Macedo - Elinaeliasde - Criança Pequenininha e Luta de Clases

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

ELINA ELIAS DE MACEDO

CRIANÇAS PEQUENININHAS E A LUTA DE


CLASSES

Campinas
2016
ELINA ELIAS DE MACEDO

CRIANÇAS PEQUENININHAS E A LUTA DE


CLASSES

Tese de Doutorado apresentada ao


programa de Pós-Graduação em Educação
da Faculdade de Educação da
Universidade Estadual de Campinas para
obtenção do título de Doutora em
Educação, na área de concentração de
Ciências Sociais na Educação.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Ana Lúcia Goulart de Faria

O ARQUIVO DIGITAL CORRESPONDE À VERSÃO


FINAL DA TESE DEFENDIDA PELA ALUNA ELINA
ELIAS DE MACEDO, E ORIENTADA PELA PROFª. DRª.
ANA LÚCIA GOULART DE FARIA

CAMPINAS
2016
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
FACULDADE DE EDUCAÇÃO

TESE DE DOUTORADO

CRIANÇAS PEQUENININHAS E A LUTA DE


CLASSES

Autora: Elina Elias de Macedo

COMISSÃO JULGADORA:

Ana Lúcia Goulart de Faria

Carolina de Roig Catini

Maria Beatriz Costa Abramides

Maria Carmen Silveira Barbosa

Patrícia Vieira Trópia

A Ata da Defesa assinada pelos membros da Comissão Examinadora, consta no processo de vida acadêmica do aluno.

2016
Ao Jorge, parceiro de toda a vida e
ao nosso amado filho, Leon,
dedico esta tese
AGRADECIMENTOS
À Ana Lúcia Goulart de Faria, militante feminista, criancista e criançóloga e
orientadora generosa.
Ao Gepedisc-linha Culturas Infantis pelos estudos compartilhados, especialmente
a Alex Barreiro, Joseane Maria Parice Bufalo, Maria Tereza Goudard Tavares, e Solange
Estanislau dos Santos pelas contribuições valiosas e leituras cuidadosas. À Edna Rodrigues
Araújo Rosseto, Flávio Santiago, Márcia Lúcia Anacleto de Souza, Peterson Rigato da Silva e
Reny Scifoni Schifino pelas indicações bibliográficas e trocas diversas.
Aos companheiros/as do Núcleo de Estudos e Aprofundamento Marxista (Neam)
do Programa de Pós-graduação em Serviço Social da PUC-SP pelos estudos compartilhados,
especialmente a Profª Maria Beatriz Costa Abramides, pela acolhida e apoio nos estudos
marxistas.
À Profª Maria Carmen Silveira Barbosa e Prof. Luiz Carlos de Freitas pelas
indicações na banca de qualificação.
Ao Prof. Marcos Garcia Neira pela “iniciação” acadêmica.
Aos professores e professoras, trabalhadores e trabalhadoras comprometidos com
a luta pela educação laica, pública, gratuita e de qualidade e construção de um mundo melhor
para nossas crianças.
Aos militantes e às militantes do Sindicato de Trabalhadores da USP (Sintusp)
pela resistência às políticas privatistas e neoliberais que afetam a Universidade.
Aos estudantes e às estudantes que ocuparam as escolas de São Paulo contra a
“reorganização”, agradeço pela inspiração e renovação da esperança na força revolucionária
da juventude.
Às “meninas guerreiras” do Ilú Obá de Mim, que me ensinaram o que aprenderam
com Candeia que, porque a vida é curta, “enquanto se luta, se samba também”. Sou grata
pelos momentos de suspensão da realidade tão necessários para manter a sanidade neste
período de leituras e estudos.
À família, e aos amigos e amigas, pelo apoio incondicional.
À Profª Fúlvia Rosemberg (in memorian) pela vida e obra dedicada à defesa das
crianças pequenininhas.
Por fim, mas com a maior importância, agradeço a todas as crianças que com
alegria e sonho nos renovam as esperanças de que um outro mundo é possível.
RESUMO

Esta tese de doutorado tem como objetivo principal explorar a participação dos bebês na luta
de classes e verificar como e se, nas pesquisas da área da educação, os bebês estão sendo
estudados em relação à sua condição infantil e de classe social. Trata-se de um estudo
qualitativo numa interlocução crítica da Pedagogia com as Ciências Sociais, e enfoque na
Sociologia da Infância e Pedagogia da Infância. É fundamentada nas ideias de Corsaro, de
Qvortrup, nos estudos de Benjamin; de Faria; de Gottlieb; de Marchi; de Rosemberg, entre
outros. Para tanto, se vale da Bricolagem proposta por Kincheloe e Berry, como perspectiva
investigativa que utiliza várias ferramentas metodológicas para análise da realidade. Foi
realizada uma busca por teses e dissertações nos portais do Banco de teses e dissertações da
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Nível Superior (Capes) e Biblioteca Digital
de Teses e Dissertações (BDTD), além dos trabalhos apresentados nas reuniões da Associação
Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (Anped), no período de 2000 a 2015.
Utilizei os descritores: bebê(s), creche(s), Cultura(s) Infantil(is), criança(s) pequenininha(s),
omnilateralidade e emancipação. Dentre as pesquisas encontradas, selecionei cinco obras que
tratavam as crianças de 0 a 3 anos como protagonistas da ação social. Os textos foram inter-
relacionados com a análise dos registros em vídeos da segunda passeata de crianças e bebês
na USP, realizada em 2014, como parte das atividades do movimento grevista dos/as
estudantes, funcionários/as e docentes da Universidade. A tese discute a participação das
crianças na sociedade de classes e uma perspectiva emancipatória de educação pautada no
conceito de omnilateralidade das obras de Karl Marx. As análises apontam para as polêmicas
categorias: a divisão sexual do trabalho, a infância como minoria e as culturas infantis.
Discute o adultocentrismo e a relação desigual de poder entre homens e mulheres, entre
adultos/as e bebês/ crianças pequenininhas e assim pretende contribuir para a reflexão sobre
uma educação emancipadora comprometida com a resistência ao sistema capitalista desde o
nascimento.

Palavras-chave: bebês; creches; culturas infantis; divisão sexual do trabalho; educação


emancipadora.
ABSTRACT

Tiny young children and the class struggle

This Ph.D. thesis has as main goal to explore the participation of babies in the class conflict,
and to verify how and if, in researches in the education field, babies are being studied in
relation to their child condition and their social class. It is a qualitative study in a critical
dialogue between Pedagogy and Social Sciences, focusing on Child Sociology and Child
Pedagogy. It is grounded in the ideas of Corsaro, Qvortrup, in Benjamin’s studies; Faria’s;
Gottlieb’s, Marchi’s, Rosemberg’s, amongst others. In order to do so, it makes use of the
Bricolage proposed by Kincheloe and Berry, as investigative perspective that uses various
methodological tools for analysis of reality. A search for theses and dissertations has been
carried out in the portals of the theses and dissertations Database of the Coordination for the
Improvement of Higher Education Personnel (CAPES), and the Theses and Dissertations
Digital Library (BDTD), in addition to the works presented in the meetings of the National
Association of Post-Graduation and Research in Education (Anped), in the period of 2000 to
2015. I utilized the describers: baby(ies), daycare center(s), Child Culture(s), Tiny Young
Child(ren), Omnilaterality, and Emancipation. Among the researches encountered, I selected
five researches that treated children from 0 to 3 years old as protagonists of the social action.
The texts have been interrelated to the analysis of the video records from the second parade of
children and babies at USP (University of Sao Paulo) placed in 2014, as part of the activities
of the strike movement of the students, employees and faculties of the University. The thesis
discusses children’s participation in class society, and an emancipatory perspective of the
education guided by the concept of omnilaterality from Karl Marx’s works. The analyses
point out to controversial categories: sexual division of labor, child as a minority, and child
cultures. It discusses adultcentrism and the unequal power relation between men and women,
between adults and babies/tiny young children, and thus intends to contribute to reflections on
an emancipatory education committed to resistance the capitalist system since birth.

Keywords: babies, daycare centers - creche, child cultures, sexual division of labor,
emancipatory education.
SUMÁRIO

1. Introdução ........................................................................................................... 11
2. Os bebês e a luta de classes ................................................................................ 24
2.1 A passeata dos bebês e das crianças da USP e a luta social ............................ 27
2.2 As mulheres, os bebês e as suas lutas .............................................................. 35
2.3 A creche como lugar de mulheres e de crianças .............................................. 38
3. As crianças pequenininhas nas pesquisas ........................................................... 48
3.1 O olhar sociológico para as crianças ............................................................... 50
3.2 Os bebês e a cidadania epistemológica ............................................................ 61
4. A infância como minoria .................................................................................... 65
4.1 Adultocentrismo e subordinação por idade ..................................................... 67
4.2 Condição infantil / idades e grupos etários ...................................................... 72
5. Os bebês e a emancipação .................................................................................. 77
5.1 Emancipação humana – omnilateralidade ....................................................... 77
5.2 As classes sociais e a formação humana.......................................................... 81
6. A participação das crianças na construção da sociedade .................................... 90
6.1 A criança entre a participação e a segregação ................................................. 90
6.2 A produção de culturas infantis ....................................................................... 96
7. Considerações finais ......................................................................................... 103
Referências bibliográficas ....................................................................................... 109
Referências fotográficas ........................................................................................... 118
Apêndice A - Levantamento de trabalhos apresentados nas reuniões da ANPEd ... 120
Apêndice B - Levantamento de teses e dissertações ................................................ 123
Anexo A Dossiê marxismo e educação/teses e dissertações .................................... 128
Anexo B Nota pública sobre a participação de crianças e adolescentes em
manifestações públicas no Brasil ............................................................................................ 133
“O Quarto Estado” - Volpedo *

* Reprodução da obra “O Quarto Estado” de Giuseppe Pellizza da Volpedo, Óleo sobre tela (1901), Museo del
Novecento - Milano – Itália. Disponível em: <ttp://warburg.chaa-unicamp.com.br/obras/view/4068> Acesso em
17 jan. 2016.
11

1. INTRODUÇÃO

“Odeio os indiferentes. Como Friederich Hebbel


acredito que ‘viver significa tomar partido’”.

Antonio Gramsci

Esta tese é o resultado de um percurso que teve início muito antes do ingresso na
pós-graduação. O convívio e o interesse pela infância começaram no curso de habilitação
específica para o magistério e na docência na educação infantil.
Parece que foi ontem, mas, passaram-se mais de trinta anos. Este é o interesse
político de uma vida profissional inteira, porém, posso dizer que o eixo central da pesquisa
aqui apresentada teve suas origens na investigação de caráter etnográfico que desenvolvi no
mestrado na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, quando analisei uma
experiência da Educação Física pautada na perspectiva cultural desenvolvida em uma das
creches da Universidade.
Fundamentada na cultura e não pautada na biologia e na melhoria das habilidades
motoras, esta perspectiva da educação física permite reconhecer que o corpo traz marcas
ideológicas. E que as práticas corporais não têm neutralidade e, portanto, é necessário
aprender a desconstruir e a problematizar as diversas manifestações da cultura corporal, assim
como é preciso questionar os padrões de beleza pertencentes à classe dominante e combater
os preconceitos de classe, raça, gênero e idade, entre outros.
O grupo de crianças que acompanhei no mestrado tinha entre 2 e 3 anos e,
juntamente com a professora, desenvolveram um projeto cujo principal tema foram as
relações e representações das diferentes idades. O que é ser bebê? O que é ser adulto? O que é
ser criança? Eram as perguntas problematizadas e investigadas pelo grupo de crianças com o
suporte de uma pedagogia descolonizadora que questionou a distribuição assimétrica de poder
entre adultos/as e crianças.
E foi este questionamento que frutificou no projeto de doutorado, pois assim
como as crianças pequenininhas1 da creche, também quero entender as razões e de que

1
Refiro-me às crianças de 0 a 3 anos como fez Patrícia Dias Prado (1998) que utilizou o termo, tradução de
“picolissimi”, termo utilizado na Itália, no título de sua dissertação de mestrado (FE- Unicamp).
12

maneira as complexas relações sociais subordinam a infância. Qual o papel das crianças
pequenininhas na luta de classes? Como construímos a visão crítica na educação das crianças?
A educação pode ser emancipadora desde o nascimento? Foram estas questões que levaram
esta tese de doutorado a explorar a participação dos bebês na luta de classes. E verificar como
e se nas pesquisas da área da educação os bebês estão sendo estudados em relação à sua
condição infantil e de classe social.
Busco, neste estudo, problematizar como as categorias “classe social” e “idade”
se entrelaçam. O conceito de classes e luta de classes que adotei nesta tese tem por
fundamento a concepção de Marx e Engels no antagonismo entre possuidores e despossuídos;
opressores e oprimidos. No caso da sociedade contemporânea, a luta de classes se expressa na
contradição entre capital e trabalho; burguesia e proletariado; os que possuem os meios de
produção e os que vendem sua força de trabalho.
A subordinação por idade é problematizada como parte das hierarquizações
sociais construídas na sociedade capitalista em que a desigualdade é estrutural, intrínseca e
necessária para a manutenção da dominação burguesa. O adultocentrismo, em que a vontade
dos/as adultos/as se sobrepõe à de outras idades da vida como: as crianças, jovens e idosos/as.
O mundo é pensado a partir da perspectiva do adulto e para o/a adulto/a e, nele, as crianças
são submetidas à autoridade desses. Sendo esta, uma característica da nossa sociedade, e das
diferenças que compõem o sistema capitalista, e não um comportamento essencial dos
adultos.
As teses e dissertações escolhidas acompanharam a educação das crianças de 0 a 3
anos em espaços públicos. Também são observadas a estrutura adultocêntrica, a herança
colonial e patriarcal e o modo de produção capitalista em que estamos inseridos.
Utilizo alternada e indiscriminadamente os termos: bebê(s) e criança(s)
pequenininha(s) para referir-me às crianças de 0 a 3 anos. Pois não quero ater-me ao que é
estabelecido ou à nominação feita a partir de determinantes biológicos. Considero os bebês
como cidadãos/as de pouca idade, crianças pequenininhas, não como uma categoria à parte,
mas como integrantes do que denominamos crianças e da categoria infância. Assumo a
mesma postura de Barbosa (2014, p.662) para quem “as crianças pequenas são atores sociais
que apresentam protagonismo e agência” e que, muito embora alguns dos/as autores/as
investigados/as e utilizados/as como referências teóricas, não se referirem diretamente às
crianças pequenininhas/bebês, em nossas investigações temos encontrado situações que
afirmam que eles são, sim, protagonistas e agentes de ação e construção social.
13

O material empírico que fundamenta e inspira a pesquisa é a participação das


crianças e bebês na greve dos/as estudantes, docentes e funcionários/as, da Universidade de
São Paulo no ano de 2014 descrita no primeiro capítulo e documentada em dois vídeos2 que
utilizo para análise.
Este mesmo capítulo intitulado “Os bebês e a luta de classes” tem como ponto de
intersecção a divisão sexual do trabalho, o tempo socialmente necessário para a educação e
cuidados com os bebês e o papel do feminismo e da luta por creches nesta relação. Proponho-
me a discutir como eles (os bebês) atuam direta e indiretamente nas lutas sociais. Para este
debate me apoio em Marx (2010), Bertaux (1979) e Harvey (2013) e, dentre outros autores/as
marxistas e feministas, Saffioti (2000) e Andrade (2011).
As pesquisas na área da educação das crianças de 0 a 3 anos são o tema do
capítulo “As crianças pequenininhas nas pesquisas” em que é discutido o olhar dos estudos
sociais da infância para o coletivo infantil. Exploro como as pesquisas têm produzido
conhecimento com a infância, pois, como sugere Qvortrup (2011, p.211) “como a cidadania
real está ainda esperando as crianças, precisamos de um pontapé inicial para que elas possam
ter ao menos um tipo de cidadania científica”. Concordo com o autor que a visibilidade e a
publicidade das pesquisas podem contribuir para que as crianças sejam respeitadas como
cidadãs, o que nomeio de “cidadania epistemológica” e procuro destacar as questões
principais das investigações com bebês/crianças pequenininhas.
A categoria “A infância como minoria” dá título ao capítulo em que apresento a
análise sobre o tema pautada na Sociologia da Infância. Problematizo a situação de
subordinação das crianças em relação aos adultos/as, discutindo a infância e a condição
infantil, bem como o adultocentrismo3. Tendo como principais interlocutores/as Corsaro 002,
2009 e 2011); Qvortrup (2009 e 2011), Faria (2002, 2005) e Rosemberg (1996, 2008, 2009).
Os conceitos de emancipação e omnilateralidade na perspectiva marxista tendo
como referência a educação desde o nascimento são explorados no capítulo intitulado “Os
bebês e a emancipação”.
No capítulo seguinte “Participação das crianças na construção da sociedade”
discuto as infâncias e culturas infantis destacando-as na construção da realidade social. Esta é
uma discussão que permeia também os capítulos anteriores da tese, pois, ao afirmar que as

2
https://www.youtube.com/watch?v=WzcBD5n2DAE e https://vimeo.com/106031617

3
Termo utilizado por Fúlvia Rosemberg no Simpósio “Educação como forma de colonialismo”, realizado na 28ª
reunião da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) em 1976.
14

crianças desde muito pequenas são capazes de produzir saberes, conhecimentos, ou em outras
palavras, de produzir as culturas infantis, trago no diálogo com a produção acadêmica
reflexões sobre a atuação dos bebês/crianças pequenininhas.
Por fim, neste mesmo capítulo, a discussão sobre as culturas infantis e como ela
dialoga e amplia-se para a totalidade da nossa sociedade, pois a produção cultural da infância
é negligenciada, como também são colocadas em segundo plano a produção cultural dos
negros, das mulheres, dos/as indígenas, dos/as homossexuais, dos/as transexuais, da juventude
pobre e periférica, de tudo e todos/as que não se enquadram no padrão masculino, hetero e
branco do colonizador.
Por tratar-se de um tema inédito nos estudos sobre a educação das crianças
pequenininhas, escolher e delimitar o percurso teórico metodológico não foi uma tarefa fácil.
No mapeamento inicial das pesquisas sobre o tema, procurei trabalhos que se
reivindicavam do referencial teórico marxista, a partir do descritor “Teoria histórico-critica”,
entretanto, estes estudos focavam no desenvolvimento cognitivo e nos processos de
aprendizagem. Eram fundamentados na psicologia e não tratavam de crianças pequenas.
Complementei esta busca com o Dossiê Marxismo e Educação4 em que procurei estudos que
utilizam o marxismo como referencial teórico e constatei que são centrados na educação
escolar e de jovens e adultos.
O tema proposto nesta pesquisa, com esta abordagem, é original, pois a educação
das crianças de 0 a 3 anos não foi ainda analisada sob a perspectiva classista, como se verá
nas imagens selecionadas em que as crianças maiores também estão presentes. O tema é,
sobretudo, relevante já que o capital atua profundamente nas esferas da reprodução social e os
aspectos ideológicos não são apartados da realidade material.
O percurso metodológico pautou-se na proposta apresentada no livro Pesquisa em
educação: conceituando a bricolagem, de Kincheloe e Berry (2007, p.102) que se
reivindicam da teoria crítica e propõem a utilização de múltiplas ferramentas teóricas e
tradições de pesquisa para a compreensão das relações de poder “compreendendo que o poder
não é apenas uma força importante no contexto social, a teoria crítica entende que os seres
humanos são os produtos históricos do poder. Homens e mulheres não emergem fora do
processo da história”.

4
No Anexo A, encontra-se a listagem das teses e dissertações do referido dossiê. TRÓPIA, Patrícia Vieira.
Dossiê Marxismo e Educação. Disponível em: <http://marxismo21.org/marxismo-e-educacao-2/>. Acesso em:
20 ago. 2014.
15

A escolha por estudar a participação das crianças de 0 a 3 anos na luta de classe


também é uma opção política. As grandes conquistas brasileiras, como o reconhecimento dos
direitos de cidadania desde o nascimento, na Constituição Federal de 1988 e da Educação
Infantil, como primeira etapa da Educação Básica na Lei de Diretrizes e Bases da Educação
de 1996, estão em um momento de retrocesso com a Emenda Constitucional n. 59/20095 que
prevê, a partir de 2016, a obrigatoriedade da pré-escola a partir de 4 anos, cindindo a
educação infantil que até então era de 0 a 6 anos e, portanto, compreendia a creche e a pré-
escola.
Compactuo com a defesa de uma educação infantil que não antecipe a
escolarização. Que propicie uma vida repleta de arte e possibilidades expressivas, em que as
propostas pedagógicas tenham como ponto de partida os interesses das crianças e suas
culturas. Pedagogia, na qual o conhecimento não seja restrito e compartimentado em
disciplinas escolares. Além de entender que não há neutralidade no conhecimento. Questiono
a forma escolar que atua “para a formação de atitudes de subordinação e obediência, típicas
das estruturas historicamente construídas na escola” (FREITAS, 2004, p.159). Com relação a
transmitir às novas gerações o saber historicamente acumulado como direito dos/as
trabalhadores/as, Freitas (2010, p.96) argumenta que, para além do esforço de fazê-lo de
maneira a criticizar o pensamento:

Há que se garantir tudo isso, entretanto, fora dos parâmetros da subordinação


previstos na escola capitalista para os filhos dos trabalhadores, pois, afinal,
queremos formar sujeitos históricos, portanto, com capacidade para lutar
(por uma nova sociedade) e construir (a partir de agora tal sociedade nos
limites das contradições sociais existentes).

A interpretação da emancipação como uma tomada de consciência a partir do


conhecimento exclui outras formas de pensar, outras linguagens. Por estar vinculada
diretamente à racionalidade e à cultura branca, ocidental e cristã, exclui outras culturas e só
pode ser alcançada na idade adulta, ou seja, exclui também as crianças.

5
Emenda Constitucional n. 59, de 11 de novembro de 2009. Acrescenta § 3º ao art. 76 do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias para reduzir, anualmente, a partir do exercício de 2009, o percentual da
Desvinculação das Receitas da União incidente sobre os recursos destinados à manutenção e desenvolvimento do
ensino de que trata o art. 212 da Constituição Federal, dá nova redação aos incisos I e VII do art. 208, de forma a
prever a obrigatoriedade do ensino de quatro a dezessete anos e ampliar a abrangência dos programas
suplementares para todas as etapas da educação básica, e dá nova redação ao § 4º do art. 211 e ao § 3º do art. 212
e ao caput do art. 214, com a inserção neste dispositivo de inciso VI. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Emendas/Emc/emc59.htm> Acesso em 28/01/2014.
16

Ter como objeto de estudo as crianças pequenininhas e a luta de classes é um


desafio, pois a abordagem marxista, que é o principal referencial aqui utilizado, tem poucos
escritos sobre a educação de crianças pequenas. Um dos poucos autores é Walter Benjamin
(2002, p.118) que declara, ao tecer críticas à forma burguesa de educar, que “a pedagogia
proletária demonstra a sua superioridade ao garantir às crianças a realização de sua infância.
Nem por isso o campo onde isso acontece precisa ser isolado do espaço da luta de classes.”
A escola já foi bastante estudada e apontada, com destaque, por suas
possibilidades de uma educação transformadora e emancipatória, conforme indicam Freire
(1988), Giroux (1997) e Snyders (2005). Ou analisada em suas contradições “como uma
organização complexa” por Tragtenberg (1982). A creche e pré-escola, com menos estudos
sobre estes aspectos teve ressaltadas as hierarquizações existentes por Guattari (1987) que nos
alerta de que a educação para a subordinação já começa na creche, com mecanismos de
controle e de docilização dos corpos. O seu papel na reprodução do sistema capitalista
presente no ensino fundamental e médio já foi estudado em profundidade por vários autores,
dentre os quais estão Althusser (1980), Bourdieu e Passeron (1982) e como aponta Faria
(2005, p. 1.021) “não quer dizer que a creche e a pré-escola também não tenham o objetivo,
como a escola, de reproduzir e coagir, e também de transformar e libertar e, como toda
educação, tem sempre o objetivo de cuidar”.
Parafraseando Walter Benjamin, com a sua ideia de “escovar a história a
contrapelo”, é preciso escovar a produção acadêmica a contrapelo para localizar a voz dos
subordinados e ouvir seus pontos de vista e história.
Para investigar a educação dos bebês nesta sociedade marcada pelas contradições,
busquei as lentes do referencial marxista e também o apoio da bricolagem que se fundamenta
em uma noção crítica da hermenêutica e propõe que o/a pesquisador/a apresente as
aproximações e interpretações sobre o fenômeno a ser investigado. A apresentação é feita
pelo/a pesquisador/a na escrita de um texto inicial denominado Poeta6.
O Poeta é a narrativa feita pelo/a pesquisador/a a respeito do tema investigado ou
da empiria/registros de campo que são, então, entretecidos de forma multidisciplinar com
fotografias7, entrevistas, levantamento da produção acadêmica sobre o tema.

6
Texto como Porta de Entrada, em inglês, point of entry text (POET), traduzido na publicação em português
como Poeta.

7
As fotografias utilizadas já foram publicadas e estão disponíveis da rede mundial de computadores, ou não
permitem a identificação das crianças. As respectivas fontes e autorias estão identificadas nas referências
fotográficas ao final da tese.
17

Nesta investigação realizei um levantamento bibliográfico nos portais do banco de


teses e dissertações da Capes e da Biblioteca Digital de Teses e Dissertações (BDTD), além
dos trabalhos apresentados nas reuniões da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa
em Educação (Anped), de 2000 a 2015. O período escolhido compreende o pós-
reconhecimento do direito à educação das crianças de 0 a 6 anos, além de ser o período de
expansão das pesquisas com crianças, marcado do mesmo modo pela ascensão da área da
Sociologia da Infância.
Na bricolagem a narrativa inicial é entretecida com as questões levantadas pelo/a
pesquisador/a. Que com a leitura atenta dos trabalhos selecionados, realimenta as questões o
que suscita um novo retorno à teoria em busca de respostas e mais uma vez aos dados e aos
outros estudos, e aos/as demais pesquisadores/as e suas respectivas interpretações do tema.
Em uma abordagem dialógica e dialética como prevê a abordagem neste esforço de olhar para
realidade investigada com múltiplas interpretações.
Este exercício teve inicio com a narrativa sobre a segunda passeata de bebês da
USP. Por tratar-se de um tema ainda pouco explorado e que pode ser abordado em todas as
suas perspectivas: histórica, política e social. Ianni (2011, p. 402) alerta que, além de uma
“pesquisa dos fatos”, é preciso fazer uma “pesquisa das interpretações correntes” sobre o fato
e ressalta que “a realidade está sempre impregnada, recoberta de interpretações que precisam
ser desvendadas para que possamos explicar o real”. As teses, dissertações, artigos e
levantamento bibliográfico, além dos vídeos gravados da passeata, com entrevistas e
depoimentos, são as interpretações presentes e que corroboram neste exercício de explicação
da realidade.
A bricolagem afirma que o rigor da pesquisa não está em uma pretensa
neutralidade científica, mas na explicitação do posicionamento politico e ideológico do/a
pesquisador/a e também do reconhecimento de que as motivações para investigação são
oriundas da sua história de vida e assim como o referencial teórico utilizado, preocupa-se com
as relações de poder.
No Brasil, Nascimento (2014, p. 41) destaca que a Sociologia da Infância tem
conquistado espaço nos eventos científicos relacionados à educação infantil e indica que
foram localizados 23 grupos de pesquisa que se reivindicam deste campo de estudos, o que
aponta para a expansão desta base teórico-metodológica em nosso país, questionando a
afirmação de que esta seria uma área ainda incipiente. Afirma também que: “a nova
18

concepção sociológica considera as crianças como participantes de uma rede de relações que
vai além da família e da escola e ou creche”.
A busca incluiu descritores que expressam esta área de estudo e também as
particularidades da pesquisa. Em razão do banco de teses e dissertações da Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal do Nível Superior (Capes) estar em gradativo processo de
inclusão de dados e, neste momento, só haver a possibilidade de ser consultado por meio
deste portal teses e dissertações a partir de 2011, recorri à Biblioteca Digital Brasileira de
Teses e Dissertações (BDTD). O levantamento foi feito por meio das palavras chave: bebê(s),
creche(s), cultura(s) infantil(is), crianças pequenininhas, emancipação, sociologia da infância
e luta de classes, mas também pelo entrecruzamento entre duas ou mais destas palavras.
O critério para a definição dos trabalhos que compuseram o corpus foi a escolha
das pesquisas desenvolvidas em instituições que abrigavam as crianças pequenininhas e que
as tinham como sujeitos de pesquisa, como destaca uma das obras selecionadas Schmitt
(2008, p. 10):
nos aproximar das formas expressivas das crianças que ainda não falam,
mas que, de forma diversa, se comunicam e se fazem presentes nas relações
sociais que as constituem. Tais formas expressivas não são inatas, mas
constituídas socialmente na relação com outras pessoas, imbricadas com
aspectos culturais, históricos, econômicos, de etnia, de gênero, de geração.

A interlocução foi feita conjuntamente com os relatos atentos à expressão das


crianças pequenininhas e que apresentam como aponta Coutinho (2010, p. ix) “[...]
problematização das relações a partir da classe social”.
As preocupações com as questões de classe, algumas vezes, não aparecem de
forma explícita, mas estão presentes nos trabalhos selecionados de diferentes maneiras.
Paralelamente à leitura interpretativa dos trabalhos selecionados, foram realizadas
diversas outras leituras para fundamentar teoricamente o objeto de estudo uma vez que:

Com essas implicações é que o processo de pensar, a reflexão, é uma


reflexão sempre crítica, na medida em que ela não só duvida do que vê,
duvida do que está explicado, mas crítica no sentido que ela tem a audácia, a
arrogância de participar da constituição do objeto. A interpretação da teoria
entra na constituição do objeto. A frase é muito, muito citada, é muito
repetida, mas quando Lenin diz assim: ‘sem teoria revolucionária, não há
revolução’, está dizendo isso. E quando a história mostra que muitas
revoluções não foram bem sucedidas porque não tinham teoria, fica isso
demonstrado (IANNI, 2011 p. 404).
19

Com a intenção de ampliar a discussão fiz um mapeamento dos trabalhos


apresentados na Anped de 2000 a 2013 (período disponível na rede mundial de computadores)
com as palavras bebê e creche no GT07 e que se encontra no Apêndice A.
Assim, esta investigação tem como premissa que:
A criança é entendida como um cidadão competente, um especialista em sua
própria vida, tendo opiniões que são dignas de serem ouvidas e tendo o
direito e competência para participar da tomada de decisões coletiva.
(MOSS, 2009, p. 426).

Marchi (2007) afirma que a modernidade propagou um modo hegemônico de ser


criança que a Sociologia da Infância tenta desconstruir, pois as crianças são, ademais,
marcadas pelas diferenças de classe, gênero, raça, etnia, nacionalidade etc. Busco um recorte
de classe e, também, um recorte etário, uma vez que dirijo o olhar para os bebês
especificamente.
O levantamento realizado partiu, também, de estudos anteriores que mapearam a
produção cientifica da área, como a dissertação de Fernanda Gonçalves (2014) que mapeou,
entre os anos de 2008 a 2011, a produção científica sobre bebês e crianças pequenas em
creche; e as pesquisas que mapearam a produção científica do GT de Educação Infantil da
Anped como o de Eloisa Rocha (1999) que abrangeu o período de 1990 a 1996, ampliado com
outros trabalhos das Ciências Humanas como a Antropologia, Sociologia e História e que
prossegue com pesquisas sobre o tema como apresentadas na X Anped Sul, em parceria com a
também já citada Fernanda Gonçalves e Márcia Buss-Simão.
Solange Estanislau dos Santos, em dois trabalhos (2006 e 2014), fez um
mapeamento a respeito da invisibilidade da infância e na tese As crianças (in) visíveis nos
discursos da Educação: entre imagens e palavras destaca que os bebês estão ainda em
posição inferior às crianças em geral, tanto nos trabalhos acadêmicos como nos documentos
do Ministério da Educação e Cultura, e analisou ainda as imagens em que pouco aparecem
bebês e crianças negras. Nesta mesma tese, cita Rosemberg (2009, p.10) que ressalta:

Bebês são noticia quando abandonados; as creches quando ‘pegam fogo’.


Produz-se um curto circuito: poucos de nós, adultos, fomos usuários de
creche quando criança ou para nossos filhos; sua visibilidade social é restrita
e, quando ocorre, tende a ser associada à tragédia, portanto, local de
desamor.

Leituras sucessivas foram realizadas no corpus a fim de obter os dados


necessários para a investigação “em um movimento de aproximações sucessivas”, Lima e
20

Mioto (2007, p. 42-43) afirmam, ainda, que assim é possível realizar “inúmeras incursões ao
referencial teórico e ao material pesquisado”. Uma leitura atenta e crítica como alerta Ianni
(2011, p. 399):
Na verdade, a realidade, os fatos, os acontecimentos precisam ser
desmascarados, desvendados; daí esse percurso contínuo entre o que é a
aparência e a essência, entre a parte e o todo, entre o singular e o universal.
Quer dizer que a perspectiva crítica que está presente no pensamento de
Marx, é fundamental, no sentido que não toma a realidade como evidente, ou
não toma os fatos em sua manifestação mais imediata. Questiona.

Apesar de haver, de fato, um aumento significativo das pesquisas, a maioria não


traz as crianças e a sua educação como tema central. Fazem diferentes recortes para análise da
realidade, mas, a partir do ponto de vista dos/as professores/as ou dos/as adultos/as apenas,
muito embora a imensa maioria dos trabalhos anuncie, assim como os documentos oficiais,
que a criança é:
Sujeito histórico e de direitos que, nas interações, relações e práticas
cotidianas que vivencia, constrói sua identidade pessoal e coletiva, brinca,
imagina, fantasia, deseja, aprende, observa, experimenta, narra, questiona e
constrói sentidos sobre a natureza e a sociedade, produzindo cultura.
(BRASIL, 2010, p.12)

Após o levantamento8, percebe-se que há investigações que trazem como foco


recortes sobre o tema como o financiamento para a área da educação infantil, percursos
históricos, os aspectos econômicos e políticos e da relação da infância/sociedade. Outras
tantas discutem o currículo da educação infantil e se dividem em temas como as relações entre
as idades, questões de gênero e as culturas infantis e grande parte aponta para os preceitos
elencados na citação anterior. Elegi para o diálogo nesta tese, as pesquisas que consideram as
relações estabelecidas nos espaços coletivos de educação e que destacam a participação das
crianças de 0 a 3 anos.

8
Ver Apêndice A.
21

A partir de todos esses levantamentos, selecionei as teses abaixo:


Quadro I – Teses selecionadas para entretecimento e diálogo.

Título Autor/a Instituição


Ano
Creche: Lugar de criança, lugar de infância. Um estudo Joseane M. P. Unicamp
sobre as práticas educativas em um CEMEI de Bufalo Mestrado
Campinas/SP. 1997
Educação e cultura na creche: um estudo sobre as Patrícia Dias Prado Unicamp
brincadeiras de crianças bem pequenininhas em um CEMEI Mestrado
de Campinas/ SP 1998
Mas eu não falo a língua deles! As relações sociais de Rosinete Valdeci UFSC
bebês num contexto de educação Schmitt Mestrado
2008
Creche de empresa privada: um estudo exploratório Clélia Virgínia Unicamp
Rosa Mestrado
2009
A ação social dos bebês: um estudo etnográfico no contexto Angela Maria Universidade do
da creche. Scalabrin Coutinho Minho
Doutorado
2010

As dissertações e teses escolhidas para o diálogo com este estudo têm em comum
a pesquisa de cunho etnográfico realizada com crianças pequenininhas no contexto da
educação infantil institucionalizada.
Também busquei por pesquisas que reconhecessem, valorizassem e destacassem
as culturas infantis. Certamente, há um número maior de trabalhos que também apresentam
estes aspectos, no entanto, limitei o número a cinco para que pudesse empreender uma leitura
cuidadosa e atenta, especialmente às descrições dos momentos das crianças entre elas.
Elegi a dissertação “Creche: lugar de criança, lugar de infância – um estudo sobre
as práticas educativas em um Cemei de Campinas”, de Joseane Bufalo, defendida em 1997,
pois foi a primeira a apresentar com dados da sua pesquisa etnográfica a atuação das crianças
pequenininhas como produtoras de cultura. Além do pioneirismo, esta dissertação se destaca
por evidenciar as trocas entre mulheres (professoras e monitoras) com as crianças
pequenininhas. Relação em que os bebês não apenas aprendem, mas ensinam, ressaltando a
participação das crianças pequenininhas na sociedade e sua proximidade com as mulheres,
não apenas na opressão a que ambas (mulheres e crianças) estão submetidas, mas também na
resistência e vivências em um cotidiano de aprendizagens mútuas.
Patrícia Prado (1998, p.iv), por meio de um estudo etnográfico, observou e
descreveu as crianças brincando, seus diálogos e as diversas formas que utilizam para
comunicar e negociar seus desejos e planos “atenta à miríade de movimentos, gestos, olhares,
22

sorriso, silêncios, falas e outros elementos do cotidiano”, apresentando como eixo central a
produção das culturas infantis e as crianças pequenininhas entre elas.
Rosinete Schmitt (2008) trata as crianças pequenininhas como informantes
fidedignas e apresenta descrições densas do cotidiano na creche. Traz imagens que também
dizem muito sobre as relações que as crianças pequenininhas estabelecem entre elas e com
os/as adultas da creche.
A dissertação de Clélia Rosa (2009) foi selecionada por tratar-se de uma
investigação realizada em uma creche de empresa privada, em que os filhos de mães operárias
da fábrica frequentavam e conviviam no espaço da creche com os filho/as das executivas da
empresa, que trabalhavam em funções administrativas e de gerência. O que é muito difícil de
acontecer em uma sociedade tão segregada pela desigualdade social. Pensei que, talvez, neste
contexto, fosse possível encontrar as questões de classe apontadas pelas próprias crianças
pequenininhas. Entretanto, estas questões (de classe) aparecem mais na fala das professoras e
mães da creche. A dissertação explora também a intersecção entre classe e raça quando
debate, por exemplo, o tratamento que é dispensado aos cabelos das crianças negras.
A tese de doutorado de Ângela Coutinho (2010), a mais recente, também
apresenta este olhar sensível do/a pesquisador/a capaz de apreender com as crianças
pequenininhas. Feita em Portugal, a sua investigação apresenta um rol de descrições, relatos e
fotografias da iniciativa e interação entre as crianças.
As categorias de pensamento da pesquisa emergiram do entrecruzamento dos
dados de interpretação da realidade, da análise do corpus documental e dos vídeos, uma vez
que “a categoria se constrói, as categorias se constroem pela reflexão que, ao mesmo tempo
que vai articulando as relações os processos das estruturas que constituem o seu objeto, essa
reflexão confere ao objeto uma nova realidade”. (IANNI, 2011, p. 404).
É preciso pensar as questões da infância (bebês) sem perder uma visão macro,
pois “o pensamento marxista, e alguns outros pensamentos, insistem na ideia de uma visão
globalizante da sociedade, no sentido de não se perder a visão do todo, e refletir sobre o
singular sempre tendo em vista o geral e o todo” (IANNI, 2011, p. 400). Como aponta
Campos (2012) que debate a problemática dos mecanismos que perpetuam a subordinação e
as crianças, no artigo: “‘Política pequena’ para as crianças pequenas” em que critica:
23

a persistência em tratar a educação das crianças pequenas como estratégia


para mitigar a miséria tem inaugurado novas formas de segmentação e de
focalização de políticas, que, longe de distribuir com ‘equidade’ as
‘oportunidades educacionais’, criam novas formas de discriminação e de
subalternização

Esta tese, muito embora procure focar nos bebês/ crianças pequenininhas
apresenta-os no contexto da realidade social, em que estão em interação com outras crianças
e/ou adultos/as.
24

2. OS BEBÊS E A LUTA DE CLASSES

Elogio da Dialética

A injustiça passeia pelas ruas com passos seguros.


Os dominadores se estabelecem por dez mil anos.
Só a força os garante.
Tudo ficará como está.
Nenhuma voz se levanta além da voz dos dominadores.
No mercado da exploração se diz em voz alta:
Agora acaba de começar:
E entre os oprimidos muitos dizem:
Não se realizará jamais o que queremos!
O que ainda vive não diga: jamais!
O seguro não é seguro. Como está não ficará.
Quando os dominadores falarem
falarão também os dominados.
Quem se atreve a dizer: jamais?
De quem depende a continuação desse domínio?
De quem depende a sua destruição?
Igualmente de nós.
Os caídos que se levantem!
Os que estão perdidos que lutem!
Quem reconhece a situação como pode calar-se?
Os vencidos de agora serão os vencedores de amanhã.
E o "hoje" nascerá do "jamais".

Bertolt Brecht

Neste capítulo, apresento a discussão sobre a participação das crianças na luta de


classes usando o registro de observação da participação das crianças em uma greve histórica
dos/as funcionários/as da Universidade de São Paulo, particularmente, o episódio da 2ª
passeata dos bebês na USP, ocorrida em 2014.
A referida passeata não foi proposta e nem levada a cabo e organizada pelas
crianças. A atividade foi proposta, encaminhada e votada pelo comando de greve que é
composto apenas por trabalhadores/as adultos/as. O que faz então desta manifestação pública
algo a ser investigado como uma possibilidade de participação política das crianças
pequenininhas? O que difere da presença de crianças nas manifestações de março de 2015, em
que milhares se vestiram de verde e amarelo para pedir o impeachment da presidenta, a volta
da ditadura militar e o fim da corrupção? Que diferenças há destas, em relação às
manifestações de origem proletária, para além da falta das babás uniformizadas para
acompanhar e cuidar das crianças?
25

Elenco algumas diferenças que chamaram a minha atenção e que exploro no


decorrer do texto: as crianças como protagonistas, a motivação ou reivindicação expressa na
manifestação ser diretamente vinculada aos direitos dos bebês e crianças, um estado de ânimo
vinculado às especificidades das culturas infantis, e uma atenção aos princípios e cuidados
educativos.
O termo “participação” é bastante polissêmico, pois é um conceito amplo das
ciências sociais que aqui é entendido como: ações e comportamentos que mobilizam os
sujeitos de forma racional ou intuitiva e que os leva à atuação como sujeitos políticos em
ações que envolvem a manifestação pública.
As crises cíclicas do capitalismo afetam a infância e as crianças, muitas vezes,
vivenciam a exploração, a opressão e a alienação nos colos de seus pais e mães. Mas, também
vivenciam a luta por justiça social e pela emancipação humana, pois, como afirma Tonet,
(2005, s/n)

O que, de fato, deve ser buscado é a emancipação humana. Esta, porém, é


algo muito distinto da cidadania e da totalidade da emancipação política. A
emancipação humana, ou seja, uma forma de sociabilidade na qual os
homens sejam efetivamente livres, supõe a erradicação do capital e de todas
as suas categorias. Sem esta erradicação é impossível a constituição de uma
autêntica comunidade humana. E esta erradicação não significa, de modo
algum, o aperfeiçoamento da cidadania, mas, ao contrário, a sua mais
completa superação. Como diz Marx, nas Glosas Críticas, há uma distância
infinita entre o cidadão e o homem, assim como entre a vida política e a vida
humana.

Iniciamos discutindo a participação política dos grupos infantis, portanto, crianças


maiores, na luta por uma sociedade menos desigual, como O Movimento Nacional de
Meninos e Meninas de Rua (MNMMR) e os Sem Terrinhas9 que realizam encontros e
organizam protestos em defesa de seus diretos. Os Sem Terrinhas defendem além das
questões específicas da infância, como o direito à educação no campo, também o direito à
terra.

9
Para saber mais sobre as crianças do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) ver dissertação de
mestrado de Edna Rodrigues Araújo Rosetto, 2009 – FE Unicamp; indico também o capítulo “A infância
enquanto um ‘intervalo de trabalho’ entrevista com crianças do MST/SC” que compõe a tese de Jucirema
Quinteiro, 2000 – FE Unicamp.
26

Fotografia 1 – Sem Terrinhas em manifestação.

As crianças acompanhadas dos/as adultos/as nas greves, manifestações públicas,


ocupações urbanas e rurais trazem para a luta alguns artefatos típicos das culturas infantis,
como um ursinho de pelúcia presente na greve da Mercedes Bens. A presença das crianças e
artefatos da cultura típicos da infância possibilitam um novo olhar dos/as adultos/as e
diferentes comportamentos nestas situações de tensão e conflito.

Fotografia. 2 – Bebê participando da manifestação do Movimento Passe Livre em junho de 2013.


27

Fotografia 3 – Crianças em ato público na Greve dos funcionários da Mercedes Bens .

A seguir, narro a segunda passeata de crianças e bebês da USP. Além de registros


pessoais, utilizo dois registros em vídeo publicados na internet, um deles disponível
no YouTube e o outro no Vimeo.

2.1 A passeata dos bebês e das crianças da USP e a luta social

A luta e mobilização das funcionárias e mães trabalhadoras da Universidade de


São Paulo foram fundamentais para a criação das creches universitárias. Conforme Relatório
de Atividades da Divisão de Creches, elaborado pela diretora Iara Mattos (1990), desde o ano
de 1965 havia solicitação para que a Reitoria construísse um local de abrigo e guarda das
crianças. Em 1970 foi feito um abaixo-assinado, com cerca de 3.000 assinaturas, que
postulava a mesma reivindicação.
Ainda no período ditatorial, em 1975, foi realizado um ato na Universidade de
São Paulo, em frente à reitoria e que reivindicava a construção de creches. Em razão da
participação de crianças pequenininhas, ficou conhecida como “a passeata dos bebês” e
Rosemberg (1989, p.76) relatou: “[...] pela primeira vez na cidade, uma manifestação pública
de impacto, organizada em torno da reivindicação por creche: é o movimento de funcionários,
alunos e professores da Universidade de São Paulo”.
28

Na mesma década, em 1979, no Primeiro Congresso da Mulher Paulista foi


fundado oficialmente o Movimento da Luta por Creches. E temos, nas imagens ilustrativas, a
presença das crianças que muito provavelmente acompanhavam suas mães neste evento..
Mariana, na época com três anos de idade, carregava um cartaz com os dizeres “Queremos
creche”10.

Fotografia 4 – Crianças no Primeiro Congresso da Mulher Paulista.

Fotografia 5– Crianças no Primeiro Congresso da Mulher Paulista.

10
“Queremos Creche” ou “Quero Creche” foram as “palavras de ordem” do movimento por creche na Itália nos
anos de 1980 e é também o nome do movimento social existente em Campinas há cerca de 3 anos. Movimento
que reúne famílias, profissionais da educação e militantes pela infância, especialmente na defesa dos direitos das
crianças pequenininhas a creches públicas.
29

Mas, muitos anos se passaram até que, em 1982, foi inaugurada a primeira creche
no campus Butantã11, em São Paulo. O Sindicato dos Trabalhadores da Universidade de São
Paulo (Sintusp), tem levado à frente a luta pelo direito das crianças à educação, com a
reivindicação12 na sua pauta específica a “garantia de vagas nas creches em número suficiente
para os(as) filhos(as) de todos(as) funcionários(as), estudantes e docentes”. Rosemberg (1984)
afirma que a inclusão de cláusulas relativas à reivindicação por creches, como pauta de
negociação em época de dissídio, foi feita pela primeira vez em 1983 pelo sindicato dos
metalúrgicos.
O movimento grevista da Universidade de São Paulo tem, ao longo dos anos,
acumulado a experiência de participação das crianças e bebês em suas atividades. Muitas das
crianças vêm diariamente junto com seus/suas pais/mães, na ida e volta do trabalho, pois
frequentam as creches no campus e, assim, durante o período de paralisação, acompanham
suas mães e/ou seus pais em assembleias, piquetes e demais atividades organizadas pelo
coletivo de trabalhadores/as. Aos poucos, a participação das crianças chamou a atenção do
sindicato e de seus membros que foram planejando espaços que possibilitassem maior
conforto para que elas não ficassem entediadas ou aborrecidas por terem de esperar enquanto
o pai e/ou a mãe participavam de atividades “adultas”.
Nos momentos em que se reuniam para confeccionar as faixas que levariam a
público as reivindicações do movimento ou que expressariam as críticas aos que deferiam
ataques à classe trabalhadora, logo apareciam as crianças interessadas e ansiosas em brincar
com os pincéis, tintas e papéis. Muitas participavam preenchendo com tinta as grandes letras
desenhadas pelos/as adultos/as. Ou aproveitando para explorar os materiais artísticos como:
papéis, tintas, barbantes, fitas adesivas etc .
Assim, em algumas ocasiões, em diferentes anos em que houve paralisação, o
comando de greve passou a organizar “cantinhos das crianças”, “rua de brincadeira em frente
à reitoria ocupada”, “cirandas” etc. Algumas destas atividades eram planejadas pelas
professoras das creches, sensibilizadas pelos pedidos das crianças que queriam encontrar os
amigos para brincar.

11
São cinco as creches da USP que são administradas pela Superintendência de Assistência Social. Há duas
creches localizadas no campus Butantã (Creche-Central e Creche-Oeste) e, em São Paulo, há também a Creche
Saúde (fora do campus, junto à Faculdade de Saúde Pública), e duas são em cidades do interior: a Creche São
Carlos, em São Carlos/SP e a Creche Carochinha, em Ribeirão Preto/SP.
12
Disponível em: <http://www.estadao.com.br/noticias/vidae,veja-a-pauta-de-reivindicacoes-dos-funcionarios-
da- usp,13289,0.htm>. Acesso em: 2 jan. 2015.
30

Dessa maneira, aos poucos, as culturas infantis foram contagiando o espaço


adulto. Alguns companheiros/as começaram a disponibilizar os materiais para que as crianças
brincassem de arte, enquanto outros/as adultos/as se preocupavam em preparar os “cantinhos”
para as crianças.
Na greve de 2014, a movimentação começou da mesma forma que em anos
anteriores. No entanto, o prolongamento da greve, que teve a duração de 118 dias, fez com
que a presença das crianças ganhasse ainda maior relevância. Como a greve envolveu, neste
ano, os três segmentos da universidade (docentes, estudantes e funcionários/as) havia grande
contingente de jovens estudantes e militantes. Ocorreu, então, uma aproximação destes jovens
com as crianças, provavelmente, porque muitos deles atuam também como
bolsistas/estagiários/as nos diversos espaços frequentados pelas crianças do campus Butantã
(creches, espaços educativos em museus, centro de práticas esportivas etc.). Então, o cantinho
das crianças contou, também, com a criativa participação dos/as estudantes.
Assim, em cada assembleia realizada, havia um grupo de voluntários/as do
comando de greve que disponibilizava principalmente os materiais de artes visuais e sucatas
que eram utilizados pelas crianças para brincar e/ou fazer pequenos brinquedos. Os
instrumentos musicais também atraiam a atenção e curiosidade das crianças que sempre os
exploravam. O “cantinho das crianças” foi apontado como pedagógico e um elemento
importante na participação das crianças na greve.

Nessa greve e me organizando em um movimento descobri que eu também


posso sonhar por um mundo novo, e por isso a importância da participação
do meu filho na greve com o Cantinho das Crianças que permitiu que ele
entendesse que sua mãe sonha por um mundo melhor que é o mundo que ele
vai viver – ( Yuna, depoimento publicado em uma na rede social)

Foi neste contexto que aconteceu “A segunda passeata de bebês”. Pensada com e
para a participação das crianças de diversas idades, a passeata incorporou muitos elementos
lúdicos como músicas e brincadeiras cantadas.

Vou sair pra rua, com minha bandeira.


Esta luta é nossa, escola brasileira.

Com esta música e o “Ó abre alas”, adaptada para o contexto, as crianças, os/as
jovens e os adultos/as tomaram as ruas do campus Butantã da Universidade:
31

Ó abre alas
Que eu quero passar
Ó abre alas
Que eu quero passar

Eu tô na luta
Não quero negar
Eu tô na luta
Não quero negar

Ó abre alas
Com as crianças eu quero passar
Ó abre alas
Com as crianças eu quero passar

A nossa creche
É que vai ganhar
A nossa creche
É que vai ganhar

O Magnífico Reitor Marco Antonio Zago recusava-se a negociar e anunciou


uma viagem à Europa durante a greve. A resposta dos/as manifestantes a esta atitude foi
expressa na adaptação da música “Trepa no Coqueiro”, também cantada durante a passeata.
Oi, trepa no coqueiro, tira coco,
Gipi-gipi, nheco-nheco, no coqueiro oi-li-rá!

Papai, cadê o Zago?


Zago foi passear!
Os passeios de Zago
Faz papai e mamãe chorar!

Zago não negocia,


Mimado, não tem juízo!
Os passeios de Zago
Só podem dar prejuízo!

As crianças são criadoras da realidade social e transformadoras dos contextos


socio-político e econômicos e capazes de interpretar e analisar a realidade em que vivem.
Ao final do vídeo “Brincaço na Usp”, temos o seguinte diálogo entre Suellen a
mãe que carregava a pequenininha Lívia no colo:
- O reitor quer negociar? – pergunta a mãe.
- Não. – responde a pequenininha.
- E por quê? – indaga Suellen.
É um menino mimado... – diz Lívia

O lúdico, a fantasia e a imaginação são características da infância e a brincadeira


uma das suas principais formas de expressão. Muitas crianças vestiram fantasias para
32

acompanhar a manifestação, algumas confeccionadas de papel crepon nos minutos de


preparação que precederam a marcha. Outras usavam chapéus engraçados, levavam balões
coloridos, brinquedos e objetos sonoros como chocalhos e apitos. Durante o tempo que
demorou para percorrer os cerca de 1.700 metros do percurso da passeata, que saiu de frente
da Creche Central e foi até a reitoria, foram várias as brincadeiras cantadas em que a música
acompanha uma gestualidade, como os pulos da “Pulguinha” agitada.

Estava distraído quando algo aconteceu


Foi uma pulguinha, a danada me mordeu
Soldado de polícia, inspetor de quarteirão
Pega essa pulguinha e leva ela pra prisão
Ó como ela pula
Ó como saltita
Pulga danada
Pulga atrevida

Também um grupo de meninas pediu o microfone e cantou "Perdi meu anel no


mar". Esta música era muito significativa para este grupo que, tanto na creche como na Escola
de Aplicação, costumava brincar de sereia, pescador e baleia e encenar a cantiga.

Perdi meu anel no mar


Não pude mais encontrar
E o mar me trouxe a concha
De presente pra me dar (...)
Parou na guela da baleia
Ou foi no dedo da sereia
Ou quem sabe, um pescador
Encontrou o anel e deu pro seu amor.
33

Fotografia 6 – Segunda passeata dos bebês e das crianças da USP.

Fotografia 7 – Crianças observam faixa: “Não saber negociar é muito feio”.


34

Fotografia 8 - Criança preparando-se para passeata. Fotografia 9- Bebê carrega cartaz durante manifestação.

Materializou-se, durante o movimento grevista, em vários momentos, muitos


deles protagonizados pelas crianças a possibilidade apresentada por Patrizia Piozzi (2015,
p.138-139), a qual afirma que:
Os homens param as máquinas e fazem greve. Na greve, e depois, na
transformação da reivindicação em direito incorporado ao Estado com as leis
que instituem a diminuição da jornada de trabalho, vão se instaurando
espaços e tempos onde é possível recuperar a capacidade de ouvir, de amar,
de olhar, de desenvolver sentimentos de irmandade, abrindo-se para os
estudos, para as leis do intelecto e da beleza que estão como uma
potencialidade humana dada. [...] Aí se encontra – nessa parada do trabalho –
o caminho da realização parcial da progressiva emancipação dos ritmos,
tempos, formas de organização que marcam a supressão da exuberância da
vida orgânica pela fábrica.

Como a nota pública13 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do


Adolescente (Conanda) afirma: “as ações e manifestações públicas nas ruas representam a
oportunidade pedagógica” e, também, expressam a possibilidade de um mundo menos
adultocêntrico em que os movimentos sociais acolhem a defesa dos direitos das crianças e
suas especificidades, as quais contribuem para pensar e lutar por um mundo melhor.
A primeira passeata de bebês, em 1975 revindicava a creche como direito das
mães trabalhadores em intersecção com o direito das crianças pequenininhas à educação. A
segunda passeata teve como principal elemento a pressão para que a reitoria negociasse com
os grevistas, pois as crianças sofriam com a falta que sentiam da creche especialmente do
convívio com seus pares. Daí os cartazes que diziam “Não saber negociar é falta de educação

13
Disponível em: <http://www.sdh.gov.br/noticias/2013/novembro/nota-publica-sobre-a-participacao-de-
criancas-e-adolescentes-em-manifestacoes-publicas-no-brasil > e cópia em anexo.
35

básica” e as falas das crianças pequenininhas afirmando quererem voltar às suas creches e
afirmando que o reitor “É um menino mimado”.

2.2 As mulheres, os bebês e as suas lutas

Fotografia 10 – Mulheres manifestam-se contra o PL 5069 no Rio de Janeiro.

Por razões biológicas, as mulheres engravidam e parem os bebês. Muitos deles


seguem vinculados às mães pela amamentação e podemos afirmar que, universalmente, ainda
são as mulheres as responsáveis pelos cuidados e educação das crianças pequenas. As
mulheres são a maioria nas profissões vinculadas ao cuidado e educação nas creches, pré-
escolas e escolas e estão sempre próximas das crianças.
Quando falamos da sociedade brasileira, o pensamento hegemônico afirma que o
melhor para as crianças nos primeiros anos de vida é permanecer, de preferência em casa, aos
cuidados da mãe, em razão da anunciada fragilidade e dependência dos bebês se propõe a
privatização das relações sociais.
Os bebês, a que nos referimos, são seres reais, que existem, que estão no mundo e
estabelecem relações com a sociedade de forma ampla, são de carne e osso e emoção.
Transformam e atuam na vida dos adultos que os cercam e agem socialmente já que a
linguagem verbal não é a única forma de comunicação e expressão. Os olhares, os ruídos, as
36

expressões e movimentos faciais e corporais muito dizem sobre os bebês. Como afirma
Malaguzzi (1999) as crianças possuem mais de cem formas de pensar, raciocinar, materializar
e se comunicar, entretanto, a cultura e a escola acabam por roubar-lhes 99, ao dicotomizar
mente e corpo e valorizar apenas a linguagem escrita.
Os vínculos biológicos e afetivos desta relação estão entre as temáticas mais
exploradas. E que atividade mais nobre poderia exercer uma mulher do que ser mãe? Esta
pergunta irônica e retórica expressa um pensamento hegemônico, mas a questão que me
instiga é a seguinte: as mulheres são desvalorizadas socialmente pela sua proximidade com as
crianças pequenas ou sobra para as crianças pequenas parte da opressão vivida pelas
mulheres?
Rosemberg (1995, p.174) lembra que as questões do vinculo mãe/filho no
ambiente privado tem grandes repercussões no trabalho das mulheres que educam e cuidam
das crianças nos espaços públicos e coletivos de educação e que,“olhando-se para o interior
dos equipamentos de educação infantil, observa-se que ocorreu uma migração, para o espaço
público de relações de gênero que ocorriam no espaço privado.” A presença maciça de
mulheres em articulação com a falsa justificativa de que educar e cuidar de crianças pequenas
e algo “natural”, quase um “dom” feminino, alia-se à pouca formação profissional e a
jornadas de trabalho em tempo parcial como fatores que desencadeiam pouco reconhecimento
profissional e baixos salários.
Aspectos das relações sociais estabelecidas entre mulheres e crianças são pouco
explorados da perspectiva da Sociologia, Antropologia e Ciências Sociais. A historiadora
Goldman (2014), no livro Mulher, Estado e Revolução, apresenta que foi nos primeiros anos
da Revolução Russa que se iniciou a discussão feminista sobre a divisão sexual do trabalho e
sobre outras questões extremamente relevantes para a mulher daquele período, e até hoje,
como o direito ao aborto e ao divórcio.

O que vem primeiro o ovo ou a galinha? Quem na hierarquia social está na base
da pirâmide? São as mulheres? São as crianças? Ou estamos juntas? Rosemberg (1976) fala
da dicotomia natureza/cultura e argumenta que o desenvolvimento tecnológico e a concepção
da criança como um ser selvagem a ser humanizado acentua a polarização do poder adulto e a
aproximação das mulheres com as crianças.

Este questionamento não é original uma vez que a antropóloga estadunidense


Gottlieb (2009) o aponta como um dos motivos da pouca valorização ou do raro número de
estudos da antropologia cultural que incluem os bebês a proximidade destes com as mulheres.
37

Lembro, também, como o fez a autora, que por muito tempo as mulheres foram excluídas da
pesquisa científica e do importante papel da luta feminista para a mudança deste cenário.
Marchi (2011, p.390) sugere que:
[...] a posição inferiorizada da mulher na sociedade decorre em grande parte
de sua proximidade física e simbólica com as crianças e ainda que no
processo de ‘contaminação’ do universo feminino pelo universo infantil, as
crianças são o ‘ponto mais baixo’ dessa escala valorativa.

O que a autora denomina de “posição periférica” é o fato dos pontos de vista das
mulheres e das crianças estarem presentes em pouquíssimos estudos sociais e anuncia uma
proximidade epistemológica dos estudos sociais da infância.
Os determinantes biológicos e etapas do desenvolvimento, definidos
arbitrariamente sobre o que é ser bebê e o que é ser criança, não são generalizáveis de uma
cultura para outra. Mauss , no começo do século XX, já chamava a atenção de Piaget para as
crianças africanas. Como nos conta Fournier:

Mauss expôs claramente seus pontos de divergência em relação a seu colega


suíço. Primeiramente, ele o criticou por “ter feito, não psicologia da criança
em geral, mas psicologia da criança mais civilizada” e aconselhou-o a “fazer
observações rigorosas e extensas, por exemplo, na África do Norte, antes de
tirar qualquer conclusão mais geral”. (FOURNIER, 2010, p.238)

É o que pode ser notado nesse trecho de Bufalo (1997 p.24-25):


Pegou então outro brinquedo uma espécie de pianola, porém este já não
funcionava mais. Ele olhou o brinquedo de todos os lados, dedilhou o
teclado ( que já não emitia som)
Equilibrou-o numa das mãos, deixou-o no chão e pegou novamente. Ficou
mais um tempo passando a mão no brinquedo.
Estava sentado no chão, levantou-se ficando de joelhos próximo a estante de
madeira segurando a pianola como se fosse um serrote. (Este brinquedo tem
realmente o formato de um serrote).
O menino fazia os gestos de serrar uma madeira com a pianola e produzia o
som com a boca como se fosse o barulho de uma serra

Neste episódio, o menino transforma a pianola em serrote e se vale deste, da sua


capacidade imaginativa e deste artefato para estabelecer relação com o mundo e a cultura. O
brinquedo é também um meio para comunicar-se com os demais (crianças e adultos). Pois,
pega o brinquedo, olha para a pesquisadora e usa também outros brinquedos para chamar a
atenção de uma menina que estava na sala arremessando-o, deixando-o cair no chão e
emitindo sons (que a pesquisadora não conseguiu decifrar).
38

Descreve outro momento de brincadeira entre a mulher adulta (monitora da


creche) e a criança, em que a possibilidade de ser criança novamente e brincar junto,
acrescenta à vida desta mulher novos elementos culturais. Bufalo ressalta a troca e construção
de conhecimento, fruto desta relação da mulher docente e da criança pequenininha.
Resistindo à produção incessante de mercadorias e à vida a serviço do capital:
[...] as atividades lúdicas das crianças – esses momentos maravilhosos
dedicados a brincar, seja sozinha, seja em companhia de outras crianças, de
animais, ou mesmo adultos – são atividades onde o ser se produz ao se
consumir; mas o que ele consome é a energia bruta, facilmente renovável, ao
passo que o que produz são capacidades: capacidades sensoriais e motoras,
conhecimentos sobre o mundo ambiente, percepção de si dentro deste mundo
etc. Escutamos muitas vezes que o jogo é uma atividade gratuita, uma
atividade que nada produz. Mas o jogo produz o jogador; o jogo produz as
relações interpessoais entre os jogadores; o jogo, enfim, motiva em cada um
a aprendizagem do comportamento “em sociedade”, a aprendizagem das
relações sociais. (BERTAUX, 1979, p.56-57)

É possível perceber, como aponta Prado (1998, p.91):


Brincando, nem sempre num ato permitido, as crianças pequenininhas eram
capazes de ir além do que estava colocado, estabelecido, determinado, e
assim, aprendiam o mundo e o significavam, arrebatavam-se e escapavam
aos limites do corpo e da mente, eram plenas, inteiras - brincavam pelo
prazer de brincar como um fim em si mesmo. Brincavam para nada.

A produção das culturas infantis e as contradições existentes nas diversas relações


que se estabelecem na creche, são ressaltadas por Bufalo (1997) que apresenta as diferenças e
conflitos existentes nesse espaço de forma muito positiva como um elemento potencializador
da pedagogia, indo ao encontro do que diz Benjamin (2002, p.114) “as tensões do trabalho
coletivo são os verdadeiros educadores”. A autora destaca o enfrentamento e a diferença
cultural como um dos elementos que enriquecem o dia a dia da creche.

2.3 A creche como lugar de mulheres e de crianças

Inspirada nas reflexões feitas por Rosemberg (1996, 2002), a seguir faço a
discussão sobre a possibilidade de articulação entre as categorias: classe social, gênero e
idade, a respeito da subordinação da infância e da não sincronia entre as diversas
hierarquizações da sociedade capitalista.
Debaterei sobre a intersecção das relações sociais de sexo, a luta por creches e
educação das crianças pequenininhas em que estão presentes homens e mulheres envoltos em
39

uma relação social cuja base material é o trabalho. A intenção é focar na centralidade do
trabalho tal como anunciada por Marx em O capital, como categoria fundante das relações
sociais.
Parto da premissa de que a creche e a pré-escola14 laicas, públicas, gratuitas e de
qualidade, isto é, a primeira etapa da educação básica, são direitos das crianças de 0 a 6 anos,
além de ser uma importante reivindicação das mulheres trabalhadoras e do movimento
feminista é, também, parte da complexa problemática da divisão sexual do trabalho. É a
discussão sobre creche como uma resistência à lógica imposta pelo capital. Seja por
possibilitar que a mulher/mãe disponha do tempo para a vida pública e participação política,
seja porque a educação coletiva das creches se contrapõe à privatização da família.
As origens do movimento feminista, na visão de Danièle Kergoat (2009, p.68)
estão diretamente vinculadas à “tomada de consciência de uma opressão específica: tornou-se
coletivamente ‘evidente’ que uma enorme massa de trabalho era realizada gratuitamente pelas
mulheres”. O cuidado e a educação das crianças são alguns destes trabalhos atribuídos à
mulher com a justificativa de que o amor maternal e a vocação para o cuidado são naturais do
feminino. O trabalho sem remuneração, realizado em casa, foi o que motivou as mulheres a
questionar a sua opressão.
Araújo (2000, p.65) destaca que o “enfoque histórico e material” do marxismo
trouxe importantes contribuições ao feminismo, pois foi o que possibilitou a desnaturalização
da subordinação da mulher.
A Revolução Russa de 1917 apresentou ao mundo a experiência real e a
perspectiva de igualdade entre homens e mulheres. Nos primeiros anos da revolução, a mulher
conquistou o direito ao divórcio e ao aborto e inúmeros foram os debates e discussões sobre o
papel da mulher na construção do socialismo, conforme nos relata Goldman (2015).
A socialização das tarefas domésticas com restaurantes e lavanderias coletivas
culminava com a responsabilidade estatal sobre as crianças e com a criação de creches para a
educação das crianças desde o nascimento. O sonho do amor livre, em que o afeto tomasse o
lugar da dependência econômica que prendia as mulheres aos maridos, era discutido por
mulheres, juristas, educadores/as e membros do Partido Comunista.
As primeiras análises destas relações de trabalho doméstico e da opressão
feminina, segundo Kergoat (2009, p.69-70), eram fortemente influenciados pela

14
Creche é a denominação utilizada para as instituições educativas destinadas às crianças de 0 a 3 anos e Pré-
escola para as de 4 a 6 anos.
40

“conceituação marxista – relações de produção, classes sociais, definidas pelo antagonismo


entre capital e trabalho, modo de produção” e pela participação das militantes de esquerda. No
entanto, foram sendo aprofundados os estudos com relação ao trabalho assalariado, deixando
o “trabalho doméstico apenas como um apêndice”. O que, segundo a autora, resultou em um
“declínio da força subversiva do conceito de divisão sexual do trabalho”, pois o objetivo
principal passou a ser a análise das relações sociais envolvendo os dois sexos.
É justamente esta força subversiva que invoco, pois, não coaduno com a
reivindicação da divisão de poder com os homens nesta sociedade, tal qual está hoje
configurada, mas aposto na luta para que haja uma transformação completa das relações
sociais e da própria sociedade. A emancipação desejada, neste caso, não se restringe à
opressão e à exploração sofrida pelas mulheres, mas a todas as formas de opressão de classe,
raça, gênero, idade etc .. Saffioti (2000, p.73) destaca que “a sociedade não comporta uma
única contradição. Há três fundamentais, que devem ser consideradas: a de gênero, a de
raça/etnia e a de classe”.
Ao lado das mulheres, muitas vezes em seus braços, estão as crianças
pequenininhas. E juntas, mulheres e crianças, são as mais afetadas pela desigualdade, pobreza,
violência, desemprego e crises cíclicas do capitalismo. Na luta de classes e mesmo no interior
das classes há o androcentrismo, há o racismo, o adultocentrismo e outras hierarquias e
opressões.
Entretanto, como afirma Saffioti (2000, p.72), “nem sempre, todavia, a sociedade
reúne condições para criar um novo ponto de observação a partir do qual se possam fazer
críticas aos esquemas de pensamento consagrados”. Com relação à infância, a sociedade
adultocêntrica está ainda engatinhando no processo de ouvir e compreender e possibilitar a
participação das crianças.
A consciência das desigualdades, segundo Rosemberg (1996, 2002, 2009, p.5),
não ocorre de forma sincrônica15. A autora utiliza o conceito de e não sincronia ou de
heterocronia que descreve Hicks (1981) e afirma que esta não sincronia pode ser percebida,
tanto por pessoas quanto por movimentos sociais, em diferentes momentos.
Entendo a delimitação das etapas da vida como uma construção social que,
nas sociedades ocidentais contemporâneas, hierarquiza as idades,
posicionando o adulto como ápice desta hierarquia. Neste sentido, ao lado
das hierarquias de classe, gênero, raça-etnia e nação, as categorias etárias

15
Hicks, E. (1981). Cultural marxism: non synchrony and feminist practice, in: Sargent, L. Women and
revolution (p. 219-238). Boston: South and Press.
41

também configuram relações de dominação. Porém, as relações de


dominação não atuam de forma sincrônica

Acrescenta, ainda, que não há um simples acúmulo das situações de opressão, mas
há muitas contradições. Exemplifica afirmando que na tentativa de romper a desigualdade de
gênero, algumas pessoas ou grupos podem, simplesmente, ignorar as questões raciais ou de
subordinação por idade.
Retorno o foco da discussão para a questão do trabalho, que é conceitualmente
idealizada e dividida entre as esferas pública e privada do pensamento hegeliano, até sua
desconstrução por Marx, em Sobre a Questão Judaica. Ao tratar a emancipação política, a
distingue da emancipação humana, e afirma que o Estado moderno depende da desigualdade,
inclusive, da desigualdade entre homens e mulheres. Segundo Andrade (2011, p.20), “essa
nova perspectiva possibilita analisar a opressão de gênero como um fenômeno social
complexo que permeia tanto as relações familiares, como as relações de trabalho, as relações
de produção e redistribuição e as relações político-jurídicas e morais”. Como também as
análises sobre a produção e reprodução feitas por Engels e Marx e as reflexões a respeito do
papel do trabalho feminino na sociedade capitalista e a exploração da mulher nas relações
sociais.
Na organização social, a produção e a reprodução são inter-relacionadas. “[...] a
sociedade salarial não se reduz unicamente à esfera produtiva” (KERGOAT, 2009, p.258). A
educação e cuidado das crianças pequenininhas, a partir deste ponto de vista, são relevantes
para a reprodução do capital, produzindo novos/as trabalhadores/as que, anos mais tarde,
serão também força de trabalho. E nesta perspectiva, a educação desde o nascimento ganha
contornos de preparação para o trabalho.
O processo produtivo e o papel dos dois sexos na distribuição das tarefas são
discutidos em profundidade pelo movimento feminista. A divisão sexual do trabalho e a dupla
jornada feminina foram temas bastante debatidos na experiência socialista soviética. Segundo
Goldman (2014), a hierarquia entre trabalho masculino com maior remuneração que o
feminino, além de outras formas discriminatórias, assim como mulheres abandonadas pelos
maridos, sem trabalho e sendo as únicas responsáveis pelo sustento dos filhos/as, eram
problemas discutidos em vários dos congressos do Partido Comunista.
Estes são elementos relevantes para pensar a educação pública, laica, gratuita e de
qualidade desde o nascimento, pois, de acordo com Rosemberg (2002), a expansão ou
retração do número de creches e crianças atendidas acompanham o incentivo/necessidade ou
42

restrições ao trabalho feminino, argumento confirmado por Qvortrup (2010, p.784), quando
discute as políticas públicas que atingem as crianças e diz:
Como todos sabemos, durante longos períodos, pelo menos na segunda
metade do século XX, houve um aumento drástico da participação das mu-
lheres no mercado de trabalho. Esse aumento não foi direcionado a atender
as necessidades das crianças – muito ao contrário, diriam muitos, embora
não se tenha tanta certeza disso. De todo modo, foi um desenvolvimento que
teve um enorme impacto na infância e na vida das crianças. Em muitos
países, foi acompanhado da criação de jardins de infância, creches, centros
de atendimento para depois do horário escolar etc., onde as crianças são
obrigadas a passar grande parte de sua infância. Esse é um exemplo de
política que visa deliberadamente à infância, embora, em um primeiro
momento, a entrada das mulheres no mercado de trabalho não incluísse uma
preocupação com as crianças ou a infância; ela se tornou necessária em um
segundo momento.

A oferta ou não de creches é igualmente uma forma de controlar o acesso das


mulheres ao mercado de trabalho e é, também, uma forma de regular os salários. Não ter com
quem deixar os bebês impede grande número de mulheres de exercer atividades remuneradas
fora de casa. A falta de vagas em creches faz com que se forme, com este contingente de
mulheres, um exército de reserva que serve para regular os preços da mão de obra.
A ideia hegemônica de que o melhor para a criança pequena é estar aos cuidados
da mãe e a propagação de uma família que tem como modelo a família burguesa, também são
parte deste processo.
As ideias da classe dominante são, em cada época, as ideias dominantes, isto
é, a classe que é a força material dominante de uma sociedade é ao mesmo
tempo sua força espiritual dominante.[...] Os indivíduos que compõem a
classe dominante [...] dominam também como pensadores, como produtores
de ideias que regulam a produção e a distribuição de ideias do seu tempo; e,
por conseguinte que suas ideias são as dominantes da época. (MARX, 2007,
p.47)

De modo geral, cabe às mulheres, além de carregar as novas vidas durante a


gestação, a amamentação e os cuidados com os bebês. Há muita pressão social para que esta
tarefa seja de responsabilidade das mulheres (mães, principalmente, mas também avós, tias
etc.) o que, muitas vezes, as afasta do trabalho remunerado por determinado espaço de tempo.
A União Soviética, sob o comando de Stalin, retrocedeu na política de igualdade
entre homens e mulheres. Goldman (2014) nos conta que, em 1936, o número de abortos
superava o de nascimentos e o aborto foi novamente declarado ilegal. Aconteceu o retorno a um
discurso e a uma política de valorização da família como responsável pela educação das
crianças o que teve na guerra e na fome suas origens, porém, as razões econômicas foram
aliadas às complexas relações sociais e políticas.
43

Mesmo com as pesquisas e a consequente produção científica, que indicam como


fundamental a convivência das crianças com seus pares, no caso brasileiro, com o
reconhecimento da Constituição Federal de 1988 da creche como competência da educação,
ainda proliferam discursos de que o melhor para a criança, principalmente as pequenininhas, é
estar em casa, sob os cuidados das mães.
A educação das crianças pequenininhas convive com muitas destas contradições.
Em conjunto com a falta de vagas em creche, a responsabilização das mulheres/mães com os
cuidados com as crianças resulta que operárias necessitem carregar seus bebês para os locais
de trabalho. Lugares inseguros, insalubres e inapropriados. Como relatado por Schifino
(2012), é corriqueira a presença de bebês em oficinas de costura dentro de baldes de roupa
enquanto suas mães trabalham. Mesmo em condições de extrema necessidade econômica,
uma das mães, entrevistada nesta pesquisa, relata a resistência do pai da criança a que ela
fosse deixada na creche. Outra mãe, conta que precisava do auxílio de parentes (mulheres
migrantes trazidas de outros estados) para que cuidassem da criança, pois só havia conseguido
atendimento em tempo parcial na creche.
Nesta mesma investigação, Schifino (2012) traz o depoimento das mães/operárias
cujos/as filhos/as frequentam este tipo de instituição educativa no qual elas identificam que a
creche é “o melhor para suas crianças” e destacam o profissionalismo das professoras, a
possibilidade de brincar e produzir cultura em um ambiente público e de convívio coletivo
como de grande benefício para a felicidade de seus/suas filhos/as.
Os processos que hierarquizam e diferenciam as atribuições dos sexos em relação
aos cuidados e à educação dos bebês merecem questionamento, assim como o tempo
socialmente necessário para a educação e cuidados com os bebês, o papel das creches nesta
relação e a hierarquização que prioriza apenas o adulto (homem, branco, hétero, cristão e
pertencente às camadas médias). A infância como uma categoria na estrutura social precisa
ser ouvida. Há muita complexidade e contradições nas diferentes formas de subordinação por
classe, gênero, raça e idade que necessitam de investigação.
Muito se discute a respeito da conceituação do trabalho doméstico; se seria ele um
“trabalho improdutivo” ou apenas com “valor de troca”. Porém, o trabalho doméstico é
necessário para a conservação e reprodução da capacidade de trabalho, pois quanto menos
esforço despenderem para a manutenção da sua vida, maior força produtiva dos/as
trabalhadores/as estará disponível para a exploração pelo capital.
44

O papel do trabalho não remunerado feito em casa é indispensável para o ciclo de


reprodução capitalista. O trabalho gratuito e obrigatório, feito pelas mulheres para suas
famílias, é um trabalho para o capital. E a mulher tem, assim, o seu trabalho explorado no
âmbito da reprodução, além de sua força de trabalho vendida no processo produtivo.
Lembrando que as meninas também são as que executam maior quantidade de trabalho
doméstico16, logo, esta exploração começa já na infância.
Assim, a educação das crianças pequenininhas é, em última instância, um trabalho
para o capital realizado pelas mulheres, que inclui também a perpetuação da classe
trabalhadora por seus descendentes, pois é parte da reprodução social que forma o tempo de
trabalho socialmente necessário. “O trabalho doméstico ao contrário da esfera econômica em
que as mercadorias são trocadas por outras, se realiza dentro de uma relação entre pessoas”
Kergoat (2009, p.258). Toledo (2005) fala em dupla alienação do trabalho realizado pela
mulher, uma vez que, tanto nas tarefas domésticas quanto nas de educação das crianças, não
se produz mercadoria.
Entretanto, o trabalho doméstico realizado para a família é necessário para que
outros (marido, companheiro ou companheira, filhos/as) produzam mercadoria com seu
trabalho. Trabalho cuja concretização necessita, assim, do trabalho alienado de outro.
A sociedade capitalista expropria a infância das crianças da classe operária, com a
exploração direta do trabalho infantil, ou com uma educação escolarizada que não permite
que as crianças vivam o presente. A preparação para que seja o trabalhador e para que possa
vender sua força de trabalho na vida adulta retira das crianças a possibilidade de viver a
infância.
Neste aspecto, as crianças da burguesia também têm sua infância negada, já que
vivem com a agenda lotada de compromissos para se preparar para a competitiva disputa do
mercado. E são consideradas como investimento financeiro e propriedade das suas famílias.
Marx, ao tratar da jornada de trabalho, já abordava a questão da exploração da
mulher na sociedade capitalista e da reprodução da classe trabalhadora. Harvey (2013, p. 205)
destaca que Marx, “reconhece a importância da relação entre trabalho doméstico e a compra e
venda da força de trabalho no mercado. Se a mulher participa da força de trabalho”.

16
A pesquisa aponta que 81,4% das meninas arrumam a própria cama, tarefa que só é executada por 11,6%
dos irmãos meninos; 76,8% das meninas lavam a louça e 65,6% limpam a casa, enquanto apenas 12,5% dos
irmãos lavam a louça e 11,4% limpam a casa. Disponível em:<http://www.ebc.com.br/infantil/para-
pais/2015/01/pesquisa-mostra-que-desigualdade-de-genero-comeca-na-infancia>.
45

Ianni (2011) destaca o trabalho como a raiz do conjunto das relações sociais, dos
processos, das estruturas. Neste aspecto, a força de trabalho feminina atende às demandas do
sistema capitalista: ora como mão de obra no sistema produtivo e paga com menor valor do
que a força de trabalho masculina, ora no sistema reprodutivo (cuidando da casa, da
alimentação, das roupas e das crianças). Como afirma Marx em O capital, livro I:
É necessário substituir por mercadorias prontas os trabalhos domésticos que
o consumo da família exige, como costurar, remendar etc. A um dispêndio
menor de trabalho doméstico corresponde, portanto, dispêndio maior de
dinheiro, de modo que os custos da produção da família operária crescem e
contrabalançam a receita aumentada. A isso se acrescenta que a economia e
eficiência no uso e na preparação dos meios de subsistência se tornam
impossíveis. (MARX, 2013, p.469).

Para além dos aspectos econômicos do trabalho assalariado da mulher e do


vínculo existente entre as mulheres e as crianças pequenininhas na subordinação destaco que a
educação e cuidados dos bebês em espaços públicos e coletivos, não é apenas um direito das
mães trabalhadoras, mas igualmente das crianças.
A pedagogia que reconhece as crianças como atuantes e construtoras da vida
social entende que a vivência em coletividade, em instituições educativas, com adultos/as,
com formação adequada, é imprescindível para a construção de uma educação emancipatória
e que não apenas reproduza as diversas formas de opressão. E são as mulheres que lutam
contra a opressão como as estudantes, docentes e funcionárias grevistas da USP que as
educam na luta e no cotidiano das creches.
Não podemos esquecer, ainda, das lições históricas da luta de classes como a
Comuna de Paris que nos apresentou “a possibilidade de uma educação omnilateral” e “o
embrião de uma proposta revolucionária de educação”, conforme Almeida (2014, p.21 e 29).
E representou um grande exemplo para pensarmos em uma educação emancipatória desde o
nascimento. Além, é claro, de um importante movimento operário e insurrecional. E é por isto
que não poderia deixar de citá-la nesta tese.
A experiência da educação na Comuna de Paris foi capaz de apontar rupturas
com o projeto de educação republicano, no sentido de indicar elementos para
uma educação verdadeiramente democrática, emancipadora, omnilateral,
laica, integral, crítica e reflexiva, para ambos os sexos. (ALMEIDA, 2014,
p.vii)

Vislumbrava na educação desde a creche a potência transformadora necessária


para a construção de uma nova sociedade. Com a educação pensada em uma perspectiva
46

revolucionária, elaborou propostas educacionais para todos os níveis de ensino, apesar da


urgência das batalhas não deixaram de fazer críticas à educação burguesa e unilateral.
Outra lição, mais atual e mais próxima, foi a experiência da creche “Filhos da
luta” da ocupação “Jardim da União” na zona sul de São Paulo, em que propostas sobre novas
formas de educação e cuidado com as crianças pequenininhas surgiram da organização e
politização dos/as ocupantes. Este é um exemplo de como é na experiência da luta, que se
formam os lutadores/as. É no contexto de experiências revolucionárias que surgem
alternativas de educação popular e libertária, assim como ocorrido na Comuna de Paris. As
crianças da classe trabalhadora caminham junto aos/as adultos/as da sua classe na luta por
melhores condições de vida, justiça social e pela transformação radical da sociedade.
A escola burguesa separa a criança do mundo, preparando-a para o adulto que um
dia será e desta forma o modelo escolar não atende aos anseios de uma educação
emancipatória para a infância. Muito ao contrário, a escola tem cumprido de modo
hegemônico, mas em associação com outras instituições, há décadas, o papel de preparar para
a submissão e conformismo. Entretanto e apesar disso, e das políticas neoliberais de
privatização e precarização do ensino, tivemos recentemente o grande exemplo de luta e
resistência dado pelos estudantes da rede estadual do estado de São Paulo ao ocuparem as
escolas com a reivindicação de melhorias na educação. Como afirma Snyders (2005, p. 102)
“A escola é um local de luta, a arena em que se defrontam forças contraditórias – e isto
porque já faz parte da essência do capitalismo ser contraditório, agir contra ele próprio, criar
seus próprios coveiros.”
A luta por creches, na contemporaneidade, ganhou novos contornos com os
mandados de segurança impetrados pelo Poder Judiciário, que reconhece o direito das
crianças à educação e determina que o Estado forneça o atendimento, sem aceitar como
justificativa a insuficiência de vagas. A judicialização é uma alternativa encontrada por muitas
famílias, visto que nos sindicatos e movimentos sociais a reivindicação por creches não tem
mais a mesma força que teve no passado, quando foi bandeira de luta de muitos deles.
Entretanto, esta prática traz para o plano individual uma luta que é coletiva e de grande
importância, sobretudo, para as mulheres. É neste sentido que:
A tradição de todas as gerações mortas é como um pesadelo que comprime o
cérebro dos vivos. E justamente quando parecem empenhados em
revolucionarem a si e as coisas, em criar algo que jamais existiu,
precisamente nesses períodos de crise revolucionária os homens conjuram
ansiosamente em seu auxílio os espíritos do passado, tomando-lhes
emprestados os nomes, os gritos de guerra e as roupagens, a fim de se
apresentarem nessa linguagem emprestada. (MARX , 2003, p.7-8)
47

A dissertação de Rosa (2009, p. 25) apresenta um histórico das creches no Brasil


em que destaca o Conselho Estadual da Condição Feminina (CECF) na luta por creches nos
anos de 1970 e 1980 localizado, vasto material:

Projeto de Levantamento da Situação das Creches nas Empresas;


Relatório da Comissão de Creche;
Proposta de Alteração, na Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), dos
artigos referentes ao atendimento aos filhos das trabalhadoras;
Programação e boletim informativo do Primeiro Encontro sobre Creche
no Local de Trabalho.
Um artigo publicado na revista Caderno de Pesquisa que aborda o
resultado de um intenso trabalho realizado pela equipe do CECF foi a
principal fonte de dados encontrada

A luta por creches aparece também na dissertação de Rosa (2009) diretamente


vinculada à luta das mulheres, na atualidade, como um grito emprestado para que sigamos na
busca por justiça social em que a responsabilidade pela educação das crianças seja partilhada
entre a família e a sociedade como um todo. Para que as crianças possam coletivamente criar
e recriar as culturas infantis e contribuir ativamente para a construção da realidade social.
48

3. AS CRIANÇAS PEQUENININHAS NAS PESQUISAS

Quando falo do pensamento, estou a incluir nele os


sentimentos e as sensações, as ideias e os sonhos, as
vidências do mundo exterior sem as quais o
pensamento se tornaria em puro pensar inoperante.
Jose Saramago

Pesquisas sobre os bebês são frequentes na enfermagem e psicologia as quais,


junto com a medicina, são áreas do conhecimento com tradição nos estudos da relação entre
as mulheres e crianças pequenas. Entretanto, estes estudos são focados nos papéis sociais de
mães e filhos/as.
Quais bebês são objeto de pesquisa científica? É a questão apontada por Gottlieb
(2009, 2014), que chama a atenção de que os estudos da psicologia são, em sua maioria, com
bebês das camadas médias da sociedade ocidental, e que são quase sempre vistos na posição
de incapazes e presos aos determinismos biológicos.
Os bebês do Sul do mundo (africanos e latino-americanos) não são os
protagonistas sujeitos da maioria das pesquisas. Os bebês analisados do ponto de vista da
psicologia do desenvolvimento são quase que exclusivamente os bebês europeus ou
estadunidenses pertencentes às famílias das camadas médias e altas. São incontáveis os
estudos da psicologia que abarcam os bebês das camadas médias e é esta versão idealizada de
criança pequenininha que é generalizada pela ciência, está atenta às questões dos demais
grupos humanos e suas diferenças.
Rosemberg (1976, p.1.470) destaca que quando a psicologia não elege “o adulto-
branco-homem de classe média como sujeito do estudo, os estudos recebem qualificações
especiais: psicologia diferencial, psicologia da criança, do adolescente, da mulher,
gerontologia”.
A pesquisa de Kilbride e Kilbride (1975), citada por Gottlieb (2009), relata que os
bebês Baganda de Uganda são treinados para sentar-se independentemente e sorrir, desde bem
cedo, por volta dos 3 ou 4 meses de idade, com o objetivo de facilitar a participação destes
nas conversas grupais face a face, o que nessa sociedade é muito valorizado. Observa-se que
os bebês comunicam-se com quem está à sua volta, também desde muito cedo, trocando
olhares, sorrisos, sons diversos, etc..
No Brasil, o Núcleo de Estudos de Gênero, Raça e Idade, do Programa de Estudos
de Pós-Graduados em Psicologia Social da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
49

(Negri), coordenado pela profª Fúlvia Rosemberg, tem alguns dos estudos mais relevantes
sobre as representações sociais do bebê e também da mulher, pois Fúlvia Rosemberg, como
militante feminista e também uma pesquisadora da infância, tinha as relações de subordinação
como um dos focos tanto de suas investigações como de seus/suas orientandos/as. Os
discursos sobre os bebês e a creche aparecem em vários dos trabalhos por ela orientados
(LAVIOLA, 2010; NAZARETH, 2011; SANTOS, 2012 e SECANECHIA, 2011).
A produção acadêmica (teses e dissertações) em que a criança é protagonista tem
crescido bastante nos últimos anos e tem apresentado contribuições relevantes para conhecer a
produção das culturas infantis desde o nascimento. Em sua maioria, pesquisas de cunho
etnográfico. Como apontam Rocha, Buss-Simão e Gonçalves17 (2014), as crianças de 0 a 3
anos ganham maior visibilidade nos trabalhos científicos com a obrigatoriedade de matrícula
aos 4 anos como prevê a EC nº 59/2009.
Como afirma Benjamin (2002, p.98) “até o século XIX a dentro o bebê era
inteiramente desconhecido enquanto ser inteligente e, por outro lado, o adulto constituía para
o educador o ideal a cuja semelhança ele pretendia formar a criança”.
Em levantamento realizado para a 35ª reunião da Anped, Rosemberg (2012)
afirma, com base nos dados da Capes de 1986 a 2011, que os temas bebês e creche na área da
educação não são uma preocupação nacional, pois os trabalhos sobre a temática concentram-
se na região Sul e Sudeste do país.
Para Qvortrup (1999, p.8) as pesquisas que têm a infância como foco precisam
ainda enfrentar a dificuldade de interpretação dos dados (objetividade e validade), pois as
crianças são o “único grupo etário que não realiza pesquisas” como destacado por Becchi
(1983). Aponta para necessidade de investigações de caráter histórico como: “De que modo a
infância, como coletividade, altera o estatuto das crianças e das suas condições de vida ao
longo do tempo, quando comparado com outros grupos e segmentos da sociedade?”
Ao analisar a “2ª passeata de bebês” percebo que o coletivo infantil mobilizou
nos/as trabalhadores/as o que nomeei na página 22 de “atenção aos princípios e cuidados
educativos”. Ao contrário do clima tenso e de confronto comum nos protestos e atividades de
greve dos/as trabalhadores/as esta “preocupação educativa” trouxe para a passeata o bom
humor e as brincadeiras. No evento, aqui analisado a presença das crianças e protagonismo
destas alterou o comportamento e trouxe outras referências para a luta.

17
Levantamento dos trabalhos apresentados no GT07- Educação Infantil de 2003 a 2013, feito para X Reunião
da Anped Sul: “Percursos e tendências da produção científica sobre crianças de 0 a 3 anos na Anped”.
50

Esta é também uma diferença entre a presença das crianças nas manifestações de
direita em que, segundo noticiado, não faltaram ofensas, incitação ao ódio e palavras de baixo
calão.
Ao ter como pressuposto a criança como sujeito histórico e cultural, ativa
participante da sociedade e produtora de cultura, procuro. nesta tese. questionar a lógica
adultocêntrica em que todas as relações são analisadas do ponto de vista dos/as adultos/as e,
para tanto, recorro às teses e dissertações que também trilharam este caminho. Lembrando do
que disse, em 1937, Mauss a Piaget: que todo o estudo de crianças é de determinadas
crianças; de um meio social determinado; de determinada língua; e que vivem e são educadas
de certo modo historicamente determinado.
Deixo explicita aqui a opção por investigar a educação dos bebês/crianças
pequenininhas das camadas populares para pensar uma educação que forme para a
consciência e o pertencimento de classe.

3.1 O olhar sociológico para as crianças

Jens Qvortrup (1999) relata que as pesquisas sobre a infância raramente apareciam
na Sociologia clássica e, quando presentes, eram em grande maioria pautadas na socialização
e na psicologia do desenvolvimento. As pesquisas com aspectos epistemológicos da
Sociologia da Infância iniciam-se após a primeira reunião de sociólogos da infância que
aconteceu em 1990, no Congresso Mundial de Sociologia.
A Sociologia vem, desde os anos de 1980, fazendo uma autocrítica, já que “o
mundo que estudavam era habitado apenas por adultos”. Alanen (2001) aponta que o conceito
de socialização e a série de elementos adultocêntricos que o acompanham impediam de
conhecer mais sobre a criança e a infância.
Muito embora, hegemonicamente, a Sociologia ignorasse as crianças ou as
concebesse como “tábula rasa”, na perspectiva do que lhes falta e da preparação para a vida
adulta, renomados sociólogos tiveram uma visão à frente do seu tempo e trataram as crianças
como protagonistas. Assim o fez o sociólogo francês Marcel Mauss que, em 1930, utilizou o
termo Sociologia da Infância para destacar sua concepção de infância e opor-se ao
pensamento hegemônico de seu tempo, destacando o papel do meio e da cultura na
51

constituição da infância e questionando as generalizações feitas a partir das teorias


desenvolvimentistas.
Questiona a visão eurocêntrica de Jean Piaget, sugerindo a este que fosse conhecer
as crianças africanas e apresenta A infância como meio social da criança (Mauss, 2010) e
destaca a necessidade de estudos que abordem não apenas as relações de idade entre
adultos/as e crianças, mas também entre crianças de diferentes idades e das crianças entre elas
destacando que “as crianças, brincando juntas, formam um meio que tem sua moral, suas
regras de jogo, sua força”. Segundo Cunha (2013, p. 86):
Por meio da diferenciação entre as gerações, o autor observa dois modelos
de educação, um mais ‘livre’, correspondente à ‘educação das crianças pelas
próprias crianças’, e outro referente àquela mais formal, provida pelos
adultos às crianças (MAUSS, 2010). Com isso, Mauss torna horizontal o
processo de socialização das crianças, considerado até então apenas de forma
vertical. Aqui, pode-se ir um pouco mais adiante e dizer que esse processo
também pode ser encarado de maneira ascendente, isto é, em que os adultos
também possam ser socializados pelas crianças.

A horizontalidade na socialização e o reconhecimento de uma cultura infantil e


sua relação com a sociedade trazem a originalidade do pensamento de Mauss, o qual além de
sobrinho era assistente de Durkheim e, portanto, muito envolvido nos estudos sobre a
socialização e a educação.
Mauss (2003, 2010) é uma referência para o estudo das crianças pequenininhas
por outra obra As técnicas corporais, em que define o corpo como uma construção simbólica
e cultural. Afirma a construção social de ações cotidianas, como respirar e andar, e como
desde bebês aprendemos técnicas corporais pela “imitação”. A pesquisa com bebês engloba
toda a linguagem não verbal, que se expressa por gestos, sorrisos, olhares e expressões faciais,
além de balbucios, gritos e choros.
O corpo aparece nesta investigação como uma dimensão central na ação das
crianças, ele fez-se presente ao longo de todo o estudo empírico como
revelador de traços singulares da expressividade, manifestação e elaboração
de ações sociais das crianças.

Outra contribuição de Mauss é o destaque dado à infância e às diferenciações de


classe, gênero etc.. Nas palavras de Cunha (2013, p. 93):
Mauss (2010) revelou um dos pontos fundamentais que permite o pleno
desenvolvimento de uma Sociologia da Infância, que é o fato de não existir
criança, mas sim crianças: pequenas e grandes, meninos e meninas, ricas e
pobres, obedientes e desobedientes e compreendidas e incompreendidas.
52

A intersecção entre raça, corpo e classe social aparece com força na dissertação de
Rosa (2009) que, embora não explore o corpo como uma categoria, reconhece a força
comunicativa do corpo com as crianças pequenininhas. Relata algumas práticas como a
tentativa de controlar, domar ou disciplinar os cabelos negros com mesmo sentido que aponta
Gomes (2003, p.174) ao afirmar que:
Ao longo da história, o corpo se tornou um emblema étnico e sua
manipulação tornou-se uma característica cultural marcante para diferentes
povos. Ele é um símbolo explorado nas relações de poder e de dominação
para classificar e hierarquizar grupos diferentes. O corpo é uma linguagem e
a cultura escolheu algumas de suas partes como principais veículos de
comunicação. O cabelo é uma delas.

A dissertação de Flávio Santiago intitulada "O meu cabelo é assim... igualzinho o


da bruxa, todo armado": hierarquização e racialização das crianças pequenininhas negras
na educação infantil apresenta no próprio título a questão da identidade negra vinculada ao
corpo, especialmente ao cabelo. Neste estudo, também ficam evidentes as diversas maneiras
como as culturas infantis problematizam e resistem à desigualdade, pois, como afirma
Santiago (2014, p.73) “o racismo é algo primordial para a manutenção dos privilégios de
classe, ambos os elementos se complementam”.
O brasileiro Florestan Fernandes18 destacou também o papel das crianças como
produtoras de cultura, já no início dos anos de 1940, em Trocinhas do Bom Retiro. No
prefácio de sua obra, Roger Bastide reconhece a negligência das Ciências Sociais para com as
crianças e vislumbra o que hoje está presente em muitas investigações que têm como aporte
teórico a Sociologia da Infância e que apontam para a necessidade de que as pesquisas não
sejam feitas sobre as crianças, mas com elas. Bastide (2004, p. 230) diz que:
Para poder estudar a criança, é preciso tornar-se criança. Quero com isso
dizer que não basta observar a criança, de fora, como também não basta
prestar-se a seus brinquedos; é preciso penetrar, além do círculo mágico que
dela nos separa, é preciso viver o brinquedo.

Este é também um desafio desta pesquisa, que procura justamente destacar a voz
daqueles que se comunicam por várias outras linguagens e concordo que, para isso, “é preciso
tornar-se criança”. Conto com a minha experiência de pesquisa anterior, de caráter
etnográfico, que incluiu um longo período em campo, e com a minha vivência, estudos e anos

18
Florestan Fernandes destaca-se pelo seu olhar voltado para as minorias (indígenas, negros e crianças), seu
posicionamento crítico ao analisar a realidade não exclui as mulheres, pois quando aborda questões especificas
como na obra A Organização Social dos Tupinambás (1949) a mulher indígena se faz presente. O mesmo
acontece com relação à mulher negra quando investiga as relações entre classe social e questão racial na tese
“A Integração do Negro na Sociedade de Classes” (1964).
53

de docência com as crianças pequenininhas, pois a sensibilidade do olhar para captar a riqueza
e a diversidade das culturas infantis, como afirma Bastide (2004, p. 230), “não é dado a toda a
gente”.
Diante da grande complexidade que é encontrar um percurso metodológico que
não se limite às tradicionais técnicas investigativas, a Sociologia da Infância tem se
constituído como uma base teórico-metodológica de pesquisa, ao considerar como propõe
Schmitt (2008, p.12), “[...] relações em grupo e não apenas uma descrição individual e única do ser
bebê, do ser criança”.
Desde os anos da década de 1990 houve “um movimento da pesquisa sobre para a
pesquisa com ou para crianças” que, segundo Corsaro (2011, p. 57), coloca as crianças como
sujeitos da pesquisa em vez de meros objetos de investigação e classificação.
As crianças são seres humanos e não meros seres em potência. Não podem
ser vistas como ‘pessoas que serão’ e que devem ser integradas na sociedade.
Se a infância é, então, parte integrante da sociedade, deveria ser do mesmo
modo elementar que é qualquer outro fenômeno social, tema, legítimo e
desejável, de inquéritos científico-sociais. (QVORTRUP, 1999, p. 12).

Este é um pressuposto importante da Sociologia da Infância, que esta seja


estudada por si mesma, por seus próprios méritos, e não como parte integrante da família ou
como aluno/a na instituição escolar. “A familiarização da infância não é somente uma
concepção ideológica acerca do lugar que as crianças devem ocupar, mas também é um modo
metodológico de despojar as crianças do seu direito de serem notadas.” (QVORTRUP, 1999,
p. 5).
Diferentemente dos estudos sobre as crianças, a Sociologia da Infância prevê
também estudos com as crianças. As pesquisas têm sido conduzidas, de um modo geral, em
duas frentes, uma com abordagem macroestrutural, em que a infância é tida como categoria
estrutural e sua relação com a sociedade é vista de forma ampla. Pois, como categoria, o
conceito de infância difere do conceito de criança e, portanto:
É preciso ter-se em mente que, enquanto categoria estrutural, a infância é
separada da criança como indivíduo, e, por conseguinte o método para
adquirir percepções, tanto históricas quanto geracionais, acerca da infância
não demanda necessariamente que as crianças sejam diretamente observadas
ou questionadas. (QVOURTRUP, 2010, p. 639).

A macroanálise procura explicações e generalizações possíveis, a partir do modo


de produção e das mudanças culturais, e busca investigar como as forças sociais atingem a
vida das crianças pequenininhas. Qvortrup (2010, 2011) descreve os estudos de caráter
54

comparativo histórico e intercultural e as comparações intergeracionais como principais


métodos investigativos que procuram elucidar as estruturas da infância sejam elas
econômicas, sociais, políticas ou ideológicas.
Este olhar sociológico sobre a infância é antagônico ao modelo científico
desenvolvimentista em que o/a adulto/a é o modelo acabado e completo. Esta postura pode,
também, estar presente em uma abordagem micro que inclui investigações que têm como
objeto central de seus estudos as relações construídas coletivamente pelas crianças, entre si e
com os/as adultos/as, e como, nessas relações, a cultura é reproduzida, compartilhada, criada e
recriada.
E as crianças pequenininhas são capazes de desafiar as teorias
desenvolvimentistas que estabelecem fases ou etapas a serem cumpridas, como afirma
Schmitt (2008, p.138) ao descrever uma ação pedagógica.

Os profissionais da sala dos bebês pesquisados também propunham amiúde


brincadeiras com bonecas, tanto para meninos quanto para meninas,
oferecidas com outros adereços, como fraldinhas para cobri-las, bebê-
conforto ou travesseiros para aconchegá-las. As crianças que já tinham
maior independência de movimentos envolviam as bonecas nos braços, as
embalavam ou as cobriam, numa contraposição aos manuais da psicologia
do desenvolvimento, que ignoram a capacidade imaginativa dos bebês nessa
idade.

As metodologias de pesquisa que têm como ponto de partida a infância como


estrutura social e as relações de reciprocidade da infância com a sociedade são bastante
exploradas por Corsaro (2002, 2009, 2011) que, em suas pesquisas de campo, envolve-se nas
situações de brincadeira, posicionando-se como um “adulto atípico” (destituído de poder).
Como Bastide (2004) preconizou, torna-se criança e estabelece com elas uma relação de
confiança, o que lhe permite transitar e interagir com liberdade entre elas. As descrições
minuciosas e cuidadosas das brincadeiras infantis trazem vida para as reflexões sobre a
complexidade e a diversidade das vidas das crianças.
Corsaro [...] vale-se do conceito de ‘reprodução interpretativa’, por ele
criado, que expressa no termo ‘reprodução’ a restrição das condições da
estrutura social e de reprodução social, além dos processos históricos que
constituem sociedades e culturas e afetam as crianças e infâncias como suas
integrantes. Lembrando que ‘as crianças não se limitam a internalizar a
sociedade e a cultura, mas contribuem ativamente para a produção e
mudança culturais’ (p. 32). A inovação e a criatividade advindas da
participação social das crianças seriam expressas pelo termo ‘interpretativa’
(MACEDO, 2012, p. 484).
55

O autor discute o efeito das forças sociais sobre a infância e da infância sobre as
forças sociais, com o objetivo de compreender as mudanças econômicas, sociais e culturais a
partir das próprias crianças. Assim, os registros e as análises das brincadeiras infantis não
estão restritos a uma análise do particular, mas trazem a referência à infância como categoria
estrutural.
Estudos como os de Corsaro (2002, 2009, 2011), que incluem a análise da
infância e que tentam compreender como se dão as relações entre as diferentes idades em
determinada sociedade fundamentam as pesquisas com o arcabouço teórico da Sociologia da
Infância e, assim, se apresentam as pesquisas selecionadas como corpus desta tese.
Apesar de não descartar os aspectos biológicos desta etapa da vida, este estudo,
dentre outras questões, problematiza a naturalização da infância e destaca o que é ser criança
a partir da perspectiva da infância como uma construção sociocultural. Tem como ponto de
partida o entendimento de que aspectos biológicos, como a idade, a cor da pele e o sexo são
reinterpretados e ressignificados sofrendo interferência dos processos sociais que constroem
sentidos a partir de uma realidade biológica, mas que são criados e podem ser analisados a
partir de diferentes contextos sócio-históricos e apoia-se no referencial teórico da Sociologia
da Infância. (CORSARO, 2009, 2011; QVORTRUP, 1999, 2011).
As perspectivas idealizadas e generalizadas tratam a criança a partir do/a adulto/a
que um dia virá a ser ou como uma sucessão de etapas de desenvolvimento a serem superadas,
visões românticas que apresentam a infância como a-histórica. A psicologia do
desenvolvimento valoriza aspectos individuais e cognitivos, como disse Marcel Mauss (2010,
p. 239), em resposta a Piaget, para explicar as diferenças do foco da psicologia e da
sociologia: “o senhor parte do individual, e nós do social, mas é o mesmo objeto que
observamos pelos lados opostos dos binóculos”.
Este estudo trata, especificamente, das crianças pequenininhas, que se comunicam
por olhares, expressões, gestos e balbucios, até os que já se iniciam na linguagem verbal, e
das que precisam de apoio para locomoção até as que já têm total independência, as que estão
no mundo há pouco tempo, mas trazem consigo a possibilidade do novo e da transformação, a
esperança apontada por Hannah Arendt (2005), para quem as crianças são os recém-chegados
neste velho mundo, pelo qual somos nós, os que aqui estamos, os responsáveis.
Os diferentes contextos refletem as várias infâncias, daí a necessidade de definir
de que criança trata, pois há especificidades da criança indígena, quilombola, do campo etc.
As crianças têm cor, classe, sexo, raça, idade etc ., “pois se a criança não é nenhum Robinson
56

Crusoé, assim também as crianças não constituem nenhuma comunidade isolada, mas antes
fazem parte do povo e da classe a que pertencem.” (BENJAMIN, 2002, p. 94). No entanto,
tem aspectos que as unem enquanto categoria na estrutura social, conforme assinala Qvortrup
(2011).
Então, cabe apontar que utilizo a perspectiva da infância como categoria de
análise, conforme definição de Qvortrup (2011, p. 203-204): “a infância é uma forma
particular e distinta em qualquer estrutura social da sociedade”, em que defende a concepção
de infância como uma forma estrutural particular, que não é definida pelas características
individuais e nem pela idade, pois, “sociologicamente falando, não é uma fase de transição,
mas uma categoria permanente”.
Rememoro, a seguir, alguns aspectos do percurso histórico de construção do
conceito de infância para explicitar os pressupostos aqui adotados, de forma breve e pontual,
pois esta tarefa já foi realizada de maneira muito competente em várias pesquisas no Brasil.
(QUINTEIRO, 2002; DELGADO; MÜLLER, 2005; MARCHI, 2007). Trago apenas os
aspectos que aproximam a discussão sobre a infância e as questões de classe sem uma
organização cronológica ou linear. O referencial teórico eurocêntrico, como o texto de
Philippe Ariès é também utilizado no sentido de buscar as origens e entender os mecanismos
de subordinações por idade.
As crianças europeias são visivelmente relevantes dos pontos de vista social e
político a partir do século XV, no século seguinte, até o século XVII, quando a diferenciação
e distanciamento entre adultos/as e crianças vão progressivamente se consolidando. Ariès
(1981) aponta que este processo foi longo, complexo e envolveu várias transformações na
organização social. Entretanto, esta é a construção social e histórica europeia. Lembro que a
sociedade brasileira é também influenciada pela cultura e construção socio-histórica dos
povos indígenas e africanos. Sociedades em que, de modo geral, há maior responsabilidade
coletiva pela educação das crianças e elas ocupam uma centralidade nas dinâmicas familiares.
A infância, como conhecemos hoje, surge quase que lado a lado com a nova
ordem capitalista. A organização familiar rural vai perdendo espaço para as famílias nucleares
urbanas e as crianças passaram a ser mais acompanhadas e tuteladas pelo pai e/ou mãe. O
novo modo de produção desencadeia novas formas de organização social e novos sujeitos.
Na Grande Revolução Industrial, as crianças eram a principal mão de obra barata
e de fácil exploração. Por serem ainda pequenas, acessavam minas de carvão e ocupavam
menos espaços nas fábricas e, como possuíam menos força física, recebiam menor
57

remuneração. Anteriormente, as crianças trabalhavam principalmente no meio rural,


ajudavam suas famílias no cuidado com os animais e no cultivo da terra ou eram aprendizes
de ofícios com artesãos nas cidades.
Ainda hoje, estamos distantes da erradicação do trabalho infantil, que continua
presente em nossa sociedade. Nogueira (1990), Kassouf (2007) e Lombardi (2010) abordam a
complexidade do tema, que apresenta números discrepantes, no âmbito de países, entre o
trabalho de meninas e meninos e também o trabalho no campo e na cidade. Destacam que o
trabalho infantil continua associado à pobreza e, talvez por esta razão, esteja presente em
grande número nos países africanos.
No Brasil, segundo dados da Pesquisa Nacional de Amostragem de Domicilio de
2005, quase três milhões de crianças e jovens de 5 a 15 anos trabalham.
A visualização das informações possibilita identificar que a exploração do
trabalho infantil continua a ter forte presença na economia brasileira,
inclusive nos estados economicamente mais desenvolvidos da federação,
abarcando praticamente todos os setores da atividade econômica.
(LOMBARDI, 2010, p. 142).19

Kassouf (2007) aponta que, apesar destes dados serem alarmantes, houve
significativa redução destes índices a partir dos anos de 1990 e sugere a influência dos
programas de renda mínima vinculados à frequência escolar.
No entanto, a infância segue submetida direta ou indiretamente à exploração do
capital, como afirma Galeano (2002, p. 2):

Dia após dia nega-se às crianças o direito de ser crianças. Os fatos, que
zombam desse direito, ostentam seus ensinamentos na vida cotidiana. O
mundo trata os meninos ricos como se fossem dinheiro, para que se
acostumem a atuar como o dinheiro atua. O mundo trata os meninos pobres
como se fossem lixo, para que se transformem em lixo. E os do meio, os que
não são ricos nem pobres, conserva-os atados à mesa do televisor, para que
aceitem desde cedo, como destino, a vida prisioneira. Muita magia e muita
sorte têm as crianças que conseguem ser crianças.

Postman (1999, p. 32) defende a tese do desaparecimento da infância, que não é


defendida nesta tese, mas que apresenta coerência e chama a atenção para as transformações
sociais que afetam diretamente as crianças na contemporaneidade. Credita à invenção da
imprensa tipográfica o surgimento de um novo universo simbólico, que marcaria a

19
Lombardi (2010) indica que estes dados podem ser visualizados no Sistema de Informações sobre focos de
Trabalho Infantil (SITI). Disponível em: <http://siti.mte.gov.br/focuses/list>.
58

diferenciação entre adultos/as e crianças, “a imprensa criou uma nova definição de idade
adulta baseada na competência de leitura e, consequentemente, uma nova concepção de
infância baseada na incompetência de leitura”.
Certo é que a instituição escolar e a massificação da escolarização surgem não
apenas com o propósito de proteger a criança da exploração precoce, mas com o objetivo
primeiro de formar operários/as mais preparados/as e iniciar as crianças no moderno mundo
letrado. A imprensa também propicia a prescrição de normas educativas com a publicação de
manuais de boas maneiras e normas de civilidade dirigidas a orientar os responsáveis pela
educação das crianças.
Neste contexto, a ideia de infância foi divulgada e discutida pelos filósofos Locke
e Rousseau, entre outros. E quando a psicanálise foi inventada por Sigmund Freud ela atribuiu
à infância um novo e importante papel na formação do aparelho psíquico e na constituição do
sujeito. A tese de Postman (1999) segue com uma argumentação consistente em que destaca
que a invenção da comunicação eletrônica fez surgir uma nova linguagem (linguagem visual),
que não necessita de aprendizagem ou escolarização, mas o autor desconsidera qualquer outra
linguagem. Afirma que, com o advento da televisão, teve início o desaparecimento da
infância, já que ela expõe as crianças aos segredos do mundo adulto e infantiliza o
comportamento dos/das adultos/as, exemplificando com a atual falta de distinção entre o
vestuário e a linguagem adulta e infantil.
O desaparecimento da infância anunciada por Postman (1999) parece
desconsiderar a agência humana na construção histórica e apresenta, também, uma visão
“romântica” de uma infância generalizada.
Embora Postman (1999) alegue não apontar saídas ou alternativas, ele indica, sim,
o fortalecimento das instituições tradicionais: família e escola, como maneiras de preservar a
infância e assim protegê-la. Neste ponto, a tese por ele defendida encontra a solução no
ideário da família burguesa, com críticas às mães solteiras e às “famílias desestruturadas” pelo
divórcio, perspectiva de análise e proposta das quais discordo.
Como alerta Faria (2002, p. 57), “as ideias sobre infância de uma determinada
época também dependem de quem as ‘formula’ e não podemos esquecer a propagação e a
hegemonia das ideias da classe dominante”. A ideia de família e de infância burguesas não
são modelos a serem seguidos, pois há muitas outras formas de viver a infância, como nas
diversas comunidades indígenas.
Misturada no seio do adulto, participando de tudo na tribo, pequenos
curumins não se distinguem por comportamentos particulares como o
59

brincar. Adultos e crianças dançam, cantam, imitam animais, cultivam suas


hortas e trabalham para sua sobrevivência [...] (KISHIMOTO apud FARIA,
2002, p. 56).

A constituição de novos saberes científicos atua também sobre as crianças e


fundamenta o controle e a disciplina. Constroem-se, assim, as especificidades da infância
como um tempo de preparo para a vida adulta.
Ao analisar o tema a partir da documentação da imprensa operária no começo do
século XX, Faria (2002, p.92) destaca que:
[...] as crianças pequenininhas, antes de tornarem-se trabalhadores infantis,
estão nas ruas ou nas camas, sem nenhuma assistência, e passam então a
fazer parte das reivindicações operárias relacionadas à questão da
maternidade, ao lado da luta por equiparação salarial com os homens,
diminuição da jornada de trabalho para 7 horas, horário para amamentação
com acréscimo salarial, licenças remuneradas antes e depois do parto etc.

David Harvey (2013) relata que propõe a seus/suas alunos/as um exercício em que
pede que imaginem ter recebido da família uma carta afirmando as condições de jornada de
trabalho e trabalho infantil de quando foi escrito O capital, que já foram superadas há muito
tempo, e que os/as alunos/as escrevam uma resposta.
[...] lhes apresentava uma quantidade enorme de relatórios oficiais (do Banco
Mundial, por exemplo) e recortes de jornais respeitáveis (New York Times
etc.) que descreviam as condições de trabalho nas fábricas da Gap, na
América Central, da Nike, na Indonésia e no Vietnã e da Levi Strauss, no
sudoeste Asiático e diziam quão chocada havia ficado Kathie Lee Gifford,
grande defensora das crianças, ao descobrir que as roupas que ela havia
criado para a Walmart haviam sido produzidas em fábricas hondurenhas que
empregam crianças pequenas por salário inexistente ou em fábricas
clandestinas em Nova York em que os trabalhadores ficam semanas sem
salário. (HARVEY, 2013, p. 158-159).

A ideia de que criança não trabalha está vinculada à promessa da modernidade de


formar um novo homem instruído e racional, transformando a criança em aprendiz, pois são
elas que podem impulsionar o desenvolvimento e o progresso ambicionado pelos iluministas.
Desta maneira, o discurso que enaltece a inocência e a pureza das crianças é fortalecido e são
elas que carregam a esperança para o futuro e a realização das profecias da modernidade. A
criança e a infância são conceitos generalizados nesta perspectiva e, assim, são subjugadas e
confinadas ao convívio familiar ou à escola.
As crianças, com 6, 7 anos ou mais, eram o principal objeto da instrução pública
desde a Revolução Francesa que ampliou a escolarização, mas as crianças menores eram
apenas alvos indiretos dos discursos pedagógicos, dirigidos às mulheres/mães. Volto, então, a
60

tratar da particularidade deste estudo que tem como foco as crianças pequenininhas e não
tenho como ponto de partida o conceito da infância como uma produção da razão iluminista e
da modernidade, em que a criança é, muitas vezes, analisada a partir do seu papel de aluno/a.
A difusão da escolarização e a “descoberta da primeira infância como objeto
pedagógico” são discutidas por Chamboredon e Prévot, em 1973, na Revue Française de
Sociologie, traduzida e publicada no Brasil em 1986. Neste artigo descrevem as muitas
diferenças entre a escolarização precoce das crianças das classes populares e das elites, ou
mesmo das camadas médias. Segundo os autores, as escolas maternais dos anos de 1960/1970
apresentavam uma diferenciação de classe, pois as propostas educativas eram um destaque
nas instituições das camadas médias em formas muito distintas das creches ou abrigos que
atendiam às camadas populares. No Brasil, com espaços muito segregados entre as diferentes
camadas sociais, são raros os espaços em que observamos o que Rosa (2009, p.17) encontrou
em sua pesquisa “o convívio entre adultos e crianças de diferentes classes sociais” no espaço de
uma creche. A autora aponta que as diferenças de classe ficavam evidentes entre os/as adultas
operárias (que trabalham na linha de produção e cumprem os horários) e não operárias
(executivas que muitas vezes extrapolam a jornada em seus escritórios) que representam a
burguesia e defendem os interesses dos patrões dentro da fábrica.
Dentre as diversas teses e dissertações lidas, a de Rosa (2009) foi uma das poucas
que discutiu o tema de forma direta e que colocou em evidência que a desigualdade social no
Brasil é tão grande que chega a impedir o contato entre diferentes camadas20. Percebe-se que
as creches públicas atendem a crianças das camadas populares e as crianças das camadas
médias frequentam “escolinhas” como são chamadas as instituições privadas de Educação
Infantil. Grande parte das crianças pequenininhas dos diferentes níveis socioeconômicos são
deixadas em casa com avós, tias, vizinhas, irmãos/as mais velhos/as.
A classe social é mencionada como uma categoria de análise na tese de Coutinho
(2010, p.189) na qual a autora explorou as escolhas e relações estabelecidas pelas crianças.
No entanto, justificou que “a estrutura na qual está inserida esta instituição diluiu as fronteiras
de classe criando uma quase homogeneização dessas diferenças”. Lembro que a investigação
de Coutinho foi realizada em Portugal e a autora destaca que o foco da sua atenção, neste
aspecto, restringiu-se ao status e capital cultural. A autora também chama a atenção para a

20
Embora a autora, Clélia Virginia Rosa, entenda as mães operárias e as mães executivas como pertencentes a
diferentes classes sociais, prefiro utilizar o termo camada social, pois, embora com grande diferença
socioeconômica as executivas também vivem do seu trabalho e não detêm a propriedade dos meios de produção.
61

necessidade de pesquisas que foquem nas questões de classe sem restringir-se apenas aos
aspectos econômicos, mas que abarquem uma perspectiva sociológica.

3.2 Os bebês e a cidadania epistemológica

As dificuldades do reconhecimento das crianças como sujeitos sócio-históricos


também são sentidas na área acadêmica. Gottlieb (2014, p.82) aponta que “dentro da
antropologia, o assunto dos bebês pode ter um nível baixo demais de prestígio para convidar
muitos acadêmicos a estudá-lo”. A antropóloga relata o pouco interesse sobre os bebês
percebido nas apresentações em congressos.
Na área da Sociologia, segundo Qvortrup (2010), foi depois da primeira reunião
de sociólogos da infância que aconteceu em 1990, no Congresso Mundial de Sociologia, que
vivemos um “boom das pesquisas sobre infância” ou de pesquisas a respeito do universo
social das crianças, considerando-as como sujeitos e não objetos da pesquisa, como atores
sociais plenos. Anteriormente eram raros os casos de pesquisa na Sociologia clássica que
direcionavam o olhar para a infância, porém, poucos anos depois, já contavam com várias
organizações na Europa e EUA.
Corsaro (2011, p.57) acrescenta que se percebe “um movimento da pesquisa
sobre a pesquisa com ou para crianças”, o que “reposiciona as crianças como sujeitos em vez
de objetos de pesquisa”.
Além das questões relativas à hierarquia e às relações de poder em que as crianças
sem dúvida ainda têm um vasto território a conquistar, os/as pesquisadores/as chamam a
atenção para as dificuldades epistemológicas da investigação com crianças.
Com relação à pesquisa com crianças pequenininhas, Faria (1993, p. 38),
fundamentada nos estudos de Egle Becchi21 destaca as particularidades de investigar um
grupo humano marginalizado, que não faz pesquisa e que é, simultaneamente, tão próximo e
tão distante do/a pesquisador/a. Próximo, como apontado por Jenks (2002), porque assinala
que todos já fomos crianças e convivemos com elas e, ao mesmo tempo, distante, como
destaca Qvortrup (2010) na medida em que elas estão cada vez mais confinadas em
instituições e com vidas separadas dos/as adultos/as. Qvortrup (2010, 2011) destaca, assim,
que as principais dificuldades na pesquisa com crianças,

21
BECCHI, Egle. Molte infanzie, poche storie. Ricerche pedagogiche. Parma, n. 68-69, 1983, p. 1-15.
62

[...] começam com a interpretação dos dados recolhidos. A questão da


objetividade e da validade é, no que diz respeito à pesquisa sobre a infância,
mais pertinente do que qualquer outro campo da Sociologia, já que as
crianças pertencem ao único grupo etário que não realiza pesquisas. Têm,
pois, que deixar a interpretação das suas vidas para outro grupo etário cujos
interesses não estão, potencialmente, em consonância com seus próprios
interesses. (QVORTRUP, 2010, p. 5).

Faria (2005, p.1.019) destaca os alertas de Becchi (1983) sobre a ética e a


responsabilidade da pesquisa com crianças pequenas, pois estes sujeitos não negociarão com
o/a pesquisador/a e não poderão discutir e questionar o processo, e/ou os dados e resultados
obtidos e publicados.
O referencial teórico marxista embora incomum nos estudos de educação infantil,
como constatado a partir do levantamento efetuado, é importante pois explora as diversas
contradições e hierarquizações presentes na realidade social. Segundo Ianni (2011), para
compreender e explicar um fato social é preciso refletir sobre ele, como se constitui e como se
modifica. O que constitui os fatos sociais são as relações sociais, os processos e as estruturas.
É necessário, para tanto, uma atitude despojada do/a investigador/a, para poder apanhar a vida
das coisas. Entretanto, cabe aqui destacar como o faz Qvortrup (1999, p.12) que “as crianças
não devem ser vistas como sendo algo estranho à sociedade, como algo misterioso, como se
fossem ontologicamente diferentes.”
Marx fala, num certo momento, repetindo o pensamento de Hegel, de que se
aparência exterior e essência das coisas conseguissem se exprimir
plenamente, toda a ciência seria desnecessária. Quer dizer, essa frase é
importante na medida em que ela sintetiza a ideia de que a realidade social
precisa ser pesquisada, ser questionada, precisa ser explicada. Porque ela não
para. Porque ela não é transparente. Se ela fosse transparente, ela não
precisaria de investigação. (IANNI, 2011, p. 400).

Mesmo quando o assunto é a ação pedagógica com bebês é importante pensar as


questões da infância (bebês) com uma visão macro, pois “o pensamento marxista, e alguns
outros pensamentos, insistem na ideia de uma visão globalizante da sociedade, no sentido de
não se perder a visão do todo, e refletir sobre o singular sempre tendo em vista o geral e o
todo” (IANNI, 2011, p. 400). Esta visão globalizante está expressa nos textos que tratam das
políticas públicas, como o de Campos (2012), que debate a problemática dos mecanismos que
perpetuam a subordinação e as crianças.
[...] a persistência em tratar a educação das crianças pequenas como
estratégia para mitigar a miséria tem inaugurado novas formas de
segmentação e de focalização de políticas, que, longe de distribuir com
‘equidade’ as ‘oportunidades educacionais’, criam novas formas de
discriminação e de subalternização. (CAMPOS, 2012, p. 98).
63

Com o crescimento e maior visibilidade dos estudos sociais da infância, alguns


trabalhos anunciam a Sociologia da Infância como referencial teórico. Contudo ainda é forte e
a presença das áreas da saúde e da psicologia quando se busca informações sobre educação e
bebês. E mesmo com a declaração da educação infantil como primeira etapa da educação
básica, ainda não se avançou o suficiente na proposta de uma educação desde o nascimento, e
o conhecimento produzido ainda prioriza os aspectos biológicos e psicológicos dos bebês,
com poucos estudos que tenham como objeto a educação, desde o nascimento, em espaços
públicos e coletivos. Concordo com Qvortrup (1999, p.12) que:
As crianças são seres humanos e não meros seres em potência. Não podem
ser vistas como ‘pessoas que serão’ e que devem ser integradas na sociedade.
Se a infância é, então, parte integrante da sociedade, deveria ser, do mesmo
modo elementar que é qualquer outro fenômeno social, tema, legítimo e
desejável, de inquéritos científico-sociais.

A esmagadora maioria dos trabalhos na área de educação infantil em que a


participação das crianças pequenas e das culturas infantis seriam os elementos centrais, foca
em outros aspectos que não permitem visualizar ou acessar as maneiras como atingem as
crianças. Apesar de se saber que elas são as que mais sofrem com as crises cíclicas do
capitalismo, com a pobreza e demais problemas causados pela incapacidade dos/as adultos/as.
As crianças pequenas – referimo-nos especificamente àquelas entre 0 e 5
anos – são as mais afetadas pela desigualdade social. Em 2009, de cada
1.000 crianças nascidas, 23,59% morriam já no primeiro ano de vida; essa
taxa chega a 48,2% em Alagoas e a 37,9% no Maranhão, taxas próximas
àquelas encontradas nos países mais pobres da América Latina, como a
Bolívia e o Haiti. (CAMPOS, 2012, p. 102).

As crianças não podem expressar suas opiniões e questionamentos, elas não são
ouvidas para decisões políticas e econômicas e o mesmo acontece nas instituições de
educação e na família. Esta escuta das crianças não significa necessariamente a materialidade
desta ação já que os bebês, embora não falem, expressam seus desejos de diferentes maneiras.
A proposta é questionar a perspectiva adultocêntrica e, assim, surge a necessidade
de discutir a correlação entre a subordinação por idade com a questão de classe, pois como
afirma Ianni (2011, p. 400):
[...] não há dúvida que a maneira pela qual se desenvolve o trabalho, a
divisão do trabalho, a distribuição do produto do trabalho, a alienação
humana, a formação de grupos sociais, de classes sociais, a distribuição do
poder econômico, do poder político, da cultura etc., que toda essa
complexidade de relações e processos instituem o mundo que é opaco. Um
mundo que é intrincado, difícil, que precisa ser questionado todo o tempo.
64

Cabe então ao/à pesquisador/a desvelar a complexidade destas relações. A


cidadania epistemológica ou o direito das crianças pequenininhas ainda não correspondem à
emancipação política da infância. Como afirma Qvortrup (2010, p.780): “Nas discussões
sobre direitos das crianças, como também sobre cidadania de maneira geral, pesquisadores e
políticos nos deixam em uma espécie de limbo e demonstram que não se pensou realmente
nas crianças”.
No capítulo a seguir, dou início à reflexão sobre a “infância como minoria” que
amplia e aprofunda a discussão sobre a participação das crianças na sociedade. Com relação à
cidadania das crianças pequeninas, esta se assemelha ao que Marx (2007) apresenta na
Ideologia Alemã, nas palavras de Tonet (2010, p. 27).

A emancipação política, expressa pela cidadania e pela democracia é, sem


dúvida, uma forma de liberdade superior à liberdade existente na sociedade
feudal, mas, na medida em que deixa intactas as raízes da desigualdade
social, não deixa de ser ainda uma liberdade essencialmente limitada, uma
forma de escravidão. A inclusão dos trabalhadores na comunidade política
não ataca os problemas fundamentais deles, pois eles podem ser cidadãos
sem deixarem de ser trabalhadores (assalariados), mas não podem ser
plenamente livres sem deixarem de ser trabalhadores (assalariados).

A cidadania das crianças é um avanço recente, pois foi adotada pela Assembleia
Geral nas Nações Unidas em 1989, mas é insuficiente e não pode ser o objetivo. A verdadeira
emancipação humana é a superação do capitalismo e da exploração, razão pela qual a
educação dos bebês na perspectiva da emancipação humana segue sendo discutida no quarto
capítulo, como tentativa de seguir o que define Ianni (2011, p. 404) quando afirma que: “ao
refletir sobre o fato, nós vamos, pela reflexão, descobrindo as determinações que constituem
esse ser social.”.
65

4. A INFÂNCIA COMO MINORIA

Ela estava sentada numa cadeira alta, na frente


de um prato de sopa que chegava à altura de seus
olhos. Tinha o nariz enrugado e os dentes
apertados e os braços cruzados. A mãe pediu
ajuda:
- Conta uma história para ela, Onélio – pediu.
– Conta você que é escritor...
E Onélio Jorge Cardoso, esgrimindo a colher de
sopa, fez seu conto:
- Era uma vez um passarinho que não queria
comer a comidinha. O passarinho tinha o
biquinho fechadinho, fechadinho, e a
mamãezinha dizia: “Você vai ficar anãozinho,
passarinho, se não comer a comidinha.” Mas o
passarinho não ouvia a mamãezinha e não abria
o biquinho...E então a menina interrompeu:
- Que passarinho de merdinha – opinou.

Eduardo Galeano

As reflexões presentes, neste capítulo, foram elaboradas a partir das categorias de


análises que emergiram do entrecruzamento, da interpretação, análise da realidade e
intersecção com o quadro teórico.
Utilizo a categoria “infância como minoria”22, minoria aqui entendida não no
sentido quantitativo, mas relativo à ausência/presença de poder político, da maneira como o
termo vem sendo utilizado historicamente pelos movimentos sociais no Brasil. São tidos
como minoritários alguns grupos como mulheres e negros, que mesmo constituindo-se em
maioria numérica não estão, com relação aos seus direitos, em igualdade social e jurídica com
as demais categorias da estrutura social.
Na definição do dicionário de sociologia:
Minoria é uma categoria de indivíduos considerados merecedores de
tratamento desigual e humilhante simplesmente porque são identificados
como a ela pertencentes. Minorias são em geral definidas em termos de
características atribuídas de status, tais como raça, sexo e meios formativos
étnicos e religiosos, bem como de status adquirido, como orientação sexual.
Ao contrário das minorias numéricas, as sociais podem constituir a maioria,
como acontece com os negros na África do Sul e as mulheres em
virtualmente todas as sociedades.

22
Conceito desenvolvido por Qvortrup (1999,2010, 2011).
66

[...]
Nos sistemas de estratificação, as minorias são importantes porque, em
contraste com a desigualdade de classe, a mobilidade ascendente para elas é
extremamente difícil, uma vez que as características em que se baseia a
posição de minoria não podem ser mudadas, embora possam ser ocultadas e
disfarçadas em graus variáveis. De modo geral, quanto mais visíveis as
características que definem a posição de minoria, mais difíceis de remediar
são os termos da desigualdade social. Nos Estados Unidos, por exemplo, a
desigualdade de sexos e racial continua a ser um problema grave, ao passo
que a desigualdade étnica desapareceu de modo geral. (JOHNSON, 1997, p.
149).

Compartilho da tese defendida por Qvortrup (2011, p. 210) de que “a infância é


uma categoria minoritária clássica, que é objeto de tendências tanto marginalizadoras quanto
paternalizadoras”. Assim, o objetivo principal, deste capítulo, é problematizar a situação de
subordinação das crianças em relação aos adultos/as em nossa sociedade, o que caracterizaria
a infância como categoria minoritária.
Sobre as razões de valer-me do arcabouço teórico da Sociologia da Infância na
fundamentação deste estudo, concordo com a afirmação de Bernard Charlot:
O verdadeiro problema não é o da relação entre a criança e o adulto, isto é
entre um indivíduo e outro indivíduo, mas o da relação entre a criança e o
mundo social adulto, com suas estruturas e suas lutas. Não é mudando
modelos éticos propostos à criança que se mudará a sociedade, é
transformando a sociedade (isto é, os modos de produção, as formas da
divisão social do trabalho, as estruturas e as relações econômicas, sociais e
políticas) que se transformarão os modelos propostos à criança, modelos que
tomarão então um sentido sociopolítico. (CHARLOT, 1979, p. 144).

Urge estudar a infância e sua relação de reciprocidade com a sociedade e, para


tanto, penso que o referencial teórico metodológico da Sociologia da Infância pode contribuir
nesta pesquisa. Também na busca por novas formas de educação que não tenham como
perspectiva o futuro, mas que se efetivem no presente, pois a vida das crianças pequenininhas
acontece agora.
Abordo algumas das contribuições da infância para a sociedade e de quais
maneiras as crianças são vistas ou, como apresentado na pesquisa realizada por Schmitt
(2008, p. 11), mesmo as professoras têm representações distorcidas sobre o que são os bebês e
de como podem desenvolver com eles, coletivamente, uma proposta pedagógica.

“Mas não dá pra fazer nada com os bebês!”, “Eu prefiro os que produzem,
os que fazem algo”, “Eu gosto dos pequenos, eles são mais calmos”, “No
berçário é só trocar e dar comida” “ Não me sinto professora” .
67

A afirmação de que os bebês não produzem é muito significativa do que é a


educação em uma sociedade capitalista em que produzir significa apenas produzir
mercadorias. Os bebês são ativos participantes da nossa sociedade e produzem e são
produzidos na cultura, atuam e interferem na vida social levando adultos/as a pensar formas
diferentes de intervir nesta realidade, como no movimento grevista com a “segunda passeata
de bebês e crianças” em que se contaminam as ações dos/as adultos/as com a cultura infantil.
A luta pela transformação radical de nossa sociedade não se encerra ou se limita à
educação, mas ela é uma das frentes de luta. A educação é um direito que, muitas vezes, dá
acesso a outros direitos. A escolha por investigar especificamente os bebês é, também, uma
forma de problematizar o discurso hegemônico de que o melhor para os bebês seria estar com
suas mães, o que vincula a maternidade à exclusão (mesmo que temporária) das mulheres da
vida pública. Questiono, assim, como faz parte do movimento feminista, se a responsabilidade
pela educação das nossas crianças não seria de toda a sociedade, como já afirmara também o
projeto “Creche urgente”23, com o primeiro fascículo intitulado “Criança – Compromisso
Social” de que a educação e cuidado é um direito das crianças assim como de suas mães e
pais. Destacada também por Rosa (2009, p.32):

Outra iniciativa importante na luta por creches foi o lançamento, no final da


década de 1980, dos Cadernos Creche Urgente, pelo CECF
juntamente com o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher. Já no
primeiro caderno – entre os sete que foram projetados e os cinco que de fato
foram publicados - destacava-se a questão da “Criança Compromisso
Social”, enfatizando tanto o direito da mulher quanto da criança à creche.

4.1 Adultocentrismo e subordinação por idade

O propósito desta pesquisa é, também, pensar em possibilidades emancipatórias


na educação das crianças pequenininhas, o que inclui investigar a complexa teia de relações
sociais tendo por perspectiva a transformação radical da sociedade em que se excluam todas
as formas de exploração e opressão.
A experiência histórica da Comuna de Paris sinalizou, na sua curta existência,
importantes rupturas com as amarras educacionais do Estado burguês em busca da educação

23
Pioneiro projeto com a intenção de orientar as políticas públicas para as crianças de 0 a 3 anos, elaborado em
parceria pelo Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM) e o Conselho Estadual da Condição Feminina
(CECF de São Paulo), no final da década 1980.
68

emancipadora. A primeira ruptura seria a laicidade educacional; a segunda. a educação para as


meninas: “só uma sociedade com vistas à emancipação poderia ter condições de destruir a
divisão sexual do trabalho, de tirar a mulher exclusivamente da esfera do privado”. Almeida
(2012, p.94) afirma:
O direito à educação dado as mulheres é parte de uma concepção política na
qual a emancipação da classe não é possível sem a emancipação de todos e
de todas que a envolvem, é concretamente superar a divisão sexual do
trabalho onde caberia à mulher o espaço única e exclusivamente do privado
(ALMEIDA, 2012, p.90)

E se a proposta é a de emancipação humana, há que considerar as esferas de


reprodução social e indagar: Como estas duas formas de subordinação por idade24 e por classe
se inter-relacionam? Elas se sobrepõem? Acumulam-se? Ou há uma hierarquia interna que
independentemente de classe social subordina todas as crianças? Estas questões estão
presentes, há muitos anos, nos estudos de Fúlvia Rosemberg, que já desenvolveu vários destes
aspectos em artigos e conferências, desde os anos de 1970 em que se confundem militância e
pesquisa. Num artigo, de 2009, “A criança pequena na agenda das políticas para infância:
representações e tensões”, ao debater sobre a paridade de gênero e raça, empresta o conceito
de não sincronia ou de hetorocronia, citando Hicks (1981) e pontua que:
[...] ao lado das hierarquias de classe, gênero, raça-etnia e nação, as
categorias etárias também configuram relações de poder. Porém, as relações
de poder não atuam de forma sincrônica, seja na trajetória social, seja na
história individual. Isto significa, por exemplo, que a busca de superação de
relações de dominação de gênero (ou classe, ou raça-etnia ou nação) pode
gerar ou sustentar relações de dominação de idade. (ROSEMBERG, 2009, p.
5).

Em outro artigo, Rosemberg e Andrade (2008, p. 437) argumentam que este


conceito pode ajudar a compreender como as desigualdades “não são sincrônicas nos diversos
campos e nos diversos momentos da vida de uma pessoa”, e destacam que os movimentos
sociais ou as pessoas, individualmente, em momentos distintos, assumem sua consciência de
classe, gênero e raça. Neste mesmo artigo, os/as autores/as reconhecem uma especificidade a
respeito do conceito de classe e citam a historiadora feminista Joan Scott, que ao discutir a
paridade entre classe, raça e gênero, afirma:

24
Cabe esclarecer que a subordinação presente nas relações entre adultos e crianças expressa a hierarquização e
a complexidade das relações de poder profundamente afetadas pelo capital. No entanto, não é o mesmo que o
antagonismo irreconciliável existente entre as classes (burguesia e proletariado).
69

[...] na verdade, eles não têm um estatuto equivalente. Enquanto a categoria


‘classe’ tem seu fundamento na elaborada teoria de Marx (e seus
desenvolvimentos ulteriores) sobre a determinação econômica e a mudança
‘histórica’, ‘raça’ e ‘gênero’ não carregam associações semelhantes. (SCOTT
(1995, p.73) apud ROSEMBERG; ANDRADE, 2008, p. 437).

Rosemberg (1996a, 2008, 2009) destaca que o modelo cumulativo não dá conta da
complexidade e contradições das diferentes formas de subordinação e, muitas vezes, “a busca
de superação de desigualdades de gênero pode ignorar, ou mesmo apoiar-se, em
desigualdades de raça” (ROSEMBERG; ANDRADE, 2008, p. 434).
Desde a 28ª Reunião da SBPC, em 1976, discutia-se a “Educação como forma de
colonialismo”. O adultocentrismo, já apontado no artigo publicado por Fúlvia Rosemberg, é
abordado em inúmeros estudos (Faria, 2005; Faria e Finco, 2011), que tratam da educação em
perspectivas que questionam as formas de educação que seguem reproduzindo e perpetuando
o pensamento colonialista.
Rosemberg (1976, p. 1.466) discute as relações entre adultos/as e crianças,
afirmando que estas não são igualitárias já que é o/a adulto/a que detém o poder. Disserta
sobre as dicotomias existentes nesta relação, pois quanto menor a criança, mais próxima da
natureza e quanto maior, mais próxima está do/a adulto/a e, portanto, da sociedade. A
educação, nesse caso, seria a mediadora nesta relação que tenta prolongar a dependência da
criança, “é assim que esta sociedade, pensada e construída em torno de, e para o adulto,
necessita criar soluções parciais para a sua própria sobrevivência, como também a da criança.
Ante a impossibilidade de adequar a sociedade centrada no adulto à criança, o adulto passa a
educá-la”. Explicita que, na educação, as relações de poder entre adulto/a e criança são tão
cristalizadas que educar pode, muitas vezes, restringir-se a apenas reprimir.
A criança está submissa aos/as adultos/as, seja na família ou na creche, pré-escola
ou escola e, na verdade, em todas as esferas da sociedade considera-se normal ou até mesmo
natural que as crianças obedeçam aos/as adultos/as. Mesmo entre os/as adultos/as que
questionam as hierarquias econômicas sociais e políticas, a naturalização da infância faz com
que esta subordinação seja a norma nem sempre questionada.
Nesta tese busco, além de destrinchar os mecanismos de perpetuação das diversas
hierarquias sociais, especialmente à de classe e do adultocentrismo presentes nas relações de
educação, encontrar os elementos que resistem e que se contrapõem a qualquer tipo de
subordinação, seja de idade, seja de classe, de gênero, de raça. Não quero, de forma alguma,
aparentar uma posição salvacionista ou de “resgate”. Trata-se de posições políticas que vão na
70

contramão da propalada neutralidade científica e que naturalizam o pensamento


adultocêntrico.
Qvortrup (2011, p. 203) argumenta que a infância não é definida pelas
características individuais e nem pela idade, mas na organização social.

[...] como uma forma estrutural é conceitualmente comparável com o


conceito de classe, no sentido da definição das características pelas quais os
membros, por assim dizer, da infância estão organizados e pela posição
assinalada por outros grupos sociais, mais dominantes.

Assim, a dominação dos/as adultos/as sobre as crianças caracteriza a sociedade


como adultocêntrica.
As crianças sempre tiveram um papel específico – a saber, o de matéria-
prima para a produção de uma população adulta. É por isso que sempre nos
referimos a elas como nosso futuro ou como a próxima geração. Essa
maneira de falar levanta inevitavelmente a suspeita de que a infância não é
nosso alvo principal, mas apenas um instrumento para outras propostas. É
uma resposta à pergunta que todos os adultos fazem a todas as crianças: o
que você vai ser quando você crescer? Tipicamente, os adultos não estão
interessados no que as crianças são enquanto crianças. (QVORTRUP, 2010,
p.787).

Para Rosemberg (1996), as reflexões teóricas sobre as diversas hierarquias


presentes na sociedade (classe, raça e gênero), muitas vezes, não consideram a subordinação
etária. Destaco que a relação entre adultos/as e crianças não exclui as demais formas de
subordinação, como as que se apresentam nas relações de gênero, classe e raça. No entanto, os
setores progressistas das ciências sociais têm buscado desmistificar o capitalismo e suas
ideologias dominantes, sendo frequentes pesquisas que tratam das contradições
patriarcado/feminismo e gênero; as relações raciais, étnicas e o colonialismo, mas muito
pouco se questiona o que diz respeito à subordinação da infância (JENKS, 2002).
O adultocentrismo, assim como todos os demais sistemas hierárquicos de
distribuição de poder, só contribui para a reprodução da desigualdade e do preconceito e
colabora para manter a ordem vigente. Para Marchi (2010, p.398), “a infância é atravessada,
no campo social, pelas relações assimétricas de poder e ação entre adultos e crianças e, no
campo científico, pela perspectiva adultocêntrica e predominantemente masculina do
conhecimento”
Rosemberg (1996) e Faria (2005) apontam que as creches e as culturas infantis
produzidas nestes coletivos podem ajudar a romper com o paradigma da sociedade centrada
no adulto e, neste contexto, Faria (2005, p. 1015) destaca:
71

[...] não foram as crianças nessa fase da vida que reclamaram seus direitos.
Foram adultos lúcidos que lutaram por eles, conquistando assim a
possibilidade do coletivo infantil, isto é, de a criança ser educada na esfera
pública complementar à esfera privada da família, por profissionais
diplomados distintos dos parentes, para a construção da sua cidadania; e de
conviver com a diversidade cultural brasileira, produzindo as culturas
infantis, entre elas e entre elas com os adultos.

Criancistas e criançólogas25, ao investigar as relações das crianças entre elas, em


espaços coletivos de educação, deram visibilidade às produções infantis e municiaram as lutas
do movimento feminista no Brasil.
Mais adiante discutirei como as crianças rompem, tanto com a centralidade no
adulto, como também quanto ao mito de que o melhor para a criança pequena é ficar em casa
com a sua mãe. As crianças no movimento grevista da USP deram um bom exemplo da
mudança desta centralidade. Na 2ª passeata, as palavras de ordem, o ritmo da caminhada, o
tempo de duração, e o formato com a finalização com um pic-nic tiraram a centralidade do
adulto.
A luta pela livre escolha com relação à maternidade seja no direito ao aborto ou
no acesso a contraceptivos, também está vinculada à responsabilidade que recai sobre as
mulheres/mães nos cuidados e na educação dos bebês. Dividir estes encargos,
responsabilidades e demandas a respeito dos filhos e filhas entre homens, mulheres e com a
sociedade de forma mais ampla é também uma das reivindicações das feministas.
Mesmo tendo sofrido muitas transformações ao longo desta trajetória histórica e
com uma diversidade que é expressa pelo plural “feminismos” até os dias de hoje, a luta pela
emancipação feminina não é desvinculada da luta pela emancipação humana e pela
transformação social. Expressa uma posição contra o eurocentrismo, o racismo, a homofobia,
a lesbofobia, o adultocentrismo, o colonialismo e demais formas de subordinação.
Assim, os cinco trabalhos que compõem o corpus anunciam atenção às relações
de classe, gênero, raça etc. sem perder a totalidade, pois, mantêm como eixo central as
discussões sobre a infância. Rosa (2009, p.69) observou que as mães da creche, por ela
investigada, por serem “mulheres encontravam-se unidas pela presença de seus filhos e filhas
na mesma creche e pelo gênero, no entanto, estavam divididas pela classe social”.

25
Neologismo recriado a partir tradução do italiano, e como se autointitulam algumas pesquisadoras e militantes
pelos direitos das crianças pequenas, no Brasil e na Itália.
72

4.2 Condição infantil / idades e grupos etários

Desde o nascimento até a morte, vivemos em estado provisório. As diversas


transformações biológicas que nos modificam ao longo do tempo ganham significados
diferentes a partir do contexto histórico e sociocultural. A visão linear e de sequência e a
periodização da vida são marcas do Estado moderno e da segregação dos grupos sociais. A
segregação não atinge apenas a infância, na sociedade brasileira as camadas médias isolam-se
em condomínios segregados do convívio com as diferenças. Há espaços reservados para cada
classe, cada idade, cada gênero, cada raça, etc.
A condição infantil seria marcada pelos aspectos fisiológicos de crescimento?
Seria a infância apenas o que precede a vida adulta ou a juventude? Ou como define Charlot
(1979, p. 253):
A criança é um ser em crescimento, sua personalidade está em via de
formação, vive num meio social adulto ao qual não está imediatamente
adaptada: essas observações são válidas para toda criança, para qualquer
civilização e para qualquer classe social a que pertença; definem o que pode
chamar uma condição infantil. (CHARLOT, 1979, p. 253, grifo meu).

O que significaria uma personalidade adulta? Que saberes e conhecimentos


definem o que é personalidade? O objetivo é uma pessoa adaptada ao meio social? A
provisoriedade é uma marca da própria vida, então, porque só a infância e a juventude trazem
esta aura de tempo de passagem? Pois, como afirmam Delgado e Müller (2005, p. 351):

[...] o caráter inacabado da vida dos adultos é tão evidente quanto o das
crianças. Assim, as crianças e os adultos devem ser vistos como uma
multiplicidade de seres em formação, incompletos e dependentes, e é preciso
superar o mito da pessoa autônoma e independente, como se fosse possível
não pertencermos a uma complexa teia de interdependências.

O recorte etário que define o período da vida que denominamos infância tem
variações culturais e legais que podem se restringir a alguns aspectos, como a participação
política ou até a completa responsabilidade civil e criminal.
As muitas subdivisões etárias são nomeadas de diversas maneiras e expressam
conhecimento de diferentes áreas, além de disputa entre estas, até mesmo por mercado
profissional. Termos como “primeira infância”, “pré-adolescência” ou “adolescência” são
carregados de representações e construções teóricas da psicologia do desenvolvimento que
73

não fundamentam esta pesquisa, pois pressupõem fases ou etapas preparatórias para a vida
adulta considerada como o ápice da vida humana.
(...) nós somos animais incompletos e inacabados que nos completamos e
acabamos através da cultura. (...) Nossas ideias, nossos valores, nossos atos e
até mesmo nossas emoções são, como nosso próprio sistema nervoso,
produtos culturais – na verdade, produtos manufaturados a partir de
tendências, capacidades e disposições com as quais nascemos e não obstante
manufaturados (GEERTZ, 1989, p.36).

Cada momento da vida traz consigo discursos e definições de tempos e espaços


apropriados para cada grupo. A definição de primeira infância comporta propostas
pedagógicas para este grupo específico.
O que chamamos de ‘pequena infância’? A bem da verdade, esse recorte é
arbitrário e depende muito dos dispositivos institucionais voltados para a
infância, das representações que a eles estão associadas e do ‘mercado’
profissional orientado para tal ou tal faixa etária (PLAISANCE, 1994;
GARNIER, 1999). Nas recentes evoluções que afetam os países industriais
desenvolvidos, a escolarização de crianças antes da idade obrigatória cresceu
a tal ponto que, nos organismos internacionais, a noção muito ambígua de
‘educação pré-escolar’ foi substituída pela expressão mais geral de
‘educação da pequena infância’ (ou pela contração educare, em língua
inglesa, que alia educação, atenção, cuidados e guarda) e recobre diferentes
idades e instituições. (PLAISANCE, 2004, p. 222).

Chamboredon e Prévot (1986) diferenciam as instituições que priorizam a guarda


ou aspectos pedagógicos ou culturais com foco central nas questões de classe, sem apontar a
diferenciação etária.
No Brasil, a diferenciação de classe é partilhada pela etária, pois são as creches as
responsáveis pelo atendimento das crianças de 0 a 3 anos e a educação e os cuidados, a
alimentação, a higiene e o sono, são fundamentais para o bem-estar da criança que permanece
um maior número de horas (até dez horas/ doze horas diárias) na instituição. A guarda
aparece, então, vinculada a uma questão de classe, pois as trabalhadoras das camadas menos
favorecidas são também as que trabalham maior número de horas e necessitam que as
crianças permaneçam nas creches por um período maior de tempo.
As mães operárias entrevistadas por Schifino (2012)26, revelaram que elas
valorizavam o profissionalismo das docentes e a creche como um lugar de convívio com os

26
Reny Scifoni Schifino assim como Clélia Virginia Rosa, pesquisaram “o chão da creche” fazendo uma
referência ao “chão da fábrica”, entrevistando mães operárias no primeiro caso e creche de empresa no segundo.
74

pares, afirmando o reconhecimento e a legitimidade da creche como um bom lugar para


deixar as crianças.
Segundo Ariès (1981), na Idade Média europeia, as crianças compartilhavam da
vida adulta logo após o desmame, que acontecia tardiamente, por volta dos sete anos. A
segregação e restrição a espaços próprios para a infância ocorreu progressivamente
demorando alguns séculos para se concretizar. Destaca-se que a infância que passa a ser alvo
dos cuidados, como descrito por Ariès, abrange os recém-nascidos que ganharam a atenção da
Igreja, que pregava contra o infanticídio e criava práticas direcionadas aos bebês, como o
incentivo ao batismo.
Então, além de guardá-las e de garantir-lhes a vida, cabe agora também
educar as crianças para o futuro, e é essa uma grande novidade trazida pelo
capitalismo: outro jeito de viver precisa ser ensinado e aprendido desde a
tenra idade, já que se trata de uma nova maneira de viver, onde o tempo de
trabalho define uma nova mentalidade. (FARIA, 2002, p. 65).

Neste sentido, a escola como local destinado às crianças foi constituída como um
espaço especializado no controle e na disciplina, uma instituição “especializada em produzir
adultos” e que, para tanto, transforma a criança em aluno/a (NARADOWSKI, 2001). As
teorias de socialização das crianças também são construídas na perspectiva de adaptação a
regras e normas do mundo adulto, e da infância como um tempo de preparação, quase que um
ensaio do que virá.
As instituições escolares, progressivamente, apresentam-se, assim, como um
importante elemento de segregação das crianças. Este parece ser um movimento ainda em
expansão, tanto com a ampliação e antecipação dos anos de escola obrigatórios, como com a
ampliação do tempo que as crianças passam confinadas nas escolas, seja como uma
alternativa mais segura para as camadas populares, cujos/as adultos/as ficam muitas horas
longe de casa pelo número de horas necessárias para ganhar o seu sustento, aliadas às
dificuldades de transporte, seja pelo argumento de que mais tempo supriria as carências e
falhas na educação. O fato é que a escola de tempo integral 27 está, atualmente, em debate na
esfera brasileira.
A lógica formal e o pensamento científico são elementos principais da educação
escolar, que tem a meritocracia com um dos seus principais eixos, o que exclui a arte e as
diversas expressões características da infância. Os focos na produtividade e nos aspectos

27
Uma das metas do Plano Nacional de Educação (PNE) é oferecer educação em tempo integral em, no mínimo,
50% das escolas públicas, de forma a atender, pelo menos, 25% dos(as) alunos(as) da educação básica.
75

cognitivos deixam do lado de fora da escola as diversas dimensões e possibilidades do ser


humano.
Rosemberg (1996) aponta que a vinculação das ciências, particularmente das
teorias desenvolvimentistas da psicologia, às teorias evolucionistas e darwinistas que têm a
visão da evolução como um processo contínuo de exclusão e seleção do mais forte, afirmam
que o/a adulto/a seria como o ápice do desenvolvimento. Faria (2005, p. 1.014) argumenta
que:
[...] deve-se considerar uma infância que, como toda fase da vida, é
provisória, construída, e fica incorporada nas próximas fases. Nesse
movimento, todos somos ‘um vir a ser’ e também o que somos hoje e o que
fomos ontem, concomitantemente.

Jenks (2002, p. 190) a respeito da infância, argumenta que há “experiências que


tornam esta categoria ‘normal’ e rapidamente transformável em categoria ‘natural’ (tal como
acontecia com as categorias gênero e raça).” Parte destas experiências é o fato de que todos
os/as adultos/as já foram um dia crianças e o fato de termos várias delas ao nosso redor,
convivendo conosco. Rosemberg (2010, p. 3) acrescenta que:
As concepções sobre as etapas da vida de uma dada sociedade são
influenciadas e influenciam a produção de conhecimentos sobre o humano e
o social, de forma equivalente às concepções sobre gênero e raça-etnia, por
exemplo. Assim, de forma equivalente ao que aconteceu com as mulheres, os
negros e os indígenas, as crianças, os adolescentes e os jovens eram
desconsiderados ou naturalizados pelas Ciências Humanas e Sociais, pela
Psicologia, Antropologia, Sociologia, História, Ciência Política, Saúde,
Economia.

Qvortrup (1999) sinaliza que a fronteira entre a infância e a juventude teria como
marca o fim do período de escolarização obrigatória. Esta realidade também se apresenta no
Brasil. No entanto, por aqui, a antecipação do ingresso no ensino fundamental é uma das
ameaças à infância. A inclusão das crianças de 6 anos no ensino fundamental, talvez tenha
sido a primeira ofensiva neste sentido. A segunda ofensiva veio por meio da Emenda
Constitucional n. 59, de 11 novembro de 2009, que alterou o artigo 208, que em seu inciso I
estabeleceu a “educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de
idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na
idade própria.”
A institucionalização e a escolarização são marcas que definem a infância na
sociedade. Essa questão é fundamental, pois nesse contexto, a escolarização avança sobre as
76

crianças mais novas, com a antecipação da idade escolar obrigatória ou com rotinas
escolarizadas desde a creche.
Outra marca é a subordinação que vem atrelada aos rituais da instituição escolar à
disciplina e ao controle. Guattari (1987, p. 53) alerta que estas estão sendo antecipadas e que a
creche já seria a iniciação aos ditames da ordem capitalista com o objetivo de “extirpar da
criança, o mais cedo possível, sua capacidade específica de expressão e em adaptá-la, o mais
cedo possível, aos valores, significações e comportamentos dominantes”.
No Brasil contemporâneo a distinção entre creche e pré-escola se apresenta como
um recorte etário que define políticas públicas e ações do Estado. A tendência ao
desaparecimento da separação “entre o lactente ou criança muito pequena, objeto de cuidados
ou de atenção higiênica, que pode frequentar a creche e a criança em idade de ir à escola
maternal ou ao jardim de infância, objeto de atenção pedagógica”, apontada por
Chamboredon e Prévot (1986), não se concretiza em nossa realidade, muito ao contrário, a
antecipação da escolarização e as tentativas de relegar os bebês ao assistencialismo vêm
mobilizando a sociedade civil a lutar de diferentes formas pela educação das crianças
pequenas, reivindicando creches e o direito à educação desde o nascimento.
77

5. OS BEBÊS E A EMANCIPAÇÃO
Nada é impossível de mudar

Desconfiai do mais trivial, na aparência singelo.


E examinai, sobretudo, o que parece habitual.
Suplicamos expressamente: não aceiteis o que é de
hábito como coisa natural, pois em tempo de desordem
sangrenta, de confusão organizada, de arbitrariedade
consciente, de humanidade desumanizada, nada deve
parecer natural nada deve parecer impossível de mudar.

Bertolt Brecht

5.1 Emancipação humana – omnilateralidade

O termo omnilateral vem do latim e significa “todos os lados ou dimensões”


Frigotto (2012, p.265) englobando na formação humana todas as dimensões ou
especificidades humanas tanto nas condições objetivas quanto subjetivas. Destaca o fato de
não existir uma essência humana, mas que cada subjetividade é construída em determinadas
condições sóciohistóricas.
Embora não tenham escrito uma teoria pedagógica, Marx e Engels expressam suas
ideias a respeito do tema com críticas contundentes à educação burguesa e à sua
fundamentação na propriedade privada dos meios de produção, sua centralidade na divisão
social do trabalho e sua alienação, o que limita o desenvolvimento humano.
A omnilateralidade e a emancipação humana passam, portanto, pelo fim da
propriedade privada e prevê “a formação de um homem que se considere como membro da
coletividade internacional constituída pela classe operária em luta contra o regime e por uma
vida nova, por um regime social em que as classes sociais não existam mais” (PISTRAK,
2011, p.24).
A reflexão aqui apresentada reconhece os limites de atuação e da educação em
uma sociedade capitalista, mas, como ensina Ítalo Calvino (1990, p.150):
O inferno dos vivos não é algo que será; se existe, é aquele que já está aqui,
o inferno no qual vivemos todos os dias, que formamos estando juntos.
Existem duas maneiras de não sofrer. A primeira é fácil para a maioria das
pessoas: aceitar o inferno e tornar-se parte deste até o ponto de deixar de
percebê-lo. A segunda é arriscada e exige atenção e aprendizagem contínuas:
procurar e reconhecer quem e o que, no meio do inferno, não é inferno, e
preservá-lo, e abrir espaço.
A intenção é discutir a emancipação humana ou a busca pela omnilateralidade, no
sentido que propôs Marx, a partir de duas de suas obras A ideologia alemã (2007) e Os
78

manuscritos econômico-filosóficos (2010) em que aponta que esta unilateralidade tem como
pano de fundo a alienação do trabalho, afirmando que:
O homem se apropria da sua essência omnilateral de uma maneira
omnilateral, portanto como um homem total. Cada uma das suas relações
humanas com o mundo, ver, ouvir, cheirar, degustar, sentir, pensar, intuir,
perceber, querer, ser ativo, amar, enfim todos os órgãos da sua
individualidade, assim como os órgãos que são imediatamente em sua forma
como órgãos comunitários, são no seu comportamento objetivo ou no seu
comportamento para com o objeto a apropriação do mesmo, a apropriação
da efetividade humana; o seu comportamento para com o objeto é o
acionamento da efetividade humana; (por isso ela é precisamente tão
multíplice (vielfach) quanto multíplices são as determinações essenciais e
atividades humanas), eficiência humana e sofrimento humano, pois o
sofrimento, humanamente apreendido, é uma autofruição do ser humano.
(MARX, 2010, p.108).

Significa pensar a formação humana desde o nascimento e não a partir de uma


tomada de consciência feita de uma forma intelectualizada, pois:
[...] os diversos sons que os bebês produzem – frequentemente desprezados
pelos observadores ocidentais que os consideram somente ruídos sem
sentido – podem ser considerados significativos em determinados lugares.
Prestar atenção aos sons que eles produzem, se são compreendidos – e como
o são – pelas pessoas em sua volta, poderia proporcionar uma pesquisa
intelectualmente produtiva.(GOTTLIEB, 2009, p.320)

Embora a irracionalidade ou a falta da linguagem oral seja uma das razões para
distanciamento das pesquisas com bebês, Gottlieb (2009, p. 326) destaca “o quanto os
antropólogos privilegiam os sistemas racionais do pensamento sobre outros modos de
experimentação da vida.”
A proximidade das mulheres e crianças, abordada em capítulo anterior, é agora
ressaltada por seus aspectos positivos em que a luta pela libertação da mulher repercute de
forma positiva na educação coletiva dos bebês. São as lutadoras as que mais podem ensinar a
lutar. A creche tem em sua origem na luta social pelos direitos da mulher e tem, na sua origem
e fundação, elementos libertários.
A função social da instituição de educação infantil não é a de preparação para a
escola de ensino fundamental, mas a de cuidar e educar das crianças pequenas (de 0 a 5 anos e
11 meses) em sua integralidade, em uma perspectiva sócio histórica de formação omnilateral,
compartilhando esta educação e cuidado com as famílias.
Em razão de não ter como foco a transmissão de conhecimento fundamentada na
aula, a educação infantil traz com força a possibilidade de uma educação não escolarizada e,
que por isso mesmo, não se restringe aos aspectos cognitivos.
79

Entendemos que a educação infantil é um campo múltiplo de ideias que têm


suas raízes nas práticas cotidianas e em lugares sociais diferenciados e
relacionados a estruturas e concepções de poder. Chauí (l990) nos diz que a
ideologia é um corpo sistemático de representações e de normas que nos
"ensinam" a conhecer e a agir. É dentro desta concepção que construímos o
entendimento de que o ato de educar é um acontecimento político do qual
sempre nos falou Paulo Freire em suas inúmeras obras. Assim, entendemos
que o educador, ao atuar com a criança, o faz de um lugar mais ou menos
crítico, renovador ou conservador. (NUNES, 2009, p. 91).

Nos espaços da creche e pré-escola ainda há a possibilidade de apropriação dos


saberes historicamente construídos, de forma ampla, sem a sua compartimentação em
disciplinas. “Na escola, a relação de aprendizagem estabelecida privilegiou os processos
instrucionais, caracterizados pela unilateralidade” (NASCIMENTO, 2012, p. 59).
As crianças têm o direito de usufruir do patrimônio histórico e cultural e também
o direito de ter respeitada a sua especificidade uma vez que sua forma de estar no mundo é
caracterizada pela ludicidade.
A criança representa alguma coisa diferente, ou mais bela, ou mais nobre, ou
mais perigosa do que habitualmente é. Finge ser um príncipe, um papai, uma
bruxa malvada ou um tigre. A criança fica literalmente ‘transportada’ de
prazer, superando-se a si mesma a tal ponto que quase chega a acreditar que
realmente é esta ou aquela coisa, sem, contudo perder inteiramente o
‘sentido da realidade habitual’. Mais do que uma realidade falsa, sua
representação é a realização de uma aparência: é ‘imaginação’, no sentido
original do termo. (HUIZINGA, 2008, p. 17).

A complexidade de pensar e fazer concomitantemente, proporcionada pela


brincadeira, que, como Harvey (2013) tão bem pontuou, faz das crianças pequenas seres
dialéticos e é esta capacidade que paulatinamente vai sendo destruída pela compartimentação
do conhecimento. Assim como a separação entre o trabalho manual e intelectual que constitui
a alienação.
No texto sobre o trabalho alienado, nos Manuscritos, Marx afirma num
determinado momento que o operário encontra-se separado de sua dimensão
universal, de membro do gênero humano. Como Marx caracteriza o homem,
enquanto membro do gênero humano? Como aquele que é governado
também pelas leis da beleza, e que se põe diante da natureza, seu corpo
inorgânico, como alguém que cria e usufrui livremente, podendo se entender
por “livremente” não apenas a condição de não subordinação à necessidade
imediata de sobrevivência e à determinação da natureza, mas, também à
necessidade gerada historicamente de transformar os objetos naturais em
fontes de riquezas, mercadorias etc.. Apenas nessa situação todos os sentidos
receptivos e ativos estão juntos, e operam de uma forma realmente humana,
os ouvidos humanos são capazes de ouvir música, os olhos são capazes de
contemplar a beleza, o gosto que escolhe o alimento pelo prazer e não pela
necessidade de se alimentar é um gosto propriamente humano; da mesma
forma ao desenvolver as faculdades do pensar, do imaginar no campo da
80

criação artística, da criação científica, artesanal o homem realiza plenamente


sua natureza genérica. (PIOZZI, 2015, p.136)

No Brasil, as creches têm suas origens muito ligadas, num primeiro momento, à
filantropia e num segundo momento, como reivindicação dos movimentos sociais,
particularmente do movimento feminista. Historicamente é defendida pelos movimentos
socialistas como uma possibilidade de libertação feminina, de forma que as mulheres possam
trabalhar também fora de casa e participar da vida política e pública, com a necessidade de
que a educação das crianças seja assumida pelo Estado, assim como também sinaliza com
criação de outros serviços como lavanderias e restaurantes públicos. Portanto, com novas
formas de vida e organização social.
Defendo a tese de que, ainda hoje, a creche e a pré-escola constituem-se como
possíveis espaços de resistência ao capital, pois além de possibilitar a participação das
mulheres no campo público e político. A pedagogia na creche, ao não compartimentar o
conhecimento nas disciplinas escolares, ao não segmentar tanto o tempo, propicia às crianças
pequenininhas um pensamento dialético e complexo capaz de questionar as verdades e o
pensamento hegemônico.
Diferente da escola, a creche apresenta nas suas origens um elemento libertário
que é a luta pela emancipação feminina e a militância pelos direitos das crianças à educação
desde o nascimento. A pedagogia da infância, segundo Barbosa (2010, s/n)
[...] emerge de uma acumulação científica da área da educação que passa a
criticar a reprodução de modelos educativos reducionistas e conservadores
de educação/ensino, produção/transmissão de conhecimentos, vida
coletiva/sala de aula e crianças/alunos.

E aos poucos foi tomando características contestatórias da disciplina e do controle


que a escola, de um modo geral, impõe às crianças. Encontro na indissociabilidade entre o
cuidar e educar, aspectos que poderiam caracterizar a busca por uma educação integral.
No contexto desta pesquisa, observei que as tarefas realizadas pela
professora e pelas auxiliares de sala não eram diferenciadas, elas
compartilhavam naturalmente todas as ações de cuidado e educação. Com
isso demonstraram uma compreensão, por vezes verbalizada pelas
profissionais, de que os bebês são seres integrais, de corpo e mente, em
constante relação educativa com elas. Ambas realizavam qualquer tarefa, a
troca de fraldas, a alimentação, o banho... Organizavam um cantinho para
as crianças dormirem, acalentavam, propunham histórias e brincadeiras
conjuntamente. (SCHMITT, 2008, p.117)
81

A indissociabilidade é indicada como um princípio na legislação e também na


produção acadêmica na área da educação infantil e apresenta-se com várias configurações por
vezes afirmativas, como apontada por Schmitt: “compreensão da integralidade das ações
pedagógicas de cuidado e educação”, mesmo em um espaço em que há professoras e
auxiliares.

5.2 As classes sociais e a formação humana

A formação-educação não é e nem poderia ser a mesma para as duas classes.


Desta maneira é preciso explicitar que esta pesquisa tem o foco nas análises sobre as
possibilidades de formação para a classe trabalhadora.
O trabalho doméstico é necessário para a conservação e reprodução da capacidade
de trabalho, pois quanto menos esforço se despender para a manutenção da sua vida, maior
força produtiva do/a trabalhador/a estará disponível para a exploração pelo capital. Assim, a
educação das crianças pequenininhas é, em última instância, um trabalho para o capital
realizado pelas mulheres que também inclui a perpetuação da classe trabalhadora por seus
descendentes, segundo o conceito de produção antroponômica28 (BERTAUX, 1979). “Os
produtores diretos das crianças são suas mães. A ordem de classe assim o quer, impondo uma
divisão de tarefas no seio das famílias” (BERTAUX, 1979, p.75-76).
[...] as crianças que vêm ao mundo nas famílias de uns e de outros. As filhas
de rendeiras serão parecidas com as filhas das comerciantes? A diferenciação
das crianças é tanto mais fácil de perceber porquanto no começo,
comerciante e rendeiras pertencem a mesma aldeia e ao mesmo meio. É
portanto a posição de classe que produz em cada uma das práticas diferentes,
que produz a pessoa através das práticas. E as mulheres, por sua vez
enquanto mães, segundo sua posição de classe, produzirão seus filhos
diferentemente. (BERTAUX, 1979, p.180)

O direito das crianças pequenininhas à educação em espaços públicos e coletivos


assim como outras “questões importantes, postas em termos de direitos, não podem ser
resolvidas se não forem formuladas em termos de luta de classes” (HARVEY, 2013, p. 137).
Ou seja, o cuidado dos bebês tem relação direta com a luta de classes, pois a reprodução do
trabalhador passa necessariamente pela manutenção da vida de sua prole sendo este, portanto,
um campo de lutas.

28
Trata-se do sistema de produção/reprodução/distribuição e consumo de seres humanos. Daniel Bertaux (1979)
cunha este termo e utiliza o conceito em seus estudos sobre a distribuição social.
82

A escolha por narrar o episódio de participação das crianças pequenininhas em


uma greve deu-se por ser este um momento de grande tensão, em que a luta de classes
apresenta-se de forma mais acirrada.
Pistrak (2011, p.34), pedagogo russo, no inicio do século XX já argumentava que
“É preciso nunca perder de vista que as crianças não se preparam para se tornar membros da
sociedade, mas já o são tendo já seus problemas, interesses, objetivos, ideais já estando
ligadas à vida dos adultos e do conjunto da sociedade.”
O reconhecimento das crianças pequenininhas como membros da sociedade e
pensados no presente é de fato revolucionária e esteve presente nos planos da Comuna de
Paris, que definiu também que:
A educação deveria ser pública, gratuita, obrigatória e laica para todos e
todas. As meninas teriam acesso à educação formal, algo inédito na história
universal. Mesmo os países capitalistas mais avançados não haviam ainda
chegado a esta elaboração no que se refere à educação das massas.
(ALMEIDA, 2012, p.89)

Com a duração de 72 dias e restrita também em seu território, a Comuna trouxe a


perspectiva de uma pedagogia omnilateral, mas que devido às limitações de tempo e luta não
foram colocadas em prática, o que não minimiza o seu grande valor, pois, como afirma Marx
(2010, p.76)

Uma revolução social se situa do ponto de vista da totalidade porque –


mesmo que aconteça apenas em um distrito industrial – ela é um protesto do
homem contra a vida desumanizada, porque parte do ponto de vista do
indivíduo singular real, porque a comunidade, contra cuja separação o
indivíduo reage, é a verdadeira comunidade do homem, é a essência humana.

Guardadas as devidas proporções, a greve é também “um protesto contra a vida


desumanizada” e é um espaço formativo para os/as trabalhadores/as e, também para as
crianças, uma possibilidade educativa e de reconhecimento de seu pertencimento de classe.
Como apontado pela professora, em depoimento gravado momentos antes da saída em
passeata:

A ideia desta passeata é além de resgatar a história da creche, que começou


com uma passeata e por isso esta é chamada de ‘A segunda passeata’. É que
as crianças também participem deste momento que é muito significativo para
a educação delas. Pois, entendemos que a greve educa e, portanto queremos
incluir as crianças neste movimento de educação. E a passeata vem neste
sentido, de que as crianças brinquem e participem de dentro da greve,
pensando que a criança está sendo educada. (Profª Cida da Creche Central)
83

Fotografia 11- Crianças brincam em frente à creche momentos antes de passeata.

Existe ainda, como destaca Bufalo (1997), o fato das crianças de 0 a 6 anos
raramente trabalharem como assalariadas e, portanto, serem consideradas improdutivas para o
sistema capitalista. Entretanto, o capitalismo necessita do trabalho infantil e não tem
escrúpulos quando se trata de criar mais valia e acumular lucro, assim o trabalho infantil
persiste. É neste mesmo sistema que são as crianças, principalmente as menores, as que mais
sofrem com o impacto das políticas econômicas e sociais. As famílias com filhos/as menores
são as com maior dificuldade econômica:

[...] proporções se elevam para famílias com crianças menores, confirmando


a maior vulnerabilização das famílias que se encontram no primeiro ciclo
familiar. Tomando-se a informação de renda de forma individualizada,
19,3% das crianças, adolescentes e jovens até 17 anos de idade no Brasil
viviam com até ¼ salário mínimo, em 2009, e 45,6%, com até ½ salário
mínimo per capita. Enquanto nas Regiões Sudeste e Sul as proporções das
que viviam com até ¼ salário mínimo são inferiores a 10%, nas Regiões
Norte e Nordeste, alcançam, respectivamente, 25,0% e 35,2% (Tabelas 6.26
e 6.27). (IBGE, 2009, p.157)

A mercantilização da educação atinge as crianças pequenininhas que são alvos


diretos de ações políticas dos organismos internacionais (Banco Mundial, Unicef etc.), muitas
vezes. Com argumentos vinculados a concepções higienistas, desenvolvimentistas,
individualistas e universalizadas. É outra questão de fundo que pode ser pensada a partir da
obra de Marx.
84

As crianças são também atingidas com políticas neoliberais como o


“neotecnicismo” que, segundo Freitas (2012), está presente nas escolas brasileiras com
bastante alcance desde os anos de 1990. Esse é o principal projeto dos empresários para a
educação, cuja intenção é aplicar na instituição escolar as estratégias de gestão e métodos das
empresas privadas capitalistas. O “adaptado” sistema de gerenciamento é focado nos
resultados e engloba a responsabilização, com a presença maciça dos testes padronizados e a
divulgação pública dos resultados alcançados. Desta forma, vincula-se também à
meritocracia, uma vez que premia quem obteve melhores resultados e pune o considerado
baixo desempenho.
Nesta perspectiva, o sucesso é sempre colocado como fruto do esforço individual,
desconsiderando o contexto ou os pontos de partida. Vai além, pois tenta apresentar como
“naturais” ou inevitáveis características de uma sociedade desigual e discriminatória.
Os testes padronizados, um dos principais elementos da responsabilização, já
atingem as crianças de 7 a 8 anos de idade por meio da Avaliação Nacional de Alfabetização
(ANA) aplicada no 3º ano, além da Provinha Brasil aplicada no 2º ano do ensino fundamental.
O exame, mais que o programa, define a pedagogia do docente. O objetivo
que a pedagogia burocrática lhe propõe não é o enriquecimento intelectual
do aluno, mas seu êxito no sistema de exames. O melhor meio para passar
nos exames consiste então em desenvolver o conformismo, submeter-se: isto
é chamado de “ordem”. Portanto, colocam-se três objetivos ao docente:
conformidade ao programa, obtenção da obediência e o êxito nos exames.
(TRAGTENGBERG, 1976, p.15)

O Plano Nacional de Alfabetização (PNAIC), oficializado pela medida provisória


586/2012, além de se valer dos testes em grande escala a descritos, prevê ainda “um sistema
informatizado para inserir os resultados da Provinha Brasil de cada criança, o que deve ser
feito pelos professores – antes, os resultados ficavam conhecidos apenas dentro da escola”29.
Também é anunciada a possibilidade de prêmios para escolas e docentes com melhores
resultados.
A competitividade presente na sociedade capitalista contamina, assim, os anos
iniciais do ensino fundamental e deixa em segundo plano a responsabilidade de atualização
histórico-cultural dos cidadãos e das cidadãs e sua preparação para a vida em sociedade. A
escola não deveria submeter-se ao capital. Mas, como afirma Freitas (2012), “as nossas salas
de aula são extremamente eficientes na obtenção do objetivo para o qual foram criadas, em

29
Informação disponível em:: <http://www.todospelaeducacao.org.br/comunicacao-e-
midia/noticias/24884/entenda-como-funciona-o-pacto-nacional-pela-alfabetizacao-na-idade-certa/>. Acesso
em: 30 jan. 2014.
85

atendimento à própria estruturação do capitalismo, ou seja, formar para a subordinação, para a


obediência”. Tragtenberg (1976, p.17) acrescenta:
A inculcação não se dá pelo discurso mas através de práticas de exercícios
escolares onde a nota equivale ao salário, recompensa pelo trabalho
realizado. Da mesma maneira que o mercado do trabalho é regulado pela
competição, no interior da escola ela é cultuada nos sistemas de promoção
seletivos. O aluno é obrigado a estar na escola e é livre para decidir se quer
ou não, ter êxito ou não, como o indivíduo é livre ante o mercado de
trabalho.

A dissertação de Bufalo (1997) questiona “A quem serve e para que serve a


disciplina nas instituições educacionais?” e problematiza que a creche, embora não tenha o
peso tão grande da disciplinarização como a escola do ensino fundamental e a obrigatoriedade
desta etapa, também pode reproduzir os sistemas de poder, hierarquização e subordinação.
Mesmo que não reproduza de forma tão explícita como está presente nos “exercícios
escolares”, a creche reproduz a desigualdade da sociedade capitalista e seus mecanismos de
manutenção da ordem vigente, pois está inserida nesta sociedade desigual.
O argumento principal da meritocracia é que as desigualdades de origem
poderiam ser superadas pelo esforço e talento individuais. Mas,
[...] ao afirmar a igualdade de oportunidades e incentivar a competição, sem
considerar que os diversos grupos sociais têm diferentes acessos à cultura
acadêmica, fornece aos alunos e alunas experiências de discriminação e
classificação que ‘naturalizam’ as diferenças sociais e econômicas e, deste
modo, incentiva a concorrência e o individualismo. (MACEDO, 2010, p.
15).

A privatização é apontada por Freitas (2012) como a terceira categoria do projeto


neoliberal para a educação. A sociedade civil organizada tem perdido esta batalha. Outro
grande golpe veio com a reforma da administração pública que, com a Emenda Constitucional
19, de 1998, instituiu o conceito de “público não estatal”30 o que possibilitou a transferência
de recursos estatais para empresas privadas.

30
Concepção muito disseminada nos anos 1990, no Brasil, o público não estatal deu forma a uma das principais
medidas das reformas educacionais no período, a saber, a transferência de atividades realizadas pelo Estado ao
setor privado. O pressuposto do público não estatal é de que o Estado é burocrático, ineficiente e ineficaz na
execução de serviços públicos como a educação, deixando o setor privado encarregado de oferecer tais
serviços, para o qual recebe recursos estatais. Como se trata de um serviço para grandes contingentes
populacionais, convencionou-se chamar de “público”; e já que é executado pelo setor privado supostamente
sem fins lucrativos (confessional, filantrópico ou comunitário), então público não estatal. Disponível em:
<http://www.histedbr.fae.unicamp.br/navegando/glossario/verb_c_publico_nao-estatal%20.htm>. Acesso em:
30 jan. 2014.
86

Em muitos países, encontramos a inclusão das crianças de 0 a 3 anos na


modalidade ‘não escolarizada’, e seu provimento tem ficado a cargo de organizações sociais,
de natureza privada, que atuam sob a chancela do poder público, ‘prestando esse serviço’ para
as comunidades. (CAMPOS, 2012, p. 99-100).
Rosemberg (1986) aborda a questão das creches comunitárias, que se caracterizam
como programas emergenciais, em espaços improvisados e com mão de obra sem formação
profissional. Vinculados ao assistencialismo, sem assistência, pois preconizam que os
problemas que afetam as camadas desfavorecidas economicamente deveriam ser resolvidos
pela própria comunidade, convocada ao trabalho voluntário e à busca por recursos
financeiros, mas não à participação nos processos decisórios. Porém, algumas experiências de
creches organizadas pela luta popular podem representar uma possibilidade classista e
emancipatória em que a resistência e força da coletividade fazem com que o “feitiço vire
contra o feiticeiro”.
Mas a privatização vai além da legislação e ocupa a mente das pessoas. Anderson
(1995, p. 23) aponta que “o neoliberalismo alcançou êxito num grau com o qual seus
fundadores provavelmente jamais sonharam, disseminando a simples ideia de que não há
alternativas para os seus princípios, que todos, seja confessando ou negando, têm de adaptar-
se às suas normas.”
O discurso hegemônico do neoliberalismo é enfrentado também pelas mulheres e
mães que se deparam com a afirmação insistente de que o melhor é que as crianças fiquem em
casa com as mães, embora inúmeras pesquisas ressaltem que é importante para as crianças
viver e conviver com seus pares.
Essas ações apresentam-se como tentativas de padronizar, normatizar e controlar a
formação das novas gerações. As classes menos favorecidas economicamente são justamente
as que ficam à mercê dessas tentativas de homogeneização, avaliações e consequente
exclusão.
A relação entre a educação infantil pública e o mundo político fundamenta-
se nas determinações sócio-históricas que ocorrem dentro de um emergente
padrão de proteção social – o surgimento de creches e pré-escolas –
destinado às classes trabalhadoras, sob determinada forma de apreensão
ideológica e cultural, especialmente dirigida às mulheres trabalhadoras e a
seus filhos pequenos. A história da educação infantil voltada para os filhos
dos trabalhadores tem sido desenvolvida através de práticas redutoras e/ou
rotuladoras das diferenças sociais que se materializaram, ao longo dos anos,
em ambientes funcionais à reiteração de relações sociais paternalistas e
autoritárias. (NUNES, 2009, p. 87).
87

Neste jogo de forças, a creche e a pré-escola resistem e a organização do tempo e


dos espaços ainda não sucumbiu totalmente ao “capitalismo disciplinar, no qual os/as
trabalhadores/as têm de ser socializados e disciplinados para aceitar a lógica espaço-temporal
do processo de trabalho capitalista.” (HARVEY, 2013, p. 148).
[...] tempo é o espaço (room) do desenvolvimento humano. Um homem que
não tem tempo livre, de que disponha, um homem cuja vida inteira − afora
as interrupções meramente físicas pelo sono, refeições etc. − esteja absorvida
pelo seu trabalho para o capitalista, é menos que uma besta de carga. É uma
mera máquina de produzir riqueza alheia, derreada no corpo e embrutecida
no espírito. (MARX, 2008, p. 78).

A relação humana com o tempo é completamente transformada pela sociedade


capitalista e afetou a infância transformando-a em um tempo de preparação para a vida adulta
e para o trabalho, mas, por vezes, também a preserva como tempo de liberdade e de vida.
[...] as atividades lúdicas das crianças – esses momentos maravilhosos
dedicados a brincar, seja sozinha, seja em companhia de outras crianças, de
animais, ou mesmo adultos – são atividades onde o se produz a se consumir;
mas o que ele consome é a energia bruta, facilmente renovável, ao passo que
o que produz são capacidades: capacidades sensoriais e motoras,
conhecimentos sobre o mundo ambiente, percepção de si dentro deste mundo
etc. Escutamos muitas vezes que o jogo é uma atividade gratuita, uma
atividade que nada produz. Mas o jogo produz o jogador; o jogo produz as
relações interpessoais entre os jogadores; o jogo, enfim, motiva em cada um
a aprendizagem do comportamento ‘em sociedade’, a aprendizagem das
relações sociais. (BERTAUX, 1979, p. 56-57).

A Pedagogia da Infância foi se constituindo como uma pedagogia da escuta, em


que a articulação entre o cuidar e educar proporciona um currículo organizado de forma
interdisciplinar na contramão do que Harvey descreve sobre o sistema de ensino:
Uma das coisas curiosas do nosso sistema de ensino, a meu ver, é que,
quanto melhor for seu treinamento numa disciplina, menos habituado ao
método dialético você será. De fato, as crianças pequenas são muito
dialéticas, veem tudo em movimento, em contradição e transformação.
Temos de fazer um esforço enorme para que elas deixem de pensar
dialeticamente. (HARVEY, 2013, p. 21-22).

Esta é uma das razões pelas quais criancistas e criançólogas veem na Pedagogia
da Infância possibilidades de resistência, pois como afirma Nascimento (2013) “Educação não
é escolarização”.
Como os filhos das camadas menos favorecidas economicamente podem ser
educados e preparados para que sejam lutadores?
[...] A tarefa daqueles que querem o reencontro dos seres humanos com a sua
humanidade cindida e perdida implica no combate sem tréguas aos valores
88

mercantis da competição, do individualismo, do consumismo, da violência e


da exploração sob todas as formas [...] (FRIGOTTO, 2011, p.268)

A fragmentação e o seu antagonismo à omnilateralidade são parte da divisão


social do trabalho que separa a força de trabalho dos meios de produção. A divisão entre
trabalho intelectual e trabalho braçal e a alienação vão ser o ponto fulcral dos processos
educativos marcados pelo caráter de classe.
A fragmentação que se opõe à omnilateralidade está presente no dia a dia das
creches e aparece nas pesquisas, como constatado por Schmitt (2008, p.50):
Uma das questões citada pelas pesquisas é a tensão entre as ações de cuidar
e de educar. Apesar de as primeiras serem anunciadas como indissociáveis
da segunda, as pesquisas identificam uma fragmentação nas ações dos
profissionais, ao relegarem a segundo plano tarefas ligadas a higiene,
alimentação e sono. Essas ações na maioria dos casos se revelam sem
planejamento e sem preocupação pedagógica, como indicam as produções
analisadas. Em decorrência dessa dissociação entre as ações de cuidado e
educação, observa se também uma alienação quanto ao ato de planejar o
cotidiano.

As profissionais que cuidavam das crianças como amas de leite ou empregadas


domésticas foram aceitas para este trabalho considerado “natural” e de menor importância que
era cuidar de bebês. Ao longo do tempo foram se profissionalizando, valorizando e fazendo
com que se reconhecesse o valor de seu trabalho.
Esta luta por reconhecimento aparece também na dissertação de Rosa (2010,
p.65), na fala das professoras entrevistadas: ‘“A gente tem a esperança de que o trabalho seja
dignamente reconhecido, que elas percebam a nossa intencionalidade em tudo o que a gente
faz”.
Ao falar na intencionalidade de tudo o que se faz na creche, a professora
entrevistada fazia referencia às ações de cuidado, também expressando a dicotomia e
hierarquização entre corpo e mente já discutida a partir da reflexão sobre a divisão social do
trabalho no capítulo anterior e reafirmada no depoimento da colega: “A gente não está aqui só
para dar comida e trocar fralda”.
Com relação à ideia, para as camadas populares que frequentavam a creche, não
havia uma proposta pedagógica. Kuhlmann Jr. (2005) se contrapõe afirmando que ao
contrário, no Brasil, este viés assistencialista apresenta elementos de uma pedagogia da
submissão com uma concepção educacional carregada pela disciplina e controle social.
Marcada pelo improviso e adaptação das instalações e pela ausência de profissionais
89

formados, a educação das crianças pequenininhas se caracterizaria por uma educação pobre
para os pobres.
As origens proletárias das crianças investigadas também são uma exceção, pois
muito embora as crianças da América latina, África e Ásia sejam em número muito maior,
não constituem o modelo que é teoricamente universalizado e difundido. Este modelo
corresponde às crianças europeias e estadunidenses brancas e de camadas médias.
Com o defende Santos (2014, p.32) “cabe problematizar como os discursos das
políticas públicas direcionadas à educação infantil tomam como fundamento as
epistemologias eurocêntricas que produzem a ideia de totalidade, homogeneidade,
hierarquia”. Pois como destaca a pesquisadora, os estudos que tratam das crianças do Sul do
mundo, muitas vezes, as abordam a partir desta perspectiva adultocêntrica e eurocêntrica e
quando vinculadas às questões de classe, vêm carregadas de adjetivos “pobres,
“abandonadas”, “vulneráveis”, “em situação de risco”. O que leva de volta ao primeiro tópico
deste capítulo e faz pensar no vínculo entre a submissão e a invisibilidade epistemológica.
90

6. A PARTICIPAÇÃO DAS CRIANÇAS NA CONSTRUÇÃO DA SOCIEDADE

Os homens fazem sua própria história, mas não a


fazem como querem; não o fazem sob
circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas
que se defrontam diretamente, legadas e
transmitidas pelo passado. A tradição de todas as
gerações mortas oprime como um pesadelo o
cérebro dos vivos. E justamente quando parecem
empenhados em revolucionar-se a si e às coisas
em criar algo que jamais existiu, precisamente
nesses períodos de crise revolucionária, os
homens conjuram ansiosamente em seu auxilio os
espíritos do passado, tomando-lhes emprestado
os nomes, os gritos de guerra e as roupagens, a
fim de apresentar-se nessa linguagem
emprestada.
Karl Marx

6.1 A criança entre a participação e a segregação

Na sociedade capitalista contemporânea, o cotidiano das crianças é cada vez mais


separado do mundo dos adultos. Elas pouco participam da vida pública passando grande parte
do tempo em instituições destinadas à infância. O discurso que justifica esta segregação quase
sempre é pautado na necessidade de preparação das crianças para a vida adulta; na
incapacidade e imaturidade das crianças para tratar de assuntos sérios como economia e
política ou na proteção das crianças da dura realidade presente nestes assuntos. No entanto, há
contradições entre a proteção e a participação das crianças na política e pouco se fala das
contribuições das culturas infantis.
Qvortrup (2010) aborda a questão da ambiguidade com que a infância é tratada
com relação à atuação política. Afirma que alguns estudiosos da infância, como Garbarino31 e
Wolgers32, defendem que as crianças sejam protegidas dos perigos e da complexidade da
política e da economia e que elas sejam separadas do mundo adulto. Enquanto outros, como

31
GARBARINO, J. Can american families afford the luxury of childhood? Child Welfare, Arlington, v.65, n.2,
p.119-128, 1986.
32
ZELIZER, Viviana. Pricing the priceless child [Dar um preço à criança sem preço], 1985.
91

Benedict33 e Ariès34, lamentam o espaço que as crianças perderam, por estarem cada vez mais
segregadas da vida social na contemporaneidade.
O pesquisador dinamarquês Qvortrup ressalta o direito à participação das crianças
presente na Convenção sobre os Direitos da Criança, ratificada por alguns países e em vigor
no Brasil, desde de 23 de outubro de 1990 e, que em seu art. 2, define:
Os Estados-partes assegurarão à criança que estiver capacitada a formular
seus próprios juízos o direito de expressar suas opiniões livremente sobre
todos os assuntos relacionados com a criança, levando-se devidamente em
consideração essas opiniões, em função da idade e maturidade da criança
(BRASIL, 1990)

Assegurar à criança o direito de formar suas próprias opiniões e o direito de


expressá-las livremente sobre “todos os assuntos relacionados com a criança” leva à pergunta:
Quais os assuntos que não estão relacionados com as crianças, já que elas estão no mundo?
Elas participam da vida em sociedade e são afetadas pelas decisões tomadas pelos adultos.
(QVORTRUP, 1999, 2010, 2012).
O mesmo autor aponta que a Convenção das Nações Unidas (ONU) sobre os
direitos das crianças envolve a proteção, provisão e participação (denominados três Ps). No
entanto, em nome da proteção, muitas vezes, a participação das crianças é cerceada, ou
quando estão presentes em alguns eventos de ordem política, suas mães ou responsáveis são
acusados de as expor às situações de conflito e risco. Porém, pouco se questiona o fracasso
dos/as adultos/as com milhões de crianças em todo o mundo, com relação ao terceiro “P” o
direito de provisão (considerando que é dever dos adultos fornecer os meios para sua
subsistência, manutenção da vida e bem-estar).
Qvortrup (2010) afirma que impedimos a participação das crianças no que é um
dos principais direitos em qualquer sociedade, dita democrática, o direito de votar e eleger
seus representantes. Assinala que pautamos esta restrição na imaturidade ou incapacidade das
crianças. Quem garante ou atesta a maturidade política dos/as adultos/as?
[...] é preciso fazer três perguntas: se a competência é o principal critério
para votar, é seguro então que todas as pessoas politicamente incompetentes
são impedidas de votar, independente da idade? A sociedade seria
prejudicada se crianças fossem eleitores? A criança (ou as crianças)
sofreria(m) algum dano, injustiça ou iniquidade por não terem acesso às
urnas? (QVORTRUP, 2010, p.781).

33
BENEDICT, R. Continuities and discontinuities in cultural conditioning. Psychiatry, Arlington, v. 1, n. 2, p.
161-167, 1938.
34
ARIÈS, P. Barndommens historie. København: NNF Arnold Busck, 1982.
92

As mulheres da mesma forma já foram impedidas de votar com argumentação


semelhante, o que também não deixa dúvidas de que a visão adultocêntrica e as relações de
poder assimétricas entre adultos e crianças certamente influenciam na exclusão das crianças
dos processos decisórios.
A proteção e a participação, muitas vezes, apresentam-se como paradoxos da
relação entre a sociedade adulta e sua relação com as crianças. De modo geral, todos
concordam que é preciso oferecer e ensinar às crianças o significado de liberdade e
democracia, no entanto, o que oferecemos a elas é cada vez mais controle, disciplina e
administração. (QVORTRUP, 1999).
Um destes momentos que expressam estas relações paradoxais foi descrito pelo
movimento “Advogados Ativistas” que, em 14/4/2014, publicou em sua página na internet35 a
notícia: “Justiça do RJ concede salvo-conduto a crianças e adolescentes em manifestação”. O
salvo-conduto, foi um habeas corpus preventivo, para um grupo de crianças e adolescentes
que, acompanhados de seus familiares, acampavam em frente à prefeitura da cidade do Rio de
Janeiro, depois de serem desalojados por ordem judicial de reintegração de posse do terreno
em que moravam na denominada “Favela do Oi”. O objetivo do habeas corpus era que as
crianças e jovens menores de idade não fossem levados a abrigos e afastados de suas famílias.
Percebe-se, aqui, a contradição e a ambivalência com que a infância é tratada nesta sociedade.
Sob a argumentação de proteger as crianças, que estavam desabrigadas por uma ação do
próprio Estado, a polícia teve a intenção de retirá-las de perto dos seus entes queridos,
levando-as a abrigos e instituições para menores de 18 anos, cerceando seus direitos e
impedindo-as da participação como cidadãs, de manifestar-se em espaço público.
A excelentíssima Srª Luciana de Oliveira Leal Halbritter, juíza de direito, afirmou
em sua sentença que “cabe ao Poder Público reassentá-los, e não retirar as crianças e
adolescentes de suas famílias” também reconhecendo e preservando os direitos “de
participação na vida política e comunitária” das crianças acampadas.
Em sua sentença apresenta inclusive os artigos do ECA que definem:
Art. 15. A criança e o adolescente têm direito à liberdade, ao respeito e à
dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como
sujeitos de direitos civis, humanos e sociais garantidos na Constituição e nas
leis. Art. 16. O direito à liberdade compreende os seguintes aspectos: I – ir,
vir e estar nos logradouros públicos e espaços comunitários, ressalvadas as

35
Disponível em: <http://advogadosativistas.com/justica-do-rj-concede-salvo-conduto-a-criancas-e-
adolescentes-em-manifestacao/>.
93

restrições legais; II – opinião e expressão; III – crença e culto religioso; IV –


brincar, praticar esportes e divertir-se; V – participar da vida familiar e
comunitária, sem discriminação; VI – participar da vida política, na forma da
lei; VII – buscar refúgio, auxílio e orientação. Art. 17. O direito ao respeito
consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança
e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da
autonomia, dos valores, ideias e crenças, dos espaços e objetos pessoais.

A participação política das crianças e jovens apresenta-se como uma questão para
debate na atualidade, pois o Conanda, órgão deliberativo e controlador das políticas de
promoção, proteção e defesa dos direitos da criança e do adolescente no Brasil, em novembro
de 2013, após as grandes manifestações de junho do mesmo ano, expediu uma nota pública
com a intenção de nortear o sistema de garantia de direitos e orientar tanto a sociedade quanto
o Estado brasileiro, a fim de “assegurar a garantia do direito à liberdade, à livre expressão da
população infanto-juvenil nas manifestações públicas”:
Considerando que as manifestações das ruas e em espaços públicos, à luz da
democracia moderna brasileira, são legítimas para construção de uma
plataforma de reivindicação visando à efetivação de políticas públicas
existentes e futuras voltada para o interesse republicano da sociedade,
fortalecendo também a implementação de políticas públicas integrais
voltadas para a infância, adolescência, suas famílias e a comunidade, como
previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente; (CONANDA, 2013).

No mesmo ano em que as crianças estavam acampadas em frente à sede do


governo municipal do Rio de Janeiro, outro fato chamou a atenção com a presença das
crianças em atividades políticas. Na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) houve um
grande mal-estar que encerrou a reunião da Congregação que discutiria exatamente a
reivindicação de creches feita pelos representantes estudantis. A celeuma ocorreu devido à
presença de “quatro crianças, filhas de ativistas do movimento de creche e de uma
representante discente na Congregação”. Segundo as informações publicadas em página da
internet36, as crianças acompanhavam suas mães porque participariam de atividades culturais,
na própria Universidade.
A creche como garantia de acesso e permanência, principalmente das mães-
trabalhadoras na universidade, é pauta do movimento estudantil. Apesar disto, segundo o
relato da representante discente, as mães foram duramente acusadas de irresponsabilidade por
trazerem crianças para um “ambiente inapropriado”. É provável que as crianças julguem o

36
Disponível em:<http://blogueirasfeministas.com/2014/07/movimento-de-luta-por-creche-publica-na-
unifesp/>.
94

ambiente acadêmico como desinteressante e tedioso e é óbvio que não era o melhor lugar em
que poderiam estar, mas o movimento por creches cobra que a responsabilidade sobre a
educação das crianças não recaia apenas sobre os ombros das mulheres, mas que seja
compartilhada com toda a sociedade.
Qvortrup (2010, p. 785) alerta que “a infância é involuntariamente – gostemos ou
não – parte da sociedade e da política social. Qualquer esforço para excluí-la ou mantê-la à
margem é ilusório”, pois elas são afetadas por todas as decisões políticas “inclusive as que
não visam à infância.”

Fotografia 12 – Reintegração de posse no Pinheirinho- São José dos Campos, 2012.


95

Fotografia 13- Ação policial em reintegração de posse – Pinheirinho.

A participação das crianças na luta de classes e a infância, vista como parte da


estrutura social, remetem, mais uma vez, aos estudos de Ariès37 (1981, p. 74) que indicam que
no processo de constituição e fortalecimento do sentimento de infância houve uma
aproximação entre as crianças e as camadas populares. Descreve que os/as adultos/as da nova
classe burguesa preocupavam-se em se aproximar da aristocracia e cultivavam práticas que,
de alguma forma, os distinguissem da população despossuída enquanto mantinham seus jogos
e festas em conjunto com as crianças. “Essa coincidência nos permite entrever desde já uma
relação entre o sentimento de infância e o sentimento de classe”. Aponta, assim, para uma
aproximação e um paralelismo na constituição dos dois fenômenos, de distinção e de
hierarquização: adulto/criança e burguesia/proletariado.
As crianças pequenininhas têm contribuições, ainda, com respeito às outras
formas de opressão, como no que se refere às questões de gênero. Em suas observações,
Coutinho (2010, p.195) traz o gênero como uma das categorias de análise apontando que:
“por mais que tenhamos a ideia de que as estruturas sociais determinam papéis e funções
específicas para homens e mulheres, as ações de meninos e meninas também atuam sobre
esta determinação, questionando, reordenando e modificando-as.”
37
É preciso ressaltar as diferenças entre a cultura europeia e as culturas do Sul (América Latina e África) em que
as crianças ocupam originalmente uma centralidade na organização social. Entretanto, com as desigualdades
inerentes ao capitalismo, as crianças são as primeiras a sofrer. Em Madagascar (costa sudoeste da África) mais
de três em cada quatro crianças vivem em extrema pobreza. Muitas estão sendo abandonadas pelas famílias
logo após o desmame (por volta dos 5 anos) vivendo pelas ruas até que provem ter condições de proverem o
próprio sustento, caso sobrevivam são recebidas novamente em seu grupo familiar. (Relato feito por meninas
integrantes do Bloco de Percussão Feminina Malagasy (Madagascar) em São Paulo, agosto/2014).
96

6.2 A produção de culturas infantis

O termo cultura, em si, expressa conceitos tão distintos e complexos que se


poderia fazer todo um estudo só tentando delimitar ou definí-lo. Para explicitar a que estou
me referindo quando utilizo a palavra cultura ou seu plural (culturas), compartilho do
conceito, teorizado por Clifford Geertz, de cultura como “sistemas de significados criados e
compartilhados histórica e socialmente em função dos quais damos forma, ordem, objetivo e
direção às nossas vidas”. Não dirigido por padrões culturais– sistemas organizados de
símbolos significantes – o comportamento do homem seria virtualmente ingovernável, um
simples caos de atos sem sentido e de explosões emocionais, e sua experiência não teria
praticamente qualquer forma. A cultura, a totalidade acumulada de tais padrões, não é apenas
um ornamento da existência humana, mas uma condição essencial para ela – a principal base
de sua especificidade. (GEERTZ, 1989, p.33)
Qual seria, então, a diferença entre as culturas produzidas pelos/as adultos/as e as
que denominamos de culturas infantis? E por que destaco as culturas produzidas pelas
crianças? Para Fernandes (2004, p.246), “existe uma cultura infantil – uma cultura constituída
de elementos culturais quase exclusivos dos imaturos e caracterizados por sua natureza lúdica
atual”.
A idealização da criança e de suas fases de desenvolvimento com determinantes
biológicos está diretamente ligada a uma visão de natureza humana, dominante no iluminismo
e contestada por Geertz (1989, p.35) que afirma “não existir o que chamamos de natureza
humana independente da cultura”. O autor aponta, ainda, que não há uma única cultura pois
são inúmeros os sistemas de significados criados historicamente.
O reconhecimento das especificidades do que é ser criança e das suas formas
particulares de ser e estar no mundo é o esforço a que dou continuidade e uma das razões
pelas quais escolhi dialogar com estudos, como o de Schmitt (2008, p.13), que:
[...] considera a categoria social infância como susceptível de ser analisada
em si mesma, que interpreta as crianças como atores sociais de pleno direito
e interpreta os mundos de vida das crianças nas múltiplas interações
simbólicas que elas estabelecem entre si e com os adultos. (grifo meu)

Os modos de ser criança trazem no lúdico, na imaginação e na fantasia papéis de


destaque e que unificam e se expressam na categoria infância. A respeito das culturas infantis,
Bufalo (1997, p.35) define a criança não apenas como um indivíduo pertencente a grupos
97

dotados de uma cultura particular, “mas também como pessoa capaz de intervir no processo
histórico como um todo”.
Em sua dissertação, Prado (1998, p.106) descreve um episódio em que é
convidada por Bia (uma criança pequenininha) a participar da brincadeira de faz de conta e a
assumir o papel da mamãe que fazia comidinha de areia (local em que se desenvolvia a
brincadeira) que era identificada pelas crianças como salada e arroz.

Depois, Bia, juntamente com Isabela (que também assumiu com a colega, o
papel da mamãe na e da brincadeira) enchiam as pás com areia e pedrinhas
e me ofereciam seguidamente, como que me alimentando. Eu abria a minha
boca a cada aproximação das pás, depois a fechava como que mastigando e
engolindo as comidinhas. Isabela oferecia-me outro balde vazio, então
transformado em caneca, e dizia:
I: Agora o suco.
Assim, repeti o movimento imaginário, desta vez, bebendo o suco
oferecido, enquanto Isabela, carinhosamente, passava as mãos em meus
cabelos dizendo:
I: - Bebe tudo, viu, filhinha!
Depois, Bia foi quem falou:
B: - Agora vai deitar, filhinha.

As crianças têm na ludicidade uma das formas de organizar e expressar o


pensamento, considerando que:
Pensar consiste não nos ‘acontecimentos na cabeça’ (embora sejam
necessários acontecimentos na cabeça e em outros lugares para que ele
ocorra), mas num tráfego entre aquilo que foi chamado, por G. H. Mead e
outros, de símbolos significantes – as palavras, para a maioria, mas também
gestos, desenhos, sons musicais, artifícios mecânicos como relógios, ou
objetos naturais como joias – na verdade, qualquer coisa que esteja afastada
da simples realidade e que seja usada para impor um significado à
experiência. ( GEERTZ, 1989, p.33)

A brincadeira é a principal linguagem das crianças e alguns autores/as se


aproximam das culturas infantis por terem como objeto de estudo o lúdico, como o já citado
Huizinga (2005, p.33), que entende o lúdico como parte da experiência humana
caracterizando-o pela existência das regras, pela delimitação de tempo e espaço, pela
supressão da realidade e pela voluntariedade:
[...] o jogo é uma atividade ou ocupação voluntária, exercida dentro de certos
e determinados limites de tempo e espaço, segundo regras livremente
consentidas, mas absolutamente obrigatórias, dotado de um fim em si
mesmo, acompanhado de um sentimento de tensão e alegria e de uma
consciência de ser diferente da vida cotidiana.
98

A suspensão da realidade cotidiana vinculada ao brincar é expressa também na


concepção da brincadeira como algo inútil ou perda de tempo, em oposição ao trabalho. Esta
“ruptura com as significações da vida cotidiana” está presente na brincadeira de faz de conta.
Já justifiquei que a escolha, neste estudo, foi pelas pesquisas que reconhecem a
participação ativa dos bebês e crianças pequenininhas na sociedade, como fez Coutinho (2010
p.ix, grifos meus): “O objetivo do estudo é conhecer a ação social dos bebês no contexto da
creche, tendo especificamente a preocupação em identificar a recorrência e o modo como
ocorrem tais ações sociais”, coadunando com o que propõe Barbosa (2014, p.647),

[...] compreender a condição social da infância e as relações das crianças


com os adultos e das crianças entre si – como também dos estudos realizados
sobre a(s) Pedagogia(s) da Infância, com o intuito de formular propostas
educativas que tenham como ênfase o protagonismo infantil e a agência das
crianças nas culturas por elas produzidas.

É a partir do século XVI que, segundo os estudos de Ariès (1981), há indicações


do desenvolvimento de novos sentimentos em relação à infância que vão culminar por volta
dos séculos XVII e XIX com o acompanhamento da ascensão da nova classe burguesa. Até
então, as crianças tão logo fossem desmamadas, compartilhavam a vida pública. Entretanto,
paulatinamente, foram excluídas do espaço público e da política.
As práticas sociais foram também sofrendo transformações e muitas das
brincadeiras e jogos coletivos compartilhados por todas as idades e classes passaram a ser
“coisa de criança” e do povo pobre. Ariès (1981, p.74) conclui que: “é notável que a antiga
comunidade dos jogos se tenha rompido ao mesmo tempo entre as crianças e os adultos e
entre o povo e a burguesia. Essa coincidência nos permite entrever desde já uma relação entre
o sentimento da infância e o sentimento de classe.”

Toda a infância, a infância de todas as condições sociais, era submetida ao


regime degradante dos plebeus. O sentimento de particularidade da infância,
de sua diferença com relação ao mundo dos adultos, começou pelo
sentimento mais elementar de sua fraqueza, que a rebaixava ao nível das
camadas mais inferiores (ARIÈS, 1981, p.118).

Em princípio, o sentimento da infância foi algo privado, vinculado à família e teve


como característica o “mimo” ou a “paparicação” e ais tarde veio a preocupação com a
disciplina e a moralidade. Assim, no decorrer dos séculos XVI e XVII, foram publicados
99

vários manuais de civilidade que reforçavam preceitos morais e a ideia de um mundo infantil
separado do mundo adulto.
O movimento de reordenação da vida social sob a burguesia conduziu à
redefinição das relações entre categorias socioculturais (diversidade/uniformidade) e políticas
(autonomia/controle), provocando efeitos decisivos sobre a infância. (PERROTTI, 1982). À
medida que foi avançando e privilegiando aspectos de privatização da vida social, a cultura
burguesa foi impondo relações culturais que crianças e jovens até então pareciam
desconhecer.
A brincadeira ou a ludicidade anteriormente descritas como expressões das
culturas infantis também foi fruto de uma longa construção histórica que, mais uma vez,
aproxima os pobres e as crianças. Ariès (1981, p.74) conclui:
Partimos de um estado social em que os mesmos jogos e brincadeiras eram
comuns a todas as idades e classes. O fenômeno que se deve sublinhar é o
abandono desses jogos pelos adultos das classes sociais superiores, e
simultaneamente a sua sobrevivência entre o povo e as crianças dessas
classes dominantes.

As culturas infantis não se constroem no vazio; elas são um dos componentes da


totalidade estando em relação direta com o que é produzido pelos jovens, adultos/as e velhos.
As crianças estão no mundo e não em um mundo à parte. O mesmo afirma Brugère (1998,
p.7) a respeito da cultura lúdica: “ela não existe pairando acima de nossas cabeças, mas é
produzida pelos indivíduos que dela participam”.
A todo momento, as crianças estão em contato com artefatos culturais diversos.
Desde os produzidos intencionalmente para as crianças, como com a cultura adulta com a qual
interagem, negociam e interpretam e dão novos significados. Florestan Fernandes (2004,
p.246) destaca alguns aspectos da apropriação e vínculos entre as culturas adulta e infantil.

Boa parte dos elementos constitutivos da cultura infantil são restos de


romances velhos, hoje transformados em jogos cênicos, como ‘A Noiva’,
‘Organdão’, ‘Juliana’ etc.; ou antigas danças coreográficas, como ‘A Canoa
Virou’, o ‘Picoton’, ‘Passei pela Barca’, ‘Ciranda a Roda’ etc. Todas essas
composições são antigas. Os romances velhos datam do século XVI, mas há
composições anteriores, e outras mais recentes (danças coreográficas), do
século XVIII. Todas essas composições restringem-se aos círculos dos
adultos e só posteriormente passaram para os grupos infantis. Transferiram-
se por aceitação, como falamos, aos grupos infantis e através desse
mecanismo do ‘aprendi na rua’ conservam-se até hoje, séculos ou dezenas de
anos depois, conforme a composição. O notável, nisso tudo, é que a maioria
dessas composições já desapareceu entre os adultos, mesmo em Portugal,
permanecendo, entretanto, entre as crianças. É verdade que, em alguns casos,
várias dessas composições se apresentam muito modificadas, irreconhecíveis
100

quase, quanto à forma; também é certo que se deslocaram – no tempo e no


espaço – de meio e de posição, (de Portugal para o Brasil e dos grupos de
adultos para os infantis); contudo, conservaram a mesma função social,
congregando os valores sociais e tradicionais padronizados e os
transmitindo, pela recreação, aos indivíduos, membros da mesma sociedade.
Neste caso, são as crianças que, dessa forma, asseguram a continuidade
tradicional; através dos elementos da sua cultura, continuidade essa posta em
crise pelo desaparecimento absoluto ou parcial daqueles traços na cultura
adulta.

Discuto aqui as culturas infantis e anteriormente explorei também a Sociologia da


Infância, pois elas (as crianças) são subjugadas socialmente, razão pela qual a sociologia
ganha este adjetivo “da infância”. As expressões e produções culturais da infância estão
dentre as culturas subordinadas.
Portanto, a valorização das manifestações culturais infantis é um ato
político. Enquanto não se compreender com maior clareza o teor da relação
infância-política, dificilmente poder-se-á apreender com a devida nitidez a
questão da produção cultural pelas crianças, já que esta produção diz
respeito à infância e a todo ser humano independente da sua
idade.(BUFALO, 1997, p.35)

A subordinação da infância contribuiu, ainda, para a pouca visibilidade de uma


história das crianças e da infância e das especificidades das culturas infantis como as histórias
sobre seres fantásticos e mitológicos que fazem parte do cotidiano de crianças em várias
partes do mundo. Rituais vinculados à infância exploram o fantástico com lendas contadas às
crianças. Corsaro (2011) aponta as rotinas culturais como um apoio que permite que as
crianças lidem com o imprevisto, com os conflitos, contradições e ambiguidades ainda na
segurança do ambiente amigável. Fadas, bruxas, Papai Noel e outros mitos e lendas ocidentais
constituem um repertório das histórias contadas para as crianças.
A imaginação e o trânsito entre realidade e fantasia são bastante explorados pelas
crianças. Ariès (1981) descreve que o uso de fantasias ocorria também entre os adultos que,
inclusive, gostavam de serem retratados desta maneira, vestindo trajes e utensílios escolhidos
para se expressarem. Esta foi mais uma das atividades que passaram a ser exclusivas de
crianças.
Como já destaquei, em capítulo anterior, com a afirmação de Harvey (2013), as
crianças têm um pensamento dialético e para analisar a sua participação social é preciso
também pensar assim e desprender-se do pensamento binário e cartesiano; disponibilizar-se
para outras formas de expressão do pensamento. As crianças são capazes de fazer e pensar
várias coisas ao mesmo tempo. Como fez o menino Vinícius, no vídeo “Brincaço”, quando
101

lhe foi perguntado sobre o que sentia mais falta em razão da creche estar fechada e em greve e
ele responde, quase que choramingando:“ Eu estou sentido mais falta... ; dos meus amigos...;
e do meu grupo também”.
Mas, ao mesmo tempo, ele demonstra estar atento ao que acontece ao seu redor.
Astuto e capaz de estabelecer relações entre o que visualiza e outros conhecimentos que
possui, chama a atenção da sua mãe para algo que, num primeiro momento, parece fora do
contexto e diz: “Mãe! Olha! Um chapéu de Viking!”
Havia no espaço uma pessoa com um chapéu de Viking, e Vinícius, ao mesmo
tempo que conversava com a mãe, que dava a entrevista, percebeu a presença do artefato e
relacionou-o com sua origem (talvez mitológica), chamando a sua atenção para o fato.
As questões vinculadas à comunicação com os bebês e suas múltiplas linguagens
aparecem de várias maneiras nas teses e dissertações escolhidas para analise. O próprio título
“Mas eu não falo a língua deles!” (Schmitt (2008, p.10) problematiza a pesquisa com crianças
pequenininhas e a dificuldades de compreensão e análise do que elas podem e têm a
contribuir:
[...] foi inspirado na fala de uma menina de5 anos, que me respondeu dessa
forma quando lhe sugeri para conversar com um menino de 6 meses, para
convidá-lo a sair de meu colo, interrompendo sua insistência de tomá-lo por
força. Com tom irritado, de quem fala algo óbvio, ela me respondeu: “ –Mas
eu não falo a língua dele!” “ – Mas que língua ele fala ?” retruquei-lhe. “–
Ora, de bebê!”, finalizou ela.

A fala da menina “- Mas eu não falo a língua dele” é semelhante à frase que
inicia o texto de Larrosa (2001, p.183) “As crianças, esses seres estranhos dos quais nada se
sabe, esses seres selvagens que não entendem nossa língua.”
As 99 outras formas de comunicação das crianças pequenininhas38 são exploradas
como categorias nos trabalhos analisados. Bufalo (2007) apresenta um capítulo intitulado “A
linguagem pele-pele e sua importância na Educação Infantil” em que explora a sensibilidade
necessária para entender e se comunicar com os bebês sem palavras e cita a afirmação de
Mauss (p.417): “O corpo é o primeiro e o mais natural instrumento do homem. Ou, mais
exatamente, sem falar de instrumento: o primeiro e o mais natural objeto técnico, e ao mesmo
tempo meio técnico, do homem, é seu corpo.”

38
Referência ao poema “Cem linguagens” de Loris Malaguzzi.
102

O corpo emerge na tese de Coutinho (2010, p.107) como uma categoria, uma
possibilidade de comunicação e linguagem expressiva e ação social. Uma educação
omnilateral não exclui o corpo e as crianças pequenininhas expressam a resistência de
diversas formas, como aponta Santiago (2014, p.49) “Os choros, as rebeldias e as brigas
expressavam como as crianças negras percebiam o racismo presente nas posturas pedagógicas
adotadas, explicitando que não aceitavam os enquadramentos que as fixavam em posições
subalternas na sociedade.”.
103

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Das utopias

Se as coisas são inatingíveis? ora!


Não é motivo para não querê-las?
Que tristes os caminhos se não fora
A mágica presença das estrelas!

Mario Quintana

Como foi explorado ao longo do texto desta tese, as crianças pequenininhas/bebês


participam direta e indiretamente da construção da realidade social desde o seu nascimento,
seja transformando as relações sociais do seu entorno, seja construindo a realidade social.
A participação das crianças na vida política foi sendo restringida com o seu
confinamento aos espaços institucionais, aos quais é atribuída a função de torná-las adultas e,
assim, as crianças têm a sua presença cada dia mais vinculadas às escolas ou aos espaços
domésticos. Como afirma Perrotti (1990, p. 92):
A cultura produzida pela infância livremente nos espaços públicos foi
progressivamente sendo assimilada pelos espaços privados à medida que a
urbanização e a vida burguesa avançavam. [...] Sem poder brincar livremente
pela cidade, a criança perde não apenas o espaço físico, mas, sobretudo,
altera estruturalmente suas condições de produzir e de se relacionar com a
cultura, com a sociedade, com a vida política.

As relações entre adultos e crianças e das crianças entre elas são assuntos ainda
polêmicos, explorados na área da educação, com objetivo de entender como elas aprendem
para a proposição de propostas pedagógicas.
A participação política das crianças quase sempre é tida como pura exploração
dos adultos e daquilo que pensam, mas o que percebi, ao longo deste estudo, é que as crianças
constroem a realidade social e interferem direta e indiretamente nas relações de classe e,
ainda, atuam no ciclo capitalista da produção; reprodução; circulação; distribuição e consumo.
Como afirma Corsaro, “os adultos, naturalmente, são rápidos para descartar
ideias, conhecimentos e contribuições da cultura das crianças o tempo todo” (Corsaro, 2011,
p.65). E a infância, como minoria, sofre de forma acentuada com a desigualdade social, com a
segregação e restrições à sua participação política.
Ao se abrir para ouvir as crianças percebe-se que elas têm outros tempos e outras
formas de organizar o pensamento o que, muitas vezes, traz soluções inesperadas e não
pensadas pelos /as adultos/as para as questões. Como o fez a criança apresentada por Tonucci,
104

no livro Quando as crianças dizem – Agora chega, que propôs que também os/as adutos/as
tivessem tempo livre para brincar com as crianças. Existiria perspectiva mais revolucionária
que esta? Não é esta a reivindicação da classe trabalhadora há mais de um século, de que seja
reduzida a jornada de trabalho?
Os bebês e crianças pequenininhas ao terem a sua educação em espaços coletivos
também participam de várias maneiras do processo de emancipação das mulheres. Aqui vou
destacar as intersecções entre a emancipação das mulheres e crianças que, pelo menos
minimamente, explorei nesta tese.
Ao compartilhar a educação dos bebês com as creches, as mães têm a
possibilidade de dispor do tempo para a participação política e para a vida pública e não
somente para a exploração do seu trabalho, como propõem algumas políticas assistencialistas
que vinculam o direito à creche ao trabalho da mãe.
Os bebês que frequentam a creche vivenciam a experiência de serem tratados
como cidadãos de pouca idade e não como propriedade privada de “sua família”. Vivenciam a
vida em coletividade e aprendem a compartilhar, como destacam as mães operárias (Olimpia
e Genária) entrevistadas por Schifino (2012, p.130-131-133): “[...] lá, a educação é diferente
[...] a criança não vai se sentir exclusiva”. Destacam a importância da frequência à creche e da
aprendizagem e as razões pelas quais indicam que outras famílias também compartilhem a
educação das crianças pequenininhas: ”a criança aprende a se comportar no meio das outras
crianças [...] fica mais ativa, ela aprende a dividir as coisas [...] minha criança, sabe, atravessa
a rua sozinha, eu não preciso atravessar junto”.
As culturas infantis trazem contribuições para a emancipação humana com a
resistência aos padrões de reprodução das diversas formas de opressão. Como muito bem
apresenta Corsaro (2011), ao conceituar a reprodução interpretativa as crianças não apenas
reproduzem o que observam e aprendem a respeito da sociedade, mas elas interpretam e
recriam modos de ser e viver.
E na creche, na vida em coletividade, podem conhecer, compartilhar, recriar e
reinventar alternativas e resistências. Corsaro (2002, 2011) esclarece que as crianças,
especialmente nas brincadeiras de faz de conta, articulam e refletem a respeito das suas
percepções da sociedade adulta, ampliando as culturas infantis e contribuindo, assim, para a
sociedade dos/as adultos/as.
Como exemplo, nas imagens que seguem, meninos podem escolher e vivenciar,
por meio das brincadeiras, papéis masculinos em que são os cuidadores de seus bebês e
105

participam ativamente das tarefas domésticas. O que talvez algumas crianças ou mesmo eles
não vivenciem no ambiente privado, pode ser vivenciado e pensado a partir da brincadeira
compartilhada na creche.

Fotografia 14 – Criança pequenininha brincando de boneca.

Fotografia 15 - Criança pequenininha brincando de boneca.


106

Nas “Trocinhas do Bom Retiro”, Fernandes (2004) destaca a capacidade de


generalização presente na brincadeira de faz de conta, em que, ao brincar de papai, a criança
não está imitando o seu verdadeiro pai, mas o papel social de um “pai genérico” e acrescenta:
“segundo as representações do pai de família, ainda patriarcal, senhor absoluto do lar e centro
da vida doméstica, a quem todos devem obediência e respeito extremos”. A inferência é que
cada criança vive a brincadeira a partir das condições dadas histórica e socialmente, mas que
também podem interpretar e transgredir as normas pré-estabelecidas e fomentar novas
alternativas e novos modos de viver, o que não seria apenas cópia da experiência dos/as
adultos/as.
A afirmação de Brougère (1998) de que: “os jogos de ficção supõem a aquisição da
capacidade de simbolização para existirem” põe por chão as teorias desenvolvimentistas e
psicologizantes que colocam os bebês fora da categoria “crianças” ou “infância”. Isso também
é questionado por Schmitt (2008), que apresenta em sua dissertação, a foto de uma menina de
apenas cinco meses brincando de boneca (reproduzida a seguir), reconhecendo a capacidade
imaginativa das crianças.

Fotografia 16 –Rosinete Schmitt - Larissa H. (5 meses) brincando com uma boneca.

Muito embora Corsaro (2002, 2011) não faça referência direta à luta de classes, o
artigo “A reprodução interpretativa no brincar ao ‘faz de conta’ das crianças” pontua que as
crianças de classe média e classe média alta brincam de proprietárias de pequenos negócios
como uma sorveteria. Enquanto que as crianças menos favorecidas economicamente, também
por ele acompanhadas, brincam de empregados/as.
O autor faz referência à antecipação vivida na brincadeira dos papéis
desempenhados pelas crianças em relação ao nível socioeconômico e também das sofisticadas
análises dos usos e modos de ganhar dinheiro no mundo adulto. Corsaro (2002) descreve uma
107

cena em que as crianças brincam de vender sorvete, negociam valores e empregam a


justificativa de que o dinheiro arrecadado servirá para ajudar as crianças doentes de um
hospital. A análise que Corsaro (2002) faz é que as crianças daquele grupo já ouviram falar
sobre a arrecadação de fundos para caridade e incorporam na brincadeira este aspecto da vida
adulta do grupo social ao qual pertencem.
Como já argumentei em momentos anteriores, as crianças vivem a luta de classes
não apenas na brincadeira, mas em seu cotidiano com rotinas muito próximas às que vivem
os/as adultos/as que a cercam e o vivem de forma marcante em uma sociedade capitalista
cindida pela desigualdade social como a nossa.
Assim, as crianças das famílias dos que vivem do seu trabalho experimentam a
exploração, tendo de sair de casa antes do amanhecer, com longo trajeto do transporte
coletivo e enfrentando a ida e volta do trabalho com os/as adultos/as que as cuidam e educam.
Ou vivendo diretamente no ambiente de trabalho, como o caso já relatado por Schifino (2012)
no capítulo: “O direito de sair do balde”, citado quando tratei da proximidade entre as
mulheres e crianças, em que o bebê acompanhava sua mãe na oficina de costura e permanecia
por horas seguidas dentro dos baldes em que eram depositados os tecidos da confecção.
Há, além disso, o outro lado da moeda, pois, como bem aponta Benjamim (2002,
p.115) o proletariado é capaz de “prestar a máxima atenção à coletividade infantil, a qual
jamais pode adquirir contornos nítidos para a burguesia”. As crianças que nascem em famílias
burguesas também têm a sua infância comprometida pelas contradições entre capital e
trabalho, pois são educadas de forma individualista para que sejam os futuros patrões ou,
como afirma Bertaux (1979), a “burguesia não tem filhos, mas herdeiros”.
A ideologia da classe dominante com a privatização e mercantilização da vida,
propaga para as camadas populares esta concepção de que as crianças são propriedade dos/as
adultos/as e que devem ser responsabilidade de cada família, especificamente da mãe que as
pariu.
Do outro lado da luta de classes, tem-se a reivindicação histórica das
trabalhadoras pela dissolução do trabalho doméstico com a criação de lavanderias e
restaurantes coletivos e por uma educação coletiva das crianças, para que as mulheres fiquem
em pé de igualdade com os homens na política. Lembro que esta luta é de homens e mulheres,
pois é a luta da classe trabalhadora e se refere à emancipação humana e ao fim da exploração.
108

Os espaços coletivos de educação das crianças pequenas e pequenininhas podem


constituir-se em espaços emancipatórios. Uma educação emancipadora passa por uma
vivência cheia de possibilidades, de arte e experiências culturais construídas coletivamente.
Uma revolução social se situa do ponto de vista da totalidade porque –
mesmo que aconteça apenas em um distrito industrial – ela é um protesto do
homem contra a vida desumanizada, porque parte do ponto de vista do
indivíduo singular real, porque a comunidade, contra cuja separação o
indivíduo reage, é a verdadeira comunidade do homem, é a essência humana
(MARX, 2010, p. 76).

A força da coletividade e da liberdade de pensamento ameaça a ordem burguesa e


o sistema capitalista. “É por isto que os tiranos colocam os romancistas e poetas na cadeia
primeiro.” (Bruner, 2001, p.99). É também por isso que trazem os aspectos opressores da
escolarização cada vez mais cedo ou restringem o acesso das crianças pequenininhas à creche.
Pois, juntos, somos fortes.
Ainda serão necessárias muitas pesquisas que ampliem a aprofundem as
discussões a respeito das crianças pequenininhas e sua participação social. Esta tese foi
apenas um ensaio, uma exploração inicial. O adultocentrismo tem que ser combatido assim
como se combate o racismo, o machismo e patriarcalismo etc .
Todas as opressões combinadas garantem a hegemonia do pensamento burguês e
o combate ao capital pode ser feito em diferentes frentes, não havendo a primazia de uma
sobre a outra. Combatendo a desigualdade e procurando construir o dissenso, a capacidade
reflexiva e a emancipação desde o nascimento, seguiremos em busca do socialismo.
109

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Fotografia 13: Fotografia da Ação policial no Pinheirinho, São José dos Campos, Brasil,
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Fotografia14: Macedo, Elina Elias de. Arquivo pessoal, fotografia de registro e documentação
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Fotografia 15: Macedo, Elina Elias de. Arquivo pessoal, fotografia de registro e
documentação pedagógica, 2008.

Fotografia 16: Schmitt , Rosinete. Fotografia 19: Larissa H. (5 meses) brincando com uma
boneca Fonte: SCHMITT, Rosinete V. “Mas eu não falo a língua deles!”: as relações sociais
de bebês num contexto de Educação Infantil. Dissertação (Mestrado em Educação) –
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Gravação em vídeo da 2ª Passeata Disponível em:


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Brincaço: ( Entrevistas e câmera: Rica Saito - Câmera extra: Diógenes- Fotografia Still:
Matheus Hypolito - Edição: Rica Saito, Kelly Sabino e Cícero Manaus ) Disponível em:<
https://vimeo.com/106031617> Acesso em: 14 set. 2014.
120

APÊNDICE A - Levantamento dos trabalhos nas reuniões da ANPED de 2000 a 2015


Descritores “Bebês” e “Creche”
37ª Reunião – 2015

BEBÊS QUE SE RELACIONAM COM CRIANÇAS MAIS VELHAS: CUIDADOS E CONFLITOS NA


EDUCAÇÃO INFANTIL
Carolina Machado Castelli – UFPel
Ana Cristina Coll Delgado – UFPel

36ª Reunião – 2013

A CONSTITUIÇÃO DA LINGUAGEM ENTRE OS E DOS BEBÊS NO ESPAÇO COLETIVO DA


EDUCAÇÃO INFANTIL
Joselma Salazar de Castro – UFSC/PMF

AS RELAÇÕES SOCIAIS DOS BEBÊS NA CRECHE: UM ESTUDO NUMA PERSPECTIVA


SOCIOLÓGICA
Angela Maria Scalabrin Coutinho – UFPR
CULTURAS INFANTIS EM CONTEXTOS DESIGUAIS: MARCAS DE GERAÇÃO E CLASSE
SOCIAL
Deise Arenhart – UFF

35ª Reunião – 2012

AS CRIANÇAS NO CENTRO DA ORGANIZAÇÃO PEDAGÓGICA: O QUE OS BEBÊS NOS


ENSINAM? QUAL A ATUAÇÃO DE SUAS PROFESSORAS?
Tacyana Karla Gomes Ramos
CRIANÇAS, CLASSE SOCIAL E TRABALHO PEDAGÓGICO NA CRECHE. GT 14

Trabalho encomendado BEBÊS E CRECHE: DISCURSOS E POLÍTICAS


Fúlvia Maria de Barros Mott Rosemberg (FCC)

34ª Reunião – 2011

POSSIBILIDADES DE ORGANIZAÇÃO DE PRÁTICAS EDUCATIVAS NA CRECHE


EM PARCERIA COM OS BEBÊS: O QUE “DIZEM” AS CRIANÇAS?
Tacyana Karla Gomes Ramos (UFS)
O LUGAR DA CRECHE NA EDUCAÇÃO INFANTIL
Gabriela Barreto da Silva Scramingnon (UNIRIO)
QUE AS CRIANÇAS PEQUENAS FAZEM NA CRECHE?AS FAMÍLIAS RESPONDEM
Letícia Veiga Casanova (UNIVALI)
SOBRE IMPORTÂNCIAS, MEDIDAS E ENCANTAMENTOS: O PERCURSO
CONSTITUTIVO DO ESPAÇO DA CRECHE EM UM LUGAR PARA OS BEBÊS
Luciane Pandini Simiano (UFRGS)
Carla Karnoppi Vasques - UFRGS

Trabalho encomendado
"POLÍTICA PEQUENA" PARA AS CRIANÇAS PEQUENAS? EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS NO
ATENDIMENTO DAS CRIANÇAS DE 0 A 3 ANOS NA AMÉRICA LATINA
Roselane Fátima Campos – UFSC
121

33ª Reunião – 2010

A VIDA DO BEBÊ: A CONSTITUIÇÃO DE INFÂNCIAS SAUDÁVEIS E NORMAIS NOS MANUAIS


DE PUERICULTURA BRASILEIROS
Cláudia Amaral dos Santos

JEITOS DE SER CRIANÇA: BALANÇO DE UMA DÉCADA DE PESQUISAS COM CRIANÇAS


APRESENTADAS NA ANPED
Altino José Martins Filho – UFRGS
CUIDADO OU EDUCAÇÃO? A PRÁTICA EDUCATIVA NAS CRECHES COMUNITÁRIAS DE
CURITIBA
Elisabet Ristow Nascimento – UTP
Ademir Valdir dos Santos – UTP

32ª Reunião – 2009

INFÂNCIA: SENTIDOS E SIGNIFICADOS ATRIBUÍDOS POR FAMILIARES E EDUCADORAS DE


CRECHE
Denise Silva Araújo - – UCG

31ª Reunião – 2008

NO CONTEXTO DA CRECHE, O CUIDADO COMO ÉTICA E A POTÊNCIA DOS BEBÊS


Daniela de Oliveira Guimarães – PUC-Rio

30ª Reunião – 2007

“A GENTE É MUITA COISA PARA UMA PESSOA SÓ”: DESVENDANDO IDENTIDADES DE


“PROFESSORAS” DE CRECHES
Tereza Cristina Monteiro Cota- Unileste-MG

A INSERÇÃO DE CRIANÇAS NA CRECHE: UM ESTUDO SOBRE A PERSPECTIVA DOS PAIS


Eliana Maria Bahia Bhering - UFRJ
Alessandra Sarkis de Melo - UFRJ

EDUCAÇÃO DO CORPO INFANTIL COMO POLITIZAÇÃO ÀS AVESSAS: UM ESTUDO SOBRE


OS MOMENTOS DE ALIMENTAÇÃO EM UMA CRECHE
Ana Cristina Richter -UFSC
Alexandre Vaz – UFSC

29ª Reunião – 2006

CRIANÇAS E ADULTOS NA CRECHE: MARCAS DE UMA RELAÇÃO


Altino José Martins Filho – UFRGS

ENTRE A INSTRUÇÃO E O DIÁLOGO: A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE EDUCACIONAL DAS


CRECHES
Daniela de Oliveira Guimarães – PUC-Rio

CRECHE COMO CONTEXTO DE DESENVOLVIMENTO: UM ESTUDO SOBRE O AMBIENTE DE


CRECHES EM UM MUNICIPIO DE SC
Ana Beatriz Rocha Lima – UNIVALI
Eliana Bhering. – UFRJ
122

28ª Reunião – 2005

A ‘PAPARICAÇÃO’ NA CRECHE ENQUANTO UMA PRÁTICA QUE INVIABILIZA A


CONSTRUÇÃO DE UMA EDUCAÇÃO DA ‘MULTIDÃO’
Fabiana de Oliveira – UFSCar
Anete Abramowicz– UFSCar

27ª Reunião – 2004

O ESPAÇO DA CRECHE: QUE LUGAR É ESTE?


Kátia Adair Agostinho – UFSC

AS CONCEPÇÕES SOBRE O SISTEMA PÚBLICO DE EDUCAÇÃO INFANTIL DE MÃES QUE


UTILIZAM E QUE NÃO UTILIZAM CRECHES
Catarina de Souza Moro – UFPR

26ª Reunião – 2003

AS CRECHES DOMICILIARES COMO ESPAÇO DE EDUCAÇÃO INFANTIL


Karla Lucia Bento – FURB
Stela Maria Meneguel – FURB

25ª Reunião – 2002

CUIDAR DE CRIANÇAS EM CRECHES: OS CONFLITOS E OS DESAFIOS DE UMA PROFISSÃO


EM CONSTRUÇÃO
Beatriz Belluzzo Brando Cunha – UNESP/Assis
Luciana Fátima de Carvalho – UNESP/Assis

24ª Reunião – 2001

COM OLHOS DE CRIANÇA: O QUE ELAS FALAM, SENTEM E DESENHAM SOBRE


SUA INFÂNCIA NO INTERIOR DA CRECHE (creche também com pré-escola)
Alessandra Mara Rotta de Oliveira (UFSC)
A CONTRIBUIÇÃO DAS PESQUISAS DOS PROGRAMAS DE PÓS-GRADUAÇÃO EM
EDUCAÇÃO: ORIENTAÇÕES PEDAGÓGICAS PARA CRIANÇAS DE 0 A 3 ANOS, EM CRECHES
Giandréa Reuss Strenzel (UFSC)
A ROTINA NO DIA-A-DIA DA CRECHE: ENTRE O PROPOSTO E O VIVIDO
Rosa Batista (UFSC)

23ª Reunião – 2000


INDÍCIOS UTILIZADOS POR EDUCADORES PARA AVALIAR O PROCESSO DE INSERÇÃO DE
BEBÊS EM UMA CRECHE
Caroline Francisca Eltink - FFCLRP - USP
123

APÊNDICE B – Levantamento das teses e dissertações


BEBÊ (S)
Título Autor/a Instituição
Ano
PROFESSORAS DE BEBÊS Duarte, Fabiana UFSC
Dissertação
2011
SER PROFESSORA DE BEBÊS Tristão, Fernanda UFSC
Carolina Dias Dissertação
2004
A EDUCAÇÃO DE BEBÊS E CRIANÇAS PEQUENAS Gonçalves, UFSC
NO CONTEXTO DA CRECH E Fernanda Dissertação
2004
AS RELAÇÕES SOCIAIS ENT RE Schmitt, Rosinete UFSC
PROFESSORAS, BEBÊS E CRIANÇAS PEQUENAS Valdeci Tese
2014
FORMAÇÃO CORPORAL DE PROFESSORAS Lombardi , Lucia USP
DE BEBÊS: CONTRIBUIÇÕES DA PEDAGOGIA DO Maria Salgado dos Tese
TEATRO Santos 2011

BEBÊS E CRIANÇAS PEQUENAS EM Ferraz, Beatriz USP


INSTITUIÇÕES COLETIV AS DE ACOLHIMENTO E Mangione Sampaio Tese
EDUCAÇÃO: REPRESENTAÇÕES DE EDUCAÇÃO 2011
EM CRECHES

A INSERÇÃO DE BEBÊS NA CRECHE E A Souza, Andréia USP


SEPARAÇÃO COMO OPERADOR SIMBÓLICO Aparecida Oliveira Dissertação
de 2014
A DOCUMENTAÇÃO PEDAG ÓGICA E O Cardoso, Juliana USP
TRABALHO COM BEBÊS: ESTUDO DE CASO EM Guerreiro Lichy Dissertação
UMA CRECHE UNIVERSIT ÁRIA 2014
BEBÊ E CRIANÇA PEQUENA: IMAGENS E LUGAR NOS Fernandes, Marisa UFPR
PROJETOS PEDAGÓGICOS DE INSTITUIÇÕES PÚBLICAS Zanoni Tese
DE EDUCAÇÃO INFANTIL 2011
A CONSTITUIÇÃO DA LI NGUAGEM E AS Castro, Joselma UFSC
ESTRATÉGIAS DE COMUNICAÇÃO DOS E ENTRE Salazar de Dissertação
OS BEBÊS NO CONTEXTO COLETIVO DA 2011
EDUCAÇÃO INFANTIL

ISTO NÃO É UMA CRIANÇA! TEORIAS E Tebet, Gabriela UFSCAR


MÉTODOS PARA O ESTUDO DE BEBÊS NAS Guarnieri de Tese
DISTINTAS ABORDAGENS DA SOCIOLOGIA DA Campos 2013
INFÂNCIA DE LÍNGUA INGLESA

CRECHE (S)
Título Autor/a Instituição
Ano
AS CRIANÇAS NO INTERIOR DA CRECHE Coutinho, Ângela UFSC
Maria Scalabrin Dissertação
2002
O ESPAÇO DA CRECHE Agostinho, Kátia UFSC
124

Adair Dissertação
2003
CRECHE E FAMÍLIA Braga, Aucy UFSC
Bernini Dissertação
2003
CRIANÇAS E ADULTOS N A CRECHE Martins Filho, UFSC
Altino José Dissertação
2005
INSERÇÃO NA CRECHE E RELAÇÕES SOCIAIS Jacques, Rúbia UFSC
Eneida Holz Dissertação
2014
CRECHE E EMEI: ENCONTRO OU CONFRONTO Moraes, Licia Unicamp
Garagnani de Dissertação
2005
A CONSTITUIÇÃO DA PROFISSIONALIZAÇÃO DOCENTE Santos, Héllen Unesp
EM CRECHE: NARRATIVAS AUTOBIOGRÁFICAS Thaís dos. Dissertação
2013
POLÍTICA PÚBLICA DE CRECHE: ENTRE AS LEIS E A Tsuda, Márcia Unesp
REALIDADE Satomi. Dissertação
2008
A HORTA COMO ESTRATÉGIA DE EDUCAÇÃO Magalhães, UFSC
ALIMENTAR EM CRECHE Angélica Margarete Dissertação
2003
O INGRESSO DA CRIANÇ A NA CRECHE E OS Pantalena, Eliane USP
VÍNCULOS INICIAIS Sukerth Dissertação
2010
DIREITO À CRECHE: UM ESTUDO DAS LUTAS DAS Schifino, Reny UNICAMP
MULHERES OPERÁRIAS NO MUNICÍPIO DE SANTO Scifoni Dissertação
ANDRÉ 2012
A EDUCAÇÃO DE BEBÊS E CRIANÇAS P EQUENAS Gonçalves, UFSC
NO CONTEXTO DA CRECHE Fernanda Tese
2014
A TRANSIÇÃO DO FINAN CIAMENTO Neiverth, Thaisa UFSC
DAS CRECHESCONVENIADAS E M Dissertação
FLORIANÓPOLIS 2009
MANIFESTAÇÕES AFETIVAS NAS CONCEPÇÕES E Cacheffo, Viviane Unesp
PRÁTICAS EDUCATIVAS NO CONTEXTO DA CRECHE : Aparecida Ferreira Dissertação
REFLEXÕES A PARTIR DA PERSPECTIVA WALLONIANA Favareto 2012
MARCAS DA HISTÓRIA DA CRECHE NA CIDADE DE SÃO Scavone, Darci USF
PAULO: AS LUTAS NO COTIDIANO (1976-1984) Terezinha Dissertação
2011
DEU, JÁ BRINCAMOS DEMAIS! AS VOZES DAS Paula, Elaine de UFSC
CRIANÇAS DIANTE DA LÓGICA DOS ADULTOS Dissertação
NA CRECHE 2007
A BOA CRECHE DO PONTO DE VISTA DAS Nazario, Roseli UFSC
PROFESSORAS DA EDUCAÇÃO INFANTIL Dissertação
2012
EDUCAÇÃO FÍSICA NA P ERSPECTIVA CULTURAL: Macedo, Elina Elias USP
ANÁLISE DE UMA EXPERIÊNCIA NA CRECHE de Dissertação
2010
NARRATIVAS INFANTIS: ESTUDO DA AGÊNCIA Melo, Ceciana USP
DA CRIANÇA NO CONTEXTO DE Fonseca Veloso de Dissertação
UMA CRECHE UNIVERSITÁRIA 2010
125

A CONSTRUÇÃO DA PARCERIA FAMÍLIA- Silva, Ana Teresa USP


CRECHE: EXPECTATIVAS, PENSAMENTOS E Gavião Almeida Tese
FAZERES NO CUIDADO E EDUCAÇÃO DAS Marques 2011
CRIANÇAS
A FORMAÇÃO DE PROFES SORAS EM Vieira, Flaviana USP
UMA CRECHEUNIVERSITÁRIA: O PAPEL DA Rodrigues Tese
DOCUMENTAÇÃO NO PROCESSO FORMATIVO 2013
DUBABI DU: UMA PROPOSTA DE FORMAÇÃO E Tormin, Malba USP
INTERVENÇÃO MUSICAL NA CRECHE Cunha Tese
2014
A DOCUMENTAÇÃO PEDAG ÓGICA E O Cardoso, Juliana USP
TRABALHO COM BEBÊS: ESTUDO DE CASO EM Guerreiro Lichy Dissertação
UMA CRECHEUNIVERSITÁRIA 2010
APRENDIZAGEM PROFISSIONAL DA DOCÊNCIA: Voltarelli, Monique UFSCAR
QUE SABERES O(A) PROFESSOR(A) TEM PARA Aparecida Dissertação
ATUAR EMCRECHES? 2013
EDUCAÇÃO INFANTIL EM CRECHES - UMA Zucoloto, Karla USP
EXPERIÊNCIA COM A ES CALA ITERS-R Aparecida Tese
2011
QUEM CONTA UM CONTO... OS CONTOS DE FADAS E AS Rodrigues, Marinês Unesp
NARRATIVAS DAS CRIANÇAS DE UMA CRECHE DE Eugênia Alfredo. Dissertação
PRESIDENTE PRUDENTE/SP 2010
GESTÃO DE CRECHES PARA ALÉM DA Franco, Dalva de USP
ASSISTÊNCIA SOCIAL: TRANSIÇÃO E PERCURSO Souza Dissertação
NA PREFEITURA DE SÃO PAULO DE 2001 A 2004 2010
A EDUCAÇÃO INFANTIL NO CONT EXTO Spada, Ana Corina Unesp
DA CRECHE: UM ESTUDO SOBRE A EDUCAÇÃO, Machado. Dissertação
O CUIDADO DA CRIANÇA DE... 2006

CULTURA INFANTIL / CULTURAS INFANTIS


Título Autor/a Instituição
Ano
OFICINA DE INFORMAÇÃO: CONHECIMENTO Carnelosso, Rose USP
E CULTURANA EDUCAÇÃO INFANTIL Mara Gozzi Dissertação
2005
O BRINQUEDO NA EDUCAÇÃO INFANTIL COMO Santos, Larissa Unesp
PROMOTOR DAS CULTURAS DA INFÂNCIA E Aparecida Trindade Dissertação
HUMANIZAÇÃO dos. 2010
A CONSTRUÇÃO DA AUTONOMIA NA EDUCAÇÃO Vieira, Viviane USP
INFANTIL: UMA EXPERIÊNCIA A PARTIR Dissertação
DA CULTURACORPORAL 2007
MINHA HISTÓRIA CONTO EU: Carvalho, Marília USP
MULTICULTURALISMO CRÍTICO Menezes Dissertação
E CULTURA CORPORAL NO CURRÍCUL O DA Nascimento Souza 2012
EDUCAÇÃO INFANTIL
AS CRIANÇAS BEM PEQUENAS NA PRODUÇÃO DE Pereira, Rachel UFRGS
SUAS CULTURAS Freitas Dissertação
2011
A CULTURA COMO MEDIADORA DO Souza, Carlos UFSCAR
DESENVOLVIMENTO DAS FUNÇÕES PSÍQUICAS Eduardo de Dissertação
SUPERIORES NA CRIANÇ A: A ATIVIDADE 2012
DOCENTE DE MUSICALIZAÇÃO NA EDUCAÇÃO
INFANTIL
126

INFÂNCIA E LITERATUR A INFANTIL: O QUE Samori, Debora USP


PENSAM, DIZEM E FAZEM AS CRIANÇAS A Perillo Dissertação
PARTIR DA LEITURA DE... 2011

CRIANÇAS PEQUENININHAS
Título Autor/a Instituição
Ano
PROFESSORAS DE CRIANÇAS PEQUENININHAS Demartini, Patricia UFSC
Dissertação
2003
AS PROFESSORAS DE CRIANÇAS Avila, Maria Jose Unicamp
PEQUENININHAS E O CUIDAR E EDUCAR: UM Figueiredo Dissertação
ESTUDO SOBRE AS PRAT ICAS EDUCATIVAS EM 2002
UM CEMEI DE CAMPINAS/SP
EDUCAÇÃO E CULTURA INFANTIL EM CRECHE : Prado, Patricia Dias Unicamp
UM ESTUDO SOBRE AS B RINCADEIRAS Dissertação
DE CRIANÇASPEQUENININHAS EM UM CEMEI DE 1998
CAMPINAS/SP
"O MEU CABELO É ASSIM... IGUALZINHO O DA Santiago, Flávio Unicamp
BRUXA, TODO ARMADO": HIERARQUIZAÇÃO E Dissertação
RACIALIZAÇÃO DAS CRIANÇAS PEQUENININHAS 2014
NEGRAS NA EDUCAÇÃO I NFANTIL

EMANCIPAÇÃO
Título Autor/a Instituição
Ano
EDUCAÇÃO, TRABALHO E EMANCIPAÇÃO Bahniuk, Caroline UFSC
HUMANA. Dissertação
2008
A QUESTÃO DA EMANCIPAÇÃO NO MARXISMO Favaretto, João Unicamp
OCIDENTAL Batista Tese
2010
TRABALHO, ALIENAÇÃO E EMANCIPAÇÃO: A Antunes, Caio Unicamp
EDUCAÇÃO EM MÉSZÁROS Sgarbi Dissertação
2010
BRECHAS PARA EMANCIPAÇÃO: USOS DA Sales, Tatiane da UFBA
INSTRUÇÃO E EDUCAÇÃO FEMININA EM SÃO Silva Dissertação
LUÍS NA PRIMEIRA REP ÚBLICA 2010
DE ESCRAVA A CIDADÃ: EDUCAÇÃO, TRABALHO Alves, Francisca UFBA
EEMANCIPAÇÃO DAS TRABALHADORAS Elenir Tese
DOMÉSTICAS 2013
ROBÓTICA PEDAGÓGICA LIVRE: UMA César, Danilo UFBA
ALTERNATIVA METODOLÓGICA PARA Rodrigues Tese
A EMANCIPAÇÃO SOCIODIGITAL E A 2013
DEMOCRATIZAÇÃO DO CONHECIMENTO
A EMANCIPAÇÃO E O DESENVOLVIMENTO NA Schütz, Vitor Unisinos
VISÃO DE DOMINGO FAUSTINO SARMIENTO Aleixo Dissertação
2013
EDUCAÇÃO E EMANCIPAÇÃO: A De Lira Santana, UFPE
FUNDAMENTAÇÃO DO PROJETO EMPREENDI DO José Tese
POR JÜRGEN HABERMAS A PARTIR DA AÇÃO 2012
COMUNICATIVA
SOBRE A DOMINAÇÃO E A EMANCIPAÇÃO NA Klein, Stefan USP
TEORIA CRÍTICA DE HERBERT MARCUSE Fornos Dissertação
127

2013
DA POSSIBILIDADE DE EMANCIPAÇÃO HUMANA: Almeida, Juliana USP
EXPERIÊNCIA FORMATIVA E ELABORAÇÃO DO Litvin de Dissertação
PASSADO - CONTRIBUIÇÕES DE THEODOR W. 2009
ADORNO
PRÁTICAS SOCIAIS RELATIVAS ÀS CRIANÇAS Reis, Fábio Pinto USP
NEGRAS EM IMPRESSOS AGRÍCOLAS E PROJETOS Gonçalves dos Tese
DEEMANCIPAÇÃO DE ESCRAVIZADOS (1822- 2010
1888)
A EDUCAÇÃO FORMAL AFRO-QUILOMBOLA EM Silva, Jose UFAL
ALAGOAS: LIMITES E POSSIBILIDADES Bezerra da Dissertação
DE EMANCIPAÇÃO HUMANA 2012
ORTEGA Y GASSET X THEODOR ADORNO: Almeida, Antonio UFPR
PERSPECTIVAS DE FILOSOFIA E DE EDUCAÇÃO Charles Santiago Tese
PARA A CONCEITUAÇÃO DE EMANCIPAÇÃO 2015
POLÍTICA
FUNDAMENTOS DA ETICA MARXISTA: A Souza, Antonio UNICAMP
CRITICA RADICAL DA SOCIEDADE CAPITALISTA, Carlos de Tese
AS MEDIAÇÕES POLITICAS PARA CONSTRUÇÃO 2007
DA EMANCIPAÇÃO HUMANA
TRABALHO, EDUCAÇÃO E EMANCIPAÇÃO Lima, Jacqueline UERJ
HUMANA: O MOVIMENTO SEM-TERRA E OS Aline Botelho Dissertação
HORIZONTES PARA O ENSINO MÉDIO DO CAMPO 2008
AS POSSIBILIDADES DA MEDIAÇÃO DO Nunes, Celia UNICAMP
SOCIODRAMA COMO LEIT URA POLÍTICA DA Maria Dissertação
EXCLUSÃO SOCIAL NOS GRUPOS DE EDUCAÇÃO 2012
DE JOVENS E ADULTOS SOBA PERSPECTIVA
DE EMANCIPAÇÃO NA CONCEPÇÃO DE PAULO
FREIRE

OMNILATERALIDADE
Título Autor/a Instituição
Ano
ESCOLA TÉCNICA FEDER AL DE SÃO PAULO: A D’Angelo, Márcia USP
INTEGRAÇÃO DO SABER E DO FAZER NA Tese
FORMAÇÃO DO TÉCNICO DE NÍVEL MÉDIO ( 1965- 2007
1986)
A FORMAÇÃO HUMANA OMNILATERAL NA Sousa, Joeline UFC
PROPOSIÇÃO DE ESCOLA UNITÁRIA DE ANTONIO Rodrigues de Dissertação
GRAMSCI: UMA ANÁLISE À LUZ DA ONTOLOGIA 2012
MARXIANA
PROEJA: UMA POSSIBILIDADE DE FORMAÇÃO Baldacci, Luiz FIOCRUZ
OMNILATERAL DAS CLAS SES POPULARES? Mauricio Dissertação
2010
128

ANEXO A

Dissertações e Teses listadas no Dossiê Marxismo e Educação

ABREU, Malila da Graça Roxo. O pensamento pedagógico socialista: reflexões sobre a


experiência educacional desenvolvida na Rússia pós-revolucionária e suas contribuições para
o projeto educacional da sociedade contemporânea

ANTUNES, Caio Sgarbi. Trabalho, alienação e emancipação: a educação em Mészáros

AZEVEDO, Priscila Guimaraes de. Cultura corporal na educação infantil: reflexos para uma
prática transformadora

BARROS, César Mangolin de. Ensino superior e sociedade brasileira: décadas de 1960 e
1970

BERNARDINO, Paulo Augusto Bandeira. Estado e educação em Louis Althusser:


implicações nos processos de produção e reprodução social do conhecimento

BERNARDINO, Paulo Bandeira. Louis Althusser, o marxismo e a educação I

BEZERRA, Tania Serra Azul Machado. Marxismo, educação, consciência e luta de classes no
Sindicato dos Gráficos do Ceará

BORGES NETTO, Mário. A questão educacional nas obras de Karl Marx e Friedrich Engels

BOLOGNESI, Roselaine. Escola e sociedade: análise do discurso althusseriano de suas


apropriações na área educacional brasileira

BRAGA, Lucelma Silva. Uma civilização sem alma? : educação e revolução passiva

BRYAN, Newton Antonio Paciulli. Educação, trabalho e tecnologia

CARDOSO, Judith Guimarães. Curso de pedagogia para os anos iniciais do ensino


fundamental na modalidade a distancia: pactos e impactos

CARMO, Jefferson Carriello do. Classe trabalhadora e educação: um exercício contra-


hegemônico

CARVALHO, Jussara Gallindo Mariano de. Historia, trabalho e educação: a educação


profissional no Brasil (EPDB, Poços de Caldas – MG)

CASSIN, Marcos. Louis Althusser e o papel político/ideológico da escola

CAVALCANTI, Tereza Jacinta Constantino. Escola de trabalhadores para trabalhadores: As


Experiências de Formação Profissional do Centro de Trabalho e Cultura Recife-PE e do
Projeto Construindo o Saber em Limeira -SP.

COUTINHO, Luciana Cristina Salvatti. A questão da prática na formação do pedagogo no


Brasil : uma análise histórica
129

DAMASCENO, Luciano Galvão. 30 anos do Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte:


educação física e a construção de uma hegemonia

DIAS, Paulo Vergilio Marques. Economia política da educação de massas: a escola pública
como condição geral de produção do capital

FARIAS, Itamar Mazza de. Pedagogia do trabalho: seus princípios no cotidiano escolar

FAVARETO, Aparecida. Marxismo e educação no Brasil (1922-1935): o discurso do PCB e


de seus intelectuais,

_________, João Batista. A questão da emancipação no marxismo ocidental,

__________, João Batista. Materia e forma: Gramsci e a construção de um novo sujeito

FEITOSA, Eveline Ferreira. As parcerias público-privadas no Programa de Educação para


Todos: uma análise marxista

FELIX, Maria Ivonete Ferreira. O Programa Mais Educação no contexto de crise estrutural:
um estudo à luz da centralidade ontológica do trabalho

FREITAS, Francisco Mauri de Carvalho. Lenin e a educação política: domesticação


impossível, resgate necessário

GONZALEZ. Jorge Luis Cammarano. A dimensão pedagógica do marxismo na obra de


Mario Manacorda

JESUS, Antonio Tavares de. A educação como hegemonia no pensamento de Antonio


Gramsci

JESUS, Antonio Tavares de. Escola e trabalho: aspectos pedagógicos da relação hegemônica
em Gramsci

JOVINO, Wildiana Kátia Monteiro. Trabalho, educação e a atual política de formação


docente no Brasil: uma análise à luz da crítica marxista

LANCELLOTTI. Samira Saad Pulcherio. A constituição histórica do processo de trabalho


docente

LIMA, Marcos Roberto. Educação, trabalho e hegemonia na Região Metropolitana de


Campinas: uma análise da ação estratégica do “terceiro setor” e suas implicações político-
pedagógicas

LOTTERMANN, Osmar. O currículo integrado na educação de jovens e adultos

MACHADO, Janete da Costa. Trabalho e currículo oficial: contradições e tensões no modo de


ser professor contemporâneo – reflexões sobre os livros-texto

MAGIOLINO, Lavínia Lopes Salomão. Emoções humanas e significação numa perspectiva


histórico-cultural do desenvolvimento humano : uma estudo teórico da obra de Vigotski
130

MARTINS, Egídio Araújo. Trabalho, educação e movimentos sociais: um estudo sobre o


saber e a atuação política dos pescadores da Colônia Z-16, no Município de Cametá-PA

MARTINS, Marcos Francisco. O valor pedagógico e ético-politico do conhecimento para a


“filosofia da transformação” de Gramsci e sua relação com o marxismo originário

MARTINS, Marcos Francisco. A nova regulamentação do ensino técnico: cidadania ou


submissão?

MARQUES, Cássio Donizete. Do individual ao coletivo na critica da razão dialética de Sartre


: perspectivas educacionais

MELLO, Miriam Morelli Lima de. A escola como espaço de transformação social :
professores, trabalho e hegemonia

MILAN, Yara Maria Martins Nicolau. A educação do “soldado-cidadão” (1870-1889) : a


outra face da modernização conservadora

MONTENEGRO, Maria Eleusa. A psicologia histórico-dialética para os cursos de


licenciatura

OLIVEIRA, Avelino da Rosa. Educação e exclusão: uma abordagem ancorada no pensamento


de Karl Marx

OLIVEIRA, Ciro Mesquita de. A formação do homem novo na pedagogia de Anton S.


Makarenko: um estudo introdutório na perspectiva da ontologia marxiana-lukacsiana

PAULA, Douglas Ferreira de. A união do ensino com o trabalho produtivo: a educação em
Marx e Engels

PEDERIVA, Patrícia Lima Martins. A atividade musical e a consciência da particularidade

PEREIRA, Karla Raphaella Costa. Literatura como elemento ontológico da formação humana

PEREIRA, Ricardo. O marxismo na produção educacional brasileira das décadas de 1970-


1980

PORTUGAL, Adriana Doyle. Considerações acerca da atual produção de conhecimento de


inspiração marxista em Filosofia da educação: uma perspectiva marxista

QUARESMA, Adilene Goncalves. A relação trabalho-educação e o projeto político-


pedagógico do MST: uma prática em construção em escolas de assentamentos em Minas
Gerais

REBUÁ, Carlos Eduard. Mafalda na aula de História;construção coletiva de sentidos contra-


hegemônicos

RIBEIRO, Bernardo Mendes. Existe uma pedagogia marxiana? : um estudo sobre Marx e a
Pedagogia Moderna de Mário Manacorda
131

ROCHA. Lilian Haffner da. Trabalho coletivo em educação: os desafios para a construção de
uma experiência educacional fundamentada na cooperação em uma escola municipal de São
Paulo

RODRIGUES, Jefferson Vasques. A práxis educativa entre direção e base no partido


revolucionário: uma análise a partir de Gramsci

SAID, Ana Maria. A estratégia e o conceito de democracia em Gramsci e o PCB

SANTOS, Catarina de Almeida. A expansão da educação superior rumo à expansão do


capital: interfaces com a educação a distância

SANTOS, Claudio Eduardo Felix dos. Relativismo e Escolanovismo na formação do


educador: uma análise Histórica-Crítica da Licenciatura em Educação do Campo

SANTOS, Edmilson Menezes. Considerações sobre alguns prismas de educação e trabalho


em Kant e Marx

SANTOS, Leonardo Alberto De Azevedo. A presença do pensamento de Antonio Gramsci na


produção acadêmica sobre educação no Brasil dos anos oitenta

SANTOS, Marismenia Nogueira dos. A Pedagogia histórica-crítica e o projeto de


emancipação humana: aproximações na perspectiva da ontologia Lukacsiana

SILVA, Deise Rosalio. Intelectuais, cultura e escola única no pensamento político-pedagógico


de Antonio Gramsci

SILVA, Efrain Maciel e. A pedagogia histórica-crítica no cenário da Educação Física


brasileira

SILVA, Izaura Maria de Andrade da. Políticas de educação profissional para pessoas com
deficiência

SILVA, Natalia Ayres da. Trabalho e linguagem na obra de A. R. Luria: um estudo à luz da
ontologia marxiana

SCHUHLI, Vitor Marcel. A dimensão formativa da arte no processo de constituição da


individualidade para-si: a catarse como categoria psicológica mediadora segundo Vigotski e
Lukács

SILVA, Romeu Adriano da. A obra de Marx e Engels e as tendências do marxismo: crítica
das perspectivas essencialistas nas pesquisas educacionais brasileiras

SOUSA Júnior, Justino de. Politecnia e onilateralidade em Marx

SOUZA, Antonio Carlos de. Fundamentos da ética marxista: a critica radical da sociedade
capitalista, as mediações políticas para construção da emancipação humana

SOUZA, Elisabete Gonçalves de. Relação trabalho-educação e questão social no Brasil: uma
leitura do pensamento pedagógico da Confederação Nacional da Indústria – CNI
132

SOUSA, Joeline Rodrigues de. A formação humana omnilateral na proposição da escola


unitária de Antonio Gramsci: uma análise à luza da ontologia marxiana

SOUZA, Giane Maria de. Educação para o trabalho: os sindicatos amarelos e a pedagogia
estadonovista (1930-2000)

SOUZA, Vanda Meira de. Datas comemorativas: reprodução, ideologia e resistências

VAZ, Fabiana Marques Jeremias Leite. Filosofia, educação e design: o descompasso político
entre a histórica identidade estranhada e a possibilidade de uma formação emancipatória

VUELTA, Buitrón Raquel, Educação no campo

WEBER, Sueli Wolff. Gramsci e Vigotsky na educação para os excluídos

ZANELLA, Jose Luiz. O trabalho como principio educativo do ensino


133

Anexo B

NOTA PÚBLICA sobre a participação de crianças e adolescentes em manifestações


públicas no Brasil

O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente - CONANDA, órgão


deliberativo e controlador das políticas de promoção, proteção e defesa dos direitos da
criança e do adolescente no Brasil, na forma da Constituição da República Federativa
do Brasil de 1988, criado pela Lei 8.069/90 - Estatuto da Criança e do Adolescente e
instituído pela Lei Federal n◦ 8.242/90, em relação à participação de crianças e adolescentes
em manifestações públicas no Brasil, vem nortear o Sistema de Garantia de Direitos com a
presente Nota Pública, nos seguintes termos:
Considerando, que crianças e adolescentes são sujeitos de direitos em peculiar processo de
desenvolvimento;
Considerando a adoção da Doutrina da Proteção Integral pelo Estado Brasileiro, no conjunto
normativo relacionado aos direitos das crianças e adolescentes;
Considerando os termos da Convenção Internacional Sobre os Direitos da Criança, aprovada
pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas em 1989, no que tange ao direito à
participação de crianças e adolescentes;
Considerando que o mesmo documento no seu artigo 37, b, assegura que nenhuma criança ou
adolescente será privado de sua liberdade de forma ilegal ou arbitrária, configurando este um
direito fundamental das crianças e adolescentes;
Considerando o que preconiza a Constituição da República Federativa do Brasil, em seu
artigo 5º, quanto aos os direitos e garantias individuais de todos os cidadãos, dentre os quais
se destaca a liberdade de expressão, tratou especificamente sobre os direitos da infância e da
adolescência, optou por reafirmar o direito à liberdade destas crianças e adolescentes,
impedindo desta forma qualquer exercício hermenêutico que privilegie a sua relativização;
Considerando o que trata a Carta Política Constitucional no seu artigo 227, quanto aos direitos
da criança, do adolescente e do jovem e, novamente, notadamente quanto ao direito à
liberdade e a livre expressão;
Considerando que o Estatuto da Criança e do Adolescente - Lei nº 8.069/90, no art.
3º, estabeleceu que “A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais
inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei,
assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim
de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de
liberdade e de dignidade”;
Considerando que o Estatuto da Criança e o Adolescente, no art. 15 e seguintes versam sobre
a efetivação dos direitos à liberdade, ao respeito e à dignidade de crianças e adolescentes,
considerados sujeitos de direito pelo novo ordenamento jurídico brasileiro;
134

Considerando que a mencionada Lei n.º 8.069/90, no seu art. 16, estabeleceu que o direito à
liberdade compreende os seguintes aspectos: I - ir, vir e estar nos logradouros públicos e
espaços comunitários, ressalvadas as restrições legais; II - opinião e expressão; III - crença e
culto religioso; IV - brincar, praticar esportes e divertir-se; V - participar da vida familiar e
comunitária, sem discriminação; VI - participar da vida política, na forma da lei; VII - buscar
refúgio, auxílio e orientação.”
Considerando que as ações e manifestações públicas nas ruas representam a oportunidade
pedagógica de todos os espaços formais e representativos da democracia participativa serem
revisitados em suas estruturas e funcionalidade, entre eles os Conselhos de Direitos.
Considerando que as manifestações plurais e multi-ideológicas nas ruas apontam pautas
diversas, tendo como foco a manifestação das subjetividades de insatisfação e o desejo de
mudança.
Considerando que as manifestações das ruas e em espaço públicos, à luz da democracia
moderna brasileira, são legítimas para construção de uma plataforma de reivindicação visando
à efetivação de políticas públicas existentes e futuras voltada para o interesse republicano da
sociedade, fortalecendo também a implementação de políticas públicas integrais voltadas para
a infância, adolescência, suas famílias e a comunidade, como previsto no Estatuto da Criança
e do Adolescente;
Considerando que os Conselhos de Direitos são espaços que devem ser potencializados como
resposta a necessidade de participação da população na gestão republicana da coisa pública.
Considerando a necessidade do Poder Público em oportunizar permanentemente o diálogo
com a sociedade, especialmente com as pautas apresentadas nas manifestações, inclusive
através das mídias sociais;
Considerando os limites da ordem legal e institucional quanto a necessidade das
manifestações públicas serem pacificas, sem violência e voltadas para reafirmação da
democracia;
Considerando que a participação de crianças e adolescentes nestas manifestações constitui um
capítulo próprio que necessita ser integrado às pautas reivindicatórias como demandadores de
ações e objetivos.
O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente - CONANDA recomenda à
sociedade brasileira e aos poderes constituídos do Estado brasileiro, em todas as instâncias, a
adoção das seguintes medidas visando assegurar a garantia do direito à liberdade, à livre
expressão da população infanto-juvenil nas manifestações públicas:
1. Sejam observados e respeitados os preceitos legais da Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988, da Convenção dos Direitos da Criança da ONU e do
Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei n.º8.069/90;
2. Sejam observados e respeitados os princípios da Política Nacional dos Direitos
Humanos de Criança e Adolescente, bem como o Objetivo Estratégico 6.1 do Eixo 3 do Plano
Decenal dos Direitos Humanos de Crianças e Adolescentes, que dispõe sobre o processo de
articulação e participação de crianças e adolescentes nos espaços de discussão
relacionados aos direitos de crianças e adolescentes.
3. Nas situações de eventual responsabilização dos adolescentes por possível excesso no
direito de participação, sejam observados os parâmetros consolidados no Estatuto da Criança
e do Adolescente, em especial os Artigos constantes do Título III da referida Lei que dispõem
135

sobre “a Prática de Ato Infracional”, bem como o disposto na Lei nº 12.594/2012, que dispõe
sobre o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo e regulamenta a execução das
medidas socioeducativas destinadas a adolescente que pratique ato infracional, afastando-se
qualquer hipótese de penalização da infância e juventude, com aplicação de normas
criminalizadoras, baseadas em períodos ditatoriais que fizeram parte da história do Brasil.
4. Sejam abertos canais de diálogo permanente por parte das autoridades públicas com o
segmento infanto-juvenil organizado nas manifestações públicas, potencializando os
conselhos de direitos, em todas as instâncias como foro de encontro e resolução das pautas
reivindicativas;
5. Seja instituído, pelo Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente, em conjunto
com o Conselho de Segurança Pública, onde houver, à luz do Sistema de Garantia de Direitos,
um protocolo de intervenção voltado para a participação da população infanto-juvenil nas
manifestações públicas, assegurando a não intervenção militarizada e policial que acabam por
gerar um processo de criminalização da juventude.

Brasília, 05 de novembro de 2013.


MARIA IZABEL DA SILVA
Presidenta do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente

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