A Época Moderna - Introdução (2024)
A Época Moderna - Introdução (2024)
A Época Moderna - Introdução (2024)
Minibiografta das autoras e dos autores. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 647 O que entendemos por Época Moderna? Tentar responder a essa pergunta
implica discutir uma operação central da historiografia: a periodização. Con-
ceitos como aquele que intitula este livro, a Época Moderna, têm uma fun-
ção investigativa e, desse modo, são elementos estruturantes da compreensão
histórica. Delimitar conceitual e cronologicamente uma época é um esforço
necessário na busca pela compreensão do passado e de atribuição de sentido à
ação dos agentes históricos, à força de sujeitos coletivos e ao peso das institui-
~es1. Nos termos de uma operação de valor discursivo, a periodização não é
passível de ser operacionalizada fura do âmbito da sua enunciação; isto é, ao se
nomear e, assim, conferir particularidade a uma porção da história da huma-
nidade, expõe-se imediatamente a fragilidade da linguagem em dar conta do
sentido latente do que é delimitado pelo conceito. Dessa maneira, esta introdu-
ção, além de apresentar os capítulos integrantes deste volume dedicado à ~oca
Moderna. objetiva também discutir o significado de fazer a história de uma
época chamada de moderna desde o Brasil. Para tanto, é preciso iniciabnente
esclarecer que •Época Moderna~ "História Moderna~ •Primeira Modernidade•
e "Período Moderno" são expressões utilizadas como sinônimos funcionais na
historiografia e no ensino escolar e universitário em nosso pafs. Todavia, essas
expressões advêm de tradições historiográficas distintas e, assim, refletem es-
tratégias de periodização nem sempre coincidentes.
1. Assis, Arthur Alfaix. Pluml Pasts. Historfugraphy between Events and SITIICitn'es. Cambrldge:
Cambridge University Press, 2023, p. 6-9.
12 A ~poca Moderna Uma introdução
Historiografias das épocas modernas universitária alemã. pelo termo Geschichte der Frühen Neuzeit, ou História
Entre as muitas historiografias nacionais, há várias maneiras de se chamar da !poca Moderna2• No mundo acadêmico de língua inglesa, os debates em
o intervalo de tempo que. grosso modo, vai do século XV ao século XVIII. Mais tomo do conceito de Early Modern History passaram a ser mais consensuais
do que uma questão de mera tradução de termos entre línguas diferentes, os alguns anos à frente, prova de que a periodização não é apenas uma operação
recortes cronológicos mudam conforme a terminologia. Enquanto nas linguas central, mas também sensfvel da historiografia. Até hoje, não se estabeleceu
neolatinas as expressões Época Moderna, Époque Moderne, Età Moderna eEdad wn consenso absoluto no que diz respeito aos marcos cronológicos dessa
Moderna abarcam aqueles séculos, nos países de lfngua inglesa e alemã o termo época). Earl;y Modem pode qualificar um período que se inicia desde o século
utilizado para designar o período aponta para a primeira parte de um todo XIV (sobretudo no caso de análises interessadas na região euroasiática) ou
maior. AB expressões Frühe Neuzeit e Early Modem são compostas de tal forma somente a partir de finais do século XV (como em perspectivas mais preo-
que as primeiras palavras nas expressões em alemão e em inglês qualificam cupadas com o impacto do chamado "Novo Mundo" na Europa). De modo
como precoce, inicial ou primeiro (possíveis traduções de Frühe e Early) os análogo, o inicio do perfodo designado como Late Modern, ou simplesmente
respectivos Neuzeit (literalmente, "tempo novo·) e Modem (literalmente, "mo- Modem, costuma ser marcado em dois momentos: meados do século XVIII,
derno"). Prühe Neuzeit e Early Modem designam. portanto, a primeira etapa de seja com o Iluminismo ou, mais tardiamente, com os acontecimentos e con-
um período mais amplo. E, como ocorre com toda proposta de periodização sequêndas da Revolução Francesa, entendidos em geral como o pilar polftico
da história, também esses dois conceitos respondem a um problema histórico. e intelectual da Modernidade; na virada do século XVTII para o século XIX,
AD longo do século XX. na historiografia de língua inglesa, começou-se ainda com a primeira Revolução Industrial e o começo da guinada hegemô-
a propor uma distinção interna àquele período alargado ao longo do qual, nica do capitalismo, focando, assim, nas transformações sodoeçonômicas;
desde o Renascimento, a Europa estaria num progressivo caminho para a ou somente após as primeiras décadas do século XIX, quando já se anuncia-
Modernidade. Os eventos trágicos das grandes guerras, em particular da Se- vam as feições politicas dos Estados-nação e as garras do imperialismo, ou
gunda Guerra Mundial, e o forte impacto das mudanças tecnológicas nas quando os resquícios do regime feudal desapareciam de fato.
sociedades ocidentais do Pós-Guerra fizeram com que fosse revista a partição Como se pode ver, a variedade de termos e balizas cronológicas na cria-
da história em três grandes eras (Antiga, Medieval e Moderna) e se questio- ção de um perfodo é resultado de uma operação historiográfica que convida
nasse a tese de uma corrida inexorável rumo aos "Tempos Modernos". Em historiadores e historiadoras, leitores e leitoras a investigar o vigor ou a tibie-
uma ponta. propôs-se uma nova divisão que desse conta do mundo atual, za do passado histórico na definição do tempo presente. Nesse sentido, cabe
uma Idade ou !poca Contemporânea, tal como designada em língua por- lançar as seguintes perguntas: como nós, pensando a tpoca Moderna a partir
tuguesa, que se estenderia até a constante expansão do tempo presente. Na do Brasil, posicionamo-nos diante dessas periodizações? São periodizações
outra ponta, aquela que nos interessa mais diretamente, subdividiu-se o que
operativas para compreendermos o que foi esse período histórico?
se chamava de período moderno em dois períodos, a "Modernidade Tardia"
No Brasil, a adoção da nomenclatura proveniente dessa discussão histo-
(Late Modern, ou simplesmente Modem), por um lado, e a "Primeira Moder-
riográfica anglo-saxã pode gerar ambiguidades, tendo em vista que os nossos
nidade" (Early Modern), designada no Brasil, em geral, de Idade ou Época
livros escolares e currículos universitários foram concebidos a partir de ou-
Moderna, por outro. Apesar desse câmbio terminológico ter sido proposto,
tra lógica, de matriz francesa, pela qual a tpoca Contemporânea teria inicio
em alguns casos, já na primeira metade do século XX. a nova periodização
com a Revolução Francesa, ao fim do século XVIII. Devemos observar que
levou algum tempo para ser adotada de maneira hegemônica, tendo encon-
a periodização francófona que marcou o desenho dos cursos concebia a
trado em alguns campos uma maior resistência, como foi o caso de áreas
mais próximas aos estudos literários, nos quais o campo semântico em torno 2. Schwerhoft: Gerd. Frühe Neuuit - Zum Profil eiMr EpochL Institut fiir Geschichte, Philo-
de "Moderno" designa, em geral, movimentos contemporâneos. sophische Fakultit, Tecbnische Universltiit Dresden, 2001, p. 4.
Em alemão, o termo tornou-se mais amplamente aceito apenas a partir da 3. Wieaner-Hanka, M~rry B. What is Early Modem Hútory? Cambridge: Polity, 2020.
(Introduction).
década de 1970, quando se designou uma cátedra, pela primeira vez na cena
14 A ~poca Moderna Uma introdução 15
história, originalmente, como uma sequência de civilimções que se sucediam. Também na Universidade do Distrito Federal, assim como ocorrera em
Até meado6 do século XX, as disciplinas e as cltedras existentes noo cursos São Paulo, procurou-se atrair professores estrangeiros para lecionar no Brasil.
universitários eram, muitas vezes, intituladas História da Civilização Antiga. Entre eles, destaca-se a figura do historiador econômico, também francês, Hen-
História da Civilização Medieval, História da C~o Moderna, História da ri Hauser (1866-1946). Hauser propôs mudanças no plano inicial do curso de
Civilização Brasileira, História da Civilização Americana, e assim por diante. O História ao sugerir a criação de uma cátedra de História Moderna. A função
pressuposto analitico, expresso nessa nomenclatura, era de que a categoria ci- de assistente dessa cátedra coube ao historiador brasileiro Sérgio Buarque de
vilização, de cariz eurocêntrico, era tanto o objetivo quanto o eixo organizador Holanda (1902-1982). Ocorre que a Universidade do Distrito Federal teve uma
da ação humana no tempo, e que, para entender o tempo presente, era preciso vida curta, ao ser fechada por pressão de setores conservadores. Todavia, seus
compreender o modo de funcionamento das civilizações anteriores. Para além princlpios organizadores foram parcialmente incorporados no projeto de Aní-
disso, embora o marco fundador da Revolução Francesa operasse, de parti- sio Teixeira (1900-1971) e Gustavo Capanema (1900-1985) para a Universidade
da, como um divisor de águas, muit06 cursos eram marcados pela indistin- do Brasil, criada em 1939, de tal modo que a proposta de Hauser permaneceu
ção temporal de suas fronteiras. Tal indefuúção pode ser vista como reflexo da parcialmente na estrutura curricular da nova universidade. Nela. preservou-se
porosidade dos parâmetros cronológiC06 associados aos interesses de ensino e o plano de deixar o ensino de "História Moderna" separadamente de •História
pesquisa das antigas cátedras. Docentes, catedráticos e assistentes ensinavam
da Antiguidade e da Idade Média" e de "História Contemporânea: mas não se
cursos de História da Civilização Moderna e História da Civilização Contem-
manteve o financiamento a uma cátedra exclusiva, como queria Hauser. De
porânea dentro da concepção de que esses cursos faziam parte de um conjunto
qualquer forma. foi esse modelo da Universidade do Brasil que acabou sendo
maior conhecido pelo termo "Tempos Modernos':
encampado pelos cursos de História que, à época, também se dedicavam ao
Em 1937, contratado para assumir a Cltedra de História da Civilização estudo da Geografia. O percurso foi longo para que essas disciplinas fossem
na recém-fundada Universidade de São Paulo ( 1934), o então jovem historia- institucionalizadas como campos autônomos de ensino e pesquisa no Brasil6 •
dor francês Femand Braudel ( 1902-1985) propunha seguir a divisão das três
No meio da década de 1950, ocorreu a separação da formação de licen-
grandes eras: "O ciclo de estudos é [... ] de três anos: o primeiro, consagrado à
ciados em História e em Geografia, o que implicou readequar vlrios cursos
Antiguidade. O segundo à Idade Média e o terceiro aos Tempos Modernos"4•
nas universidades e faculdades. Entretanto, foi com a Lei de Diretrizes e Bases
Essa divisão se manteve até a década de 1940, quando a cátedra se desdo-
(LDB) de 1961 que o quadro institucional se definiu e um novo projeto de
brou em duas, uma de Civilização Antiga e Medieval e outra de Civilização
universidade e formação de professores foi posto em discussão. Como resul-
Moderna e Contemporânea. de modo a remeter, nessa junção, à unidade dos
"Tempos Modernos': Na mesma época. desenhou-se um projeto encampado tado da LDB, criou-se o Conselho Federal de Educação, órgão responsável
pelo movimento da Escola Nova varguista, inicialmente voltado para a cria- por definir os currículos mínimos dos cursos universitários em todo o país.
ção da Universidade do Rio de Janeiro, que nunca saiu do papel de fato, e foi Foi essa a ocasião em que a discussão sobre os parâmetros curriculares- den-
depois transportado para a fundação da Universidade do Distrito Federal, tre eles, o conteúdo da disciplina de História Moderna - voltou novamente
inaugurada logo após a Universidade de São Paulo, em 1935. Nesse projeto, à pauta. Enquadrados por essa reformulação do ensino superior, realizou-se
mantinha-se a ideia francesa de civilização, mas propunha-se a divisão dos o primeiro simpósio da Associação de Professores Universitários de História
cursos entre "História das Civilizações Medieval e Moderna': por um lado, e (hoje denominada Associação Nacional de História, ANPUH), buscando,
"História Contemporânea': por outro. A esta última cabia abrir as portas para entre outros tópicos, repassar todas as cadeiras nas quais estavam organizados
se compreender os "problemas sociais contemporâneos"5 •
6. Ibid., p. 46-62; Nascimento, Thiago Rodrigues. A formação do professor de História no
4. Braudel, Femand Cátedra de hlstória da civilização: o ensino de hlstória e suas dlm:rizes. Brasil: percurso histórico e perlodização. Revista Hl.!tórla Hoj~ v. 2, n. 4, 2013, p. 269-271;
Revista tk H'm6ria, n. 146, 2002, p. 66. Ferreira, Marieta de Moraes Ferreira. O ensino da história na Faculdade Nacional de Filosofia
5. &posição doa Motivos e Anteprojeto[...] apresentados ao Conselho Univmitário, em 5e$- da Univt!rsidade do Brasil. História, ~nr:i.u, Saútk-Manguinh01, v. 19, n. 2, 2012, p. 611-636.
são de 20 de junho do corrente ano. In: Pmro, Maria de Lourdes de A. Universidade do Brasil. Disponlm em: https:J/doiorg/10.1590/SO 104-59702012000200014.
Dll.l Oripns à Coi'IStTUç4o. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2010, p. 141, 146.
16 A ~poca Moderna Uma introdução 17
os cursos e departamentos de História7 • Na segunda sessão do simpósio, de- militava. Nesses modelos, haveria "plasticidade" entre as áreas, mas não se
dicada ao ensino de História Moderna e Contemporânea. discutia-se se era perderia de vista a especialização da pesquisa. Diversos colegas ecoaram a
mesmo necessário separar as cátedras de História Moderna e História Con- critica de Linhares à defesa de França da centralidade da História do Brasil no
temporânea para formar docentes para o ensino básico. Naquela sessão, a estudo da história e chamaram atenção para o perigo de se cair num "provin-
disputa também envolvia em que medida a História do Brasil deveria ser - ou cianismo estreito': Outras vozes criticas ainda postulavam pela delimitação
não -o guia para se pensar a História no Brasil, e qual modelo de universida- mais precisa do que se compreende pelos termos tpoca Moderna e tpoca
de deveria ser adotado para se ensinar História. Contemporânea. Aqui, surge a proposta segundo a qual a Época Contem-
O relator da sessão, Eduardo D'Oliveira França, catedrático de História porânea deveria se restringir apenas à discussão da história mais recente, a
Moderna e Contemporânea da Universidade de São Paulo, aluno de Fernand começar, talvez, com o inicio da Primeira Guerra Mundial9 •
Braudel, propunha que se deveria seguir o modelo, consagrado desde a Uni- As proposições do relator, as intervenções da audiência, as réplicas e as tré-
versidade do Brasil, de um ano para o ensino de História Moderna e outro plicas não versavam, porém, tanto sobre as fronteiras cronológicas de períodos
para o ensino da História Contemporânea. no caso das licenciaturas, mas históricos distintos, mas sim sobre a articulação - ou a subordinação - entre
ressaltava que os professores responsáveis por essas disciplinas não deveriam a "História Geral" e a "História do Brasil': Igualmente em causa encontrava-se
ser pautados pela especialização. Assim, cabia aos docentes a prerrogativa da a fonna de organização da carreira acadêmica e da estrutura universitária que
liberdade de ministrar seus cursos sobre qualquer assunto ou período. França melhor permitiria dar conta dos distintos modelos de articulação do conheci-
defendia, ainda, que se deveria prezar pela indistinção cronológica na deli- mento histórico postos em debate. Nessas discussões, percebe-se um descola-
mitação dos objetos de ensino e pesquisa das cátedras, uma vez que o impor-
menta entre a organização do plano de ensino que prezava pela delimitação
tante era fomentar o pensamento histórico, sem obrigatoriamente deslocar a entre as disciplinas História Moderna e Contemporânea, tal como previsto no
História do Brasil do centro da reflexão. Nesses termos, segundo o relator, o
modelo da Universidade do Brasil, e como se pensava a formação e a pesquisa
ensino de História Moderna deveria promover a "compreensão das grandes
de docentes universitários. Para uma parte da audiência, os docentes não pre-
linhas da evolução contemporânea~ de modo a localizar a tpoca Moderna no
cisavam ser especialistas na área em que ensinavam e, para quase a totalidade,
"processo da unidade histórica no mundo contemporâneo· e pensá-la para
não se punha em questão se o docente que ministrava a disciplina de Histó-
"corresponder às realidades socioculturais" do Brasil•. Entretanto, as ideias
ria Moderna poderia ser um professor ou professora focado no perlodo mais
postuladas por França não foram recebidas sem critica e de fonna unânime.
contemporâneo. Tanto que, nas •conclusões" do Simpósio. foi encaminhado
Ligada ao grupo de Anísio Teixeira, formador da Universidade do Brasil, pela Comissão Executiva, de maneira aparentemente consensual, que: "Não há,
que posteriormente daria origem à Universidade Federal do Rio de Janeiro, no momento, necessidade de divisão da Cadeira de História Moderna e Con-
Maria Yedda Leite Linhares discordava do relator. A catedrática de História temporâ.nea"10. Isso contrastava com outras áreas que defenderam a separação
Moderna e Contemporânea na Universidade Federal do Rio de Janeiro con- das cadeiras, como Antiga e Medieval. Os docentes daquelas cadeiras então
trapôs-se tanto à subordinação do ensino da "História Mundial• ao ensino da unificadas submeteram à votação do plenário e lograram a aprovação de que,
História do Brasil quanto à indefinição dos perfis acadêmicos das cátedras. dali em diante, História Antiga e História Medieval seriam ministradas por
Maria Yedda Leite Linhares defendia um outro modelo de universidade, em diferentes profissionais, especializados individualmente em um dos perlodos
parte inspirado nos colleges estadunidenses, que conhecera de perto, em par- históricos. t como se a tpoca Moderna e a tpoca Contemporânea permane-
te nas experiências escolanovistas da Universidade de Brasília, pelas quais cessem unidas sob a etiqueta braudeliana de "Tempos Moderno~ mesmo que
nas grades dos cursos fossem duas disciplinas diferentes.
7. Nascimento, Thiago Rodrigues. A formaçio do professor de História no Brasil. Op. cit.,
p.273-277.
8. I Simpósio de ProfessoresdeHistóriadoEnsino Superior, 1961,Mar:ll.ia.Anais [... ].Marllia: 9. Ilnd., p. 110-111,117.
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Marllia, 1962, p. 105-106. 10. Ifnd., p. 302.
18 A ~poca Moderna Uma introdução 19
Essas conclusões do I Simpósio da ANPUH não tinham efeito legal, mas especialistas em História Moderna, assim como também de absorvê-los nos
buscavam, por meio de moções públicas e ação poUtica posterior, gerar pres- departamentos de História das universidades públicas, de modo a abrir es-
são sobre o Ministério da Educação e Cultura e outras instâncias governa- paço para que novas linhas de pesquisas sobre a Época Moderna fossem im-
mentais para que aceitassem os encaminhamentos da Associação. De certa plementadas. Até então, os concursos, em sua maioria, recrutavam docentes
maneira, foi o que ocorreu quando a estrutura curricular de duas disciplinas para História Moderna e Contemporânea e suas pesquisas frequentemente
obrigatórias e distintas de História Moderna e História Contemporânea foi seguiam o programa proposto por Eduardo D'Oliveira França na década de
sacramentada pelo Conselho Federal de Educação, em 1962. Por meio desse 1960, isto é, eram pesquisas que majoritariamente pensavam a Época Mo-
currículo mínimo, regulamentou-se os cursos universitários de História no derna somente na medida em que o período pudesse explicar a História do
Brasil e promoveu-se a criação de novos institutos e faculdades voltados para Brasil e a História Contemporânea. Em segundo lugar, vivia-se um novo pro-
a formação de professores11 • Pode-se dizer que, desde então, independente- cesso de globalização acadêmica na historiografia mundial, impulsionado por
mente das diversas mudanças operadas nos currículos federais mínimos dos uma "geopolítica do conhecimento gestada a partir [... ] do Norte Global" e
cursos de licenciatura em História (e mesmo do abandono forçado da visão pelo acesso a recursos e contatos que as redes e as Tecnologias de Informação
proposta pela LDB de 1961, por conta do golpe militar de 1964 e da tentativa e Comunicação proporcionavam a historiadores e historiadoras do Sul Glo-
de se impor a licenciatura em Estudos Sociais pela Ditadura Civil-Militar), bal A criação de uma "massa critica: constituída por essas pesquisadoras e
essa divisão disciplinar vingou. O campo de estudo da História Moderna apa- por esses pesquisadores formados a partir da década de 1990, foi "capaz não
rece, em programas de ensino, frequentemente delimitado cronologicamente só de estabelecer [...] a área de História Moderna no Brasil, mas também de
pela passagem do século XV para o século XVI, por um lado, e pelo século reformular a reflexão a respeito da nossa história colonial, extrapolando, numa
XVIII, por outro. Entretanto, seguindo a proposta de não separar a cadeira chave imperial, as meras questões clássicas relativas à formação do Brasil con-
de História Moderna e Contemporânea, a construção de um campo histo- tempod.neo~13. Este livro é, portanto, resultado desse processo de expansão e
riográfico dedicado à produção de conhecimento sobre a !poca Moderna é consolidação da área de estudos de História Moderna no Brasil.
a1go bastante recente no Brasil. Vale lembrar que, até hoje, a Época Moderna As páginas seguintes propõem discutir, nessa chave, o que se pode cha-
está incluída na subárea "História Moderna e Contemporânea» segundo a mar de !poca Moderna a partir das pesquisas realizadas no Brasil e dos cur-
classificação da Coordenação de Aperfeiçoamento do Pessoal de Nível Su- sos universitários também aqui ofertados. Todavia, a obra procura evitar a
perior (CAPES) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e postura acadêmica que ficou conhecida pela expressão "nacionalismo me-
Tecnológico (CNPq) 12• todológico: isto é, os capítulos reunidos neste volume evitam refletir sobre
Foi apenas com a consolidação do Sistema Nacional de Pós-Graduação, a Época Moderna predominante ou exclusivamente através de lentes que
ao fim da década de 1990, e sobretudo com a expansão do ensino superior encontram foco apenas ao observarem o processo de formação da nação,
nos anos 2000, que a transformação desse campo historiográfico se tomou tal como concebido no século XIX. Partimos, sim, da cronologia que vai do
mais expressiva. Isso se explica, em linhas gerais, por dois motivos princi- século XV ao século XVIII, já bem estabelecida nas instituições de ensino
pais. Em primeiro lugar, ampliaram-se as condições de se formar quadros de nacionais, para definirmos os nossos objetos de estudo. Entretanto, como se
depreende da leitura dos mais diversos capítulos, esses limites temporais são
frequentemente tensionados ou revistos em função dos objetos e problemas
11. Nascimento, Thiago Rodrigues. A formação do professor de História no Brasil Op. cit.,
p. 278-2111. enfrentados. Desse modo, infere-se que o conceito de !poca Moderna agiu-
12. CAPES. Tabela de Áreas de Conhecimento/Avaliação. Disponível em: https://www.gov. tina elementos definidores de uma época histórica para além da dimensão
br/capes/pt-br/acesso-a-lnformacao/acoes-e-programas/avallacao/instrumentos/documen-
tos-de-apoio/tabela-de-areas-de-conhecimento-avaliacao. Acesso em: 21 mar. 2024. CNPq.
Árvore do Conhecimento. Disponlvel em: https://latb!s.cnpq.br/Webldgp/arvore-do-c.onheci- 13. Lima, Luia Filipe Silvério; Machel, Marllia de A.zambuja Ribeiro. Apresentaçã-o. In: Id.
mento. Acesso em: 21 mar. 2024. Cul!um letrada no espaço euro-lltl4ntico (Sécs. XVI-XVI11). Recife: Ed. UFPE, 2022, p. 12-16.
20 A ~poca Moderna Uma introdução 21
didática e legal definida nos currículos. A especificidade desses elementos, Historia Nova designava os acontecimentos históricos ocorridos entre os sé-
porém, precisa ser pensada e testada conforme se executa aquela mesma ope- culos XVI e XVII, de modo a abarcar o tempo presente. As expressões latinas,
ração central do oficio de historiadoras e historiadores aqui já mencionada: a usadas como sinônimos, tempus novum (literalmente, tempo novo) e tem-
periodização. As implicações dessa operação podem ser exploradas ao se ob- pus modernum (literalmente, tempo moderno) são de emprego mais recente
servar como os conceitos de "moderno" e, posteriormente, de "Modernida- e podem ser encontradas na grande obra enciclopédica editada por Johann
de" foram significados e mobilizados por distintos agentes históricos ao lon- Heinrich Zedler em meados do século XVIII. No volume publicado em 1749,
go das épocas moderna e contemporânea. Consequentemente os problemas Zedler define tempus novum, ou tempus modernum, como o tempo presen-
relativos l construção da ideia de Época Moderna extrapolam, em muito, a te16. Lembremos que, em lingua alemã, o substantivo Neuzeit, que remete a
dimensão dessa periodização definida com fins didáticos a partir do momen- tempus novum, em latim, indica o conjunto maior do qual faz parte o menor
to em que a História se estabeleceu como disciplina acadêmica, primeiro na conjunto designado pelo termo Época Moderna, ou Frühe Neuzeit.
Europa, depois no Ocidente como um todo, ao longo dos séculos XIX e XX. As consequências históricas e historiográficas dessa operação conceitual
ganham. hoje, contornos mais claros. Por mais que a Historia Nova tenha sido
Moderno e Modernidade pensada pelos humanistas como dotada de um valor positivo, é sobretudo em
A segmentação tripartite da História em um período antigo, um período função das transformações le:xicais introduzidas no século XVIII, na qual mo-
medieval e urna nova época remonta ao século XIV e está associada ao proje- demo era o que projetava o atual e o novo, que os termos qualificadores de uma
to dos primeiros humanistas de promover uma renovação da cultura letrada a nova época passam a ser evidência de uma mudança ainda mais significativa: a
partir do retomo aos modelos atribuW.os à Antiguidade clássica. A medida que Filosofia da História. Baseada em uma interpretação evolutivo-racionalista das
se foi afirmando a percepção de que uma renovação - ou um renascimento - sociedades dispostas ao longo do tempo, a Filosofia da História permitiu que
encontrava-se em curso, instaurou-se a crença de que os povos europeus viviam se entendesse a Época Moderna como uma etapa decisiva do desenvolvimento
em uma nova época histórica. Para eles, essa nova época representava o fim do da humanidade. Para além da visada filosófico-especulativa do curso da his-
interlúdio de "séculos obscuros" que havia separado o presente da Antiguidade. tória, pensadores do início do século XIX, como Auguste Comte, John Stuart
Mill e Karl Marx, "procuraram identificar o que havia de 'modemó em suas
Foi nesse contexto letrado que expressões latinas como media aettu e me-
sociedades e como elas haviam assim se tomado" 17• Desse modo, não demora
dia tempesttu (literalmente: tempos médios) passaram a ser utilizadas com
para que, "no início do século XX. com o trabalho de Émile Durkheim e Max
o objetivo de designar o periodo, de contornos temporais nem sempre bem
Weber, o problema das origens do mundo moderno· também tenha se tomado
definidos, que se seguiu à Antiguidade clássica. Para marcar distAncia da me-
"o problema central da sociologia"18•
dia aettu, as obras historiográficas de autores como Georgius Hormius ( 1620-
1670)1~ e Christoph Cellarius (1638-1707) adotam a expressão "história n~
A partir de meados do século XX. entretanto, os diversos diagnósticos ope-
No caso particular da obra de Cellarius, trata-se de uma expressão que figu- rados ao longo da história sobre essa experiência caracterizada como "moder-
ra no título mais extenso dado ao terceiro volume de uma história univer- na" passaram a ser vistos não mais por uma positividade inerente ao progresso
sal assim composta: Historia Antiqua, Historia Medii Aevi e Historia Nova humano, mas sob o prisma de um estado de crise social e, consequentemente,
(1696)15• No momento em que a obra de Cellarius circulou, a expressão de crise do edifício racionalista sobre o qual a leitura da Época Moderna
15. Cellarius, Christoph. Christophorí Cellmií histmia nova, hoc e.st XVI et xvn saecvlorum: 17. Goldstone, Tack. The problem of the "Early Modem" world. ]olmUII of the Er:onomic and
qva tivsdem avctoris histuriae, A1ttiqva et Mdíi Aelli, tJd nostra tmrpora r:onti~nti ordhu! pro- Sacim HiJtory aJ the Orienl, v. 41, n 3, 1998, p. 249-284, aqui p. 250.
fonmtvr, cvm natis perpetvís et índice rervm. Tena: Bielkius; Halle (Saale): Henckelius, 1696. 18. Ifnd.
22 A ~poca Moderna Uma introdução 23
feita nos séculos XVIII e XIX se assentara. AB armadilhas carregadas pela inter- da pluralidade dos agentes históricos neles envolvidos. Deve-se fazer isso,
pretação iluminista da Modernidade eram criticadas pela Escola de Frankfurt entretanto, sem velar as desigualdades que caracterizavam as relações sociais
desde os anos 1930, mas ganharam maior proporção com a irradonalidade e sem omitir a violência que igualmente caracterizava aquelas sociedades,
dos horrores perpetrados pelo Nazismo na Alemanha e a crescente instrumen- os projetos coloniais e a formação de redes globais de contato e comércio.
talização da racionalidade impingida pelas técnicas capitalistas nos Estados Tais redes não podem ser mais pensadas na chave de uma mera "expansão"
Unidos. Essas criticas se intensificaram ainda mais a partir da década de 1980, da Europa para as demais partes do mundo, mas sim como uma evidência
quando se passou a falar no "fim da Modernidade" e na instauração de uma inequívoca da imposição de lógicas produtivas e dinâmicas de mercado por
co~o pós-moderna marcada pelo colapso definitivo das grandes narrativas meios das quais o execrável sistema escravista moderno pôde se estabelecer e
fundadas nos ideais de racionalização e de progresso19• Somada a essas pers- consoli~. Foi a partir dessa proposta de compreensão da Época Moderna
pectivas que contestavam visões facadas em grandes estruturas explicativas, que diversos capítulos deste livro construíram seus argumentos, tendo em
as críticas pós-coloniais e decoloniais aos apagamentos perpetrados contra as vista dois movimentos complementares.
sociedades não europeias, suas perspectivas e narrativas, reclamam a tomada Ao se analisar processos históricos identificados como particularmen-
de consciência de que a ideia de Modernidade, forjada no século XIX, estava te europeus, verifica-se que os tempos assumem velocidades diferentes na
na base da construção de um discurso de superioridade que legitimou as ações constituição da Modernidade e mesmo do que se entende por moderno.
imperialistas e colonialistas da política europeia20• A partir do horizonte da História da Religião, a Cristandade transformada
O estatuto da História Moderna. corno uma disciplina acadêmica, deve, pelas Reformas caracterizou a ::Bpoca Moderna. Mas, ao mesmo tempo, foi
portanto, levar em consideração todos os ganhos acumulados por esse longo o movimento de ruptura com práticas religiosas que ajuda a explicar o que
processo de crítica e autocrítica do passado, de forma a incluir a necessidade se chama de Modernidade [.i"Q papel estruturante da religião] [/'Reformas
de se pensar esse período da história em termos de ·múltiplas rnodernida- religiosas]. Esse mesmo movimento de ruptura ganha outro sentido quando
observado pelas lentes de "uma história global do conhecimento" que deixam
des~ não mais limitadas à experiência e à autocornpreensão das sociedades
transparecer as distorções presentes no conceito de "Revolução Científica" de
europei.as'1• Afinal, foi nesse momento da história que as então chamadas
cariz europeu [.i" A nova ciência]. Tópico clássico na História Política, a dis-
•quatro partes do mundo~ África, América, Ásia e Europa, passaram a ex-
juntiva entre centralização e pluralismo do Estado Moderno assume novos
perimentar contatos e trocas numa dimensão inédita. A ~poca Moderna é
ritmos, se abandonado o desejo de entender os arranjos e as disputas polí-
o momento da eclosão de uma compreensão do mundo que. doravante, não
ticas modernas como anúncios do Estado weberiano [/'Sistemas políticos
poderia mais deixar de acontecer senão em termos globais, pelo menos inter-
e estruturas de poder]. Numa visada mais econômica, o mundo agrário, no
continentais e transoceânicos.
qual estava imersa a imensa maioria da população, borra os limites entre o
Diante disso, pensar a :epoca Moderna hoje significa, sobretudo, com- Medievo e a Modernidade com seus ciclos de retração e expansão. Todavia.
preender a natureza dos processos intraeuropeus e extraeuropeus a partir ao se observar as dinâmicas do capital, verifica-se uma outra lógica que reor-
ganiza não apenas a vida rural europeia, mas também as relações globais que
19. Jameaon, Frederic. Pós-modernlmw: a 16gica cultural tkl caplt~ismo tardio. São Paulo: Áti- produziram o mundo moderno e contemporâneo [.i" Agricultura e sociedade
ca, 1997, cap. 1-2.
rural] [/'Capitalismo]. Esses temas fundamentais da historiografia sobre o
20. Faustino, Deivison Mendes. A dUputa em tomo de Frrml% Fanon. São Paulo: Intenneios, 2020;
~ Bdgardo (org.). La ccJionialidad del sal-. euroamtrismo y ciencüzs sociaks: penpectivas período passam aqui a ser olhados, portanto, a partir de perspectivas diver-
/atino-ameriauuu. Buenos Aires: Claao, 2000 (especialmente os aeguintt!S cap1tu1os: nu-1, sas, de modo a prescindir de urna linha analítica unificadora que, no limite,
Enrique. Europa. modernidad y eurocentrismo, p. 41-53; Mignol.o, Walter. La colonialidad a lo
largo y a lo ancho: el hemisferio occidental en el horizonte colonial de la modemidad, p. 55-85).
21. Eisenstadt, Shmuel N. Múltiplas modernidades na eradaglobalização. GBPOUS: remta de 22. Wallerstein, Emmanuel Eurocentrismo e seus avatares: os dilemas das ciblcias sociais. In:
filosofia e cid.Jd4ni4, v. 6, 1999, p. 39-49; Cf. Knõbl. Wolfga.ng. Max Weber, as múltiplas moder- Id. O fim do mundo como o con<Zbemos. ~nda social para o século XXI. Rio de Janeiro: Ra!van,
nidade& e a reorientação da teoria sociológica. Dados, v. 49, n. 3, 2006, p. 483-509. 2003, p. 215-218.
24 A ~poca Moderna Uma introdução 25
guarda no horizonte a formação das nações europeias. Ou seja. pensar o que Partes e capitulos ela Ípoca Moderna
foi a Europa moderna desde o Brasil implica "provindalizá-la" ou entender
Motivados pelas reflexões até aqui apresentadas, os integrantes da Rede
a partir de múltiplas perspectivas os conceitos de ~ Moderna e de Mo-
Brasileira de Estudos em História Moderna (h_moderna)24, criada em 2019,
dernidade, de modo a expor os limites explicativos dos respectivos conceitos
envolveram-se em um trabalho coletivo inédito no Brasil na área de História
para as mais diversas experiências humanasn, das quais também faz parte a
Moderna. Reunidos em duplas e um trio, 35 autores e autoras enfrentaram os
história das sociedades europeias.
debates apresentados nos 21 capitulas distribufdos entre as quatro partes que
De um ponto de vista externo à Europa. a Modernidade ocidental é por integram este livro.
vezes aqui entendida como a "autoirnagem produzida pelo Ocidente~ E da des-
A primeira parte, intitulada "Aspectos estruturais~ trata de questões clás-
construção critica dessa autoirn.agem dependem o reconhecimento e a cons-
sicas de História Moderna, recorrentes na historiografia e, de certa manei-
trução de modernidades alternativas, de que são exemplo as narrativas amerín-
dias e afrocentradas [)"Trajetórias indígenas] [;o o Atlântico e as modernidades ra. incontornáveis aos estudos acadêmicos sobre o período, especialmente
alternativas]. Note-se que, nesses espaços, "os conceitos de 'modernO: 'Moder- quando se tem em vista a configuração do continente europeu. Entretanto,
nidade' e 'modernização' têm significados e implicações distintas" [;oÁfrica procura fazê-lo sob duas perspectivas particulares. Por um lado, os capítulos
atlântica e Europa moderna]. Ocorre que a Modernidade também "resulta dos colocam em diálogo as refer~cias mais difundidas nos cursos de História e a
compartilhamentos próprios das experiências humanas cada vez mais conecta- produção historiográfica mais recente que, não raro, contesta ou põe em cau-
das, e deve. por isso, ser abordada em escala global" [)"Modernidade islâmica]. sa aquelas leituras anteriores. Por outro, tensiona as periodizações recorren-
An estudar espaços e circulações globais neste volume, porém, não se nega que tes, ao discutir quais recortes temporais são mais apropriados para explicar
"algo especffi.co ocorreu na virada da Modernidade, algo que diz respeito à pró- os fenômenos analisados em cada capítulo, fazendo-nos sair de um olhares-
pria relação que as pessoas naquela época passaram a estabelecer com o espaço, tático sobre o que seria a Primeira Modernidade e compreender os processos
com as trocas, com o tempo e com as distâncias" [;oo Leste Asiático]. Antes, é históricos de forma a escapar de armadilhas teleológicas.
com o olhar dirigido para outros continentes, e a partir deles, que a observação Nessa direção, o capítulo "Agricultura e sociedade rural~ que abre a pri-
das transformações particulares de uma época contribui para o entendimento meira parte da obra, opera com um arco temporal mais alargado, com o obje-
de muitos fenômenos vividos na Europa. tivo de enquadrar as dinâmicas do mundo agrário e a revolução ocorrida na
Eis o motivo pelo qual adotamos, nesta obra coletiva intitulada A Época produção agrícola da ~poca Moderna. Mais que isso, os autores do capítulo,
Moderna, um movimento alternado. Por um lado, os capítulos mantêm um Maximiliano Mac Menz e Wolfgang Lenk. demonstram a centralidade do
foco mais fechado no espaço europeu, no qual tem origem a discussão so- campo na vida social e produtiva da Europa, em comparação ao globo, entre
bre o início de um novo tempo, de uma história nova. Por outro, abrem-se os séculos XIV e XIX -algo importante de ser destacado a partir de um mun-
para perspectivas locais de outros espaços e perspectivas globais. Vistos em do como o nosso, marcado pelo domínio da cidade sobre o campo.
conjunto, os textos aqui reunidos contribuem para delinear as múltiplas mo- O capítulo "O papel estruturante da religião': de Adone Agnolin e Rui
dernidades das várias periodizações possiveis da ~poca Moderna, sem Luis Rodrigues, realiza um movimento semelhante ao pensar o papel do
deixar de enfrentar questões centrais da historiografia. Esse desenho fi- cristianismo na vida europeia desde a Idade Média até os inicias da ~
cará mais evidente ao apresentarmos as partes e os capitulas que integram Contemporânea, considerando-se a periodização mais recorrente. Os au-
A Ppoca Moderna. tores retraçam a junção entre os prindpios civis romanos e aqueles da fé
cristã na montagem de uma arepública" universal que, ao longo da ~po
ca Moderna, foi sacudida pelas Reformas para, ao fim, ser contestada e
23. Chakrabuty, Dipeah. Provútcializing EurajM. Pwta>lonial Tlrought and Hutoriazl IJi.ffrmta. 24. Rede Bruileira de Estudos em Hmórla Moderna. Diapon!vel em: https://modernistaa.
2. ed. PriDcctoru Prínceto.n University Press, 2007, p. 12. hypotheses.mg. Acesso em: 21 mar. 2024.
26 A ~poca Moderna Uma introdução 27
substitu1da por outros arranjos civilizacionais com os quais se inaugura a alterou a natureza dos espaços a que chegaram e a dinlmica de suas próprias
contemporaneidade. Para entender os fenômenos da Europa moderna em culturas, bem como da cultura dos povos com os quais entraram em contato.
seus próprios termos, seria preciso, portanto, tomar a religião cristã como Em função disso, na segunda parte desta obra, intitulada "Espaços e circulações
lente hermenêutica e perceber suas variantes e disputas entre os séculos XV globaiS': entram em cena difurentes regiões do globo que, pela primeira vez- e.
e XVIII. .a preciso, contudo, usar essa lente tendo em vista as diferenças en- a partir de então, de furma definitiva-, viram-se conectadas. As mudanças nas
tre a concepção medieval de religião e a ·superação das confissões religiosas concepções geogrãfi.cas que caracterizam esse momento são o tema central do
cristãs" nos termos de uma "chave capaz de explicar e organizar a realidade" capítulo "Uma nova geografia': de autoria de Andréa Doré e Marina Bezzi. Se o
no mundo contemporâneo. Humanismo se ancorava em grande medida em modelos clássicos, a circulação
pelos oceanos Atlintico e Útdico, muito além do que tinham feito e descrito os
Partindo de uma abordagem mais historiográfica para discutir os
antigos, levou a importantes correções na maneira de se enxergar e compreen-
·sistemas políticos e [as] estruturas de poder- na .apoca Moderna, Bruno
der o mundo. Terras habitadas ao sul da zona tórrida e a chegada dos europeus
Kawai Souto Maior de Melo e Marllia de Azambuj a Ribeiro Machel traçam,
a uma quarta parte do mundo, desconhecida dos autores clássicos e que seria
no terceiro capitulo, a genealogia de duas categorias analíticas recorrentes
batizada de América, colocaram em cena o saber que resulta da experiência.
nos trabalhos sobre o período: Estado Moderno e Absolutismo. A dupla de
As autoras exploram essas questões em diálogo com a historiografia que tem
autores busca, com isso, mostrar os limites dessas definições, concebidas
destacado a importância da dimensão espacial para a compreensão histórica,
para se pensar menos os Estados modernos e mais para explicar o surgi-
mento dos Estados-nação europeus no século XIX. Ao remontar esse per-
de furma abrangente. e da q,oca Moderna, em particular.
Os principais momentos da historiografia sobre o mundo atlântico
curso historiográfico à luz das contribuições desde a virada lingufstica e a
abrem o capítulo "'Atlântico e as modernidades alternativas·, de José Carlos
critica ao paradigma estadualista de fins do século XX, indicam-se cami-
Vilardaga e Rodrigo Faustinoni Bonciani, destacando as perspectivas mais
nhos para refletirmos sobre as várias formas políticas que existiram entre
recentes que exploram a história afro-americana e a historiografia indigenis-
os séculos XV e XVIII.
ta. O At:IAntico, antes de "fundar a Modernidade ocidental·, era o Mar Tene-
Fechando a primeira parte, Leonardo Marques e Maximiliano Mac Menz broso. Essa concepção que marca o período medieval europeu é discutida
ampliam as fronteiras geográficas do espaço até então estudado para discutir nesse capítulo para que se possa compreender o que a superação dessa ima-
a formação do "Capitalismo" (titulo do quarto capítulo) na Europa Moderna. gem representou para os diferentes povos às margens do Oceano. Os autores
Evitando, porém. uma abordagem eurocêntrica, os autores analisam o capita- fazem amplas conexões com tradições ameríndias e africanas, apresentam a
lismo como •forma histórica específica cujas consequatlcias sistbnicas foram produção crítica recente sobre a relação entre o Atlântico e a formação do
se aprofundando e se complexificando,. [I'Capitalismo] ao longo da Época capitalismo e destacam a navegação atlântica e seus desdobramentos para o
Moderna. Para tanto, compreendem tanto as transformações das economias interior dos continentes africano e americano.
europeias em termos globais quanto sua dimensão colonialista e sua estreita
José Rivair Macedo e Mônica Lima e Souza partem de questões histo-
relação com a escravidão africana. Nesse sentido, se os capítulos iniciais des- riográficas relativas às escalas. aos enfoques e às abordagens da história da
te livro, ao abordarem "Aspectos estruturais• dados por temas clássicos da África para desenvolver o capítulo "África atlintica e Europa moderna·.
historiografia sobre a Época Moderna. fecharam-se num recorte sobretudo A perspectiva adotada no texto incorpora criticas a pressupostos etli"OCbitri-
europeu, o último capitulo abre a discussão para uma perspectiva mais global cos presentes nos estudos sobre a África, ao mesmo tempo em que observa,
e critica que será aprofundada na parte seguinte. "na escala de uma história global': os processos nos quais as mulheres e os
Pesquisas produzidas nas últimas décadas destacam que a Primeira Mo- homens africanos "efetivamente tomaram parte, independentemente de qual
dernidade tem uma relação de interdependtncia com a chamada primeira tenha sido a condição" [I' África atlântica e Europa moderna]. Em um segun-
globalização. A presença de atores europeus em diferentes partes do globo do momento, são destacadas três personagens da diáspora, visando acessar
28 A ~poca Moderna Uma introdução 29
a diversidade das trajetórias de vida, seus limites e as possibilidades que se O capítulo "Trajetórias indígenas" fecha a segunda parte desta obra. No
apresentavam aos indivíduos. cruzamento da Nova História Indígena, da História das Mulheres e das rela-
No capítulo "Modernidade islâmica~ de Otávio Luiz Vieira Pinto e Thiago ções de gênero, Elisa Frühauf Garcia e Suelen Siqueira Julio abordam o papel
Henrique Mota. a escala é igualmente um elemento fundamental. Os autores dos ameríndios na construção da Modernidade. "Os silêncios, os estereótipos
defendem a necessidade de se abordar a Modernidade a partir de uma pers- e a permanência por muito tempo de uma agenda colonial na historiografia"
pectiva global e enfatizam que, mais do que o produto de ações europeias [.!'Trajetórias indígenas] levam as autoras a se debruçarem sobre as ações e
trajetórias de mulheres nativas das Américas. De algumas dessas mulheres
em outras partes, esse conceito resulta do compartilhamento de experiências
conhecemos os nomes - Pocahontas, Malinche, Catarina Paraguaçu -,mas a
humanas. O capítulo, então, dedica-se a explorar ·como as sociedades mu-
maior parte delas, citadas como ·mulheres" e ·moças", vêm ganhando espaço
çulmanas participaram da construção do que convencionamos chamar de
na historiografia mais recente a partir da análise de vestígios mais ou menos
Primeira Modernidade" [.!'Modernidade islãrn.ica]. Trazendo para o proscê-
explfcitos deixados na documentação do período. Dessa análise, resulta um
nio as sociedades no lugar dos grandes impérios, diferentes dimensões das
panorama mais plural e multifacetado.
experiências islãrn.icas são desenvolvidas ao longo do texto.
Após o alargamento dos horizontes geográficos desenvolvido na segun-
Após uma introdução na qual são retomadas concepções historiográ-
da parte, a terceira parte deste livro investiga as •transformações culturais"
ficas clássicas, Andréa Doré e Patrícia Souza de Faria discorrem sobre as-
fundamentais da Época Moderna. No capítulo intitulado "Renascimento e
pectos centrais das sociedades asiáticas no contexto da chegada dos portu-
Humanismo~ Mar:llia de Azambuja Ribeiro Machel e Rui Luis Rodrigues exa-
gueses aos portos da fndia no capitulo intitulado "' espaço Indico". Nele,
minam historio gráfica e conceitualmente a noção de Renascimento. Parte-se
destacam-se as dinâmicas redes mercantis, lideradas por muçulmanos, que
das abordagens firmadas no século XIX segundo as quais o termo designa
ligavam a Península Arábica à China e pelas quais circulava uma imensa uma época histórica já encerrada. "Essa leitura de caráter historicista do Re-
variedade de produtos e de pessoas. O capítulo apresenta um breve panora- nascimento encontrava suas bases na grande narrativa construída um século
ma da organização social vinculada à religião bramãnica, a que chamamos antes pelos iluministas apoiados nas ideias de razão, Modernidade e progres-
de "sociedade de castas~ Em seguida, aborda a chegada dos portugueses, so" (.!'Renascimento e Humanismo]. Distanciando-se dessa perspectiva, a
o impacto então causado nas redes de comércio e o papel desempenhado dupla de autores elege, como foco de análise, "o impacto que o Renascimento
pela missionação católica, geradora de uma vasta documentação. Ao fim do literário-filosófico" - também chamado de Humanismo - "teve sobre o mé-
capitulo, explora-se o Sudeste Asiático, região na qual a circulação de mer- todo histórico e a cultura escrita e política" na Época Moderna. Ao investigar
cadorias e as relações entre europeus e as sociedades asiáticas ganharam um programa erudito que remonta ao século XIY, destaca-se o esforço filoló-
outra conformação, distinta da portuguesa. com a ação dos holandeses e as gico feito por humanistas do período. Esse esforço teve como consequência
companhias de comércio. "um progressivo e significativo alargamento dos textos disponíveis" para a
A ênfase conferida às relações e às conexões entre o local, o regional e comunidade letrada, sobretudo em função da redescoberta de antigos ma-
o global resulta da abordagem adotada por Bruna Soallieiro e Célia Tavares nuscritos e das inúmeras traduções de textos clássicos.
no capítulo "O Leste Asiático~ As autoras retomam os vínculos linguísticos e A diversidade crescente de manuscritos e sobretudo de impressos pro-
religiosos que caracterizam a vasta região que hoje compreende os territórios duzidos na Época Moderna dedicam-se André de Melo Araújo e Verônica
da China, do Japão, da Coreia do Norte, da Coreia do Sul e de Taiwan e se Calsoni Lima no capítulo "O mundo dos impresso~ Os autores argumentam
apoiam, inicialmente, nos marcos cronológicos dados pelas dinastias reinan- que a expansão vertiginosa da produção impressa não se deveu exclusiva-
tes na Época Moderna. As conexões e as redes culturais e de comércio são mente à inovação operada por Gutenberg com a prensa de tipos móveis. An-
aqui também elementos fundamentais que impulsionam a compreensão das tes, a originalidade da imprensa europeia quinhentista "pode ser identificada
dinâmicas locais e de sua inserção em âmbitos de circulação globais. não apenas no padrão de produção dos artefatos impressos, mas sobretudo
30 A ~poca Moderna Uma introdução 31
no modelo de distribuição" dos seus produtos [.I" O mundo dos impressos]. A contemporânea da história do conhecimento com o objetivo de sinalizar que
isso se soma o fato de que o grande volume de capital envolvido na produção se, por um lado, a ideia de história do conhecimento - e não da ciência -
de obras extensas e eruditas, como aquelas valorizadas pelos humanistas, "poderia descaracterizar o seu objeto" de análise, por outro, essa mesma ten-
frequentemente obrigava que as oficinas de impressão interrompessem wn lon-
dência aponta potencialmente para a produção do conhecimento histórico
go trabalho em curso levado à prensa para obter lucro mais rápido com peças menos marcada por uma narrativa eurocêntrica.
de menor prestigio. Esse era o tempo não apenas das disputas pelas melhores Um descentramento semelhante é operado por Anadir dos Reis Miran-
edições das obras celebradas pela tradição letrada, mas também era o tempo da da, Beatriz Polidori Zechlinski e Cristine Tedesco no capítulo "Mulheres,
produção vertiginosa de impressos efêmeros [1'0 mundo dos impressos].
gênero e cultura letrada~ Nele, as autoras se perguntam de que modo as mu-
Após apresentar um competente balanço historiográfico e terminológico lheres - em detrimento de figuras predominantemente masculinas - podem
do conceito de "Refurmas religiosas", Jacqueline Hermann e Ronaldo Vainfas ser situadas em transformações sociais e culturais associadas à amplificação
chamam atenção para a circulação crescente de um tipo de impresso efêmero do letramento e da valorização dos saberes em curso na :apoca Moderna. As
com o qual se ocupavam as mais diversas oficinas de impressão no período, trajetórias individuais de Artemisia Gentileschi, Madeleine de Scudéry, Mary
inclusive aquela de Gutenberg: as cartas de indulgência. Para a dupla de au- Wollstonecraft, Mary Hays e Mary Robinson, que viveram na Península Itá-
tores, a renovação da venda de indulgências explica, parcialmente, o avanço lica, na França e na Inglaterra entre os séculos XVI e XVIII, são perseguidas
da marcha da Refurma Luterana que "se irradiou pela Europa ao longo da pelas autoras com o objetivo de investigar "as estratégias que as mulheres
década de 1520, com variações teológicas derivadas das convicções dos líde- utilizaram para superar os limites e as imposições de gênero" [.I" Mulheres,
res religiosos, da receptividade das populações e da configuração política das gênero e cultura letrada] nos respectivos períodos em que viveram.
diversas regiões• [.I'Reformas religiosas]. Em seguida, o capítulo enfrenta a Um dos propósitos de André de Melo Araújo e João de Azevedo e Dias
explosão de revoltas populares, segundo Hermann e Vainfas, como Duarte no capítulo intitulado "O Iluminismo" é sinalizar uma ampliação his-
wna das coDSequências não programadas da Reforma. A cisão da Cristandade
toriográfica com a qual se procura
combinada às mudanças pol!ticas, econômicas e sociais em toda a Europa oci- ultrapassar o círculo restrito dos filósofos mais vocais, com o objetivo de incluir
dental produziram reinterpretações inusitadas dos textos sagrados e das práticas as YOZe5 de homens e mulheres menos conhecidos da crescente produção literá-
religiosas em transformação [ I'Reforrnas religiosas]. ria setecentista e dar destaque ao papel igualmente central ocupado por artesãos,
mercadores, viajantes, impressores e livreiros como agentes ativos na produção e
No capítulo intitulado "A nova ciência", Andréa Doré e Thomás A. S.
na difusão de ideais iluministas [.i'O Duminismo].
Haddad apresentam um debate historiográfico em tomo da "característica
distintiva da Época Moderna europeia", para além do Renascimento e do Hu- Dessa maneira, os autores partem tanto do presente- ao discutir a propos-
manismo ou das Reformas religiosas. Aqui, entra em cena a grande dimensão ta de apresentação do passado em um museu contemporâneo - quanto de es-
que a aproximação entre os conceitos de ciência e Modernidade asswniu na tudos históricos mais recentes para apresentar o Iluminismo, simultaneamente,
historiografia europeia e estadunidense desde meados do século XX. Coloca- como uma "época da história europeia integrada a diversas partes do mundo e
da em perspectiva historiográfica. essa aproximação é examinada pela dupla que se estende até o fim do século XVIW e como "um projeto que deita raízes
de autores em dois planos. Em primeiro lugar, parte-se da classificação do nas décadas finais do século XVII, mas cujos efeitos alcançam o tempo presente
conhecimento operada em uma biblioteca da Época Moderna para afirmar em espaços para além da Europa contemporânea" [.I"O lluminismo].
que "uma história das ciências na :apoca Moderna precisa confrontar, já de A quarta parte desta obra é dedicada aos conflitos, às revoltas e às
partida, o problema de que seu objeto mais óbvio [... ] não possui, para os revoluções que marcaram a história do Ocidente durante os séculos XVII
próprios atores históricos do período, contornos familiares para nós hoje e XVIII. Trata-se de um tema-chave da reflexão historiográfica sobre a
em dia" [.I' A nova ciência]. Em seguida, ainda se apresenta a tendência mais Época Moderna produzida ao longo dos séculos XIX e XX que, nos últimos
32 A ~poca Moderna Uma introdução 33
cinquenta anos, tem sido revisto sob o prisma de novos paradigmas interpre- Revolução Inglesa ou Revolução Puritana (1640), em função da qual se instau-
tativos. Nesse sentido, os quatro capítulos que compõem essa parte tbn como rou uma república de curta duração, e a Revolução Gloriosa (1688), que lançou
intuito difundir entre o público brasileiro o estado da arte das pesquisas mais as bases para a monarquia parlamentar existente até os dias de hoje no Reino
recentes sobre a temática do conflito e da resistência política no contexto do Unido. Partindo de uma interpretação hegemónica do século XVII inglês na
chamado Antigo Regime. E aqui, o movimento que privilegia o espaço euro- historiografia até a década de 1970, os autores explicam os desdobramentos
peu nos primeiros capitulas dessa parte, ao discutir as revoltas da primeira historiográficos da "onda revisionista" que passou a recusar a categoria de re-
metade do século xvn, vai se abrindo para pensar o que seriam as revoluções volução como artificio interpretativo para esse período da lústória britânica.
ocorridas ao fim do século XVIII em perspectiva global. Após uma reconstrução minuciosa dos eventos revolucionários, a dupla de au-
O capítulo "Guerra dos Trinta Anos e revoltas nos domínios Habsbur- tores aponta corno a ideia de revolução tem sido retomada pela historiografia
gos': escrito por Daniel Pimenta Oliveira de Carva1ho e Antônio David, trata mais recente, graças a um novo olhar sobre a cultura política da época.
dos confrontos armados que tiveram lugar, entre os anos de 1618 e 1648, nos No último capitulo da quarta parte, intitulado "Revoluções atlânticas:
territórios imperiais e hispânicos sob domínio dos Habsburgo, começando Estados Unidos e França~ com o qual este livro se encerra. Daniel Gomes de
pelos conflitos que deram inicio à chamada Guerra dos Trinta Anos, mas Carvalho e Marcos Sorrilha Pinheiro elegem essas duas grandes revoluções
também por outros eventos bélicos que tiveram relação direta ou indireta como fio condutor da narrativa para colocar em discussão a chamada "Era
com esse conflito maior. Esse é o caso da Guerra dos Oitenta Anos (entre os das Revoluções" a partir de uma perspectiva atlântica e global. Após uma
Pafses Baixos do Norte e a Monarquia Hispânica), das rebeliões autonomistas breve apresentação do debate historiográfico, os autores exploram os eventos
na Catalunha e em Portugal e das convulsões nas possessões italianas da Co- ocorridos em solo francês e norte-americano para constantemente investigar
roa espanhola. Nesse contexto, tais acontecimentos são integrados ao debate seus entrelaçamentos com outros processos revolucionários do mesmo pe-
sobre uma crise geral do século XVII que, em larga medida, servirá de pano ríodo, como aqueles ocorridos nos Países Baixos, na Polônia e no Haiti.
de fundo para as análises apresentadas nos dois capitulas seguintes.
Iniciando com uma reconstrução do debate bistoriográfico acerca do Ao longo dos anos durante os quais o projeto de concepção e redação de
problema das revoltas e das revoluções na Época Moderna. o capítulo "Mo- uma obra dedicada à Época Moderna foi desenvoMdo, intensificou-se, na
narquia bourbônica e revoltas da Fronda~ de Daniel Pimenta Oliveira de equipe editorial, a convicção de que o trabalho coletivo traz resultados promis-
Carvalho e Silvia Patuzzi. retoma a discussão sobre os levantes políticos na sores para a atividade historiadora no presente. Essa convicção nos orientou
Europa do século XVII iniciado no capítulo anterior. No entanto, essa discus- quanto à decisão de que cada capítulo fosse escrito por uma dupla de autores,
são é pensada agora no âmbito dos territórios controlados pela monarquia tratando-se sempre de especialistas nos temas abordados. A experiência foi
francesa. Por meio de uma reconstrução narrativa dos complexos eventos gratificante e esperamos que o resultado dessa iniciativa seja proveitoso para
que caracterizam as revoltas da Fronda (1648-1653), os autores atualizam a as leitoras e os leitores deste volume. Desse modo, os nossos agradecimentos
interpretação historiográfica sobre esse levante, marcado pela atuação polí- se dirigem. em primeiro lugar, aos autores que fizeram o trabalho com perícia.
tica popular, pelos embates entre facções nobiliárquicas e pelo recurso à vio- ao mesmo tempo em que se mostraram abertos e compreensivos no que diz
lência como um meio de garantir liberdades e direitos. Em seguida, dedicam respeito às questões de ordem editorial Como organizadores do volume intitu-
as páginas finais do texto ao processo de consolidação do poder monárquico lado A Época Moderna, e em nome do conjunto de autoras e autores dos capítu-
durante o reinado de Luis XIY, que conduziria a um progressivo controle das los, agradecemos aos nossos estudantes pelos questionamentos que expressam
forças políticas centrifugas e à redução das autonomias no reino da França. nas salas de aula e nos impulsionam ao trabalho. Em larga medida. este livro
Já o capítulo "Dhas Britânicas e revoluções do século XVIr: de Luís Filipe foi concebido para incentivar os debates historiográfu:os levados adiante no
Silvério Lima e Verônica Calsoni Lima, volta-se ao "século das revoluções" contexto universitário brasileiro. Também deixamos registrada nossa gratidão
inglesas, ou seja, ao período da história britânica em que tiveram lugar a à Editora Vozes, por acreditar desde o início neste projeto.