Ensaios Filosoficos Volume XIV
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Resumo
Este artigo fornece uma perspectiva da criação teatral como abandono da definição
tradicional de representação, em favor do corpo. Nesse sentido, se expõe os vetores
vitais que transformam a noção de espaço do cênico. A criação no teatro é realizada
como experimentação onde desaparecem as fronteiras das diversas artes. Trata-se de um
teatro de atletismo afetivo, que se refere à invenção de linguagens que transbordam a
linguagem gramaticalmente organizada.
Palavras-chave
Corpo, crueldade, espaço intensivo, afectos, movimento.
Abstract
This essay offers a perspective of the theatrical creation as an abandon of the traditional definition
of representation to make possible the entrance of the body. In this way, there are suggested vital
vectors which transform the notion of scenic space. Theatrical creation is effectuated as
experimentation where all the frontiers between several arts disappear. It treats of an affective
athleticism that refers to the invention of languages that overflow the language grammatically
organized.
Keywords
Body, cruelty, intensive space, affection, movement.
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1
Doutora em Filosofia pela FFyL-UNAM, professora de filosofía na FFyL-UNAM e em La Salle.
E-mail:[email protected]
ORNELAS, S. Ensaios Filosóficos, Volume XIV– Dezembro/2016
No Ocidente se reduziu tudo aquilo que é próprio do teatral, tudo que não pode
se representar através da palavra (...) A cena é um espaço físico concreto que
exige ser ocupado e expressado com sua linguagem específica, uma linguagem
que deverá se dirigir a todos os sentidos2.
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2
Cf. A. Artaud, O Teatro e seu Duplo, p. 52, contracapa, assim como p. 134. Artaud aponta as diferenças
entre a cultura oriental e ocidental: o teatro balinês depende de gestos e símbolos, utiliza a cena para o
ritual e a transcendência; os atores entram em contato com o inconsciente. Teatro ocidental se baseia no
diálogo, e usa o palco para a ética e a moral, argumenta que a linguagem das palavras é o melhor.
3
Disposição das notas para se acomodarem a uma determinada voz ou a um dado instrumento (N. do T.).
4
Deleuze diz que Alban Berg (1885-1935) é um compositor austríaco considerado como um dos mais
influentes na ópera do século XX. Wozzeck e Lulú são as duas óperas mais conhecidas e interessantes.
Discípulo de Arnold Schoenberg de 1904, utiliza as técnicas de seu professor. Veja, Gilles Deleuze,
Derrames. Entre el capitalismo y la esquizofrenia (Buenos Aires: Cactus, 2005), 321.
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recai no papel pautado em clave de Sol (cantata, notas agudas de uma melodia) e em
clave de Fá (notas graves, baixas, instrumentais, piano, órgão, baixo).
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A Deleuze acha divertido saber que Dominique Fernandez se indigna que as mulheres cultivem uma
voz de soprano, pois o soprano natural está na voz da infantil, antes de qualquer complicação de gênero
sexual.
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Deleuze desenvolve um pensamento frutífera e fecunda sobre as diferenças entre as noções de espaço
amplo e espaço intensivo. Intensive é dado por uma síntese assimétrica do espaço sensata infundadas
(effondé), que não obedece a natureza referencial de objetos, e que está a perturbar as funções visuais e
sem espaços ópticos, estriados, sujeitos a pontos e linhas (espaços amplos, físicos), mas os haptics,
suaves, como o Saara, frequentemente invocada. Suave isso não significa <vazia>, mas intensa ou
povoado por intensidades. É um espaço de vida.
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recordar que “povo” é uma categoria estética porque alude ao possível, ou seja, a
criação artística.
"A obra de arte abandona o reino da representação para se fazer experiência,
empirismo, sensação"7. Experimentar conjura a representação da experiência, abre aos
afectos, tratados por Artaud e por Deleuze como potências impessoais. Assim,
experimentar consiste em um contínuo colocar em marcha e em dança, optar por
movimentos e não por palavras. Os afectos e perceptos não significam afecções e
percepções; ao contrário, eles insinuam modos da sensação, matéria expressiva pré-
subjetiva proporcionadora de alguma realidade artística. Os afectos são mais comuns na
dança e na música. A dança etérea, quase irreal, a música impregnada de uma
sensualidade que arde com graça os apetites inflama. Os perceptos, na poesia, na
literatura e na pintura. O teatro sintetiza estas artes em um composto inorgânico onde as
intensidades estremecem os corpos: a dor contrai, o terror quebra, a alegria expande, o
ciúme retorce.
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7
Gilles Deleuze. Diferença e Repetição. (Buenos Aires: Routledge, 2006), 79. Deleuze transforma o
significado do empirismo do primeiro livro escrito empirismo e subjetividade. A filosofia de Hume
abandona a ideia de que o empirismo refere-se às tensões da experiência e a priori. Deleuze desenvolve
um empirismo não indicando que parte da tabula rasa, vazia. Pensei que começa em um <dois>, metade
de uma colcha de retalhos de matéria têxtil que tornam possíveis alterações na forma pela adição de novas
peças de tecido. Assim, o empirismo é um novo poder, e até mesmo uma lógica diferente.
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outras ardentes como raio na tormenta; umas suplicam, as outras expõem. “Tudo que é
feminino é invocação” (Artaud, 2002, 132). No entanto ambas existem no jogo das
respirações e nos músculos agitados pela afetividade que substitui as estratégias
linguísticas da designação. Linguagem possível, clama Artaud, absurdo de superfície,
agrega Deleuze, humor poético que transborda os limites da ironia racional. O humor
vive no teatro, revoluciona o real, tende ao anárquico; coloca o corpo em cena, ou
melhor ainda, faz do corpo um palco.
Conclusões
O teatro considerado como um atletismo afetivo faz da crueldade um retorno do
espírito da fábula; e a fábula se conecta com as potências do falso, mais do que com a
imaginação. As potências do falso operam nos corpos, os descompõem até fazê-los
corpos sem órgãos povoados de emoções intraduzíveis. O falso não conserva valores
positivos epistemológicos ou morais; indica melhor o ato de falsear uma realidade
criando espaços artísticos. A imaginação, por outro lado, é de ordem psicológica, alheia
ao momento meramente criativo da teatralidade. De fato, Deleuze prescinde da noção de
“imaginação”, a entende problemática, porque seu estatuto ontológico escapa aos jogos
de conceito e da sensação. O afetivo cria linguagens menores dentro da própria
linguagem, isto é, não renuncia por completo a palavra, porém subtrai dela toda
arbitrariedade, e a utiliza espacialmente, estimulando a materialidade que é própria para
perverter o estabelecido. Essas linguagens corporais são signos, e uma vez que os signos
são figuras do mundo, os atores convertidos em atletas do coração entram em um devir-
hieróglifo, o que Artaud chama de automatismos.
O ator da crueldade é um atleta afetivo que atravessa os umbrais intensivos, o
que Deleuze nomeia intermezzo¸ou simplesmente entre, para indicar que tudo acontece
no meio; que é um meio onde os mundos nascem de uma virgindade juvenil, porque não
estão submetidos às leis da significância e da subjetivação. Esses mundos nascentes são
os espaços dos afectos e dos perceptos. Os afectos são devires não humanos do homem,
expressam o inconsciente, o delírio, a alucinação, todas essas atmosferas da psique que
se insinuam nos gestos e posturas corporais. Os perceptos são devires não humanos da
paisagem que se imprime na pintura e na literatura, oferecendo uma expressão física
precisa, como a que se alcança no teatro balinês, onde toda expressão é expressão física
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Referências Bibliográficas