma saída, alternativas de práticas culturais.
A fuga da formalidade literária, percebida principalmente nos moldes
tradicionais, constitui-se a base dessa nova forma cultural. A poesia, para atender a

141
essas demandas do momento vigente, já não leva em consideração o eruditismo, a
cultura de classes, enfim, dispensa a poética clássica, tradicional. “Tal gênero de
poesia seria marginal justamente por representar uma recusa de todos os modelos
estéticos rigorosos, sejam eles tradicionais ou de vanguarda, isso é, por ser uma
atitude antiintelectual e, portanto, antiliterária” (MATTOSO, 1981, p. 31).
Características como o coloquialismo e o humor são recorrentes, integrando a
base dessa proposta que, na verdade, não se propõe nada, já que sua essência é
uma individualização na escrita, sem modelo a ser seguido, no interior da
contracultura. Os poetas lançam mão de uma linguagem pautada por gírias,
palavras de baixo calão, herança do modernismo, mas com uma frequência e uma
profundidade de quem não conhece bem aquele padrão de literatura anterior.
Quanto às temáticas, além de amor, política e sociedade, abordam-se também sexo
e drogas, experiências marcadas pela juventude que são levadas para a poesia.
Nas considerações de Ferreira (2018), essa poesia ascendente dos anos 1970 é
desbundada, alegórica e subjetiva, que vai ao encontro de um leitor menos
preparado, em qualquer lugar do cotidiano. Além disso, nos poemas predomina a
assimetria nos versos, além de nomes próprios serem comumente escritos com letra
inicial minúscula. A leitura é acessível a todos, com versos reduzidos, brancos e livres,
fator que só vem a se alterar a partir dos anos 1980, quando a literatura se torna mais
séria, retomando suas formalidades mais aparentes, tais como o soneto.
Embora não haja forma fixa, um tipo de poema muito recorrente na literatura
marginal é o haicai (que também não é um padrão), como quem escreve para um
leitor apressado, sem muito tempo para leituras mais complexas e extensas. Nesse
momento, o poeta quer atingir aquele leitor da fila, dos bares, sem preocupações
com formalidades tanto na distribuição quanto nas leituras, que muitas vezes
atingiam apenas os intelectuais e universitários pelos estudos literários.

142
Além disso, os poetas marginais não estão preocupados com valorações do
poema, do que é certo ou errado no universo da escrita poética, querem
simplesmente se expressar de forma simples para uma multidão, de forma
popularesca. Nesse sentido, consideramos válido também relacionar essa
acessibilidade literária com as minorias, destacadas por Ferreira (2018) como sendo
mulheres feministas, homossexuais e multiétnicos. A poesia marginal retifica um
horizonte contestação e, por isso, como recurso para a conscientização
populacional sobre a realidade brasileira.
Embora a intenção dos poetas fossem atingir a todos por uma leitura de fácil
acesso, muitas vezes os poemas materializam um discurso indireto, uma espécie de
disfarce como estratégia de resistência. Essa tática da escrita, que traz à tona esse
fingimento como mecanismo de defesa e de combate ao inimigo ruma para o
horizonte do que vem a ser chamado de camaleão-poeta, exatamente por esse
trabalho de não se deixar mostrar abertamente a intenção do poeta com
determinado discurso.
Além das características apontadas, a oralidade também integra essa escrita
popularesca, como quem promove uma junção bem-sucedida entre vida e arte, em
que a subjetividade ganha terreno e a expressão revela espontaneidade daquele
que escreve. É exatamente por essas dimensões de informalidade que vão surgindo
escritores novos nesse período do mimeógrafo, nesses espaços alternativos para a
poesia. Esses escritores formam agrupamentos com os mesmos ideais, inclusive pelas
suas estratégias de produção e de proliferação poética, que acabam por fortalecer
seus propósitos nesse campo cultural. Essa dinâmica serviria também para a
conquista do público e da crítica, além das editoras, posteriormente, segundo Britto
(2012). Dentre os poetas marginais, seguem aqueles com maior destaque.

11.3 POETAS PRINCIPAIS

Em relação aos poetas integrantes da poesia marginal, podemos observar que


alguns pertencem a tempos anteriores à década de 1970 e que já escreviam poesias,
além de outros que surgem exatamente nesse momento histórico da cultura
brasileira. Para além de Torquato Neto, Ana Cristina Cesar, Chacal e Cacaso, os que
mais se destacam, há outros integrantes desse período e vale destacar que é
considerado como destaque no período, pelos críticos, o “poeta-revista”.

143
Britto (2012) enumera vários poetas integrantes da poesia marginal, inclusive
que se destacam no Rio de Janeiro como sendo um dos principais espaços onde essa
cultura ganha mais efervescência. Nessa direção, destaca-se o lançamento de um
livro denominado 26 Poetas Hoje, que é uma antologia dos poetas dessa geração
setentista. Organizada pela escritora Heloísa Buarque de Hollanda, a obra é
publicada pela editora Labor do Brasil, em 1975, e reúne os maiores nomes da poesia
marginal brasileira.
figura 4: Capa da obra 26 poetas hoje

Fonte: Hollanda (2007).

Os poetas integrantes da obra supracitada são: Ana Cristina César, Torquato


Neto, Ricardo de Carvalho Duarte (Chacal), Francisco Alvim, Zulmira Tavares, Vera
Pedrosa, Flávio Aguiar, Antônio Carlos de Brito (Cacaso), Geraldo Carneiro, João
Carlos Pádua, Isabel Câmara, Charles, Roberto Schwarz, José Capinan, Ricardo
Ramos, Adauto Santos, Laila Miccolis, Roberto Piva, Antônio Carlos Secchin, Waly
Salomão, Luiz Olavo Fontes, Leomar Fróes, Carlos Saldanha, Eduardo augusto, Afonso
Henrique Neto e Bernardo Vilhena.

144
A nível de aprofundamento, vajamos dois poemas contidos no livro
destacado, sendo o primeiro de Cacaso e o segundo de Chacal. Antônio Carlos de
Brito (Cacaso) (1944-1987) nasceu em Uberaba/MG, desempenhando a função de
professor universitário, além de poeta marginal. Na pré-adolescência se muda para
o Rio de Janeiro, onde se forma em Filosofia e leciona na PUC/RJ, além de colaborar
com revistas e jornais daquele local. Foi um dos defensores da denominada geração
mimeógrafo da literatura brasileira. Dentre suas obras estão Grupo Escolar (1974),
Beijo na Boca (1975) e Na Corda Bamba (1978), além de vários outros.
Por outro lado, Ricardo de Carvalho Duarte (Chacal) (1951-atual) nasceu no
Rio de Janeiro, onde estudou Comunicação Social na Universidade Federal do Rio
de Janeiro (UFRJ). Ao longo de sua carreira, escreveu vários livros de poesia, inspirados
nas suas vivências cotidianas, dentre eles, Muito Prazer (1972), Preço da Passagem
(1972), América (1975), dentre outros. É um dos pioneiros da Geração Mimeógrafo, a
utilizar esse recurso para divulgar sua poesia:

Texto 1

Jogos florais

I
Minha terra tem palmeiras
onde canta o tico-tico.
Enquanto isso o sabiá
Vive comendo o meu fubá.
Ficou moderno o Brasil
Ficou moderno o milagre;
A água já não vira vinho,
vira direto vinagre.

II
Minha terra tem Palmares
memória cala-te já.
Peço licença poética
Belém capital Pará.
Bem, meus prezados senhores
dado o avançado da hora
errata e efeitos do vinho
o poeta sai de fininho.

(será mesmo com dois esses


que se escreve paçarinho?)

(CACASO, 2007, p. 41)

145
Texto 2

Papo de índio

Veio uns ômi di saia preta


cheio di caixinha e pó branco
qui eles disserum qui chamava açucri.
Aí eles falaram e nós fechava a cara
depois eles arrepitirum e nós fechamu o corpo.
Aí eles insistiram e nós comemu eles.

(CHACAL, 2007, p. 219)

Em “Jogos florais”, Cacaso faz uma paródia da “Canção de exílio”, poema


ufanista de Gonçalves Dias, escrita nos primórdios do Romantismo que exalta a sua
terra natal quando se encontra na Europa. O poema em questão critica a realidade
vigente, a Ditadura Militar, período no qual se dá o denominado milagre econômico,
“Ficou moderno o milagre”, mas que não surte um resultado positivo para a
população brasileira, muito pelo contrário, intensifica os problemas sociais, “A água
já não vira vinho, / vira direto vinagre”. A referência ao “tico-tico” se dá de forma
estratégica, pois provoca efeito de sentido de esperteza, daquele que se aproveita
do trabalho do outro. No entanto, quem assume essa esperteza no poema é o próprio
sabiá “Enquanto isso o sabiá / Vive comendo o meu fubá”. Essa crítica, portanto,
relaciona-se à ditadura, como sistema enganoso da população. Além disso, memória
de nossa histórica é trazida à tona em “Palmares”, também como aspecto negativo
para reforçar a crítica ao nacionalismo ufanista do poema de Gonçalves Dias.
No poema “Papo de índio”, Chacal também faz referência ao Romantismo ao
abordar o índio como tema central. Ao passo que Cacaso menciona “Palmares”
como referência aos primórdios de nossa história, o índio também segue nessa
direção histórica. Trata-se de um poema-piada, que estabelece um encontro entre
o índio e o homem branco, que encena a colonização brasileira de modo subvertido.
O verso “cheio di caixinha e pó branco” ironiza o branco como usuário/comerciante
de drogas e utiliza-se da esperteza (qui eles disserum qui chamava açucri.) para
enganar seus colonizados. Além disso, vale destacar a linguagem coloquial, de modo
fiel à oralidade, que também provoca um efeito de humor ao poema-piada.

146
FIXANDO O CONTEÚDO

1. Quanto aos principais representantes da Poesia Marginal brasileira, assinale a


alternativa que apresente os principais nomes que fizeram parte do movimento
literário em questão:

a) Paulo Leminski, João Cabral de Melo Neto, Arnaldo Antunes e Adélia Prado.
b) Clarice Lispector, Adélia Prado, Torquato Neto e Paulo Leminski.
c) Arnaldo Antunes, Ferreira Gullar, Chacal e Waly Salomão.
d) Paulo Leminski, Torquato Neto, Cacaso e Chacal.
e) Francisco Alvim, José Agripino de Paula, Ferreira Gullar e Clarice Lispector.

2. (ENEM) A poesia que floresceu nos anos 70 do século XX é inquieta, anárquica,


contestadora. A “poesia marginal”, como ficou conhecida, não se filia a nenhuma
estética literária em particular, embora seja possível ver nela traços de algumas
vanguardas que a precederam, como no poema a seguir.

S.O.S
Chacal

(...) nós que não somos médicos psiquiatras


nem ao menos bons cristãos
nos dedicamos a salvar pessoas
que como nós
sofrem de um mal misterioso: o sufoco

CAMPEDELLI, Samira Y. Poesia Marginal dos Anos 70. São Paulo: Scipione, 1995 (adaptado).

Da leitura do poema e do texto crítico acima, infere-se que a poesia dos anos 70:

a) Recuperou traços da produção de vanguarda modernista.


b) Eliminou o diálogo com as artes visuais e as artes plásticas.
c) Utilizou com frequência versos metrificados e temas românticos.
d) Valorizou a linguagem poética das formas consagradas.
e) Atribuiu ao espaço poético um lugar de fuga e escapismo

3. (UEL 2017) A respeito das correlações entre a poesia de Leminski e os poemas de


outras tendências poéticas, períodos e estilos de época, considere as afirmativas
a seguir.

147
I. Como o Concretismo, Leminski perseguiu a representação e a exaltação da vida
material em detrimento da exposição da subjetividade.
II. Como o Simbolismo, Leminski adotou desenhos e experiências gráficas para
representar a saturação de significados e significantes na linguagem poética
verbal.
III. Com a primeira fase modernista, Leminski aderiu ao poema-piada e aos jogos de
palavras, em contraste com o rigor de outras manifestações poéticas.
IV. Com a poesia marginal, Leminski compartilhou a espontaneidade e a irreverência
como aproximações entre a expressão poética e a vida cotidiana.

Assinale a alternativa correta:

a) Somente as afirmativas I e II são corretas.


b) Somente as afirmativas I e IV são corretas.
c) Somente as afirmativas III e IV são corretas.
d) Somente as afirmativas I, II e III são corretas.
e) Somente as afirmativas II, III e IV são corretas.

4. (UEL-2016)
estupor

esse súbito não ter


esse estúpido querer
que me leva a duvidar
quando eu devia crer

esse sentir-se cair


quando não existe lugar
aonde se possa ir

esse pegar ou largar


essa poesia vulgar
que não me deixa mentir

(LEMINSKI, P. Toda Poesia. São Paulo: Companhia das Letras, 2013. p.249.)

Considerando o poema no conjunto da obra Toda Poesia, de Paulo Leminski, é


CORRETO afirmar que

a) Exemplifica a metalinguagem praticada pelo autor.

148
b) A poesia de leminski é vulgar porque utiliza formas poéticas livres.
c) A adjetivação intensa no poema é um traço recorrente em sua obra.
d) O heptassílabo é o verso mais cultivado na produção leminskiana.
e) O esquema de rimas encontra equivalência na obra ideolágrimas.

5. (UFRJ-2016)
APAGAR-ME

Apagar-me
diluir-me
desmanchar-me
até que depois
de mim
de nós
de tudo
não reste mais
que o charme.”

(Paulo Leminski)

É correto afirmar que, nesse seu belo poema, Paulo Leminski pôs no centro de sua
estratégia poética o uso intensivo da:

a) Acentuação de palavras.
b) Colocação de pronomes oblíquos.
c) Regência verbal.
d) Colocação de pronomes retos.
e) Tipologia textual.

6. (Enem- 2016)

Primeira lição

Os gêneros de poesia são: lírico, satírico, didático, épico, ligeiro.


O gênero lírico compreende o lirismo.
Lirismo é a tradução de um sentimento subjetivo, sincero e pessoal.
É a linguagem do coração, do amor.
O lirismo é assim denominado porque em outros tempos os versos sentimentais eram
declamados ao som da lira.
O lirismo pode ser:
a) Elegíaco, quando trata de assuntos tristes, quase sempre a morte.
b) Bucólico, quando versa sobre assuntos campestres.
c) Erótico, quando versa sobre o amor.
O lirismo elegíaco compreende a elegia, a nênia, a endecha, o epitáfio e o epicédio.

149
Elegia é uma poesia que trata de assuntos tristes.
Nênia é uma poesia em homenagem a uma pessoa morta.
Era declamada junto à fogueira onde o cadáver era incinerado.
Endecha é uma poesia que revela as dores do coração.
Epitáfio é um pequeno verso gravado em pedras tumulares.
Epicédio é uma poesia onde o poeta relata a vida de uma pessoa morta.

CESAR, A. C. Poética. São Paulo: Companhia das Letras, 2013.

No poema de Ana Cristina Cesar, a relação entre as definições apresentadas e o


processo de construção do texto indica que o(a)

a) Caráter descritivo dos versos assinala uma concepção irônica de lirismo.


b) Tom explicativo e contido constitui uma forma peculiar de expressão poética.
c) Seleção e o recorte do tema revelam uma visão pessimista da criação artística.
d) Enumeração de distintas manifestações líricas produz um efeito de
impessoalidade.
e) Referência a gêneros poéticos clássicos expressa a adesão do eu lírico às
tradições literárias.

7. UFSC
As aparências revelam

Afirma uma Firma que o Brasil


confirma: “Vamos substituir o
Café pelo Aço”.
Vai ser duríssimo descondicionar
o paladar
Não há na violência
que a linguagem imita
algo da violência
propriamente dita?

CACASO. As aparências revelam. In: WEINTRAUB, Fabio (Org). Poesia marginal. São Paulo: Ática, 2004. p. 61. Para gostar de ler 39.

Com base na leitura do poema, assinale a(s) proposição (ões) correta (s) acerca
da Poesia Marginal:

I. Entre as temáticas das quais se ocupou a poesia marginal da década de 1970,


havia espaço para painéis sociais, para a memória afetiva e a pesquisa poética e
para o registro literário da intimidade. Sem grandes exageros, a única regra era
atender aos princípios da norma padrão da língua.

150
II. Os versos “Vai ser duríssimo descondicionar / o paladar” podem ser entendidos
metaforicamente como uma referência a sacrifícios impostos à população,
obrigada a acomodar-se a uma nova ordem econômica.
III. Nos poemas reunidos em Poesia marginal, os autores enfocam a denúncia e a
crítica social de uma maneira sisuda, sem apelar para o humor, pois visam conferir
credibilidade ao que é dito.
IV. A frase “Vamos substituir o Café pelo Aço” pode ser interpretada como uma
referência à abertura do país para a exportação de minérios, defendida por
empresários e pelo Governo à época da Ditadura Militar.
V. No primeiro e segundo versos, no jogo de palavras “Afirma”, “Firma” e “confirma”,
repete-se o segmento firma; isso pode ser interpretado como uma referência à
influência das grandes empresas nas políticas estatais.
VI. Na estrofe final, observa-se como Cacaso procura desvincular a linguagem das
práticas sociais, ao propor que não há violência nas palavras em si, mas apenas
na realidade a que elas se referem.

a) I, III e V.
b) II, V e VI.
c) I, II e IV.
d) Apenas VI.
e) II, IV e V.

8. (ENEM- BR - 2017)
Contranarciso

em mim
eu vejo o outro
e outro
e outro
enfim dezenas
trens passando
vagões cheios de gente
centenas

o outro
que há em mim
é você
você
e você

assim como

151
eu estou em você
eu estou nele
em nós
e só quando
estamos em nós
estamos em paz
mesmo que estejamos a sós
LEMINSKI, P. Toda poesia. São Paulo: Cia. das Letras, 2013.

A busca pela identidade constitui uma faceta da tradição literária,


redimensionada pelo olhar contemporâneo. No poema, essa nova dimensão
revela a

a) Ausência de traços identitários.


b) Angústia com a solidão em público.
c) Valorização da descoberta do “eu” autêntico.
d) Percepção da empatia como fator de autoconhecimento.
e) Impossibilidade de vivenciar experiências de pertencimento.

152
A POESIA BRASILEIRA UNIDADE

12
CONTEMPORÂNEA A
PARTIR DE 1980

12.1 AS PRINCIPAIS TENDÊNCIAS POÉTICAS DA ATUALIDADE

A poesia brasileira a partir da década de 1980, caminhando na contramão


dos ideais coletivos da modernidade, caracteriza-se por possuir uma projeção mais
plural, individualista. Como bem estudado em unidades anteriores, os movimentos da
nossa literatura sempre ocorreram de forma conjunta, obedecendo até mesmo a
lógica de que a união faz a força. As transformações poéticas se deram na esteira
de uma articulação entre poetas e intelectuais, cuja união ganharam força e
possibilitaram essas ocorrências culturais coletivas.
Porém, a poesia que se inicia no período mais próximo ao presente e que se
estende até os dias de hoje, apresenta um rompimento no que tange às utopias
coletivas, de modo que cada escritor crie suas próprias regras na escrita. Até mesmo
pelo contexto histórico de escrita e leitura que ganha novas feições, em especial pelo
avanço das novas tecnologias digitais que interferem nesse processo. Essa dimensão
tecnológica na literatura ganhará destaque na terceira seção desta Unidade.
Isto posto, de acordo com alguns estudiosos da literatura, essa nova ascensão
literária no Brasil é marcada pelo caráter plural, não possibilitando estabelecer um
caminho a ser seguido como tradicionalmente. Ressalta-se, como afirma Andrade
(2015), a partir da segunda metade da década de 1980, o país passa por um
processo de redemocratização, com a queda da ditadura militar, favorecendo uma
expressão cultural diferenciada daquela aderida até então. O poeta, assim como a
sociedade em geral, viram-se diante de uma liberdade, inclusive de prática literária
com expressões mais diretas. Nesse contexto, os projetos vanguardistas vão perdendo
forças e emergem projetos estéticos de caráter mais individuais, sem que os escritores
sejam obrigados a seguir regras tradicionais da poesia. Essas mudanças se baseiam
na própria lógica do caráter de censura que pressiona os escritores no regime da
ditadura, anteriormente, e pelo enfraquecimento do caráter próprio de coletividade
vanguardista.

153
Ainda na esteira das considerações de Andrade (2015), duas características
mais gerais marcam a poesia nesses tempos atuais, que são o anacronismo e
hermetismo. Em relação à primeira característica, segundo o estudioso destacado, a
poesia atual não segue uma cronologia do presente, isto é, não apresenta um
alinhamento com os tempos atuais. Os poetas abordam temáticas que talvez
tenham ganhado mais força em outros contextos e que não estejam tão evidentes
no presente.
No entanto, é preciso considerar alguns aspectos que são próprios desse
período atual, bem como se observa na poesia de Arnaldo Antunes, a aliança entre
diferentes formas de expressão em um mesmo poemas: sonoro, visual e verbal. Além
disso, outras características-padrão veremos na segunda seção que integram à
história do presente, como a própria noção de pluralidade. É preciso compreender
que alguns traços talvez não estejam de acordo com o momento, a saber: o retorno
das formas fixas poéticas tradicionais, a manutenção do imaginário arquétipo da
cultura ocidental e a designação do contemporâneo como cronologia que aparece
após o moderno.
Em relação ao hermeticismo, quando nos referimos à poesia dos anos 1980 aos
anos 2000, engloba alguns aspectos, tais como o homem como símbolo do mundo,
a meditação como prática para ascender a mente, o pensamento simbólico e a
transmutação pessoal, como os principais elementos constitutivos dessa
característica poética da atualidade. Essa dimensão do hermeticismo acaba sendo
uma espécie de anacronismo poético, como um retorno à tradição, embora esta
sofra transformações.

No que concerne ao desinteresse em relação aos acontecimentos coletivos,


esses se dão tanto a nível de país quanto mundialmente falando, que vai ao encontro
de interesses editoriais. Nessa vertente, destaca-se a obra de Manoel de Barros, o
denominado “poeta dos passarinhos” que começa a escrever poesias na “Geração
de 45” e perpassa por décadas até chegar aos anos 2000. É um exemplo de poesia

154
despretensiosa que coloca em cena a infância, a natureza, a valorização de coisas
simples e invisíveis. Por outro lado, “a poesia crítica e a poesia de testemunho vêm,
claro, de encontro a essa tendência [...]” (SALGUEIRO, 2018, p. 15).
Contrariando-se os moldes da poesia “relaxada” dos anos 1970, a partir de
agora há uma expressividade mais forte, além do sentimentalismo e da subjetividade.
Isso se deve também ao perfil de poeta que surge nesse cenário, que, segundo
Salgueiro (2018), quem escreve pertence à especialização e à tribalização, com
destaque para professores universitários, editores, tradutores e críticos, rompendo
com a poesia de amadores que muito se observava na poesia marginal. Essa
característica que envolve quem escreve contribui para o entendimento de um
retorno à tradição, sobretudo a partir dos anos 1990. “A retradicionalização da poesia
contemporânea brasileira é a construção de um olhar prismático para um legado
literário que só se inscreve no plural. É um retorno a tradições” (ANDRADE, 2015, p. 38).
Na cessão seguinte esboçaremos os poetas de maior destaque nesse cenário da
poesia atual.

12.2 ESCRITORES EM EVIDÊNCIA

Além dos poetas já destacados que se enquadram nesses tempos mais


recentes da poesia, a partir da década de 1980, Salgueiro (2018) colocam outros em
evidência. Um fato curioso, segundo esse estudioso, é a dimensão de conflitos entre
gerações de escritores que se vive nessa atualidade, com destaque para Ferreira
Gullar, Armando Freitas Filho e Casé Lontra Marques. Quanto à ausência de uma
coletividade, outro fato curioso é que cada qual procura ganhar visibilidade por si só,
cada poeta no seu lugar, em diferentes regiões do país: “Glauco Mattoso (2012) em
São Paulo, Antonio Cicero (2002) no Rio, Waldo Motta (2002) em Vitória, Ricardo
Aleixo (2010) em Minas, Nicolas Behr (2006) em Brasília, Ricardo Silvestrin (2006) em
Porto Alegre, Fábio Andrade (2005) em Pernambuco” (SALGUEIRO, 2018, p. 16). Além
disso, destaca-se a poesia goiana de Cora Coralina (1889-1985).
Além dos destacados, há outros que merecem destaque, de acordo com o
Quadro 2, com destaque para suas épocas e características mais aparentes:

155
Quadro 2: Panorama da poesia brasileira a partir de 1980
Anos Características Principais representantes
1. Lírica de tradição; 1. Alexei Bueno
2. Lírica de transgressão; 3. 2. Arnaldo Antunes
1980 Lírica vitalista; 3. Ítalo Moriconi
4. Lírica de síntese ou 4. Glauco Mattoso, Nelson
unificadora. Mattoso e Paulo Henrique.

- Estética da dúvida; Carlito Azevedo, Antonio


- “Fastio” em relação ao Cícero, Ricardo Aleixo,
mundo; e Cláudia Roquette-Pinto,
1990 - Intransigência às coisas. Claudio Daniel, Rodrigo
Garcia Lopes, Joca Reiners
Terron e Marcos Siscar.

- Presente inabordável; Amador Ribeiro Neto,


- Publicações reais e virtuais; Marcelo Sandman, Fábio
- Vínculos institucionais dos Andrade, Luís Maffei, Annita
2000 poetas, dada sua formação Costa Malufe e Micheliny
em Letras (ao menos a Verunschk
maioria).
Fonte: Elaborado pelos autores (2021)com dados baseados em Ferraz (2011); Lima (2010) e
Lucchesi (2009).

Arnaldo Antunes (1960-atual) nasceu na capital paulista, sendo um artista


multimídia brasileiro, com início da carreira no rock dos anos 1980, no grupo Titãs.
Desde então é compositor, o que facilita a sua entrada no universo da poesia,
posteriormente ao seu exercício inicial na música. No entanto, ingressa no curso de
Letras na USP, embora não chegue a concluir o curso. É conhecido por ser um poeta
multimídia, sendo o reflexo de sua versatilidade artística. Em seus poemas, que se
transformam em videoclipes, faz uma mesclagem entre aspectos visual, linguístico e
sonoro, além de utilizar distintos suportes que resultam em sentidos múltiplos de sua
poesia. Segue o poema “Carnaval” que integra o livro Nome, lançado em 1993:

156
Carnaval

árvore
pode ser chamada de
pássaro
pode ser chamado de
máquina
pode ser chamada de
carnaval
carnaval
carnaval
carnaval
carnaval
carnaval
(ANTUNES, 1993, s/p)

Os poemas de Antunes rumam para as possibilidades, desconstroem conceitos


cristalizados, rompem com os saberes legitimados em prol de construções e relações
entre elementos, com novas formas de perceber, de forma rápida, as coisas que
cercam o eu lírico, que se traduz em uma construção de infância. No poema
destacado a lírica da transgressão pode ser observada pela quebra de regras entre
os nomes e seus referentes, em que uma coisa pode ser chamada de outra, indo
para além dos limites daquilo que é permitido, usual na língua para nomear os
objetos. O eu lírico então transgride nesse aspecto, assim como uma criança em
estado de curiosidade, da intensidade, de invenções e brincadeiras com as palavras
e as coisas que a cercam.

12.3 POESIA E AS MÍDIAS DIGITAIS

É inegável que os meios de comunicação e informação digitais da


contemporaneidade têm se adentrado ao universo de todas as práticas culturais e
se constituem em suportes muito utilizados para a propagação cultural, inclusive

157
poética. Essa acessibilidade tão facilitada pela sociedade conectada tem
influenciado nos modos de escrita e de leituras, em que a tela do computador, ou
até mesmo do celular, torna-se mais atrativo que um livro impresso.
Os conteúdos digitais têm ganhado espaço, tanto pelos textos escritos nos
meios digitais quanto os digitalizados. Então, o hábito de leituras em bibliotecas físicas
parece estar ficando cada vez mais distante da realidade do consumo de textos,
haja vista a acessibilidade de conteúdos de todas as espécies nas mídias digitais,
favorecendo não apenas textos nas plataformas, mas a possibilidade de interações
entre escritores e leitores.
Essas mídias promovem uma democratização ao acesso literário, possibilitando
aos internautas não apenas acesso ao que já está escrito, mas também de
publicarem seus conteúdos na grande rede de computadores. Embora essa
dinâmica ofereça essas vantagens, por outro lado é preciso estar atento aos
problemas autorais que daí advêm, pela circulação rápida e fácil de textos, bem
como crimes de direitos autorais que são passíveis nesses ambientes.
Em se tratando da escrita de poesia nos tempos de tecnologias digitais,
Oliveira (2016, p. 56) destaca as chamadas “poesias de buscadores”, que no Google
é possibilitada a elaboração de poemas por meio do site de busca. Além disso, a
busca por poesias também é bastante facilitada por esse recurso. A internet serve
como instrumento de divulgação poética, tendo em vista a rápida disseminação por
esse sistema e o acesso a esses conteúdos pelos internautas, colocando em
evidência os poetas.
O fazer literário é então facilitado nesse cenário de mediação cultural, que
possibilita o trabalho de um circuito poético, contribuindo para o fazer literário nos
tempos atuais. Colocando em evidência a natureza plural da poesia
contemporânea, o sistema de informática parece englobar essa cultura como sendo
uma unicidade, haja vista a sua produção e acesso por toda a sociedade. Porém, é
preciso rumar para outra direção, considerando o estilo individual de cada poeta e
que essas possibilidades de escrita e publicação, ainda que não sejam profissionais
/reconhecidas institucionalmente, facilita cada um postar o que quiser, constituindo
um caráter plural.
Salgueiro (2018) destaca a grande transformação advinda da internet no que
tange à relação poeta, obra e público, em que a escrita (criação), distribuição e
recepção (acesso de leitores) tem ganhado uma dimensão amplificada nesse

158
contexto. Esse estudioso destaca, como intermediário desse movimento literário, as
redes sociais, como Facebook, Twitter e os Blogs, ferramentas que facilitam essas
relações de forma dinâmica.

Se por um lado essas tecnologias facilitam a vida dos leitores e até mesmo dos
autores, é preciso levar em conta que esses movimentos midiáticos digitais podem
abalar o que de fato vem a ser poesia. Assim, se por um lado é necessário manter a
poesia considerada como legítima, canônica, por outro, observa-se emergir escritas
que não se enquadram nessa linha, de modo mais informal em certo sentido. Porém,
sabemos que as plataformas digitais facilitam a manutenção de um caráter
multiculturalista, o que pode levar a essa confusão no campo da poesia.
Essa evolução cultural acaba por interferir também o mercado editorial, uma
vez que o consumo, ainda que seja por livros, estes são acessados no modo PDF, além
de poesias serem transferidas (digitadas) em inúmeras páginas da rede. Quanto ao
mercado editorial, as editoras vendem também pela internet, por meio de seus sites,
o que também facilita o acesso a obras poéticas pela sociedade conectada.

159
FIXANDO O CONTEÚDO

1. Os poetas integrantes da poesia a partir de 1970, em sua maioria:

a) São vinculados à especialização e à tribalização, apenas;


b) São professores universitários, editores, tradutores e críticos;
c) São basicamente tradutores e críticos, excluindo-se outras especialidades;
d) Assemelham-se aos amadores que muito se observavam na poesia marginal;
e) São amadores pelo advento da escrita poética nas mídias digitais.

2. São características da poesia contemporânea:

a) Retradicionalização; caráter coletivo; anacronismo; hermetismo;


b) Modernização; anacronismo; hermetismo; poesia tradicionalista;
c) Coletividade vanguardista; anacronismo; hermetismo; caráter plural;
d) Caráter tradicional; coletividade vanguardista; anacronismo; hermetismo;
e) Caráter plural; anacronismo; hermetismo; retomada de traços tradicionais.

3. Quanto à escrita poética e sua circulação na rede digital, é correto afirmar que:

a) As tecnologias não trouxeram inovações em relação à escrita e leitura de textos.


b) As mídias digitais transformam qualquer um em poeta, inclusive com
reconhecimento pela crítica especializada.
c) Na rede, os elementos autor, produto (poesia) e consumidor (leitor) se distanciam
pelo fato de não estarem próximos fisicamente.
d) As leituras de poesia no livro impresso e nas mídias digitais não se diferenciam
quanto à acessibilidade desses dois suportes.
e) Com o advento das novas tecnologias digitais, houve uma modernização em
relação à escrita e leitura de poesias na rede.

4. (PUC – PR, adaptado) Leia os fragmentos abaixo, retirados do livro Muitas vozes
(1999), de Ferreira Gullar, para responder à questão.

160
Meu poema da manhã
é um tumulto: tudo isso em ti
a fala se deposita
que nele fala e cala.
outras vozes Até que de repente
arrasta em alarido. um susto
(...) ou uma ventania
A água que ouviste (que o poema dispara)
num soneto de Rilke chama
os ínfimos rumores no capim esses fósseis à fala.
o sabor Meu poema
do hortelã é um tumulto, um alarido:
(…) basta apurar o ouvido.

I. É um exemplo de metapoesia, um dos vários temas recorrentes nesta obra.


II. A intertextualidade surge como uma das muitas vozes presentes no poema.
III. Fósseis, no poema, é uma referência aos mortos do eu poético, que também são
vozes do poema.
IV. Apurar o ouvido, no último verso, remete à percepção do material de que se
compõe o poema.
V. Esse é um dos poucos poemas de Ferreira Gullar, nesta obra, em que a morte se
faz presente.

Assinale a alternativa CORRETA:

a) Somente as assertivas I e IV são verdadeiras.


b) As assertivas I, II e V são verdadeiras.
c) Somente a assertiva I é falsa.
d) As assertivas I, II, III, IV são verdadeiras.
e) Todas as assertivas são verdadeiras.

5. (Ufjf-pism 1 2017)

A televisão

(Arnaldo Antunes, Marcelo Fromer e Tony Belloto)

161
A televisão Que eu nunca li num
Me deixou burro livro É que a televisão
Muito burro demais Que o espirro Me deixou burro
Oh! Oh! Oh! Fosse um vírus sem cura Muito burro demais
Agora todas coisas Vê se me entende E agora eu vivo
Que eu penso Pelo menos uma vez Dentro dessa jaula
Me parecem iguais Criatura! Junto dos animais
Oh! Oh! Oh!
Oh! Cride, fala pra Oh! Cride, fala pra
O sorvete me deixou mãe! mãe
gripado A mãe diz pra eu fazer Que tudo que a
Pelo resto da vida Alguma coisa antena captar
E agora toda noite Mas eu não faço nada Meu coração captura
Quando deito Oh! Oh! Oh! Vê se me entende
É boa noite, querida A luz do sol me Pelo menos uma vez
incomoda Criatura!
Oh! Cride, fala pra Então deixa Oh! Cride, fala pra
mãe A cortina fechada mãe!
Oh! Oh! Oh!

Titãs. Televisão. Lp. Gravadora WEA, 1985.

As estrofes 1 e 5 do texto acima permitem afirmar que a inteligência do sujeito está,


respectivamente, relacionada:

a) Ao discernimento e à liberdade.
b) À liberdade e à emoção.
c) À memória e à informação.
d) À cognição e à leitura.
e) À violência e à ordem.

6. (Unemat) Leia o poema "As lições de R. Q.", de Manoel de Barros, abaixo transcrito,
e resolva o que se pede.

Aprendi com Rômulo Quiroga (um pintor boliviano):


A expressão reta não sonha.
Não use o traço acostumado.
A força de um artista vem das suas derrotas.
Só a alma atormentada pode trazer para a voz um formato de pássaro.
Arte não tem pensa:
O olho vê, a lembrança revê, e a imaginação transvê.
É preciso transver o mundo.
Isto seja:

162
Deus deu a forma. Os artistas desformam.
É preciso desformar o mundo:
Tirar da natureza as naturalidades.
Fazer cavalo verde, por exemplo [...]

Considerando no contexto das tendências dominantes da poesia de Manoel de


Barros, no Livro sobre nada (1996) pode-se afirmar que, neste texto, o "eu lírico" vê
o mundo como:

a) Oportunidade de manisfestar seu desapego tanto pelo sagrado como pelo


profano.
b) Ânsia de integração em uma sociedade em que o sujeito só é reconhecido pela
excentricidade e estranheza.
c) Transfiguração do mundo, que corresponde à experiência dos próprios sentidos.
d) Frustração, uma vez que o artista é um derrotado, e Deus, uma ameaça.
e) Esvaziamento do sentido de Arte, de Natureza e da ausência de sonhos.

7. (UNCISAL-2016)

SONETO 204 AO RAPPER

De cor, mulato, pardo, negro, preto.


O branco é simplesmente branco, e só.
Você quer mais respeito, não quer dó.
Quer ser um cidadão, não quer o gueto.

No Sul, no Pelourinho, no Soweto,


lutando contra o falso status quo
da máscara, a gravata e o paletó:
A letra é mais comprida que um soneto.

Seu canto já foi blues, quase balada;


Foi soul, foi funk e reggae; agora é bala
perdida em tiroteio de emboscada.

Xerife do xadrez, você não cala:


leva a periferia pra parada,
de sola entra no som da minha sala.

164
163
163
Acerca da estrutura métrica e rimática do poema acima, um soneto de autoria
de Glauco Mattoso, pode-se afirmar a presença de

a) Versos decassílabos, com esquema de rimas em ABBA BAAB CDE CDE.


b) Versos decassílabos, com esquema de rimas em ABBA BAAB CDC DCD.
c) Versos alexandrinos, com esquema de rimas em ABAB CDCD EFG EFG.
d) Versos em redondilhas maiores, com esquema de rimas em ABBA BAAB CDE CDE.
e) Versos em redondilhas menores, com esquema de rimas em ABBA CDDC EFG EFG.

8. (FUNIVERSA-2010)

Aninha e Suas Pedras

Não te deixes destruir...


Ajuntando novas pedras
e construindo novos poemas.
Recria tua vida, sempre, sempre.
Remove pedras e planta roseiras e faz doces. Recomeça.
Faz de tua vida mesquinha
um poema.
E viverás no coração dos jovens
e na memória das gerações que hão de vir.
Esta fonte é para uso de todos os sedentos.
Toma a tua parte.
Vem a estas páginas
e não entraves seu uso
aos que têm sede.

CORALINA, C. Vinténs de cobre: meias confissões de Aninha. São Paulo: Global, 2001.

No poema Aninha e suas pedras, Cora Coralina trata de questões muito


importantes no que se refere à relação entre sujeito e literatura: a criação e a
recepção. Com relação a essas questões e com base em informações teóricas
acerca de literatura, é correto afirmar que:

a) A leitura do texto literário é condição para quem pretende conhecer e desfrutar


do domínio das normas da língua padrão e, portanto, deve ser objeto de
exercícios para aquisição da língua escrita.
b) A criação literária é produto de experiências mesquinhas; por isso, o seu fazer
torna-se ardiloso e desafiador.
c) A leitura literária destina-se aos que precisam livrar-se de tormentos; esse é, então,

164
o principal fim do literário: o terapêutico.
d) A leitura e a criação literária funcionam como exercício de liberdade e
proporcionam o desenvolvimento de um comportamento mais crítico e menos
preconceituoso diante do mundo.
e) O processo da criação literária depende dos percalços existenciais que precisam
ser superados

165
A LITERATURA NA ÉPOCA UNIDADE

13
COLONIAL BRASILEIRA

13.1 INTRODUÇÃO

A nossa literatura teve seu início de desenvolvimento no século XVI. Nesse


momento, temos o aparecimento da chamada literatura da época colonial com as
seguintes escolas literárias: quinhentismo, barroco e arcadismo.
A produção literária nacional, nasceu no período colonial, mas é difícil dizer
com exatidão o momento em que passou a se configurar como uma produção
literária independente da produção portuguesa.
No período colonial, não eram sólidas as condições para o florescimento de
uma literatura como, por exemplo, podemos citar existência de um público leitor,
grupos de escritores atuantes, uma vida cultural florescente ou um sentimento de
nacionalidade e pertencimento a terra. Os livros produzidos nesse momento são
impressos em Portugal e depois trazidos para a Colônia.
Alguns estudiosos da literatura preferem chamar a produção escrita no Brasil
nesse momento de ecos da literatura no Brasil colonial ou manifestações literárias.
Considerando esse ponto de vista, apenas no século XVIII com o advento de grupos
de escritores e um público leitor, teria sido criada as condições necessárias para a
formação de uma literatura (CANDIDO, 2000).

13.2 QUINHENTISMO

A palavra Quinhentismo é o período que compreende o século XVI, e não a


um referencial estético. Essa palavra pode ser usada como sinônimo de Classicismo.
As obras produzidas nesse primeiro momento, estão fortemente ligadas à literatura
portuguesa e integrariam o conjunto das chamadas literaturas de viagens
ultramarinas. Dessa forma, são literaturas mais sobre o Brasil ou produzidas no Brasil do
que uma literatura brasileira.
A literatura quinhentista é resultado dos efeitos da conquista e colonização
das terras brasileiras. Diversos escritos são, em sua maioria, diários, cartas e, em muitos

166
casos, tratados que tinham como finalidades descrever a paisagem e a vida em
terras brasileiras. Nesse momento, o teatro começou um pequeno desenvolvimento
sob a forma de autos versificados pelos religiosos (jesuítas) em seus trabalhos de
catequização dos indígenas no Brasil. As manifestações poéticas nesse primeiro
momento tiveram também caráter religioso.
A literatura quinhentista é essencialmente descritiva, de cunho
propagandístico da colonização e práticas da expansão ultramarina portuguesa.
Desta forma, podemos considerar que tem um valor literário reduzido, mas sua
importância se encontra em tornar-se fonte temática e formal para momentos
literários posteriores preocupados com as raízes de nossa nação, como o Romantismo
e o Modernismo.
Para compreendermos a produção literária no século XVI, temos que ter em
mente o cenário do Brasil Colonial que seria um vasto território ainda com poucos
conhecimentos e com poucas povoações que iam se criando no litoral. Após a
descoberta do Brasil, só algumas décadas posteriores que Portugal se interessou em
dar início ao processo de colonização. O Brasil não apresentava as vantagens
comerciais que as Índias tinham naquele momento.
A colonização começou efetivamente após a expedição de Martim Afonso
de Souza (1530) e a criação das capitais hereditárias (1532). Em 1549, a vinda dos
jesuítas na localidade é vista como uma aceleração no processo colonizador. No
mesmo ano ocorre a instalação do primeiro Governo-Geral. Não podemos falar de
uma cultura e muito menos de uma literatura brasileira no século XVI. O que se tinha
até aquele momento era esparsas manifestações, com um teor mais ou menos
literário, que documentava a chegada dos portugueses nas terras nacionais.
Cartas de viagens, diários de navegação e tratados descritivos foram as
principais formas de escritas desenvolvidos nesse momento. Essa literatura ficou
conhecida como de informação ou de expansão, surgida em Portugal no momento
das Grandes Navegações.
A finalidade desses textos era narrar e descrever as viagens, os primeiros
contatos com as terras brasileiras e sua população local. As informações deveriam
passar tudo que pudesse interessar aos governantes lusitanos. Esses escritos possuem
pouco valor literário, mas são documentos que tem uma importância histórica
fundamental como testemunho da população que passou por aqui no início de
nossa colonização. Além disso, esses escritos apresentam o choque cultural que

168
aconteceu em um primeiro momento do contato entre europeus e os indígenas.
Nos escritos desses autores percebemos que não existe um sentimento de
apego as terras brasileiras, elas são vistas apenas como uma extensão de Portugal.
Entretanto, a literatura quinhentista deixou como herança temas que foram
explorados posteriormente pelos escritores como, por exemplo, as paisagens
brasileiras, origens históricas, os índios, a fauna e outros. Podemos pegar como
exemplo Oswald de Andrade, escritor brasileiro do século XX, que criou o movimento
intitulado Poesia Pau-Brasil, que era inspirado nesse Brasil recém descoberto pelos
colonizadores e viajantes do século XVI. Nos versos abaixo, percebemos uma
influência do escritor Pero Vaz de Caminha:

A Descoberta

Seguimos nosso caminho por este mar de longo


Até a Oitava da Páscoa
Topamos aves
E houvemos vista de terra
(ANDRADE, 1971, p. 80)

Entre as principais produções da literatura informação podemos elencar:


• A Carta, de Pero Vaz de Caminha;
• O Diário de Navegação, de Pero Lopes de Sousa (1530);
• O Tratado descritivo do Brasil, de Gabriel Soares de Sousa (1587);
• Os Diálogos das grandes do Brasil, de Ambrósio Fernandes Brandão (1618);
• As Duas viagens ao Brasil, de Hans Staden (1557);
• Cartas de missionários jesuítas escritas nos primeiros séculos de colonização.

13.2.1 A literatura catequética de Padre José de Anchieta

A obra de José de Anchieta se diferencia das produções dos viajantes e


documentos informativos do século XVI. Além de suas cartas, ele escreveu poesia e
teatro. Não podemos esquecer que ele era um missionário e por isso sua escrita tinha
uma função pedagógica e didática para a população que catequizava.
Em sua poesia e no teatro percebemos uma concepção de mundo dualista,
dividido entre as forças do Bem e do Mal. Seus textos possuem uma simplicidade para
que conseguissem eficiência comunicativa.

0
O Brasil que, se justiça,
andava mui cego e torto,
vós o metereis no porto
se lançar de si a cobiça
que de vivo o torna morto
(ANCHIETA, 1954)

Sua poesia e seu teatro possuem algumas características como:


• Utilização de versos em redondilhas;
• Concepção teocêntrica;
• Teatro de alegoria;
• Temas religiosos e morais.
Os poemas de Anchieta possuíam uma língua fácil de serem cantados e
declamados em cerimônias religiosas. Os conteúdos delas são simples e diretos, para
a fácil compreensão do ouvinte. Vários de seus poemas foram escritos em língua tupi
com o intuito de facilitar a catequização dos indígenas. Em seus escritos ele misturava
personagens bíblicos com os da cultura indígena.
O teatro possuía a mesma finalidade de catequização dos indígenas. Seus
teatros seguem a tradição medieval como os autos do Gil Vicente.
Entre suas principais obras estão:
• De Beata Virgine dei Matre Maria (poema escrito em latim em louvor a Virgem
Maria);
• Auto de São Lourenço (um auto que foca a luta de São Lourenço e São
Sebastião contra os demônios nos quais recebe nomes tupis)

Figura 1: Padre José de Anchieta

Fonte: Cleofas.
Disponível em: https://bit.ly/3pCfnRM. Acesso em: 12 dez. 2021
13.3 BARROCO

No século XVI, o Brasil era um importante empreendimento colonial de


Portugal. O cotidiano colonial começou a se organizar em torno dos engenhos de
açúcar concentrados na região da Zona da Mata no Nordeste.
Desde a criação do Governo-Geral em 1548, Salvador tornou-se capital da
Colônia, ela foi transformada não apenas em centro político e econômico, mas
tornou-se, quase único, polo de produção cultural em terras brasileiras. Por essa
razão, o Barroco no Brasil também é conhecido como Escola Baiana.
Em 1601 teve início o Barroco no Brasil, com o poema épico Prosopopeia de
Bento Teixeira (1560-1618). Seu desenvolvimento emterras nacionais alcançou seu
ápice com o poeta Gregório de Matos e com o Padre Antônio Vieira. Encerrou-se
no século XVIII e terminou em 1768 com a publicação das Obras de Cláudio Manuel
da Costa.
A obra Prosopopeia de Bento Teixeira foi a responsável por dar início ao
Barroco no Brasil. É um poema épico, que era uma imitação de Os Lusíadas de
Camões e foi originalmente publicado em 1601. Ela foi organizada em 94 estâncias
de oito versos decassílabos e sua estrutura está dividida em “Proposição”,
“Invocação”, “Narração”, “Descrição do Recife de Pernambuco”, “Canto de
Proteu”, “Fala de Netuno” e “Epílogo”. Percebemos que a descrição das terras
brasileiras possui uma visão ainda portuguesa e a colônia é vista como “nova
Lusitânia”.
13.3.1 Características do Barroco

A palavra Barroco teve sua origem na designação de uma pérola de forma


irregular que era conhecia como ‘pérola barroca’. Essa irregularidade em oposição
a regularidade simetria do período anterior, Classicismo, foi a marca deste novo
estilo literário. O Barroco expressa o pessimismo, o conflito e o desequilíbrio perante
a razão e a emoção.
Seus grandes recursos estilísticos são a metáfora, a antítese, a hipérbole e o
hipérbato e o paradoxo que permitem ao autor exprimir a coexistência angustiada
de pensamentos, sentimentos e ideias opostas e contraditórias, além de sua
perplexidade diante do mundo.
As duas principais tendências do Barroco são o cultismo e conceptismo. Suas
principais características são:
• Cultismo – também conhecido como Gongorismo devido ao seu maior
representante ser o poeta espanhol D. Luís de Góngora, recorre
exageradamente a metáfora e as sinestesias. Assim, a obra cultista oferece-se
como um espetáculo de sentidos e entendimento.
• Conceptismo – o autor utiliza-se mais da razão do que os sentimentos e cria
raciocínios engenhosos em sutilezas lógicas e paradoxais. Enquanto o cultismo
é descritivo, o conceptismo é analítico. Um dos maiores representantes desta
tendência foi o autor espanhol D. Francisco de Quevedo.

13.3.2 Gregório de Matos e sua crítica à sociedade colonial

Um dos poetas mais conhecidos do Barroco no Brasil foi Gregório de Matos


(Salvador, 23 de dezembro de 1636 – Recife, 26 de novembro de 1695) que recebeu
a alcunha Boca do Inferno. Ele era membro de uma família com poder aquisitivo
alto, maioria dos seus membros eram funcionários administrativos. Gregório de Matos
possuía a nacionalidade portuguesa, visto que o Brasil só se tornou independente
em 1822.
Em 1642, ingressou no Colégio dos Jesuítas. Em 1650, continuou seus estudos
em Lisboa e, em 1652, ingressou na Universidade de Coimbra. Em 27 de janeiro
de 1668 teve a função de representar a região da Bahia nas cortes lisboenses. Em
1672, é nomeado procurador pelo Secado da Câmara da Bahia. Em 1674, volta
representar a Bahia nas cortes de Lisboa e foi destituído do cargo de procurador.
Em 1679 foi nomeado Desembargador da Relação Eclesiástica na Bahia e em
1683 retornou ao Brasil. Após ser destituído do cargo por não querer usar batina nem
aceitar a imposição dos seus superiores começou a satirizar os costumes da
população das classes sociais na Bahia. Sua poesia possui um certo teor
pornográfico, mas também desenvolveu formas líricas voltadas para o sagrado.
Em 1685, foi denunciado à Inquisição através do promotor eclesiástico da
Bahia devido aos seus costumes livres. Foi acusado de desrespeito ao cristianismo e
de não mostrar reverência nas procissões. Mas, a acusação não teve
prosseguimento. Porém, em 1694, devido a várias acusações, foi deportado para
Angola. Posteriormente, consegue seu retorno ao Brasil por ajudar a combater uma
conspiração militar em territórios angolanos, mas não pode ficar na Bahia. Morreu
em Recife devido a uma febre contraída em terras africanas.
A alcunha que recebeu em vida, Boca do Inferno, deve-se à forma de criticar
a Igreja Católica que ofendia padres e freiras residentes na Colônia. Criticou
também a cidade de Salvador, como neste soneto:

A cada canto um grande conselheiro.


que nos quer governar cabana, e vinha,
não sabem governar sua cozinha,
e podem governar o mundo inteiro.
Em cada porta um frequentado olheiro,
que a vida do vizinho, e da vizinha
pesquisa, escuta, espreita, e esquadrinha,
para a levar à Praça, e ao Terreiro.
Muitos mulatos desavergonhados,
trazidos pelos pés os homens nobres,
posta nas palmas toda a picardia.
Estupendas usuras nos mercados,
todos, os que não furtam, muito pobres,
e eis aqui a cidade da Bahia.
(AMADO, JAMES. 1990.)
Figura 2: Gregório de Matos

Fonte: Elfikurten
Disponível em: https://bit.ly/370qMEJ. Acesso em: 12 dez. 2021

Gregório de Matos teve suas obras publicadas só no século XIX. Em 1850,


Adolfo Varnhagen publicou 39 de seus poemas na obra Florilégio da Poesia Brasileira
(Lisboa). Já no século XX, entre 1923 e 1933, Afrânio Peixoto edita o restante da obra
do poeta baiano, que teve seis volumes publicados pela Academia Brasileira de
Letras, exceto as partes referentes à pornografia que só vieram a aparecer em 1968
em uma nova publicação de James Amado.
Entre seus poemas, podemos listar:
• Pica-Flor;
• Anjo Bento;
• Senhora Dona Bahia;
• Descrevo que era realmente naquele tempo a cidade da Bahia;
• A Nossa Senhora da Madre de Deus indo lá o poeta;
• Ao braço do mesmo Menino jesus quando appareceo;
• Soneto – Carregado de mim ando no mundo;
• Soneto I – A margem de uma fonte, que corria;
• Soneto II – Na confusão do mais horrendo dia;
• Soneto III – Ditoso aquele, e bem-aventurado;
• Soneto IV – Casou-se nesta terra esta e aquele;
• Soneto V – Bote a sua casaca de veludo;
• Soneto VI – A cada canto um grande conselheiro.
A poesia de Gregório de Matos possui algumas características. Uma delas é a
preocupação com a irreverência por afrontar os valores e a falsa moral existente na
sociedade baiana colonial.
Nenhum dos seus poemas foram publicados em vida, foram transmitidos
oralmente na Bahia até meados do século XIX quando então foram reunidos em
uma obra por Varnhagen, como assinalado anteriormente. É comum as
controvérsias existentes sobre a autoria de alguns poemas atribuídos a Gregório de
Matos e seus textos apresentarem algumas variações de vocabulário dependendo
da edição.
Em sua poesia lírica cultivou três vertentes: amorosa, religiosa e filosófica. Na
lírica amorosa é extremamente dualista no sentido carne/espírito que traz um
sentimento de culpa no plano espiritual do eu lírico. Como no soneto a seguir:

Sonetos a D. Ângela de Sousa Paredes

Não vira em minha vida a formosura,


Ouvia falar nela cada dia,
E ouvia me incitava, e me movia
A querer ver tão bela arquitetura

Ontem a vi por minha desventura


Na cara, no bom ar, na galhardia
De uma mulher, que em Anjo se mentia;
De um Sol, que se trajava em criatura;

Matem-me, disse eu, vendo abrasar-me,


Se esta a cousa não é, que encarecer-me
Sabia o mundo, e tanto exagerar-me;

Olho meus, disse então por defender-me,


Se a beleza heis de ver para matar-me,
Antes olhos cegueis, do que eu perder-me.

(CANDIDO, Antonio; CASTELLO, José A. 1968)


Na lírica religiosa obedece aos conceitos do Barroco europeu e faz uso de
temas como amor a Deus, arrependimento, pecado, perdão, referências bíblicas e
o arrependimento. É empregado uma linguagem culta e apresenta ricas figuras de
linguagem. Já na lírica filosófica, seus textos referem-se as funções humanas e os
desconcertos do mundo. Seus poemas fazem alusão a uma consciência transitório
de vida e tempo.
Sobre suas sátiras, elas possuem as características mais originais das obras de
Gregório de Matos fugindo dos padrões estabelecidos pelo Barroco português e se
volta para a realidade local do século XVII. Na linguagem de suas sátiras é
empregada uma diversidade linguística e uso de termos indígenas e africanos que
refletem a realidade de Salvador na época.

13.4 ARCADISMO OU NEOCLASSICISMO

O Arcadismo no Brasil começou com a publicação do livro Obras, em 1768,


de Cláudio Manuel da Costa e pendurou até 1836, com o início do Romantismo com
a publicação do livro Suspiros poéticos e Saudades de Gonçalves Magalhães.
Em finais do século XVII, ocorreu a descoberta do ouro em Minas Gerais e,
com isso, o eixo econômico da colônia se transferiu do Nordeste para o Sudeste.
Entre os anos de 1740 e 1760, a região tornou-se o centro político e cultural da
colônia: Vila Rica (atual Ouro Preto) e Rio de Janeiro (capital do Vice-Reino desde
1763) tornaram-se os polos de difusão cultural e de ideais pelo país, substituindo a
antiga capital Salvador.
Nesse momento, houve o surgimento de uma pequena burguesia letrada que
sofreu fortes influências do Iluminismo francês devido à sua formação em Coimbra,
Portugal. Quando em finais da década de 1760 a exploração aurífera entrou em
declínio, essa atmosfera cultural e de ideais contribuiu para a fomentação de
revoltas contra a metrópole portuguesa. Isso resultou na Inconfidência Mineira
ocorrida em finais da década de 1780.
Foi nesse caldeirão de ideais políticos, culturais e econômicos que surgiram os
principais poetas do Arcadismo brasileiro, que também ficou conhecida como
Escola Mineira de Literatura. Esses escritores foram fortemente influenciados pela
Inconfidência Mineira, a Independência dos Estados Unidos (1776), o Iluminismo
Francês e muitos eram admiradores do Marquês de Pombal.
O Arcadismo no Brasil possui algumas particularidades temáticas como, por
exemplo:
 Introdução de temáticas e motivos estranhos ao modelo europeu como a
paisagem tropical, a flora, a fauna ou realidades coloniais como a mineração;
 Utilização de histórias do período colonial para a construção de poemas
heroicos;
 Utilização do índio como tema literário
Esses temas quebraram as convenções europeias sobre o Arcadismo como,
por exemplo, pastoralismo, uso da mitologia e o bucolismo. De acordo com os
historiadores Antônio José Saraiva e Oscar Lopes, as características do Arcadismo no
Brasil demonstram “certa cor local e certo dengue brasileiro constituem, no conjunto
desses poetas, uma contribuição importante para a formação do gosto romântico
entre nós” (1969, p. 68).
A peculiaridade dos escritores brasileiros em relação aos portugueses é
curioso, pois procuravam obedecer aos princípios das academias literárias
portuguesas ou se inspiravam em certos escritores clássicos como Camões, mas ao
mesmo tempo visavam a elevação da literatura desenvolvida na colônia ao nível
das literaturas europeias e dar-lhe um status de universalidade, tentando eliminar
vestígios locais e pessoais.
Entretanto, percebemos em seus escritos aspectos próprios diferentes do
modelo português importado. Além disso, devemos lembrar a forte influência do
barroco que ainda pairava no Brasil durante o século XVIII. Muitas igrejas mineiras do
estilo barroco tiveram suas conclusões quando o Arcadismo começava a dar seus
primeiros passos na colônia.
Outra peculiaridade dos escritores árcades brasileiros foram a participação
diretas no movimento de Inconfidência ocorrido em Minas Gerais. Esses autores
tiveram a formação em Coimbra e foram fortemente influenciados pelos ideais
Iluminista e pela Independência dos Estados Unidos, acreditava que a exploração
colonial nas terras brasileiras era terrível e acreditavam em um país independente
13.4.1 O iniciador do Arcadismo: Cláudio Manuel da Costa (1729-1789)

Figura 3: Cláudio Manuel da Costa

Fonte: Toda Matéria


Disponível em: https://bit.ly/34bDeQO. Acesso em: 12 dez. 2021

Entre os principais escritores árcades está Cláudio Manuel da Costa (1729-


1789) que nasceu em Mariana, Minas Gerais. Sua formação no Brasil se deu com os
jesuítas e posteriormente mudou-se para Coimbra para completar seus estudos, no
qual formou-se advogado. Em Coimbra, tomou contato com as transformações
culturais empregadas pelo Marques de Pombal e de novos procedimentos literários
feitos pela Arcádia Lusitana.
Quando retornou ao Brasil, sua vida como escritor começou com a
publicação de Obras poéticas. Em 1789, foi acusado de envolvimento na
participação da Inconfidência Mineira e posteriormente foi encontrado morto na
prisão, a causa da morte alegada foi suicídio.
Com sua formação cultural, Cláudio Manuel liderava o grupo de escritores
árcades mineiros e conseguiu fazer uma ligação com a tradição clássica em suas
obras, sendo o que melhor se ajustou aos padrões europeus do Arcadismo.
Entretanto, percebemos em seus versos ainda uma influência do Barroco como
mostrado no texto a seguir:

Já rompe, Nise, a matutina aurora


O negro manto, com que a noite escura,
Sufocando do Sol a face pura,
Tinha escondido a chama brilhadora
(COSTA, Cláudio Manuel da. 2002)
Em seus poemas épicos, Cláudio Manuel da Costa escreveu Vila Rica que se
inspirava nas epopeias clássicas. Nesse poema buscou tratar da exploração
bandeirante, da descoberta do ouro em Minas Gerais, da função de Vila Rica e as
revoltas locais. Eis alguns versos desse poema épico:

Enfim serás, Vila Rica,


Teu nome alegre notícia, e já clamava;
Viva o senado! Viva! Repetia
Itamonte, que ao longe o eco ouvia.

(COSTA, Cláudio Manuel da. 2002)

O autor desenvolveu tanto a poesia épica quanto a lírica. Nesta última, seu
principal tema era a desilusão amorosa.

13.4.2 A renovação dos árcades: Tomás Antônio Gonzaga (1744-1810)

Figura 4: Tomás Antônio Gonzaga

Fonte: Wikipedia
Disponível em: https://bit.ly/3vEgdBy. Acesso em: 12 dez. 2021
Tomás Antônio Gonzaga (1744-1810) nasceu no Porto, Portugal, e veio ainda
criança com a família para a Bahia, onde estudou até sua juventude. Posteriormente,
voltou a Portugal para forma-se advogado em Coimbra e, assim como Cláudio
Manuel da Costa, estabeleceu contato nas terras portuguesas com os ideais árcades
e iluministas.
Ao retornar ao Brasil, passou a viver em Vila Rica, onde trabalhou como
ouvidor. Nessa cidade começou sua vida literária e teve sua primeira relação
amorosa com Maria Doroteia de Seixas, que ficou eternizada em seus versos como
Marília. Em 1789, foi preso devido ao seu envolvimento com a Inconfidência Mineira
e mandado para o Rio de Janeiro até 1792, posteriormente foi deportado para
Moçambique.
Sua poesia pode ser comparada com a dos demais árcades brasileiros e
apresenta algumas inovações que demonstrariam uma tradição existente entre os
árcades e os românticos.
Com a incorporação de suas experiências pessoais na sua poesia, Tomás
Antônio Gonzaga conseguiu quebrar a rigidez do modelo árcade europeu. Como
por exemplo, a contenção dos sentimentos, sua escrita tornou-se fortemente emotiva
e espontânea. Sua musa inspiradora era real, Marília, diferente das dos poetas
árcades que buscavam inspiração nas deusas da mitologia. Além disso, as descrições
dos traços humanos de sua musa são mais próximas do real como demonstrado nos
versos a seguir:

Marília de Dirceu

Na sua face mimosa,


Marília, estão misturadas
purpúreas folhas de rosa,
brancas folhas de jasmim.
Dos rubis mais preciosos
os seus beiços são formados;
os seus dentes delicados
são pedaços de marfim.
(GONZAGA, Tomás A. s.d)

As experiências demonstradas nos versos anteriores fazem com que a obra de


Tomás Antônio Gonzaga possua maior subjetividade, emotividade e
espontaneidade, traços que seriam utilizados posteriormente pelo Romantismo.
Além de Marília de Dirceu, Tomás Antônio Gonzaga escreveu Cartas Chilenas
um dos principais poemas satíricos do período colonial. Ele ressuscita a tradição
começada com Gregório de Matos na satírica nacional. Além disso, esse poema
apresenta uma rica narratividade dos traços sociais e políticos existentes no período
anterior à Inconfidência Mineira.

13.4.3 A escrita indianista de Basílio da Gama (1741-1795)

Figura 5: Basílio da Gama

Fonte: Wikipedia
Disponível em: https://bit.ly/3hBn2vx. Acesso em: 12 dez 2021

Basílio da Gama (1741-1795) nasceu na atual cidade de Tiradentes, em Minas


Gerais. Teve formação na infância e juventude em colégio jesuíta do Rio de Janeiro
e completou seus estudos em Portugal e na Itália, quando os jesuítas foram expulsos
dos territórios portugueses.
Em 1767, retornou ao Rio de Janeiro e no ano seguinte foi preso acusado de
ter ligação com os jesuítas. Preso, foi mandado para Lisboa e escapou da
condenação de ser mandado para Angola devido a um poema em homenagem
à filha do Conde de Oeiras, o futuro Marquês de Pombal. Essa aproximação com o
marquês possibilitou novos contatos com os árcades portugueses e fez com que
escrevesse sua obra máxima, O Uraguai.
O Uraguai foi publicado em 1769 e considerado a melhor obra do Arcadismo
Brasileiro. Sua temática é a luta dos portugueses e espanhóis contra os índios e
jesuítas que estavam instalados na região do atual Rio Grande do Sul. Em seu poema
épico, é narrado desde os preparativos até a conclusão. Seus cantos apresentam a
seguinte sequência de fatos:
 Canto I – as tropas de portugueses e espanhóis reúnem-se para combater os
jesuítas e índios na região do atual Rio Grande do Sul
 Canto II – as tropas avançam e fazem uma negociação com os chefes
indígenas, mas o acordo não é concretizado, fazendo com que haja a derrota
dos índios e sua retirada.
 Canto III – os chefes indígenas ateiam fogo no acampamento dos aliados
portugueses e espanhóis e fogem. O vilão do enredo, padre Balda, faz com
que prendam um dos chefes indígenas para que seu filho Baldeta case-se com
a esposa do chefe morto, Lindoia.
 Canto IV – é demonstrado os preparativos do casamento de Baldeta com
Lindoia. Ela não queria casar-se e chora pela morte do marido, tentou fugir e
entra em uma floresta que acaba sendo picada por uma cobra. Os brancos
invadem a aldeia e todos fogem, porém antes são incendiados todas as casas
e igrejas.
 Canto V – aparece Gomes Freire de Andrade, líder português, que prende os
inimigos na aldeia próxima e ocorre uma condenação da Companhia de
Jesus e seus crimes (GAMA, Basílio da. 2003)
Embora apresente a estrutura clássica das epopeias tradicionais (proposição,
invocação, dedicatória, narração e epílogo), o poema já começa com a ação em
desenvolvimento. Além disso, o fato histórico narrado pelo autor tem um
distanciamento temporal curto, havia se passado pouco mais de dez anos da
expulsão dos jesuítas, isso possibilita uma peculiaridade de O Uraguai comparado
com outros poemas épicos.
Diferentemente dos heróis épicos tradicionais, o líder Gomes Freire de Andrade
não demonstra entusiasmo em suas passagens no texto:

Descontente e triste
Marchava o general: não sofre o peito
Compadecido e generosa a vista
Daqueles frios e sangrados corpos,
Vítimas da ambição de injusto império
(GAMA, Basílio. 2003.)

Basílio da Gama tem uma postura crítica da guerra, mas o fato histórico
narrado não foi alterado, portugueses e espanhóis saem vencedores do conflito. Os
jesuítas são personificados como inimigos e tratados como vilões ao longo do poema.
Já os índios derrotados são vistos com consideração e podemos considerar que o
autor retrata os índios como vítima dos jesuítas na localidade.
A paisagem brasileira passa por uma valorização em seus versos:

Que alegre cena para os olhos! Podem


Daquela altura, por espaço imenso,
Ver as longas campinas retalhadas
De trêmulos ribeiros, claras fontes,
E lagos cristalinos, onde molha
As leves asas o lascivo vento.
Engraçados outeiros, fundos vales,
Verde teatro, onde se admira quanto
Produziu a supérflua Natureza.
(GAMA, Basílio. 2003.)

Uma das marcas da escrita árcade é a valorização da vida primitiva e


natural, percebemos no escrito de Basílio da Gama esses traços ao focar no índio e
na natureza selvagem brasileira.

13.4.4 As tendências nativistas de Santa Rita Durão (1722-1784)

Figura 6: Santa Rita Durão

Fonte: Só literatura
Disponível em: https://bit.ly/35sM1yo. Acesso em: 13 de dez. 2021

Nascido em Mariana, Minas Gerais, Santa Rita Durão (1722-1784) foi outro
poeta árcade brasileiro. Estudou em colégio jesuíta e mudou para Portugal para
completar seus estudos. Em terras lusitanas, ingressou na vida religiosa e tornou-se
teólogo.

180
O seu principal poema escrito foi Caramuru com tendências nativistas. Esse
poema foi publicado em 1781, ou seja, doze anos após O Uraguai. Diferentemente
de Basílio da Gama, Santa Rita Durão não apresentou o anti-jesuitismo em seu
poema, ele buscou valorizar a ação catequética dos jesuítas sobre os indígenas.
O poema Caramuru segue rigidamente a estrutura camoniana, apresentando
dez cantos, estrofes de oitava-rima, versos decassílabos e a estrutura clássica das
epopeias. A presença da mitologia cristã e pagãs são representadas no poema
Caramuru, narra as aventuras do náufrago português Diogo Álvares Correia. O
autor buscou ao longo da narrativa da personagem fazer uma descrição das
qualidades das terras brasileiras, como nos versos a seguir:

Não são menos que as outras saborosas


As várias frutas do Brasil campestres;
Com gala de ouro e púrpura vistosas
Brilha a mangaba e os mocujés silvestres
(DURÂO, Santa Rita. 1781.)

Os costumes dos índios são vistos pela ótica cristã ao longo do poema:

Que horror da humanidade! Ver tragada


Da própria espécie a carne já corruta!
Quando não deve a Europa abençoada
A fé do Redentor, que humilde escuta!
(DURÂO, Santa Rita. 1781.)

O escritor buscou retratar as riquezas naturais brasileiras e descrever a colônia


no século XVI. Entretanto, percebe-se em seu escrito, que Santa Rita Durão leu relatos
sobre a vida indígena e a situação das belezas do Brasil, pois encontrava-se fora do
país desde os 9 anos.
FIXANDO O CONTEÚDO

1. (PREFEITURA DE ROSEIRA/SP – ADAPTADA) A literatura brasileira teve como marco


inicial os relatos de viajantes portugueses sobre a terra recém-descoberta. Esse
período revela a produção de textos com explicações sobre os aspectos naturais
do Brasil e, também, descrições sobre os povos que aqui viviam. A Carta de Pero
Vaz de Caminha escrita para Manuel I de Portugal foi o primeiro documento. Este
período foi chamado de:

a) Arcadismo.
b) Quinhentismo.
c) Barroco.
d) Seiscentismo.
e) Setecentismo.

2. (PREFEITURA DE XANXERÊ/SC - ADAPTADA) Uma das características da arte literária


barroca é o Gongorismo, definido como:

a) O aspecto construtivo do Barroco, voltado para o jogo das ideias e dos conceitos.
b) A preocupação com as associações inesperadas, seguindo um raciocínio lógico,
racionalista.
c) O reflexo do dilema em que vivia o homem do seiscentismo (os anos de 1600). Daí
as preferências por temas opostos: espírito e matéria, perdão e pecado, bem e
mal, céu e inferno. Tudo isso gerava a preocupação com a brevidade da vida.
d) Nenhuma das alternativas.
e) Todas as anteriores.

3. (MS CONCURSOS - ADAPTADA) O dualismo, o bifrontismo: arte do conflito, do


contraste, do dilema, da contradição, da dúvida; emprego intensivo das
antíteses, dos paradoxos e dos oxímoros. O fusionismo: tentativa de conciliação
dos contrários: Claro x Escuro, Deus x Homem, Fé x Razão, Céu x Terra,
Teocentrismo x Antropocentrismo, Alma x Corpo, Virtude x Pecado, Espírito x
Carne, Ascetismo x Mundanismo, Cristianismo x Paganismo, Dor x Prazer,
Mocidade x Velhice, Vida x Morte, Humanização do sobrenatural. Referimo-nos
ao:

a) Arcadismo.
b) Romantismo.
c) Barroco.
d) Realismo.
e) Quinhentismo.

4. (CRESCER CONSULTORIAS - ADAPTADA) Entre nomes e características


apresentados a seguir, marque a alternativa associada ao Barroco.

a) Obra Marília de Dirceu de Tomás Antônio Gonzaga.


b) Cultismo e conceptismo.
c) Defesa de ideias iluministas.
d) Poema épico Vila Rica de Cláudio Manuel da Costa.
e) Nenhuma das anteriores.

5. (PREFEITURA DE ROSEIRA/SP - ADAPTADA) Sobre o barroco:

I. A literatura barroca no Brasil foi introduzida pelos portugueses, quando não havia
uma produção cultural significante no país.
II. A produção literária nesse período não é reconhecida como genuinamente
nacional, mas um estilo absorvido e resultante do período colonial.
III. Sua linguagem é rebuscada e ambígua. Caracteriza-se por utilizar largamente
figuras linguagem: metáfora; antítese; o paradoxo; e a sinestesia.
IV.Neste período tem destaque: Gregório de Matos, por suas poesias, e o padre
Antônio Vieira, por seus sermões. Além deles, temos Bento Teixeira (1561-1600),
autor do poema Prosopopéia, de 1601, que costuma ser considerado o marco
inicial do Barroco brasileiro

Assinale a alternativa correta:

a) I e II.
b) I, II e III.
c) II, III e IV.
d) I, II, III e IV.
e) Nenhuma das anteriores

6. (SEED – PR)
Eu, Marília, não sou algum vaqueiro,
Que viva de guardar alheio gado;
De tosco trato, de expressões grosseiro,
Dos frios gelos, e dos sóis queimado.
Tenho próprio casal, e nele assisto;
Dá-me vinho, legume, fruta, azeite;
Das brancas ovelhinhas tiro o leite,
E mais as finas lãs, de que me visto.
Graças, Marília bela,
Graças à minha Estrela!

Eu vi o meu semblante numa fonte,


Dos anos inda não está cortado:
Os pastores, que habitam este monte,
Respeitam o poder do meu cajado.
Com tal destreza toco a sanfoninha,
Que inveja até me tem o próprio Alceste:
Ao som dela concerto a voz celeste;
Nem canto letra, que não seja minha,
Graças, Marília bela,
Graças à minha Estrela!

Tomás Antônio Gonzaga. Lira I. In: Domício Proença Filho. A poesia dos inconfidentes. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1996. p. 573.

Considerando-se as características do poema apresentado, é correto afirmar que


ele pertence ao

a) Pós-modernismo, por utilizar técnicas como a sátira e o pastiche.


b) Parnasianismo, por tratar de objetos poéticos de forma distanciada.
c) Barroco, por explorar dualidades na alma do eu lírico.
d) Arcadismo, por representar o poeta e sua amada em um ambiente pastoril e
idílico.
e) Modernismo, por quebrar as tradições do verso em língua portuguesa.

7. (UEG) Leia o excerto poético e observe a imagem para responder à questão.

Eu, Marília, não sou algum vaqueiro,


Que viva de guardar alheio gado,
De tosco trato, e dos sóis queimado.
Tenho próprio casal e nele assisto;
Dá-me vinho, legume, fruta, azeite;
Das brancas ovelhinhas tiro o leite,
E mais as finas lãs, de que me visto.
Graças, Marília bela
Graças à minha estrela.

GONZAGA, Tomás Antônio. Lira I. In: A poesia dos inconfidentes. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1996. p. 7

Fonte: https://bit.ly/3hBr1Ii. Acesso em: 16 dez. 2021

O excerto e a imagem se filiam ao Arcadismo pelo fato de

a) Enaltecerem o sentimento amoroso como forma de realização pessoal.


b) Romperem com a métrica e com a representação realista da paisagem.
c) Aludirem a cenas e espaços bucólicos e naturais.
d) Veicularem ideais de luta e engajamento social.
e) Apresentarem teor laudatório e encomiástico.

8. (MS CONCURSOS – ADAPTADO) São representantes do Arcadismo:

a) Tomás Antônio Gonzaga e Cláudio Manoel da Costa.


b) Castro Alves e Silva Alvarenga.
c) Tomás Antônio Gonzaga e Álvares de Azevedo.
d) Alvarenga Peixoto e Gregório de Matos Guerra.
e) Nenhuma das anteriores.
A AFIRMAÇÃO DA LITERATURA UNIDADE
NACIONAL: O ROMANTISMO

14.1 INTRODUÇÃO
14
Suspiros poéticos e saudades de Gonçalves Magalhães, publicado em 1836, é
a obra que inaugurou o Romantismo no Brasil que pendurou até 1881. Para
compreendermos o Romantismo no Brasil é importante entender o contexto nacional
que o marcou nos primeiros cinquenta anos do século XIX que foi: a vinda da família
real para o Rio de Janeiro (1808), o Brasil foi elevado à categoria de reino (1816), o
movimento de independência (1822), o Primeiro Reinado (1822-1831), o Período
Regencial (1831-1840) e o Segundo Reinado (1841-1889). Além disso, esses fatores
históricos representavam projetos políticos em vigor como, por exemplo, o orgulho de
um país recém independente; projetos nacionais para a construção do país; conflitos
entre liberais e conservadores em busca de um modelo administrativo nacional e a
luta nacional para a constituição de uma autonomia política e cultural.
A partir da segunda metade do século XIX, o Brasil passou por um rápido
desenvolvimento e ampliação do comércio exterior, início da sua industrialização e
da exportação do café. O Romantismo entra nesse momento como um projeto de
construção nacional que caminhou lado a lado com os projetos políticos que
estavam em desenvolvimento. Os autores desse momento acreditavam que sua
missão seria ajuda a construir a cultura nacional de um país então recém
independente.
Esse movimento literário é dividido nas questões da poesia em três gerações,
que são:
 Primeira Geração – possui como suas características o nacionalismo,
indianismo e caráter religioso. Os poetas que se destacaram nessa fase foram
Gonçalves Dias e Gonçalves Magalhães;
 Segunda Geração – teve como um de suas características o “mal do século”
e apresentava o egocentrismo exacerbado, satanismo e atração pela morte
como uma de suas marcas. Seus principais escritores foram Álvares de
Azevedo, Casimiro de Abreu, Fagundes Varela e Junqueira Freire;

186
 Terceira Geração – que é uma poesia de cunho social e político que ficou
conhecida como condoreira. O maior representante desse momento é o
poeta Castro Alves.

14.2 A PRIMEIRA GERAÇÃO ROMÂNTICA: GONÇALVES DIAS

Em 1822, com a Proclamação da Independência, diversos escritores e


intelectuais buscaram a dedicar-se a construção de uma cultura autenticamente
nacional que enfatizasse as características próprias de nosso país.
O Romantismo foi considerado uma reação à tradição do Arcadismo e em
nosso país ganhou conotação de um movimento anticolonialista e antilusitano.
Dessa forma, toda a produção cultural feita na época colonial foi rejeitada devido
a manter os modelos da escrita portuguesa.
Dessa forma, um dos traços do Romantismo é a valorização do nosso
nacionalismo que permitiu uma vasta gama de possibilidades temáticas a serem
exploradas pelos seus escritores como, por exemplo, o indianismo, o regionalismo,
questões folclóricas e linguísticas, além do nosso passado histórico. Essas temáticas
estariam comprometidas com o objetivo de fortalecimento da construção de uma
identidade nacional.
Figura 7: Gonçalves Dias

Fonte: Português
Disponível em: https://bit.ly/3IHG5A0. Acesso em: 17 dez. 2021

Gonçalves Dias (1823-1864) foi um dos responsáveis pela solidificação do


Romantismo em terras brasileiras. Seus escritos buscavam captar a sensibilidade e
sentimentos da população e criou uma poesia voltada a valorização do índio e da
natureza do Brasil.
Seus versos costumam ser melódicos e exploram ritmos e métricas variados.
Sua produção poética pode ser dividida em lírica e épica. Na épica destacam-se
dois poemas: I-Juca-Pirama e Os timbiras, que ficou inacabado.
I-Juca-Pirama narra a história de um índio tupi que ficou prisioneiro de uma
nação rival. O drama da personagem reside no fato de seus sentimentos
contraditórios: queria sobreviver para poder cuidar do pai doente, mas ao mesmo
tempo desejava morrer lutando.
Assim como seus antecessores, Basílio da Gama e Santa Rita Durão,
Gonçalves Dias buscou trazer o índio nas discussões de nossa literatura, mas em uma
nova dimensão temática o conteúdo indianista. Percebemos que em Juca-Pirama,
o índio tupi representava todos os indígenas brasileiros ou ainda podemos considerar
que representava todos os brasileiros, uma vez que no Romantismo a figura do índio
representava a nossa nacionalidade.

14.3 A SEGUNDA GERAÇÃO ROMÂNTICA E O ULTRARROMANTISMO DE


ÁLVARES DE AZEVEDO

Nas décadas de 1850 a 1860, jovens poetas estudantes de Rio de Janeiro e


São Paulo reuniram-se em um grupo que ficou conhecido como Ultrarromantismo.
Essa Segunda Geração buscava se expressar através do pessimismo e não encaixe
no mundo. Esses poetas levavam uma vida desregrada e foram fortemente
influenciados pela escrita do poeta inglês Lord Byron.
Essa geração abraçou o mal-do-século que seria um apego demasiado a
certos valores como o vício e a bebedeira, na admiração pela escuridão, noite e a
morte. Outros traços como o satanismo e o macabro apareceram em alguns desses
poetas como, por exemplo, Álvares de Azevedo.
Temáticas como o nacionalismo e o indianismo foram desvalorizados pelos
ultrarromânticos. Seus principais traços de escrita residiam no subjetivismo,
egocentrismo e extremo sentimentalismo.
Um dos principais poetas da Segunda Geração Romântica foi Álvares de
Azevedo (1831-1852). Teve sua formação no Rio de Janeiro e cursava Direito em São
Paulo, morreu precocemente por um acidente aos 21 anos. Embora jovem,
conseguiu publicar diversos livros, discursos e cartas em um período de quatro anos
em que era estudante universitário.
Seu projeto literário é envolto de uma contradição, esse enquadramento é
uma das dualidades que caracterizavam a linguagem romântica. Essa contradição
marca muito sua obra Lira dos vintes anos.

Figura 8: Álvares de Azevedo

Fonte: Brasil Escola


Disponível em: https://bit.ly/3pEQAga. Acesso em: 17 dez. 2021
Na primeira parte de sua obra percebemos uma face boa em seus escritos,
que ele mesmo denominava Ariel. Um exemplo dessa face são os seguintes versos:
Pálida, à luz da lâmpada sombria,
Sobre o leito de flores reclinadas,
Como a lua por noite embalsamada,
Entre as nuvens do amor ela dormia!

Era a virgem do mar! Na escuma fria


Pela mãe das águas embalada!
Era um anjo entre nuvens d’alvorada
Que em sonhos se banhava e se esquecia!

Era mais bela! O seio palpitando...


Negros olhos as pálpebras abrindo...
Formas nuas no leito resvalando...

Não te rias de mim, meu anjo lindo!


Por ti – as noites eu velei chorando,
Por ti – nos sonhos morrerei sorrindo!
(HELLER, 1982. p. 22.)

Nos versos anteriores percebemos relações antitéticas: escuridão e claridade;


noite e amanhecer; sonho e real e outros. Percebemos no eu lírico um medo de
amar, que seria oriundo das dúvidas e um prazer reprimido e seu único escape seria
o prazer pela morte.
Na segunda parte da obra, o autor apresenta a seus leitores o mundo de
Caliban, que seria um mundo representado pela decadência e seus vícios.

Cuidado, leitor, ao voltar esta página!


Aqui dissipa-se o mundo visionário e platônico. Vamos entrar num
mundo novo, terra fantástica, verdadeira ilha Baratária de D. Quixote,
onde Sancho é rei; (...)
Quase que depois de Ariel esbarramos em Caliban.
A razão é simples. É que a unidade deste livro e capítulo funda-se
numa binômia. Duas almas que moram nas cavernas de um cérebro
pouco mais ou menos de poeta escreveram este livro, verdadeira
medalha de duas faces. (CANDIDO, 1968, p. 14)

Nessa parte da obra, o leitor se depara com um segundo prefácio que é um


convite à leitura.

14.4 A TERCEIRA GERAÇÃO ROMÂNTICA E A POESIA DE CASTRO ALVES

A última fase da geração romântica na poesia brasileira ficou conhecida


como condoreira ou hugoana, devido a influência do escritor francês Victor Hugo.
Esse grupo de poetas desenvolveu uma poesia voltada as preocupações sociais do

34
seu tempo, a principal delas foi o processo de abolição da escravatura no Brasil.
O nome condoreirismo está relacionado ao condor, aves que seria capaz de
sobrevoar grandes distância e com uma visão capaz de enxergar de longe, esses
poetas se viam dessa forma capacitados a criticar as mazelas sociais existentes no
país no século XIX.
No Romantismo europeu, esses poetas ficaram preocupados com as causas
dos operários e camponeses. Melhor exemplo é Victor Hugo com a obra Os
miseráveis.
Além do abolicionismo, outra pauta que aparece nas poesias dos condoreiros
é a causa republicana.

Figura 9: Castro Alves

Fonte: InfoEscola
Disponível em: https://bit.ly/3HBmfFm. Acesso em: 17 dez. 2021

Castro Alves (1847-1871) é considerado o principal poeta da Terceira Geração


do Romantismo Brasileiro. Sua poesia foi vista como um momento de maturidade e
transição na literatura. Maturidade em relação a certas atitudes das gerações
anteriores, como a idealização amorosa e o ufanismo da nacionalidade, ele substitui
essas pautas por posturas mais críticas a realidade social. Ao mesmo tempo é
considerada de transição porque a sua objetividade e crítica apontava para o
movimento que sucederia o Romantismo, o Realismo que já pairava pela Europa.
Sua poesia é fortemente marcada pelo cunho social. Castro Alves buscava
retratar os problemas esquecidos pelas gerações românticas anteriores: a
escravidão, a opressão sobre a população negra e a ignorância dos brasileiros.
A linguagem dos seus poemas é marcada pelo hiperbolismo e existência de
espaços amplos como, por exemplo, o céu e o deserto. Sua língua prenuncia a
perspectiva crítica e objetiva que irá pairar sobre o Realismo. Mas, ela ainda é uma
linguagem essencialmente romântica porque está afinada com o projeto liberal
brasileiro e é carregada de forte teor sentimentalismo e emocional.
Um dos seus poemas mais conhecidos é “O navio negreiro” que compunha a
sua obra Os escravos esse, juntamente, com Vozes d´África fazem partes das
principais publicações do escritor. Nesse poema, é denunciado à escravidão e
transporte dos negros escravizados para o Brasil. Castro Alves buscou retratar cenas
dramáticas do transporte de escravos no porão dos navios negreiros.

14.5 A PROSA ROMÂNTICA E A ESCRITA LITERÁRIA DE JOSÉ DE ALENCAR

O Romantismo buscou no índio o legítimo representante da América, isso se


deve por ser o colonizador europeu e o negro africano. Assim, o índio foi visto como
autêntico representante dos ideais de nossa nacionalidade e através dos romances
indianistas alcançaram grandes representações.
A implantação do indianismo no Romantismo foi favorável a diversos fatores
da nossa tradição literária do período colonial que já utilizou figuras indígenas em
seus poemas épicos e líricos. Outro traço importante desse momento do Romantismo
no Brasil é a adaptação feita dos escritores românticos dos cavaleiros medievais da
Idade Média que aqui para nós era visto como o índio guerreiro.
Os Romances Regionalistas tiveram a missão no Romantismo de proporcionar
ao Brasil uma visão própria das suas diferenças internas e suas várias culturas. Os
romances buscaram valorizar e compreender as características étnicas, sociais,
culturais e linguísticas que compunham o Brasil.
Os romances urbanos desenvolvidos durante o Romantismo buscaram
apresentar o cotidiano do leitor, colocava em discussão valores de época e
problemas sociais existentes nas cidades brasileiras, principalmente no Rio de
Janeiro, então capital do Brasil.

Figura 10: José de Alencar

Fonte: Wikipedia
Disponível em: https://bit.ly/3MljV8V. Acessado em: 17 dez. 2021

Foi na figura do escritor José de Alencar (1829-1877) que se fixou e ampliou os


modelos de romance romântico em território nacional, diversificando seus temas e
dando uma qualidade literária maior.
No prefácio da sua obra Sonhos d’ouro (1872) percebemos que ele faz um
balanço das perspectivas que tentou mostrar em sua produção literária:
 Fase primitiva – Iracema, Ubirajara;
 Fase histórica – O Guarani e As minas de prata;
 Fase da formação política do país – O tronco do ipê, O gaúcho, Lucíola, Diva,
A pata da gazela, Senhora.
Além disso, podemos considerar que a produção de José Alencar pode ser
dividida da seguinte forma:
1. Romances Indianistas – que buscava dar uma continuidade na tradição
indianista feita durante o período colonial e iniciada no Romantismo com as
poesias de Gonçalves Dias e Gonçalves Magalhães. O índio é visto como um
ser em completamente harmonia com o estado de natureza e com valores de
cavaleiro medieval:
 O Guarani (1857) – mostrava a colonização no Vale do Paraíba, século XVI e
da cultura do índio, como podemos perceber no trecho a seguir:

Peri estremeceu; ainda nessa hora suprema seu espírito revoltava-se


contra aquela ideia, e não podia conceber que a vida de sua
senhora tivesse de perecer como a de um simples mortal.
— Não! exclamou ele. Tu não podes morrer.
A menina sorriu docemente.
— Olha! disse ela com a sua voz maviosa, a água sobe, sobe...
— Que importa! Peri vencerá a água, como venceu a todos os teus
inimigos.
— Se fosse um inimigo, tu o vencerias, Peri. Mas é Deus... É o seu poder
infinito!
— Tu não sabes? disse o índio como inspirado pelo seu amor ardente,
o Senhor do céu manda às vezes àqueles a quem ama um bom
pensamento.
E o índio ergueu os olhos com uma expressão inefável de
reconhecimento.
Falou com um tom solene:
“Foi longe, bem longe dos tempos de agora. As águas caíram, e
começaram a cobrir toda a terra. Os homens subiram ao alto dos
montes; um só ficou na várzea com sua esposa.
“Era Tamandaré; forte entre os fortes; sabia mais que todos. O Senhor
falava-lhe de noite; e de dia ele ensinava aos filhos da tribo o que
aprendia do céu. (ALENCAR, José de. 1997.)

 Iracema (1865) – obra com grande valor poético e tem em sua narrativa um
tom lendário, que busca construir o mito de origem de um povo. Podemos
apreciar o valor poético desta obra na citação a seguir:

Rumor suspeito quebra a doce harmonia da sesta. Ergue a virgem os


olhos, que o sol não deslumbra; sua vista perturba-se. Diante dela e
todo a contemplá-la, está um guerreiro estranho, se é guerreiro e não
algum mau espírito da floresta. Tem nas faces o branco das areias que
bordam o mar; nos olhos o azul triste das águas profundas. Ignotas
armas e tecidos ignotos cobrem-lhe o corpo. Foi rápido, como o olhar,
o gesto de Iracema. A flecha embebida no arco partiu. Gotas de
sangue borbulham na face do desconhecido. De primeiro ímpeto, a
mão lesta caiu sobre a cruz da espada; mas logo sorriu. (ALENCAR,
José de. 1991.)
 Ubirajara (1874) – busca mostrar a vida do índio antes do contato com o
europeu.

2. Romances Regionalistas – buscava demonstrar as variedades culturais


existentes internamente no país:
 O gaúcho (1870) – mostrava o homem dos pampas sul-rio-grandense;
 O sertanejo (1875) – mostrava o homem sertanejo cearense e seus costumes
e tradições;
 O tronco do ipê (1871) – Antonio Candido considerava que era um “romance
fazendeiro”, por descrever a vida rural no interior de São Paulo (CANDIDO,
Antonio. 2000).

3. Romances Históricos – buscava retratar fatos históricos da constituição do


Brasil:
 As minas de prata (1862-1865) – retratava a saga dos bandeirantes;
 A Guerra dos Mascates (1873-1874) – retratava o conflito histórico entre Olinda
e Recife ocorrido no século XVIII e faz alusões críticas a política implementada
por D. Pedro II;
 Alfarrábios (1873) – compõe-se de narrativas menores.

4. Romances Urbanos – ambientavam-se na época de vida do autor e mostrava


os costumes da cidade do Rio de Janeiro no Segundo Reinado:
 Lucíola (1862) – tem como tema a prostituição derivada de fatores sociais e
familiares;
 Senhora (1875) – considerado um dos melhores romances do escritor e
retratava o casamento como forma de ascensão social. José de Alencar deu
início a publicação da obra as discussões sobre certos valores e costumes da
sociedade carioca do século XIX. Podemos apreciar um pouco deste
importante romance na citação a seguir:

A moça com o talhe languidamente recostado no espaldar da


cadeira, a fronte reclinada, os olhos coalhados em uma ternura
maviosa, escutava as falas de seu marido; toda ela se embebia dos
eflúvios de amor, de que ele a repassava com a palavra ardente, o
olhar rendido e o gesto apaixonado.
— É verdade então que me ama?
— Pois duvida, Aurélia?
— E amou-me sempre, desde o primeiro dia que nos vimos?
— Não lho disse já?
— Então nunca amou a outra?
— Eu lhe juro, Aurélia. Estes lábios nunca tocaram a face de outra
mulher que não fosse a minha mãe. O meu primeiro beijo de amor,
guardei-o para minha esposa, para ti…
Soerguendo-se para alcançar-lhe a face, não viu Seixas a súbita
mutação que se havia operado na fisionomia de sua noiva. Aurélia
estava lívida e a sua beleza, radiante há pouco, se marmorizava.
— Ou de outra mais rica!… — disse ela retraindo-se para fugir ao beijo
do marido e afastando-o com a ponta dos dedos.
A voz da moça tomara o timbre cristalino, eco da rispidez e aspereza
do sentimento que lhe sublevava o seio e que parecia ringir-lhe nos
lábios como aço.
— Aurélia! Que significa isto? (ALENCAR, José. 2013)

Pela variedade das suas produções, percebemos em José de Alencar um


sentimento de valorização do patriótico, como se buscasse cumprir um retrato do
novo país recém independente.

14.6 A PROSA GÓTICA DE ÁLVARES DE AZEVEDO

Além dos romances constituídos até aqui apresentados durante o Romantismo


Brasileiro, outros textos foram publicados na época com um teor mais voltado ao
gótico e estava em sintonia com os autores estrangeiros como, Lord Byron, Charles
Baudelaire e Edgar Allan Poe.
Essa literatura teve pouca repercussão na época por ganhar a alcunha de
“maldita”. Isso se deve por colocar a margem dos padrões atribuídos pelo próprio
Romantismo e o mundo retratado estava a margem do racionalismo e materialidade
da sociedade capitalista do século XIX.
O macabro, o sexo, a loucura, o vício e a bebedeira povoaram a escrita
desses textos. Dessa forma, o subconsciente, a morta, o libido e o terror eram
valorizados por esses trabalhos. Um dos principais autores desse tipo de escrita foi
Álvares de Azevedo e sua principal obra publicada em prosa foi Noite na Taverna.
Nessa obra, um narrador em terceira pessoa apresenta todo o ambiente existente:
uma taverna com bêbados e loucos e em uma mesa alguns homens bebem e
conversam. Estavam em êxtases com o álcool e resolvem cada um contar um
episódio da sua vida, cada capítulo do livro leva o nome do narrador-personagem
presente na mesa. Os enredos narrados envolvem situações fantásticas e
acontecimentos de morte, amor, crimes, vícios e o pessimismo diante da vida.
14.7 A LITERATURA REGIONALISTA DE VISCONDE DE TAUNAY E FRANKLIN
TÁVORA

Figura 11: Visconde de Taunay

Fonte: Academia Brasileira de Letras


Disponível em: https://bit.ly/3pEl1CX. Acesso em: 17 dez. 2021

Visconde de Taunay (1843-1899) em seus romances buscou trazer um pouco


da sua experiência pessoal enquanto militar de carreira. Ele retratava em suas
escritas os aspectos visuais das paisagens sertanejas, da flora e da fauna existentes.
O seu principal romance, Inocência, é considerado um dos principais
romances do nosso Romantismo com temáticas regionalistas e existe uma
contraposição entre ficção e realidade nas linhas do seu enredo. Como podemos
perceber no trecho a seguir:

Corta extensa e quase despovoada zona da parte sul-oriental da


vastíssima província de Mato Grosso a estrada que da vila de Sant'Ana
do Paranaíba vai ter ao sítio abandonado de Camapuã. Desde
aquela povoação, assente próximo ao vértice do ângulo em que
confinam os territórios de São Paulo, Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso
até ao Rio Sucuriú, afluente do majestoso Paraná, isto é, no
desenvolvimento de muitas dezenas de léguas, anda-se
comodamente, de habitação em habitação, mais ou menos
chegadas umas às outras, rareiam, porém, depois as casas, mais e
mais, e caminham-se largas horas, dias inteiros sem se ver morada nem
gente até ao retiro de João Pereira, guarda avançada daquelas
solidões, homem chão e hospitaleiro, que acolhe com carinho o
viajante desses alongados páramos, oferece-lhe momentâneo
agasalho e o provê da matalotagem precisa para alcançar os
campos de Miranda e Pequiri, ou da Vacaria e Nioac, no Baixo
Paraguai.
Ali começa o sertão chamado bruto.
Pousos sucedem a pousos, e nenhum teto habitado ou em ruínas,
nenhuma palhoça ou tapera dá abrigo ao caminhante contra a
frialdade das noites, contra o temporal que ameaça, ou a chuva que
está caindo. Por toda a parte, a calma da campina não arroteada;
por toda a parte, a vegetação virgem, como quando aí surgiu pela
vez primeira.
A estrada que atravessa essas regiões incultas desenrola-se à maneira
de alvejante faixa, aberta que é na areia, elemento dominante na
composição de todo aquele solo, fertilizado aliás por um sem-número
de límpidos e borbulhantes regatos, ribeirões e rios, cujos contingentes
são outros tantos tributários do claro e fundo Paraná ou, na
contravertente, do correntoso Paraguai. (TAUNAY, Alfredo
d’Escragnolle. 1999)

Já o escritor Franklin Távora (1842-1888) nasceu no Ceará e teve sua formação


realizada na cidade do Rio de Janeiro e uma de suas obras mais importantes foi O
Cabeleira.
Em sua obra, Franklin Távora buscava chamar a atenção para a capacidade
literária própria do Nordeste devido ao seu farto passado histórico cheio de enredos
e costumes típicos do período colonial, como podemos perceber no trecho
introdutório de sua principal obra:

No Cabeleira ofereço-te um tímido ensaio do romance histórico,


segundo eu entendo este gênero da literatura. À crítica
pernambucana, mais do que a outra qualquer, cabe dizer se o meu
desejo não foi iludido; e a ela, seja qual for a sua sentença, curvarei
a cabeça sem replicar.
As letras têm, como a política, um certo caráter geográfico; mais no
Norte, porém, do que no Sul abundam os elementos para a formação
de uma literatura propriamente brasileira, filha da terra.
A razão é óbvia: o Norte ainda não foi invadido como está sendo o
Sul de dia em dia pelo estrangeiro.
A feição primitiva, unicamente modificada pela cultura que as raças,
as índoles, e os costumes recebem dos tempos ou do progresso,
pode-se afirmar que ainda se conserva ali em sua pureza, em sua
genuína expressão.
Por infelicidade do Norte, porém, dentre os muitos filhos seus que
figuram com grande brilho nas letras pátrias, poucos têm seriamente
cuidado de construir o edifício literário dessa parte do império que,
por sua natureza magnificente e primorosa, por sua história tão rica
de feitos heróicos, por seus usos, tradições e poesia popular há de ter
cedo ou tarde uma biblioteca especialmente sua. (TÁVORA, Franklin.
2003)

A obra O Cabeleira retrata a vida de um famoso cangaceiro, José Gomes,


que junto com seu bando aterrorizava as cidades pernambucanas no século XVIII.
Essa temática trouxe à tona outros temas que puderam ser explorados pelos
romances regionalistas posteriores como a seca, cangaço, miséria, migrações e o
banditismo.
FIXANDO O CONTEÚDO

1. (PREFEITURA DE ARENÁPOLIS – MT – ADAPTADA) ‘’Além, muito além daquela serra,


que ainda azula no horizonte, nasceu Iracema. Iracema, a virgem dos lábios de
mel, que tinha os cabelos mais negros que a asa da graúna e mais longos que
seu talhe de palmeira. O favo do jati não era doce como seu sorriso; nem a
baunilha recendia no bosque como seu hálito perfumado. Mais rápida que a
ema selvagem, a morena virgem corria o sertão e as matas do Ipu, onde
campeava sua guerreira tribo, da grande nação tabajara. O pé grácil e nu, mal
roçando, alisava apenas a verde pelúcia que vestia a terra com as primeiras
águas. [...] Rumor suspeito quebra a doce harmonia da sesta. Ergue a virgem os
olhos, que o sol não deslumbra; sua vista perturba-se. [...] Foi rápido, como o
olhar, o gesto de Iracema. A flecha embebida no arco partiu. Gostas de sangue
borbulham na face do desconhecido. [...] O sentimento que ele pôs nos olhos e
no rosto, não o sei eu. Porém a virgem lançou de si o arco e a uiracaba, e correu
para o guerreiro, sentida da mágoa que causara.’’
*Retirado do livro: Iracema.

O trecho acima foi retirado da Obra Literária de:

a) Machado de Assis.
b) José de Alencar.
c) Jorge Amado.
d) Eça de Queiroz.
e) Álvares de Azevedo.

2. (PREFEITURA DE COLÔMBIA – SP – ADAPTADA) “A vinda da família Real portuguesa


ao Brasil, além de ter preparado o caminho para a independência, movimentou
a vida na colônia e trouxe progresso.” O comentário anterior diz respeito ao
contexto histórico ao qual relaciona-se qual período da literatura?

a) Realismo.
b) Passadismo.
c) Romantismo.
d) Primeira fase árcade.
e) Simbolismo.

3. (PREFEITURA DE MIGUELÓPOLIS/SP – ADAPTADA) Leia o texto e responda à questão.

SONETO

Pálida à luz da lâmpada sombria,


Sobre o leito de flores reclinada,
Como a lua por noite embalsamada,
Entre as nuvens do amor ela dormia!

Era a virgem do mar, na escuma fria


Pela maré das águas embalada!
Era um anjo entre nuvens d’alvorada
Que em sonhos se banhava e se esquecia!

Era a mais bela! Seio palpitando...


Negros olhos as pálpebras abrindo...
Formas nuas no leito resvalando...

Não te rias de mim, meu anjo lindo!


Por ti – as noites eu velei chorando,
Por ti – nos sonhos morrerei sorrindo!
(AZEVEDO, Álvares de. 1853)

Quanto ao movimento literário ao qual pertenceu esse poema, assinale a


alternativa correta.

a) Este é um poema tipicamente barroco, uma vez que a métrica dos versos é muito
acurada e há uma referência ao religioso no texto quando o autor evoca os anjos.
b) Este soneto foi publicado durante o período do romantismo brasileiro e são
perceptíveis em sua temática características do movimento.
c) O soneto pertence à primeira fase do modernismo brasileiro, é perceptível o uso
do verso livre e da temática futurista.
d) O poema é um clássico do naturalismo português, os temas da natureza humana
são muito presentes durante toda a escrita deste autor.
e) Nenhuma das alternativas anteriores.

4. (PREFEITURA DE BAGÉ – RS) Sobre o poeta baiano Castro Alves, da corrente literária
Romantismo, assinale V, se verdadeiro, ou F, se falso, nas assertivas abaixo:
( ) O poeta compartilhava com os intelectuais de sua época um sentimento
humanitário em relação aos negros escravizados, tema que abordou em
poemas célebres.
( ) A sua poesia lírico-amorosa, outra vertente de sua obra, propunha uma
concepção de amor diferente daquela defendida pelos românticos das fases
anteriores, já que os poemas de Castro Alves apresentam mulheres sensuais,
dotadas de erotismo e de sentimentos intensos.
( ) O tom grandiloquente dos versos de Castro Alves é marcado por figuras de
linguagem que remetem a uma natureza impressionante: astros, oceano, tufão,
condor, águia, etc.
( ) Castro Alves usa uma grande dramaticidade em Navio negreiro, a fim de
expressar o horror do eu-lírico diante da crueldade humana: “Senhor Deus dos
desgraçados! //Dizei-me vós, Senhor Deus! //Se é loucura... se é verdade //Tanto
horror perante os céus?!”

A ordem correta de preenchimento dos parênteses, de cima para baixo, é

a) V – V – V – V.
b) V – V – F – F.
c) F – V – V – V.
d) V – F – F – V.
e) F – F – V – F.

5. (PREFEITURA DE ABELARDO LUZ – SC) Texto para a questão:

CAÇADA
Em pé, no meio do espaço que formava a grande abóbada de árvores, encostado a um
velho tronco decepado pelo raio, via-se um índio na flor da idade. Uma simples túnica de
algodão, a que os indígenas chamavam aimará, apertada à cintura por uma faixa de
penas escarlates, caía-lhe dos ombros até ao meio da perna, e desenhava o talhe
delgado e esbelto como um junco selvagem. Sobre a alvura diáfana do algodão, a sua
pele, cor de cobre, brilhava com reflexos dourados; os cabelos pretos cortados rentes, a
tez lisa, os olhos grandes com os cantos exteriores erguidos para a fronte; a pupila negra,
móbil, cintilante; a boca forte mas bem modelada e guarnecida de dentes alvos, davam
ao rosto pouco oval a beleza inculta da graça, da força e da inteligência.
Tinha a cabeça cingida por uma fita de couro, à qual se prendiam do lado esquerdo duas
plumas matizadas, que descrevendo uma longa espiral, vinham roçar com as pontas
negras o pescoço flexível.
Era de alta estatura; tinha as mãos delicadas; a perna ágil e nervosa, ornada com uma
axorca de frutos amarelos, apoiava-se sobre um pé pequeno, mas firme no andar e veloz
na corrida. Segurava o arco e as flechas com a mão direita calda, e com a esquerda
mantinha verticalmente diante de si um longo forcado de pau enegrecido pelo fogo[...]
Ali por entre a folhagem, distinguiam-se as ondulações felinas de um dorso negro, brilhante,
marchetado de pardo; às vezes viam-se brilhar na sombra dois raios vítreos e pálidos, que
semelhavam os reflexos de alguma cristalização de rocha, ferida pela luz do sol.
Era uma onça enorme; de garras apoiadas sobre um grosso ramo de árvore, e pés
suspensos no galho superior, encolhia o corpo, preparando o salto gigantesco.
Batia os flancos com a larga cauda, e movia a cabeça monstruosa, como procurando
uma aberta entre a folhagem para arremessar o pulo; uma espécie de riso sardônico e
feroz contraía-lhe as negras mandíbulas, e mostrava a linha de dentes amarelos; as ventas
dilatadas aspiravam fortemente e pareciam deleitar-se já com o odor do sangue da vítima.
O índio, sorrindo e indolentemente encostado ao tronco seco, não perdia um só desses
movimentos, e esperava o inimigo com a calma e serenidade do homem que contempla
uma cena agradável: apenas a fixidade do olhar revelava um pensamento de defesa.
Assim, durante um curto instante, a fera e o selvagem mediram-se mutuamente, com os
olhos nos olhos um do outro; depois o tigre agachou-se, e ia formar o salto, quando a
cavalgata apareceu na entrada da clareira.
Então o animal, lançando ao redor um olhar injetado de sangue, eriçou o pelo, e ficou
imóvel no mesmo lugar, hesitando se devia arriscar o ataque.
(José de Alencar. O guarani. São Paulo: Ática, 1995.)

Todas as informações abaixo têm relação com o Romantismo brasileiro, exceto


uma. Marque-a:

a) Predomínio da emoção e da sensibilidade.


b) Predomínio de comparações e metáforas.
c) Objetividade racional.
d) Culto à natureza e ao índio.
e) Subjetivismo.

6. (PREFEITURA DE LAURENTINO/SC – ADAPTADO) Primeiro movimento literário


genuinamente brasileiro teve início em 1836 onde foram publicadas obras como:
Suspiro Poético e Saudades. Esse período é chamado de:

a) Barroco.
b) Arcadismo.
c) Romantismo.
d) Realismo.
e) Pré-Modernismo.

7. (PREFEITURA DE SÃO BENTO DO SUL/SC – ADAPTADO) Leia o poema a seguir e


assinale a alternativa que corresponde à escola literária a qual ele pertence:
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.

Nosso céu tem mais estrelas,


Nossas várzeas têm mais flores,
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores.

Em cismar, sozinho, à noite,


Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

Minha terra tem primores,


Que tais não encontro eu cá;
Em cismar — sozinho, à noite —
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

Não permita Deus que eu morra,


Sem que eu volte para lá;
Sem que desfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem qu’inda aviste as palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
(“Canção do exílio”, Gonçalves Dias)

a) Parnasianismo.
b) Modernismo.
c) Simbolismo.
d) Romantismo.
e) Realismo.

8. (Prefeitura de Iporã do Oeste – SC – Adaptada) Leia o poema abaixo:

SE EU MORRESSE AMANHÃ!

Se eu morresse amanhã, viria ao menos


Fechar meus olhos minha triste irmã;
Minha mãe de saudades morreria
Se eu morresse amanhã!

Quanta glória pressinto em meu futuro!


Que aurora de porvir e que manhã!
Eu perdera chorando essas coroas
Se eu morresse amanhã!
Que sol! Que céu azul! Que doce n’alva
Acorda a natureza mais louçã!
Não me batera tanto amor no peito
Se eu morresse amanhã!

Mas essa dor da vida que devora


A ânsia de glória, o dolorido afã...
A dor no peito emudecera ao menos
Se eu morresse amanhã!
(Álvares de Azevedo)

De acordo com o poema e seu contexto, assinale a alternativa correta:

a) O título do poema “Se Eu Morresse Amanhã” traz para o leitor a ideia de


circunstância, e, também a óbvia alusão à morte, mostrando o espírito que se
manifesta não só neste poema, mas na 2ª Geração do Romantismo no Brasil,
geração do poeta Álvares de Azevedo, caracterizada pelo gosto pelo mórbido,
pessimismo desesperado, escapismo na morte, etc.
b) O título do poema “Se Eu Morresse Amanhã” traz para o leitor a ideia de confiança
por parte do eu lírico, e, também a óbvia alusão ao altruísmo, mostrando o espírito
que se manifesta não só neste poema, mas na 2ª Geração do Romantismo no
Brasil, geração do poeta Álvares de Azevedo, caracterizada pelo sacrifício,
solidariedade e o gosto pela saudade, o que fica claro na 1ª estrofe quando o
autor fala de sua irmã.
c) O título do poema “Se Eu Morresse Amanhã” traz para o leitor a ideia de
circunstância, e, também a óbvia alusão à vida, mostrando o espírito que se
manifesta não só neste poema, mas na 2ª Geração do Romantismo no Brasil,
geração do poeta Álvares de Azevedo, caracterizada pelo gosto pela vida,
otimismo arrojado, vitalidade. Por mais que o poema fale sobre a morte, o autor
faz menção de suas expectativas de vida no 1º verso da 2ª estrofe.
d) O título do poema “Se Eu Morresse Amanhã” traz para o leitor a ideia de
circunstância, e, também a óbvia alusão à delícia da existência, mostrando o
espírito que se manifesta não só neste poema, mas na 7ª Geração do Modernismo
no Brasil, geração do poeta Álvares de Azevedo, caracterizada pelo gosto pelo
mórbido, pessimismo desesperado, escapismo na morte, etc.
e) Nenhuma das alternativas anteriores.
A maturidade literária brasileira: UNIDADE
Realismo, Naturalismo,
Parnasianismo e Simbolismo

15.1 INTRODUÇÃO – REALISMO E NATURALISMO


15
O Realismo e o Naturalismo são movimentos literários ocorridos nas últimas
décadas do século XIX no Brasil. Essa produção literária sofreu forte influência do seu
momento histórico, criticando e referindo sua época constantemente.
De acordo com essas escolas literárias, o ser humano está submetido as leis
que regulam o mundo, assim o artista aceita essas regras e busca analisar e
conhecer sua situação com exatidão. O escritor realista-naturalista assume uma
postura cientificista diante da realidade que busca mostrar em sua produção
literária.
As obras produzidas nesse momento buscaram ser fiel com a realidade
observada e analisam seu mundo de forma analítica. A subjetividade não deve ser
expressa como anteriormente feito no Romantismo. A partir disso, podemos
considerar que as características desse movimento literário são:
 Objetividade;
 Semelhança das personagens com o homem comum;
 Condicionamento das personagens ao meio físico e social;
 Lei da causalidade;
 Detalhismo;
 Linguagem simples;
 Preferência da narrativa do que a descrição.
Entretanto, Naturalismo e Realismo não são as mesmas coisas. Podemos
considerar que o Naturalismo é um segmento existentes dentro do Realismo, sendo
esse último mais abrangente.
Não existe muita nitidez nos dois modos, mas podemos considerar alguns
traços de distinção como:
 Os naturalistas buscam mostrar que a hereditariedade teria algum efeito
psicológico ou físico para determinar o comportamento de suas personagens;
 A personagem do Naturalismo está destinada a um fim que não se pode ir

206
6
contra;
 Condicionamento do personagem ao meio social e natural;
 Ênfase nas necessidades naturais;
 Comportamento animalesco;
 Os enredos naturalistas buscam demonstrar situações de desequilibro social
graves e desigualdades sociais.
De forma geral, podemos sintetizar as distinções entre Realismo e Naturalismo
no seguinte quadro a seguir:

Quadro 1: Quadro comparativo entre o Realismo e o Naturalismo


Realismo Naturalismo
Investigações da sociedade e dos seus Investigações da sociedade e dos indivíduos
indivíduos ocorrem de dentro para fora; ocorrem de fora para dentro;
Ataque às instituições existentes na Descrição das coletividades humanas e
relação entre o homem e a sociedade mostrando os vícios, patologias e
burguesa; anormalidades existentes. Compara o
homem com a situação animalesca;
Tratamento objetivo e imparcial dos Tratamento dos temas a partir de uma
temas para possibilitar o leitor um espaço perspectiva deterministas e direciona as
interpretativo próprio. conclusões que o leitor chega.
Fonte: Elaborado pelo autor (2022)

15.1.1 Realismo x Romantismo: o aparecimento de um novo movimento


noBrasil

O Romantismo e o Realismo foram as principais correntes literárias existentes no


século XIX. O Realismo foi uma oposição ao Romantismo em vários aspectos e
características.
O Realismo baseava em três princípios fundamentais que seria a objetividade,
racionalidade e imparcialidade. Ele propunha relatar e retratar o mundo em sua volta
fielmente (sociedade burguesa e seus valores) para podermos criticá-lo. Já o
Romantismo buscava uma ideia de liberdade para que ela fosse vista como
possibilidade de espairecer sentimentos, subjetividade e a fantasia. Não havia uma
crítica a realidade social existente, apenas a relatava.
Entre as oposições existentes dos dois movimentos literários podemos lista-las
no quadro abaixo:

Quadro 2: Quadro comparativo entre o Romantismo e o Realismo


Romantismo Realismo-Naturalismo
Subjetividade; Objetividade;
Imaginação; Realidade;
Sentimento; Racionalidade;
Verdade individual; Verdade universal;
Fantasia; Fatos sociais e naturais;
Homem enquanto centro mundo; Homem enquanto parte do mundo;
Volta ao passado. Crítica ao momento vivido.
Fonte: Elaborado pelo autor (2022)

Em 1881, foram publicadas duas obras que marcam o início do Realismo e do


Naturalismo no Brasil que são O mulato de Aluísio de Azevedo e Memórias póstumas
de Brás Cubas de Machado de Assis. Esse movimento literário terminará nos primeiros
anos do século XX, com a publicações d’Os sertões de Euclides da Cunha que
marcaria o início do Pré-Modernismo no Brasil.
O momento histórico do Realismo no Brasil abrange o Segundo Reinado. Do
ponto de vista econômico, o Brasil mantinha seus latifúndios, mão de obra escrava e
voltava-se para a exportação de café.
Dessa forma, percebemos que as oligarquias rurais tinham um importante
papel econômico que se refletia politicamente e socialmente no Brasil. O país
começava a sofrer pressões internacionais buscando sua modernização econômica
rumo a industrialização e abolição da escravidão.
A partir dos anos de 1870 diversos fatores irão refletir na atmosfera histórica do
país como, por exemplo, aumento da mão de obra de imigrantes estrangeiros
(alemães, italianos, japoneses, árabes), fim do tráfico negreiro e o desenvolvimento
da indústria cafeeira no estado de São Paulo.
O Estado de São Paulo torna-se um importante ponto no país
economicamente devido a industrialização trazida com as plantações do café.
Devemos lembrar que para o escoamento do café precisou criar importantes linhas
férreas, como a Sorocabana, desenvolvimento dos portos e isso deu capital para o
início da industrialização da região.
Os cafeicultores dominavam a política paulistas e preocupavam-se com o
rumo político que o Brasil estava caminhando, por isso aliaram-se as Forças Armadas
do país e buscaram apoio aos ideais republicanos para a derrubada da Monarquia
e sua substituição pela República.
Em 1889, proclamou-se a República e com ela o sonho de modernização e
desenvolvimento do país que foi rapidamente frustrado devido a política adotada
nos primeiros anos do novo regime que ficou conhecido como República Velha e era
dominava pelas oligarquias de São Paulo e Minas Gerais. Essa política levou o nome
de Política do Café com Leite.
Com a implantação da República, o Brasil vivia um antagonismo ideais
considerados modernos pairavam sobre a atmosfera intelectual do país, mas
estruturalmente a nação mantinha atrasada.

15.1.2 Machado de Assis

Machado de Assis (1839-1908) nasceu no Rio de Janeiro durante o período do


Segundo Reinado Brasileiro. Ele era jornalista, cronista, contista, teatrólogo,
romancistas e foi funcionário público. Ele foi um dos fundadores e presidente por
mais de dez anos da Academia Brasileira de Letras. Foi o membro de cadeira n. 23
durante sua participação.
De origens humildes e mestiço, Machado de Assis tornou-se órfão muito cedo.
Desde a juventude alcançou alta posição no funcionalismo público e possuía
considerável posição social na época.
Tornou-se tipógrafo e revisor na Imprensa Nacional e, em 1858, tornou-se
revisor e colaborador do Correio Mercantil. Em 1860, a convite de Quintino Bocaiuva
ingressou no jornal Diário do Rio de Janeiro. Tornou-se um escritor regular da revista
O Espelho onde publicava crítica teatral e nos jornais Semana Ilustrada e o Jornal
das Famílias começou a publicar seus contos.
Em 1862, tornou-se censor teatral, cargo que não era remunerado, mas
permitia acesso livre aos teatros cariocas. Em 1867, tornou-se ajudante do diretor do
Diário Oficial. Seu primeiro livro de poesia saiu em 1864 chamado Crisálidas.
Seu primeiro romance publicado saiu em 1872 com o nome Ressureição. No
seguinte ano, foi nomeado como oficial da Secretaria de Estado do Ministério da
Agricultura, Comércio e Obras Públicas, a partir dai teve início sua carreira de
burocrata que era seu principal rendimento até o final da vida.
Na década de 1870 publicou em diversos jornais como O Globo, O Cruzeiro,
A Estação, Revista Brasileira diversos de seus textos como contos, crônicas, poesias e
romances nas formas de folhetins que posteriormente viraram livros. Entre os anos de
1881 a 1897, tornou-se o principal escritor do jornal Gazeta de Notícias.
Em 1881, publicava a obra Memórias Póstumas de Brás Cubas que ficou
conhecido como marco inaugural do Realismo no Brasil.

Considerado marco inaugural do Realismo no Brasil, 1881, Memórias Póstumas


de Brás Cubas conta a história de Brás-Cubas, que seria um morto narrando a própria
vida. Brás Cubas na obra é um narrador-personagem. Logo nas primeiras páginas
descobrimos que o livro é narrado por um morto devido sua dedicatória “Ao verme
que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver, dedico com saudosas lembranças
essas memórias póstumas” (ASSIS, Machado de. 1999).
Pelo livro ser narrado por Brás Cubas, um defunto autor, é dado a impressão
ao leitor que seria um relato caracterizado pela isenção e imparcialidade, pois seria
um indivíduo que não tem mais a necessidade de mentir, visto que já está morto.
Entretanto, isso é uma das táticas de escrita desenvolvida por Machado de Assis ao
longo da obra.
Machado de Assis, ao escolher um morto como narrador, cria uma situação
fantástica, e que mesmo estando morto procuraria mais aparecer e se mostrar do
que demonstrar quem realmente foi. Assim, seu narrador mente, ilude e destorce
todos os fatos escondendo suas próprias misérias pessoais para dar-lhe um tom de
superioridade. Percebemos nessa característica um conteúdo próprio dentro do
Realismo tradicional, Machado de Assis inaugurava um Realismo peculiar.
Devemos na leitura dessa obra desconfiar de tudo que o narrador nos
apresenta. Assim, devemos colocar em dúvida a veracidade do que nos é narrado.
A ironia é uma das principais características machadianas e permeia toda essa obra.
Na obra Memórias Póstumas de Brás Cubas percebemos em relação a sua forma,
que o mito da neutralidade do narrador é colocado em questão perante o que está
sendo narrado. A obra escancara uma parcialidade implícita no ato de contar um
enredo.
Em síntese, a obra Memórias Póstumas de Brás Cubas nega a estrutura
tradicional da literatura realista e questionava os modelos europeus que era
importado para o Brasil. Percebemos ironias a respeito das doutrinas positivistas e
deterministas que pairavam nas ciências no final do século XIX. Memórias Póstumas
de Brás Cubas é um texto de tempo não linear. Umas das características que irão
aparecer posteriormente no Modernismo Brasileiro.

15.1.3 Aluísio Azevedo e Raul Pompéia

Figura 12: Aluísio Azevedo

Fonte: Escola Educação


Disponível em: https://bit.ly/3pCoWAo. Acesso em: 20 dez. 2021

Aluísio Azevedo (1857-1913) considerado um dos principais representantes do


Realismo e do Naturalismo no Brasil, juntamente com Machado de Assis. Produziu
diversas obras dos mais variados gêneros, mas as principais foram O mulato e O
cortiço.
Em sua obra O mulato, o autor tratava sobre os preconceitos raciais existentes
no Brasil da segunda metade do século XIX. Sua narratividade constrói a perspectiva
naturalista que era até então inédita no país.
Sua obra extremamente importante e conhecida foi O cortiço. Essa obra
busca retratar as condições de vida das diferentes camadas sociais existentes no Rio
de Janeiro no século XIX.
Considerado um romance tese, pois buscava comprovar alguma teoria
Naturalista, a obra O cortiço buscou comprovar que o homem era produto do meio,
da raça e do seu momento histórico. Dessa forma, os personagens são conhecidos
como personagens tipo pois representam algo, ou seja, são uma alegoria de alguma
coisa ou teoria científica.
Nessa obra, o narrador é considerado onisciente, pois conhece tudo que está
acontecendo no enredo da narrativa. É interessante lembrarmos que o personagem
principal da obra, acaba sendo o cortiço. Nele percebemos que todos os
personagens que chegam no cortiço acabam mudando devido seu entorno. O
cortiço apresenta características humanizadas, já as personagens humanas são
animalizadas. Como podemos perceber no trecho a seguir:

Eram cinco horas da manhã e o cortiço acordava, abrindo, não os


olhos, mas a sua infinidade de portas e janelas alinhadas.
Um acordar alegre e farto de quem dormiu de uma assentada sete
horas de chumbo. Como que se sentiam ainda na indolência de
neblina as derradeiras notas da ultima guitarra da noite antecedente,
dissolvendo-se à luz loura e tenra da aurora, que nem um suspiro de
saudade perdido em terra alheia.
A roupa lavada, que ficara de véspera nos coradouros, umedecia o
ar e punha-lhe um farto acre de sabão ordinário. As pedras do chão,
esbranquiçadas no lugar da lavagem e em alguns pontos azuladas
pelo anil, mostravam uma palidez grisalha e triste, feita de
acumulações de espumas secas. (AZEVEDO, Aluísio. 1997)

Vale assinalar que os personagens humanos na obra são representados de


forma animalescas em seu cotidiano no cortiço, como mostra a citação seguinte:

Daí a pouco, em volta das bicas era um zunzum crescente; uma


aglomeração tumultuosa de machos e fêmeas. Uns, após outros,
lavavam a cara, incomodamente, debaixo do fio de água que
escorria da altura de uns cinco palmos. O chão inundava-se. As
mulheres precisavam já prender as saias entre as coxas para não as
molhar; via-se-lhes a tostada nudez dos braços e do pescoço, que
elas despiam, suspendendo o cabelo todo para o alto do casco; os
homens, esses não se preocupavam em não molhar o pêlo, ao
contrário metiam a cabeça bem debaixo da água e esfregavam
com força as ventas e as barbas, fossando e fungando contra as
palmas da mão. As portas das latrinas não descansavam, era um abrir
e fechar de cada instante, um entrar e sair sem tréguas. Não se
demoravam lá dentro e vinham ainda amarrando as calças ou as
saias; as crianças não se davam ao trabalho de lá ir, despachavam-
se ali mesmo, no capinzal dos fundos, por detrás da estalagem ou no
recanto das hortas. (AZEVEDO, Aluísio. 1997)

Outro importante autor deste momento é Raul Pompéia (1863-1895). Ele foi um
dos principais autores do Realismo Brasileiro. Atuou como advogado, jornalista e em
várias artes (música, teatro e desenho). Sua principal obra é O ateneu.
O ateneu é uma obra que mistura componentes memorialísticos do autor. Na
sua juventude ele foi aluno do Colégio Abílio, cujo diretor era uma figura prepotente
e extremamente severa. Era um colégio frequentado por altas camadas sociais
cariocas e ele buscou criticar o sistema educativo da escola, mostrando os
desmazelos que aconteciam em seus bastidores. Como podemos perceber no
trecho a seguir:

Vais encontrar o mundo, disse-me meu pai, à porta do Ateneu.


Coragem para a luta." Bastante experimentei depois a verdade deste
aviso, que me despia, num gesto, das ilusões de criança educada
exoticamente na estufa de carinho que é o regime do amor
doméstico, diferente do que se encontra fora, tão diferente, que
parece o poema dos cuidados maternos um artifício sentimental, com
a vantagem única de fazer mais sensível a criatura à impressão rude
do primeiro ensinamento, têmpera brusca da vitalidade na influência
de um novo clima rigoroso. Lembramo-nos, entretanto, com saudade
hipócrita, dos felizes tempos; como se a mesma incerteza de hoje, sob
outro aspecto, não nos houvesse perseguido outrora e não viesse de
longe a enfiada das decepções que nos ultrajam. (POMPÉIA, Raul.
1998.)

Além de Aluísio Azevedo e Raul Pompéia, tivemos importantes autores de


ficção regionalista nesse momento literário. No qual citamos Domingos Olímpio,
Afonso Arinos, Valdomiro Silveira, Manuel de Oliveira Paiva e Simões Lopes Neto.
15.2 PARNASIANISMO

Surgido na França, na década de 1870, o Parnasianismo apareceu com a


publicação da antologia Le Parnasse Contemporain – recueil de vers nouveaux (O
Parnaso Contemporâneo: recolha de versos novos) onde diversos poetas
colaboraram como Théophile Gautier, Théodore de Banville, Leconte de Lisle que se
tornariam modelos para a nova estética que estava surgindo.
Parnaso é originalmente o nome de um monte da Grécia. Esse lugar era
dedicado pelos gregos antigos para as Musas e Apolo, de acordo com a mitologia.
No caso do Brasil, o Parnasianismo veio a combater as correntes estéticas pelo
seu ultrarromantismo. Sendo um dos seus principais poetas Artur de Oliveira (1851-
1882) que na França conheceu os parnasianos e no Brasil buscou divulgar seus
trabalhos.
Os principais poetas parnasianos brasileiros foram Alberto de Oliveira,
Raimundo Correia e Olavo Bilac que ficaram conhecidos como tríade parnasiana
ou trindade parnasiana.
O Parnasianismo tem sua produção voltada exclusivamente para a poesia,
sendo contemporâneo ao Realismo e Naturalismo, fazia parte como corrente dessas
tendências. Os parnasianos eram adeptos da “arte pela arte”, havia extremo valor
nos aspectos formais dos seus poemas, seguiam estritamente os padrões métricos e
estróficos.
Os parnasianos buscavam impassibilidade, que seria obtida apenas por uma
rigorosa contenção do lirismo. A poesia tornou-se nesse movimento literário
extremamente descritiva e apresentavam imagens verbais de paisagens, cenas
mitológicas, personagens e objetos.
Os parnasianos viam a literatura como um trabalho técnico, assim eram
extremamente comprometidos pela busca da perfeição literária e mostrava que a
literatura era um trabalho de linguagem. Uma característica que posteriormente foi
explorada massivamente pelos modernistas no século XX.
O Parnasianismo é extremamente formal em sua poesia, havendo uma
desvalorização do assunto tratado e valorizava-se mais a técnica de construção do
poema. Dessa forma, a prática literária do parnasianismo era concentrada na
produção poética e buscava-se uma alienação da vida, um refúgio ao mundo da
poesia, tornando-se um movimento extremamente elitistas, fechada em seus
domínios estéticos e academicista.

15.2.1 Características do Parnasianismo em terras brasileiras

No Brasil, o Parnasianismo apareceu em um momento de consolidação de


nossa literatura. Nessa época, diversos intelectuais buscavam fortalecer o papel do
escritor e espalhar ideais modernos para o restante do país.
Como era uma literatura extremamente academicista e voltada para a
formalidade, o parnasianismo ocupava o espaço de “literatura oficial”.
As características do Parnasianismo foram:
 Objetividade em contraste a sentimentalidade;
 Distanciamento de problemas políticos, religiosos e sociais;
 Gosto pelo exótico e pelas coisas. Podemos observar no poema a seguir essas
características:

Esta de áureos relevos, trabalhada


De divas mãos, brilhante copa, um dia
Já de aos deuses servir como cansada,
Vinda do Olimpo, a um novo deus servia
(OLIVEIRA, Alberto de., 1978. p. 144.)

 Visão de amor mais carnal e menos espiritualizada. Como nos versos


seguintes:

Sombras errantes, corpos nus ardentes


Carnes lascivas... um rumor vibrante
De atritos longos e de beijos quentes...
(BILAC, Olavo. Via Lactea, XVII)

 Universalismo;
 Inspiração na Antiguidade Greco-Romana para a escolha de temas. Como
por exemplo o tema de Incêndio de Roma nos versos seguintes:

Nero, com o manto grego ordeando ao ombro, assoma


Entre os libertos, e ébrio, engrinaldada a fronte,
Lira em punho, celebra a destruição de Roma.
(BILAC, Olavo. Incêndio em Roma)

 Ordem indireta. Como nos seguintes versos:


Fúlgida névoa vem-me ofuscante
De um pesadelo de luz encher,
E a tudo em roda, desde esse instante,
Da cor da lua começo a ver
(CORREIA, Raimundo., 1948. 2 v)

 Emprego de vocábulo raro e incomum:

Lunárias flores, ao feral lume


-Caçoilas de ópio, de embriaguez –
Evaporavam letal perfume...
E os lençóis d’água, do feral lume
Se amortalhavam na lividez.
(CORREIA, Raimundo., 1948. 2 v)

 A busca pela perfeição das rimas que deveria acontecer em todos os versos
do poema:

Chispam verdes fuzis riscando o céu sombrio;


Em esmeraldas flui a água verde do rio,
E do céu, todo verde, as esmeraldas chovem...
(BILAC, Olavo. 1964)

 Formas fixas de composição, como o soneto;


 Predomínio de descrições detalhadas.
Diferentes dos parnasianos franceses, no Brasil diferenciavam-se em dois
aspectos: não se apegaram tanto ao objetivismo e aproveitaram em seu poemas
assuntos e paisagens naturais do país.

15.2.2 Olavo Bilac

Olavo Bilac (1865-1918) era carioca, estudou Medicina e Direito, mas não
terminou esses cursos. Exerceu atividades como jornalistas e inspetor escolar, tendo
como principal foco dos seus trabalhos escritos relacionados a educação. Foi o
autor do Hino à Bandeira e muitos temas de caráter histórico e nacionalistas
aparecem na sua poesia.
Sua primeira publicação foi em 1888 chamada de Poesias. E nela aparenta
que o poeta estava identificado com as propostas do Parnasianismo. Seus poemas,
principalmente os sonetos, apresentavam uma boa estruturação formal. Sobre sua
capacidade técnica podemos analisar o poema a seguir para observá-las:

Figura 13: Olavo Bilac

Fonte: Brasil Escola


Disponível em: https://bit.ly/3HJPQfU. Acesso em: 20 dez. 2021

Vila Rica

O ouro fulvo do acaso as velhas casas cobre;


Sangram, em laivos de ouro, as minas, que a ambição
Na torturada entranha abriu da terra nobre;
E cada cicatriz brilha como um brasão.

O ângelus plange ao longe em doloroso dobre


O último ouro do sol morre na cerração
E, austero, amortalhando a urbe gloriosa e pobre;
O crepúsculo cai como uma extrema unção.

Agora, para além do cerro, o céu aparece


Feito de um ouro ancião que o tempo enegreceu
A neblina, roçando o chão, cicia, em prece,
Como uma procissão especial que se move
Dobra o sino... Soluça um verso de Dirceu...
Sobre a triste Ouro Preto o ouro dos astros chove
(CANDIDO, Antonio, 1968, p. 210)

Percebe-se nesse poema o uso de várias figuras de linguagem (metáfora,


metonímia, personificação, comparação) e o poema é rico em contrastes sonoros
e rítmicos. Além de várias oposições existentes ao longo do texto como passado e
presente, riqueza e pobreza, dia e noite, presente humilde e passado glorioso.
Na última estrofe do poema, no soluçar de Dirceu, percebemos a repetição
do fonema /s/, fazendo lembrar a possibilidade de um choro ou lamento. O nome
Dirceu faz lembrar as personagens Marilia e Dirceu. Assim, percebemos que é um
poema extremamente rico em conteúdo histórico e de qualidades literárias.
15.3 SIMBOLISMO

O Simbolismo apareceu na França, assim como o Parnasianismo. A


publicação de As flores do mal de Charles Baudelaire, em 1857, é considerado um
dos precursores dessa nova escola literária. É importante chamarmos atenção que
a influência de Baudelaire não ocorreu apenas no Simbolismo, pois os próprios
Parnasianos beberam da sua poesia enquanto inspiração. Assim, podemos
considerar Baudelaire como matriz de toda a poesia moderna que estava surgindo.
Em 1886, surge na imprensa francesa o Manifesto decadentista e o Manifesto
simbolista, que procurava especificar o que seria a nova estética literária.
Decadismo ou Decadentismo foi o nome dado ao movimento dos primeiros poetas
contrários as tendências do Realismo, Naturalismo e do Parnasianismo. Esse nome
trazia o significado que orientava o novo movimento literário: a civilização burguesa
chegou a tal ponto que não lhe restava mais nada além da decadência moral,
cultural e espiritual e refletiria na vida de seus indivíduos.
O movimento decadentista buscava o repúdio ao mundo burguês e a
transformação de uma realidade mais ampla e abrangente do que aquelas ditadas
pelas ciências e o Positivismo. A partir disso, a palavra Simbolismo ganhou força, o
símbolo seria a forma de traduzir na literatura esse mundo que estavam procurando.
A burguesia encontrava-se em rápida expansão na segunda metade do
século XIX em termos sociais, políticos e econômicos. Entretanto, esse progresso
acabou se desgastando com as disputas coloniais de final de século que eclodiram
posteriormente na Primeira Guerra Mundial (1914-1918).
No leste europeu, especificamente na Rússia, tentou-se a construção de uma
nova sociedade através da Revolução Russa que teve um viés socialista, que
destoava do modelo de sociedade burguesa pregado até então.
As teorias racionalistas que ganharam força ao longo de XIX, começaram a
entrar em decadência com o surgimento de novas filosofias e teorias de importantes
pensadores como a física relativista de Einstein, a psicanálise de Freud ou as teorias
filosóficas de Nietzsche e Schopenhauer.
Dessa forma, percebemos que o Simbolismo surgiu das grandes crises de
valores racionalistas da sociedade burguesa em finais de XIX e início da centúria
seguinte. Este estilo colocava em dúvida importantes filosofias e teorias de finais de
século como o Positivismo e o Determinismo.
O Simbolismo foi o responsável pela criação de novas propostas estéticas
precursoras da chamada arte moderna.
No Brasil, o Simbolismo foi contemporâneo do Parnasianismo, existiram
concomitantemente. Em 1891, houve a formação dos primeiros grupos de simbolistas
em torno do jornal carioca Folha Popular que passaria a publicar textos de Cruz e
Sousa.
Em 1893, a publicação do livro Missal e de Broquéis de Cruz e Sousa,
marcaram a implantação do Simbolismo na literatura nacional. Foi uma literatura
fortemente combatida pelos parnasianos, que desfrutavam de grandes prestígios
sociais e de receptividade. Os simbolistas acabaram desenvolvendo um trabalho
marginal e agrupados em revistas de vida efêmera.
A falta de visibilidade do Simbolismo no Brasil deve-se a ênfase ao primitivo e
a ao inconsciente presentes nessa poesia, tendo um caráter fortemente intimista e
não respondiam as questões nacionais de sua época. Desta forma, o Simbolismo e
o Parnasianismo caminharam lado a lado na última década do século XIX no Brasil.
15.3.1 Cruz e Souza

Figura 14: Cruz e Souza

Fonte: Wikipedia
Disponível em: https://bit.ly/3KkuqYy Acesso em: 20 dez. 2021

Cruz e Souza (1861-1898) era natural de Florianópolis, Santa Catarina. Era filho
de escravos e foi amparado por uma família burguesa da região que o ajudou a
completar seus estudos. Com a morte de seu protetor dessa família, abandonou os
estudou e começou a trabalhar na imprensa local, escrevia crônicas abolicionistas
e participava de campanhas a favor da causa dos negros do Brasil.
Em 1890, mudou-se para o Rio de Janeiro onde manteve diversos empregos
para conseguir sobreviver.
Na obra poética de Cruz e Sousa, percebemos algumas heranças do
Romantismo em certos aspectos como, por exemplo, a valorização da noite,
pessimismo, a morte e o satanismo:

Ó meu Amor, que já morreste,


Ó meu Amor, que morta estás!
Lá essa cova a que desceste
Ó meu Amor, que já morreste,
Ah! Nunca mais florescerás?

Ao teu esquálido esqueleto,


Que tinha outrora de uma flor
A graça e o encanto do amuleto
Ao teu esquálido esqueleto
Não voltará novo esplendor?
(SOUZA, Cruz e., s.d., p. 57.)

Entretanto, percebemos na escrita de Cruz e Sousa certa preocupação com


a forma do poema como, por exemplo, a opção pelos sonetos, o verbalismo
requintado, a força das imagens e a inclinação para uma poesia filosófica.
Em sua escrita, percebemos a consciência e as dificuldades de ser negro no
Brasil. Essa dor existencial notamos nos seguintes versos:

Ah! Toda a alma num cárcere anda presa


Soluçando nas trevas entre as grades
Do calabouço olhando imensidades,
Mares, estrelas, tardes, natureza.

Ó almas presas, mudas e fechadas


Nas prisões colossais e abandonadas,
Da dor do calabouço atroz, funéreo!
(SOUZA, Cruz e., s.d., p. 94.)

Esse drama da existência presente na escrita de Cruz e Sousa é devido aa


influência do pessimismo filosófico de Schopenhauer que marcou as décadas finais
do século XIX. Além disso, a vontade de fugir do mundo real é claramente
perceptível pelo seu drama pessoal que o autor vivia, não apenas as mazelas
desencadeadas pelo capitalismo em XIX.

Entre as características de Cruz e Sousa que podemos assinalar estão:


 As sinestesias;
 A sonoridades das palavras;
 Predominância de substantivos;
 Emprego de maiúsculas para dar outro valor a certos termos;
 Imagens surpreendentes.

Entre seus temas abordados podemos listas os seguintes:


 Transcendência espiritual;
 Mistério;
 Sagrado;
 Conflito entre o mundo material e espiritual;
 A morte;
 Sublimação sexual;
 Angústia;
 Obsessão pela cor branca e brilhos.
15.3.2 Alphonsus de Guimaraens

Alphonsus de Guimaraens (1870-1921) era natural de Ouro Preto, Minas Gerais.


Estudou direito em São Paulo e viveu por muito tempo em Mariana, cidade próxima
de Ouro Preto. A temática da sua poesia está voltada para a morte da mulher
amada. Aparecem outros temas como natureza, arte e religião, mas como
secundários desse primeiro. A escolha por essa temática deve-se a morte de sua
prima Constança com 17 anos, a quem o poeta amava.
Percebemos na escrita da sua poesia, a atmosfera litúrgica e referências ao
corpo morto, sepultamento e cores relacionadas a velório. Como, por exemplo, nos
versos seguintes:

Mãos de finada, aquelas mãos de neve,


De tons marfíneos, de ossatura rica,
Pairando no ar, num gesto brando e leve,
Que parece ordenar, mas que suplica.

Erguem-se ao longe como se as eleve


Alguém que ante os altares sacrifica:
Mãos que consagram, mãos que partem breve,
Mas cuja sombra nos meus olhos fica…

Mãos de esperança para as almas loucas,


Brumosas mãos que vêm brancas, distantes,
Fechar ao mesmo tempo tantas bocas…

Sinto-as agora, ao luar, descendo juntas,


Grandes, magoadas, pálidas, tateantes,
Cerrando os olhos das visões defuntas…
(GUIMARAENS, Alphonsus. 1973)

Em sua poesia percebemos uma uniformidade e equilíbrio devido a repetição


de temas e formas.
FIXANDO O CONTEÚDO

1. (UFMS) Leia o trecho a seguir do romance Esaú e Jacó, de Machado de Assis,


escritor do realismo brasileiro.

“Natividade e Perpétua conheciam outras partes, além de Botafogo, mas o Morro do


Castelo, por mais que ouvissem falar dele e da cabocla que lá reinava em 1871, era-lhes
tão estranho e remoto como o clube. O íngreme, o desigual, o mal calçado da ladeira
mortificavam os pés às duas pobres donas. Não obstante, continuavam a subir, como se
fosse penitência, devagarinho, cara no chão, véu para baixo. A manhã trazia certo
movimento; mulheres, homens, crianças que desciam ou subiam, lavadeiras e soldados,
algum empregado, algum lojista, algum padre, todos olhavam espantados para elas, que
aliás vestiam com grande simplicidade; mas há um donaire que se não perde, e não era
vulgar naquelas alturas. A mesma lentidão do andar, comparada à rapidez das outras
pessoas, fazia desconfiar que era a primeira vez que ali iam. Uma crioula perguntou a um
sargento: ‘Você quer ver que elas vão à cabocla?’ E ambos pararam a distância,
tomados daquele invencível desejo de conhecer a vida alheia, que é muita vez toda a
necessidade humana”
(ASSIS, Machado, 1904, p. 1 e 2).

Com base no trecho lido, assinale a alternativa que contém uma característica
do movimento realista.

a) A maior subjetividade possível, exaltando aspectos pessoais e sentimentais das


personagens, em um cenário muitas vezes caótico.
b) Crítica social, com ênfase no estilo de vida burguês que enaltece os hábitos de
vida da aristocracia, que vive a vida ao seu máximo.
c) Objetividade, com grande ênfase nos aspectos científicos e positivistas, que
analisam e destrincham o comportamento humano.
d) Objetividade e crítica social, rejeitando o estilo de vida burguês ao centralizar
personagens populares em seus espaços, hábitos e pensamentos.
e) Enfoque nas mudanças sociais, criticando o avanço das máquinas e as alterações
no tempo, no estilo de vida e no trabalho.

2. (PREFEITURA DE LUTÉCIA – SP) Alguns dos principais escritores realistas brasileiros


foram: Assinale a alternativa INCORRETA.

a) Machado de Assis.
b) Raul d'Ávila Pompeia.
c) Cesário Verde.
d) Nenhuma das alternativas.
e) Todas as alternativas

3. (PREFEITURA DE PIRATUBA – SC) Foi considerado o primeiro romance realista da


literatura brasileira

a) O mulato- Aluízio Azevedo.


b) Memórias Póstumas de Brás Cubas- Machado de Assis.
c) A Moreninha - Joaquim Manuel de Macedo.
d) Casamento - José de Alencar.
e) Nenhuma das alternativas

4. (PREFEITURA DE SANTANA DO LIVRAMENTO – RS) “Dá-me uma comparação exata


e poética para dizer o que foram aqueles olhos de Capitu. Não me acode
imagem capaz de dizer, sem quebra da dignidade do estilo, o que eles foram e
me fizeram. Olhos de ressaca? Vá, de ressaca.” Sabendo que o trecho, acima,
refere-se à obra literária Dom Casmurro e seu autor é Machado de Assis o mesmo
pertence a qual período literário?

a) Realismo.
b) Barroco.
c) Pré- modernismo.
d) Romantismo.
e) Nenhuma das alternativas anteriores.

5. (ESA) Interesse pelas zonas profundas da mente e pela loucura; desejo de


transcendência e integração cósmica; linguagem vaga, fluida que busca sugerir
em vez de nomear. Essas são características que identificam as obras de autores

a) Naturalistas.
b) Parnasianistas.
c) Simbolistas.
d) Quinhentistas.
e) Realistas.
6. (VPNE) No Brasil, o Simbolismo surge num período marcado por conflitos políticos
e sociais. O país encontra-se em plena transição do regime escravocrata para o
assalariado. A virada do século traz expectativas por um "novo mundo", mas
ainda são muitas as frustrações e angústias de um país em que não se atingiu a
consolidação dos ideais republicanos.
São autores do simbolismo:

a) Cruz e Sousa - Alphonsus de Guimaraens - Eugênio de Castro.


b) Raimundo Corrêa - Olavo Bilac - Eugênio de Castro.
c) Aluísio de Azevedo - Cruz e Sousa - Euclides da Cunha.
d) Cláudio Manuel da Costa - Olavo Bilac - Cruz e Sousa.
e) José de Alencar - Augusto dos Anjos - Cruz e Sousa.

7. (UFMA) Sobre o Parnasianismo e o Simbolismo, na Literatura Brasileira, é correto


afirmar que:

a) Os estilos são absolutamente distintos quanto à técnica da versificação.


b) Os dois estilos se aproximam pelas preferências temáticas.
c) À metafísica do primeiro, juntou-se o realismo do segundo.
d) Os dois estilos se aproximam quanto à técnica da versificação.
e) Não há proximidade entre os dois.

8. (FEI-SP) Escolha a alternativa que preencha corretamente, na ordem


apresentada, as lacunas da frase seguinte.
"O Simbolismo se opõe ao ....., aproximando-se do ....., no que diz respeito à
presença do subjetivismo e da emoção, segundo se observa, por exemplo, em
....., célebre autor de Broquéis."

a) (1) Realismo/ (2) Romantismo/ (3) Cruz e Sousa.


b) (1) Naturalismo/ (2) Modernismo/ (3) Gonçalves Dias.
c) (1) Arcadismo/ (2) Romantismo/ (3) Castro Alves.
d) (1) Romantismo/ (2) Barroco/ 93) Manuel Bandeira.
e) (1) Naturalismo/ (2) Modernismo/ (3) Olavo Bilac.
O PRÉ-MODERNISMO E A PRIMEIRA UNIDADE
GERAÇÃO MODERNISTA

16.1 O CONTEXTO HISTÓRICO DO PRÉ-MODERNISMO


16
Na obra Contribuição à história do Modernismo (1939), em que o crítico
literário Alceu Amoroso Lima (1893-1983) propôs o termo Pré-Modernismo para
designar a literatura que foi produzida nas duas décadas iniciais do século XX no
Brasil. Os limites dessa cronologia literária ficaram estabelecidos com o início em 1902
com as publicações de ‘Os sertões’ de Euclides da Cunha e Canaã de Graça
Aranha e como marco final a Semana de Arte Moderna em 1922. É importante
destacarmos que o Pré-Modernismo é um momento atípico da nossa literatura, pois
convivem e se mesclam tendências literárias diversas
O Pré-Modernismo é um momento de nacionalismo questionador. A literatura
passava a ser concebida como um instrumento de ação social, pois ela permitiria
conhecer melhor a realidade e as desigualdades sociais existentes no nosso país.
Essa nova concepção de literatura não agradava as elites governamentais do Brasil,
pois esses preferiam um nacionalismo ufanista e uma literatura com menos
engajamento.
O Brasil passava por sua Belle époque, o dinheiro oriundo da exportação do
café servia para a modernização e reformas urbanísticas em algumas cidades
como, por exemplo, o Rio de Janeiro, capital do país naquele momento. Uma
literatura mais engajada criticava e tematizava as diferenças sociais existentes no
país, isso era visto como um problema para a propaganda oficial da Velha
República que buscava demonstrar que o país estava se modernizando e
democratizando.
O Brasil do início do século XX mantém as ideologias de finais do século XIX:
positivista e liberal. Entretanto, percebemos o fortalecimento das oligarquias civis
proveniente de setores rurais. Começou a surgir uma burguesia industrial oriunda de
São Paulo, Minas e Rio de Janeiro provenientes da produção e exportação do café.
A urbanização e a imigração começam a trazer novas ideologias progressistas para
o país, mas iam de choque ao tradicionalismo agrário existentes no Brasil.

226
Diversas revoltas e manifestações sociais ocorreram nesse momento como a
Revolta contra a Vacina Obrigatório (Rio de Janeiro, 1904), a Revolta da Chibata
(Rio de Janeiro, 1910), greves operários (São Paulo, 1917-1919), Guerra de Canudos
(Bahia, 1896-1897), Revolta do Contestado (Santa Catarina, 1912-1916) e o Levante
de Juazeiro (Ceará, 1911-1914). Percebemos essas manifestações e movimentos
acontecendo em dois Brasis paralelos, um mais urbanizado e outro voltado para o
meio rural com a proliferação de cangaceiros e grupos messiânicos. Assim, a
República Velha pode ser vista como “dois brasis” se chocando: um mais
tradicionalista, agrário e conservado x um que detinha o poder e era visto como
industrial, urbano e modernizado.
A grande contribuição da literatura Pré-Modernista foi justamente a
descoberta de um Brasil que não aparecia nas propagandas oficiais. Dessa forma,
um nacionalismo mais progressista e crítico começou a ganhar espaço no lugar de
um nacionalismo mais conservador e oficial.
Os personagens tipos como, por exemplo, o sertanejo, os habitantes dos
subúrbios cariocas e o caipira paulista ganharam espaços nas produções literárias
desse momento. A partir dos pré-modernistas os diferentes Brasis começaram a
aparecer na literatura nacional.
O Pré-Modernismo foi responsável por uma renovação na linguagem literária
pela incorporação de elementos do regionalismo e formas populares. Seu estilo se
tornou mais simples e despojado, fazendo uma aproximação com a literatura
jornalística daquele momento.

226
16.1.1 Euclides da Cunha

Figura 15: Euclides da Cunha

Fonte: Aventuras na história


Disponível em: https://bit.ly/3K7RY2C. Acesso em: 09 jan. 2021.

Euclides da Cunha (1866-1909) era natural do Rio de Janeiro e estudou na


Escola Militar, formou-se em engenharia. Teve uma formação positivista e era
republicano convicto, demonstrava interesse por ciências naturais e filosofia. Viveu
em São Paulo e trabalhou como jornalista. Em 1897, foi enviado pelo jornal O Estado
de São Paulo para o sertão da Bahia para cobrir a Guerra de Canudos.
Como ex-militar, Euclides da Cunha informou com precisão os movimentos da
guerra nas últimas semanas do conflito. Suas mensagens permitiam que as demais
regiões do país acompanhassem o desenrolar do conflito. Cinco anos depois do
término do conflito, publicou a obra Os sertões que narra e analisava os
acontecimentos de Canudos.
Durante a Guerra de Canudos, os militares mantinham os jornais sobre
censura. Apenas era visto a versão oficial da guerra: a República contra focos
monarquistas na Bahia. Ao fim do conflito, as verdades sobre as suas causam
começaram a aparecer. A obra ‘Os sertões’ buscou rever a versão oficial da Guerra
de Canudos.
Apropriados em teorias científicas (determinismo, positivismo, sociologia e
geografia rural), Euclides da Cunha pretendia contar o que presenciou no sertão e
explicar o fenômeno que ocorreu na localidade de Canudos. Dessa forma, ‘Os
sertões’ é uma obra literária com fundo histórico, rigor científico e estilo literário.
A obra organizava-se em três partes. “A terra” que descrevia as condições do
meio sertanejo; “O homem” que descrevia os costumes do sertanejo; “A luta” que
descrevia a batalha em Canudos e seu fim trágico.
Euclides da Cunha buscou demonstrar que o problema ocorrido em
Canudos é decorrente do isolamento social, econômico e político do Nordeste em
relação ao resto do Brasil. Ele quebrou o mito que Canudos buscou destruir a
República, discurso que foi propagado oficialmente pelas Forças Armadas.

16.1.2 Lima Barreto

Figura 16: Lima Barreto

Fonte: Por dentro da África


Disponível em: https://bit.ly/34glhRk. Acesso em: 09 jan. 2021.

Lima Barreto (1881-1922) era natural do Rio de Janeiro e de família humilde.


Com a proteção do Visconde de Ouro Preto conseguiu fazer o curso secundário no
Colégio Pedro II e ingressou no curso de engenharia, que não terminou em
decorrência de problemas pessoais.
Devido seus problemas pessoais, o preconceito de cor que era vítima, as
dificuldades econômicas e sociais, Lima Barreto tornou-se um importante crítico
social em seus escritos. Ele foi um dos poucos em nossa literatura que combateu o
preconceito e a descriminação do mulato e do negro no país.
Lima Barreto descrevia importantes fatos ocorridos durante a República
Velha, assim podemos considerá-lo um escritor do seu tempo e do seu país.
Entretanto, era conservador a respeito das novidades da modernidade trazidas na
Europa. Em seus escritos percebemos a reprodução de alguns momentos históricos
como, por exemplo, a política do café, os governos de Hermes da Fonseca, a
participação do Brasil na Primeira Guerra Mundial, as primeiras revoltas contra
Floriano Peixoto e as campanhas contra a febre amarela.
Uma de suas principais obras foi ‘Triste fim de Policarpo Quaresma’ que relata
as frustrações dos ideais de Policarpo Quaresma que era funcionário público,
homem metódico e nacionalista ufanista.
Policarpo Quaresma é apresentado na primeira parte do romance como um
sonhador e ingênuo das qualidades do país: cultura popular, fauna, flora e outros.
Sua primeira frustração se dá quando ele propõe o tupi como língua oficial do Brasil,
o resultado da sugestão é sua internação no hospício.
Na segunda parte, foi mostrado Policarpo aposentado e confiante nas
qualidades da terra brasileira, dedicando-se a agricultura em seu sítio. Entretanto,
deparou-se com várias problemáticas: esterilidade do solo e as dificuldades dos
pequenos agricultores do país.
Na última parte da obra, foi apresentado sua participação como voluntário
na Revolta da Armada ocorrida no Rio de Janeiro. Ele criticou as injustiças que foram
praticadas contra os prisioneiros. Em razão disso, é preso e condenado ao
fuzilamento pelo seu principal ídolo da República, Floriano Peixoto.
Na obra de Lima Barreto, percebemos uma descrição da política nacional no
início da República e traça as condições sociais no Rio de Janeiro nos primeiros anos
do novo regime.

16.1.3 Monteiro Lobato

Figura 17: Monteiro Lobato

Fonte: A voz da Serra


Disponível em: https://bit.ly/3tt2udV. Acesso em: 09 jan. 2021.
Monteiro Lobato (1882-1948) era natural da cidade de Taubaté. Sua atuação
na sociedade brasileira nas primeiras décadas do século XX foram em vários
sentidos: políticos, econômicos e sociais. Ele era moralista, aspirava o progresso
material e mental da sociedade brasileira.
Lobato criticava a face de um Brasil atrasado, agrário e ignorante com seus
vícios. Ele tinha o ideal de um país moderno que seria estimulado pelas ciências e o
progresso. Ele tornou-se um importante editor, criou a primeira editora nacional e
mais tarde a Editora Brasiliense e a Companhia Editora Nacional.
Em 1930, participou atividade na defesa e na luta da valorização das reservas
naturais brasileiras. Em 1936, com a publicação de O escândalo do petróleo
denunciava a exploração dos recursos brasileiros por empresas internacionais e
envolvimento das autoridades brasileiras. Em 1941, durante a ditadura varguista foi
preso por ataque ao governo.
Monteiro Lobato é considerado um dos autores do regionalismo no Pré-
Modernismo e sua produção envolve-se principal pela produção de contos.
Normalmente, seus escritos reproduzem o Vale do Paraíba na crise do café.
Foi um autor que possuía bastante conhecimento da situação social nacional
e internacional. Entretanto, posicionou-se contrário as primeiras manifestações
modernistas em São Paulo. O episódio mais conhecido disso foi as críticas as pinturas
de Anita Malfatti. Entretanto, em 1920, tornou-se membro da direção da Revista do
Brasil e foi um dos colaboradores das divulgações dos modernistas.
É importante salientar que Monteiro Lobato foi um dos primeiros autores
infantis da nossa literatura e da América Latina. Seus principais personagens nesse
campo foram Pedrinho, a boneca Emília, Dona Benta, Narizinho, Tia Nastácia,
Visconde de Sabugosa que ficaram conhecidos por inúmeras gerações através de
seus livros e as adaptações televisivas.

16.1.4 Augusto dos Anjos


Figura 18: Augusto dos Anjos

Fonte: Brasil Escola


Disponível em: https://bit.ly/34cmrx4. Acesso em: 09 jan. 2021

Augusto dos Anjos (1884-1914) era natural da Paraíba e estudou direito em


Recife. Morou no Rio de Janeiro e Minas Gerais. Após exercer profissões na área do
direito, tornou-se professor de literatura.
Sua produção voltou-se a poesia. Augusto dos Anjos é considerado um
representante de uma experiência única na literatura: a união do cientificismo vindo
dos naturalista com o Simbolismo.
Sua única obra, ‘Eu’ (1912), choca pela agressividade dos vocabulários e pela
visão angustiante da vida e do universo. Aborda temas inquietantes como vermes,
sêmen, prostitutas e a química do corpo humano.
Ele acreditava que existia apenas a supremacia da ciência no mundo e tudo
que compõe o mundo se arrastaria para a podridão. Sua poesia é anti-lírica e seus
poemas deram início a discussão do que seria uma boa poesia, tema que os
modernistas retomariam posteriormente.
Vejamos abaixo um soneto do poeta:

Vês?! Ninguém assistiu ao formidável


Entendo de tua última quimera
Somente a Ingratidão – esta pantera
Foi tua companheira inseparável!

Acostuma-te à lama que espera!


O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.

Toma um fósforo. Acende teu cigarro!


O beijo, amigo, é a véspera do escarro.
A mão que afaga é a mesma que apedreja.

Se a alguém causa inda pena a tua chagam


Apedreja essa mão vil que afaga,
Escarra nessa boca que te beija!
(ANJOS, Augusto do. 1965, p. 146.)

A linguagem empregada nesse poema apresenta palavras que são


considerados de baixo nível como, por exemplo, a palavra escarro. O poema
apresenta um tom coloquial e cotidiano da linguagem, um exemplo disso é a 3ª
estrofe “Toma um fósforo. Acende teu cigarro!”. E o poema é fortemente carregado
de uma carga pessimista.

16.2 A PRIMEIRA GERAÇÃO MODERNISTA

A Semana de Arte Moderna, em 1922, iniciou oficialmente o Modernismo no


Brasil. Entretanto, desde a década de 1910 já havia manifestações culturais de um
grupo de intelectuais (Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Manuel Bandeira,
Juó Bananére, Di Cavalcanti e Anita Malfatti) que foram a vanguarda modernista
no Brasil.
Diversos fatos importantes precederam a Semana de Arte Moderna e o mais
conhecido e marcante foi em 1917, a publicação no jornal O Estado de São Paulo
do texto de Monteiro Lobato que foi um violenta crítica a exposição da pintora Anita
Malfatti que ficou intitulada “Paranoia ou Mistificação?”:

Há duas espécies de artistas. Uma composta dos que vêm


normalmente as coisas e em consequência disso fazem arte pura,
guardando os eternos ritmos da vida, e adotados para a
concretização das emoções estéticas, os processos clássicos dos
grandes mestres (...). A outra espécie é formada pelos que veem
anormalmente a natureza, e interpretam-na à luz de teorias efêmeras,
sob a sugestão estrábica de escolas rebeldes, surgidas cá e lá como
furúnculos da cultura excessiva. São produtos do cansaço e do
sadismo de todos os períodos de decadência: são frutos de fins de
estação, bichados ao nascedouro. (...)
Essas considerações são provocadas pela exposição da Sra. Malfatti,
onde se notam acentuadíssimas tendência para uma atitude estética
forçada no sentido das extravagâncias de Picasso e companhia. (...)
(LOBATO, Monteiro. 1917)
A Semana de Arte Moderna ocorreu entre os dias 13 a 18 de fevereiro de 1922,
no Teatro Municipal de São Paulo, contou com a participação de artistas
principalmente de São Paulo e Rio de Janeiro.
Ocorreu exposição de artistas plásticos como Zina Aita, Di Cavalcanti, Anita
Malfatti e outros. Todo a semana o teatro ficou aberto ao público. E nas noites de
13, 15 e 17 foram realizadas apresentações de poemas, música, danças e
conferências.
O aparecimento do Modernismo no Brasil está fortemente ligado a
industrialização de São Paulo a partir do início do século XX. Nesse momento, o
capital proveniente da exportação de café com o capital industrial, fizeram São
Paulo ficar conhecido como locomotiva do país. São Paulo tomava o lugar do Rio
de Janeiro como polo cultural e econômico do país.
A cidade tornava-se símbolo do trabalho, modernização e progresso devido
a chegada de imigrantes europeus que eram uma mão de obra barata para suprir
a necessidade de trabalhos naquele momento. Além disso, a cidade passava por
um ritmo rápido de urbanização e industrialização.
Nesse contexto, ocorre o aparecimento de uma nova burguesia oriunda dos
imigrantes em ascensão e da aristocracia rural cafeeira. Essas camadas tornaram-
se comprometidas com o crescimento industrial e buscavam a renovação dos meios
culturais do país. Eles viam nos intelectuais vindos da Europa a proposta dessa
renovação, pois traziam ideias e propostas das vanguardas artísticas que estavam
prosperando em terras europeias.
É interessante assinalarmos que a Semana de Arte Moderna teve patrocínio
de importantes membros da elite daquele momento. Entretanto, a exposição
artística trouxe uma certa estranheza e repúdios para essas mesmas classes que
queriam uma renovação cultural do país.

16.2.1 Correntes Modernistas

A união em torno da Semana de Arte Moderna não pendurou por muito


tempo. Os modernistas dividiram-se em movimentos e grupos que mostravam suas
preferências estéticas e ideológicas:
Movimento Pau-Brasil: tinha como finalidade a revalorização dos elementos
primitivos de nossa cultura e criticava o falso nacionalismo. Participaram dele:
Oswald de Andrade, Mário de Andrade, Raul Bopp, Alcântara Machado e Tarsila do
Amaral;
Movimento Verde-Amarelo: foi liderado por Plínio Salgado, Cassiano Ricardo
e Menotti Del Picchia, possuía uma postura nacionalista e repudiavam tudo que
vinha de fora. Esse movimento mostrou-se extremamente reacionário,
principalmente devido Plínio Salgado e sua ligação com a extrema direita brasileira
baseado nos moldes fascistas, o Integralismo;
Movimento Antropofágico: foi lançado em 1928 e era uma radicalização do
movimento Pau-Brasil, seus participantes eram os mesmo do movimento anterior;
Movimento Espiritualista: foi um movimento que se manteve preso as
influências simbolistas, mas assimilou as renovações da linguagem modernista. Teve
como principais representantes Augusto Frederico Schmidt, Murilo Mendes, Cecília
Meireles, Tasso da Silveira, Adelino Magalhães e Murilo Araújo.

16.2.2 Oswald de Andrade

Oswald de Andrade (1890-1954), oriundo de uma rica família paulista, cursou


direito e ingressou na carreira jornalística. Em 1911, fundou a revista semanal O
Pirralho, que com Alcântara Machado e Juó Bananére comandou até 1917.
Defendeu Anita Malfatti no Jornal do Commercio a respeito das críticas de Monteiro
Lobato. Em 1926, casou-se com Tarsila do Amaral.
Com a Crise de 1929 sofreu fortes abalos econômicos. Em 1930, casou-se com
Patrícia Galvão (a Pagu) e militou nos meios operários com sua entrada no Partido
Comunista, em 1931, no qual permaneceu até 1945. Nesse período produziu o
Manifesto Antropofágico, Serafim Ponte Grande e O rei da vela.
Oswald de Andrade tinha uma escrita irônica e buscava satirizar os meios
acadêmicos e da alta sociedade brasileira. Ele defendia a valorização de nossas
origens nacionais, do passado histórico e cultural, mas de forma crítica através da
paródia e ironias da nossa história colonial.
Vejamos um pouco da sua poesia que buscou apresentar as cores locais:

Bucólica

Agora vamos correr o pomar antigo


Bicos aéreos de patos selvagens
Tetas verdes entre folhas
E uma passarinhada nos vaia
Num tamarindo
Que decola para o anil
Árvores sentadas
Quitandas vivas de laranjas maduras
Vespas
(ANDRADE, Oswald de. 1978)

Sua poesia buscava quebrar os padrões da língua literária culta e buscava


uma língua brasileira que incorporava os “erros” gramaticais, que eram vistos como
uma verdadeira contribuição do nosso nacionalismo. Vemos um exemplo disso no
poema a seguir:

Pronominais

Dê-me um cigarro
Diz a gramática
Do professor e do aluno
E do mulato sabido
Mas o bom negro e o bom branco
Da Nação Brasileira
Dizem todos os dias
Deixa disso camarada
Me dá um cigarro.
(ANDRADE, Oswald de. 1978)

Entre sua produção em prosa destaca-se as obras Os condenados (1922),


Estrela do absinto (1927), Memórias Sentimentais de João Miramar (1924) e Serafim
Ponte Grande (1933).
16.2.3 Mário de Andrade

Mário de Andrade (1893-1945) era natural de São Paulo e buscou retratar a


cidade em suas obras. Estudou música no Conservatório Musical e tornou-se crítico
de arte em jornais e revistas.
Com o pseudônimo de Mário Sobral publicou seu primeiro livro aos 20 anos
intitulado Há uma gota de sangue em cada poema em que fazia críticas as mortes
provocadas pela Primeira Guerra Mundial
Ele teve um papel importante na implantação do Modernismo no Brasil. Ele
teve a postura de rever o passado em vez de negá-los radicalmente, como muitos
modernistas fizeram, e escreveu importantes ensaios literários de grande
contribuição.
Foi Diretor do Departamento de Cultura da Prefeitura de São Paulo,
funcionário público do Serviço de Patrimônio Histórico, do Ministério da Educação e
teve carreira de professor universitário.
Sua primeira obra de fato modernista, foi Pauliceia desvairada, publicada em
1922. Nessa obra se propõe uma nova linguagem poética, baseando-se nos versos
livres, nas rupturas sintáticas, na fragmentação e nos neologismos. Como podemos
observar essas marcas no poema abaixo chamado de Inspiração:

Inspiração

São Paulo! Comoção de minha vida...


Os meus amores são flores feitas de original...
Arlequinal!... Traje de losangos... Cinza e ouro...
Luz e bruma.., Forno e inverno morno...
Elegâncias sutis sem escândalos, sem ciúmes...
Perfumes de Paris... Arys!
Bofetadas líricas no Trianon... Algodoal!...

São Paulo! Comoção de minha vida...


Galicismo a berrar nos desertos da América!
(ANDRADE, Mário de. s.d.)

A partir da década de 1930, a poesia de Mário de Andrade sofreu algumas


mudanças. Tomou então duas direções: tornou-se mais intimista e introspectiva; e de
outro uma poesia política, de combate as injustiças sociais, linguagem agressiva e
explosiva que um dos exemplos é sua obra Lira paulista (1946).
Em sua produção em prosa, destaca-se a obra Macunaíma publicado em
1928, que é vista como a mais importante realização da Primeira Geração do
Modernismo.
Macunaíma representava a realização do projeto nacionalista dos escritores
pertencentes a esse primeiro grupo. A linguagem presente na obra é rica em
vocábulos africanos, indígenas, expressões e provérbios populares derivados das
pesquisas empreendidas pelo autor para a construção do livro. E o mais interessante
da obra é que Macunaíma era um personagem anti-herói que representaria todos
os brasileiros.
FIXANDO O CONTEÚDO

1. (SEDUC-CE). Sabendo que se denomina de Pré-Modernismo tudo que aconteceu


no âmbito artístico-cultural no Brasil, no século XX, antes da Semana da Arte
Moderna, assinale a afirmação verdadeira.

a) Na prosa, a arte pré-modernista volta-se para questões políticas, econômicas e


sociais, representadas, sobretudo, nas obras “Os Sertões”, de Euclides da Cunha;
“Canaã”, de Graça Aranha; “Triste Fim de Policarpo Quaresma”; de Lima Barreto;
e “Jeca Tatu”, de Monteiro Lobato.
b) O principal legado das vanguardas europeias para a literatura brasileira, além da
influência localizada em alguns poetas e escritores, é o impulso de destruir os
modelos arcaicos, desfiar o gosto estabelecido e propor um olhar novo para o
mundo.
c) No começo do século XX, a multiplicidade de ruptura de ismos revela a
efervescência caótica por que passava a Europa, que, por extensão, influencia a
arte brasileira, por exemplo: no Cubismo, a poesia “Bangalô”, de Oswald de
Andrade; no Futurismo, “Ode Triunfal”, de Álvaro de Campos; no Dadaísmo,
“Prefácio Interessantíssimo”, de Mário de Andrade; e no Surrealismo,
“Aproximação do terror”, de Murilo Mendes; no Expressionismo, “Amar, verbo
intransitivo”, de Mário de Andrade.
d) O Pré-Modernismo é considerado um período de transição e não uma escola
literária, pois conserva algumas tendências das estéticas da segunda metade do
século XIX (Romantismo, Realismo, Parnasianismo e Simbolismo), ao mesmo tempo
que antecipa outras, aprofundadas durante o Modernismo.
e) Nenhuma das alternativas anteriores.

2. (MACK). Sobre o Pré-Modernismo é INCORRETO afirmar que:

a) Sua prosa aproxima-se da realidade, expondo e denunciando os contrastes e as


mazelas socioeconômicas brasileiras.
b) É um período de transição das prosas realista e naturalista e das poesias
parnasiana e simbolista para produção literária modernista brasileira.
c) São alguns de seus prosadores: monteiro lobato, euclides da cunha, lima barreto
e graça aranha.
d) É uma escola literária brasileira que sofreu forte influência do estilo moderno da
prosa portuguesa.
e) Sua prosa retrata diferentes realidades brasileiras, dentre elas: os subúrbios
cariocas, o interior paulista e o sertão nordestino.

3. (FCC-BA). Obra pré-modernista eivada de informações histórias e científicas,


primeira grande interpretação da realidade brasileira, que, buscando
compreender o meio áspero em que vivia o jagunço nordestino, denunciava uma
campanha militar que investia contra o fanatismo religioso advindo da miséria e
do abandono do homem do sertão. Trata-se de:

a) O sertanejo, de José de Alencar.


b) Pelo sertão, de Afonso Arinos.
c) Os Sertões, de Euclides da Cunha.
d) Grande Sertão: veredas, de Guimarães Rosa.
e) Sertão, de Coelho Neto.

4. (UFR-RJ). O autor de Triste fim de Policarpo Quaresma é um pré-modernista e


aborda em seus romances a vida simples dos pobres e dos mestiços. Reveste o
seu texto com a linguagem descontraída dos menos privilegiados socialmente.

O autor descrito acima é:

a) Euclides da Cunha.
b) Graça Aranha.
c) Manuel Bandeira.
d) Lima Barreto.
e) Graciliano Ramos.

5. (SEDUC-CE). O Modernismo brasileiro é tradicionalmente dividido em três fases:


primeira fase (fase heroica), segunda fase (geração de 1930) e terceira fase
(geração de 1945). Particularizando, assinale a opção correta sobre a primeira
fase.
a) A primeira geração modernista é representada, principalmente, pela “tríade
modernista”, isto é, os escritores Mário de Andrade, Vila-Lobos e Oswald de
Andrade, que deram continuidade aos postulados de 1922, apresentando uma
estética transgressora, testando os limites da forma e do conteúdo e combatendo
as escolas tradicionais da literatura brasileira.
b) “Paulicéia Desvairada”, cujo autor é Mário de Andrade, é o título do romance
considerado como marco inicial do Modernismo brasileiro.
c) Uma das características da primeira fase do Modernismo no Brasil é a reescritura
de textos do passado, por exemplo: Oswald de Andrade pinçou trechos de “A
Carta de Pero Vaz de Caminha” (prosa) e remontou-os em forma de poema;
além disso, ele fez uma paródia de um dos mais famosos poemas do Romantismo
da literatura brasileira, a “Canção de Exílio”, de Gonçalves Dias.
d) Além da conhecida “tríade modernista”, são autores do Modernismo da primeira
fase no Brasil: Manuel Bandeira, Menotti Del Picchia, Raul Bopp, Jorge Amado,
Cassiano Ricardo, Guilherme de Almeida, Ronald de Carvalho, Alcântara
Machado e Plínio Salgado.
e) Nenhuma das alternativas anteriores.

6. (UNEMAT). Erro de português

Quando o português chegou


Debaixo de uma bruta chuva
Vestiu o índio
Que pena!
Fosse uma manhã de sol
O índio tinha despido
O português.
Andrade, Oswald. In: Faraco & Moura.
Língua e literatura.V. 3, São Paulo: Ática, 1995. p. 146-147.

Em relação ao poema de Oswald de Andrade, é correto afirmar que:

a) O quarto verso do poema "Que pena!" se refere à situação enfrentada pelos


portugueses durante a colonização do Brasil, que foi o mau tempo.
b) O título faz referência à ideia de que o português cometeu o erro de vir ao Brasil
no período mais chuvoso, ao invés de vir no período de estiagem.
c) O poema se apresenta numa linguagem coloquial e cômica, muito típica aos
modernistas brasileiros, no qual a situação inventada remete ao início da
colonização do Brasil pelos portugueses.
d) O ato de "vestir o índio" deixa subentendido que os portugueses se preocuparam
com a situação precária dos indígenas por não terem roupas para se vestir.
e) O poema revela que no dia do descobrimento do Brasil estava chovendo muito
e os portugueses ofereceram roupas para os índios se aquecerem.

7. (UNESP). Indo às consequências finais da posição de José de Alencar no


Romantismo, esse autor adotou como base da sua obra o esforço de escrever
numa língua inspirada pela fala corrente e os modismos populares, não hesitando
em usar formas consideradas incorretas, desde que legitimadas pelo uso brasileiro.
Com isso, foi o maior demolidor da “pureza vernácula” e do “culto da forma”.

(Antonio Candido. Iniciação à literatura brasileira, 2010. Adaptado.)

O texto refere-se a:

a) Olavo Bilac.
b) Machado de Assis.
c) Mário de Andrade.
d) Aluísio Azevedo.
e) Euclides da Cunha.

8. (UNESP). Leia o poema “Pobre alimária”, de Oswald de Andrade, publicado


originalmente em 1925.

O cavalo e a carroça
Estavam atravancados no trilho
E como o motorneiro se impacientasse
Porque levava os advogados para os escritórios
Desatravancaram o veículo

E o animal disparou
Mas o lesto carroceiro
Trepou na boleia
E castigou o fugitivo atrelado
Com um grandioso chicote
(Pau-Brasil, 1990.)

Considerando o momento de sua produção, o poema


a) Celebra a persistência das tradições rurais brasileiras, que inviabilizaram o avanço
do processo de industrialização de São Paulo.
b) Valoriza a variedade e a eficácia dos meios de transporte, que contribuíam para
impulsionar a economia brasileira.
c) Critica a recorrência das práticas de exploração e maus tratos aos animais nos
principais centros urbanos brasileiros.
d) Registra uma rápida cena urbana, que expõe tensões e ambiguidades no
processo de modernização da cidade de São Paulo.
e) Exemplifica o choque social constante entre as elites enriquecidas e a população
pobre da cidade de São Paulo.
A GERAÇÃO DE 30 OU SEGUNDA UNIDADE
GERAÇÃO MODERNISTA: POESIA E
PROSA

17.1 CONTEXTO HISTÓRICO E CARACTERÍSTICAS


17
O Brasil da Segunda Geração dos Modernistas é marcado pelo fim da
República Velha e o início da Revolução de 1930, momento que se teve início a
assim chamada Era Vargas.
A Era Vargas esteve preocupada em promover a conciliação entre os setores
urbanos e agrários do país, além de buscar diversificar o capital nacional que até
então estava concentrado na produção cafeeira. A industrialização começa a
acelerar e remodela nossa estrutura agroexportadora.
A Segunda Fase do Modernismo começa com a publicação de Alguma
poesia de Carlos Drummond de Andrade e se encerrou em 1945.
O verso livre, a introdução prosaica, linguagem coloquial e irônica,
antiacadêmica, engajamento literário, liberdade temática tornaram-se uma das
marcas dessa geração. Essa segunda fase é conhecida por Geração de 30.
A Geração de 30, insere as reivindicações da Primeira Geração Modernista
(22) e o torna mais amadurecido. Ao mesmo tempo, busca revalorizar a tradição
com os novos tempos. Os gêneros literários desse momento voltam-se para o
dramático, lírico e épico e suas formas poéticas ficam como o soneto ganham
grande espaço.
Na prosa, ocorre o aparecimento do Neorrealismo com as figuras de
Graciliano Ramos, Rachel de Queirós, Jorge Amado, José Lins do Rego e José
Américo de Almeida.
Tanto na poesia quanto na prosa, ocorre a mudança de enfoque temático
ao nacionalismo da Primeira Geração. O nacionalismo da segunda geração torna-
se uma consciência social e abrange questões regionais e universalistas.
Para os poetas dessa geração, eles são conscientes que as problemáticas do
mundo têm uma esfera social e política. Dessa forma, estando diretamente ligada
ao sistema capitalista e as desigualdades dele resultantes. Os poetas dessa geração

244
são conhecidos como poetas de cosmovisão, pois tem uma visão abrangente do
seu momento de vida e buscam transformá-lo.

17.1.1 Carlos Drummond de Andrade

Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) natural de Itabira, Minas Gerais, é


o principal representante da Segunda Geração Modernista. Fez o curso de
Farmácia, mas nunca exerceu a profissão. Dedicou a vida ao jornalismo e tornou-se
funcionário público.
Em 1925, fundou A Revista uma publicação dos modernistas de Minas Gerais
e em 1928, publicou o poema No meio do caminho na Revista de Antropofagia:

No meio do caminho

No meio do caminho tinha uma pedra


tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.

Nunca me esquecerei deste acontecimento


na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra.
(ANDRADE, Carlos Drummond de., 1980, p. 12.)
Nos anos de 1940, apoiou a causa socialista e apoio um jornal comunista do
Partido Comunista Brasileiro. Na década seguinte, tornou-se cético politicamente.
Podemos dividir a produção de Carlos Drummond de Andrade em quatro
fases: gauche (anos de 1930), fase social (1940-1945), fase do não (décadas de 1950
e 1960) e a fase da memória (décadas de 1970-1980).
A fase gauche de Carlos Drummond de Andrade apresentou recursos que
remetem a primeira geração modernista como a ironia, a linguagem coloquial e o
humor. A palavra gauche significa aquele que se sente às avessas, torto, que não
conseguiria estabelecer uma relação com a sociedade. Ao gauche buscaria
comunicar com o mundo por meio da poesia:

Poesia

Gastei uma hora pensando em verso


que a pena não quer escrever.
No entanto ele está cá dentro
inquieto, vivo.

Ele está cá dentro


e não quer sair.
Mas a poesia deste momento
imunda minha vida inteira.
(ANDRADE, Carlos Drummond de., 1980, p. 16.)

Em sua fase social, o eu lírico dos poemas preocupam-se com as causas dos
problemas sociais. Essa sua fase é marcada pelo contexto histórico, a Segunda
Guerra Mundial. A publicação que maior representa essa fase é o livro Sentimento
do Mundo (1940).
Em sua fase do não, a principal publicação que representa esse momento é
Claro enigma (1951) que buscava uma poesia reflexiva, metafísica e filosófica.
Já sua última fase, é marcada pelo universo da memória. Nela aparece temas
que já permearam a escrita do autor ao longo de sua trajetória como, por exemplo,
Itabira, a infância, família, humor cotidiano, o pai e a autoironia.
Em sua obra póstuma, Farewell (1996) estão presente vários elementos que
marcaram toda sua produção artística: reflexão filosófica, erotismo contidos, ironia,
humor e o ceticismo.
17.1.2 Murilo Mendes

Murilo Mendes (1901-1975) era natural de Juiz de Fora, Minas Gerais. Trabalho
como inspetor de ensino, funcionário da justiça, bancário até se mudar para a
Europa em 1953. Trabalhou em diversos países europeus como professor de literatura
brasileira.
A poesia de Murilo Mendes defende uma linguagem fragmentas, imagens
insólitas e uma visão messiânica da realidade. Em sua poesia, é defendo que o
mundo seria o próprio caos e sua poesia buscava essa reconstrução, subversão das
coisas.
Em 1930, publicou sua primeira obra Poemas e nela se marca alguma de suas
temáticas como, por exemplo, a presença constante de símbolos, metáforas,
inclinação para o surrealismo, lucidez, delírio, realidade e mito. Ainda na década de
1930, tornou-se adepto do marxismo e com isso criou a obra Bumba-meu poeta
(publicada em 1959) que demonstraria uma preocupação com a classe operária.
Em 1935, juntamente com o poeta Jorge de Lima escreveu o livro Tempo e
eternidade que mantém seus traços anteriores e concilia-los com uma poesia de
fundo religioso. Sua visão própria de religião dentro da poesia podemos observar no
poema a seguir:

Filiação

Eu sou da raça do Eterno.


Fui criado ao princípio
E desdobrado
em muitas gerações
Através do espaço
e do tempo.
Sinto-me acima das bandeiras,
Tropeçando em cabeças de chefes
Caminho no mar
na terra e no ar
Eu sou da raça
Do Eterno,
Do amor que unirá
todos os homens:
Vinde a mim,
órfãos da poesia,
Choremos sobre
o mundo mutilado.
(MENDES, Murilo. 2000.)

Em suas últimas publicações, Siciliana, Tempo espanhol, Convergência


percebemos traços do neologismo, exploração de sinais gráficos e do espaço da
página, a oposição semântica e fonética e uma construção sintática.

17.1.3 Cecília Meireles

Cecília Meireles (1901-1964) nasceu no Rio de Janeiro, tornou-se professora e


é uma das principais escritora da nossa literatura brasileira e uma das principais vozes
femininas dentro da geração Modernista.
Em 1919, lançou seu primeiro livro de poemas chamado de Espectros que foi
muito bem recebido pela crítica da época. Em 1930, começou a lecionar literatura
luso-brasileira na Universidade do Distrito Federal e dar conferências e cursos em
outros países como Portugal e Estados Unidos.
Suas primeiras publicações, Espectros (1919), Nunca mais... e poemas dos
poemas (1923) e Baladas para El-Rei (1925) percebemos uma certa inclinação e
desenvolvimento de tendências neo-simbolistas.
Participou de publicações na revista Festa que tinha orientação espiritualistas
e que defendiam a preservação de valores tradicionais na poesia.
Entre os temais mais presentes na sua poesia estão a água, o mar, o tempo, a
solidão, a música, o vento, o espaço e o ar. Além do orientalismo e espiritualismo
sempre presentes na escrita da poetisa. Percebemos a presença desses elementos
no poema a seguir:
Pequena canção da onda

Os peides de prata ficaram perdidos,


com as velas e os remos, no meio do mar.
A areia chamava, de longe, de longe,
Ouvia-se a areia chamar e chorar!

A arcia tem rosto de música


e o resto é tudo luar!

Por ventos contrários, em noite sem luzes,


do meio do oceano deixei-me rolar!

Meu corpo sonhava com a areia, com a areia,


desprendi-me do mundo do mar!

Mas o vendo deu na areia.


A areia é de desmanchar.
Morro por seguir meu sonho,
Longe do reino do mar!
(MEIRELES, Cecília., 1987, p. 145.)
Em 1953, publicou a obra Romanceiro da Inconfidência que marcaria sua
orientação intimista para a poesia. A partir dessas publicações, abriu espaços para
temáticas de cunho social e político, como a liberdade, a justiça, a ganância e a
miséria.
Percebemos na poesia de Cecília Meireles uma efemeridade do tempo, uma
escrita de viés reflexivo e filosófico com os temas que buscam tratar da
transitoriedade da vida, do amor, do infinito, da natureza e da própria produção
artística.

17.1.4 Vinícius de Moraes

Vinicius de Moraes (1913-1980) nasceu no Rio de Janeiro. Em 1928 e fez suas


primeiras composições musicais. No ano seguinte formou em Letras e em 1933
terminou Direito, mesmo ano que publicou sua obra O caminho para a distância.
Na década de 1940 começou sua carreira como diplomata e jornalística,
além de crítico de cinema e cronista. Viveu muitos anos fora do Brasil devido a
carreira diplomática, conhecendo intelectuais e artistas de todo mundo.
Nos anos de 1950 começou a compor suas primeiras músicas. Vocês devem
conhecer estes versos do poeta? De Garota de Ipanema

Olha que coisa mais linda


Mais cheia de graça
É ela menina
Que vem e que passa...

Ou os versos seguintes, que foram escritos juntos com Tom Jobim:

Quando a luz dos olhos meus


E a luz dos olhos seus
Resolvem se encontrar
Ai que bom que é isso, meu Deus,
Que frio que me dá o encontro desse olhar.

Esses versos demonstram o impacto de Vinicius de Moraes na música popular


brasileira. Ele se uniu com outros compositores nas décadas de 1950 e 1960 como
Tom Jobim e João Gilberto e foram responsáveis pelo aparecimento do movimento
Bossa Nova.
Em 1955, publicou sua obra Antologia poética. A primeira fase de sua poesia
é fortemente marcada por uma preocupação religiosa e pela angústia da
condição humanas. Tendo versos excessivamente longos e em linguagem abstrata.
O erotismo torna-se uma das marcas da poesia de Vinicius de Moraes como
podemos observar no soneto a seguir:

Soneto de devoção

Essa mulher que se arremessa, fria


E lúbrica em meus braços, e nos seios
Me arrebata e me beija e balbucia
Versos, votos de amor e nomes feios.

Essa mulher, flor de melancolia


Que se ri dos meus pálidos receios
A única entre todas a quem dei
Os carinhos que nunca a outra daria

Essa mulher que a cada amor proclama


A miséria e a grandeza de quem ama
E guarda a marca dos meus dentes nela.

Essa mulher é um mundo! – uma cadela


Talvez... – mas na moldura de uma cama
Nunca mulher nenhuma foi tão bela!
(MORAES, Vinicius de., 1974, p. 156.)

Em 1956, publicou o poema O operário em construção que marca sua fase


de preocupação social nos seus escritos. Com uma linguagem simples e direta, o
poeta manifestava sua preocupação e solidariedade aos operários oprimidos.
Algumas marcas da escrita de Vinicius são seus sonetos. Os mais conhecidos
foram o Soneto de separação e o Soneto de Fidelidade

Soneto de separação

De repente do rio fez-se o pranto


Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.

De repente da calma fez-se o vento


Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama.

De repente, não mais que de repente


Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente.
Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.
(MORAES, Vinicius de., 1974, p. 226.)

Soneto de Fidelidade

De tudo, ao meu amor serei atento


Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.

Quero vive-lo em cada vão momento


E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento

E assim, quando mais tarde me procure


Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa me dizer do amor (que tive):


Que não se imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.
(MORAES, Vinicius de., 1974, p. 183.)

Vinícius de Moraes teve uma presença ativa na cultura brasileira na segunda


metade do século XX.

17.2 A PROSA DA SEGUNDA GERAÇÃO MODERNISTA

A Segunda Fase do Modernismo na prosa ficou conhecido como Romance


de 30. Em sua grande maioria, são escritores que aproveitaram tradições social e
psicológicas herdadas em final do século XIX.
Nesse cenário, ganha destaque a prosa regionalista nordestina que ficou
conhecida como prosa neorrealista, que foi a tendência que teve maior
repercussão e importância na época da sua publicação. Ela assumia uma posição
crítica à situação social da região do Nordeste, focalizou os problemas da seca, do
coronelismo e da decadência dos antigos engenhos de açúcar.
Essa geração foi fortemente influenciada pelos escritos de Gilberto Freyre
como o Manifesto regionalista (1926) e de Casa Grande & Senzala (1933). Seus
escritores buscaram redescobrir o Brasil e viam o regional a partir de uma perspectiva
política.

17.2.1 Rachel de Queiroz

Rachel de Queiroz (1910-2003) era de Fortaleza, Ceará. Mudou com sua família
para o Rio de Janeiro em 1917 e posteriormente retoma ao Ceará. Atuou como
professora do primário e começou a escrever, em 1927, ao jornal O Ceará seus
poemas e crônicas. Seu mais importante escrito veio em 1930, chamado de O quinze,
com apenas 20 anos de idade. Nos anos seguintes fez parte do Partido Comunista
Brasileiro e chegou a ser presa pela sua militância.
Sua escrita é marcada pelo dinâmico, com um discurso direto e que podemos
associar sua forma de narração as tradições novelísticas populares. Seus romances
demonstram uma intensa preocupação com as causas sociais. Os dois primeiros, O
quinze e João Miguel, retratam o tema da seca na região do Nordeste e tratam do
coronelismo e do sertanejo na região. Um aspecto interessante em sua obra, é o
aspecto psicológico que dá a seus personagens uma feição mais humana.
Em 1937, publicou a obra Caminhos de pedras que nitidamente possuía
inspiração ideológica. Essa obra é resultado do período de militância da autora. Em
1939, publicou As três Marias que aprofunda a característica psicológica em seus
romances. Diferente de suas obras anteriores ambientadas no Nordeste, nessa obra
a autora não quis analisar os problemas estruturais existentes na localidade.
17.2.2 Graciliano Ramos

Graciliano Ramos (1892-1953) é natural de Quebrângulo, no Alagoas. É


considerado um dos principais romancistas da Geração de 30 e trabalhou em
atividades ligadas ao jornalismo, além da própria literatura.
Em 1936, foi preso durante o Governo Vargas sobre a acusação de subversão.
Da sua experiência na prisão surgiu a obra Memórias do cárcere, que buscava ser
um depoimento da realidade brasileira na época da Era Vargas e denuncia o atraso
cultural e do autoritarismo governamental. Após sua libertação foi para o Rio de
Janeiro e posteriormente ingressou no Partido Comunista Brasileiro em 1945.
Em seus escritos percebemos um equilíbrio entre as análises sociológica e
psicológica. Entre suas principais obras de caráter regionalista podemos citar Caetés
(1933) e São Bernardo (1934), essa última apresentando uma notável evolução de
estilo e técnica.
Sua principal obra publicada em 1938 foi Vidas Secas que buscou em terceira
pessoa mostrar o fatalismo da realidade da seca nordestina e a sobrevivência de
figuras subumanas.
Graciliano Ramos ganha destaque comparado aos demais romancista da
época devido as qualidades universalistas apresentadas em seus escritos, sobretudo
por uma linguagem direta e conscientemente trabalhada.

17.2.3 José Lins do Rego

José Lins do Rego (1901-1957) nasceu em Pilar na Paraíba. Formou-se em


Direito em Recife onde teve contato com um grupo modernista que ali surgia,
formado por Gilberto Freyre e José Américo de Almeida. Trabalhou em Maceió
como promotor e foi nessa localidade que escreveu seus primeiros livros.
Teve convivência com Graciliano Ramos, Rachel de Queiroz e Jorge de Lima.
Atuou na imprensa e foi eleito para a Academia Brasileira de Letras pouco antes de
morrer.
Em suas obras percebemos uma ficção misturada com um teor memorialista
dos seus tempos de juventude, quando viveu na fazendo do avô paterno. Ele
escrevia de forma fluída, solta, popular e captava a vida nordestina por dentro. Suas
obras buscam mostrar as transformações de ordem econômico, política e social
frutos da decadência dos engenhos na região Nordeste.
Suas obras podem ser divididas em três ciclos:
• Ciclo da cana-de-açúcar  Menino de engenho, Doidinho, Benguê, Fogo
Morto e Usina;
• Ciclo do cangaço, misticismo e seca  Pedra Bonita e Cangaceiros;
• Obras independentes  são romances vinculados aos dois ciclos anteriores
como Moleque Ricardo, Pureza, Riacho Doce. E obras desvinculadas e com
nenhuma ligação aos dois ciclos anteriores como Água-mãe e Eurídice.

17.2.4 Jorge Amado

Jorge Amado (1912-2001) era natural de Pirangi, na Bahia. Estudou direito e


trabalhou na imprensa. Em 1931, foi para o Rio de Janeiro e ficou conhecido com a
publicação da obra O país do carnaval.
Foi um militante comprometido com a causa socialista e participou da
Aliança Nacional Libertadora e foi preso em 1936. No ano seguinte libertado, foi para
Buenos Aires, onde escreveu a biografia de Carlos Prestes. Em 1945, ao retornar para
o Brasil tornou-se deputado federal, mas teve seu mandato cassado.
Exilado, morou na França e na União Soviética, conheceu países do Leste
Europeu até 1952. Em 1959, tornou-se membro da Academia Brasileira de Letras.
Suas obras apresentam preocupação social e política, denunciadas em um
discurso direito, participante e lírico. Seus principais temas eram a infância
abandonada, os pobres, a miséria do negro, a opressão do trabalho rural e das
classes operárias, os pescadores de sua terra, a seca, o cangaço e o coronelismo.
Jorge Amado passou por diversas fases em suas escritas e sua última foi
voltada para as crônicas de costumes. De acordo com Alfredo Bosi (1978, p. 457),
Jorge Amado teve cinco fases que seriam:
• Um primeiro momento de águas-fortes da vida baiana, rural e citadina que lhe
deram a fórmula do romance proletário;
• Depoimentos líricos, sentimentais, espraiados em torno de rixas e amores
marinheiros (Jibiabá, Mar Morto, Capitães de Areia);
• Escritos de pregação partidária (O Cavaleiro da Esperança, O mundo da paz);
• Afrescos da região do cacau, que fazem um tom épico dos embates entre
coronéis e exportadores (Terra do Sem-Fim; São Jorge dos Ilhéus);
• Crônicas de costumes provincianos.
Em 1977, publicou Tieta do Agreste, obra da última de suas fases. O livro se
organiza em vários capítulos e em cada um deles o narrador faz uma apresentação.

17.2.5 Érico Veríssimo

Érico Veríssimo (1905-1975) era natural da cidade de Cruz Alta no Rio Grande
do Sul. Não teve formação superior, mas atuou no jornalismo e virou professor de
literatura nos Estado Unidos. Dirigiu um dos departamentos culturais da OEA
(Organização dos Estados Americanos).
Seu início na literatura foi com a obra Fantoches, uma coletânea de contos.
Posteriormente publicou Clarissa (1933), obra que seria a primeira de uma série de
romances (Caminhos cruzados, Música ao longe, Um lugar ao sol, Saga). Essa
primeira fase do romancista caracteriza o registro da vida urbana de Porto Alegre e
apresentação de problemas morais, humanos e sociais devido a valores em
decadência.
Sua segunda fase corresponde a publicação da obra O tempo e o vento,
que mostra a formação do Rio Grande do Sul. Essa obra é constituída em três partes:
O Continente, O retrato e O arquipélago. Sua narrativa gira em torno do relato da
formação político e econômica do Rio Grande do Sul, das suas origens até o ano de
1946.
Nas obras de Érico Veríssimo, percebemos o amadurecimento de processos
de linguagens, técnica e expressão. Podemos considerá-lo como um retratista dos
costumes do Rio Grande do Sul.
FIXANDO CONTEÚDO

1. (EsPCEX) É correto afirmar, em relação à poesia do segundo momento modernista


brasileiro, que:

a) Fortalece a busca pela poesia construtiva e apolitizada.


b) Deixa de ser influenciada por mário e oswald de andrade.
c) O poeta para de se questionar como indivíduo e como artista.
d) Se liberta das profundas transformações ocorridas no período.
e) Amadurece e amplia as conquistas da geração anterior.

2. (UFTM) Leia o texto de Carlos Drummond de Andrade.

O boi

Ó solidão do boi no campo,


ó solidão do homem na rua!
Entre carros, trens, telefones,
entre gritos, o ermo profundo.

Ó solidão do boi no campo,


ó milhões sofrendo sem praga!
Se há noite ou sol, é indiferente,
a escuridão rompe com o dia.

Ó solidão do boi no campo,


homens torcendo-se calados!
A cidade é inexplicável
e as casas não têm sentido algum.

Ó solidão do boi no campo!


O navio-fantasma passa
em silêncio na rua cheia.
Se uma tempestade de amor caísse!
As mãos unidas, a vida salva…
Mas o tempo é firme. O boi é só.
No campo imenso a torre de petróleo.

(José C. Drummond de Andrade. Em: Poesia e Prosa em um volume)

Afirma-se que Drummond

I. Foi prosador, conhecido por escrever contos e romances;


II. Identifica-se como poeta da primeira geração modernista, participando
ativamente da semana de 22;
III. Ostenta, na fase chamada gauche de sua poesia, traços como o pessimismo, a
reflexão existencial e a ironia;
IV.Traduz, na amplitude de sua obra, o contexto histórico de sua geração, marcada
pela eclosão da segunda guerra mundial e do nazi-fascismo.

a) Apenas nos itens II e IV.


b) Apenas nos itens III e IV.
c) Apenas nos itens II, III e IV.
d) Apenas nos itens I e III.
e) Em todos os itens.

3. (UFT). Leia o fragmento de texto a seguir.

Chegou a desolação da primeira fome. Vinha seca e trágica, surgindo no fundo sujo dos
sacos vazios, na descarnada nudez das latas raspadas.
– Mãezinha, cadê a janta?
– Cala a boca, menino! Já vem!
– Vem lá o quê!…
Angustiado, Chico Bento apalpava os bolsos… nem um triste vintém azinhavrado…
Lembrou-se da rede nova, grande e de listras que comprara em Quixadá por conta do
vale de Vicente.
Tinha sido para a viagem. Mas antes dormir no chão do que ver os meninos chorando,
com a barriga roncando de fome.
Estavam já na estrada do Castro. E se arrancharam debaixo dum velho pau-branco
seco, nu e retorcido, a bem dizer ao tempo, porque aqueles cepos apontados para o
céu não tinham nada de abrigo.
O vaqueiro saiu com a rede, resoluto:
– Vou ali naquela bodega, ver se dou um jeito…
Voltou mais tarde, sem a rede, trazendo uma rapadura e um litro de farinha:
– Tá aqui. O homem disse que a rede estava velha, só deu isso, e ainda por cima se
fazendo de compadecido…
Faminta, a meninada avançou; e até Mocinha, sempre mais ou menos calada e
indiferente, estendeu a mão com avidez.

(QUEIROZ, Rachel de. O Quinze. Rio de Janeiro: José Olímpio, 1979, p. 33.)

“O Quinze”, romance de estréia de Rachel de Queiroz, publicado em 1930, retrata


a intensa seca que marcou o ano de 1915 no sertão cearense. Considerando o
fragmento apresentado, é CORRETO afirmar.

a) A linguagem utilizada pela autora, para construir o romance, aproxima-se da


oralidade, conforme se vê no fragmento. Tal recurso é utilizado para se contrapor
à escrita extremamente rebuscada de alguns modernistas da primeira geração,
como Oswald de Andrade.
b) Na narrativa, estreitamente ligada às propostas de denúncia social dos
regionalistas de 30, destacam-se o drama da seca, a miséria e a degradação
humana, marcantes em cenas como a do fragmento citado.
c) O fragmento apresenta um discurso moralizante, recorrente nos romances da
segunda geração modernista, e destaca o drama vivido pela família de Chico
Bento, diante das dificuldades de sobrevivência.
d) Apesar de se referir à seca que marcou o ano de 1915, o romance coloca em
primeiro plano a violência e o desrespeito que marcam as relações sociais,
independente das condições climáticas; exemplo disso é a relação de
espoliação entre Chico Bento e o homem da bodega.
e) Ainda que publicado no início da década de 30, momento de intensas mudanças
políticas e culturais no país, o romance liga-se estética e tematicamente às
propostas literárias da primeira geração modernista.

4. (MACKENZIE). Soneto de Carnaval

01 Distante o meu amor, se me afigura


02 O amor como um patético tormento
03 Pensar nele é morrer de desventura
04 Não pensar é matar meu pensamento.

05 Seu mais doce desejo se amargura


06 Todo o instante perdido é um sofrimento
07 Cada beijo lembrado uma tortura
08 Um ciúme do próprio ciumento.

09 E vivemos partindo, ela de mim


10 E eu dela, enquanto breves vão-se os anos
11 Para a grande partida que há no fim

12 De toda a vida e todo o amor humanos:


13 Mas tranquila ela sabe, e eu sei tranquilo
14 Que se um fica o outro parte a redimi-lo.
(Vinícius de Moraes)

Sobre o segundo momento da poesia modernista brasileira, a qual didaticamente


a crítica vincula Vinícius de Moraes, pode-se afirmar que é:

a) Formada por uma poética que canta o amor ao perigo, o hábito à energia e à
temeridade.

258
b) Um período de alargamento das conquistas dos modernistas da geração de 1922.
c) Constituída por uma estética calcada no cientificismo, no racionalismo e nas
manifestações metafísicas.
d) Um período de valorização das estruturas poéticas que validam um nacionalismo
ufanista.
e) Organizada em função da objetividade temática, da impassibilidade e do
racionalismo formal.

5. (IBMEC). 1ª parte do poema “Eu, etiqueta” de Carlos Drummond de Andrade

Em minha calça está grudado um nome


que não é meu de batismo ou de cartório,
Um nome…estranho.
Meu blusão traz lembrete de bebida
que jamais pus na boca, nesta vida.
Em minha camiseta, a marca de cigarro
que não fumo, até hoje não fumei.
Minhas meias falam de produto
Que nunca experimentei
Mas são comunicados a meus pés.
Meu tênis é proclama colorido
de alguma coisa não provada
por este provador de longa idade.
Meu lenço, meu relógio, meu chaveiro,
minha gravata e cinto e escova e pente,
meu copo, minha xícara,
minha toalha de banho e sabonete,
meu isso meu aquilo,
desde a cabeça ao bico dos sapatos,
são mensagens,
letras falantes,
gritos visuais,
ordens de uso, abuso, reincidência,
costume, hábito, permanência,
indispensabilidade,
e fazem de mim homem-anúncio itinerante,
escravo da matéria anunciada.

Carlos Drummond de Andrade é considerado o poeta mais importante do nosso


Modernismo e pertenceu à segunda geração desse período literário. Assinale as
principais características dessa fase, visivelmente detectadas no poema:

a) Predomínio da razão sobre os sentimentos e uso de uma linguagem mais sóbria,


sem excessos e figuras de linguagem.
b) Subjetividade, o culto ao “EU”, ao individualismo e à liberdade de expressão.

259
c) Literatura marcada pela obscuridade. A realidade é revelada de uma forma
imprecisa e vaga.
d) Literatura politizada, marcada pelo questionamento da realidade e
comprometida com as transformações sociais enfrentadas pelo país.
e) Culto excessivo da forma, expresso por meio de malabarismos sintáticos e abusos
de figuras literárias, o que resulta em um rebuscamento exagerado da linguagem.

6. (EsPCEX). Assinale a alternativa que contém uma das características da segunda


fase modernista brasileira.

a) Os efeitos da crise econômica mundial e os choques ideológicos que levaram a


posições mais definidas formavam um campo propício ao desenvolvimento de
um romance caracterizado pela denúncia social.
b) Na poesia, ganha corpo uma geração de poetas que se opõem às conquistas e
inovações dos primeiros modernistas de 1922. Uma nova proposta é defendida
inicialmente pela revista Orfeu.
c) O período de 1930 a 1945 é o mais radical do movimento modernista, pela
necessidade de ruptura com toda arte passadista.
d) As revistas e manifestos marcam o segundo momento modernista, com a
divulgação do movimento pelos vários estados brasileiros.
e) Ao mesmo tempo em que se procura o moderno, o original e o polêmico, o
nacionalismo se manifesta em suas múltiplas facetas: uma volta às origens, a
pesquisa de fontes quinhentistas, a procura de uma “língua brasileira”.

7. (UFAC). Carlos Drummond de Andrade é um grande poeta da denominada


Segunda Geração do Modernismo cujas principais características são:

I. Grande preocupação com a renovação da linguagem.


II. Arte pela arte.
III. Produção com forte dimensão social.

a) Somente a afirmação I está correta.


b) As afirmações II e III estão corretas.
c) As afirmações I e III estão corretas.

260
d) Somente a afirmação III está correta.
e) Somente a afirmação II está correta.

8. (MACKENZIE). “Este, cuja história vou te contar, foi amado e amou muitas mulheres.
Vieram brancas, judias e mestiças, tímidas e afoitas, para os seus braços e para o
seu leito. Para uma, no entanto, guardou ele suas melhores palavras, as mais
doces, as mais ternas, as mais belas. Essa noiva tem um nome lindo, negra:
Liberdade.
Vê no céu, ele brilha, é a mais poderosa das estrelas. Mas o encontrarás também
nas ruas de qualquer cidade, no quarto de qualquer casa. Seja onde for que haja
jovens corações pulsando pela humanidade, em qualquer desses corações
encontrarás Castro Alves.
Dá-me agora tua mão direita, ouve o abc do poeta.”
(Jorge Amado, ABC de Castro Alves (1941))

Sobre a segunda fase do Modernismo brasileiro, a qual é vinculado Jorge Amado,


é INCORRETO afirmar que

a) Utilizou vocabulário de linguagens regionais típicas, conferindo um tom peculiar a


uma literatura de caráter social.
b) Aproveitou as conquistas literárias obtidas pela geração de 1922.
c) Os romances do período são documentos da realidade brasileira, destacando as
tensões entre o eu e o mundo no qual este se situa.
d) Concedeu destaque para a luta a favor da abolição da escravidão negra, tema
presente na maioria das produções poéticas do período.
e) A prosa foi afetada pelas crises sociais, econômicas e pela instabilidade política.

261
A GERAÇÃO DE 45 OU TERCEIRA UNIDADE
GERAÇÃO MODERNISTA: POESIA E
PROSA

18.1 CONTEXTO HISTÓRICO E CARACTERÍSTICAS


18
Existe uma discussão se ainda estamos vivendo o período modernista ou a
literatura que está sendo produzida hoje já é pós-moderna ou Neomodernismo. Um
dos integrantes da chamada geração de 45, Péricles Eugênio da Silva Ramos, fala
das principais características dessa fase na poesia:

O que se pode talvez asseverar, em termos mais gerais, é que os


poetas mais representativos da geração consideram o poema e seus
versos como um artefato, e não obra do puro lirismo. As cogitações
de expressão patenteiam-se em todos, seja qual for o rumo do seu
lirismo; também o conceito de forma varia entre eles, com a adoção,
ou não, da metrificação tradicional. (...) É óbvio, portanto, que os
poetas mais representativos da geração de 45 são os individualizados
por expressão formalmente mais rigorosa, pelo fator estético, ou seja,
de construção de seus poemas. Em outras palavras: o que caracteriza
formalmente a geração de 45, nos seus poetas mais representativos,
é o agudo senso de medida, a expressão sem excessos ou
derramamentos. Salientam-se entre eles Bueno de Rivera, João
Cabral de Melo Neto, Domingos Carvalho da Silva, Geraldo Vidigal,
José Paulo Moreira da Fonseca, Geir Campos, Lêdo Ivo e pouco mais,
inclusive alguns que estrearam muito mais tarde como Maria da
Saudade Cortesão.
Merece menção o fato de que alguns poetas dessa geração levaram
o virtuosismo formal a tal ponto, que passaram a ser chamados de
“neoparnasianos” – o que sugere um retorno à poesia anterior a
geração de 22. Para os melhores poetas dessa geração, no entanto,
essa denominação soa exagerada e preconceituosa. (RAMOS,
Perícles Eugênio da Silva., 1986, p. 198-199.)

O período da Geração de 45, caracteriza-se pela queda da Era Vargas e um


período de “democratização” do país que terminou em 1964 com o Golpe Civil-
Militar. Esse é um momento que o Brasil tentou encontrar rumos para seu
desenvolvimento através de modelos políticos populistas. É um período de grande
abertura para o capital estrangeiro que começaria com o Plano de Metas do
governo Juscelino Kubitschek. Posteriormente, após o Golpe Militar, começou a
consolidação de um modelo baseado no capital nacional e nas multinacionais.
Com a subida de Figueiredo ao poder em 1979, começa-se um processo de
abertura político do Regime Militar: volta dos partidos políticos, lei de anistia e

262
redemocratização do país.
Existe uma renovação pela arte regionalista e populares, cujo potencial
artístico são valorizados por seus escritores. Ao mesmo tempo, as camadas
conservadoras do país fazem uma reação as manifestações nacionais e populares.
No cenário internacional, é o período da Guerra Fria e a ameaça a uma possível
guerra nuclear torna-se potente a partir de 1945.
Essa geração é vista como um retrocesso em relação as conquistas da
Geração de 22. Ela propunha uma volta ao passado e a revalorização da métrica,
do vocabulário, das referências e da rima.
Entretanto, três grandes autores se sobressaiam dessa produção passadista.
São eles: João Guimarães Rosa e Clarice Lispector na prosa e João Cabral de Melo
Neto na poesia. Eles foram escritores que acreditam no compromisso entre a arte e
a realidade, o engajamento do escritor e sua vida social.
Assim, eles retomaram a perspectiva nacionalista da primeira fase e também
a perspectiva universalista da segunda geração. Assim, esses três autores podem ser
vistos como uma síntese de ambas as gerações.
Ao mesmo tempo, esses autores podem ser vistos como alicerces da
produção nacional contemporânea, através da ligação da exploração dos limites
da palavra poética, exemplificação das poesias concretistas das décadas de 1950
e 1960, e na busca do engajamento dos escritores em uma perspectiva política.

18.2 JOÃO CABRAL DE MELO NETO

João Cabral de Melo Neto (1920-1999) nasceu em Recife, e era neto e filho
de donos de engenho. É considerado como um dos principais poetas da Geração
de 45. Desde novo mostrou-se interesse pela produção de cordel nordestina e queria
tornar-se crítico literário. Era primo de Gilberto Freyre e Manuel Bandeira, com os
quais teve bastante convivência.
Em 1942, mudou-se para o Rio de Janeiro e ingressou no funcionalismo
público. Ocupou cargos diplomáticos do Itamaraty e viveu fora do país em

263
importantes cidades do mundo como Barcelona, Londres e Genebra.
Em 1942, publicou a obra Pedra do sono que já apresentava uma inclinação
para a sua objetividade como demonstra os versos seguintes:

Os manequins

Os sonhos cobrem-se de pós.


Um último esforço de concentração
morre no meu peito de homem enforcado.
Tenho no meu quarto manequins corcundas
onde me reproduzo
e me contemplo em silêncio.
(MELO NETO, João Cabral de., 1979, p. 376.)

Em 1945, publicou O engenheiro e verifica-se um afastamento da linha


surrealista que o autor seguia anteriormente e uma tendência a geometrização e a
exatidão da linguagem como, podemos observar nos versos seguintes:

O engenheiro

A luz, o sol, o ar livre


envolvem o sonho do engenheiro.
O engenheiro sonha coisas claras:
superfícies, tênis, um copo de água.

O lápis, o esquadro, o papel;


o desenho, o projeto, o número:
o engenheiro pensa o mundo justo,
mundo que nenhum véu encobre.

(Em certas tarde nós subíamos


ao edifício. A cidade diária,
como um jornal que todos liam,
ganhavam um pulmão e cimento e vidro)

A água, o vento, a claridade,


de um lado o rio, no alto as nuvens,
situavam na natureza o edifício
crescendo de suas forças simples.
(MELO NETO, João Cabral de., 1979, p. 344.)

Nas suas obras percebemos três traços fundamentais que são a preocupação
com a realidade social, principalmente do Nordeste; reflexão sobre a criação
artística e o aprimoramento das técnicas poéticas.
Para João Cabral de Melo Neto, a poesia não era fruto de estados
emocionais do poetas, ela resultaria de um trabalho racional, penoso e árduo de

264
uma escrita criativa que teria que ser feita e refeita várias vezes. Podemos ver um
corte profundo na produção literária do escritor entre a poesia romântica e a
moderna.
Percebemos um teor sentimentalista menor em João Cabral de Melo Neto
como os versos seguintes podem demonstrar ao descrever o tema amoroso e a
mulher:

Tua sedução é menos


de mulher do que de casa:
pois vem de como é por dentro
ou por detrás da fachada.

Mesmo quando ela possui


tua plácida elegância,
esse teu reboco claro,
riso franco de varandas,
uma casa não é nunca
só para ser contemplada;
melhor: somente por dentro
é possível contemplá-la.

Seduz pelo que é dentro,


ou será, quando se abra:
pelo que pode ser dentro
de suas paredes fechadas.
(MELO NETO, João Cabral de., 1979, p. 153.)

A obra mais conhecida de João Cabral de Melo Neto é Morte e Vida


Severina.

18.3 FICÇÃO EXPERIMENTAL

O início da prosa da Terceira Fase do Modernismo Brasileiro é marcado pela


publicação, em 1943, da obra Perto do Coração Selvagem, de Clarice Lispector e
três anos mais tarde o livro Sagarana de Guimarães Rosa. Ambos os autores
modificaram a ficção brasileira, dando contornos psicológicos e a transfiguração
regionalista.
A ficção experimental que ambos os autores desenvolveram na terceira fase
afasta-se das técnicas tradicionais do romance. Entre as características podemos
listar:
• Fluxo de consciência  momentos de vivência interior das personagens;
• Narrativas em primeira pessoa ganham um contorno mais intimista;

265
• Aproximação da prosa com a poesia, no qual o lirismo torna-se presentes
constantemente na escrita das obras. O lirismo apresenta-se através do uso de
recursos poéticos como ritmo, rima, neologismo, deslocamentos de
vocabulário e sintaxe.

18.4 CLARICE LISPECTOR

Clarice Lispector (1926-1977) é uma das três principais escritoras dessa


geração. Em 1944, com 17 anos, publicou a obra Perto do coração selvagem no
qual ganhou reconhecimento da crítica especializada e público.
A autora introduziu na literatura brasileira novas técnicas de expressão como
a quebra da sequência dos fatos, assim como a ordem cronológica e funde a prosa
com a poesia ao fazer uso de imagens, antíteses, paradoxos, sonoridades e outros.
Outro aspecto importante na escrita da autora é seu fluxo de consciência,
que tornou sua escrita mais introspectiva psicologicamente. Isso foi praticado por
importantes autores no Realismo do século XIX.
A introspecção buscava trabalhar o psicológico da personagem de forma
linear em espaços determinados e marcadores temporais nítidos. Esse recurso dá ao
público o domínio pleno da situação fazendo com que haja uma distinção com o
passado que é revivido ao longo da trama pelas personagens.
Através do recurso de fluxo de consciência existe uma quebra de espaço e
temporal. O presente e passado se misturam ao longo da obra, como se fossem um
painel de imagens que são captadas pela memória da personagem que deixa o
pensamento solto na narrativa.
Além do fluxo de consciência, as personagens de Clarice Lispector vivem um
processo de epifania, que são interrompidos por banalidades comum do nosso
cotidiano (um olhar, um susto, um beijo). Ao mergulhar no fluxo de consciência, a
personagem passa a se ver de outra forma e outro modo, dando a falsa impressão
de ter tido uma revelação e passasse a ter uma visão mais profunda do mundo em
seu entorno.
Entre suas publicações, estão as obras: O lustre (1946), Laços de família (1960),
A paixão segundo G. H (1964), Uma aprendizagem ou O livro dos prazeres (1969),
Água viva (1973), A hora da estrela (1977), A bela e a fera (1979). Além disso, a autora
se aventurou no gênero infantil com as obras O mistério do coelhinho pensante

266
(1967), A mulher que matou os peixes (1969) e A vida íntima de Laura (1964).

18.4.1 Guimarães Rosa

João Guimarães Rosa (1908-1967) era natural de Cordisburgo em Minas


Gerais. Era formado em medicina e exerceu a profissão no interior do seu estado. Em
1934, começou a carreira de diplomata e viveu em vários países, sempre
escrevendo e ampliando seu conhecimento sobre línguas e culturas.
Em 1967, poucos dias após ter entrado na Academia Brasileira de Letras veio
a falecer. Como vimos anteriormente, a literatura regionalista é fortemente marcada
em nossa literatura e a novidade trazida com os escritos de Guimarães Rosa são a
fala do sertanejo na construção do vocábulo da obra e a melodia presentes nas
frases. O autor mostra o foco narrativo em primeira pessoa, discurso direto e discurso
indireto livre, a língua falada nas regiões sertanejas. Além disso, percebemos em sua
obra uma riqueza dos conhecimentos de fauna e flora da vegetação sertaneja
oriunda das pesquisas do autor como por exemplo em Sagarana:

Aí a beldroega, em carreirinha indiscreta – ora-pro-nobis! – ora-pro-


nobis! – apontou caules ruivos no baixo das cercas das hortas, e, talo
a talo, avançou. Mas o cabeça-de-boi e o capim-mulambo, já donos
da rua, tangeram-na de volta; e nem pôde recuar, a coitadinha
rasteira, porque no quintal os joás estavam brigando com o espinho-
agulha e com o gervão em flor. (ROSA, Guimarães., 2001, p. 152)

Entretanto, percebemos que a linguagem do autor não tem uma


preocupação de tratar realísticamente o sertão. Ele busca algo além, como uma
tentativa de recriação da linguagem portuguesa por meio de aproveitamento de
termos que estão em desuso, o uso de neologismo e o empréstimo de palavras de
outras línguas.
Sobre sua linguagem literária, o próprio autor afirmava que:

267
Meus romances e ciclos de romances são na realidade contos nos
quais se unem a ficção poética e a realidade. Sei que daí pode
facilmente nascer um filho ilegítimo, mas justamente o autor deve ter
um aparelho de controle: o idioma português, tal como usamos no
Brasil; entretanto, no fundo, enquanto vou escrevendo, extraio de
muitos outros idiomas. Disso resultam meus livros escritos em um idioma
próprio, meu, e pode-se deduzir daí que não me submeto à tirania da
gramática e dos dicionários dos outros. A gramática e a chamada
filologia, ciências linguísticas, foram inventadas pelos inimigos da
poesia. (BRAIT, Beth. Guimarães Rosa., 1982, p. 102.)

Um outro aspecto da produção literária de Guimarães Rosa é que seus textos


perpassam a fronteira do regionalismo e entram no universalismo. Em suas obras,
vamos se identificando com as angustias das personagens e encarando as suas
realidades como se fossem nossas.
A principal obra de Guimarães Rosa é Grande sertão: veredas. O narrador
personagem da obra é Riobaldo que era um velho e pacato fazendeiro, que nos faz
um relato das suas angústias pessoais. Outra personagem que acredita que exista
na obra é o “doutor”, mas ele nunca aparece na narrativa, só através das respostas
de Riobaldo.
A narração acaba se tornando um longo monólogo onde a personagem
Riobaldo apresenta ao leitor suas lembranças em torno das lutas dos jagunços, a
realidade do sertão mineiros e suas aventuras amorosas.
O romance apresenta três histórias de amor de Riobaldo, mas o mais
importante é o de Diadorim. Esse nome, Diadorim, seria de Reinaldo, um dos
melhores amigos de Riobaldo no grupo de jagunços. Ao longo da obra, Riobaldo
mostra que se apaixonou por Reinaldo, sem saber que esse seria uma mulher e isso
o acaba o surpreendendo pois nunca teve nenhum traço de interesse homossexual.
Apesar dessa contradição, seu amor crescia:

Mas Diadorim, conforme diante de mim estava parado, reluzia no


rosto, com uma beleza ainda maior, fora de todo comum. Os olhos –
vislumbre meu – que cresciam sem beira, dum verde dos outros
verdes, como o de nenhum pasto. (...) De que jeito eu podia amar um
homem, meu de natureza igual, macho em suas roupas e suas armas,
espalhado rústico em suas ações?! Me franzi. Ele tinha culpa? Eu tinha
culpa? (ROSA, Guimarães., 2001, p. 511.)

A obra Grande sertão: veredas é fortemente marcada pela questão da


travessia. Isso está presente em vários momentos na obra como, por exemplo,
Riobaldo falar da sua trajetória de vida ou a travessia que foi feita do rio São

268
Francisco.

269
FIXANDO CONTEÚDO

1. (UENP). “Todos olharam a aniversariante, compungidos, respeitosos, em silêncio.


Pareciam ratos se acotovelando, a sua família. Os meninos, embora crescidos –
provavelmente já além dos cinquenta anos, que sei eu! – os meninos ainda
conservavam os traços bonitinhos. Mas que
Mulheres haviam escolhido! E que mulheres os netos – ainda mais fracos e mais
azedos – haviam escolhido. Todas vaidosas e de pernas finas, com aqueles
colares falsificados de mulher que na hora não aguenta a mão, aquelas
mulherzinhas que casavam mal os filhos, que não sabiam pôr uma criada em seu
lugar, e todas elas com as orelhas cheias de brincos – nenhum, nenhum de ouro!
A raiva a sufocava.
– Me dá um copo de vinho! Disse.
O silêncio se fez de súbito, cada um com o copo imobilizado na mão.
– Vovozinha, não vai lhe fazer mal? Insinuou cautelosa a neta roliça e baixinha.
– Que vovozinha que nada! Explodiu amarga a aniversariante. – Que o diabo vos
carregue, corja de maricas, cornos e vagabundas! Me dá um copo de vinho,
Dorothy! – ordenou.
(LISPECTOR, C. Laços de Família. Rio de Janeiro: Rocco, 1998. p.61-62.)

Com base no trecho, assinale a alternativa correta que apresenta um aspecto


central da prosa de Clarice Lispector.

a) Demonstração de vínculo com o Regionalismo literário.


b) Exposição de um forte componente científico na narrativa.
c) Perspectiva intimista da realidade retratada por meio do cotidiano familiar.
d) Uso de personagens pitorescos em um cenário rural.
e) Visão religiosa em conflito com o apego mundano do homem.

2. (UNIFESP). O uso intensivo da metáfora insólita, a entrega ao fluxo da consciência,


a ruptura com o enredo factual foram constantes do seu estilo de narrar. Os
analistas à caça de estruturas não deixarão tão cedo em paz seus textos
complexos e abstratos. Há na gênese dos seus contos e romances tal
exacerbação do momento interior que, a certa altura do seu itinerário, a própria

270
subjetividade entra em crise. O espírito, perdido no labirinto da memória e da
autoanálise, reclama um novo equilíbrio.
(Alfredo Bosi. História concisa da literatura brasileira, 1994. Adaptado.)

Tal comentário refere-se:

a) Jorge Amado.
b) José Lins do Rego.
c) Graciliano Ramos.
d) Guimarães Rosa.
e) Clarice Lispector.

3. (PUC-SP). A obra Sagarana, de João Guimarães Rosa, foi publicada em 1946. Dela
é correto afirmar que

a) Se intitula Sagarana porque reúne novelas que se desenvolvem à maneira de


gestas guerreiras e lendas e apresentam um tema comum que abarca a vida
simples dos sertanejos da região baiana do São Francisco.
b) Compõe-se de nove novelas, entre as quais se sobressai “Corpo Fechado”, história
de valentões e espertos, de violência e de mágica, protagonizada por Manuel
Fulô.
c) Estrutura-se em doze narrativas, de sentido moral e embasadas na tradição
mineira, entre as quais se destacam “Questões de família”, história meio
autobiográfica, e “Uma história de amor”, expressivo drama passional.
d) Apresenta narrativas apenas de teor místico religioso como a que se engendra
em “A hora e a vez de Augusto Matraga”, cujo estilo destoa do conjunto das
outras que compõem o livro.
e) Nenhuma das alternativas anteriores.

4. (PUC-PR). Leia atentamente o trecho do conto Felicidade Clandestina de Clarice


Lispector, e assinale a alternativa CORRETA.

“Chegando em casa, não comecei a ler. Fingia que não o tinha, só para depois
ter o susto de o ter. Horas depois abri-o, li algumas linhas maravilhosas, fechei-o de

271
novo, fui passear pela casa, adiei ainda mais indo comer pão com manteiga, fingi
que não sabia onde guardara o livro, achava-o, abria-o por alguns instantes.
Criava as mais falsas dificuldades para aquela coisa clandestina que era a
felicidade. A felicidade sempre iria ser clandestina para mim. Parece que eu já
pressentia. Como demorei! Eu vivia no ar... Havia orgulho e puder em mim. Eu era
uma rainha delicada. ”

a) O conto critica a falta de leitura dos adolescentes nas escolas brasileiras, tendo
como principal razão a preguiça, o que evidencia nosso atraso cultural.
b) Uma das marcas da escritora é sua capacidade de descrição de paisagens
externas, que retratam da seca no Nordeste aos problemas sociais das grandes
metrópoles.
c) Pelo trecho em destaque, nota-se que a narradora em terceira pessoa investiga
os reais motivos que a levaram a ser uma pessoa feliz, sendo os livros parte da
construção deste sentimento.
d) Prosadora da chamada primeira geração modernista, observa-se pelo texto da
autora que esta opta por radicalizar no uso da oralidade, rompendo com a
tradição realista, utilizando-se do chamado fluxo de consciência.
e) O trecho analisado nos mostra características marcantes da escrita da autora,
que com base em reflexões existenciais e da subjetividade, nos revela a
intimidade dos seus personagens.

5. (PUC-CAMPINAS). Ao longo da década de 1950, período marcado pelo que se


chamou de “desenvolvimentismo”, manifestou-se uma nova geração de
escritores, bastante viva, apostando em profundo mergulho num Brasil histórico e
mítico, como no caso singular de Guimarães Rosa, ou em tendências de
vanguarda, como a dos poetas do “Concretismo”, que concebiam a linguagem
como objeto visual, disposta na página em relação funcional com o espaço
branco ou colorido, e aproveitando ainda, por vezes, o chamamento de recursos
gráficos usuais nas mensagens de propaganda. (MOREIRA, Tibúrcio. Inédito)

A singularidade de Guimarães Rosa, de cuja obra é ponto culminante o romance


Grande sertão: veredas, está sobretudo no fato de ter conseguido, nessa obra
prima,

272
a) Expressar aspectos regionais numa narração excepcionalmente criativa e de
alcance universal.
b) Combinar os gêneros de um poema em prosa modernista e de uma exemplar
novela de cavalaria.
c) Alternar o falar caipira e o falar urbano, numa sucessão de quadros de diferentes
regiões brasileiras.
d) Retomar o gênero épico por meio de uma narrativa que dramatiza nosso
processo colonial.
e) Estabelecer um novo padrão linguístico com base na valorização criativa da
norma culta.

6. (PUC-PR). No conto O ovo e a galinha, de Clarice Lispector, uma das


características da 3ª fase do Modernismo está presente no fragmento: “As
galinhas prejudiciais ao ovo são aquelas que são um “eu” sem trégua. Nelas o
“eu” é tão constante que elas já não podem mais pronunciar a palavra “ovo”.
Mas, quem sabe, era disso mesmo que o ovo precisava. Pois se elas não
estivessem tão distraídas, se prestassem atenção à grande vida que se faz dentro
delas, atrapalhariam o ovo. Comecei a falar da galinha e há muito já não estou
falando mais da galinha. Mas ainda estou falando do ovo”.
Fonte: (LISPECTOR, Clarice. O ovo e a galinha, de Felicidade Clandestina. Rio de Janeiro, Rocco, 1998.)

Essa característica é:

a) A realidade objetiva que situa o ovo e a galinha num mesmo plano.


b) O fluxo de consciência já que por meio dele se cruzam vários planos narrativos.
c) A autoanálise feita pela autora por meio da galinha que é mais importante que o
ovo.
d) A ficção científica representada pelas galinhas que são figuras distraídas.
e) A linearidade dos eventos que termina com a extinção da galinha.

7. (UFAM). Assinale a alternativa CORRETA quanto à prosa de Clarice Lispector:

a) São narrativas surrealistas, preocupadas com o virtuosismo do relato.

273
b) Apresenta exclusivamente um painel da sociedade burguesa brasileira, a partir
de suas personagens.
c) Renova, intensifica e aprimora tendências introspectivas de parte da ficção da
geração de 1930.
d) Aprofunda na prosa as investigações transcendentais, presentes na lírica da
geração anterior.
e) Prende-se a uma crítica aos valores femininos em voga na década de 1945, no
Brasil

8. (UESPI). Entre os autores da Terceira Geração Modernista, a chamada Geração


de 45, o principal nome é o de João Cabral de Melo Neto. Deste poeta
pernambucano, podemos afirmar o seguinte:

a) Sua poesia se caracteriza pelo lirismo exaltado.


b) Apesar de buscar uma poesia cerebral, sua poesia, a partir de 1960, aproxima-se
cada vez mais das vanguardas surrealistas e dadaístas.
c) Os temas mais explorados pelo poeta são o retirante nordestino, a destruição da
Floresta Amazônica, o genocídio indígena e o Rio Capibaribe.
d) O Rio Capibaribe, a cidade de Sevilha e o retirante nordestino são temas que
encontramos em sua poesia.
e) Seu primeiro livro – A Pedra do sono – é composto ora de poemas neoparnasianos,
ora de versos românticos que evocam os sonhos da humanidade.

274
23
RESPOSTAS DO FIXANDO O CONTEÚDO

UNIDADE 13 UNIDADE 14

QUESTÃO 1 B QUESTÃO 1 B
QUESTÃO 2 D QUESTÃO 2 C
QUESTÃO 3 C QUESTÃO 3 B
QUESTÃO 4 B QUESTÃO 4 A
QUESTÃO 5 D QUESTÃO 5 C
QUESTÃO 6 D QUESTÃO 6 C
QUESTÃO 7 C QUESTÃO 7 D
QUESTÃO 8 A QUESTÃO 8 A

UNIDADE 15 UNIDADE 16

QUESTÃO 1 D QUESTÃO 1 B
QUESTÃO 2 C QUESTÃO 2 D
QUESTÃO 3 B QUESTÃO 3 C
QUESTÃO 4 A QUESTÃO 4 D
QUESTÃO 5 C QUESTÃO 5 C
QUESTÃO 6 A QUESTÃO 6 C
QUESTÃO 7 D QUESTÃO 7 C
QUESTÃO 8 A QUESTÃO 8 D

UNIDADE 17 UNIDADE 18

QUESTÃO 1 E QUESTÃO 1 C
QUESTÃO 2 B QUESTÃO 2 E
QUESTÃO 3 B QUESTÃO 3 B
QUESTÃO 4 B QUESTÃO 4 E
QUESTÃO 5 D QUESTÃO 5 A
QUESTÃO 6 A QUESTÃO 6 B
QUESTÃO 7 C QUESTÃO 7 C
QUESTÃO 8 D QUESTÃO 8 D
REFERÊNCIAS

ALENCAR, José de. Iracema. São Paulo: Ática, 1991.

ALENCAR, José de. O Guarani. São Paulo: Ática, 1997.

ALENCAR, José. Senhora. São Paulo: Melhoramentos, 2013.

AMADO, James. Gregório de Matos. Obra poética. São Paulo: Record, 1990.

ANCHIETA, José de. Poesias. São Paulo: Comissão do IV Centenário, 1954.

ANDRADE, Carlos Drummond de. Reunião. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1980.

ANDRADE, Mário de. Poesias completas. São Paulo: Círculo do Livro, s.d.

ANDRADE, Oswald. Poesia reunidas, 5. Ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1971.

ANJOS, Augusto do. Eu e outros poemas. Rio de Janeiro: Livraria São José, 1965.

ASSIS, Machado de. Memórias póstumas de Brás Cubas. São Paulo: Moderna, 1999.

AZEVEDO, Aluísio. O cortiço. São Paulo: Ática, 1997.

BILAC, Olavo. Poesias. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 23ª edição. 1964

BILAC, Olavo. Via Láctea. Disponível em: https://bit.ly/3vFJeNg. Acesso em: 02 ago.
2020.

BOSI, Alfredo. História Concisa da literatura brasileira. São Paulo: Cultrix, 1978.

BRAIT, Beth. Guimarães Rosa. Literatura comentada. São Paulo: Abril Educação, 1982.

CANDIDO, Antonio. Formação da literatura brasileira: momentos decisivos. Belo


Horizonte: Editora Itatiaia Ltda, 2000

CANDIDO, Antonio; CASTELLO, José A. Presença da literatura brasileira. São Paulo:


Difel, 1968, v. 2.

CORREIA, Raimundo. Poesias completas. São Paulo: Ed. Nacional, 1948.

COSTA, Cláudio Manuel da. Obras poéticas. Rio de Janeiro: Nova Aguilar 2002.

DURÃO, Santa Rita. Caramuru. Disponível em: https://bit.ly/3tvhGHz. Acesso em: 30


jul. 2020.

GAMA, Basílio da. O Uraguai. Rio de Janeiro: Editora Record, 2003.

GUIMARAENS, Alphonsus. Ossa mea. IN: MOISÉS, Massaud. A literatura brasileira


através dos textos. São Paulo: Cultrix, 1973.

278
GONZAGA, Tomás A. Marília de Dirceu. São Paulo: Ediouro, s.d.

HELLER, Bárbara (Orgs.) Álvares de Azevedo. São Paulo: Abril Educação, 1982.

LIMA, Alceu Amoro. Contribuição à história do modernismo. Rio de Janeiro: José


Olympio, 1939.

LOBATO, Monteiro. Paranoia ou Mistificação. O Estado de São Paulo, 20 de dezembro


de 1917.

MEIRELES, Cecília. Obra poética. Rio de Janeiro: Nova Aguiar, 1987.

MELO NETO, João Cabral de. Poesia completa. Rio de Janeiro: José Olympio, 1979.

MENDES, Murilo. Filiação. O Estado de São Paulo, 17 de dezembro de 2000.

MORAES, Vinicius de. Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro: Aguilar, 1974

OLIVEIRA, Alberto de. Poesias completas. In: REIS. Marco Aurélio de Mello. Critica. Rio
de Janeiro: Eduerj, 1978.

POMPÉIA, Raul. O ateneu. Porto Alegre: L&PM, 1998.

RAMOS, Péricles Eugênio da Silva. A literatura do Brasil – Era Modernista. Rio de


Janeiro: J. Olympio, 1986.

ROSA, Guimarães. Grande sertão: veredas. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001.

ROSA, Guimarães. Sagarana. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001.

SARAIVA, Antonio José & LOPES, Oscar. História da Literatura Portuguesa. 5ª ed.,
revisada e aumentada, Porto editora, 1969.

SOUZA, Cruz e. Poesias Completas. Rio de Janeiro: Ediouro, s.d.

TAUNAY, Alfredo d’Escragnolle. Inocência. Porto Alegre: L&PM Editores, 1999.

TÁVORA, Franklin. O Cabeleira. São Paulo: Martin Claret, 2003

279

Você também pode gostar