Movimento4 0822
Movimento4 0822
Movimento4 0822
movimento
crítica, teoria e ação
ano 7. nº29-30. ago./set. 2022.
revista
movimento
crítica, teoria e ação
ano 7. n.29-30. ago./set. 2022.
Editora
Movimento
Editores Etevaldo Teixeira
Roberto Robaina
Trimestral.
ISSN 2448-1491
CDD 335.4
Editora Movimento
Rua Bananal, 1679, Bairro Arquipélago
90090-010 - Porto Alegre-Rio Grande do Sul - Brasil
Impresso no Brasil
2022
Índice
Apresentação
Homenagem
Internacional
Brasil
Os primeiros anos
Krivine e seu irmão gêmeo Hubert nasceram em Paris, em 10
de julho de 1941. Três de seus quatro avós haviam imigrado da
Ucrânia e da Romênia para escapar de pogroms antissemitas no
final do século XIX. Os gêmeos tinham três irmãos mais velhos
e uma irmã.
Novas lutas
A onda de greve de 1995, a emergência do movimento de jus-
tiça social global (“altermondialisme”) e o “não” ao referendo
de 2005 que emenda a constituição da União Europeia, pare-
cia anunciar um novo ciclo de lutas crescentes. O candidato pre-
sidencial da LCR Olivier Besancenot recebeu 4% dos votos em
2007, derrotando os candidatos do PCF e Lutte Ouvriere (outro
grupo trotskista - ed.).
Krivine então apoiou o lançamento de um amplo NPA (Nou-
veau Parti Anticapitalista) em vez de buscar a unidade com a
esquerda antineoliberal (Collectifs unitaires anti-libéraux). Esta
última foi posteriormente aumentada por divisões de esquerda
do PS, tornou-se a Frente de Gauche (PCF/far esquerda/Parti de
Gauche) e ressurgiu hoje como a Nouvelle Union Populaire Eco-
logiste et Sociale (NUPES).
Homenagem 13
Construtor e organizador
Estas são as linhas gerais do papel de Krivine na esquerda
francesa. Mas seu papel na cena mundial, como propagador de
ideias socialistas, organizador de redes de solidariedade e cons-
trutor de grupos revolucionários em muitos países além da Fran-
ça, também deve ser abordado.
A trajetória de Krivine está profundamente enraizada nos
eventos internacionais. Sua primeira atividade militante, aos 16
anos, foi como delegado da Juventude Comunista Francesa no
Festival Mundial da Juventude Democrática, realizado em Mos-
cou em 1957, para promover a Paz e a Amizade.
Foi aqui que ele encontrou delegados argelinos que o con-
venceram de que o PCF francês não estava fazendo tanto quanto
deveria para apoiar sua luta pela independência. O encontro foi
fundamental: Krivine se via como parte do movimento histórico
comunista, articulando os interesses do proletariado mundial, e
se comprometia a agir contra sua própria pátria imperialista, a
França3.
Sua recusa em ver a França, apesar de sua dissidência gaullis-
ta do imperialismo ocidental liderado pelos EUA, como não-ali-
nhada ou apegada aos valores republicanos universais da Revo-
lução Francesa na cena mundial, permaneceu com ele durante
toda sua vida.
Esta foi obviamente a base de seu apoio à autodeterminação
argelina em geral, sua solidariedade específica com o movimento
3 O testemunho de Krivine, traduzido de Les Porteurs d’Espoir de Jacques Charby (La Découverte,
Paris, 2004) explica este momento.
Homenagem 14
Recordações pessoais
Naquela época, por acaso eu me juntei à JCR na França e me
preparava para ir para a faculdade nos Estados Unidos no outono
de 1965. Krivine e outros rapidamente me disseram que eu não
Homenagem 15
para uma visita a Kofi Annan, da ONU, juntamente com uma de-
legação do Parlamento Europeu protestando contra a ocupação
dos EUA no Iraque.
Ele continuou a ajudar a IV construir organizações revolucio-
nárias até o fim: em Moscou em 2006, para discutir com ativis-
tas do novo grupo socialista Vperiod; em Madri em 2010 para
homenagear Daniel Bensaid, em Atenas para ajudar a organizar
a resistência aos diktats da Tróika (instituições europeias que im-
puseram uma austeridade paralisante à Grécia - ed.), e em Kiev
em 2015 a convite do movimento Sotsyalni Rukh.
O legado de Alain Krivine: mais de 60 anos de ativismo pelo
socialismo em escala global.
Internacional
Internacional 19
A comparação húngara
A peculiaridade da reação dos países ocidentais à Revolução
Húngara em 1956 foi que eles não só recusaram a assistência
militar, mas também tiveram medo de dar aos revolucionários
um apoio político substancial. Poderia a Revolução Húngara
ter sido salva desta forma? Talvez saibamos a resposta a esta
pergunta quando os arquivos russos forem tornados públicos.
No entanto, muito mais confiantes podemos responder a ou-
tras perguntas cruciais. A política da URSS em relação aos
seus satélites do Leste Europeu teria sido mais cautelosa se a
comunidade internacional tivesse reagido mais duramente à
supressão da Revolução Húngara? Teria sido capaz de salvar a
Primavera de Praga? As respostas a estas perguntas são mui-
to mais prováveis de serem afirmativas do que as respostas à
primeira.
No caso da atual Ucrânia, a pergunta correta é esta: os Esta-
dos Unidos fizeram a coisa certa ao rejeitar a proposta de dividir
a Europa em esferas de influência?
A vitória ou a supressão de uma revolução afeta mais do que
apenas os países nos quais ela ocorreu. A Revolução Cubana
estimulou movimentos revolucionários na América Latina e no
mundo inteiro. Se os Estados Unidos a tivessem suprimido, os
“turbulentos anos sessenta” poderiam ter sido muito diferentes.
Talvez isto não tenha acontecido devido ao fato de que a URSS
não reconheceu a América Latina como uma esfera de influência
dos Estados Unidos. Ao contrário de Eisenhower, Khrushchev
defendeu a Revolução Cubana e colocou o mundo em risco de
guerra nuclear, mas ele pode ter salvo a Revolução Cubana. Se a
Revolução Húngara não tivesse sido reprimida, os anos sessenta
poderiam ter sido muito mais turbulentos na Europa Oriental.
Infelizmente, isto não aconteceu, e após a supressão da Prima-
vera de Praga, uma volta gradual à direita (reforçada pela volta
neoliberal no mundo capitalista) começou no chamado “Segun-
Internacional 23
5 https://commons.com.ua/en/political-logic-russias-imperialism/
Internacional 24
6 https://newleftreview.org/issues/ii24/articles/peter-gowan-us-un
Internacional 26
Ucrânia
O que teria acontecido se os Estados Unidos tivessem reco-
nhecido a Ucrânia na esfera de influência russa na época da in-
vasão de 2022? Talvez se os governos ocidentais tivessem dei-
xado claro aos ucranianos que não deveriam esperar um apoio
ocidental significativo, isso teria forçado Zelensky a adotar uma
política mais cautelosa e potencialmente comprometida. Afinal,
a percepção de que o Ocidente não os protegeria de uma possível
ocupação soviética foi um dos fatores-chave que levou os finlan-
deses, após duas sangrentas guerras, a concordarem em subme-
ter sua política externa à União Soviética.
Primeiro, vale notar que mesmo que a Ucrânia tivesse con-
cordado com a “Finlandização”, suas consequências teriam sido
Internacional 28
4 Ver Pierre-Antoine Donnet, “Taïwan: comment comprendre les déclarations de Joe Biden?”.
Internacional 33
A Ucrânia no contexto
A OTAN não foi a única nem a principal razão para a inva-
são. Nas próprias palavras de Putin, o objetivo era eliminar a
Ucrânia do mapa - um estado que aos seus olhos nunca deveria
ter existido5. É impossível saber o que teria acontecido se uma
blitzkrieg tivesse permitido à Rússia conquistar o país, balcani-
zá-lo e estabelecer um governo fantoche em Kiev. Este não foi o
caso, pois a ofensiva russa foi frustrada pela resistência nacional
maciça envolvendo o exército, as forças territoriais e o povo. É
nestas condições que a guerra na Ucrânia se tornou um grande
fato geopolítico que causa realinhamentos geoestratégicos muito
mais complexos do que se poderia imaginar.
6 Katherine Stewart, “United States: How the Christian right took over the judiciary and changed
America”.
7 Neil Faulkner, “Where is America going? - One year after the storming of the Capitol”.
Internacional 36
8 Against the Current, “Abortion rights in USA: The Right wing’s Supreme Court Coup”.
9 Um trabalho iniciado no âmbito da Quarta Internacional. Os documentos para discussão podem ser
encontrados em seu site: //https://fourth.international/.
Internacional 37
A refundação da OTAN
A invasão da Ucrânia permitiu, como era de se esperar, que a
OTAN superasse sua crise pós-Afeganistão, dando-lhe uma nova
razão de ser e legitimidade - um golpe muito duro na luta contra
a Organização e as alianças militares. A Cúpula de Madri, no
final de junho de 2022, foi uma oportunidade de adquirir um
mandato ilimitado, autorizando-a a intervir mundialmente con-
tra qualquer “ameaça”, seja ela qual for10. A Rússia é apresenta-
da como “a ameaça mais significativa” no momento e a Chi-
na, a longo prazo, como o principal “concorrente estratégico”
em todas as áreas.
10 Ver Jaime Pastor, “Towards a new permanent global war? NATO’s ‘new strategic concept” e
Anuradha Chenoy, “NATO’s New Security Architecture”.
Internacional 38
Os novos não-alinhados
O não-alinhamento tornou-se novamente um tema recorren-
te. O termo é sedutor, reavivando a memória da Conferência de
Bandung em 1955. Esta conferência foi realizada sob os auspícios
do líder indonésio Sukarno, com Zhou Enlai pela China, Nehru
pela Índia, Nasser pelo Egito, Sihanouk pelo Camboja, Tito pela
Iugoslávia, bem como o Japão (o único país industrializado) e
Hocine Aït Ahmed pela FLN argelina. O Movimento dos Não-A-
linhados (NAM) foi parte de uma vasta luta pela descolonização
e um questionamento da ordem dominante.
Nada a ver com os países não-alinhados de hoje, geralmente
compostos de regimes que não têm nada de progressivo sobre
eles. Assim, a Índia de Modi é considerada por muitas correntes
de esquerda como fascista12. No entanto, a referência ao não-a-
linhamento significa que os negócios continuarão como antes e
que a Rússia não está isolada internacionalmente, especialmente
porque sua denúncia das perfídias do Ocidente repercute na me-
mória popular da colonização ou da invasão do Iraque.
Nas fronteiras europeias da Rússia, sendo tudo relativo, a
OTAN e a União Europeia certamente parecem mais demo-
Solidariedade
O futuro permanece muito incerto. Não sabemos como crises
de decomposição democrática nacional podem afetar a situação
internacional, se uma crise paroxística se abrirá amanhã no Me-
diterrâneo em torno da Turquia ou no Oriente Médio, como a
“guerra total” (incluindo sanções e contramedidas econômicas)
continuará, se a brutalidade dos efeitos da crise climática cau-
sará ondas de migração e um novo endurecimento da Fortaleza
Europa.
A crise ucraniana, entretanto, foi uma oportunidade para a
esquerda da Europa Ocidental compreender a importância da
própria experiência da esquerda da Europa Oriental, para inte-
grar seu “ponto de vista”. Não podemos pensar em geopolítica
sem nos elevar acima de nossos horizontes nacionais e aprender
a ver o mundo de outro lugar. Não basta apoiar nossos camara-
das que estão lutando em ambos os lados da fronteira russa, es-
pecialmente Sotsialniy Rukh, o “Movimento Social” ucraniano,
devemos também ouvi-los e aprender.
Da mesma forma, a Ucrânia não deve nos fazer esquecer a
terrível guerra que assola a Birmânia (Myanmar), ou a natureza
perigosa da luta contínua nas Filipinas após o retorno ao poder
do clã Marcos. A esquerda radical será internacionalista em ação,
ou não o será.
13 Vitaly Dudin, “The reconstruction of Ukraine must benefit the population. But the West has other
ideas”.
Internacional 41
Reconstruir Bernie
É prematuro escrever um plano preciso para o que esta orga-
nização parecida com uma partido deve parecer. Mas há alguns
princípios que devem nos guiar.
Primeiro, os socialistas e progressistas devem convocar Ber-
nie e o Squad para participar da construção e da liderança desta
nova organização. Para o bem ou para o mal, somente estas fi-
guras políticas nacionais têm os recursos e a legitimidade para
reunir milhões de apoiadores e muitos fios díspares de ativismo
progressista em uma única organização. Sua liderança tornaria o
projeto muito mais propício ao sucesso, e mais cedo.
Em segundo lugar, tal organização deveria ser democrática
e baseada em membros. Os líderes locais e nacionais deveriam
ser eleitos pelos membros, e os membros deveriam ser capazes
de influenciar as plataformas políticas de representantes eleitos,
como Sanders, através de convenções e debates internos. Como
Mike Parker e Martha Gruelle escrevem em um contexto dife-
rente, democracia é poder: somente organizações democráticas
podem dar a seus membros um senso de propriedade sobre es-
tratégias e campanhas, aumentar a sofisticação e o tamanho de
sua base ativista, refinar sua abordagem com base na experiência
do mundo real e lidar com ideias concorrentes sem alienar a mi-
noria de ativistas que não conseguem seu caminho.
Em terceiro lugar, o grupo deve apoiar campanhas eleitorais
progressivas, mas também a organização durante todo o ano fora
Internacional 48
O caminho a seguir
Para assegurar a contínua ascensão do DSA à proeminência
política, a questão se torna: o que precisa ser feito para construir
nossa organização na força de luta que ela precisa ser para en-
frentar a classe capitalista? Nossas tarefas básicas ainda continu-
am as mesmas. Precisamos reconstruir o movimento operário e
construir um braço eleitoral de luta de classes capaz e disposto a
desafiar o establishment, com a esperança de fundir os dois no
futuro em um partido de trabalhadores - e tecer educação polí-
tica e participação em movimentos de massa através de todo o
nosso trabalho.
A nossa tarefa fundamental como organizadores é encon-
trar pessoas onde elas se encontram e trazê-las até nós, não
encontrar pessoas onde elas se encontram e institucionalizar as
nossas diferenças criando uma organização que não seja socia-
lista. Podemos e devemos concentrar-nos no aprofundamento
das nossas raízes nos segmentos da classe trabalhadora ainda
Internacional 57
Seguindo em frente
Sanar as divisões entre os trabalhadores de diferentes comu-
nidades e combater o autoritarismo são pré-condições para resol-
ver a crise econômica. A celebração do Ano Novo cingalês e tâmil
juntos, outras comunidades participando da quebra do jejum do
Ramadã junto com os muçulmanos e a primeira comemoração
no sul dos tâmeis mortos na guerra são desenvolvimentos positi-
vos, mas os ativistas da democracia precisam empurrá-los muito
mais. O perfil excepcionalmente alto de mulheres e jovens nos
protestos também é um sinal de esperança.
Quando o movimento forçou o presidente Gotabaya Rajapak-
sa a renunciar no mês passado, Ranil Wickremesinghe entrou
em seu lugar. “Suas primeiras ações ao chegar ao poder foram
Internacional 75
pos, que são os donos das dragas, do capital que movimenta isso
e se vincula a outros circuitos do capital. Em 2021, o município
de São Paulo, que é o município que mais exporta em todo o
estado de São Paulo, apresentou como principal produto de ex-
portação o ouro. 27% de tudo que o município de São Paulo ex-
portou foi ouro. E de onde é que vai esse ouro? Não tem garimpo
no município de São Paulo.
O capital, no caso da Amazônia, se alimenta de uma rede que
conecta o legal e o ilegal ao mesmo tempo. No caso dos garim-
pos, eles não se escondem mais hoje. A gente fala de garimpo
clandestino, mas não é clandestino, porque a ideia do clandesti-
no é daquele negócio escondido. Na Amazônia, o garimpo não é
escondido. Qualquer imagem de satélite consegue detectar onde
é que está o garimpo e você não esconde uma draga com propor-
ções gigantescas com facilidade de forma nenhuma.
Bolsonaro alimentou uma série de setores sociais que vali-
dam esse tipo de atividade e consegue ganhar até uma parte da
opinião pública, ao dizer que “olha, se tem minério em terra in-
dígena, tem que explorar mesmo, se tem madeira, tem que tirar a
madeira”. Então nós tivemos vários processos que vão ser difíceis
de se recuperar.
Um trabalho que tem que ser feito é limpar esse conjunto
de militares de outras figuras que empurraram para dentro da
máquina do Estado. O Ibama está todo loteado por militares. As
chefias do Ibama estaduais e nacionais são controladas por mili-
tares, inclusive vinculados às Polícias Militares. ICMBio e Funai
também foram loteadas.
como perspectiva o lucro. Pode até ser que ele não se realize,
mas nenhum capitalista entra no processo de produção se ele
não estiver almejando lucro. E ele tem que satisfazer a necessi-
dade de alguém pra poder vender a sua mercadoria. Ninguém
vai comprar uma mercadoria se essa mercadoria não servir pra
alguma coisa.
Para o capital o que interessa é o lucro. O que interessa é a
sua reprodução ampliada, que é quando o capital se reproduz
acrescido de algo a mais do que era no início do processo. Esse
é o objetivo da produção capitalista. Neste modelo econômico
ditado pela lógica do lucro, ele se acentua cada vez mais. Hoje
você tem no ano agrícola da soja, três colheitas. Você tem a pri-
meira colheita, tem a safrinha e tem a segunda colheita. A soja
não segue nenhum ciclo do seu tempo natural. Ela é plantada e
uma série de produtos químicos são utilizados para acelerar o
crescimento O tempo econômico se acelera numa velocidade tão
grande que a apropriação da natureza acompanha esse ritmo do
tempo econômico.
O capitalismo é um modo de produção que não tem sustenta-
bilidade. Primeiro porque ele é todo marcado por crises, cada vez
mais constantes e mais profundas. Segundo que, por conta da
sua lógica, ele tem que se apropriar de uma quantidade cada vez
maior da natureza. Não existe possibilidade de desenvolvimento
sustentável mantida a contradição central do capitalismo que é o
capital versus trabalho.
Enquanto for sustentada na propriedade privada dos meios de
produção e na busca do lucro, essa sociedade vai estar marcada
pela insustentabilidade. Insustentabilidade nas diversas expres-
sões. E isso reflete diretamente sobre as violações de direitos hu-
manos que se aprofundam na Amazônia.