A Caminho Do Ceu PDF

EVANGELHO ETERNO (Apocalipse, 14, 6)
PRINCÍPIO OU DEUS – Essência Divina Onipresente, Onisciente e Onipo-

tente, que tudo origina, sustenta e destina, e cujo destino é a Reintegração
Total. O Espírito e a Matéria, os Mundos e as Humanidades, e as Leis Rela-
tivas, retornarão à Unidade Essencial, ou Espírito e Verdade. Se deixasse de
Emanar, Manifestar ou Criar, nada haveria sem ser Ele, Princípio Onipresen-
te. Como o Princípio é Integral, não crescendo nem diminuindo, tudo gira
em torno de ser Manifestador e Manifestação, tudo Manifestando e tudo
Reintegrando. Eis o Divino Monismo.
ESPÍRITO FILHO – As centelhas emanadas, não criadas, contêm TODAS
AS VIRTUDES DIVINAS EM POTENCIAL, devendo desabrochá-las no seio dos
Mundos, das encarnações e desencarnações, até retornarem ao Seio Divi-
no, como Unas ou Espírito e Verdade. Ninguém será eternamente filho de
Deus, tudo voltará a ser Deus em Deus. Esta sabedoria foi ensinada por Her-
mes, Crisna e Pitágoras. Jesus viveu o Personagem Inconfundível de VERBO
EXEMPLAR, de tudo que deriva do UM ESSENCIAL e a Ele retorna como UNO
TOTAL. O Túmulo Vazio é mais do que a Manjedoura. (Entendam bem).
CARRO DA ALMA OU PERISPÍRITO – Ele se forma para o espírito filho ter
meios de agir no Cosmos, ou Matéria. Com a autodivinização do espírito, ao
atingir a União Divina, ou Reintegração, finda a tarefa do perispírito. Lentís-
sima é a autodivinização, isto é, o desabrochamento das Latentes Virtudes
Divinas. Tudo vai aumentando em Luz e Glória, até vir a ser Divindade Total,
União Total, isto é, perdendo em RELATIVIDADE, para ganhar em DIVINDADE.
MATÉRIA OU COSMO – A Matéria é Essência Divina, Luz Divina, Energia,
Éter, Substância, Gás, Vapor, Líquido, Sólido. Em qualquer nível de apresen-
tação é ferramenta do espírito filho de Deus. (É muito infeliz quem não pro-
cura entender isso).
UNIÃO DIVINISTA
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DEUS
Eu Sou a Essência Absoluta, Sou Arquinatural,
Onisciente e Onipresente, Sou a Mente Universal,
Sou a Causa Originária, Sou o Pai Onipotente,
Sou Distinto e Sou o Todo, Eu Sou Ambivalente.
Estou Fora e Dentro, Estou em Cima e em Baixo,
Eu Sou o Todo e a Parte, Eu é que a tudo enfaixo,
Sendo a Divina Essência, Me Revelo também Criação,
E Respiro na Minha Obra, sendo o Todo e a Fração.
Estou em vossas profundezas, sempre a vos Manter,
Pois Sou a Vossa Existência, a vossa Razão de Ser,
E Falo no vosso íntimo, e também no vosso exterior,
Estou no cérebro e no coração, porque Sou o Senhor.
Vinde pois a Meu Templo, retornai portanto a Mim,
Estou em vós e no Infinito, Sou Princípio e Sou Fim,
De Minha Mente sois filhos, vós sereis sempre deuses,
E, marchando para a Verdade, ruireis as vossas cruzes.
Não vos entregueis a mistérios, enigmas e rituais,
Eu quero Verdade e Virtude, nada de “ismos” que tais,
Que de Mim partem as Leis, e, quando nelas crescerdes,
Em Meus Fatos crescereis, para Minhas Glórias terdes.
Eu não Venho e não Vou, Eu sou o Eterno e o Presente,
Sempre Fui e Serei, em vós, a Essência Divina Patente,
A vossa presença é em Mim, e Quero-a plena e crescida,
Acima de simulacros, glorificando em Mim a Eterna Vida.
Abandonando os atrasados e mórbidos encaminhamentos,
Que lembram tempos idólatras e paganismos poeirentos,
Buscai a Mim no Templo Interior, em Virtude e Verdade,
E unidos a Mim tereis, em Mim, a Glória e a Liberdade.
Sempre Fui, Sou e Serei em vós a Fonte de Clemência,
Aguardando a vossa Santidade, na Integral Consciência,
Pois não quero formas e babugens, mas filhos conscientes,
Filhos colaboradores Meus, pela União de Nossas Mentes.
ÍNDICE
AGRADECIMENTOS��10
INTRODUÇÃO��12
UMA VIDA POUCO APROVEITADA��16
UM DESPERTAR��18
SAUDADES DA FAMÍLIA��26
PREPARANDO UMA SORTIDA��32
UMA PONTE SOBRE UM ABISMO��36
ESCRAVOS DO ERRO��42
LENDO O MEU RELATÓRIO��50
DEVOLVIDO AO TRABALHO ��56
NO CHÃO DO MUNDO FÍSICO��62
DEUS��68
A TERRA��70
O HOMEM��72
O CRISTO��74
OS IMEDIATOS DO SENHOR ��76
OS REVELADORES��78
O BATISMO DE ESPÍRITO SANTO��82
PAULO DE TARSO��84
OS DONS MEDIÚNICOS��86
REPONDO AS COISAS NO LUGAR��92
PALESTRANDO COM FÁBIO��98
NEÓFITO��102
ACOMPANHANDO FÁBIO��110
O DOENTE��114
NUM CAMPO FLORIDO��122
GRAÇAS A DEUS��132
CHORANDO, MAS DE ALEGRIA��136
AGRADECIMENTOS
Ao prezado amigo Sr. Amâncio de Siqueira Campos, nossos agra-

decimentos.
O.P.
1ª Edição de 1950 – Livraria Allan Kardec Editora
Desta edição, quinhentos volumes foram entregues à Livraria do

Abrigo Batuira, para ser vendida a bem do mesmo.
A Caminho do Céu
INTRODUÇÃO
A
VERDADE é em si por demais infinita em profundida-
de, para que a mente humana a possa tragar, de uma
vez. Suas manifestações são múltiplas, suas nuances
de tal modo amplas, seus tons perdem-se na ampli-
dão fenomênica, que o raciocínio humano atordoa-se aos primei-
ros vislumbres prurídicos. Porém, amigos, jamais deixeis de lado
o sentido racional da vida, para que o senso de lógica, o poder
disciplinante, a virtude discernitiva, intervenham sempre em vos-
so favor, com seu imenso poderio de forças ponderáveis. A razão
humana é um sentido da Sabedoria Divina. Aqueles que, pensando
ser mais espiritualistas, depõem contra o exercício da razão, por
julgar seja a razão humana falha em capacidade objetiva, com re-
lação às coisas do espírito ou transcendentes, esses mesmos estão
tremendamente errados.
O homem não é apenas uma centelha emanada de Deus, isto
é, da Essência Primeira do Universo; o homem é, antes de tudo,
alguém que tem por direito natural o poder ingênito de autoedi-
ficação hierárquica. O direito de auto-organização, em moral e sa-
bedoria, é o maior direito do homem, é a sua máxima glória. E ja-
mais poderia lançar-se à faina redentora, sem o concurso da razão.
Nos planos inferiores, sim, o instinto manda; mas no reino hominal
faz-se preciso a razão. E depois, pelo amadurecimento desta ou
por seu desenvolvimento, a intuição do mais se encarrega, por ser
das faculdades a mais sublime, por ser aquela que facilita ao ho-
mem o poder, vibratoriamente, em alto sentido de vida, confinar
com a Divindade, que é no profundo do Ego, o seu alicerce.
Sem o concurso da razão, porém, como avançar?
Já tive a inoportuna ideia de repelir, em mim mesmo, o de-
ver de respeito a essa enlevante faculdade. Pensei estar sendo
mais e melhor, por entregar-me cegamente a um sentido místi-
co de fé, de crença, de religião. Dizia para mim que tudo é por
si mesmo no Universo, isto é, como quer Deus que seja, em
nada importando a razão humana. Nunca me passaria então
pela mente, que sendo eu um simples agente do mesmo Deus,
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Osvaldo Polidoro A Caminho do Céu
cumpria-me saber bastante sobre tudo, sobre mim e o Universo, quer por necessidade indiscutível. Os êxtases espirituais, portan-
para em bem sabendo mais poder ser útil. Julgava tudo pelo que to, não têm por função depor contra o senso de razão. Quem à
é em gênese, em natureza divinal, esquecendo que, pela Vontade custa dessa lei, desse fenômeno, quer lançar-se contra o dever de
de Deus, que são as leis regentes, nada deixa de ser parte e rela- exercício discernitivo contínuo, erra duplamente. Uma vez, por in-
ção, consistindo isso em deveres de movimentação inteligente na terpretação errônea de uma lei; e outra, por tentar a atrofia de sa-
ordem cósmica. Misticismo piegas é crime! Eis a dura verdade. cratíssima faculdade. Dizer o que se repete, por aí, de boca cheia,
Deus não está longe, está no íntimo de tudo e de todos. Cum- que a intuição supre tudo, isso é tremendo erro de cálculo. Mesmo
pre, pois, a cada um que intervenha na ordem de movimentação, nas esferas superiores da vida, onde fácil se torna o poder catalí-
com seu contingente de poder individual. Há que movimentar! Há tico mais intenso, e a consequente absorção da Verdade em sua
que corresponder ao plano do Senhor, no âmbito das leis de rela- Fonte de Origem, faz-se preciso o uso do discernimento, para efei-
ção. E como fazê-lo, dispensando o sentido da razão? to de aplicações. Encontrar os elementos é uma coisa; colocá-los
Se a chamada Criação é manifestação para nós tangível do pró- em ordem é outra. Quanto mais se busca nas origens, tanto mais
prio Deus, da Essência Primária, sendo nós emanação, por certo se encontra, mais puro, mais abundantemente. Mas, para aplicar
que dispomos de elementos básicos e capacidade, para também tais elementos nos meandros complexos da variedade infinita de
elaborar, movimentar, dispor, como agentes vivos e inteligentiza- planos hierárquicos, isso demanda acurado estudo, quer com re-
dos, predispostos à cooperação na vastidão mecânica dos fluxos lação aos meios onde deve aplicá-los, quer relativamente aos se-
e refluxos da vida. Nada nos inibe de tais obrigações. Sem o con- res em particular. Demais, amigos, tudo se aplica por cadeias de
curso da razão, por sua vez, nada poderíamos realizar. Para julgar hierarquias. E o que em cima era geral, era simples, torna-se em
o que seja Deus, que é tudo o que há, no sentido Manifesto ou baixo particular, específico, complexo. A nuvem não se desfaz em
Imanifesto do que seja conhecido ou desconhecido, preciso se faz gotas e gotículas? Uma laranja, dada por um pai, para ser repar-
o concurso da razão. Atacar a razão humana, como é hábito de tida entre cinco filhos, tendo ela por acaso nove gomos, não de-
algumas pessoas, por julgá-la jungida aos preceitos e preconcei- manda fracionamento? E seria fácil de tudo dividi-la, com exatidão
tos humanos, às chaves escolásticas petrificadas, às regras já fa- integral, encarando o problema das células? Pois assim mesmo se
lhas, isso não se justifica, pois é essa mesma razão humana que, passa, amigos, entre conhecer, ter em mãos os elementos e distri-
comportando em si elementos incontáveis de valor progressivo, buí-los convenientemente. Há que ponderar muito, sem dúvida. E
mutável, terá que em si evolver, e, pela autoevolução, conquistar sem o concurso da razão humana, dessa faculdade que precisa de
píncaros de capacidade discernitiva. contínuo progresso, como dar-se a essa desincumbência?
Afirmar o sentido transcendente não basta para eliminar a Que se compenetre, pois, o Ego, de que tudo no plano divinal é
necessidade do instrumento humano de investigação, que é o como é, com ou sem o beneplácito do homem; mas que se lembre,
raciocínio, o uso da razão. Chegar a conceber o plano Imanifes- também, que o homem mesmo é funcionário do Senhor, cumprin-
to de Deus, em sua infinidade, em sua profundidade divinal, não do-lhe saber e aplicar os bens e as leis. E que à custa de beatismos
constitui direito à negação do poder discernitivo, mesmo porque piegas ou postiços, só ridículos se alcança. A razão humana é como
nós somos parte e relação dessa profundidade divinal, sendo a a consciência humana - precisa ser cada vez mais bem educada.
faculdade da razão, uma das mais salientes no quadro geral das Nunca, porém, negada ou atrofiada.
ilimitadas faculdades de que somos senhores. Porque numa sín-
tese consistimos em ser e faculdades; mas o despertar lento só
nos permite alcançar o poder de síntese, por parcelas. Só há, pois,
uma faculdade, uma unidade em geral; mas o desabrochar é por
partes. E temos de respeitar os matizes e tons, quer por ser de lei,
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UMA VIDA POUCO APROVEITADA
N
ão vos estou falando por necessitar de espaireci-
mento, muito menos por diletantismo, a levantar
tese para efeito de discussão. Falo-vos, amigos, por
ser essa a questão, uma daquelas que me fez perder
bom tempo de conquistas relevantes. A encarnação só chega a ser
compreendida, como força de lei e ao mesmo tempo facultativa,
para efeito de aprendizados, por alcançar a moralização por ela-
borar internamente, depois do trespasse. Na carne, ou durante tal
estágio, amigos, a encarnação tresanda a conceito qualquer, ver-
dadeiro ou falso, realístico ou de fundo sectário, angélico ou dia-
bólico, assim como se coloque o agente pensante, em ângulo mais
ou menos vantajoso de objetivação. Para depois dessa senhora a
que chamais morte, então, toma ela o seu aspecto grave, cristali-
no, de lei agente no concerto divinal da vida. E das coisas e dos se-
res, pois de tal modo os reinos e planos da vida se interpenetram,
que, para efeito de tal execução, dificilmente se sabe quem mais
se movimenta, se o plano inteligente, se o elemento dito amorfo.
Um fará com consciência, o outro não; mas eu digo que é do mo-
vimentar de leis e elementos. Movem-se, como se diz, mundos e
fundos para o funcionamento da lei de reencarnação.
E tenha ou não o homem discutidor, crente, cético ou fanático,
conhecimento de sua exequibilidade funcional, ela se levanta à sua
frente, como a máquina de fazer santidade. Válvula que é dos pro-
cessos de prova, de expiação e de missão, é ela, de fato, por meio
de quem o Senhor faz santos. E quanto arrependimento tardio se
presencia! De quem não sabia e podia ter sabido; e de quem sabia
e não deu ao feito a devida atenção.
É certo que a morte prepara, para todos, enigmas só por ela
decifráveis, mas é certo, também, que dar regular atenção às leis
do Senhor é medida de salvaguarda. Negar a reencarnação é negar
parte da Sabedoria Divina; e é negar precisamente aquela parte
que de mais perto nos toca e diz respeito, porque ela é, sem favor
nem receio, o instrumento ascensional por excelência, a válvula
evolutiva.
Se temos um Supremo Chefe Planetário, devemos a essa lei. E

se Esse Chefe ofusca a luz material dos sóis com a Luz Espiritual,
devemos a que lei? O ser deriva de Deus, mas deriva com as facul-
dades em latência. E é à lei reencarnacionista que fica entregue UM DESPERTAR
o processo para a patenteação devida e necessária. Somos deu-
H
ses por natureza. Ao reencarnacionismo ficamos obrigados, para
efeito dos despertares necessários. Pelo livre arbítrio podemos re- averá sempre um estado de estar para suceder a
tardar ou apressar, o mais sublime dos desfechos da vida. O mais outro, na vida ou na morte, no plano físico ou nos
é questão de meio ambiente e disposições secundárias. Não im- infindos matizes do extrafísico. E isso foi o que co-
porta saber se deve passar-se na Terra, no espaço, noutro planeta migo se deu. Ser o que se é, evolver, nascer, morrer,
ou noutros concertos metagaláticos... Porque havendo o Ego, há renascer, morrer de novo e de novo despertar para o realismo su-
faculdades latentes e a reencarnação dará conta do recado. O livre premo que é viver sempre, isso nunca será novidade. Quem teria
arbítrio humano será pela razão conhecido e respeitado; e por ra- sido o primeiro a ficar sujeito a tudo isso? Houve, em algum tempo
zão posto a bem funcionar e produzir frutos imortais. qualquer, esse primeiro? Quando? Onde? Como?
Foi assim que cheguei a saber, depois de tanto viver e aprender. Acordei cedo, um dia, em lugar estranho. Ao redor de mim a
Mas viver e aprender com quedas e triunfos, por pretender depor, ninguém via que me fosse familiar ou achegado por amizade. Con-
em certo tempo da caminhada ascensional, contra os princípios tudo, todos me cumprimentaram, sorridentes, felizes e comuni-
do Senhor. Não era do meu credo essa ideia de renascer na carne. cativos. Falaram-me. Falaram-me com extrema bondade, em tom
Negava a lei de Deus, a bem do conchavismo de homens a que me familiar, como se fossem desdobramentos de amizades as mais
dava a obedecer. Que coisa tola! Mas se faz disso, também, não é puras, como se constituíssem o extrato das mais íntimas devoções
certo? Depois, com a desencarnação, os artigos e parágrafos do fraternais.
crentismo terreno se esvaem, rompem-se à luz do supremo realis- — De onde chegaram os senhores?... Não me lembro de os ha-
mo. E a gente fica como se fosse um cavaleiro a pé. Nem chega a ver encontrado em lugar algum! — foi o que pude dizer-lhes, de
saber como fez, para dizer não ao Senhor e sim ao convencionalis- momento, estranhando um pouco.
mo religiosista do mundo. Não teria sido, então, muito mais fácil — Você, amigo, é que acaba de acordar para o mundo espiri-
compreender que a lei convencional só é certa quando marcha pa- tual... Seu corpo mais denso ficou na Terra, para ser devolvido ao
ralela à lei fundamental? E em lugar de negar cem por cento, por meio natural... E queremos que compreenda isso como um fenô-
que ao menos não ocorreu deixar a coisa em suspenso, até que meno natural, pois morrer é comum e despertar para este plano
melhores alcances fossem conquistados? da vida, também — respondeu-me o mais avizinhado, um senhor
Minha última vida por entre vocês, portanto, foi cingida pelo de meia idade e que ostentava largo e prazenteiro sorriso no sim-
manto opaco dos convencionalismos menos elegantes. Que hou- pático semblante.
vesse devoção ao credo esposado, por que Deus haveria de com Depois de fitar-me bem, de medir até onde podia sentir que
ele se entender!... Não era o homem segundo Deus; deveria ser, tinha ainda um corpo, tornei à fala, um tanto admirado da acome-
para estar certo, Deus segundo o homem. Eis do que está cheio o tida sorte:
mundo!
— De fato, amigo, tenho um corpo... E não esperava morrer tão
cedo!...
— Raciocina, e ama ao que é do Senhor. Ter mais ou menos
idade não significa coisa alguma em face das determinações supe-
riores. Importa é respeitar o fato.
Calou quem assim me falava. Pensou um pouco e emendou parecença com a Terra, é certo; mas de modo tão sublime, que
num convite: com o conhecimento que temos, não lhe podemos dar guarida em
— Quer levantar-se?... Pode fazê-lo com o camisolão que veste. saberes e explicações.
Está numa casa de recuperação, num lugar, portanto, onde pode — Pensei que o céu fosse uma unidade, separado apenas do
estar à vontade. inferno e do purgatório, que, também, fossem unos em si mesmos.
E como fizesse eu menção de levantar, deu-me a mão. Sentia-me — Não é assim, pelo fato de não o ser. Como, porém, representa
o mesmo, mas bem mais leve, assim como quando se toma regu- o que quer Deus, tudo está muito bem e certíssimo. Demais, Adro-
lar quantia de sedativo. O cansaço físico ainda o tinha; e falei-lhe aldo, como ficaríamos nós, por exemplo, que estamos situados em
na depressão cardíaca. Respondeu-me que nada de extraordinário grau hierárquico que não é alto e nem baixo? E os outros matizes
havia em tudo isso. de ser e estar em que se reparte a demografia terrenal, seja no que
— Para aqui vêm todos os estados de estar. Apenas, uns alcan- diz respeito aos da carne e aos destes planos? Há que conceber,
çam mais, outros menos. Há lugares ou regiões, para todos os me- portanto, a necessidade e justeza do fracionamento existente, por
recimentos ou graus de merecimentos. Você veio para aqui, por haver que respeitar, na Justiça Suprema, o saber e poder dar, a
exemplo, porque fez por isso durante sua encarnação; e também cada um como merecer. Para infinitos graus de merecimento, por-
porque saiu da região pouco acima, para ir à encarnação. Se não tanto, tem que haver infindos postos de estágio.
foi melhor, como poderia ter sido, também não fez o pior... Afinal, — Sabe o meu nome, pois não? E o seu, qual é, meu senhor?
de uma sortida não se poderia fazer tudo. — lembrei-me de perguntar, pois já havia pronunciado meu nome
— Então, senhor, essa coisa de reencarnar é verdade?... — per- por duas vezes.
guntei. E ele disse-me:
— Se é verdade ou mentira, isso é com Deus; porque nós co- — Tenho sua documentação em mãos; fui encarregado de so-
nhecemos de fato, como lei natural. E por lei natural temos o que corrê-lo. Meu nome, ou como todos me chamam, é pelo sobreno-
é fundamental; isto é, aquilo que independe da nossa vontade. me Mesquita. Trate-me assim, dispondo desta amizade à vontade,
— E eu venho da reencarnação!... — tornei, com mil coisas a me pois aqui nos sentimos bem só quando podemos ser úteis uns aos
pontilhar o cérebro. outros...
— Você vem da desencarnação, como último acontecimento Achei estranho, num repente, o fato de ter passado por nós uma
em sua vida. Pelo menos, caro Adroaldo, o que se passou depois maca, carregada por dois homens, sobre a qual alguém ia, coberto
foi isso que acaba de fazer, que é o despertar entre nós, nesta zona de tudo. Falei a Mesquita e sua resposta foi esta:
do astral da Terra, neste céu da Terra. — Você também veio assim. Aliás, cada um vem como vem ou
E tanta coisa me invadia o campo mental, que, com custo discer- é socorrido da melhor forma possível. E é bom que possa ser as-
nia o que mais seria conveniente pensar seriamente e de pronto sim, pois outros há que não podem ser socorridos, migrando para
indagar. E fui falando, mais ou menos, como pude. tristes países ou continuando a perambular pelo plano da carne, a
— Que maravilha!... Estou no céu e tudo é como se fosse na sofrer e a produzir sofrimentos.
Terra! — Que coisa estranha é a morte! Eu jamais suportaria isso lá
— Estamos numa zona inferior do céu... Por isso é que tudo se no mundo... O homem morrer e ser carregado numa padiola!...
parece demais com a Terra. À medida que as zonas sejam as mais Meu Deus, até onde estão Tuas leis acima do poder computante
afastadas, tudo vai-se sublimando de modo tal, caro amigo, que do homem carnal? Carnal?... Mas se tenho a minha carne, se todos
nem se chega a poder descrever. Nas zonas interestelares, por a têm?...
exemplo, onde vivem os seres mais purificados, continua a haver E Mesquita retrocedeu ao que dizia, propositalmente:
— Aqui só é feliz quem sente que está sendo útil. Quero que e para a autoridade, preciso se faz a sabedoria, nos diferentes
medite nesta regra de conduta e sentido de autoemprego, porque ramos do saber. Pieguismos religiosistas, moral postiça, nada re-
o mais breve possível queremos contar consigo para trabalhos em solvem. Muito menos ainda, presumidas prerrogativas sectárias.
conjunto. As nossas concepções só são boas e produzem bons fru- Quem livra é a Verdade, pois o religamento, só pela Verdade po-
tos quando representam veiculação de superiores desígnios. Ser derá ser feito. Como de si poderá deduzir, Adroaldo, veio encon-
útil é viver a lei superior de solidariedade ativa, por compreender trar aqui um mundo de que o seu credo nunca lhe deu informe al-
que o Amor é das leis a mais forte. gum. E como poderia a ignorância constituir medida de sabedoria?
— Não ficaria melhor dizer que o Amor é a síntese das leis, ami- Como falar em religião verdadeira se, à luz dos fatos, refuta ao que
go Mesquita? é de Deus e proclama ao que sai de seus conchavos interesseiros?
— Não vale a pena sintetizar tanto. Afinal, uma lei científica é E mesmo que haja vantagem, em fundo científico, portanto em
uma lei, da mesma forma como uma lei filosófica, ou de qualquer poder informativo, de um credo sobre outro, que credo garantiria
outro ramo do pensamento, ou de qualquer matiz departamentá- a conduta pessoal do seu adepto? Cada qual tem seu lastro cár-
rio da vida. Deixemos os extremismos simplórios lá para o mundo mico, seu passado e suas obrigações adquiridas; logo, pertencer a
mais formal, aplicando aqui os saberes e poderes, de conformida- um credo nada significaria, jamais, passar por cima de tão respei-
de com as posses do presente. Na Terra, fala-se demais e age-se de táveis leis. O muito que uma religião tem a fazer, amigo Adroaldo,
menos. Quem mais fala é muita vez quem menos vive ou dá exem- é informar bem; e não informa bem quem cuida em sectarizar a
plo salutar. Repare nos donos de religião, nos estatutos que levan- humanidade. Para uma religião ser boa portanto, não deve ser à
tam, confrontando com a vida que levam. Quando não é o próprio base de clerezia; porque a clerezia é sempre um meio de vida. E
estatuto que se alicerça no erro, são os seus pretensos executores quem faz das coisas do espírito um meio de vida, não pode falar
os que se desmantelam nos atos da vida. E assim por diante... como verdadeiro discípulo da Verdade.
— Quem foi esse que passou na padiola? — fiz por saber, mo- Íamos caminhando, dobrando esquinas de corredores e conver-
vido por não sei que curiosidade, cortando-lhe o seguimento da sando. Num repente, lá na ponta de um deles, me pareceu ver
peroração. alguém do conhecimento. Tornei Mesquita a par da impressão re-
— Foi um adepto do espiritismo. Viveu bem seus últimos tem- cebida, dizendo o nome do tal homem, que também vestia a cami-
pos de vida, granjeando o direito de ser logo recolhido, medicado sola dos internados.
e instruído assim como no seu caso... — É ele mesmo... Fábio desencarnou faz três dias.
— Nesta cidade do céu também se misturam os credos?!... — Ele era espiritista... Pelo visto, sabendo mais, não obteve me-
— Para Deus, posso garantir-lhe, não existe a acepção de cre- lhora sobre mim que, agora, reconheço, sabia menos.
do. Basta que o homem se orne, de fato, com os galardões da — Não discuto sobre crenças, amigo Adroaldo. Mas acabo de
vera decência. Aliás, já disse outro dia um de nossos pregado- dizer que cada um arrasta consigo o seu carma, as suas injunções
res, que tendo o Cristo resumido os Dez Mandamentos em dois, do passado vivido. Logo, o “como está” não poderia ser aferido
se tornasse ao mundo das formas, de novo, reduziria a um só, de pronto, sem cuidadoso exame. O como já esteve é que nos de-
que é o ser veramente decente. Porque, sem decência, caro ami- via interessar mais, para efeito de estudo. Depois disso, cumpre
go, nada vale andar com rótulos e títulos quaisquer, cheirem lá dizer que o Espiritismo, como o Cristianismo reposto no lugar, à
a que credo cheirem. Jesus recomendou o — “amai-vos uns aos base da eclosão mediúnica do Pentecostes, e tendo por moral a do
outros”— como medida de ordem geral, para efeito de aplica- mesmo Evangelho, não dispensa quitutes favoritistas, não distribui
ção na vida de relações, por saber que sem decência não adian- promessas vãs, recomendando, apenas, pelas verdades que expõe
tam os coros em procissão de todos os convencionalismos ou e ensina, a que cada um se edifique pelas obras, não olvidando
mandamentos de homens. Para a paz, faz-se preciso a moral; o afirmar que o mais saber importa em maior responsabilidade.
O Espiritismo Cristão é escola de Verdade. Ensina certo e puramente; — A Igreja proíbe faça-se isso, pelo menos, amigo Mesquita, dei
não pretende tolher, em quem quer que seja, o sagrado direito de ouvido à Igreja. Ela é a responsável. Confiei na sua infalibilidade.
livre arbítrio. Por ser escola de Verdade, não comporta clerezia, — Responsabilidade, nesse caso, cabe a quem manda e a quem
não tem formalismos, não se compra e nem se vende, a exemplo executa. O dever é de cada um pensar com a sua própria cabeça.
do que fez o Cristo durante sua passagem pela carne, nas ruas, Com as qualidades já despertas em outras vidas, se tivesse enxer-
nas praças e nos desertos da Palestina. O lado religioso, o poder
de religação mental e moral que confere ou facilita, isso fica por gado a responsabilidade de conhecedor do Consolador, e prati-
conta do seu praticante o tornar mais ou menos intenso. Como cante, por certo que viria para aqui, com a coroa que orna a todo
vê, Adroaldo, não possui o Espiritismo uma bilheteria, ou guichê, aquele que trabalhou pela evolução dos irmãos e da humanidade
onde estejam à venda entradas para o céu. Sua função é informar; em geral. Não digo tenha perdido muito; mas perdeu ótima opor-
e o mais cumpre ao sabedor o que fazer com o que sabe. Nem foi tunidade. Quanto à proibição da igreja romana, ela só pode falar
outra a promessa do Cristo, pois disse: em seu nome; nunca, porém, em nome da Verdade. Também o
“Mas o Consolador, que é o Espírito Santo, a quem o Pai en- clero levítico proibiu o Cristo de fazer o que devia e fez; mas não
viará em Meu nome, Ele vos ensinará todas as coisas, e vos fará encontrou Nele guarida a voz do mundo, porque a da Verdade lhe
lembrar de tudo o que vos tenho dito” — João, 14, 26. soou mais alto. É preciso saber ouvir, caro amigo, para que se não
Nenhuma palavra vazada no dia de Pentecostes, pela boca dos dê ouvidos ao que é corrupto e comprometedor. Convém não pen-
Apóstolos e dezenas de outras pessoas, (pois foram quase cin- sar segundo a tradição dos cleros.
quenta os médiuns que se prestaram para o início da era mediú- — É muito sábio, amigo Mesquita. Concordo consigo. E onde
nica mais intensa já vivida pela humanidade), nenhuma palavra, terá ido esconder-se o Fábio?
disse, foi retida e conservada, para efeito de julgamento dos pós- — Lá está ele, debaixo daquela frondosa árvore. É seu lugar fa-
teros; mas, pode estar certo, amigo Adroaldo, que aquilo que os vorito.
espíritos comunicantes disseram, pela boca daqueles médiuns,
não constitui promessa de céu gratuito a quem lhes desse crédito — Também temos magnólias aqui?... — indaguei, ao observar
doutrinário, apenas. É preciso saber e praticar, para se alcançar a árvore.
o objetivo colimado. De informar, de acordo com a promessa de Mesquita sorriu o seu simpático e largo sorriso. Calei-me, por-
Cristo, encarrega-se o Consolador; mas pela execução responde o que senti que ele a isso correspondeu. E marchamos ao Fábio de
sabedor, mais ninguém. minha velha amizade, ao homem a quem muito ridicularizei, ocul-
— Poderia eu falar com Fábio? — pedi. ta e ostensivamente, porque tinha a mania de dizer que conversa-
— Claro. Vamos a ele, que deve ter-se ido sentar num banco de va com os mortos, com aqueles que o pároco dizia serem diabos a
jardim. desencaminhar as gentes.
Morte, céu, doença, banco de jardim, etc., Santo Deus! Como Não sabia que aquele encontro me fosse conduzir a um pranto
poderia este pobre filho Teu, emanação Tua ou o que seja, admitir feliz. Mas assim é que sucedeu. Ao defrontar Fábio, frente a frente
tudo isso lá no mundo, havendo recebido, como de fato recebeu, no mundo dos mortos, minha alma como que aflorou à tona de
instruções só formais, sem Revelação, sem progresso? Como, Se- mim mesmo. Que alegria! Que compenetração das coisas de Deus!
nhor, ser culpado? Choramos os dois, abraçados, numa infusão de amizade intensa
E ia assim pensando, em solilóquio, quando Mesquita invadiu e ungida de celestes bênçãos. Quando pudemos conversar, pare-
minha seara mental, dizendo: ce que aquelas lágrimas haviam anteriormente dito ou significado
— Por que não quer ser responsável? Afinal, antes de criticar tudo, só dissemos coisas da Terra, do ontem da vida, dos familiares
quem era espiritista, ou quem lesse um livro doutrinário, por que lá ficados.
não buscou saber alguma coisa? A que título tinha a sua cabeça e E comprometemo-nos a novos e felizes encontros.
responsabilidade?
SAUDADES DA FAMÍLIA
P
elas dez horas do dia seguinte, depois de auspicioso pas-
seio matinal, fui encontrar Fábio no lugar onde lhe era
de costume sentar-se, debaixo da magnólia. Ao vê-lo de
longe, ensimesmado, pareceu-me triste. E foi do que
lhe falei, assim lhe estive ao pé.
— De fato — respondeu-me — trago comigo uma tristeza...
Mas, deixemos isso para mais tarde... Basta-me estar recolhido a
esta região de paz...
— É saudade da família, decerto, o que causa essa tristeza —
aventurei.
— Não... É outra coisa; mas é problema por resolver. Não se
importe com isso, porque é questão de doutrina.
— Gostaria de poder auxiliá-lo.
— Creio... Creio sinceramente e fico-lhe grato.
E dois novatos de um mundo novo, mundo novo igual ao mundo
velho deixado, como sairiam daquele vácuo dialogal, não fosse a
chegada de Mesquita?
— Parece que estão tristes! — observou este, assim chegado.
E como Fábio calasse, fiz por expressar o estado de coisas:
— Fábio quererá, por certo, dizer ou perguntar alguma coisa.
E como disse ser coisa de doutrina, também muito me conviria
ouvir, posto achar-me situado no mare nostrum da questão. Como
sabem, sustentei aversão aos princípios espiritistas. Todavia, como
as coisas mudaram, creio que preciso mudar, de algum modo.
Embora Fábio não tivesse simpatizado com o meu atrevido ges-
to, estava executado. E não me senti magoado com o seu retor-
cer de boca, gesto pelo qual expressou sua desaprovação. Sentia
em mim uma incontida vontade de fazer qualquer coisa a bem da
verdade em vista, um prazer em ser malcriado. De então para cá,
posso dizer, se me fosse dado, revolveria o mundo... Pois sinto que
o mundo nada num fétido mar de coisas e ideias desnaturadas.
As convenções afogam o homem. E afogam porque não se ornam
com as belezas da realidade, porque se dão apenas a cultivar o E enquanto Mesquita o observava sinceramente, e de minha
endosso dos conchavismos menos edificantes. Sendo a realidade parte aguardava o desfecho de uma tragédia que não apareceu
uma, parece que se faz questão de invertê-la, só para ficar bem jamais, continuou ele:
com o camarilhismo podre que explora uma situação e a própria — Assim sendo, portanto, não poderia ter sofrido menos, ao
humanidade. constatar um fato digno de lástima, uma operação espiritual, como
— E quem não está aqui para servir? — redarguiu Mesquita, se diz por lá, que em si mesma não chegou a ser, embora tivesse
com aquele seu costumeiro e afável tom de solicitude. tomado o aspecto exterior de sê-lo. Como isso me veio ao conhe-
— Desejava deixar que uns dias se passassem sobre a questão. cimento, horas antes do meu desencarne, trago comigo a tristeza
Porque, sem dúvida, não é mais que algum erro meu considerar o do fato... Sinto-me realmente compungido...
fato pelo seu ângulo menos feliz. — Conte-me o caso — atalhou-o Mesquita, vivamente interes-
— Mas há mesmo infelicidade?!... — inquiriu Mesquita, sorrindo. sado.
Fabio tornou: E Fábio relatou:
— Em um tom... Existem várias formas de infelicidade, não é — Certo amigo, sofrendo de há muito do estômago, procurou
exato? um médico. Este o mandou ao serviço de radiografia, sucedendo a
— Sim — volveu Mesquita, observando-o bem — mas se é de constatação de uma úlcera. Com medo de uma operação material,
fundo doutrinário o ato motivo, creio que deve expor o que lhe vai e sabendo de oitiva das coisas que os espíritos vivem a fazer, nesse
pela alma adentro. Em doutrina, como em tudo, há lei por base. E ramo de atividades do Espiritismo, procurou um senhor, de mim
por lei, amigo, tudo se torna explicável. não conhecido, que faz sessões dessa ordem, submetendo-se a ser
ali operado espiritualmente. E o foi, de fato, exteriormente. Mas só
Fábio caiu na meditação, vindo a mover a cabeça por algumas exteriormente!...
vezes. Em todo caso, e com forte torcida nossa, começou por dizer
o que sentia, coisa que me pareceu tola no momento, mas que re- — Sabe dizer-nos o que ocorreu depois? — reclamou Mesquita.
conheço hoje, ter lá o seu mérito. Ademais, cada qual vê o mundo — Piorou, foi internado, radiografado e operado de fato da úl-
e os seus fenômenos assim como o seu estado de alma lhe permita cera, que lá estava inteirinha! Isso, amigo Mesquita, acabrunhou
e imponha. Só os grandes caracteres é que conseguem suplantar a muito minhas últimas horas na carne, bem assim como me amar-
força de uma injunção psicológica, por antepor-lhe os dardarejos gura agora. Creio que os espíritos não deviam agarrar a quem quer
contínuos de uma vontade férrea e inclinada à análise rigorosa. que seja e depois passar um pouco de iodo, para aparentar uma
Os menos fortes cedem, mesmo sofrendo o peso da revolta que operação de fato. Quem mente em nome da Verdade se torna
não toma posição para a defesa natural. E é triste cair em fiasco, muito mais criminoso, não acha?
conscientemente. E com aquela expressão de mágoa, esperou por alguma resposta.
Fábio, enfim, disse suas coisas: Mesquita primeiro encarou-o seriamente, depois deu-se a sor-
— Como sabe, amigo Mesquita, fui sincero devoto do Espiri- rir bondosamente para com o amigo. E brandamente explicou-lhe:
tismo na minha caminhada na carne. Fiz sessões, várias, para fins — Admira-me, que um homem experimentado das coisas do Es-
úteis. Creio que, se melhor não fiz, se mais puro não me dei a ser, piritismo, assim como você é, deixe-se embair pela incompreensão
se mais sabedoria não vivi, foi somente em virtude de íntimas in- das coisas. Então, Fábio, não sabe você que há muitos complexos
suficiências. Os triunfos do Espiritismo foram os meus triunfos; as a mais, que os acontecimentos de ordem essencialmente material
mazelas, espontâneas ou propositais, provindas dos cultores me- estão sujeitos aos fenômenos de ordem espírita? Há espíritos de
nos conscientes da doutrina, constituíam as minhas dores de alma. toda ordem, em competência e moral.
Há ambientes de todo o naipe fornecendo bom ou mau campo relativa e bons amigos, isso já significa muito. Sou grato ao Supre-
para realizações do plano astral. De qualquer forma, para todos os mo Senhor, pelo que me reservou.
efeitos, deve-se levar em conta o relativismo do meio. Pois nem E como ao dizer isso fizesse um gesto indicativo, com a cabeça
tudo podemos nós, nem podem oferecer tudo à vontade os do pla- e os olhos, para aquilo que chamamos o céu, eis que recebi dele
no da carne. Além do mais, é notório, em certos casos há mesmo uma feliz observação:
incompetência de ambos os lados. O relativismo hierárquico faz
muita gente de nosso lado não saber usar o “sim sim” e “não não”, — Se pensou em Deus, de verdade, não deveria ter olhado para
com a devida oportunidade e realeza. cima, desse modo. Deus não é pessoa e o céu não está lá em cima.
Deixemos esses exteriorismos errôneos, essas idolatrias, para os
— Os que não sabem disso dizem outras coisas... Ofendem a encarnados, que dizem primeiro que Deus é Impessoal, Onipresen-
Verdade, por culpa de quem dela se diz arauto — ponderou Fábio te, e, depois, nos templos católicos, protestantes, espíritas, etc., ao
inconformado, muito triste. dirigirem-se a Deus, querem como que furar os forros, os telhados,
— Onde se deu isso? — quis saber Mesquita, evidenciando cer- para verem o espaço infinito, povoado de mundos, com olhares
to intento. tão piegas o quão simplórios. Deus está no íntimo de tudo e de
— A três quilômetros de minha casa, num bairro muito conhe- todos, por ser o Estado Clássico, a Essência Primeira do Universo
cido. Geral. A Deus devemos falar, é claro, simples e puramente, sem
— Pois nós iremos ver isso. Pelo menos, Fábio, saberemos al- pieguismos e nem medo, no templo de nossas consciências. Quem
guma coisa sobre o sistema que usam para trabalhar, quer os do olha para longe, pois, perde a referência. Deus não é uma pessoa;
nosso plano, quer os do plano da carne. Havendo erro, cumpre Deus é a Vida em Si, com a Sua infinidade em Leis e Virtudes. Cada
reparar na medida do possível. um de nós, e tudo o mais. Somos-Lhe partícula infinitesimal. A na-
Fábio levantou a cabeça e esboçou um levíssimo sorriso. Em tureza, ou a Criação, é Deus manifesto.
surdina, inquiriu: Foi nessa hora, quando mais desejava ouvi-lo falar, que vieram
— Quando? buscá-lo com urgência. Só sei que lhe disseram, então:
Depois de pensar algum tempo, Mesquita respondeu: — Chamam-no com urgência, na crosta. Dorival quer falar-lhe.
— Quando vocês dois estiverem em condições de fazer a via- Ele, despedindo-se, partiu. Partiu, sumindo diante de nós. Eu
gem... Está bem? e Fábio ficamos ruminando ideias, triturando conceitos e precon-
Tornei-me presa de feliz comoção. E como me ia pela alma uma ceitos. Uma tremenda vontade de fazer mil perguntas invade ao
tremenda saudade dos familiares, fiz a minha petição: recém desencarnado; mas, falta até mesmo o saber como arti-
— Gostaria, se fosse possível, de visitar os meus. Sinto um peso culá-las. E tudo se resumiu em pensar mais e falar menos.
na alma, uma enorme vontade de os rever. A morte supera apenas — Que coisa é a evolução lenta do ser! — disse Fábio, quase
o exterior... num gemido.
— É muito natural. — anuiu Mesquita — E com isso, pense tam- — Eu só penso nos meus e nesse negócio de Espiritismo, de
bém, de sua parte, no relativismo em que se vive depois da morte. operações, de comunicações...
Não estamos nos planos alcandorados; estamos numa zona que — Você já está vendo alguma coisa? Afinal, que é isto, sem ser
é reflexo puro e simples da Terra dos encarnados. Uma duplicata um pouco daquilo que ele ensina? Aqui estamos, vivos depois da
levemente melhorada, mui levemente distinta. Todos os porquês morte, recolhidos a uma região parecida com a Terra, inferior, mas
da vida na carne, aqui repercutem de modo ainda forte. de paz; e que dizer da continuidade da personalidade humana?
— De certo modo sinto-me feliz, meu bom amigo. — disse-lhe Dos problemas humanos? Do plano mental e das realidades de or-
eu — Vir para aqui já é muito mais do que ir para pior. Tendo paz dem moral?
— O que mais me interessa é o contato com os que lá ficaram

— disse-lhe.
— Leis regulam e determinam tudo — tornou ele, convicto.
— Ainda hei de falar aos meus, se Deus quiser. PREPARANDO UMA SORTIDA
— Mas não olhe para lado algum... — falou ele, mais bem hu-
E
morado, lembrando a observação sábia de Mesquita — Ou então stareis fartos de instruções como estas, graças ao que
olhe para tudo, vendo Deus em manifestação ostensiva. outros já fizeram, de ordem superior, isto é, por man-
— Gostaria de avisar minha gente... Gostaria muito... dato da Diretoria Planetária, segundo os canais compe-
E nos chamaram para o almoço. Sim, para o almoço. Quem qui- tentes; mas, minha vida é muito para o meu universo
ser pensar nas coisas deste lado, para fazê-lo bem, faça-o pela lei pessoal. E quero fazer de mim aquilo que posso. Ofereceram-me
das duplicatas etéreas. O mais grosso ou denso, inferior e sofrível, oportunidade? Eu a aproveitarei.
desfaz-se em gamas rumo ao sublimado. Recebi, e Fábio também recebeu, uma cartilha. Um livrinho que
versa sobre tudo um pouco, contendo ilustrações sobre a Terra e
seus planos etéreos, a começar do seu centro. É fácil de ser lido,
e também entendido, de modo geral. É o diagrama da Terra total.
Com a leitura desse livrinho, os pensamentos sublimaram e a
restauração da saúde se processou rapidamente. Também com
relação à família a coisa mudou, pois o livrinho ensina a usar o
pensamento, como dínamo transmissor de ondas. Basta se pense
com inteligência e amor, pois o mais é enviar mensagens, mentali-
zando a pessoa ou ambiente em geral. Também para a captação ou
absorção dos elementos cósmicos, dos fluidos superiores, deve-se
proceder do mesmo modo, ensina o livrinho. O pensar é o poder
de reunir o fluxo e o refluxo, num só propósito, que relativamente
ao espírito, ou para tudo o mais que entre na composição da vida,
de ordem moral, mental, intelectual ou material. O ser é um centro
dinâmico e o cérebro é sua estação para captar e transmitir. Como
se pode saber e sentir, do melhor ao pior, assim se pode servir ou
prejudicar. Apenas, ensina o livrinho, é lei da vida, antes de arrui-
nar a outrem, quem mal sabe e mal age, a si mesmo em primeiro
lugar se prejudica, revestindo-se de aura e elementos perniciosos.
É certo, pois, que pelo pensar cada qual se coroa de modo pró-
prio. E sabe-se que uma coroa infecta não será destruída assim à
toa. Perdão não existe; o que por obra se fez, por obra se terá que
desfazer. O resto é falso. E não se diga que a dor seja um ramalhe-
te de flores, por isso pode ser dito por quem esteja em paz, em
gozo, para efeito de retórica ou ênfase literária. A realidade é que
a dor é um monstro que se levanta do crime, do erro, da corrup-
ção, havendo só uma arma para vencê-la — o uso do bom senso!
O bom senso é conhecimento e amor. Flor, ou ramalhete delas, — Iremos, hoje à noite, à crosta. Estejam prontos às sete horas.
só a paz e o gozo o podem ser; o mais é falso, a prática ensina-o — Eu também? — quis saber a senhora.
muito bem. De resto, faça cada qual a sua análise, quando esteja — E por que não? — tornou Mesquita — Já está muito melhora-
nos abismos infernais, ou com a tremenda dor, de ordem seja qual da. Além do mais, como ireis ver, os fluidos emanados dos encar-
for. Isso digo do mais profundo de mim mesmo, com a sinceridade nados são revigorantes e curativos. Há casos em que, em virtude
máxima, por querer a paz e detestar a tormenta, seja de que as- de faculdades, para efeito de cumprimento de missão, seres en-
pecto for. carnados, oferecem elementos fluídicos maravilhosos. Valem por
A dor, como fenômeno mecânico deve ser estudada e elimina- cadinho renovadores.
da, pela base. Nunca poderia ser mais que consequência de maus — Agradeço a oferta, senhor Mesquita — disse a senhora.
feitos, de desequilíbrio. Logo, nunca será flor e nem brinde do céu. — Agradeço a Deus a oportunidade de servir, e aos amigos em
É apenas o testemunho da falta. Cumpre, pelo sintoma, ir à causa geral o consentimento, para que meus planos de solidariedade se
e repará-la. O bonito está no agir com inteligência, com esmero, no concretizem. Tenho em vista um programa de trabalhos. E sem fin-
sentido de liquidá-la o mais pronto. Tecer-lhe elogios, levantar-lhe dar um período preparatório, como encetar o complementar? Eis,
pedestal, cantar-lhe odes, isso nunca farei. Revivi tristes e dolo- portanto, que sou eu quem carece de vossa boa vontade.
rosos cometimentos, sofri os tremendos horrores. Singrei o chão
lamacento e esfacelei as carnes nos pedregais infindos. Quero que — Nem sei o que pensar... nem sei o que dizer — murmurou
aqueles de meus irmãos, que me vierem a ler, pensem da dor o Fábio, ante aquela torrente de fraternidade, em que Mesquita se
revelava.
que eu penso — que é um monstro que precisamos eliminar, o
mais ligeiro possível, usando de todos os recursos da razão e do
caráter em geral. Deus não nos quer sofrendo.
Para a glória é que somos voltados, não para o pranto e ranger
de dentes. E não se diga que à dor cumpre encaminhar ao bem; vi
legiões de tremendos e horripilantes seres, que, afogando-se nos
limbais e pútridos abismos, nem assim ostentavam outra atitude
em face da Justiça Suprema, que não fosse de ódio e rebeldia.
Antes da dor, que é famigerada filha da mazela, a quem deve-
mos apelar são às ações nobilitantes, inteligentes, produtos das
divinais virtudes despertas. Punição é para os teimosos, para os
delinquentes. Uma vez estudada a dor, em suas origens, devemos
tudo fazer por liquidá-la. O resto é louvaminheira gratuita, de gen-
te que de medo, pensa fazer-se recatada. E dirijo-me seja a quem
for, porque penso e sinto assim, estribado em Jesus Cristo, que
não falou em pranto e ranger dos dentes, pensando em flores ou
ramalhete delas...
Usemos, pois, o poder mental, para criar liberdade e céu.
Certo dia, quando passeava por uma avenida da região, em com-
panhia de Fábio e uma senhora convalescente, surgiu-nos Mesqui-
ta pela frente, trazendo no semblante feliz, a boa nova:
UMA PONTE SOBRE UM ABISMO
À
s sete em ponto estávamos na residência de Mesqui-
ta, onde Cristina e Vicente aguardavam para tomarem
parte na visita aos encarnados. Cristina, sua esposa,
e Vicente, seu filho, sabiam de nós apenas de nome.
E cumularam-nos de gentilezas. Dentro de minutos, Mesquita che-
gava, avisando que um carro nos viria buscar, em poucos minutos.
— Iremos de carro? — disse-lhe o filho, num tom de estranheza.
— Para variar e até certo ponto... Depois, prosseguiremos como
melhor convir.
Tudo aquilo era, para nós, estranho de tudo. Em todo caso, da-
das as condições de nossos conhecimentos, que se ajustavam bem
no campo da insuficiência, do conhecimento, não articulamos pa-
lavras. As instruções viriam, como de costume, diretamente e no
momento preciso.
A qualquer coisa que lhe dissera a esposa, ouvimos de Mesqui-
ta:
— Quero que os amigos espiem, da ponte, para ambos os lados.
Para isso é que iremos de carro. Qualquer ação, para eles, constitui
um aprendizado útil.
De carros, de fato, a cidadezinha andava cheia, quer a tração
animal, quer a motores. Eu pensava nos caminhos, não nas viatu-
ras. Minha ideia, desprovida de elementos de prática, corria antes
para o avião. Francamente, tão igual à Terra é o céu, que cheguei
a crer mais útil um pára-quedas. Pode parecer infantilidade, mas é
o caso. E que mente não se tornaria infantil por aqui, pelo menos
nos primeiros instantes? Vinha agora o caso da ponte. Que ponte,
pensava eu? Mas sabia que haveria uma ponte. Por quê? Porque
tudo é simplesmente sério em lugar de gente séria. É celestial o
ambiente que se orna de criaturas educadas, sem afetação, gente
simples e dedicada, que não mede atenções.
Com o ruído que se ouviu lá fora, julgou-se chegado o carro. De
fato, Mesquita nos convidara a sair. E o carro era a tração animal,
pois dois lindos cavalos brancos, garbosos, puxavam o mesmo.
Subimos, e o homem do carro falou com os animais. Não tinha chi- Há muito de preparativos defensíveis, de torres de espia, de postos
cote. Ouvida a ordem de caminhar, partiram como se estivessem projetores de jatos, etc. Escutam-se gemidos, ao longe, pungen-
apostando corrida. Sentia-se o prazer com que faziam a galopada. tíssimos. Quem não está preparado, sente-se ali muito mal, como
E lá fomos, estrada afora, até terminar o casario. A lua começou a se estivesse sendo invadido por ondas corruptoras do equilíbrio.
despontar no horizonte, o céu bastou-se de luzes piscantes. Mesquita advertiu-nos em tempo oportuno:
— Já se vê a ponte! — anunciou Cristina, com entusiasmo, esti- — Não pensem com afinco nos que gemem agora. Lembrem-se
rando a mão para uma das bandas. daqueles a quem fizeram gemer, de um modo ou outro. Lembrem-se
De fato, ao longe, numa curva imensa, divisava-se uma listra de que em Deus não existe injustiça, precisamente porque colocou
de luzes, havendo por baixo como que um vão escuro. Era do ta- em tudo e todos, fundamentalmente, o tribunal de perene judi-
manho de um país inteiro aquela paisagem! E, pelo que se podia ciado. Quando se age, já se lavra desiderato. Quem faz é o mesmo
com facilidade constatar, pareciam deslizar, não mais galopar. Era que pune. Não há justiça externa por acusar e nem por apelar, a
imensamente agradável aquilo tudo! E com pouco mais dávamos menos que seja por meio da justiça interna. Quem ali está, amigos,
entrada na cabeceira da ponte, onde guardas nos saudaram. Lá é porque ali se pôs pelas suas obras. Ali estão ateus, céticos, donos
mais ao longe, Mesquita falou ao homem condutor do carro. E este de títulos, rotulados em geral. Menos os virtuosos e os verdadei-
se dirigiu aos animais, que prontamente o atenderam, parando. ramente sábios.
Convidados por Mesquita, descemos e fomos espiar pela guar- — E nem em Deus haveria injustiça! — exclamou Fábio, grave-
da da ponte. Era de estarrecer a altura da mesma! Arrepios me mente.
varreram todo, dos pés à cabeça, de modo incontrolável. Devia ter Mesquita olhou para um relógio, que se achava na parede da
quilômetros de profundidade! Pois com o clarão da lua, iluminan- sala do diretor daquela fortaleza, que se via de uma janela, avisan-
do tudo lá em baixo, tinha-se a impressão de estar num avião e do:
este em grande altura. Aquilo era lindo e trágico ao mesmo tempo.
— Vamos embora? São vinte e uma horas, faltando apenas trin-
— É a Terra aquilo lá embaixo? — perguntou Fábio, com voz ta minutos para que comecem as operações espirituais naquele
sumida.
Centro de que nos falou Fábio.
— São as zonas inferiores, lugares de dor... — esclareceu Mes-
quita. E fiquei pensando como poderíamos fazer o resto da viagem. Lá
fora, todavia, o diretor deu-nos mais cinco trabalhadores, obser-
— E onde termina a ponte? — quis eu saber. vando:
— Num ponto fronteiriço. Como ireis ver, temos ali uma fortale- — O coeficiente do poder de vontade dá e sobra, mesmo em
za organizada. Por esta ponte passam, quando tornados dignos de caso de fracasso de alguns dos novatos.
socorro, aqueles que precisam de estágio em tais lugares. Há todo
um mecanismo por desenvolver-se, para que a Justiça se cumpra. — Com essa ajuda, Matias, nós iremos de um lance. Não terão
Quem fez por cair no lodo, terá de fazer por sair dele. Em nós estão tempo de fracassar, mesmo que o queiram — comentou Mesquita.
as condições, as qualidades e as leis. O plano superior envia-nos E havendo-nos posto à vontade, zarpamos pelos caminhos do
mestres, para que nos falem das coisas de que somos senhores éter cósmico, atravessando tudo e sem dar por elas. Quando che-
por natureza, mestres que nos ofertam mãos amigas. Logo, o Plano gamos ao recinto do Centro, ainda era cedo, pois as operações,
Regente nos dá tudo e nos ensina do melhor modo. E quem erra segundo tinha indagado Mesquita, começariam a ser executadas
angaria o dever de reparar. das vinte e uma e trinta em diante.
A seu convite voltamos ao carro, que nos conduziu ao fim da — Não se esqueçam de que estamos fora do alcance de visão dos
ponte, onde tocava no solo. Mas ali havia uma construção enor- presentes, por minha vontade. Não percam de vista e atenção a esse
míssima. Centenas de trabalhadores guarneciam-na e guarnecem. fato. Não há fenômeno sem lei, e, a menos que nos seja necessário,
queremos não ser vistos. Quero que tenham inteira liberdade de — Eu preferia ir-me embora. — alvitrou Fábio — Nunca me dei
locomoção, para que possam observar tudo com clareza, o que bem em ambientes assim tisnados pela falta de conhecimentos os
não seria possível nos tornando visíveis ou relativamente mate- mais rudimentares.
rializados. Como tereis lido, podemos, em nossos corpos peris- — Salva-se o que há de boa vontade — interveio Cristina.
piritais, pela vontade e por delegação superior, operar mutações
— Podemos ir, caso queiram. Temos de deixar Adroaldo no re-
nesse sentido dentro de um limitado campo. Há um limite para o
máximo condensável e para o máximo fluido; isto é, um campo de cinto familiar, de acordo com a ordem e pedido que fez — propôs
flexão que nos está ao alcance, para, pela vontade, ser utilizado. Mesquita, por nos atender.
Quero forçar ao máximo o poder de fluidez. Não quero que nos E enquanto discorríamos sobre o ir ou não, o ambiente se tor-
percebam a presença. nava abafadiço, insuportável, por saturação. Um magnetismo in-
— Pensaremos em nós, somente, quando sentirmos qualquer ferior começava a invadir tudo e todos, sacudindo os encarnados
coisa diferente; não é melhor? — propôs Fábio. presentes, que deviam julgar ser aquilo força, pois é comum ser
a nuvem tomada por Juno... Lá num canto, o primeiro paciente ia
— Mas não se esqueçam de que somos peças do Senhor; e que ser deitado sobre uma mesa. Foi de fato deitado. E com o apagar
sem ligação com o Todo, nenhuma parte se sustentaria em ordem, completo das luzes, foram caindo os médiuns em transe, passando
para ser e para servir — observou o nosso mentor. alguns agentes do nosso plano a lhes extrair, pela boca e narinas,
Assim observando, com relação ao dever de pensar em Deus, o ectoplasma em estado pastoso, com o que foram outros dando-se
Deus interior, como de fato convém e é, foi para o lado de Fábio e a condensar ou materializar ferramentas, medicamentos, etc. A
teceu considerações mais ou menos assim: maior porção de elementos ectoplásmicos, subtraídos a dois ho-
— Você, Fábio, ficou ressentido de uma operação mal realiza- mens, era usada pelo operador astral. Eu jamais teria sido capaz
da. E eu já lhe disse sobre os fatores interessantes ao bom êxito, de pensar, em semelhante coisa; mas o certo é que, em dado mo-
como sejam — ambiente psíquico em geral, grau de capacidade mento, como notassem o desperdício de material, colocaram um
do agente desencarnado, intensidade mediúnica e ectoplásmica aparelho na cabeça de um dos médiuns, que por um tubo se ligava
do médium; e, talvez acima de tudo, o merecimento do paciente. à cabeça do operador. Devia ser e era, de fato, um aparelho feito
No entanto, como vê, baixíssimo é aqui o nível em geral. Aí estão propositalmente, pois tinha todas as características de adaptação.
cinco pessoas que deverão ser nesta noite submetidas ao bisturi. E a operação começou, naquele ambiente de sufocação. Para
No entanto, estude a aura de cada uma; sonde a intensidade das mim, difícil ia se tornando suportar a densidade ambiental, por
ondas mentais, verificando por si mesmo que o caráter, em geral,
injunção da intensidade hierárquica inferior, em matéria de pa-
não está preparado. Há falhas nesta casa; e falhas que prejudicam
drão vibratório. Talvez fosse melhor realizar o serviço de adesão
muito o resultado do trabalho em geral. Faz-se mister, aqui, boas
preleções, quer de ordem moral, quer de fundo técnico, quer de ao meio, aquilo que Mesquita não queria; isto é, materializar-nos
caráter doutrinário. à proporção do meio. E pensando nisso, por não poder conter-me
num tão mau estado de estar, fui falar a Mesquita. E ele me convi-
Eu, naquele tempo, entendia dessa espécie de trabalhos espiri- dou a sair:
tísticos muito menos do que hoje; mas compreendi bem que Mes-
quita observava tudo, em matéria de moral, doutrina e técnica. — Fábio já está lá fora; vá a ele, que logo iremos. Quero auxiliar
Isso, enquanto se estava no campo teórico; porque, em seguida, essa gente, segundo como possa e Deus me permita. É você que
começaram as danças e cantorias, todo um movimentar de forma- está cedendo, por pensar de certo modo.
lismos e idolatrias, de ingerências pagãs, de coisas que definiam o Foi então que notei a ausência de Fábio. Fui para fora, sem me
ignorantismo ambiental. dar conta de que transpunha corpos opacos, sem os sentir, sequer.
Lá fora, outra era a atmosfera reinante. Daquilo que as plantas e

flores do jardim exalavam, podíamos captar o mais sublimado, de-
leitando-nos com isso. Esperamos um bom tempo. Quando Mes-
quita saiu, acompanhado de Cristina e os demais, estávamos em ESCRAVOS DO ERRO
conversa com dois outros irmãos, vindos de esfera também infe-
M
rior, a quem quisemos falar, densificando nossos corpos, materia-
lizando-nos à proporção. esquita passou um olho pela casa toda, assim que
a penetramos. Dois, dos cinco meus familiares,
— Vamo-nos? — convidou Mesquita.
não estavam nos devidos corpos. Um vagueava
E como soubesse que ia ao domicílio, pela primeira vez depois pela casa e outros dois dormiam, de fato. Porque
de ter deixado a farda mais densa, exultei de contentamento. Exul- pode isso dar-se, naturalmente; isto é, o agente espiritual sair ou
tei de nervosismo. ficar dormindo. Tudo será uma questão de querer, de poder, ou de
estado de alma ocasional, que motive qualquer dessas razões de
gosto e estado.
— Fique, Adroaldo; e estude qualquer coisa de possível, para
o futuro, no sentido de modificar para melhor o seu ambiente fa-
miliar terrícola. Quem tem uma família carnal, tem credores de
bens espirituais, num plano mais denso. Os familiares são credores
nossos, de melhorias de toda ordem. Há uma lei que transcende
ao grau de parentesco carnal, de base moral, que é a lei de ato,
pela qual devemos sempre obrigações de assistência. Esta, posso
dizer com certeza, só cessa mediante a repulsa de uma das partes;
do contrário, repito, cessada a obrigação de ordem mais temporal,
pelo afastamento ocasionado pela dita morte, permanece a obri-
gação espiritual por excelência, que pode ser executada por dife-
rentes meios e modos de atuação. O sentido histórico da vida de
relações, creia, é o mais importante de todos, depois do respeito
que devemos aos fatores superiores da vida, que são os de ordem
divinal.
E partiram, deixando-me no ambiente familiar terrícola, à von-
tade.
O que primeiro fiz, foi pôr-me à altura vibratória daquele filho
que vagueava pela casa... Bastou querer falar-lhe, para me sentir
mais pesado, mais limitado. E como fizesse isso bem à sua frente,
perdeu o controle e barafustou corpo a dentro, acordando sobres-
saltado. E era já um fracasso, pois não? Mas fiquei esperando os
outros dois. Onde teriam ido? Um era um menino, muito inteligen-
te; o outro familiar era uma menina, de doze anos, que revelava
grande atração pela música.
Saí para o quintal, para ver como iam as queridas plantas. Ba- E foram-se os mais velhos, ficando em casa os dois menores.
fejadas pelo luar da madrugada, suas folhas e flores debulhavam Notei que Ângela havia providenciado costuras, para que ela e a
à luz de prata, para cada gota de orvalho. Com a brisa a mover de menina pudessem cooperar para a manutenção da casa. Arlindo,
leve o folharedo, parecia ver-se um baile de grinaldas. o mais jovem, dava tratos à cozinha, enquanto mãe e filha dedilha-
Havia transposto a porta, sem pensar nela; mas aquele filho vam tecidos, linhas e agulhas. Que diriam, que fariam, como reagi-
que se havia refugiado no corpo assim me vira, para logo mais sair, riam, se chegassem a me reconhecer presente? E, apesar de tudo,
abriu uma como segunda porta, ou o duplo da porta ordinária. Es- fosse qual fosse a impressão, ou o conceito que pudessem vir a
tava eu encostado à parede, a meditar nas coisas da encarnação, tecer, como me viria a sentir feliz, se isso se desse! Porque, afinal,
como sendo um departamento mais tosco da vida, quando o vi depois do transpor da fronteira tumular, o porquê da imortalidade
abrir e fechar uma porta, sem precisar de mover a outra, a comum ganha foros de respeitabilidade máxima, quando se consegue ul-
ao plano físico. Já havia lido sobre isso, sobre os duplos gamáticos; trapassar o limite agrilhoante do sectarismo opressor. Dá vontade
e achando interessante, não estranhei. de gritar ao mundo, de pregar aos céus, de informar às próprias
pedras, sobre a imortalidade e a continuidade da personalidade
Tendo permanecido quieto, esperei me visse e me falasse. Mas
humana. Dá vontade de avisar, que entre a vida e a morte a dife-
ele lá se foi, jardim afora, ganhando a rua e sumindo por ela. Talvez
rença é apenas de relativa densidade física e variação do meio am-
fosse melhor assim. Tornando ao interior da casa, fui ter à cabecei-
biente. Dizer alto e para sempre, que na vida tudo é continuidade
ra do leito de minha viúva, buscando falar-lhe; pois ela dormia com e progresso lento, que a morte não existe, de fato.
o corpo. Orei e fi-la sair; estava sorridente, coisa que deixou de ser,
ao me reconhecer. Pranteou de cabeça reclinada no meu ombro. Reconhecendo, portanto, que apenas por variação na intensi-
Melhor é dizer que pranteamos. Ângela era mesmo um anjo de dade vibratória é que não nos víamos uns aos outros, apelei para
bondade a tutelar a casa toda. Sua aura era bem uma prova de sua todos os esforços, no sentido de forçar um possível colóquio, cons-
marca espiritual. Verde clara, sinal de bons dotes conquistados. ciencional pelo menos. Queria me sentissem a presença e o tre-
mendo afeto que por eles nutria. Mas, lei é lei. A lei dizia não; e eu
Não vi chegar o rapaz. não era a lei.
Quando o dia rompeu por entre as sombras da noite, mãe e Foi nessa hora que Mesquita chegou, inopinadamente.
filhos levantaram-se e enfrentaram as lides normais. Gostei imen-
samente, até às lágrimas, daqueles envios de fluidos bons, através — Perturbado? — disse ele, estudando-me detidamente.
de preces que por mim fizeram, antes do café. — Tentava uma ligação, por tênue que fosse, mas perceptível...
— Oremos, agradecendo ao Senhor, como papai gostava de fa- Queria que me sentissem a presença...
zer; e oremos também pelo papai... Hoje me pareceu ter encon- Ele sorriu, com seu costumeiro e largo sorriso, onde sempre se
trado com ele... Chorei tanto e acordei chorando... — disse-lhes descobria mais do que aquilo que dizia. E fez a sua sempre simplís-
Ângela. sima pergunta:
E embora me lobrigassem de longe, sei lá em que lugar do infini- — Não devia ter começado isso um pouco antes? Teoricamente
to, eu receberia as mensagens mentais, acompanhadas de santos que fosse, devia ter ensinado aos seus, que um dia passou pela
eflúvios d’alma. Com minhas poucas forças, coloquei-lhes as mãos carne um Homem, o mais hierarquizado do planeta, Homem esse
sobre as cabeças, uma por vez, desejando-lhes paz, saúde e traba- que cultivou todas as formas de contato com o mundo dos espíri-
lho, assim como tinha sido instruído, que são essas as coisas que tos, pois expelia aos maus e trocava ideias com os bons.
se deve pedir, pois o mais decorre de nossa vontade e capacidade — Mas fui mal instruído. Bem sabe disso, amigo Mesquita — fiz
de realização. questão de dizer-lhe, embora interrompendo.
— Antes de mais nada, cada qual deve pensar com a sua própria amigo Adroaldo, e o Evangelho seria a maior fábrica de estultícies
cabeça, não sendo menos certo que, de todos os mestres, Cristo é jamais imaginada. E isso, naturalmente, por via das gratuitas inter-
o Mestre. Por que, então ouvia a uns e a outros e não procurou ou- pretações que lhe dão.
vir a Jesus? Quem lê o Evangelho encontra, bem como em toda a — Como vai indo o movimento espiritista? Como sabe, não te-
Bíblia, o fenômeno espírita por toda a parte. Só teria, em sã razão, nho conhecimento algum do seu desenvolvimento, dadas as mi-
de ler e fazê-lo com inteligência e bom senso. nhas aversões, em virtude da escola recebida.
— Bem poucos sabem ler assim, senhor Mesquita. O maior nú- — O que é da Verdade não lhe escapa. Portanto, em que pese
mero lê segundo as teimas sectárias de uns e a negociata de ou- a oposição dos conchavismos do mundo, do ronceirismo concep-
tros. Outros leem segundo a tradição; isto é, segundo o ignorantis- cional, irá ele triunfando. Como já lhe disse, acontecimentos for-
mo de séculos ou milênios de recalques. tes farão com que a Humanidade se aperceba da necessidade de
— Não há dúvidas de que é assim mesmo — assentiu ele, pon- melhores aprendizados sobre a realidade da vida e do Universo.
do-se triste. Como se deu com o Cristo, que foi perseguido, preso, julgado, jus-
Depois de meditar qualquer coisa, enquanto me perdia pelas tiçado e morto pelos que se acreditavam donos da Verdade, assim
profundezas de cogitações já não cabidas, pois para todas as apli- se dá com o Consolador, efetivação de Sua radical promessa; mas,
cações deve-se respeitar o tempo de o fazer, emendou ele: passado o tempo de relutância, espontânea ou proposital, assim
— Mas ninguém deterá a marcha dos acontecimentos... Vive- como se impôs pela lógica dos fatos Aquele, do mesmo modo este
mos um tempo de transição, de revolução na ordem das coisas, de o fará. Porque é para o homem e não do homem. Vem ao homem,
renovação de ordem geral; e se não o fizerem os homens, de boa de ordem superior, quer tenha de aceitá-lo hoje, amanhã ou de-
vontade, por injunção de acontecimentos estranhos e violentos pois de amanhã, compreende?
terão de o fazer. A ordem é superior, ninguém contra ela poderia — Compreendo e aceito, amigo e senhor Mesquita. E, como
lutar e sair vitorioso. O livro sagrado é o da própria vida, não outro não compreender e aceitar agora, que aqui estou, em mim mes-
qualquer, em que pese o tacanhismo concepcional das gerações. E mo sendo um testemunho das afirmações da doutrina do Consola-
a vida compelirá o homem a se desfazer do jugo seboso dos ana- dor? Afinal, o fato não é que deve ser respeitado? Eu mesmo sou
cronismos convencionais e interpretativos. Os dizeres dos livros o ato que prova; como, pois, negar justiça ao que é justo? Durante
foram feitos para o homem e não o homem para os dizeres dos a vida, na matéria mais densa, pensava como dizia o padre, nos
livros. Os livros passarão, a vida não tem fim. As lições de hoje se seus sermões e através do jornalzinho que mensalmente recebia,
tornarão deficientes amanhã, mas a vida será um crescente con- que os fenômenos espíritas eram reais, porém de fundo diabóli-
tínuo, em realizações de toda ordem. Eis que, todo aquele que se cos. Agora, sinto-me em dívida perante a Verdade.
detém num livro, para sobre ele levantar noção doutrinária exclu- E não sei porquê, naquele momento, uma angústia cruel me in-
siva, dentro em pouco se terá medíocre. E que se dirá de quem vadiu todo, obrigando-me a pedir amparo ao amigo presente, para
faça, por razão qualquer, de um só livro base para interpretações não debulhar-me em pranto. Foi o bondoso Mesquita quem pôs a
em geral? mão direita sobre minha cabeça, orando com todo o vigor de sua
Não terá esse que dar com os costados mentais numa dessas alma regularmente esclarecida. E senti que o céu me bafejava, que
brincadeiras de fanatismo, tal como está a Terra farta, pelo que as vibrações melhores me invadiam por completo, enlevando-me,
sobra delas em centenas de matizes de credo? Você ainda terá fazendo-me sentir a onipresença de Deus. Que estado maravilho-
tempo, se Deus nos conceder a oportunidade, de ver, de assis- so! Que vontade de lutar pela melhora dos conhecimentos huma-
tir, de medir a extensão do rampeirismo exegético, da interpre- nos! Que desejo de virar de pernas para o ar, com tudo isso de
tação doentia, feita por pretensos mestres da palavra evangélica, crônico, de viciado, de idólatra, de atraso, de mercantilista, em que
aí por esse mundaréu religiosista. Não se salvasse a boa vontade, se chafurda o mundo humano, desde remotíssimos milênios!
— Então — disse-lhe — depende dos homens o andamento do o homem é um escravo, em sua formação mental, pela cristali-
Espiritismo, e, com ele, os melhores conhecimentos sobre as leis zação de suas próprias maquinações sectárias ou concepcionais.
da vida? Quando avança, em noventa e nove por cento das vezes, é por-
Ele sorriu, inteligentemente, para dizer entre dentes: que um chuço o tangeu. No mais, dorme sobre o espinheiro da
ignorância, esquecido de que glórias indefiníveis lhe aguardam o
— Depende dos homens, sim... Mas dos homens encarnados e desenvolvimento.
desencarnados, pois não é certo que os homens desencarnados
falam e obram, dizendo e operando de modo deficiente, também Aquietou-se por uns segundos e volveu:
viciado, também rampeiro? Homens há, na Terra e no Céu, por — Sem contar com os que vivem nos países astrais inferiores,
assim dizer, de todos os padrões hierárquicos, de todos os tons in- calcule o número dos que vivem paralelamente ao homem encar-
telectuais. E disso você já teve provas, naquele Centro onde fomos, nado, caminhando juntamente com ele, pelas vidas do pensamen-
antes de trazê-lo para aqui. Como vê, a questão é de lá e de cá, é to menos edificante, das ações até mesmo tenebrosas. É de tal
nossa e em geral. modo complexo o problema, que a muitos estudiosos do Espiritis-
— O problema é muito sério... — comentei, cheio de temores. mo não cabe o imaginar sobre aqueles que, sendo desencarnados
e tendo disso conhecimento, de si mesmos não deem esforços no
— Encare a Humanidade toda, da carne e do aquém carne, para sentido de melhorar o padrão. Esteja certo disso; isto é, de que
andar certo, com relação ao problema de ordem educacional ou na carne existe muita gente bem mais vantajosamente intencio-
evolutiva. Na carne paira um número de irmãos, milhões de mi- nada do que por aqui nos planos mais densos, onde mesmo na
lhões de vezes inferior; o lado sério é este lado, pois destas regiões consciência da continuidade da vida, aplica-se a criatura às piores
é que partem, em maior número, em intensidades potentíssimas, proposições.
vibrações inferiores. Se na carne encontra o encarnado o guante E perorando por isto ou aquilo, as horas iam passando.
do animalismo, dos instintos, das tendências inferiores, o que é
que não há por aqui, em que estão estes planos de minoria? Por Lembrei-me daquela ponte sobre o abismo, por me parecer que
estas bandas tudo se conta por multiplicação quase infinita; logo, lhe sentia a profundidade, em todos os sentidos. Queria pergun-
mais nos toca que a eles, o problema educativo. E isso implica em tar-lhe umas tantas coisas, quando foram chegando os filhos, que
trabalhos, coisas que sem elementos capazes não se pode encetar. vinham para o almoço, cada um querendo contar alguma coisa.
Precisamos de milhões de obreiros! Milhões de obreiros!... Mas não ficou neles, somente, o caso das pessoas presentes; uma
moça chegou, também, sorridente e feliz, de quem enorme distân-
— Mas havendo milhões de milhões de seres!... — considerei, cia hierárquica nos separava, pois Mesquita também lhe era bem
pensando nos que medram nas regiões inferiores, nos abismos por inferior, pelo que se podia concluir, facilmente.
ele citados. — É com prazer que me apresento; chamo-me Alva e sou amiga
— Pois sou um dos que trabalham para aumentar o número de alguns séculos de Ângela. Fez ela, por mim, então, tudo quanto
de serviçais na seara do Consolador. A questão é que nunca há pode, criando-me e dando-me a formação moral que valeu muito.
intervenção milagrosa e nem misteriosa. Precisamos contar com Fui enjeitada por minha mãe, que me largou na porta de sua casa.
a normalidade, seja para o que for. E, normalmente, ninguém se Ângela, que então se chamava Dolores, deu-me tudo o de que po-
faz santo ou conhecedor, pelo simples fato de ser encarnado, de- deria carecer uma criança naquela idade. E deu-me tudo o mais,
sencarnado, convidado ou não a servir à Causa do Senhor. A luta quando menina, quando moça, quando esposa e mãe... Ela foi o
é árdua, lá e cá, porque o problema humano, lá e cá, é um só. meu anjo tutelar naquela vida, razão por que jamais esqueci. Sem-
Não há salto por que se espere. Tudo marcha de maneira lenta, pre que volto ao espaço, uma vez reintegrada nos conhecimentos
muito lenta, em virtude do arraigado mental, do tradicionalismo do passado, minha alma volta-se para ela. Procuro-a pelos canais
defeituoso. O homem não muda, do pior estado mental para o me- competentes; e, encontrando-a, jamais deixo de visitá-la, quando
lhor, pelo simples fato de haver melhor estado mental para atingir; possa. Essa é a razão por que estou aqui, meus senhores.
Estávamos conversando com Alva, quando chegaram, também,

os espíritos que haviam sido avós de Ângela, noutra vida. Apresen-
taram-se e ficamos muito amigos. Pouco depois, meu avô paterno
também chegava, rejuvenescido de muito, alegre como era o seu LENDO O MEU RELATÓRIO
natural. E a prosa girou em torno do meu desencarne e destino
N
funcional. Mesquita disse que tinha, sobre mim, tudo programado,
de ordem superior. E Alva ofertou-me seus préstimos, o mesmo fa- ão é agravante, para mim, o ter desencarnado, nesta
zendo os outros. Alva era, porém, muito superior aos outros, pelo última vez, nas condições em que o fiz; pois nada
que se insinuava, espiritualmente, de um modo estranho, pene- tinha a agravar, por nada ter tido de importante
trando os recessos de nossas almas, com os seus dotes de compre- em outras vidas, a me aureolar a fronte de vivedor
ensão e elevado amor. simples e humilde. Conheço quem não possa dizer o mesmo, por
haver esbanjado bens internos em experiências mal orientadas;
Ao cabo de algum tempo, cada qual foi para sua banda, tendo quem borrifou de fiasco, nova migração pela carne, depois de ter
ficado eu e Mesquita, por mais um pouco. Logo mais, também nos dado de si, em outros tempos, provas de belas realizações. É que,
fomos. Osculei em lágrimas, a cada um dos meus, saindo a cami- como ninguém se completa de uma só vez, tendo de experimentar
nhar vagarosamente. situações estas e aquelas, para efeito de complemento, esbarra
Foi Mesquita que me convidou a um passeio pela Terra. Fomos em ângulos menos eficientes de sua própria organização. Há mes-
onde quisemos ir, detendo-nos ou não, onde bem entendemos. mo, em todos nós que ainda somos pobres de virtudes despertas,
Como é pequenino o nosso planeta! Com o querer pensar, e lo- pontos fracos, regiões morais menos sólidas. Cumpre, portanto, ao
comover, não há distância, tudo é já e muito pequeno. A morte, programar nova abordagem à carne, fazê-lo com prudência, não
amigos, é a máxima bênção, porque devolve ao espírito o que lhe excedendo nos exageros da autossuficiência. É melhor andar de-
é por natureza. Mas é preciso morrer bem, é claro. Não digo que o vagar e seguramente.
tenha feito no melhor dos estados; mas, outros o fazem piormen- Não sei o porquê, mas foi Alva quem me veio trazer, um dia,
te... E outros, melhormente... meu relatório. Era e ainda deve ser, devendo estar no departamen-
to competente, um calhamaço em ordem, limpo, bem guarnecido.
Não tinha, nem seria preciso ter, como me disseram, referências
sobre os primeiros lances do espírito consciente, ou de entrada
imediata no reino hominal. Começou, mais ou menos, e com ci-
tações mui ligeiras, no tempo da vinda da raça adâmica, há pouco
mais ou menos quinhentos mil anos atrás. Não sou adamita, não
vim barrado de outro plano, sou evita, sou da raça primitiva como
muita gente o é, pois deveis saber que nos compomos, os habitan-
tes da Terra em geral, da carne e dos países astrais, de uma infusão
de advindos e primitivos, rareando muito os emigrados voluntários
de outros planetas.
Há quem pense muito, sei-o agora, nessa questão; isto é,
em ir para melhor casa cósmica, pensando que, para encon-
trar céus lindos, indizíveis em esplendor, seja preciso deixar a
Terra. Que erro grosseiro! Pois, nem cismando coisas ditas so-
nhadoras, e que em si contivessem os néctares dos sonhos,
poderia dizer alguém encarnado, ou habitante dos países inferio- Que coisas andei a fazer, então, por todo esse tempo, no seio
res do astral, daquilo que a Terra comporta, em suas zonas mais do cardume humano, na Terra como se fora em qualquer outro
afastadas, lá para onde não consegue atingir o vibrar inferior das mundo da mesma categoria? Vivi e fui, como acontece com todos,
camadas mais próximas do centro. preparando meu caráter pessoal. Porque ser uma individualidade
Porque a Terra é um todo, sendo que, quanto mais para o cen- distinta, à parte das demais partes, nada demais é; o principal é
tro geral, tanto mais inferior, na direta proporção em que, quanto a organização do caráter, a feitura do próprio eu característico. E
mais para fora, mais divinizados os ambientes são. Descobre o ser, demorei-me desanimado, porventura? Não, pois milhões de anos
os seus bens inatos, os seus dotes de emanação divina que é, para temos vivido, nos planos inferiores, de antes do mineral, nas ga-
certificar-se do que afirmamos aqui, de onde o plano geral se torna mas hierárquicas incontáveis dos reinos anteriores ao reino ani-
de fácil compreensão. A Terra comporta todos os céus desejáveis. mal. E como atravessamos o reino animal? De um salto, talvez?
Que ninguém perca tempo em pensar ir para longe, porque o mais Não, pois na Obra Divina, no Deus Manifesto, não há saltos, tudo é
difícil é atingir os cimos dela mesma. Nos seus extremos domínios, paulatino, lento, progressivamente lento.
possui a casa cósmica dirigida pelo Diretor Planetário, ambientes Revi, também, através de aparelhagens próprias, vidas e vidas,
subidíssimos. Não sei isso apenas por estudos diagramáticos que nas eras que se foram, nos continentes que já não existem, no seio
nos são aqui oferecidos; experimentei o prazer de saber de fato, de raças que se transfundiram. Adorei a um mesmo Deus por fana-
em virtude de escalada organizadora, como prêmio, e onde Alva tismos vários. Ofendi a um mesmo Deus, pelas razões que também
era uma das dirigentes da minúscula caravana. hoje são usadas pelas diferentes religiões, nos seus entrechoques
Apenas, é bom considerar, a muita luz cega aos morcegos... Em sectários. Defendi cores, bandeiras, clãs, credos. Matei e fui mor-
nossa organização característica, existem três pontos essenciais to. Lá para trás, não muito longe, comi e fugi comido.
— o inferior, o ótimo e o superior. O inferior atingimos pela de-
gradação, e não sei até onde possa ir, sem ser que atinge o revol- Assim como hoje o fazem milhões, na carne e fora dela, ao invés
vimento das formas animais primitivas por onde transitamos em de adorar a Deus, pela decência de conduta, bajulei, lambi, adu-
simplicidade, o que então era normal. O ótimo é aquele estado lei, chaleirei. E não sei se o farei ainda, pois em volvendo à carne,
normal, como o meu, no presente, que estou em equilíbrio entre muito mais fácil é temer e chaleirar a Deus, fazer lambetismo inde-
merecimento e o meio ambiente. E o superior, que é o forçamento coroso, do que viver decentemente para com o semelhante, que
do ótimo, coisa que cansa, pois constitui um sustentar altura vibra- é o que Deus quer que façamos. A turba humana não sabe ainda
tória não comum, não ordinária. As alturas cansam muito, sendo compreender e amar; por isso mesmo, teme e adula, por meio de
normal que, nos extremos do forçamento, não podemos manter o formalismos pagãos, idólatras, em si mesmos repugnantes. A ca-
posto por nós mesmos, sendo necessária a intervenção de agentes pacidade de hipocrisia é tal, a tal ponto sobe a deselegância em
mais categorizados. Há, porém, para o inferior e o superior, campo conduta moral-mental-religiosa, que, mesmo depois de reconhe-
acessível, onde, sem prejuízo, se pode viver e servir. Nunca deixa- cidas as fraudes teologais, os falsos adornos, as verdades postiças,
ria de haver um campo de flexão, para cima e para baixo, em tons as mentirosas disposições convencionais, ainda continuam a ceder,
e matizes. Uns sobem para estudar, para encetar aprimoramentos, por via dos rótulos, dos títulos, dos preconceitos, das famigeradas
principalmente nos casos de encarnações missionárias em vista. obrigações sociais, protocolares e ditas civilizadas. O homem, de
Outros, abnegados, descem para se tornarem mais úteis, para es- fato, está sepultado bem no fundo do homem fictício, do homem
tarem ao pé daqueles a quem pretendem auxiliar. Os nossos pla- formal, do homem fantoche, do homem convencional. E é por isso
nos estão forros destes tais. que a morte envia, todos os dias, para os rincões de treva, pranto e
Mas eu dizia de mim mesmo, como evita, como elemento da ranger de dentes, dezenas de milhares de engalanados do mundo,
raça-mãe, daquela raça que ofereceu encarnação à legião adâmi- de gente de tripa forra e herdeira de valiosos símbolos do mundo.
ca, faz mais ou menos quinhentos mil anos, segundo dizem sábios Se o diabo existisse, seu melhor negócio seria com os titulados das
destes lados, através de seus livros e suas palestras. religiões.
Como a morte poderia rir da vida, não fosse ela da vida prolon- Revendo o meu longo viver sobre a Terra, em todos os tempos,
gamento, não tivesse de ser veículo de transições lentas, judiciosas eras, continentes, raças, povos, credos e pátrias, posso dizer que
e belas! E, se fosse dado a mortais olhos, no plano da carne, ver em vi, em linhas gerais, o viver, o deslizar da Humanidade por sobre a
como se transmudam em trevosos certos luminares do mundo? E Terra. E, se dolorosa é a história humana em geral, desgastando as
se o espírito encarnado, que focaliza nos empíreos celestiais a cer- arestas do interior, em luta contínua contra as quinas do ambiente
tos seus devotos, fosse dado vê-los nos barraçais de toda ordem? exterior, também proveitosa foi a dura jornada de milênios. Atra-
Em que sorte de prostração cairiam milhões de seres, simples e vessando o homem coletivo, a Humanidade, os vulcões do mundo
humildes, em vendo a seus heróis apeados de seus pedestais insó- exterior, suas guerras e cataclismos, também, conjuntamente, foi
litos? Como se portaria a Humanidade, que compra tudo quanto conseguido burilar, quebrar cantos, amolgar ângulos de sua estru-
carece de espiritual, quando visse os seus funcionários pedindo, tura ainda feroz, animal e truculenta. Houve permuta em todos os
mãos postas, lamacentos, suarentos, tétricos, um pouco de paz, sentidos, sem dúvida, entre a luta do homem contra o meio e do
uma medida de redenção, uma oportunidade de ressarcimento? meio contra o homem, obrigando-o à melhora, ao progresso em
Como se portariam os filhos do povo, em vendo que aos simples geral. E é para isso mesmo que tudo existe em torno do homem, da
pais, mães, filhos, irmãos, gente decente, foi entregue o bastião da monera ao macrocosmo: para o tanger, inculcar-lhe o espírito de
espiritualidade, a ordem de autoridade, sendo que aos donos de luta, por idealismo, ciência, arte, necessidades em geral. Nada dei-
credos, proprietários do pensar alheio, outro rumo não foi indica- xará jamais de instruir ao homem, desde que ele queira pensar nas
do, sem ser o das reencarnações dolorosas, o das provas por vezes origens, no plano de ação e nos destinos de todas as coisas. Uma
horripilantes? simples formiga é um monumento de estrutura mecânica; sondar
Sim, amigos, imaginai nisso tudo, pois a Justiça Divina vos mos- numa monera o seu porquê, as suas bases físico-químico-mecâni-
tra tudo e de pronto. Quem é esse homem que vedes, sempre, cas vale por um curso técnico que não podemos ainda completar,
estirando a mão à cata de uma esmola, encostado à porta de um em virtude de ir esbarrar na transcendência de tudo, na Causa Ori-
templo qualquer? Não teria estado ontem, lá dentro, a vender sa- ginária. O simples duplo-etéreo de um homem, encerra desafio a
cramentos, ou à custa destes a fabricar ignorantes e simplórios, todas as argúcias científicas, apesar dos imensos informes do Con-
para mais logo os explorar? E aquele cego, aquele coxo, aquele solador, porque em tons e matizes qualquer ordem de fenômeno
leproso, aquele surdo-mudo, aquele paralítico, etc.? Quem está se estende ao infinito.
por fora vedes, mas quem está no cerne não podeis ver. Contu-
do, poderíeis imputar fraude, dolo, precariedade, à Soberana e In- E o amor nunca fabricou desgraças, o amor de ordem superior,
terna Justiça? Pois não vos confundais, amigos, com os rótulos do é claro. Mas vi levantarem-se, dos proscênios religiosistas, não
mundo. O mundo veste a fantasia de um modo assaz incerto. Da- cânticos de glórias a atrair bênçãos, não cortejos de nobres atos a
qui vos falamos, porque ordens superiores assim determinaram, forçar o florescimento de dons de alma, mas sim vi, pasmo, cho-
em virtude do ciclo que se vence. Nova era despontará, lentíssima, cado, assombrado, que eles subiam, como fumo de breu, colunas
nos horizontes da vida planetária, conclamando ao bem, ao frater- de dor, de ódio, de perseguições, de vinditas cruéis, que subindo
nismo sem rótulos, sem presunção, sem ostentação, sem exterio- um pouco, depois desciam, saturando tudo com a pestilência de
rismos falsos, que primeiro ludibriam aos sentidos e depois cha- suas ingênitas virulências. É que falando de Deus, na Verdade, no
furdam os espíritos nos antros abismais. De futuro, sem dúvida, Amor, os credos oficializados e organizados em bases político-eco-
respeitar-se-á o ser pelas suas virtudes e pelo seu saber de fato. nômicas, nada mais têm feito que trair e trair! Atiram Deus contra
Quem mais tem mais deve dar, em obras de Humanidade, não em Deus, a Verdade contra a Verdade, o Amor contra o Amor! Nunca!
forjaduras idólatras, não em farândolas simbólicas, mistificadoras Isso jamais se daria, porque as coisas puras não são atingíveis pelas
e infernais. baixezas do homem ignaro. Estes é que, presumidos e maldosos,
se atiram nos abismos, nos grilhões das reencarnações dolorosas.

É triste arrastar a coletividade para as concepções indignas do
Amor e da Justiça de Deus. Moisés, descendo do Monte Sinai, com
ordem de não matar, havendo morto quase vinte e quatro mil, não DEVOLVIDO AO TRABALHO
traiu a Lei, nem em sua forma, nem e menos ainda em seu espíri-
F
to — traiu-se a si mesmo. O Cristo, dando-se à morte ignominiosa,
ressurgiu no mundo dos ultralibertos, coroando com os galardões azia já bem tempo que havia deixado a Casa de Recupe-
de mais um imperecível triunfo e poder de mando. Eis que exis- ração, quando numa de suas visitas, disse-me Alva:
tem, amigos, várias ordens de vitória. Algumas vitórias valem por — Mesquita devia ir, também; mas surgiram à última
fragorosas derrotas, por descidas a abismos consciencionais e ex- hora, dificuldades imprevistas. Iremos nós, como esta-
teriores. va combinado, assistir a uma conferência, na crosta, feita por um
irmão encarnado. Como já teve a oportunidade de ver, ou rever a
história do homem sobre a Terra, terá agora a oportunidade de ou-
vir, da boca de um encarnado, uma exposição resumida da mesma
história. Como já ouviu dizer, trabalhamos sob a égide de Jesus,
no plano geral; mas, no quadro das ramificações obrigatórias, das
funções executivas, os trabalhos obedecem à orientação de gran-
des oficiais, de subalternos categorizados. Assim, pois, os serviços
em torno à unificação da fé, por compreensão e não por mística
piegas, estão afetos a quem de direito, por outorga da própria Di-
retoria Planetária.
— Compreendo perfeitamente, amiga Alva, que a Terra vale,
para efeito de administração, por um país maiorzinho e bem mais
justamente administrado, do que os países pequeninos de nós
bem conhecidos. E que assim como os países da Terra possuem
seus chefes-supremos, seus ministros, seus governadores, seus se-
cretários, seus chefes de repartições, etc. também um planeta os
possui, é claro, e em bem melhores e maiores expressões.
— Muito bem. Pois iremos nós três: você, Cristina e eu. Esteja
pronto à hora de costume.
E deixou-me a meditar. Mas a meditar com outro conhecimento
de causa, que não aquele dos primeiros dias, quando tudo era con-
fuso. Agora, sabia bem que tudo é por ordem, por hierarquia, por
gamas vibratórias e administrativas, havendo direção para tudo,
de dentro para fora e de fora para dentro. Tudo simples, natural,
altamente respeitável.
Pelas seis e pouco, acompanhado de Fábio, entrou Mesquita. En-
trou, devo dizer, para a casa onde então passei a habitar, residência de
velho amigo. Porque, afinal, por obrigação funcional ou o quer seja,
não quis e não poderia, de fato, ter ido para regiões outras, onde — Que cheirinho de poesia anda por aqui hoje!...
tivesse parentes radicados. Foi imperioso ficar em lugar propí- — Estamos na hora? — indagou Mesquita, volvendo-se.
cio para certo desenvolvimento de atividade. E tudo corria bem,
— O senhor também vai? — quis eu saber, pois estando pre-
trazendo-me o serviço em curso, a todos os momentos, oportuni-
dades de felizes amizades e ricos aprendizados. sente e dizendo Alva o que disse, supus ter havido qualquer nova
deliberação.
Sorriso largo à vista, saudou-me Mesquita:
— Vou para a crosta, mas cumprir outras ordens. Vou para
— Boa noite, Adroaldo. E boa noite com todos os “rr” e “ss”... aquele Centro onde fomos ver aquelas operações espirituais...
Como se tivesse querido aludir às concepções de certos credos Lembra-se do caso do Fábio?
do mundo, que presumem haver e teimam que há, de fato, uma
tremenda ou total separação entre tudo o que é dito da Terra e — Lembro-me perfeitamente.
tido como do Céu, ratifiquei: — Temos ordens a transmitir aos guias daqueles serviços — in-
— Boa noite, com todos os “rr” e “ss”, não há dúvida alguma. formou.
Mas sabemos que os nossos “erres” e “esses” possuem encontros — É interessante — considerei, imaginando no que se teria pas-
inimagináveis, quando se trata de nossas noites. sado, desde aquela noite, quando bem má impressão tais serviços
— Quero lhe dizer, que, apesar de tudo isto ser imensamente nos causaram, pelo inferiorismo em geral ali reinante.
belo, profundamente deslumbrante, enternecidamente adorável, Notando-me a curiosidade construtiva, tornou ele, em resumi-
tenho saudades das noites de minha terra! O Ceará, com suas noi- da explicação:
tes claras e seus mares bravios, parece que surgiu, de um sonho — Expus aos dirigentes o meu parecer. E a resposta levo-a, para,
do próprio Deus!... Demais, a Terra, por si só, sem o desmazelo hu- no caso de aceitação do alvitre superior, contribuir com elementos
mano, sem a barbárie intelectualizada, apesar de suas convulsões de melhoria em geral.
telúricas, dos extremismos de suas erupções cataclismáticas, não
deixaria jamais de ser um poema vivo, palpitante, a atrair perene- — A resposta está sendo endereçada aos guias do Centro?
mente os sentidos do homem superior, da alma capaz de sondar, — E os guias falarão aos seus imediatos, que são os trabalha-
na pujança dos seus arrebóis, na embaladora doçura dos seus credores encarnados. Não ficaria bem, em tal caso, falar diretamen-
púsculos, o porquê da própria vida! Não existe trecho de estrada, te aos encarnados. Afinal, se outra fosse a ordem intelecto-moral
galho de árvore, pétala de flor, regato serpeante, que não tenha reinante, da parte dos encarnados, outra seria a ambiência do
herdado, pelo menos uma só bênção das musas. A dor, o amor, a plano astral. Falaremos, pois, àqueles que são o reflexo do pen-
alegria, a tormenta, o dia, a noite, o riso, a lágrima, o belo, o feio, sar ambiental. Como deve ter lido, somos atraídos ou repelidos,
a ignorância e a sabedoria, que coisas são, em conjunto, sem ser pelo modo de pensar e sentir dos que na carne se reúnem. Eles é
o motivo de todas as sinfonias, a alma de todas as canções, a base que possuem a chave, pelo imenso poderio eletromagnético cujos
de tudo o que se possa argumentar? Por causa da Terra, amigos, pensamentos fazem intervir.
as inteligências mais belas, os cérebros mais atilados, os corações — E se não aceitarem a oferta superior?
mais amantes, sonharam com o que de mais sublime possuem os
céus! Jesus, em Sua grandeza, mandou olhar para os lírios do cam- — Continuarão como estão — respondeu, fazendo significativo
po e para as aves do céu. Por que, meus amigos? Por causa da sin- gesto de ombros.
geleza, por vias das tremendas lições que a simplicidade encerra e — Não seria justo impor...
prodigaliza. Como que antecipando-se ao meu dizer, sorriu inteligentemen-
Alva entrou, ouviu um pouco e sorrindo lhe ciciou aos ouvidos: te e salientou:
— Nada disso, pois não são de modo algum maldosos; falta-lhes em geral, de base educativa, de fundo orientador, num sentido de
superioridade; falta-lhes evolvimento em hierarquia, doutrina forçamento universal e contínuo, embora ressalvando o respeito
e técnica. E quem para lá se encaminhar, pouco mais ou menos, às possibilidades pessoais.
também estará por essas paragens de merecimentos. Em aceitan- Em ouvindo Fábio assim falar, quis saber mais de perto se qual-
do, que terão de fazer, sem ser abandonar certas práticas que a quer coisa de ordem íntima o ressentia, qualquer coisa toda pes-
todos agradam, que são os ritualismos? E crê que aceitarão? soal. Explicou-me:
— Então — intervi — nem conviria aconselhar! — Você também é marinheiro de primeira viagem. Não sente
— Enquanto se tratar de lidar com elementos evolutíveis, preci- em si uma opressão do meio, uma como que coerção fantástica,
samente por isso, convém tentar. principalmente no sentido intelectual da vida? Não lhe parece que
— Dentre os encarnados? nos estão a reclamar alguma coisa?
— De ambos os lados. A lei é melhorar ou subir sempre, avançar — Fábio, você bem sabe que eu era católico, e que um católico
sempre, conquistar ao infinito as melhores expressões em perfor- é apenas um crente empírico, tudo ignorando sobre o realismo da
mace edificante. Nunca se deve pensar que já se tem ou sabe tudo, vida de extratumba. Como poderia eu, crente na errônea concep-
estabelecendo o regime de círculo vicioso. Tampouco, e saliente ção de uma só vida, na salvação por encomendas ritualísticas, no
bem isto, deve-se imaginar na obrigação de homogeneidade am- realismo dos conceitos de céu, inferno e purgatório como terri-
biental; a homogeneidade, para ser construtiva, só sendo de or- tórios, como poderia eu, agora, portanto, não me encontrar em
dem relativa. De resto, precisas são as múltiplas concepções, des- perene encantamento? Estou no céu, estou bem, é o que lhe devo
de que ungidas de santos objetivos. E queira ou não nossa mente dizer. Nada me oprime, tudo me enleva. Sinto-me uno com Deus,
admitir isso, haverá sempre um segundo modo, pelo menos um assim como diz no catecismo que logo de entrada nos deram para
segundo modo de se entender uma primeira ou última ideia. Lá, ler. E quereria eu mais do que isso? Quero é certo, pois assim de-
pois, apesar do inferiorismo parecer geral, gente haverá com von- termina a lei; mas, por ora sinto-me no céu.
tade e preparada para avançar um pouco. Essa gente, portanto, ou Fábio ficou meio desconcertado, cismático, a observar-me bem.
forçará no sentido de renovação de meios e processos, ou tomará Coisas enuviantes deviam estar a lhe entravar o ingresso em me-
rumos outros, indo frutificar melhor mais para a frente. lhor estado de estar. Mas, que poderia eu fazer, ou dizer, se vultos
— E estamos na hora, pois havemos de ter tempo para mais de outro coturno silenciavam a seu respeito, a respeito do seu es-
prosa por lá — observou Alva, tomando o ancião pelo braço e di- tado de alma? Fiz-lhe ver, em palavras, enquanto Mesquita, Alva e
zendo-lhe fosse chamar Cristina, que se achava pelo interior da outros haviam ido buscar Cristina, que bom seria falasse claramen-
residência. te com algum chefe. Havia um porquê qualquer, sem dúvida, por
— Morrer, bem o sabia, não significa terminar empreitadas. resolver, sendo que os elementos e meios não deviam estar longe.
Mas vejo que o problema humano, por aqui, torna-se múltiplo em Ele, então, falou-me assentindo; iria, assim lhe calhasse de oportu-
detalhes e características interessantes. Sobretudo, considero um no, escancarar a alma. Para mim, sabia que qualquer deles estava
ponto de ordem ética: enquanto na carne julgamos que a morte a par de tudo; mas que a iniciativa devia ser dele, por ser dessas
nos separará de certas obrigações, criando uma distância, dispon- coisas cuja ordem pertence à deliberação individual.
do barreiras, aqui viemos encontrar uma ordem em todas as coisas Quando vieram do interior da casa aqueles que haviam ido à
e propósitos, pois a unidade nas operações firma-se de modo es- cata de Cristina, Fábio esboçava leve sorriso, coisa em si ainda bem
petaculoso. Há, compreende-se facilmente, aumento de cuidados rara.
— São sete e trinta — avisou Alva.

Com algumas recomendações de Mesquita, partimos dei-
xando-o a sós com Fábio. Isto é, partimos em cinco pessoas, inclu-
sive Alva e Cristina. Com minhas poucas probabilidades de êxito, NO CHÃO DO MUNDO FÍSICO
fazia força mental no propósito de que Fábio, uma vez a sós com
N
Mesquita, dissesse do que lhe ia pelo mundo interno. Talvez por ão sabia eu para que canto do mundo iríamos. Sabia
simples questão de fraternidade, quem sabe por razões históricas que iria ouvir uma palestra, que seria proferida por
de mim não lembradas, o certo é que aquela contínua tristeza de um pregador encarnado. Isso, para mim, tinha sig-
Fábio me atormentava. nificação ampla, tomasse lá a coisa como tomasse,
pois vinha de uma escola religiosa falhíssima, inimiga das melhores
verdades do Cristianismo e cultora de umas dezenas de formalida-
des pagãs, copiadas entre um pouco do levitismo hebreu e mais
um tanto da mitologia greco-romana. Estava, por mim mesmo, no
gozo de superior vilegiatura espiritual. Nunca havia sido trunfo,
não tinha nomeada no mundo por resguardar; sentia-me entre vi-
vedor comum da vida e espectador a quem os fados brindavam
com suaves meneios de felicidade cosmopolita.
Atravessadas umas regiões escuríssimas, à margem do seu po-
derio por oposição vibratória que gente sabida e virtuosa domina-
va a bel-prazer, pousamos nossos pés em terra mais densa. Era o
Rio de Janeiro, num subúrbio distante, lugar incrustado entre mon-
tanhas e serras. O casario coalhava a paisagem enluarada.
— Vamos andar um quilômetro a pé? — consultou-nos Cristina.
— A questão é o fator tempo — intervi, por fazer meus cálculos.
— Eles começam sempre pelas oito e meia. E eu nasci neste lu-
gar... Quantas vezes cruzei esses caminhos, quantas coisas alegres
e tristes estas montanhas me viram viver! Apesar dos desenganos
da vida, mas considerando-a como uma sabatina perante a própria
necessidade de edificação pessoal, ela é bela e encanta-nos por
múltiplas razões. No meu deslizar último pela terra, fiz novas ami-
zades, conquistei conhecimentos, arranjei deveres sociais que não
quero se percam no emaranhado dos séculos dos montes e das ser-
ras, ouvi a Voz de Deus, assim como através dos vales e o canto das
aves pude sondar o que de Divino encerra o ritmo da vida. E olhem
bem para o quadro que temos diante; calculem, com alma, a soma
de poesia com que a Sabedoria Suprema edulcora a vida do ho-
mem, oferecendo-lhe elementos sobre o que raciocinar, material
divino com que tecer o manto do conhecimento real. Em sã razão,
como se poderia ser ateu, materialista ou partidário do caotismo,
em tendo pela frente, para observar, para estudar, para sentir, uma Cristina afirmou ter feito isso, muitas vezes, durante suas primeiras
visão como esta? entrevistas com o plano mais denso e familiar.
Realmente, a paisagem era espetacular. Do cimo de uma mon- Varando corpos opacos à vontade, viemos a nos encontrar en-
tanha, apesar do sombreado noturno, o luar favorecia uma visão tre oito irmãos da carne e uma dezena de congêneres. Feitas as
portentosa. Silente era o local; só de quando em quando, vindo lá apresentações, disseram-nos que mais uns milhares viriam, ainda,
dos vales, um som qualquer rompia a quietude enebriante. Eram de variantes pontos astrais, bem como encarnados cujos corpos
vozes infantis, pipios de aves, latido de cães, surdamente chega- estavam em descanso no momento, em virtude de situações geo-
dos, quebrantados pela distância. Para o outro lado, rumo das ser- gráficas.
ras virgens, o quadro se mantinha puro, sem retoques humanos. E a palestra nossa, por engraçado que pareça, girava em torno
O ondeado se perdia de vista, indo confundir-se com o matizado dos conceitos emitidos pelos encarnados, em prosa entre si. Eram
de estrelas no bordado sem fim dos espaços. E para o espírito
recém chegado na ciência do Divino Monismo, da onipresença de oito pessoas adultas, mas não idosas. O mais velho não teria qua-
Deus, tudo isso em que faria pensar? Que sentimentos desabro- renta anos; e devia ser o chefe de família da casa onde estavam
chariam num ser, pela incursão de tais cátedras em seus recôn- reunidos. Foi Alva que me falou:
ditos sonhadores? Duro seria, amigos, discernir bem à torrente — Não são procurados, porque gostam do mais edificante da
de anelos sublimes que do fundo do eu vinham à tona, tomando Doutrina, que é a emancipação intelecto-moral. Onde são distri-
expressões idealísticas fantásticas, engorgitando o cérebro, enfu- buídos quitutes ritualísticos, onde as posições de mando vigoram,
nando docemente o receptáculo de anseios soberanos, que todos onde se ofertam curas milagreiras, onde há o ornato aparatoso e
devemos comportar, embora não me seja possível precisar, quer mundano, naturalmente deve haver muito mais frequência. Estes
onde esteja na estrutura do eu, quer do que seja feito, bem assim cinco homens e três mulheres, gente do povo, que têm consciên-
como me escapa, também, que idade certa poderá ter e até onde cia da cauda que ainda carreiam, figuração que faço para confi-
teria crescido ou deixado de o fazer, no sentido mais conveniente. gurar a falta de evolução, por isso mesmo buscam afastar-se do
Vieram-me à mente, de chofre, as palavras de Jesus, sobre a que expresse exteriorismo vão. Não possuem um estatuto, uma
carência de simplicidade em que mergulha o homem. Ante tanta sociedade, nem dias certos para as suas reuniões; marcam um dia,
sabedoria, tanto esplendor organizado, todas aquelas liras divinais reúnem-se, estudam, tiram de onde há sobra e põem onde a falta
a expor ostensivamente uma Soberana Causa, como podem vingar é notória. Amparam casas de caridade, leem regularmente, assi-
no mundo, desenvolverem-se, tomarem conta das gerações, pen- nam revistas e jornais doutrinários. São associados de casas fede-
samentos negadores, filosofias bárbaras, egoísmos destruidores, rativas, respeitando o trabalho de divulgação doutrinária que lhes
vaidades chãs, ostentações criminosas? Que germe triste, em que compete... Enfim, estão a par do movimento, no país e no mundo.
tempo de sua formação de caráter pessoal, penetrou no recesso E, num momento, um como aluvião de criaturas deu entrada no
humano o separatismo, a discórdia, o ódio, a vingança, a idolatria, recinto. No recinto? Sim, mas num recinto que se converteu num
o mercantilismo do que é universal, puro, presente e à vontade? imenso salão, à custa, naturalmente, de vontades superiores. O cô-
Ainda bem que Alva nos convidou a andar, tendo assim desci- modo pequenino multiplicou-se dezenas ou centenas de vezes! O
do da montanha a fruir, pela vontade, das influências salutares da denso, o opaco, o mais relativo, desapareceram! Luzes diferentes,
vegetação em fragrância. Lá mais embaixo, os ruídos aumentavam argentinas, banhavam o ambiente geral. E com o dar o relógio dos
em potencial, também aparecendo alguns vultos perambulantes. da carne nas oito e trinta, um jovem, o mais jovem de todos, pediu
— É ali — apontou Alva para uma casinha simples que se eleva- para que todos viessem para a mesa, pedindo, também para que
va sobre o outeiro, cercada de um milharal embandeirado. fossem retirados de cima dela um vaso de flores e uma toalha mui-
Esquecido do meu estado, parei no portãozinho, pensando to bonita que a cobria. E assim foi feito. Tudo simples, sem adornos
em bater palmas. Alva sorriu e disse qualquer coisa agradável. extemporâneos.
Todos a postos, e de nosso lado também todos dispostos em E aqueles irmãos encarnados ouviam com tal carinho aquelas
escala ascendente, frente ao jovem que iria palestrar, disse ele, palavras, que iam num crescendo fantástico, aumentando em seu
falando brandamente: brilho, atingindo uma altura intensiva tal, que era lindo de ver,
— “Em natureza, possibilidades e vontade, aqui estamos para proveitoso de estudar e consolador de fruir. Ao assim ouvir sobre
mais um ato de estudos proceder, em comunhão com os amigos Jesus, também devo ter subido um pouco, chegando a ver e, re-
do continente mais tênue, mais intenso. Deselegante seria, é na- gularmente, os cinco irmãos que formavam ao lado do jovem que
tural, deixarmos de forçar um contato mental e de profunda signi- falava, influenciando-o. Eram altas figuras do nosso mundo, aure-
ficação moral, pela prece, pela emissão de pensamentos. Como o oladas em luzes mistas, mas onde o azul se distinguia, de mescla
Ser Total, ou Deus, é tudo em todos, porque tudo o que há é modo com filetes dourados e opalinos brilhantes. E com essa melhora
ou condição de ser da própria Unidade Fundamental, é natural que para mim, mais agucei o entendimento, procurando corresponder
não iremos fincar os olhos no teto da casa, ou pretender procurar à graça alcançada. E o jovem prosseguia:
e encontrar a Deus, como figura humana ou de qualquer forma — “Para com os nossos amigos de além carne, trabalhadores da
individualizada, fosse em qualquer esquina do infinito, fosse em Causa Sagrada, mantenhamos uma perene certeza: que nos auxi-
qualquer recinto preposto. O mais certo, o mais racional, o mais liarão, por determinação do Supremo Poder, na proporção direta
exemplar do ponto de vista psíquico, é que a Deus busquemos no em que nos dermos a servir aos nossos irmãos. Ninguém ficou e
íntimo de nós mesmos, nas profundezas de nossos Egos, no topo nem ficará, jamais, sem companhia astral; mas esta será corres-
de nossas melhores e mais santas fulgurações espirituais. E con- pondente ao propósito direcional que a criatura se der por seguir.
vém deixemos de parte o medo, o temor, o sentido supersticio- Tudo, pois, segundo como nos dermos a vibrar. Espíritos de todos
so com que os enredos clericais do mundo, de hoje e de todos os alcances hierárquicos pululam pelos espaços e regiões etéreas;
os tempos, jungiram tais atos de fé, tal exercício do espírito; Deus cumpre-nos saber o que nos convém, para nesse sentido aplicar-
deve é ser compreendido e amado, executada a Sua Vontade, e, mos esforços sintonizantes. Lei é lei; e a que junge aos seres afins
portanto, com Deus devemos conversar, dizer, escancarar a alma, nunca será derrogada”.
assim como convém e é justo, francamente”. Estancou um pouco e recomendou:
“Para com Jesus, porém, que é a Entidade Diretora do Planeta, e — “Oremos, pois, em silêncio, que carecemos é de intensas vi-
que por injunção hierárquica orienta dos imos vibratórios, das re- brações”.
giões interestelares, da região-diretora, devemos transmitir nossa
mensagem mental, através do éter universal, afiançando que, sim- E oraram pelos Supremos Poderes, pelos guias, pelos sofredo-
plesmente, fraternal e obedientemente, queremos prosseguir no res em geral. Emitiram os mais belos jatos luminosos que jamais
Seu Caminho, que é o da Verdade ou de Deus, por compreender- calculei, fosse isso possível a quem estivesse preso ao continente
mos a necessidade de emolumentos educativos, em nós mesmos e denso. Em seguida, começou de novo o jovem a sua fala. Aqueles
para a confraria universal. Como autoridade designada, a presença cinco mentores astrais se aproximaram mais do jovem, influen-
de Jesus é perene, podemos, também, subindo no padrão vibra- ciando-o.
tório interno, comungar com a Sua gama comum. Já temos falado — “Comecemos, portanto, nosso bate papo de hoje. Tivesse
sobre serem as gamas vibratórias universais, correspondentes aos que dar-lhe um título, seria este — ‘Um passeio pela história’. —
estados hierárquicos individuais. Quem pensar, portanto, num ser, Porque isso é o que iremos fazer, com as mercês de Deus. E, como
pela concentração, que é a força ondulatória indiscutível, estará de costume, abordemos o mais difícil em primeiro lugar”.
procurando sintonia com o seu grau-padrão-vibratório. Se tiver-
mos, portanto, a Jesus nos nossos corações, fácil será lhe dizermos
dos nossos desejos, para que nos cumule de oportunidades sagra-
das”.
DEUS
“D
eus, por ser insondável ao Infinito, é O que temos
de mais tangente em nós e O que de mais prático
podemos conceber na vida universal. Basta se sai-
ba que tudo é parte de uma UNIDADE, para que se
entre de imediato na doutrina do Divino Monismo, onde o que não
fosse parte e relação, seria o não-existente. Os que imaginaram um
Deus pessoa e distante, por certo falaram a linguagem mais ignara
e traçaram diretriz para todas as explorações em Seu nome. Não
vê, não sente, não compreende e não vive Deus, pouco ou muito,
quem não quer ou aquele que tenha sido educado brutalmente.
Sou partícula do Espírito Total. Falo-vos, porque sois do mesmo
modo partículas. Assim mesmo tudo o que é, tudo o que existe,
seja lá o que for, de antes da matéria e de além das mais subidas
idealizações, tudo é Deus em múltiplas condições, formas e esta-
dos de apresentação.”
A TERRA
“A
Terra — foi dizendo o jovem — é elemento Divino
assim disposto. Não fez Deus milagres, porque é
Suprema Lei. E não lançaria mão de mistérios, por-
que é Supremo Poder. Sendo em Si tudo, a tudo de
Si mesmo dá origem. Do Espírito passaremos à Energia, da Energia
ao Gás, do Gás ao Vapor, do Vapor ao Líquido, do Líquido ao Sóli-
do, tendo assim a síntese das escalas, sínteses que se desmancha-
rão num infinito de potenciais, de intensidades, de densidades, tal
como ainda não podemos calcular. Assim mesmo temos os seres,
as individualidades espirituais, perfectíveis, sem poder sequer so-
nhar, com o número e as escalas progressivas.”
“Diz o Anjo Relator do Apocalipse, que Deus é em Si princípio
e fim, o alfa e o ômega; sabemos, pois, que assim é, por simples
lógica. O que está dentro é como o que está fora, e o que está fora
é como o que está dentro, diziam as revelações antigas. E continu-
amos a dizer, com os máximos expoentes da Verdade, que aquilo
que está em cima é como o que está embaixo e vice versa. Eis,
pois, que a doutrina do Divino Monismo, a Sabedoria Máxima,
data de milênios sobre a Terra. E a Terra começou, sem dúvida,
como começaram e como começarão todos os mundos. Em linhas
gerais, para efeito de genética, um é como todos e todos como um.
E vamos ao homem, para lembrarmos de todos os seres, fazendo
síntese naquele que é o topo na escala biológica. Para explicar a
matéria, pois, permanece esta lei — a matéria é Essência Divina
assim elaborada ou disposta.”
O HOMEM
“O
homem de hoje foi o símio de ontem? Muito me-
nos. Vimos de atravessar todas as gamas da natu-
reza, de antes do mineral. E temos milhares de tons
hierárquicos à mercê, para estudar a lei de pro-
gresso contínuo. Se lá ao longe, no sentido de longitude evolutiva,
temos por exemplo a monera, que muito já realizou no sentido as-
censional, aqui perto teremos o homem malvado, ruim, tarado, as-
sassino, ladrão, propositalmente cruel, atestando que ainda muito
lhe falta atingir, para alcançar o grau máximo, o tipo paradigma. E
falamos a quem queira ouvir; mas a realidade dessa lei, como tudo
o que de realismo seja, não necessita de beneplácito de quem
quer, para ser. De sempre somos, porque em Deus nada é adventí-
cio; a partida a caminho da organização do Ego individualizado, e a
caracterização pessoal, porém, sempre variou, em tempo, de uns
para outros, bem assim como a solicitude progressiva dependeu e
dependerá sempre da iniciativa individual. Verdadeiramente, nada
foi criado — tudo é compelido a ser, pelo Supremo Agente, pelo
Todo. Ensinando o Espiritismo, o Consolador prometido, o que en-
sina, dá muito bem para que cada qual se compenetre da Origem,
do Plano e da Finalidade. E passaremos ao Chefe Planetário.”
O CRISTO
“A
Terra é apenas uma casa cósmica; e não poderia
deixar de ter o seu Chefe Supremo. Assim como as
abelhas possuem suas rainhas, e outros animais
seus balizas e condutores, assim mesmo é que cada
planeta tem o seu Chefe Superior, que lhe é o Orientador e Exem-
plificador Máximo. Nenhum espírito do orbe poderia dizer, falan-
do de Jesus, de quando data Sua perfectibilidade. Sabemos que
percorreu, como é lei geral e comum, toda a escala de hierarquias,
perdendo-se na noite dos tempos e na poeira das vidas, a colima-
ção que lhe valeu ser indicado como Mentor de um planeta.”
“Desde os remotos dias da raça evita, a primitiva, que mais tar-
de daria ensejo à reencarnação dos adamitas ou advindos, tem
Jesus enviado emissários à crosta, no afã educativo, sendo os infor-
mes segundo o poder assimilativo dos aprendizes, que localizados
em diferentes pontos, também ostentam diferentes condições de
receptividade, segundo a evolução já alcançada e as tendências
psicológicas. Mas, para atender a esses acontecimentos, capítulos
próprios teremos. O que temos de dizer é que a encarnação do
Grande Enviado fora anunciada há milhares de anos antes. E, para
quem conhece o mecanismo evolutivo dos mundos, naturalmente
compreenderá que a Terra não constituiria exceção. Bom é assim
que compreendamos as coisas, para que francamente possamos
respeitar as leis. Não há mistérios e nem milagres, na ordem uni-
versal; há inteligências que motivam todos os fenômenos à custa
de leis universais e por isso mesmo fundamentais. E diremos algu-
mas palavras sobre os imediatos do mentor Planetário.”
OS IMEDIATOS DO SENHOR
“N
os extremos das zonas concêntricas e superpos-
tas, isto é, nas camadas interestelares, ou mais
sublimes céus da Terra, pairam as organizações
que a dirigem, sob a égide do seu Cristo. São as
aglomerações gloriosas, de seres emancipados, vitoriosos sobre si
mesmos, cujas funções se desenvolvem prudentemente, num tom
decrescente, atravessando todas faixas inferiores, atingindo a cros-
ta e infiltrando-se terra adentro, onde vivem, ou penam, aqueles
que, ao invés de forçar a subida pelas práticas salutares, fizeram
por descer, utilizando tristemente dotes naturais, faculdades divi-
nizantes. Os imediatos do Chefe Supremo vão-se, pois, escalonan-
do gradativamente, decrescentemente, até virmos encontrar, nas
camadas menos elevadas, seres que agem, que lutam, anelados às
cadeias hierárquicas. Temos, pois, figuradamente, uma escada por
onde a Autoridade desce e sobe, escada que liga todos os traba-
lhadores do bem, quer os que se localizam nos primeiros degraus,
quer aqueles que já se elevaram aos píncaros. E vamos aos mes-
tres vindos à crosta.”
OS REVELADORES
“N
unca veio ao mundo, em tempo qualquer, infor-
mante algum, sem ser, em função de autorida-
de. E quando o funcionário tenha mais ou me-
nos firmado pé nos princípios básicos, ou tenha
escorregado pelos ínvios becos do mistifório idólatra, é porque
fez de si mesmo questão de vencer ou fracassar, por atender de
fato ao crivo superior, ou entregar-se frouxamente às injunções
inferiores do meio, quer do meio encarnado, quer do ambiente
astral inferior. Porque, seja quem for o agente missionário, venha
da altura hierárquica que vier, nunca deixará de estar em gozo de
direitos pessoais, jamais deixaria de contar com o sagrado direito
de livre arbítrio. A simbiose, liberdade e obrigação, nunca deixará
de ser um fato. Tereis em Jesus, por exemplo, um grande ensino,
ao dizer aos Apóstolos que a eles agradecia, por terem estado com
Ele, nas Suas tentações ou provações. Ninguém vem ao mundo,
para vencê-lo em sua inferioridade, que também não venha, para
em si mesmo vencer-se, naquilo onde tenha de vencer. A lei dos
ciclos apanha a tudo e a todos, a verdade cármica alcança a todos
os seres, cada um segundo a sua estatura evolutiva. Quem veio
revelar a Verdade muito ou pouco, porque toda Ela ninguém re-
velou jamais e nem sozinho revelará, teve de enfrentar agruras
e dificuldades múltiplas. A tradição, a poesia, a lenda, o misticis-
mo, a bazófia sectária, o fanatismo, o exclusivismo, e outros cor-
ruptores da realidade levantaram concepções, interpretações e
místicas tais, em torno de certos ou quase todos os grandes vul-
tos reveladores, que não representam a verdade realmente vi-
vida por eles. Alguns foram roubados, outros foram acrescidos.
Deram a uns demais, tiraram o justo a outros. De qualquer forma,
porém, uma linha mestra ficou. E em torno de todas as revelações
básicas, explorações e comodismos se levantaram. Todo e qual-
quer trigal, por melhor cuidado que seja, oferece brecha para o
radicamento do joio...”
“Muito longe estavam os dias, no orçamento dos tempos e das “Os períodos de transição, porém, observam em cada mundo,
eras em que um Espírito Consolador pudesse tornar-se de culto os- uma intensidade e tonalidade à altura hierárquica do próprio mun-
tensivo sobre a carne toda. Sabemos o quanto o ignorantismo hu- do. Em Marte ou Saturno, por exemplo, tomaria o fenômeno tran-
mano retarda o avanço libertador das consciências. Mas, os Vedas, sitivo a violência que toma em nossa casa cósmica, inferior como
os Budas, Crisna, Rama, Hermes, Zoroastro, Apolônio; os Filósofos é, ainda, o seu habitante máximo em evolução?”
Espiritualistas; os Grandes Hierofantes; os Patriarcas Hebreus; os O que eu achava interessante é que do jovem partiam, segundo
Grandes eram, quem mais e quem menos, esforços conscientes ou a ordem das ideias, ou da concentração mental que nelas punha,
inconscientes, a fim de que um dia pudesse o Batismo do Espírito diferentes jatos de luz. Ora uma tonalidade de cor prevalecia sobre
Santo tornar-se de conhecimento e culto generalizado. Tomemos outra, ora o ambiente se via preso de claridades furta-cores, ora
a Jesus por síntese, que o é de fato, para de Suas palavras extrair a faíscas alvíssimas pareciam partir, tinindo, a caminho não sei de
essência verdadeira:” que paragens. A flutuação era intensa em colorações, tonalidades,
“Mas eu vos digo a verdade: a vós convém que eu vá; porque formas e direção. E os cinco mentores, agora, haviam-no deixado
se eu não for, não virá a vós o Consolador; mas, se eu for, en- livre; estavam a uns três metros de distância, juntamente com ou-
viar-vo-lo-ei. E Ele, quando vier, arguirá o mundo do pecado, e da tros seres. E o jovem prosseguia:
justiça, e do juízo. “A Jesus, pois, como Chefe Planetário, coube a missão sublime
Quando vier porém aquele Espírito da Verdade, Ele vos ensina- de ser ofertante da Revelação em grande escala. Prometeu-a para
rá todas as verdades...” — João, cap. 16. dias depois de Sua morte. E o Dia de Pentecostes foi teatro de um
“Não foi Jesus, portanto, apenas mais um trabalhador em favor fenômeno esplendoroso.”
do advento da era do Consolador; foi, isso sim, por determinação
Suprema, o seu agente máximo, o selado para o grande desem-
penho, em virtude de ser o Chefe Planetário. Não se passa, nas
esferas superiores, o que julgam muitas correntes ocultistas, sobre
ser cada espírito livre para o que quiser, podendo tomar a iniciati-
va que bem entender. O que existe, pelo contrário, é uma ordem
reinante que vem das Supremas Chefias, dos Diretores de Galáxias,
sendo os Chefes Planetários, executantes dessas ordens. Há ordem
para tudo, no que é de Deus. Até mesmo nos abismos pútridos, nas
inferiores zonas de um planeta, existe certa forma de ordem — é o
poder de mando de algumas entidades. E, nas zonas planetárias de
expiação, onde a vida se desenvolve normalmente, mas sob tristes
condições ambientais, veremos a autoridade sendo desempenha-
da, truculentamente, por seres de relativa compreensão. A ordem,
pois, está disseminada por toda parte, de alto a baixo e vice versa.”
“E a vinda de Jesus ao mundo mais corpóreo foi motivada pelo
determinismo cíclico, pela movimentação de ordem geral; houve,
no tempo, como há de tempos em tempos, movimentações que
vão além dos mundos isoladamente. Tudo se move e varia, de in-
ferior para superior, no âmbito das Galáxias. É que ao homem ter-
rícola, todo enfronhado nas coisas chãs dos seus apetites menos
elegantes, estas verdades passam desapercebidas.”
O BATISMO DE ESPÍRITO SANTO
“Q
uem lê o segundo capítulo do Livro dos Atos dos
Apóstolos encontra a promessa de Jesus execu-
tada. Não irei citar o texto, por ser obrigação de
todo e qualquer cidadão do mundo conhecer esse
grande fato da história espiritual da Terra, em sua feição religio-
sa. Nos dias de Moisés, como cita o Livro de Números, capítulo
onze, também se dera um Batismo de Espírito Santo, que veio em
seguida a ser deturpado e corrompido, pelos cleros que se foram
sucedendo. Da mesma maneira, pois, e segundo a previsão do Di-
vino Mestre, também o Seu Batismo seria corrompido, para mais
tarde ser restaurado. Do Dia de Pentecostes em diante, portanto,
teremos os Apóstolos a braços com uma nova ordem de serviços
— o mediunismo que se ia manifestando, assim como fossem eles
andando, pregando, disseminando o Evangelho de Deus. De Deus,
sim, pois Jesus fora apenas o fiel Transmissor.”
“Conhecer o Batismo de Espírito Santo, mecanicamente, coi-
sa muito importante é; essencial é conhecer-lhe ou sondar-lhe a
profundeza moral. Pelo simples mecanismo, podemos utilizar a
lei para o relacionamento com os planos do astral. Mas, por re-
conhecer e sentir a sua amplidão moral, o seu sentido edificador,
far-nos-emos executantes sublimados de seus desígnios.”
“Pedro, instado a falar naquele dia, pôde apenas dizer:”
“Fazei penitência, e cada um de vós seja batizado em nome
de Jesus Cristo, para remissão de vossos pecados, e recebereis o
dom do Espírito Santo. Porque para vós é a promessa, e para os
vossos filhos, e para todos os que estão longe, quantos chamar a
si o Senhor nosso Deus” — Atos, cap. 2.
“Sabiam que haveria, por aviso do Mestre, um derrame de Es-
pírito Santo; jamais, porém, conseguiriam compreender, naqueles
dias, o montante de tal fenômeno, quer de ordem mecânica, quer
de alcance moral, e menos ainda em sua incalculável extensão
científico-filosófica. Pedro dissera, no entanto, o que tinha em si
de melhor, de mais puro por dizer. Outro viria, sem dúvida vaso
escolhido para outras atividades e mais avançadas distribuições.
E veio.”
PAULO DE TARSO
“N
ão gastei um capítulo especial para Moisés, nem
para outros insignes vultos da antiguidade; mas te-
rei muito prazer em falar mais especificamente de
Paulo, o grande convertido.”
“Aqueles que perguntaram a Pedro sobre o que fazer com o Ba-
tismo de Espírito Santo à mercê, e que receberam de Pedro aquela
resposta já citada, estavam como cozinheiras em face de guarni-
ções culinárias desconhecidas. Como prepará-las? De que jeito uti-
lizá-las? E Pedro respondeu empiricamente. Paulo, pelo contrário,
fez muito mais — sondou, auscultou, experimentou, tirou conclu-
são e passou toda a vida a disseminar o que pôde sobre o Batismo
de Espírito Santo.”
“Primeiramente teve de enfrentar a vaidade de alguns discípu-
los, pois lhe queriam negar condições de apostolado, por não ter
seguido a Jesus, em vida. Depois, e duramente, teve de discutir
com eles, porque a manifestação mediúnica se processava sobre
os ditos crentes e os ditos gentios, coisa que feria o egoísmo de
alguns e os pseudos privilégios de outros.”
“Pedro também teve de responder por isso, havendo dito de
público e raso:”
“E como eu tivesse começado a falar, desceu o Espírito Santo
sobre eles, assim como também tinha descido sobre nós no prin-
cípio, E eu me lembrei então das palavras do Senhor, como ele
havia dito: João na verdade batizou em água, mas vós sereis bati-
zados no Espírito Santo. Pois se Deus deu àqueles a mesma graça
que também a nós, que cremos no Senhor Jesus Cristo, quem era
eu, para que me pudesse opor a Deus?” — Atos, cap. 11.
“Se durante o viver de Jesus na carne, nem todos os Apóstolos
corresponderam, também é certo que, em seguida ao Batismo de
Espírito Santo, nem todos deram de si o melhor possível. Para as-
similar bem é preciso conter evolução: e a evolução não se conse-
gue de hoje para amanhã, nem mesmo na companhia de um Jesus
Cristo. Saber alguma coisa em base puramente intelectual, teorica-
mente, não significa conquistar marcas imarcescíveis. Evolução se
consegue à custa de luta contínua, de perene avanço no rumo da
Verdade. E isso demanda séculos e milênios.”
OS DONS MEDIÚNICOS
“O
desabrochar interno é o avançar rumo à Verdade.
Por isso mesmo é que não se consegue tanto e
com facilidade. Pelo despertar interno oferecemos
polos de contato, ou mediunidades, que variam ao
infinito em tons e matizes. E um poder de contato com o plano as-
tral, intenso contato, nunca poderia se dar em qualquer época da
história. Como os seres encarnados são vindos das regiões etéreas
as mais diversas, sempre houve bons médiuns na Terra, agentes
de ligação com o Plano Superior. Do contrário, houvesse liberdade
de colóquio em qualquer tempo, para qualquer povo e à vontade,
viríamos a ter coisas horríveis por tragar.”
“A promessa do achego astral, mais amiúde, coincidiu com um
tempo de mais elucidação sobre as coisas do espírito e em geral.
Haverá sempre a intervenção de uma simbiose, de uma coligação
de fatores, para qualquer efeito fenomênico de alcance mais co-
letivo. E na hora, então, surgiram os vultos imprescindíveis. Paulo
preencheu uma lacuna, não só dizendo que a promessa era para
todos, mas especificando o que era a promessa em si, no que con-
sistia, o quanto pode. Pedro disse que receberiam ao Espírito San-
to; Paulo entrou em especificações, disseminando o conhecimento
de nove faculdades fundamentais. Para chamar a atenção sobre os
dons, diz:”
“E sobre os dons espirituais, não quero, irmãos, que vivais em
ignorância. Sabeis que, quando éreis gentios, concorríeis aos si-
mulacros mudos, conforme éreis levados.”
“Esse capítulo doze, da primeira epístola aos Corintos, por tratar
como nenhum outro texto das questões do Batismo de Espírito
Santo, encerra em si tanto valor quanto todos os demais textos
juntos, por ser o único que expõe o que o Espírito Santo seja, no
entender do Apóstolo dos Gentios. Teremos em outros dizeres,
partidos de outros Apóstolos, outras concepções; em todo caso,
uns queriam fosse o Espírito Santo agente comunicante, enquan-
to outros queriam fosse o dom intermediário, a mediunidade.
Para ser um agente comunicante, tinha de ser excelentemente co- serão precisos os missionários encarnados, para que o mecanis-
letivo, como o provam o fenômeno do Pentecostes e aquele outro mo se complete por polos de contato. Assim, quem tiver inteligên-
Batismo de Espírito Santo, dos dias de Moisés, citado no livro de cia, julgue da vinda à carne dos Vedas, dos Budas, dos Ramas, dos
Números, capítulo onze. Todavia, o Apóstolo dos Gentios, foi quem Crisnas, dos Moisés, dos profetas, etc. Sem tais polos de contato,
ficou encarregado de dar especificação mais correta: Eis como fala portanto, o plano superior ficaria impossibilitado de administrar. E
do Espírito Santo em manifestação na carne:” assim sendo, os homens-símbolo valem por épocas, por gerações,
“Há pois repartição de graças, mas um mesmo é o Espírito por convulsões cíclicas...”
Santo. E os ministérios são diversos, mas um mesmo é o Senhor. “Sem o fator Espírito Santo, ou mediunidade, no conceito de
Também as operações são diversas, mas um mesmo Deus é o que Paulo de Tarso, jamais haveria possibilidade de Revelação, de ho-
obra tudo em todos. E a cada um é dada a manifestação do Espí- mens-símbolo, de anunciação de renovos cíclicos; porque para ele
rito para proveito. Espírito Santo é o elo sagrado, inconfundível patrimônio natural
Porque a um, pelo Espírito Santo, é dada a palavra de sabedo- de todo o ser, em quem se acha sempre em estado latente. O que
ria; a outro porém a palavra da ciência, segundo o mesmo Espíri- deve ser despertado e acariciado com todas as forças do coração
to; a outro a fé pelo mesmo espírito; a outro a graça de curar as e do entendimento. Bem sabemos das recomendações de Jesus,
doenças, em um mesmo Espírito; a outro a operação de milagres; para não blasfemarmos jamais contra o Espírito Santo.”
a outro a profecia; a outro o discernimento dos espíritos; a outro “De resto tenho a dizer que cada um compreendia como podia,
a variedade de línguas, a outro a interpretação de palavras. Mas, tendo havido as divergências concepcionais mais avançadas, não
todas estas coisas obra só um, é o mesmo Espírito Santo repartin- só em torno do fator Espírito Santo, como também de todos os
do a cada um como quer.” ensinos do Cristo. O reino do céu, por exemplo, apesar de repe-
“Bem se entende que o Apóstolo trata das faculdades, quando tir Jesus de contínuo, ser de ordem interna a cada um, era aguar-
fala do Espírito Santo, e não dos agentes comunicantes, que de- dado por muitos para daí a dias, por meio da vinda de Jesus, ou
vem passar pelo crivo do discernimento, uma das mais sublimes por intermediário de um tremendo cataclismo que acabaria com
faculdades, pois o problema, da identificação do agente comuni- o planeta. E Jesus jamais disse coisa que se parecesse com tais ex-
cante, será por muito tempo um problema difícil, realmente pro- tremos de ficção.”
blemático.” “Quem quiser ficar com Paulo, fique; quem quiser ficar com ou-
“Outra questão por resolver, é o caso de conceituar aos dons tros Apóstolos, fique. Não haverá jamais revelação de interplanos,
como adventícios, como vindos de fora, por graça, por favor, mila- porém, sem que haja espíritos desencarnados, mediunidades e es-
gre ou mistério. Nada disso. Tudo é intrínseco ao ser, e o razoável píritos encarnados. Por Um Espírito Santo que seja pessoal, terça
é que a manifestação se dá por desabrochamento, pelo desper- parte de Deus, ninguém espere, porque disso não há com Deus.
tar interno, como muito já se repetiu. O fato de haver carência Deus é em Si Uno, havendo de Si tudo manifesto, sem trindade al-
de épocas, tempos e desfechos, para os grandes cometimentos de guma, principalmente de ordem especial, para favorecer peçonhas
ordem coletiva, isso diz respeito ao plano administrativo, que para clericais, que sempre surgiram no mundo, à revelia dos fundamen-
tudo aguarda oportunidade, com o fito de chamar atenção para o tos revelados.”
princípio de governadoria planetária. Não basta que certas coisas “E ficou nisso o grande Apóstolo? Não. Havendo especificado as
sejam em si justas; preciso se faz que todos a reconheçam, pela faculdades, disse em seguida do modo de reunir para cultivá-las.
pujança das manifestações combinadas. É elementar que entre Com o Batismo de Espírito Santo reformado, foi por Jesus Cristo
o plano orientador e o orientado, apareça o fator determinístico. o conteúdo espiritualista do mundo, que até então prevalecia em
E este fator reclamará sempre, como é fácil calcular, um aconte- base idólatra, ritualística, em ofertas de carnes, de uma pagodeira
cimento de ordem cíclica e um homem-símbolo. Porque sempre sem fim e repugnante. Pelo Cristo, convidado foi o homem para
a sabedoria em Espírito e Verdade; e não para a crença em su- previsões do Divino Mestre, surgiria a corrupção doutrinária. Com a
perstições, em adorações através de assassinatos de inofensivos vitória de Constantino, inverteram-se os termos — observando-se
animais. Também o falso, o imundo conceito de privilégio racial foi os nomes do Deus de Moisés, que o Cristo endossara, havendo
pelo Cristo posto de pernas para o ar. Cristo veio, com o Seu Amor sido criada uma mística litúrgica, que seria uma rememoração da
e a Sua Sabedoria Universal, estabelecer no mundo das formas vida de Jesus e dos Seus feitos. O grande mal foi terem perseguido
densas, por meio do mediunismo, o curso de conhecimento do o Batismo do Espírito Santo, o culto do mediunismo, o prossegui-
ser. E não adianta digam os fanáticos de crenças estas ou aquelas, mento daquele fenômeno do Pentecostes. E isso fizeram, natural-
ou aqueles que pretendem tomar revelações intermediárias como mente, porque o culto mediúnico tendia a fazer com que todos os
sendo toda a Verdade Revelada, que o Cristo tenha sido apenas do “Caminho do Senhor” dissessem — “nosso reino não é deste
mais um revelador, sem mais autoridade que qualquer outro antes mundo”, — coisa que às sanhas do Império Romano não convinha.
vindo. Isso prova, apenas, desconhecimento do que seja a Organi- Queria ele, isso sim, homens espiritualistas, mas materializados,
zação Diretora do Planeta. E prova, também, que essa gente só tem em lugar de espiritualistas espiritualizados. O Império precisava de
contato com seres astrais de ínfima categoria hierárquica, seres guerreiros, coisa que o mediunismo sempre condenaria, pois sua
que da carne partiram fanatizados, e que nas esferas inferiores do lição será sempre de Amor e Concórdia, entre os filhos do Único
astral, continuam no mesmo inferiorismo, a propalar os mesmos Pai. Constantino e alguns foram, pois, os corruptores do “Caminho
divisionismos, as mesmas mediocridades, os mesmos erros. Não do Senhor”, do verdadeiro Cristianismo. Aquele modo de culto me-
basta, pois, que se tenha contato com agentes do mundo astral; diúnico ensinado por Paulo de Tarso, banido foi do conhecimento
preciso se faz buscar sempre o melhor. Os espaços sempre estive- popular. O fenômeno do Pentecostes, Batismo de Espírito Santo,
ram cheios de espíritos; como, porém, não há promiscuidade, mas para o qual desiderato Cristo veio ao plano da carne, para tornar
sim planos inferiores, intermediários e superiores, que ligados são a mesma carne herdeira de tal manifestação, foi convertido num
pelas leis de relação e progressividade, o notável é se procure, pela meio de conchavismo clerical, de justificativa de suborno.”
melhoria vibratória, manter contato com os melhores planos.” “E assim permaneceu a corrupção, pelo tempo que o Apocalip-
“Como Paulo de Tarso ensinou a cultivar os dons, cumpre dizer se prescreveu, no seu intrincado simbólico. Mas, porventura, teria
o que se disse, para evitar que o mediunismo se dê culto degra- Jesus Cristo deixado de informar sobre a reposição das coisas no
dante. Como ensinou ele, assim faziam os do Colégio Apostolar, lugar? O cão volveria ao vômito, e a porca lavada de novo tornaria
pois houve Apóstolos que em seguida à crucificação do Mestre, ao lodaçal, conforme previra Pedro... Mas, faltaria água, lustral nos
volveram ao estado de trabalho e práticas religiosas semicristãs, páramos superiores da Diretoria Planetária?”
semilevíticas. Cumpre salientar também que até a corrupção, vin-
da depois da vitória de Constantino, o Cristianismo assim não se
chamava, e sim “Caminho do Senhor”. Foi no quarto século que a
corrupção ocorreu e também a troca de nome ou designação.”
“Não vou citar o texto, através do qual o Apóstolo Paulo ensina
como realizar o culto do mediunismo; quem quiser saber, busque
ler com atenção o que escreveu então, no capítulo quatorze da
mesma primeira carta aos Corintos, versos de vinte e dois a trinta
e três (I Ep. Corintos, cap. 14, vs. 22 a 33).”
“E nesse modo de culto, amigos meus, permaneceu a Igreja de
Jesus Cristo, por três séculos e pouco, contando de Seu nascimen-
to. Do dia do Batismo de Espírito Santo, porém, há que contar so-
mente uns duzentos e noventa anos, depois do que, conforme as
REPONDO AS COISAS NO LUGAR
“C
hegaria o tempo, portanto, de darem os emissários
do Plano Regente, início aos trabalhos restaurado-
res do batismo de Espírito Santo, promessa do céu
às brumas da carne, segundo a alegoria de um tra-
balhador de nós muito conhecido. Aquela realidade do Pentecos-
tes, na sua função informativa, volveria ao convívio dos homens. O
plano astral teria, em modernos Apóstolos, o meio de falar e incu-
tir nas retentivas, os chamamentos do Senhor. Aquele processo de
reunião, tão bem indicado e cultivado pelos Apóstolos fiéis, seria
de novo culto dos cristãos de verdade.”
“Roma teria de certificar-se, por querer ou não, de sua insensa-
tez, do seu adultério, do erro de suas práticas. Depois de sujeitar,
por séculos a fio, reis e povos ao seu guante corruptor, como diz
o Apocalipse, no seu capítulo treze, iria deparar-se com o Batismo
do Espírito Santo, a Revelação, a lembrar-lhe o montante de erros
perpetrados, como forjadora de premissas sanguinolentas, como
cultora de perseguições à Verdade, como fábrica de ignorantismo
em geral, acima de tudo como propulsora de incredulidades.”
“E como perdão não existe, mas sim conferem os Poderes Su-
periores oportunidades de ressarcimento, eis que se aproxima ao
espírito de Judas, que tantos esforços havia despendido em atos
de regeneração nos primeiros séculos do “Caminho do Senhor”,
por sincero arrependimento, a oportunidade de romper de vez os
últimos elos que o prendiam ao estigma da tremenda falta cometi-
da, traindo o Mestre por entregar-se às maquinações políticas, que
então visavam libertar a Palestina do jugo romano.”
“A ordem foi que volvesse ao plano da carne, ao cadinho pur-
gador que lhe caberia por turno, em virtude de circunstâncias em
que exercitara o delito. Veio e animou o corpo de Joana D’Arc. Os
colegas de outros tempos, pelas suas faculdades, faziam-se ver e
ouvir, segundo a forma das imagens dela conhecidas. Um grande
acontecimento temporal, portanto, preparou campo para uma
imensa evidência do plano astral, dos fenômenos mediúnicos e de
uma grande precisão de ressarcimento. O faltoso reequilibrou-se
para com a lei de Harmonia Universal; e o Plano Dirigente, tendo à “Com a experiência de Joana, ficou reconhecido que o fenôme-
testa os indicados pelo Divino Mestre, compreendeu a inutilidade no em si, sem a preparação do ambiente intelecto-moral, nada po-
do choque mediúnico, frente à monstruosidade do dogmatismo deria lavrar de sólido. E nos céus mais elevados da Terra, nas zonas
romano. A verdade venceria, é certo, mas teria de avançar por es- governantes, programas foram traçados. Por isso é que o mundo
cala. Todavia, com o saldo deixado pelo serviço de Joana, outros chegou a conhecer, mais tarde, nos recessos do dogmatismo tru-
louros seriam colhidos. Nenhum sacrifício a bem da Verdade será culento, perseguidor e assassino, as personalidades de Wicliff e
inútil; no tempo e no espaço, algum dia frutificará.” João Huss. Eram agora, os novos emissários, grandes funcionários
“A volta do companheiro faltoso, enobrecido por tão elevado reformistas. Começavam pela reeducação doutrinária, como con-
testemunho dado agora, causou muita alegria nos Planos Supe- vém a todo renovo cíclico de ordem qualquer.”
riores da vida. O reconhecimento de Joana, do processo usado e “Deveis ter lido sobre Wicliff e João Huss, para que me seja
da reconquista de sua história, ou de suas vidas, motivou lágrimas dispensado deter-me sobre seus efeitos. Demais, outras ocasiões
de grande contentamento, visões sublimes, bafejos gloriosos, pa- tivemos, em que sobre tais reformadores falamos. Semearam es-
lavras amigas de Jesus. A soberania da lei de causa e efeito, mais ses vultos, como é sabido, em terra hostil; tremendas reações do
uma vez estava acima de todas as cogitações. O perdão deve partir clericalismo tiveram de suportar, tendo sido Huss queimado numa
de uns irmãos para com outros, para que casos não sejam apre- fogueira, no século quinze.”
sentados ao Poder Equilibrador do Universo; porque, depois dos
casos terem-se dado, ninguém será eximido de culpa, liberto de “E a campanha da Verdade contra os erros prosseguiu; coube a
responsabilidade, a menos que passe pelo cadinho das provas e Lutero, no século dezesseis, lançar mais forças contra o maciço da
das expiações. Na vida de Joana intervieram os três porquês, as corrupção vaticanícia. E não poderia deixar de vencer, pois as bên-
três razões por que um espírito volve à carne — missão, prova e çãos da Verdade, expressas na atuação do Divino Mestre e seus
expiação.” imediatos, com ele estavam. Era mais um passo rumo à eclosão
mediúnica, que assim como o fenômeno do Pentecostes, tinha de
“Missão, porque alguém tinha de vir iniciar os trabalhos de res- coroar a obra educativa lavrada em bases mentais, em fundo pre-
tauração do Cristianismo; prova, porque escolheu o programa e a paratório. Tudo estava em preparo.”
ele sujeitou-se, correndo o risco de falhar, em virtude da prevale-
cença do direito de livre arbítrio; e expiação, porque a lei cármica, “Em seguida a Lutero tivemos outro grande reformador que foi
ou de causa e efeito, não passaria jamais, para que a falta fosse Giordano Bruno. No seio do vaticanismo é que agiu, até ser obriga-
redimida, sem ser por ação equivalente, ou mais certo, por reação do à fuga. Mais tarde, volvendo à terra de nascimento, pagou com
proporcional.” a vida o feito de ficar com o Evangelho. A inquisição atirou-o às
A nota interessante, para os nossos ouvidos atentos e às nossas labaredas crepitantes de uma fogueira. Mas a Verdade avançava.”
vidas deslumbrantes, foi a chegada, por essa altura da perlenga, “Sobre essas preparações é que, no início do século dezenove,
de maravilhoso vulto de jovem, envolta em luzes verde azulinas, volveu Huss à carne, arrastando consigo a mais empolgante eclosão
radiantes, suavizadoras. O ambiente estremeceu de júbilo, solida- mediúnica da história. Era mais um homem-símbolo a caracterizar
rizado com o espírito redimido... Não é possível descrever cenas um tempo de transição. O que fez Huss reencarnando, vivendo a
destas, com inteireza de narração. Coisas se passam que transgri- personalidade de Kardec, todos sabem. Em todo caso, cumpria-se a
dem a lei do convencionalismo, na qual nos achamos ainda mer- palavra de Jesus, profetizando sobre a restauração do Cristianismo.
gulhados, leis inibidoras, restritivas. Todavia, fica dito que os pen- E faço notório que, tendo firmado atenção nos vultos sínteses, nas
samentos do pregador, que logo se tornavam dos assistentes em figuras centrais, lembrados estão todos os que formaram a coroa de
geral, atraíam, de contínuo, vultos e maravilhosas visões. De onde auxiliares indispensáveis. Cada um desses vultos foi acompanhado
teria vindo aquele maravilhoso pregador? E o jovem avançava, de- e seguido de milhares de servidores da Causa da Verdade. E que
pondo sobre acontecimentos interessantes: mais teria a vos dizer? Muito, pois os serviços estão em andamento.
Com o Consolador radicado no seio humano, lançando os germes despertar a santidade ingênita, intrínseca, aquele céu interno de
da unificação do conhecimento da Verdade, milhões de seres pre- que Jesus Cristo tanto fez recomendação. Nós somos destinados
param-se para novas lutas contra o reinado das trevas, enquan- a refletir a Luz Divina que em nós é Base Fundamental. Mas isso
to outros milhões semeiam, espargem pela carne toda os avisos não se consegue com os farandolismos exteriores e nem com as
edificantes do Batismo de Espírito Santo, da promessa do Senhor, posturas intelectuais supersticiosas. É à custa de subir na escala do
pela qual banhou de sangue um lenho infamante; e à qual homens Conhecimento e do Amor vividos, na vida de relações. Lambetis-
infiéis um dia levantaram traição, corrupção, colocando em seu mos religiosistas de nada valem; o que é preciso é Religião-Pura,
posto, idolatrias e formalidades pagãs.” cada vez mais identificação com a Verdade Fundamental, que não
“De Kardec para cá, de ordem da manifestação do plano astral, vem de fora, porque está dentro de tudo e todos, porque é Deus, a
muitas coisas hão sido ditas, muito progresso doutrinário houve. Essência Divina do Universo, de quem somos emanação.
Trabalhadores competentes nos variados ângulos da Verdade Con- A debandada espiritual foi maravilhosa. Coriscos vivos, a emi-
soladora têm vindo à banca do mundo, prestar seu concurso aos tir harmoniosos sons e fulgurações coloridas, invadiam os espa-
desígnios amoráveis e sábios do Senhor. E em que pese nuvens ços em todas as direções. E nós seguimos, também, rumo à nossa
negras levantarem-se nos horizontes do mundo temporal, das po- região-moradia. Quando chegamos ao domicílio de Mesquita, ele
líticas e seus choques, o Consolador fará o seu serviço de indicar ali se achava a palestrar com Fábio e dois outros senhores, de mim
rumos eternos. Perdem-se aqueles que querem perder-se, depois não conhecidos. Inquirido sobre o que ouvira, disse aquilo que mi-
de a lâmpada ter sido manifestada e suas luzes dadivosamente nha alma sentia, aquilo que o meu coração vivia. Eu não seria ca-
ofertadas.” paz de supor, de forma alguma, que uma reunião de encarnados
“Estamos em pleno tempo de ação vigilante, criteriosa e amorá- pudesse tanto em repuxos de luz, e acordes superiores. E tenho
vel. Que os doces eflúvios do Divino Mestre, por sobre todos jorre por certo que a estada do Cristo, pelos Seus imediatos e em capa-
perenemente, quer aos planos da carne, quer aos milhões de er- cidade de influências, está mesmo com aqueles que para cuidar
rantes trabalhadores astrais, que do mundo maior guiam e orien- das Verdades Eternas se reúnem, assim como prometeu nos dias
tam nossos passos, na senda que de mais alto o Mestre indica. de Sua passagem pela carne.
Está terminada a palestra de hoje. Oremos, agradecendo aos So- E notava a mim mesmo, que crescia em poderes, a cada mani-
beranos Poderes da Vida, por mais esta oportunidade de trabalho, festação dessas a que me facilitavam assistir. Era como um aprendi-
rogando, outrossim, jamais o que fazer nos falte.” zado vivo, uma como absorção de poderosas forças celestiais, que
Aquele pedido aos jorros benditos foi atendido; mais tarde, brotavam de dentro, menos certo não é que vinham pela canaleta
amigos que me estais lendo, sabereis como são tais jorros de san- dos auxílios fraternos, da maestria de superiores irmãos, quer da
tificantes eflúvios. Fraquíssima seria minha exposição. Debilíssima carne, quer das esferas celestes. Do fundo de minha alma enterne-
minha palavra, para relatar coisas assim. O que posso é fazer figu- cida, agradeço ao Senhor dos Mundos, a Jesus e Seus servos, por
ração, alegoria talvez exata demais, dizendo que o céu como que tudo quanto tenho herdado. E se minha palavra se apaga em face
descia em forma de luzes divinas sobre nós, num misto de sons e da imensidade da gratidão que sinto, peço me sejam dadas opor-
imagens das elevadas regiões, de onde naturalmente provinham. tunidades de a outros servir, para que aquilo que em obras me
Os céus abençoaram a fala de um homem. conferiram, em penhores de ação fraterna possa ser distribuído.
Para que assim como senti eu o prazer da Luz Interna, por injunção
Eu não sei até onde aqueles oito seres encarnados poderiam do puro fraternismo, assim também possam outros vibrar, à certe-
supor, o que ao seu redor ocorria. Mas sei que todos brilhavam, za de que Deus nos quer simples e amorosos.
cada qual a seu modo, segundo seu grau de evolução, que quer
dizer identificação com o Sagrado Princípio Interno, que é a Cau-
sa de todos os Efeitos. Porque, em verdade, tudo é questão de
PALESTRANDO COM FÁBIO
E
stava palestrando com Fábio, dias depois, sobre o acon-
tecido na noite em que Mesquita e ele foram ao tal
Centro, onde se realizavam as operações espirituais, de
maneira assaz inferior. Dizia-me ele, então, das dúvidas
que alimentava sobre a adoção, por parte dos guias, das emendas
transmitidas por Mesquita.
— Não aceitarão, tenho certeza, sendo essa mesma opinião de
Mesquita. Aqueles guias estão longe do melhor entendimento, por
involução. Dois espíritos médicos que lá atuam, em que pese os
sãos desejos que os animam, também são psiquicamente inferio-
res, estando presos a círculos inferiores do astral.
— Então, falaram somente aos guias?
— Por enquanto, sim. Caso algum guia queira, dentro em breve
falaremos aos encarnados, em sessão adequada. Por ora, pelo me-
nos, ficou por haver resposta da parte dos guias. Quando Mesquita
lá for, um dia destes, saberemos se aceitaram ou não a ideia de
reforma.
— Eu pensava que tivessem logrado mais vantagens.
— Não, pois fomos por ordem. São inferiores, ou são como são,
como diz Mesquita, mas são bem intencionados. A tradição achata
o homem, mesmo por aqui.
— Se de fato são bem intencionados!... — atalhei, julgando ao
fator boa intenção a meu modo, que é avançar no bem, sempre
que possível, sem prevenções e com todas as forças ponderáveis.
— Nossas boas intenções, sobre os céus superiores, ou zonas
mais eterizadas, plantar-nos-iam nelas, de momento? Boa inten-
ção é ótima premissa, não há dúvida, para epílogos próximos ou
remotos. Contudo, quando se é escravo de vício mental, ambiente
formado, principalmente quando se saturou as células cerebrais
de convencionalismos, de recalques mecânicos, como se vai aban-
donar um modo de agir ou crer, pensar e querer? Esses irmãos,
por certo, estão como os viciados em certos sentidos de aplicação
sectária — não conseguem sacudir de si mesmos o jugo coercível
do passadismo lastroso. A embalagem mecânica poderá mais do — Pois saiba que, sabendo ou não, terá de fazer isso. Fale com
que a ideia superior, assim mesmo como a prática inferior costuma sentimento e inteligência. Para o sentimento, lembre que um dia
poder mais do que a teoria sublimada. Admitir o melhor é fácil; foi recolhido; e para a inteligência, apele para o realismo da vida.
vivê-lo é quase impossível. Não discuta, afirme. Não comente, exponha. Não prometa, faça.
— O homem será sempre o homem, na Terra ou aqui... — Para afirmar, expor e fazer, precisamos saber e poder. E me
Nessa hora, Mesquita vinha a nós, acompanhado de Alva; de- sinto frágil em tudo, em quase tudo.
viam trazer recado prazeroso, pelas feições dos semblantes. Levan- — Pois use o pouco de quase o que já começou a sobrar... —
tamo-nos e fomos ao encontro dos dois. saiu dizendo Mesquita, deixando-nos a sós, Fábio, Alva e a mim.
— Começo de função de ambos! — anunciou Mesquita, abra- Alva, meiga e amiga, inseriu num sorriso:
çando-nos. — Não tenha receio de nada. As coisas devem andar nos ares
— Graças a Deus! — exclamou Fábio, baixando a cabeça e ensi- sempre, a respeito de quem de fato procura ser útil aos irmãos em
mesmando-se. natureza e destino. Vá ao seu irmão por orientar, sem receio e nem
— Andemos? — convidou-nos Alva, apanhando-me pelo braço. prevenções, que por fim tudo sairá bem. E se de início não sair
Durante o pequeno trajeto, que mediava, entre o parque e a bem a contento, compenetre-se de que todos pagamos tributos
residência de Mesquita, falamos da função por exercitar. Iríamos ao conhecimento, e à técnica de aplicá-lo. Ninguém é obrigado a
residir com Mesquita, até novas ordens, sendo que trabalharía- começar perfeito, nem tampouco é condenável por não o ser.
mos para uma organização socorrista do local, de que Mesquita — Farei o possível — foi o meu remate.
era membro diretor. Tudo era de nossos desejos.
— Amanhã iremos ao encontro do primeiro a ser atendido por
você, Adroaldo — disse-me ele.
— Mas ainda sou fraco em aplicações de elementos energéticos.
Pelo que me tem sido dado ver, há qualquer coisa de nós mesmos
que devemos utilizar, para o encaminhamento dos outros. Não te-
nho prática desses exercícios...
Sorriu Mesquita e emendou:
— Depende de quem vai atender... Você, por exemplo, terá de
entender-se com um evangelista recém desencarnado. Vagueia
ele, sem saber como e nem por que, num campo de paz. Para ali o
levaram, durante a turbação inicial, para um sono reparador. Uma
vez acordado, passeia pela campina, bebe dos regatos, penetra
nos bosques, ajoelha e ora. É preciso que se o avise da morte...
Compreende?
— Compreendo que devo esclarecê-lo; mas não sei bem como
principiaria por lhe falar. É preciso técnica para tudo, pois boa in-
tenção, como dizia-me há pouco Fábio, é qualquer coisa, mas não
é tudo.
NEÓFITO
S
er principiante ou neófito causa apreensão, seja no ramo
que for de atividade. Estar ou não preparado é como ter
ou não alma, em certos momentos. O vazio penetra tanto
pelas profundezas do Ego, da necessidade de ser alguma
coisa para certos feitos, que um tremor nos abala, aniquilando a
menor expressão que seja de ânimo. Pelo menos, assim fiquei.
Via-me ante um evangelista, um homem conhecedor da Bíblia, eu
que só entendia de ídolos e formalidades humanas. A imagem que
vislumbrava, do que se iria passar, era a de um teimar que sim e
outro que não, até que Deus quisesse intervir, através de alguém
melhor, para dar a coisa por terminada, por vencida pró Verdade.
Contudo, lá pelos recônditos impressivos, qualquer coisa se foi
definindo como pruridos estimulantes. Para quem tinha passado
a vida em adorações formais, que valiam mais ou menos segun-
do o montante exteriorístico, vinha a calhar bem, mesmo que
apenas experimentalmente, um teste de fato. E foi assim que um
dia, ou horas depois, sobre o tapete verde de uma campina, o
esplendor paisagístico e a brisa suave, vim a encontrar-me com
um homem ensimesmado, absorto e vago. Perambulava ele por
campos sem fim, imaginoso, parece que sem dar de si conta ou
medida, a respeito da incomensurável estuância que o rodea-
va. Não se detinha, porque a sua visão de alma estaria torva, a
observar os prados verdes, as flores multicores, os pássaros bu-
lhentos, a brisa suave, o céu azul e a temperatura tépida; anda-
va, andava sempre, sem prestar a nada atenção, sem beber coi-
sa na fonte exuberante da majestade agreste. Que pensaria ele?
Que sentiria? Que gostaria de encontrar? Por quais mundos dis-
tantes, na infinita deslumbrância do eu presente, andaria ele a va-
gar, naquela introspecção acabrunhadora? Não sei dizer palavra; o
que sei é que me cumpria abordá-lo. E foi isso o que procurei fazer,
concordando em que seria preferível, para todos os fins, que isso
se desse à margem de imenso plano, liso e florido.
— Que linda paisagem! — foi o que disse, assim tornado visível,
procurando apenas atraí-lo aos meus objetivos.
Ele, de fato, estacou. Olhou-me bem, estudou-me, naturalmen- sou evangelista, sou do Senhor. Creio no Deus vivo!
te da melhor maneira ao alcance do seu imediato intelecto. Nada — Ninguém crê no Deus morto, pois seria contra-senso. Quan-
disse, todavia; apenas esboçou primórdio de sorriso, assim como do muito, senhor, o homem pode ser ateu; mas crer em Deus mor-
quem muito se esforça para aparentar uma satisfação que não to, isso não. E relativamente ao seu modo de crer...
pode sentir. — Perdão! Modo de crer eu o não tenho; sou evangelista, sou
— Não acha linda esta paisagem? — tornei, desconfiado e mui- do Senhor Jesus Cristo! Ressuscitarei no último dia, para a glória,
to sobre a felicidade do motivo posto a servir de ponto de contato. segundo a promessa do Senhor. Ora, disso não tenho dúvidas! Crê
Depois de vaguear com os olhos cansados pela planura que pa- e basta, disse o Senhor.
recia não mais ter fim, volveu para o nascente, onde montanhas — Sabe que a desencarnação desilude aos presumidos e ensina
ao longe bordavam em azul profundo a pala do horizonte dourado. o que é do Santo Livro da Realidade? Sabe que de um dedalzinho
Em seguida, acenando afirmativamente com a cabeça, balbuciou, de mediocridades que comportam os livros dos fanáticos religio-
baixinho: sistas do mundo, o mesmo fanatismo transforma em tabu, precisa-
— É sim... Muito bonita a paisagem... mente porque fanatismo significa cessação do direito de raciocínio
— Passeia? — forcei, tecendo certa ordem de raciocínio. são?
Novamente, girou sobre si, encarou os horizontes, olhou para o — O senhor é espírita?! — volveu ele, alerta, avivando-se cada
espaço; e com algum custo, dificultosamente, tornou à fala, fran- vez mais.
zindo-se todo: — Eu não sou partidário, como o senhor pensa, mas sou realista,
— É mesmo bonita a paisagem... Mas, que vou fazer eu com como aprendi a ser, depois que coisas muito sérias se passaram na
isso?... minha vida. Pode dizer que é do Senhor, que despertará no último
dia para a glória, e que não é simples crente e sim um verdadeiro
— Admirar é viver internamente a grandeza que se irradia do sabedor das coisas de Deus?
que Deus fez. O Senhor precisa de estímulos... Todos nós precisa- — Naturalmente! Tudo depende de se aceitar o Evangelho ou
mos... Principalmente... não! E, quanto ao senhor, tem receio de dizer que é espírita, mas
— Principalmente nesta conjuntura? — interrompeu ele, aca- de fato o é; os espíritas é que falam ou usam o termo “desencarna-
brunhando-se. ção”. E o senhor o usou...
— Sente-se mal? — indaguei, condoído, observando-lhe a má- — Pois bem...
goa. — Está vendo?... — interveio sem perda de tempo.
— Tive um ataque de amnésia... Devo tê-lo sofrido... — Pois bem, meu amigo; eu sou espiritista. Tornei-me, porém,
— Não poderia ter sido outro fato? O senhor, por exemplo, pen- depois de ter atravessado o...
sa que perdeu a memória e pôs-se a vagar, sem rumo certo, vindo — O Círculo do bom senso... O senhor também acreditou nas
a encontrar-se por estes campos, sem saber como? ditas mensagens e na reencarnação? Olhe que tudo isso é obra do
— E como teria vindo aqui de outro modo ou por outra circuns- demônio...
tância? Eu nunca vi este lugar!... — Então Jesus foi mesmo um endemoniado? Pois passou a vida
— E nem poderia tê-lo imaginado, meu amigo. Isto aqui é coisa a expelir os maus espíritos e a confabular com os bons. E que fazia
que o senhor, eu ou qualquer outro dogmático, ou crente em em- impondo mãos para curar, curando a distância e prometendo um
pirismos antiquados não poderia imaginar existisse. Isto é... Consolador anunciante?
— Perdão! Perdão! — começou a apelar o homem, animan- — Pois o Espiritismo nada tem de seu. É apenas uma seita, e que
do-se — Perdão, mas eu não sou antiquado em minha crença, usa tudo o que quer da Bíblia, para se afirmar cristão!
— Tem certeza disso? — reptei-o, calculando o que daí adviria. — O senhor pode garantir-me alguma coisa sobre o que acaba
— Absoluta! — afirmou ele, sem perda de tempo. de dizer?
— Tem certeza de que ao morrer ressurgirá, no último dia, para — Até onde Deus e Nosso Senhor Jesus Cristo me afiancem o
a glória? poder falar e provar. Tenho elementos de prova a lhe oferecer, por-
— Plenamente! que sou um agente do Supremo, em missão de informação e recep-
ção ao primeiro irmão, depois de meu curso de esclarecimentos.
— E que está passeando pelos campos da Terra, por ter sofrido Porque, como disse, também vim dos círculos dogmáticos, onde se
um ataque amnésico? aprende a crer em fantasias e xingar o realismo das coisas de Deus,
— Para mim, quanto à amnésia, penso que sim. Com relação à em virtude do excesso de empirismo e das deficiências analíticas
campina, isso o senhor mesmo pode observar... Não estamos lou- e experimentais.
cos; estamos no uso da razão. — Mas, e as promessas do Cristo?...
— Pois já morreu e não sabe, meu amigo. Não houve amnésia — Estão todas de pé, como o seu próprio caso dá testemunho.
alguma. Houve apenas um morrer na carne e despertar no espaço, Veio para os campos de paz, onde dormiu debaixo de frondosa
sem necessidade de ressurgir no último dia. Está num dos céus árvore, restaurando certas energias, vindo a dar acordo de si, para
da Terra, ou numa das moradas do Pai. E não tenha receio de que logo ser buscado e encaminhado para melhor. Note bem que, sem
o Espiritismo tenha inventado isto, a reencarnação ou as mensa- mistérios e nem milagres, mas em são realismo, como tudo em
gens mediúnicas. O senhor mesmo irá ver, entender e sentir, uma Deus o é, está sendo guiado, chamado, atendido, na proporção
verdade que não vive à custa das afirmações de credo algum do direta aos seus merecimentos. O que deve é pensar com simplici-
mundo. Primeiramente quero dar-lhe a ler um livro de nossas bi- dade, dando a tudo tempo e atenção. Não queira admitir ou negar
bliotecas, intitulado “O SANTO LIVRO DA REALIDADE”, aguardando “a priori”. Investigue bem, sonde os “por quês”, faça mil e uma
em seguida, sua própria palavra de confirmação. perguntas, levando em conta que a pobreza de Deus deixa muito
— Com licença, meu amigo... Com sua licença... longe a riqueza do homem, em verdades conhecidas ou por co-
— À vontade, amigo, mas com a advertência de que devia es- nhecer. Lembre-se de que o mundo religiosista terrícola, ao invés
tudar primeiro, e dizer qualquer coisa depois. Desconfie de suas de viver em função das realidades da vida, quer que a vida e seus
certezas, pois eu também tive de abandonar a muitas delas, por realismos vivam, em função de suas futricas teologais, em virtude
imposição de uma verdade que não necessita do beneplácito de dos mesmos tacanhismos sectários.
quem quer para ser como é. Eu morri, diremos assim, em pleno — É interessante!... É interessante!...
vigor católico. E vim para estes lados da morte, também sobrecar- — Gostaria de... — e estacou, cismático, tornando a estudar-me
regado de certezas que não se sustentaram como tal. Temos de detalhadamente, de alto a baixo.
aprender com Deus e não pensar em ensinar a Deus. Deixemos os
igrejismos dos mundos, os tabus clericalistas, os conchavismos e E indagou, num repente, semisurpreso:
as pirraças humanas. Pelo menos depois da morte, cumpre sermos — Nossos corpos, o chão, as aves, o céu azul, a vegetação, tudo
mais decentes. isto que se pode ver?... Por que é assim e não de outro modo?...
E deixei ao evangelista o tempo que quisesse para raciocinar. — Conhece todos os céus da terra? Sabe que a face da Terra
Ele olhou para tudo, para o chão coalhado de ervas em flor, para também é uma forma de céu? Não pode admitir que o espírito
as aves que cortavam os ares, para as copas das árvores frondosas pode, em qualquer mundo, condição ou plano, viver em função
que de quando em quando enfeitavam a linda planura. Estudou-me do Supremo Determinismo. Como executante de mandatos su-
bem, medindo-me de alto a baixo e vice-versa, por algumas vezes. periores? Por que pensar e aceitar a tese de que a Terra tenha
Depois de muito tempo é que me disse, pedindo: sido feita por um Deus individualizado, pessoal, antropomórfico,
que a largou, em seguida, à sanha de um possível inimigo? Por que Frui-se uma vida superiorizada, um gozo de viver, assim como coi-
afrontar ao Supremo Determinismo, que é íntimo a tudo e todos, sa que não tem explicação. E existem céus de imensa envergadura,
com tamanhos rampeirismos? Viver na consciência da Divina Uni- altamente divinizados... São as moradas dos mais santos e mais
dade, que é o realismo, que é a Verdade Pura e Inderrogável, não sábios. Somos todos iguais em natureza e destinos, mas não o so-
é melhor? Crer na Revelação, por experimentá-la, que é saber, não mos em hierarquia. Uns tem mais, porque mais fizeram por ter,
é muito mais consentâneo com o Evangelho, com toda a Bíblia? sendo que outros até nada possuem, por terem procurado nada
— Mas existem advertências... Em que pese as contradições, ter, ou mesmo perder o que já tiveram. Afinal, amigo, infinitos são
existem advertências muito sérias; o senhor deve conhecê-las. os graus de espiritualidade, do mesmo modo sendo infinitos os
lugares de estar. Temos, pois ao dispor, infernos e céus à vontade.
— Existem afirmações muito mais sérias. O sectarismo cuida em Mas tudo parte de dentro de nós mesmos. O bilhete de entrada é
tapar o buraco por onde foge o pinto, para deixar aberto aquele o esforço próprio.
por onde escapa o camelo. Todo sectarismo é em si portador de
contradição. Como pode observar, todos os Patriarcas, Moisés, Sa- — Vamo-nos daqui, meu senhor?... Como se chama, por favor?
muel, os Reis, os Profetas, o Cristo, os Apóstolos, todos mantive- — Adroaldo, para servi-lo. E o seu nome é Tomé, já o sei, pois
ram colóquios com agentes do mundo espiritual. Fizeram, falaram, tenho o seu documentário imediato aqui comigo.
ensinaram, passaram avante, tudo quanto puderam colher através — Documentário imediato?... Mas... Vamos primeiramente em-
do fenômeno revelacionista. No Livro dos Atos se lê, francamente. bora daqui?...
“Vós que recebestes a lei por ministério dos anjos, e não a E como o novo amigo vibrasse por partir, sentindo eu mesmo
guardastes” — Atos, 7, 53. uma influência no mesmo sentido, muito pronunciada, fi-lo enten-
E o amigo que muito leu sobre a vida de Jesus, sabe muito bem der a necessidade de ir por volição. Tomando-o pela mão, fizemos
oração, alcançado a região em fração de minuto. Bem soube do
que conversou com os maus e manteve conversa com os bons grande auxílio prestado por Alva, horas depois. Tinha pois, graças
agentes do espaço. Também, não deve ignorar que prometeu um aos amigos, vencido na primeira oportunidade que Deus me havia
informador, um Consolador. conferido, através do sagrado mecanismo da vida.
— Compreendemos certas coisas, de fato; mas em virtude das Tomé, por estas alturas, desempenha bela função junto de pri-
deficiências do homem, atribuímos ao homem a culpabilidade de morosa organização mediúnica, em terra de língua inglesa. Seu
certas falhas, de lacunas dolorosas. Confesso que me choca o ler bom conhecimento de inglês garantiu-lhe ótima função esclare-
sobre os grandes acontecimentos da Revelação, na Antiguidade, cedora, num agrupamento de sinceros amigos da Causa do Se-
com a tremenda falta dos mesmos sinais, no presente. Em todo nhor, que é a Nossa Causa. Uma moça, médium psicógrafa, passa
caso, sem poder resolver de outro modo, confiava na fé viva. Não avante aquilo que ele quer, pode e tem ordens para passar, assim
me arrependo de ter vivido em grandeza de esperança, no Senhor. como o faço neste momento. É por determinação superior que as
Se a realidade, como diz, depois da morte, força a saber muito coisas destes lados da vida estão sendo reveladas, em todos os
mais, tanto melhor. Consciente de que infinito é Deus em natureza pontos do globo, onde haja possibilidade. Para cada época da Hu-
e profundidade, nada mais certo de que pressentir a infinidade de manidade, para cada tempo, a sua informação. E sabemos que,
Suas manifestações. Mas eu queria ir deste lugar... Sinto vontade se estes informes tardaram por ser transmitidos, foi por culpa
indômita de partir para outro lugar, para outros lugares... Parece do mal que os cleros causaram, impondo modos de crer e sentir,
que alguém me chama, não por palavras, mas por incontida inspi- completamente inversos à realidade da vida astral. Tivessem per-
ração. manecido, pelo menos os cristãos, no culto do Batismo de Espíri-
— De fato, trago ordens de encaminhá-lo à região onde moro. to Santo, e de muito que certas verdades seriam do patrimônio
É como a Terra, tal qual, de certo modo, mas bem mais divinizada. de conhecimentos do homem terrícola. Mas, faremos o devido,
como está sendo de mais alto indicado. Quem poderia lutar contra
Deus e vencer? Deixemos, portanto, que falem todos os tempos e
credos; a realidade da vida vencerá, porque ela apresenta e é, de
fato, a Vontade de Deus, mas Deus Onipresente, Impessoal e De- ACOMPANHANDO FÁBIO
terminador Total em tudo e todos.
E
ra mesmo de se esperar que Fábio, com suas experiências
e conquistas técnicas, fosse indicado a trabalhos outros,
em outros grupos e sob a chefia de mestres no ramo das
aplicações magnéticas. Todos nós, naturalmente somos
receptores e emissores de fluidos; mas, de par com as possibilida-
des naturais, coexistem as peculiaridades e aprendizados. Captar
e irradiar é comum. Saber captar e aplicar com maestria é outra
coisa. E ainda resta o fator tônus, a qualidade do que capta, a ela-
boração interna a que sujeita e a sapiência na aplicação. Isso não
é coisa para se aprender num mês e nem para se conseguir numa
vida ou duas. É sabido que o simples fato de modificar o pensar e
o sentir faz, imediatamente, se modifique em parte a aura pessoal,
quer seja pela imposição vibratória interna, quer seja pela sintonia
com os outros graus e outras gamas externas, onde então fará a
captação cósmica. Verdadeiramente, todos vivemos, na carne ou
fora dela, de contínuo, a captar e transmitir; o que varia de acordo
com o “modus vivendi” é a intensidade do mecanismo e a qualida-
de dos elementos.
Fábio, pois, foi indicado para serviços de passes e curas. É um
subdepartamento do instituto, composto de uma vintena de tra-
balhadores, onde se salientam elementos que agem por delega-
ção, isto é, não só que sabem e podem captar e transmitir, mas
que encerram em si autoridade moral e delegada para o fazerem.
Estive presente ao ato de admissão de Fábio, tendo ouvido dizer
o chefe de tais serviços, um espírito de reais valores, no ramo:
— Como você procurou conhecer durante a encarnação, há cor-
respondência entre sons, cores e vibrações. Há, também, caracte-
rísticas próprias e sutis, para efeito de captações e transmissões,
bem assim como está todo o ser de posse da faculdade de em-
prestar valores próprios aos fluidos cósmicos absorvidos. O tônus
é conferido pelo ser, sendo que pode variar muito em virtude de
suas flutuações mentais e impulsivas em geral. Cumpre saber tam-
bém que cada órgão interno, pela sua natureza química e ação,
possui a sua cor própria, atraindo e expelindo, dando de si condi- no curso do desempenho funcional. Para agir bem em nossos pla-
ção ou modo de ser próprio aos elementos cósmicos que atrai e nos inferiores, curando corpos menos densos e caracteres corrup-
concentra. Há que atentar, portanto, para este fato: não é apenas tos, é necessário intervenha todo o quociente técnico possível.
o corpo humano que em unidade se apresenta como capaz de um Para atender àqueles do lado de lá do limiar etéreo, muito mais
padrão receptivo e emissivo, ou de dar de si um modo de tônus cuidado se faz preciso; a densidade dos corpos, a recalcitrância nos
vibratório, que significa som, cor e qualidade. É que cada órgão por hábitos menos edificantes, os vícios funcionais e com eles as taras
si mesmo faz isso isoladamente, concorrendo para que o todo se secreativas, tudo impede a eficiência dos melhores esforços. O ho-
apresente a seu modo, com a sua hierarquia tônica. mem vive em função dos supremos desígnios e age em função das
E ante o grupo de técnicos, onde Fábio formava com a sua aten- estultícies que lhe formam o patrimônio tradicional. Precisamos
ção crivada nas palavras do chefe, prosseguia este: conhecer, ter firme desejo de servir, amar ao ato de dar o possível.
— É necessário, pois, pôr toda a atenção na escala cromática, Já ia longe no corredor, e ainda o ouvi dizer:
para um bom serviço. Cada órgão reclama sua terapêutica. E em- — Devemos lembrar sempre, porém, que não contamos apenas
bora a elevação de pensamentos concorra para a superioridade, com recursos técnicos... Pois a coroa de assistência superior há de
para a elevação do tônus, e consequentemente para os resulta- sempre envolver àqueles que de coração superiorizado derem-se
dos seguros, é de atentar-se para o fator externo, que é o doente, ao afã de lutar pelos irmãos... É que, assim como procuramos aten-
o passivo, com o seu grau vibratório problemático, com as suas der a uns, preferindo a sombra do anonimato fraterno, assim é
flutuações, com a sua possível negação absorsiva. Para um bom que outros, mais bem situados do que nós, também através das
paciente, a aplicação generalizada ou universal basta; porque ele leis sublimes da natureza, procuram infiltrar bênçãos valorosas em
facilitará, sem dúvida, a que cada raio por si se encaminhe e lo- nossos serviços.
calize. Mas, ao passivo que não ofereça campo universal, deve-se
ir pelas partes, pelos centros em particular. Em nossos hospitais E perdi de ouvir, pesaroso, aquilo que bem gostaria aproveitar.
contamos conosco e com os elementos de nosso plano; junto aos No dia seguinte, pelas quatro e meia da manhã, fui procurado
encarnados, contamos com os médiuns e os elementos da atmos- por Fábio, que, como tinha ficado combinado, iria ao seu primeiro
fera terrestre, ambos riquíssimos em propriedades terapêuticas. serviço de assistência. Pus-me de pé num momento, uma vez que
Os fluidos emanados dos médiuns, quando estes procuram de fato advertiu:
permanecer em normalidade vibratória, comportam já as tonali- — Temos que estar junto ao doente em menos de dez minu-
dades devidas; são elementos já preparados. Como, porém, sur- tos. Precisamos aproveitar as últimas horas de repouso matinal.
gem complexidades a valer, por via do que podemos ou não, das Quanto mais descansados os órgãos, mais relaxados os músculos,
variantes condições, disposições mediúnicas e diversidades por menos febril o cérebro e bem diminuídos os vapores de sangue,
parte dos passivos, necessário se faz agir com prudência, muita tanto melhor.
prudência para que os serviços não se tornem nulos, em tempo de — É encarnado o doente?
emprego e esforços expendidos.
— É. A dor o está encaminhando à Verdade...
E aprendia eu que nos céus também não existem milagres. Há,
sim, leis e regras para tudo, técnicas a serem seguidas, esforços a — Então, tenho razão de achar que a necessidade de dor prova
serem empregados, sacrifícios à cata de obreiros carentes de pro- a insuficiência de conhecimento e amor... — quis eu interrompê-lo.
gresso. — Mas, calemos, que precisamos partir — advertiu, novamente.
Preparava-me para sair, por ter deveres a cumprir em horas cer- — Vamos sós?
tas, quando o mentor dizia: — Não. Três acompanhantes aguardam-nos aí fora... Eu nem
— Relatividade é composição. Há que atentar, portanto, saberia ir sozinho à crosta... Dizem que há necessidade de tomar
para as razões complementares que se possam apresentar, certos cuidados, em determinadas regiões intermediárias.
Tudo pronto, partimos. Éramos cinco homens a rumar para a

atmosfera densa do globo sólido, onde um irmão nos aguardava
os recursos, por terem por ele feito pedido, em um Centro da lo-
calidade. A viagem, porém, não transcorreu por sobre os trâmites O DOENTE
mais dificultosos, passando pelas regiões perigosas; valendo-nos
U
dos recursos e vontade daqueles três outros amigos, bifurcamos
pelas camadas menos densas do fluido universal, vindo assim a ma vez no interior da casa, e no cômodo em que se
escapar de possíveis dificuldades, ou demoras, pelo contato com achava o doente pude verificar, com espanto, que
gamas menos felizes, sintonizantes com legiões de seres sofríveis, era meu irmão mais velho, de quem havia perdido
às vezes perseguidores implacáveis. o contato fazia muitos anos. Isso causou-me muita
consternação, a princípio; depois, porém, com as explicações de
Quando na crosta, a neblina constituía, para a visão, zeloso su-
dário. Dormia a natureza terrícola entre os braços de tépida ma- um dos amigos, tornou-me a paz ao espírito, vindo mesmo a sentir
drugada. Nada de aragens; ruído algum a perturbar a quietude, imenso prazer, pelo desfecho que iam dar ao caso.
o repouso das coisas e dos homens. Cinco homens, ou invisíveis — Não se turbe por razão alguma, que visamos com esta do-
forças da manifestação divinal, transpunham, lentos, mas falando ença, carreá-lo ao conhecimento do Espiritismo. E como terá de ir
alto e bom som, os caminhos solitários daquele interior. E chega- junto dos parentes, que deixou distante, por via de um inventário
mos ao domicílio em vista, casinha pobre erguida ao lado de bam- que terá trâmites em movimento dentro em pouco, por ele torna-
bual gotejante. Mas ruído faria um cãozinho que além dormia, se remos a muitos conhecedores do Batismo de Espírito Santo, razão
nos visse. Mas nosso plano vibratório era outro. primordial de nossos trabalhos. Como já deve ter notado, tudo vi-
— Entremos — convidou um daqueles três amigos. mos de fazer para que o Batismo de Jesus se torne o mais conheci-
do possível. O caso deste seu parente e nosso amigo é muito mais
que um caso de cura, o que não nos importa muito, será um caso
de evangelização à consoladora, o que de fato é interessante.
Subindo em valores mentais e incurso no programa de ação por
tanta proximidade, passei a dar ao caso muito de aplicação sen-
timental. Quando um daqueles três servos de mandato superior
ordenou a Fábio que sondasse bem ao paciente, que acordado vi-
giava os minutos que se iam deslizando por sobre a eternidade,
também me aproximei, querendo ver, querendo auscultar. Sorrin-
do, o mentor encarregado de serviços, disse-me:
— Bem se vê que não aprendeu ainda o bom espiritualismo.
Não reconhecesse no doente a um dos seus e assim não se por-
taria. O verdadeiro amor, amigo, paira acima dos relativismos do
mundo. E nem sequer pensa sobre o fim em vista; seus sentires
enveredam pelo cuidado puramente físico da vida.
— É verdade... Mas, o que vou fazer?
— Seu irmão, se viesse para estes lados dentro de um ano,
por certo que iria para os lugares menos felizes... Procurou mui-
to na vida, mas tudo de ordem material. É pobre de dinheiro,
mas foi rico de saúde, tendo gasto o que tinha e o que poderia com o meu sentimentalismo de irmão carnal. Naqueles dias, ami-
chegar a ter, em atuações negativas. Não pensou nos filhos, não gos, ainda pensava assim: meus parentes, meus amigos, meus in-
se deu ao serviço de ponderar sobre a responsabilidade da função teresses pessoais, tudo tinha de ser melhor, preferível por Deus e
paternal. Foi pai infeliz, marido infiel, cidadão deficiente, religioso pelos homens, encarnados ou desencarnados, pelo simples fato de
formal... que a questão era minha ou me dizia respeito. Aquele mentor, por-
— Ele jamais deixou de ser achegado à igreja, nos atos religio- tanto, o que quis foi subtrair-me a interferência, sem disso dar-me
sos. Se mais não deu, meu prezado mentor, foi porque também conta no momento. Mais a distância foi que me disse:
pouco lhe deram — argumentei, não para pretender convencer ao — No encarnado ou desencarnado, amigo Adroaldo, o tom vi-
bondoso mentor, mas porque me invadia uma tremenda repulsa bratório se modifica em intensidade, em cor e propriedades, de
contra o que fazem no mundo, aqueles que se presumem minis- conformidade com o sentimento que o mesmo passe a viver. É
tros de Deus, simplesmente por nada fazerem de caráter verdadei- preciso encarar toda e qualquer questão, antes de mais nada, de
ramente religioso. modo universal. Enquanto nossos interesses forem superiores aos
— A verdadeira Igreja é aquela que o homem tem em si mes- dos outros, só porque nós somos nós e os outros são os outros,
seremos falhos, frágeis e prejudiciais. O egoísmo, o conservado-
mo, que são os valores inatos, os divinos tributos. Por tais elemen- rismo tacanho, o fanatismo em geral constituem o grande entrave
tos, amigo, cada um pode saber o que mais lhe convenha ou não. da marcha ascendente da Humanidade. É preciso ser do Univer-
Quando Jesus recomendou não se fazer aos outros o que não con- so, assim como o Universo é de todos nós. Temos tudo para ser.
vém a nós, apelou ou ensinou a apelar para tais reservas inter- Depende de nosso esforço de realização mais imediata. Nós não
nas. Nenhuma organização religiosa precisa ensinar a quem quer somos da Terra e nem das suas leis relativíssimas; nós somos Es-
que seja que é melhor viver com saúde e em paz, porque isso até sência Divina, com direitos de universalidade ao infinito. É, porém,
os animais inferiores o sabem e prezam, movidos pelo instinto de em caracterização individual que teremos de elaborar a conquista
conservação. Não pode e não deve, pois, homem algum, culpar desses esplendores indizíveis; e com apegos broncos, fanáticos,
simplesmente a um credo qualquer, pelo que deixe de ensinar de egoístas, jacobinos ou cabotinos, por certo que não atingiremos a
mais certo. Pela ordem íntima da vida responde, isto é, pela con- tais píncaros espirituais. No caso de seu irmão, por exemplo, não
duta moral-mental-execucional responde o próprio cidadão, ele via o ser imortal com a responsabilidade imensa a pesar-lhe sobre
que sabe até instintivamente o que mais lhe convém, aquilo que os dias vindouros; via, como costuma ver o encarnado, que quer os
gostaria lhe fizessem os outros. Nenhuma religião é contra essa re- seus saudáveis, fortes, rijos, ricos, sobraçando títulos, comendas,
gra intelecto-moral; logo, pela aplicação à vida, quem responde é regalias do mundo em geral, mesmo que com isso estejam a se
o indivíduo. Compreendemos as deficiências religiosas dos credos, aproximar dos abismos, em carreira vertiginosa.
ou das clerezias do mundo, mas, sabemos que nenhum religioso E era isso mesmo, pois assim que me vi envolvido no enfro-
o é cem por cento, à medida que a sua religião lhe ensina e indica nhado parentesco, no grilhão consanguíneo, deixei de pensar na
como programa de vida. E se é dado ao indivíduo não aceitar tais vida, para pensar na morte; deixei de encarar a coisa pelo pris-
ou quais recomendações, por achá-las injustas ou falhas, por que ma deste lado, para encará-lo pelo sistema da carne, que é con-
não se responsabiliza ele pelo que pode buscar e cultivar, indepen- servar as aparências, mesmo quando a essência se tenha apo-
dentemente de sectarismo, de facciosidade? drecido. A enorme valia é que tais mentores não tinham nós ou
O certo é, porém, que enquanto aquele mentor me conduzia ataduras pela língua; cultivavam um fraternismo à toda prova,
o pensamento para longe do trabalho a que se davam Fábio e os duro, mas eficientíssimo. Por aqui não é possível ser túmulo por
outros dois mentores, eu me invalidava como agente emissor de dentro e parede caiada por fora... Isso, só na Terra e nos paí-
emanações então só prejudiciais, por desenvolver atuação men- ses inferiores do astral. Aqui, e daqui para cima, quem se pren-
tal de ordem negativa, por particularizar lei de fundo universal, der ao menos feliz virá a se encontrar em descida hierárquica,
em carreira para os planos menos recomendáveis. E isso não é im- de modo sadio, é preciso que o cidadão do mundo seja freguês
possível de se dar; sei hoje de irmãos, ainda cidadãos de regiões duma banca qualquer, compre quitandas, creia nelas, que as use
pouco menos vantajosas, que de se apegarem às coisas do mundo, e recomende ao mundo todo. A vida íntima iluminada pelo sol da
por questões de falhas cometidas, ou pretendendo interferir nas Verdade, isso não interessa aos vendilhões dos templos, o que in-
obrigações atinentes aos do plano da vida material, ou assim dita, teressa é o abastardamento, a crença nas hierarquias, o apreço
chumbaram-se, tornaram-se doentios, insuficientes para o retorno pelos graus, pelos títulos, pelos rótulos em geral.
devido. Até mesmo de males que se haviam livrado, doenças por O meu irmão, portanto, havia corrompido, gasto o quantum de
assim dizer trazidas do mundo carnal, de novo se viram presas, se poder vital, de que fora ao mundo dotado, em orgias, em relaxa-
tornaram vítimas. É bem um grande caso, para estudos profun- mentos; e, naturalmente, sobre si acarreta o correspondente mo-
damente sérios, esse caso da ideoplastia. Por a ideia a funcionar, ral, o débito perante a Lei de Equilíbrio, que do íntimo bradaria
embalá-la com as forças tremendas do sentimentalismo, eis uma por resgate, por reequilíbrio, em tempo oportuno, projetando-o
fonte interna capaz de fazer jorrar os céus ou os infernos de dentro ao banco dos réus, que é todo lugar de pranto e ranger de dentes.
do próprio homem! Na carne, a barreira constituída pela mesma
carne, não deixa que o desfecho seja repentino; mas nestes planos Fábio, então, dera de si tudo. E quando foi necessário mais apli-
de vida, com a tenuidade da matéria, para mudar depressa tanto car, então os dois mentores completaram; puseram-lhe as mãos
basta se pense com afinco. E esta lei basta para que cada um pen- sobre a cabeça, fazendo jorrar sobre ele torrentes de luzes multi-
se, e pensando se compenetre, de qual seja o poder das obras so- cores, fluidos curadores, que pelas suas mãos se iam, pelas pontas
bre a edificação hierárquica. Quando o homem quiser certificar-se dos dedos, penetrando no corpo de meu parente. Este, em pouco
de que a vida é lei geral, e que o processo do céu é o de ordem tempo adormeceu, vindo de fora do corpo, atraído pela vontade
executiva na vida de relações, então poderá falar alguma coisa so- daquele mentor que comigo falava, que o puxava pela mão pe-
bre isso a quem chamam de religião. rispiritual. Uma vez saído, cambaleava, assim como se estivesse
Religião é o que há de mais grave por ser cogitado pelo homem. embriagado.
Pode mistificar o homem, para o que quiser e o quanto quiser; — Venham para cá — convidou o mentor chefe.
jamais mistificará para com o seu princípio íntimo de religião, que E os dois deixaram o corpo, para virem atender com forças
é onde se refletirá tudo quanto venha a fazer, por mínimo ou estra- energéticas próprias ao espírito enfraquecido, através do perispí-
nho que pareça ser às coisas do espírito. No fundo, a verdade é que rito. Foram novos jorros, mas agora separados, prevalecendo os
a vida em si é religião; mas, amigos, é religião segundo a Vontade tons amarelos e esverdeados. Dentro em pouco, com as melhoras
Suprema, que não pergunta e nem diz, por querer e determinar, no apresentadas, passaram aos tons azulinos. Quando estes se foram
sentido de que cada um, por si, se identifique com a sua santidade apresentando bem mais claros, meu mano estava bem disposto,
interna. Triste destino, pois, o destino dos cultos exteriorísticos, ficava de pé sozinho, procurava falar.
das formalidades, das idolatrias, quer as de ordem mental, moral, — Veja o seu mano, Adroaldo. Converse com ele — convidou o
intelectual ou material. O Ego, para vir a gozar dos bens latentes, mentor chefe.
precisa desabrochá-los, nunca, porém, precisaria de torná-los se-
pultados sob o peso dos farandolismos inventados por homens. Meu mano teve um abalo forte, precisando de interferência dos
Sanear a mente, elevá-la à custa de bons saberes, e por moraliza- mentores. E, depois de um pranto a dois, pois não pude conter-me,
ção normal pô-la a viver com simplicidade, eis a verdadeira prática fomos volvendo ao tom necessário, de equilíbrio. Conversamos
espiritualista. O mundo faz o contrário, ensina o caminho inverso, muito bem, graças ao sustento que lhe deram os mentores, Fábio,
concita o culto dos fantochismos em geral. Para as clerezias em então, disse-lhe com carinho:
geral, não basta buscar com afinco o melhor conhecimento das leis — Vicente, você precisa procurar o Espiritismo. Do contrário
do Senhor, que são as do Universo; não basta viver decentemente, não poderá recuperar a saúde, como lhe convém. Tome passes,
use a água fluidificada, converse com pessoas espíritas bem escla- sem formalidades, sem ídolos, alheio a qualquer idolatria. Foi a lin-
recidas. guagem pura de filho para Pai, confessando, desejando o bem; e a
Fábio foi repetindo, os mentores foram-no recolocando no cor- resposta foi gloriosa, universal, como resposta de Pai Supremo, em
po e ele foi sumido por entre as densidades do plano carnal. Ao acordes tão maviosos o quão profundos e indefiníveis. Nem nas
dar de si, acordou, meio inconsciente, chamava por mim, repetida- reuniões coletivas, onde pregadores de outras regiões inflamavam
mente. E com isso vieram meus sobrinhos, depois minha cunhada, as almas com seu verbo lúcido, assim coisas tinham acontecido.
aflitos todos, falando em pesadelos, em quejando tais, menos no Sentindo em mim, como que ao longe, melodias divinais, deitei-
soberano realismo por ele vivido há alguns minutos. -me por alguns instantes.
— Vamos embora — disse o mentor chefe, acenando com a
mão.
Poderosas vontades partiram com o querer. E singramos pelos
espaços afora, subtraídos aos vibrares inferiores pelas sintonias
com os superiores. Com o Sol a despontar na nossa região, chega-
mos. Minha alma se apresentava triste, de certo modo bem triste,
por reconhecer a fragilidade espiritual do irmão encarnado e a dis-
tância em que se encontravam todos, na família, da realidade da
vida astral e dos porquês da encarnação. Foi quando um dos mes-
tres me disse, com a bondade que caracteriza os seres realmente
fraternos:
— Não padeça por isso... Trabalhe bem, ore racionalmente, que
lá iremos tantas vezes quantas necessárias forem, para que o seu
parente vá a um Centro e para que ele enverede os demais. Nós
ainda falaremos com ele por meio da sua cunhada... Deixe isso
com a Sabedoria do Senhor.
Minhas faces se foram banhando. Lágrimas quentes rolaram
por elas abaixo, lágrimas de gratidão e esperanças felizes. Quan-
do fui deixado a sós, no meu quarto, queria dobrar os joelhos
para orar, vergado sobre o peso da tradição; mas, de pronto,
lembrei-me do catecismo estudado, dos seus ensinos. Recomenda
o nosso catecismo o máximo respeito pelas obrigações e o envio
de ondas mentais para o íntimo do Ego, onde se deve conversar
com Deus, a Essência Divina. De pé, com os olhos rasos d’água,
o coração transbordando e a mente penhorada às coisas da Vida
Superior, agradeci, pedi oportunidades, para trabalhos fraternos.
Em torno de mim ouvi palavras surdas, sumidas... Depois ouvi
música, melodias, cânticos... O céu interno devia ter atingido a al-
tura necessária, o ponto de contato com as vibrações superiores.
As harmonias do Universo, presentes sempre, estavam a ser por
mim experimentadas, por apelar a elas, em espírito e em verdade,
NUM CAMPO FLORIDO
Q
ue sonho maravilhoso aquele! Assim digo, pois nem
sei se sonho de fato o foi ou se constituiu uma saí-
da rápida à deslumbrante região. Nunca cheguei a
saber, até hoje, se em realidade existem pradarias
assim floridas, espaços com músicas enlevantes, rios imensos de
água azul prateada e brilhante, perfumes e coisas impossíveis de
serem relatadas. Em meio a tudo aquilo, uma criança loura de uns
três anos, chamando-me pelo nome, guiando-me, numa expres-
são de felicidade contagiante, quando se volta, falou com a sua
vozinha infantil, cheia de graça:
— Nós somos de Um Senhor, Infinito em todos os sentidos.
Comportamos virtudes infinitas por desabrochar. Não devemos,
portanto, miserabilizar nossas mentes e nossas consciências com
as coisas e as impressões dos planos inferiores da vida. É capaz de
lembrar-se disto?
— Sou... Se Deus me der as forças...
— Forças nós a temos, por no-las haver dado Deus, desde o
princípio, por natureza; o que não devemos é empregá-las negati-
vamente, sob a forma de apegos inferiores, exclusivistas, orgulho-
sos, racistas, animais, etc. Pense bem, senhor Adroaldo, que não
se vive, sem que se seja uma força. O que existe é força, seja lá de
ordem qualquer, ou por mais negativa que o seja. O certo é que
venhamos a constituir uma força às direitas, no sentido harmô-
nico, acompanhando em vibrações ao Supremo Senhor. Julga ter
por acaso a ida de Jesus ao mundo dos encarnados, para tamanho
exemplo de esforço direcional conveniente?
— Eu sei que Jesus foi ao mundo...
E acordei. Se foi pesadelo, santo foi ele. Também, mal acordado,
eis que por mim chamam, à porta. Quando a abro, era uma jovem
do grupo de socorros que vinha avisar-me de serviços por execu-
tar, em sua companhia, horas depois. Saí, portanto, em sua compa-
nhia, para a rua. Todas as ruas dessa região são amplamente ajar-
dinadas. E creio que melhor tratamento de amor que lhe votam os
habitantes não poderiam ter. Cada qual dá às flores, aos jardins,
às frondosas árvores, tudo o que pode de afetos puros. E nós sabe- E a meia noite chegou.
mos o que significa querer bem, contribuir desse modo pela beleza Quando saímos do instituto socorrista, um grupo de umas dez
das coisas que glorificam a vida. Religião não é isso que no mundo pessoas mais ou menos, guiado por Íris, foi com destino ao hospi-
carnal faz de conta que é, ou faz-se por ser, religião é vida plena, tal localizado numa região abaixo, posto intermediário entre zo-
amante, sábia, feliz, acolhedora, científica, harmônica, altruísta; nas trevosas e primeiros estágios de restauração e paz. Íris levava
é viver para tudo e todos, vibrantemente, universalmente, amo- encargo no sentido de preparar o necessário para o ato a que a
ravelmente, seja para com os mundos, as nebulosas, os espaços menina houvesse de necessidade. Chegados, pois, ao hospital em
infindos, as pessoas, os animais, as plantas, as pedras, tudo que vista, deixou ela documento em mãos responsáveis, na portaria do
vive, tudo que é, seja lá o que for, desde que seja manifestação do mesmo. E partimos.
Supremo Espírito, da Fundamental Essência. Na crosta, e casa adentro, vimos que amorosa mãe velava pelo
Havendo acompanhado aquela jovem, duas horas depois fomos seu rebento, sentada em cadeira de vime, pensando no Senhor;
ter a uma casa da crosta. Devia ser gente protestante, logo calculei, orava, no momento, desprendendo vigorosos filetes brancos, pu-
pelas cantorias bonitas com que se dirigiam a Deus, a Jesus, ima- ros como o seu amor maternal.
ginando Aquele da forma a mais antropomórfica possível. Todavia, — Ponham todos vocês as mãos sobre mim — ordenou-nos Íris.
sentiam muito o que faziam, embalsamando o ambiente de ma-
neira feliz, com radiações vigorosas. Pediam ao Senhor a cura de Feito isso, ordenou de novo:
uma criança, caso isso fosse do Seu Santo Desígnio. Íris, a jovem, — Orem ao Sagrado Princípio do Universo, que é em nós a parte
foi levar-lhes a resposta do Senhor, resposta positiva. Foi vistoriar e o Todo.
o caso, antes de mais nada, pois a menina tinha os intestinos em E não havia que pensar em Deus longínquo, depois de tal con-
muito mal estado, fazia dias. vite. Passamos, por isso mesmo, a arrancar de nós aquilo que ja-
— Esta noite, como você irá ver, havemos de tirá-la daqui para mais deixou de ser depósito divinal, em poderes e sentires. Nossas
um tratamento em nosso hospital. Faremos a cura pelo perispírito, almas foram como que se expandindo, tornando-se amplas; cores
além de virem médicos depositar elementos de nossa flora nos desconhecidas se foram apresentando, sons maviosos e embalan-
alimentos da irmãzinha. Ela precisa sarar, pois nasceu para certa tes se apresentaram a nossos ouvidos. O quarto podia estar escu-
função. O mundo carnal precisa de reformadores ou agentes de ro para os frouxos alcances do olho encarnado; para nós, porém,
ideais reformistas; e esta menina irá fazer coisas úteis. Trouxe contudo era luz e dadivosas bênçãos.
sigo faculdades mediúnicas vantajosas que, em seu tempo, hão Íris, só então, colocou sua mão direita sobre o ventre da irmã-
de expor-se, abalando a crendice de muitos. Poderá vir a ser mal zinha, projetando-lhe eflúvios multicores, que, aos poucos, toma-
compreendida, odiada até; mas, aos servos do Senhor basta-lhes a ram a tonalidade mais viva do dourado. Era como se um batalhão
satisfação de consciência, de mandato em exercício. de homens bem armados valentemente penetrasse e de chofre
A turma de cantores se foi. Nós, também, nada mais tínhamos pela caverna adentro onde ladrões se escondessem. Porque, assim
por fazer, depois de Íris impor-lhe as mãos, passando-lhes fluidos como os ladrões o fariam, procurando jeito de fuga e esconderijo
vivificantes. pelas frinchas e anfractuosidades, assim começaram a fazer, aque-
A noite, por isso mesmo, estava sendo aguardada por mim com les turbilhões mucosos, numa sortida desesperada.
todas as honras; aprende-se muito e sempre por estas bandas da A mãe, ante as convulsões da filhinha, levantou-se e prontifi-
vida, no círculo de pessoas agentes do bem. Como Fábio estivesse cou-se à higienização. Admirou-se da quantidade de elementos
com tempo, fiz-lhe convite, depois de indagar a Íris se isso seria expelidos e do mau cheiro. Mas, notou com satisfação, que o seu
possível, não prejudicial e do seu agrado. Ele quis muito e assim anjinho estava com outro aspecto, sorrindo mesmo, como há tem-
ficou combinado, para depois da meia noite. pos não o poderia fazer.
Uma vez limpa a criança, colocou-a de novo no leito, acarician- Alguém, do círculo, interveio:
do-lhe a cabecinha loura. — Pois que vá Íris ao encalço de Eliel!
— Coloquem vossas mãos sobre a mãe. — ordenou Íris — Va- Íris não se fez de rogar; sumiu de diante de nós, mesmo que
mos aproveitar suas reservas de fluido animal eletromagnetizado. me pareça tê-la visto sair por uma das portas. E minutos depois,
E ela mesma passou a impor diretriz aos fluidos que começaram nem cinco deles, creio, ei-la de volta, em companhia de um se-
a exteriorizar-se pelas pontas dos dedos da progenitora. Com isso, nhor muito alto, louro, fisionomia alegre e olhar mais bondoso que
dentro em pouco a menina adormecia. E chegou a hora aguardada. inteligente. Com a chegada de Eliel, todos o saudaram, com cari-
— Afastem-se um pouco — disse Íris, movendo a cabeça, a sua nhoso afeto. E ele, simples, encaminhou-se para a menina, que
bela cabeça, de onde despencavam ondeados e sedosos cabelos sorria feliz, penso eu que, sob a influência dos fluidos de Íris, para
cor do sol. acariciá-la, dizer-lhe palavras, que, decerto, a menina não compre-
endia. Havia, porém, uma qualquer coisa nesse homem simples,
E com o nosso afastamento, foi retirado o ser vivente daquele cujo olhar radiava extrema bondade.
veículo de matéria organizada e sabiamente disposta. A menina
estava linda, muito linda, como o seu feliz sorriso, sorriso esse que — Que acha? — indagou um dos do hospital, que devia ser mé-
repercutia no corpinho que dormia. Íris, num jogo de fluidos, ves- dico.
tiu-a como quis, toda de branco, mas um branco radiante, vivo, as- — Que devemos intervir — respondeu o homem simples, auto-
sim como se falasse, assim como se vivesse. E com seu semblante maticamente.
feliz, sem falar, acenou para a saída imediata. E foi só querer, pois — Com os projetores? — indagou o homem do hospital.
ali todas as vontades eram sua vontade. A mulher, para certas coi- — Com ambas as projeções... A mecânica e a psíquica.
sas e disposições, é sempre mãe e objeto de superiores cuidados. Com isso dito, mais gente foi convocada, gente que veio formar
Não sei o lapso de tempo gasto na travessia; mas foi como es- em torno do leito. Quando todos estavam a postos, o homem sim-
tar ao mesmo tempo nos dois lugares, tal a precisão do aconteci- ples avisou:
mento. Não levamos a menina para a nossa região-moradia, para a — Todos nós, como sabeis, estamos fundamentados em Deus,
nossa zona astral; fomos aportar em rincão de mim não conhecido, na Essência Básica ou Divina do Universo; devemos, pela educação
zona relativamente inferior, céu eivado de penumbra; mas havia em geral, saber ir a Ela e colher o necessário, para nós e para quem
organização hospitalar à altura das necessidades, direi próprias, o queria. É o que iremos fazer, mais uma vez, a bem desta nos-
julgando aqui de modo muito condicional, pois me parece que o sa irmãzinha. Busquemos, pois, o Sagrado Princípio do Universo,
ponto forte, sempre, é merecer. Verdadeiramente, merecendo, ha- dentro de nós mesmos. Pelo que viermos a luzir, naturalmente sa-
vendo cabimento executável, o que se não pode dar? O que seria beremos do alcance atingido. Sabendo não ser alheio a nós, Deus,
impossível? deixemos o resultado a cargo de Sua Soberana Justiça. Oremos,
Introduzida a menina num recinto apropriado, ei-la entregue a converse com o Pai Comum de tudo e de todos.
gente do mais apurado metier. Deitaram-na sobre um leito alvo, Se cada um pensa como pode, certo é que cada qual ora como
puseram-na sem roupa, focalizaram-na sem e com aparelhamen- pode, também. E ninguém foi convidado a dizer isto ou aquilo.
tos vários, apetrechos técnicos e observações em geral. Em segui- Porque, para falar com Deus no templo interno, não há que gri-
da, depois de repicar de um palavreado técnico, para mim sem tar, nem falar alto, nem murmurar. Há que fazer profundo silêncio.
importância, pois o que me punha extremamente curioso não era E isso foi acontecendo. Dentro em pouco, parecia ter-se o ruído
isso, que é bem da Terra, houve quem dissesse: transformado em nada. O simples zunido, forma em que se apre-
— Só mesmo convocando Eliel. O caso reclama outras interven- senta o ruído distante, pareceu desaparecer. Ou ele sumiu de nós
ções... ou nós o deixamos, por razão qualquer ou lei atinente.
E, coisa curiosa para mim, de tremenda significação, foi que pas- num crescendo contínuo, como é natural para todos.
sei a ver com os olhos cerrados. E data desse dia, essa faculdade de Pauseou e logo prosseguiu, fazendo um trejeitozinho gracioso,
que muito tenho feito valia, em meus trabalhos de espírito socor- todo seu:
rista. O que mal vejo de olhos abertos, melhor enxergo com eles — Mas, na última encarnação, para libertar-se de certas quejan-
fechados. A nitidez é outra, outro é o alcance rumo ao infinitesi-
mal. dinhas de uma vida remota, quis ter e Deus abençoou o seu que-
rer, a vida trabalhosa de um médium de cura, pobre e sem letras,
Via, pois, com precisão, tudo o que ia pelos intestinos da meni- escravo do dever. Findou os seus dias num abrigo, desconhecido
na. Se não tenho alcance para dizer de órgãos e acidentes, posso de todos, onde fazia questão de servir no que lhe estivesse ao al-
ao menos dizer que vi coisas que estão muito longe do alcance cance, isto é, ao alcance de um corpo encarquilhado, curvo aos
científico, e mesmo de imaginação, de muitos ditos sábios do mun- anos e debitado ao laboratório comum. Não ostentou títulos, não
do carnal. Quando Deus quer, direi, tudo será insignificante, quase teve preferências exteriorísticas, não lhe fizeram discursos enco-
inexistente, na ordem relativa, ou das coisas ditas da Criação, da- mendatórios na hora do enterramento dos restos, a quem tanto
quilo que é de acento material, seja da alçada que for, em densi- trabalho deu, de quem muito extraiu vantagens.
dade ou intensidade. Porque o quarto passou a brilhar, e numa
intensidade tal, que me vi na contingência de apelar por auxílio, Enquanto Íris terminava seu breve comentário, trabalhadores
por meio de um gemido surdo, indefinível, transportante. da casa dispunham a menina de modo a poder ser recambiada
— Mantenha-se calmo o mais possível — disse o homem sim- ao corpozinho distante. Assim a jeito, é Íris quem convida a partir.
ples, num tom de voz que parecia vir das profundezas de si mes- E partimos. Tudo rápido, sem rodeios; entre um piscar de olhos,
mo, lá onde devia estar conversando com o Supremo Todo, ele que eis-nos de novo na crosta com a serva a depositar o espírito no seu
devia já poder fazer isso, pelas suas conquistas internas. invólucro temporário. Passou-lhe as níveas e brilhantes mãos da
cabeça aos pés, por várias vezes, comprimindo elementos etéricos
— Sim... sim... — foi o que me lembro ter dito. e astrais no sentido que desejava, que sabia necessários.
Ao cabo de minutos, que pareceram séculos, tanto se viveu em — Com esta sobrecarga de elementos intensíssimos em saúde,
tão pouco, gradativamente tudo foi volvendo ao natural. Eu cho- o corpo somático cederá. As bactérias já foram eliminadas e os
rava sem saber bem por que, sentindo em mim torrentes de glória tecidos estão em franca restauração. Aguardemos um pouco, até
e eternidade me rondarem a alma enternecida; e os outros, mais que a mãe lhe prepare o que comer, para que Davi ministre o ne-
experimentados do que eu, por que chorariam?... cessário no alimento.
Tudo era natural, diz o homem simples: Eu nem pensava em Davi, um amigo da região, mas que de-
— Se for preciso, volveremos... Mas, tenho certeza de que não sempenhava função em zona inferior, chefiando um laboratório.
o será. Graças do Supremo Princípio verteram das profundezas de Naturalmente, alguém devia ter-lhe passado informe. E para Íris,
todos os presentes. Eu vos agradeço, amigos, por tanta dedicação fácil lhe seria avisar, dispondo, como dispunha, de imenso cabe-
ao próximo. Deus vos pague. E não vos esqueçais, de que estarei dal psíquico; querer locomover-se, para um espírito de tamanha
sempre ao vosso dispor, para estas subidas de espírito, nas alturas capacidade em mutação perispiritual, é pensar e fazer. Quando
divinais de nós mesmos. Adeus, amigos, que me chamam para ou- quer densificar o seu corpo, pensa e faz; quando quer furtar-se à
tros deveres. densificação, e ingressar em gamas vibratórias que lhe facilitam a
Quando ele devia estar bem longe, perguntei a Íris: invisibilidade e a ligeireza do pensamento, também o faz, também
— De que círculos do mundo veio esse irmão? o executa, simplesmente desejando com firmeza.
— Não se iluda, que não alcançou isso com meia dúzia de Quando, pois a menina iniciou um chorozinho e a progenitora,
encarnações. Vem, portanto, de ciclos e ciclos, de eras e eras, acordando, veio pressurosa atendê-la, Íris nos avisou:
— Fiquem aí, que voltarei num minuto. E sumiu diante de nós, segundo os merecimentos, sempre de acordo com a lei de causa e
como se fosse uma coisa que sendo, num repente deixasse de efeito. Porque assim é; de conformidade com a direção dada ao es-
sê-lo. Também, para voltar, foi como se tivesse sumido e reapare- forço, rumo ao bem ou ao mal, à paz ou à tormenta, assim se terá.
cido; o jogo da vontade, portanto, operado com o máximo de efici- Da parte dos guias, dos serviçais do bem, tudo é questão de aten-
ência e precisão. Veio acompanhada de Davi, que trazia a sua mala der, quando a criatura o mereça, ou de abandonar, quando faça
forra. E para quem queira pensar na vida, ou processo de vida para por isso. O certo é que ninguém fica sem acompanhamento astral;
além do túmulo, sabendo-o duplicata apenas mais tênue da vida de alguém será companhia, far-se-á acompanhante, sendo certo
na crosta, ou na carne mais densa, compreenderá muito bem que que serão de igual para igual, pois assim o força a lei de afinidades.
tudo é natural e certo, sendo como o é, por ser seguimento lento,
progressivo, sem a violência de algum salto misterioso ou miracu-
loso, rumo ao desconhecido. Não, que esse não seja o processo da
Sabedoria Suprema. A violência não parte das leis puras do Senhor,
serão filhas, apenas, dos desmandos do homem desconhecedor.
Com o levantar da progenitora, e o fato de ter encontrado com-
pleta ausência de febre, uma imensa alegria invadiu-lhe o ser. En-
viou graças ao Senhor, que se foram éter afora, sob a forma de cris-
talinos filetes. Assim, porém, que se deu a preparar a alimentação
da menina. Davi entrou para o exercício do seu ministério, aplican-
do dose, acompanhando o desenvolvimento dos elementos, no
campo etérico, numa zona da vida que foge ao alcance da vista
humana, fugindo, também, das inferiores e humanas vistas destas
bandas. Pois tudo é simplesmente comum, aí como aqui, cada qual
podendo o que pode, pura e simplesmente. E, para avançar um
pouco, seja no sentido que for, faz-se preciso a ajuda de alguém
que possa mais; e essa ajuda, esse auxílio, quando muito atinge o
ponto máximo de flexão pessoal. Nunca ultrapassa o limite demar-
cado pela evolução do beneficiário.
Quando a mãe da menina começou a ministrar-lhe o alimento,
nós partimos. Estava pronta a nossa tarefa. Hoje, a menina está com
uns quinze anos; à custa de suas faculdades, Íris fala continuamente
a muitos encarnados e muita gente sabe um pouco mais de Cristia-
nismo do que sabia antes, quando pensava que ser da Doutrina do
Cristo é apenas questão de ler textos, entendê-los fanaticamente;
cantar hinos; sustentar ideais sectários; desconhecer o problema
da morte; furtar-se ao culto da Revelação; pensar que é escolhido,
quando é apenas ignorante das imensas leis de Deus. Tudo, pois,
em tão pouco tempo, saiu como fora de mais alto determinado.
Porque, acima dos conhecimentos humanos das quejandinhas dos
homens e dos cleros em geral, paira uma orientação inteligente, or-
ganizada, que faz com que tomem as coisas e os seres o rumo justo,
GRAÇAS A DEUS
G
raças a Deus é uma expressão de consciência? É uma
força de expressão? Desejo, para mim, constitua uma
expressão de razão; apenas isso. Como expressão de
razão, obedecerá à ordem lógica das contingências
naturais. Digo, pois, o meu graças a Deus, querendo dizer e afir-
mando que tudo é por derivativo. O sentido de afeição mística,
reverentemente chã, piegas, adulante, não é o que me convém; o
sentido que me agrada é o de respeito por respeito, sendo conclu-
são lógica. Ao invés de um “graças a Deus” filho do temor, prefiro
um “graças a Deus” produto da compenetração real. Aquele adula
ou teme; este sabe e vive; aquele quer significar o favor de Deus;
este afirma que Deus não é cabotino. Aquele afirma o milagre, o
mistério e o conchavismo; este se compenetra da Soberana Justi-
ça. Quando aquele se verga rastejante por incompreensão, este
se levanta respeitoso por compenetração. Aquele “graças a Deus”
quer dizer favor de Deus; estoutro afirma que é em virtude de
Deus, sem a morbidez cabalística nem o terror da ira.
E para a concepção monística, tudo é em virtude de Deus, não
porém pelos favores de Deus. Como a simples decência humana
não admite a bajulação, a lambição rançosa, muito mais não o pre-
zaria Deus, súmula das virtudes que é.
Para mim, graças a Deus quer dizer em virtude de Deus, e não
porque Deus faça favores a quem quer que seja. O mais, poder
vencer ou fracassar, isso é em função da própria vida e das leis
relacionadas, que movidas são pela de Causa e Efeito. Respeito a
Deus como Deus na infinidade de Sua Justiça, bem assim como me
compenetro de que, por essa mesma Justiça, legou ao homem, por
natureza, qualidades para as vitórias. Se o homem por ignorância
ou falsa educação espiritual, ao invés de lutar e vencer à custa de
tais fundamentais e divinos bens, acha mais prudente bajular, ou
engodar, isso não vem de Deus, por isso Deus não responderá.
Já foi dito que o homem prefere, em matéria de religião, se-
guir caminho menos recomendável, adulando a Deus e traindo
aos deveres sociais; mas, repetimos, é um grave erro de cálculo.
Que se dê a bom emprego, por compenetrar-se de que tudo o que fraudes! A fraude, a traficância, a teologia de grupos, a verdade
é, o é em virtude de Deus, porque aí estão a lei básica e o processo postiça, a religião do conchavo, as clerezias profissionais base de
que redime. cultos formais, sem Revelação, não vieram dos Vedas, dos Budas e
Mas, qual a razão deste meu graças a Deus? nem dos Cristos, vieram, sim, posteriormente, por corrupção, por
Simplesmente isto — fui abordado por Mesquita, que me con- falta de escrúpulos da parte de muitos homens.
fiou: E dessas corrupções sofre gravemente a Humanidade! Em lugar
— Sabe que seu mano já mudou e está frequentando uma ses- de crer nas soberanas leis que à Revelação cumpre expor, desviada
são espírita? Sabe que sua cunhada se acha bem avançada em de- do caminho certo, crê a Humanidade nas bobagens formais exerci-
senvolvimento mediúnico? tadas por homens e grupos de fingidos mestres.
Quem, portanto, como eu, ao ouvir dizer que meus parentes fi-
Para quem não sabe qual o montante de anseios pró-Verdade cados no mundo mais denso, se encaminhavam para uma reunião
que assaltam o ser consciente após a desencarnação, a bem do es- espírita, alegrou-se em extremo por isso, nada fez de exagerado.
clarecimento daqueles que ficaram na penumbra da carne, ou da Viu com os olhos de espírito mais livre, pensou com um cérebro
vida restritíssima das zonas densas do mundo mais corpóreo, difícil mais lúcido, sentiu com um coração mais afim com a Divina Essên-
será compreender o prazer que nos causa, a alegria, que nos toma cia do Universo, sobre as verdades de fato, e então verdades sal-
de assalto, ante uma tal disposição de coisas. Saber que aqueles vadoras, de quem esses parentes e irmãos queridos iam se aproxi-
que nos são mais de perto afetos, mais caros pelas circunstâncias mar. Significa isso meio caminho andado, porque vale mesmo por
que só o coração sabe bem explicar, em deixando o burgo frio das meio caminho o saber certo sobre as coisas ditas da vida e da mor-
coisas que apenas passam por espirituais, porque apenas são forte, do além e do aquém túmulo.
mais e idólatras, vão-se aos poucos transladando para outros e
mais acariciantes climas, para esferas de pensamento e práticas Creem ditosos seres destas esferas, que toda a carne poderia
que correspondem a conquistas imortais a bem da alma! Quer e deveria buscar os elementos de fé consciente, por estas alturas
maior maravilha que atinar com o caminho por excelência? Ne- da civilização, no contato puro do intercâmbio mediúnico, fugindo
nhuma maravilha poderá ser mais estuante que essa, remir faltas com isso aos prejuízos que os formalismos e os discursos falazes
depois de se conceber o maior erro, o mais feliz acidente, aquele produzem, criando nas almas disposição para as psicoses negati-
que é o emprego ruim da razão, aquele que constitui a má diretriz vas, antropomórficas, idólatras, fanáticas, medrosas, viciadas em
dada às virtudes fundamentais já despertadas. geral. A Revelação, o intercâmbio interplanos, feito tudo com ele-
vação de conhecimentos e propósitos, é o culto religioso de fato.
Diz o refrão que errar é humano; mas, em verdade, humano é Eis o que desejou Moisés, o grande vulto que posteriores fraudu-
quando se erra em franca espontaneidade, sem resquício de tur- lentos quiseram e querem tenha proibido a Revelação:
ras sectárias, alheio aos ímpetos da mais rameira tradição. E os
erros espirituais da Humanidade são justamente dessa ordem — “Quem dera que todo o povo profetizasse, e que o Senhor lhe
pensam os filhos, os netos e todos os mais, assim como quiseram desse o seu Espírito Santo” — Números, cap. 11.
pensar, passivamente, e a gosto dos exploradores da fé, todos os À Revelação, pois, cultivada em bases sadias, deverá o homem
seus avós, todo ignorantismo que séculos e séculos de clerezias a sua máxima ou integral obrigação de fundo religioso. O mais é
estúpidas forjaram, contrariando propositalmente aos ensinos bá- idolatria, venha de onde vier, diga-se o que quiser, passe pelo que
sicos, à transmissão operada pelos verdadeiros enviados da Dire- queira passar. Porque a finalidade dos planos encarnados, bem o
toria Planetária. Isso o podemos afirmar — que nenhum farsante, sabemos agora, por evolução, por superioridade, é vir a comungar
que nenhum explorador da fé, que nenhum idólatra, que espécie francamente com os planos erráticos. Se isso se deu com aque-
alguma de negação da realidade universal, pode falar em nome les planetas que são superiores à Terra, e irá dar-se com os que
da Diretoria Planetária. De tal plano de orientação não veio jamais lhe são iguais ou inferiores, que é a Terra para ficar à margem das
soberanas leis do Senhor? Só porque a Terra conta com clerezias

medonhamente erradas, fanáticas, que querem viver à custa da
fé? Só porque a Terra comporta agrupamentos ditos espiritualis-
tas, mas que só falam em segredos, em mistérios, em ocultismos CHORANDO, MAS DE ALEGRIA
que jamais existiram em Deus, na Sua manifestação, que é a dita
T
Criação? Não, amigos, por isso não, de vez que todos os mundos, odos os amigos quiseram acompanhar-me, quando
em sua infância, tiveram de enfrentar tais problemas, tiveram de da primeira oportunidade de comunicação mediúnica
eliminar tais absurdidades, tais infelizes aprendizes, tais falsos com a família. Arrumaram substitutos para seus ser-
mestres. viços, fizeram por estar presente, na hora augusta em
O Amor e a Ciência são expansíveis ao infinito! Eis onde deve esque pude manter, pela primeira vez, contato verbal com os meus
tribar-se o espírito, para cultivar a Revelação, a Religião por exce- queridos familiares.
lência. Desabrochar os dotes internos, os bens latentes, as faculda- Foi na casa de meu irmão, que por necessidade de auxiliar aos
des inatas, sem esforço próprio, ou à custa de cultivar o culto dos meus no processo de inventário, para junto deles foi residir, trans-
conceitos de mistérios, de segredos, de ocultismos, de graus ou ladando-se de um Estado para outro. Havendo convidado, por ins-
títulos conferidos por homens, isso não é Religião! A Terra devolve, tância de um guia espiritual, a que fizessem uma sessão em sua
bem o vemos, todos os dias, para cá, elevado número de titulados residência, convidou ele a vários médiuns, gente sem pretensão,
religiosos, de criaturas que no mundo se empavonavam com os homens e mulheres do povo, mas amigos de instrução e boas lei-
galardões no mundo obtidos; mas, qual o desfecho? Os títulos que turas, para que o visitassem e ali fizessem qualquer coisa. E o dia
tanto valiam no mundo, aqui ficaram sem efeito. O homem vem
chegou.
para aqui, para ser medido e pesado pela balança da Virtude e do
Saber; mas há que ser de fato, pois que moedas falsas não correm Minha cunhada era alvo de atenções de alguns amigos destes
nos planos de luz. Poderão passar por trunfo, é certo, mas nas zo- planos, pelo fato de ser francamente passiva, sonâmbula. E foi por
nas inferiores, nas regiões onde quem tem um olho pode ser rei. ela que pude falar, dizer coisas da vida, que continua sempre, com
Mas, por esferas melhores ou pelas superiores, não transitará com ou sem o beneplácito dos homens. A verdade é que tive de en-
tais pretensos salvo condutos... Existem, de fato, regiões, onde to- frentar uma eclosão emocional de envergadura. Ao contato franco,
dos os erros do mundo continuam a ter seguimento; desses planos falando como que sem o fator mediúnico, pelos extremos de pas-
derivam os espíritos que influenciam o clero, os macumbismos, os sividade de minha cunhada, senti-me como se estivesse de novo
fanatismos em geral, por questões de credos, crenças, políticas, na posse de um corpo materializado. Minhas primeiras palavras
princípios em geral de aplicação do pensamento. O discernimento foram embargadas pelo pranto feliz que me invadiu por completo.
dos espíritos, como disse o Apóstolo dos Gentios, é uma grande Coisa estranha, parecia-me chorar por inteiro, por todo o corpo,
faculdade e um elemento de que ninguém deve descurar, princi- como se todos os meus membros e órgãos chorassem, sentissem,
palmente o cultor do mediunismo. vivessem psiquicamente.
— O senhor está sofrendo, papai? — quis saber, angustiada, mi-
nha filha.
— Filha, o céu nos confere bênçãos por demais, para que as
possamos fruir sem abalos íntimos profundos. Eu choro de alegria,
uma alegria que só mesmo espiritualmente poderá ser definida.
Estou mais do que bem; é preciso morrer para gozar a morte, para atraem elementos de planos idênticos, de zonas mentais similares,
sentir o que ela é como a vida exuberantemente espiritual. Por- e acreditando estarem sendo auxiliados por Deus ou por verda-
que a morte é uma vida com mais sentidos, com outros poderes deiros guias, estão é, de fato, sob a tangência de seres igualmen-
de expansão do Ego, do espírito. Eu ainda não sei explicar, mas a te vaidosos, errados e, por vezes, francamente rebelados contra
morte possui glórias que a vida na carne nunca poderá conferir. Di- Deus e Suas Soberanas Leis. Ludibriados que foram pela vaidade,
zem os sábios daqui que nós comportamos, por sermos emanação portam-se dolosamente junto de encarnados menos avisados.
de Deus, patrimônios divinos por despertar, sem conta. Por lei de — Devemos trocar de religião?... — indagou ela, num repente.
ubiquidade é que denominam o poder de expansão em todos os Eu ia dizer coisa minha, com características próprias, quando
sentidos. E seja uma questão de termos ou não, a verdade é que Eliel, que estava ao meu lado, observou-me:
tudo aqui cresce, se multiplica, atinge as fronteiras do indefinível...
— Diga assim:
— O senhor está sozinho? — tornou ela, vivamente interessada.
“Assim como Jesus ensinou, assim vos lembro; quem livra é a
— Sozinho, minha filha? Esta casa transborda em seres amigos,
Verdade. Ele recomendou o culto da Verdade como Religião por
alguns deles iluminadíssimos. São amigos, são irmãos mais eman-
seguir, prometendo um Consolador. Procurai a Verdade e cultivai
cipados, são guias espirituais, são angelizados cicerones...
o Consolador.”
— Que faz o senhor, agora? — interrompeu-me ela.
E a palavra de Eliel foi transmitida inteira e fielmente, graças a
— Começo a trabalhar... Deus.
— Em que, papai? — tornou, prontamente. Em seguida, convidou-me Eliel a despedir, prometendo voltar
— Inicio-me nos socorros... Auxiliado por amigos experimen- sempre que Deus o permitisse. Fiz isso e deixei o corpo de minha
tados, vou atendendo aos que deixam a carne em condições de cunhada livre, para que Eliel pudesse falar e transmitir o que trans-
poderem ser recolhidos às esferas de luz. Como sabe, porque Je- mitiu, palavras carinhosas e uma recomendação ao meu irmão,
sus ensinou e você já leu, cada qual recebe segundo suas obras. por via de seus rins, que iam em mau funcionamento. Mais para
O mais certo é dizer que cada qual se encontra consigo mesmo, frente com os trabalhos, dois endurecidos espíritos foram passa-
chega a ser como se fizer. Mas como se fizer interiormente, não dos pelo cadinho mediúnico, compenetrando-se de que contra
exteriormente. Valem a Pureza e a Sabedoria, pois o resto, o que Deus não convém tentar luta. No final dos trabalhos Alva falou;
faz, é complicar o ser perante as leis divinas. Por isso vos aconse- contou a Ângela sobre o que lhe havia feito em tempos outros,
lho, como pai, como irmão e como servo do Senhor, a que jamais revelando-se mais uma vez agradecida. Eram dois espíritos que
aceitem do mundo um título, um grau de ordem religiosa, como de novo se falavam, um do continente da morte, outro da vida,
que significando valor de ordem espiritual. Procurem, antes, reali- mas cujos corações pareciam pulsar em uníssono, pelo que foi-nos
zar em si mesmos a Pureza e o Conhecimento; porque isso não se dado observar. Entre elas duas, uma cadeia de luz se estabeleceu,
perde. Existem muitos titulados e graduados do mundo, nas regi- num crescente invulgar, fazendo-as vibrar e a todo o ambiente, de
ões trevosas. Deus não consulta estatutos humanos, eis a verda- um modo sublime. Mais, muito mais que as palavras, falavam os
de, Deus é em tudo o Fundamento Básico, não se iludindo com as sentimentos, falava a Verdade, a continuidade da vida, a perenida-
aparências da personalidade; porque o egoísmo, a vaidade, o or- de do Amor, o culto da gratidão...
gulho, o prazer de mando, de domínio, de querer ser, essas coisas Qualquer coisa de mais alto, hierarquicamente mais alto, se fez
é que traem o espírito. E elas se fingem, passam por virtuosidades, presente, convidando a partir. E partimos, deixando a afetividade pe-
por mandamentos de Deus. Tais homens e tais ambientes, é claro, nhorada aos queridos que palmilham os caminhos da vida na carne.
Osvaldo Polidoro
Neste momento, alguns deles já fazem parte das colmeias erráti-

cas, trabalham com amor pelos que permanecem na escola. A Hu-
manidade vive se revezando minuto a minuto, segundo a segundo,
entre os dois planos; e nós temos ordem de trabalhar pelo entro-
samento consciente de ambos os lados. Contamos com sérios obs-
táculos, com entraves difíceis de serem removidos, que são aque-
les que as tradições ignorantistas constituem. Mas, nem que seja
à custa de tremendos choques, ditos políticos, sociais ou econômi-
cos, o Plano Dirigente triunfará. Porque, em verdade, antes de que
a Nova Era se tenha apresentado de fato, abalos profundos terão
feito o homem pensar melhor, respeitar mais as Leis Supremas,
incrustar-se bastante no concerto glorioso da Vida.
FIM
UNIÃO DIVINISTA
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EVANGELHO ETERNO (Apocalipse, 14, 6)

PRINCÍPIO OU DEUS – Essência Divina Onipresente, Onisciente e Onipo-

Ao prezado amigo Sr. Amâncio de Siqueira Campos, nossos agra-

1ª Edição de 1950 – Livraria Allan Kardec Editora

Desta edição, quinhentos volumes foram entregues à Livraria do

UMA VIDA POUCO APROVEITADA

Se temos um Supremo Chefe Planetário, devemos a essa lei. E

— O que mais me interessa é o contato com os que lá ficaram

UMA PONTE SOBRE UM ABISMO

Lá fora, outra era a atmosfera reinante. Daquilo que as plantas e

Estávamos conversando com Alva, quando chegaram, também,

se atiram nos abismos, nos grilhões das reencarnações dolorosas.

— São sete e trinta — avisou Alva.

O BATISMO DE ESPÍRITO SANTO

REPONDO AS COISAS NO LUGAR

PALESTRANDO COM FÁBIO

Tudo pronto, partimos. Éramos cinco homens a rumar para a

NUM CAMPO FLORIDO

soberanas leis do Senhor? Só porque a Terra conta com clerezias

Neste momento, alguns deles já fazem parte das colmeias erráti-

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